As novas rebeliões latino-americanas

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AS NOVAS REBELIÕES LATINO-AMERICANAS

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CLAUDIO KATZ2

ILUSTRAÇÕES DE JOANNA LATKA


AS NOVAS REBELIÕES LATINO-AMERICANAS | CLAUDIO KATZ ILUSTRAÇÕES DE JOANNA LATKA

A AMÉRICA LATINA CONVERTEU-SE NUM FOCO DE RESISTÊNCIA SIGNIFICATIVO AO IMPERIALISMO E AO NEOLIBERALISMO. AS GRANDES SUBLEVAÇÕES POPULARES CONFIRMARAM A PRESENÇA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS E CONDUZIRAM À QUEDA DE VÁRIOS PRESIDENTES NEOLIBERAIS. MAS QUAL É O ALCANCE DESTA ONDA DE LUTAS? QUE PROGRAMAS, SUJEITOS E PROJECTOS SE PERFILAM NA REGIÃO?

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QUATRO GRANDES LEVANTAMENTOS A tónica destas mobilizações tem sido marcada, desde o principio da década, pelas sublevações registadas na Bolívia, Equador, Venezuela e Argentina. O protesto social nestes quatro países desembocou em levantamentos massivos e generalizados. Esta mesma tendência de erupção popular verifica-se também, entre os habitantes de Oaxaca (México), os estudantes do Chile, os trabalhadores da Colômbia e os camponeses do Peru. A intensidade dos protestos é muito desigual na região e coexiste com situações de refluxo em países chave como o Brasil. No entanto, um após outro, os distintos modelos de estabilidade neoliberal foram ultrapassados pelo ascenso popular. O Chile é o exemplo mais recente e emblemático desta mudança. A onda dos últimos anos teve como eixo de polarização as nações andinas, forte impacto no Cone Sul, e menor influencia na América Central. Este mapa tende no entanto a modificar-se, à medida que as mobilizações ganham força no México e irrompem na Costa Rica. Os quatro grandes levantamentos da América do Sul constituem o padrão de referência de um processo regional de resistências entrelaçadas, que interactuam entre si3. A rebelião mais profunda consumou-se na Bolívia, em oposição ao feroz atropelo neoliberal que desde 1985 empobreceu a região do Altiplano. A acção popular subjugou a repressão dos presidentes direitistas, em três marés de grandes combates. Com a “guerra da água” impediu-se a privatização de este recurso (2000), com a “guerra do gás” defenderam-se os hidrocarbonetos contra a depredação exportadora (2003) e com a escalada final (2005) foi arrasado o presidente Lozada e o seu sucessor Mesa. Através de uma insurreição com 80 mortos e 200 feridos, a população quebrou o ciclo direitista e inaugurou o actual processo presidencial de Evo Morales. No Equador, os programas neoliberais foram igualmente sacudidos por várias sublevações. Primeiro, os indígenas provocaram a queda do presidente Bucaram (1997) e logo impuseram a derrocada de Mahuad (2000), ao cabo de seis dias de intensos combates de rua. As elites conseguiram uma breve distensão com o auxilio de um militar (Gutiérrez em 2003), que mascarou com uma retórica nacionalista a continuidade da agressão patronal. Mas uma nova “rebelião dos foragidos” com maior presença da classe média urbana (2005) demoliu este ensaio e inaugurou a sequência de fulminantes derrotas eleitorais da direita (2006-07), que conduziram ao actual governo de Rafael Correa. Na Venezuela a erupção popular teve inicio no “Caracazo” (1989). Este levantamento constituiu uma resposta ao aumento do preço da gasolina que foi implementado por um governo de banqueiros e magnatas do petróleo. (Carlos A. Pérez). No meio de fulminantes crises financeiras e protestos com centenas de mortos, os intentos continuistas foram in-


terrompidos por um levantamento militar (1992), que inaugurou o processo bolivariano. O fracasso do golpe empresarial apoiado pelos Estados Unidos (2002), e a grande sequência de vitórias eleitorais, permitiu a Chávez sepultar o tradicional bipartidarismo das elites. Estas vitórias geraram a actual polarização entre a direita e o governo nacionalista. Esta confrontação expressa-se quotidianamente nas ruas e nos meios de comunicação social. A quarta rebelião significativa verificou-se em Dezembro de 2001 na Argentina. Esta conduziu à queda do presidente neoliberal De la Rúa, que tentou manter a política de privatização e desregulação instaurada nos anos 90 por Menem. Esta sublevação foi o corolário da resistência dos desempregados, que expandiram a seu método de luta “piquetero” a todos os movimentos sociais e confluíram num grande levantamento com a classe média expropriada pelos bancos. O protesto alcançou um novo pico em resposta às novas provocações repressivas (Puente Pueyrredón em meados de 2002). Esta resistência perdeu posteriormente intensidade, mas impôs limites sérios às agressões capitalistas. As classes dominantes lograram restaurar a autoridade do estado e contiveram a ira dos oprimidos através do governo de Kirchner. Num marco de recuperação económica, tiveram que outorgar concessões sociais e democráticas significativas. TRÊS EIXOS COMUNS Todas as rebeliões sul americanas desenvolveram reivindicações coincidentes contra o neoliberalismo, o imperialismo e o autoritarismo. Estas exigências traduziram-se na defesa da anulação das privatizações, nacionalização dos recursos naturais e democratização da vida política. A reacção popular apoiou-se na erosão da dominação burguesa que tinha dado origem ao neoliberalismo periférico. Este programa direitista não só precarizou o trabalho e massificou a pobreza, como conduziu a uma deterioração significativa da autoridade das classes opressoras. A reorganização económica em que embarcaram os grupos dominantes gerou grandes crises, que deterioraram a capacidade das elites para gerir o estado. Este enfraquecimento incentivou a erupção das massas. Num marco de quebra da estabilidade política e perda da hegemonia dos partidos tradicionais, os manifestantes na Bolívia exigiram a re-estatização da água e a nacionalização dos hidrocarbonetos. Reclamaram o fim da regressão social provocada pela privatização e encerramento de minas, que dilaceraram o tecido social, massificaram o trabalho precário e incentivaram o narcotráfico. A sublevação no Equador, onde a pobreza afecta 62% da população, teve a mesma motivação anti-liberal. Os oprimidos insurgiram-se contra a economia dolarizada, restrita ao sector primário e privatizada, que gerou colapsos inflacionários, financeiros e cambiais. Na Venezuela o primeiro tumulto popular enfrentou a carestia provocada pelos ajustamentos estruturais do FMI. Esta reacção consolidou-se, quando o desmoronamento do sistema bancário precipitou a fuga de capitais, num momento de inflação e desvalorização

