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rio capibaribe

Além de ser uma estrutura física essencial para inauguração, sustentação e formato da cidade do Recife, o Rio Capibaribe (*) é figura ilustre na paisagem e na memória dos pernambucanos, desde o princípio da nossa história. Retratada em pinturas, músicas, histórias e poemas, a intensa presença do rio na cidade também ficou evidente nas entrevistas do Guia, sobretudo associada ao cheiro: o Capibaribe foi mais lembrado através da memória olfativa, tanto com tons positivos (o cheiro do mangue) quanto negativos (fedor). Assim, o rio estende sua presença para além da paisagem visual - ao longo da Rua da Aurora - e adentra o bairro, deixando sua marca na paisagem dos cheiros. Para muitas pessoas, o cheiro de maré foi trazido como uma característica forte e particular do bairro da Boa Vista. Enquanto na paisagem visual, o rio traz a ideia de leveza e calmaria, na paisagem do olfato ele é marcante e intenso.

O cheiro da boa vista remete ao termo “TROPICAOS”, onde o cheiro do mangue e o fedor de esgoto se encontram no Capibaribe! É uma pena que ainda tenhamos essa relação covarde com o Rio já quase 500 anos, mas é a realidade.

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Homem adulto, ex-morador do bairro da Boa Vista, faz parte do grupo LGBTQIA+

Além de deixar sua marca, mesmo em pontos onde não é visível, o capibaribe também surgiu na memória de alguns entrevistados associado aos sentimentos de respeito e medo, devido às enchentes que alagaram algumas ruas

(*) visualização no mapa: item 55.

do bairro, como a Visconde de Goiana. Como uma entidade etérea, o Capibaribe também navega nas ruas da boa vista e nas mentes de seus frequentadores, fazendo lembrar que Recife é uma “cidade anfíbia”.

Tenho medo de cheia, o rio sempre me deu muito medo. me lembro de mamãe me acordando pq o Rio Capibaribe tinha transbordado, na cheia de 1975. A água chegou a um metro, mas na ilha do leite muita gente perdeu tudo. Outra coisa do rio que tenho lembrança de medo foi quando disseram que Tapacurá tinha estourado. Todo mundo foi pra rua correndo, sem saber pra onde ir.

Mulher de meia-idade, moradora antiga do bairro da Boa Vista.

Vista do Rio Capibaribe a partir da Ponte Princesa Isabel. 2021.

A Boa Vista assim ela é, toda aterrada também, muito aterrada, tem uma história muito forte com o mangue. Mulher, ex-moradora e trabalhadora no bairro da Boa Vista, faz parte do grupo LGBTQIA+

Um outro ponto ressaltado foi a relação “covarde” que foi estabelecida com o rio ao longo de várias décadas, através de práticas de poluição, aterramento, assoreamento, bem como a necessidade de preservação desse curso d’água. Essa “tristeza” foi até mesmo ressaltada por João Cabral de Melo Neto no seu poema o Cão sem Plumas, de 1950, mais uma prova de como essa questão é antiga na nossa cidade:

Seria a água daquele rio fruta de alguma árvore? Por que parecia aquela uma água madura? Por que sobre ela, sempre, como que iam pousar moscas? Aquele rio saltou alegre em alguma parte? Foi canção ou fonte Em alguma parte? Por que então seus olhos vinham pintados de azul nos mapas?

No entanto, mesmo com a marca da poluição e do cheiro ruim, é possível perceber que ainda existem alegrias: vida no Capibaribe, a qual se pode contemplar mesmo nas partes poluídas, com garças, peixes e capivaras. O que nos encanta

nos fins de tarde ainda é a vista desse curso d’água e cenas que podem passar despercebidas, como a atividade de pesca que é possível ver nas pontes. Aliás, a relação com o rio e as pontes, comércio atrativo e diverso foi apontada como um diferencial do bairro da Boa Vista. E o cheiro do rio, por mais que possa carregar tons negativos, ainda é o cheiro do mangue e da maré.

O grande hotel, era o hotel mais chique, depois do Hotel Central. Quando inaugurou quase faliu o hotel central, por que ele ficou mais chique do que o hotel central, e todo mundo queria se hospedar em frente do rio.

Mulher de meia-idade, moradora do bairro da Boa Vista

[O cheiro da Boa Vista] é um cheiro do recife, se disser o cheiro do recife, a gente vai sentir o cheiro de melancia, a gente recebe muito o cheiro do mar aqui, cheiro de mangue e o gosto pra mim, é de churrasquinho de gato, comida de rua.

Mulher de meia-idade, moradora do bairro da Boa Vista

É reconhecendo essas pequenas alegrias que é possível ter certeza da importância de cuidar deste bem tão significativo em diversos aspectos, desde o físico, com seus mangues e estuários, até os aspectos culturais, como componente essencial da paisagem e da memória dos Recifenses.

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