monetária descontrolada. A reacção popular foi um protesto contundente contra a privatização do petróleo e a pouco clara privatização dos bancos. Também na Argentina a rebelião estalou face aos efeitos nefastos do neoliberalismo: a confiscação das poupanças da classe média para pagar a divida pública e a massificação do desemprego gerada pela flexibilização laboral. Os oprimidos exigiram na rua a inversão de uma política económica que produziu uma depressão sem precedentes desde os anos 30. As mesmas reivindicações têm predominado nas mobilizações de outros países. A maioria popular rejeita os acordos de comércio livre (Colômbia, Perú, América Central), as consequências das privatizações (Chile, Uruguai), a desregulação laboral (Brasil) e o encarecimento dos alimentos (México). Mas este questionamento do neoliberalismo adopta também um perfil anti-imperialista, já que a liquidação das empresas públicas e a abertura comercial beneficiou muitas multinacionais norte-americanas e europeias. A recuperação da soberania nacional mediante a re-estatização dos recursos naturais tem sido por isso uma reivindicação de todas as rebeliões. Na Bolívia esta exigência desembocou na nacionalização dos hidrocarbonetos. O alcance desta medida encontra-se actualmente em disputa, nos contratos que o governo negoceia com as multinacionais. Decide-se nestas disputas o montante de rendimento que arrecadará o estado bem como o uso que será dado a esse excedente. A mobilização social impulsionou também a extensão das nacionalizações a outros sectores (água, caminhos de ferro, telecomunicações), apesar de ser evidente que o futuro do pais se decidirá pela forma como o estado irá gerir o petróleo e o gás natural4. Pode-se constatar a mesma conexão entre nacionalizações e mobilização popular na Venezuela. Também ai se regista uma expansão da propriedade estatal, quer a nível da indústria petrolífera, quer nos serviços públicos de água, telecomunicações e electricidade. Este curso inverte o rumo neoliberal e coincide com a tendência para a nacionalização que se verifica em todos os países exportadores de crude. Mas também se enquadra na luta particular que conduzem contra a corrupta burocracia transnacional que geria a empresa estatal PDEVESA. Começa a verificar-se um conflito semelhante no Equador resultado da anulação de um contrato petrolífero fraudulento (Oxy), que re-introduziu o debate sobre a nacionalização. Até ao momento o novo governo propõe apenas destinar os fundos excedentes gerados pela exportação de combustível ao desenvolvimento de programas sociais. Na Argentina, diferentemente dos três percursos referenciados, as privatizações mantiveram-se sem grandes mudanças O governo neutralizou as exigências populares e limitou-se a regular as tarifas dessas companhias. No entanto as tensões não estão sanadas, dado que em toda a região crescem as reivindicações de estatização. São os protestos contra a depredação mineira (Perú, Chile) ou contra a destruição do meio ambiente (Brasil), que estão invariavelmente relacionadas com a rejeição de bases militares norte-americanas (Equador, Porto Rico) e as tentativas de intervenção “yanqui” www.combate.info

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(América Central, Colômbia). As bandeiras anti-imperialistas recuperaram centralidade, face ao dramático processo de recolonização política que a região sofreu nas últimas duas décadas. Em todas as rebeliões emergiu igualmente uma exigência de democracia real. Pela primeira vez na história regional a onda de revoltas não enfrenta ditadores mas sim presidentes constitucionais. Esta novidade demonstra que as lutas latino-americanas não se restringem a uma batalha contra regimes totalitários. Existe uma percepção já generalizada que a vigência de sistemas constitucionais não resolve os dramas sociais. Constata-se que as estruturas políticas são utilizadas pelas classes dominantes para implementar atropelos contra os trabalhadores. As sublevações contra presidentes autoritários e corruptos iniciaram-se no Peru em finais dos anos 80, continuaram no Brasil em 1992 e posteriormente no Paraguai em 1999. Actualmente, esta batalha inclui exigências de refundação política integral. Por esta razão tem prevalecido em várias revoltas a exigência de Assembleias Constituintes, apesar do uso negativo que mecanismos como estes tiveram ultimamente. Serviram para mascarar a continuidade da ordem vigente (Brasil) e para facilitar reeleições de presidentes neoliberais (Argentina). A Assembleia que emergiu em 1999 na Venezuela conduziu a importantes conquistas populares. Neste momento debate-se outra reforma constitucional que consagraria novos avanços (fundo de estabilidade social, redução da jornada de trabalho, supressão da autonomia do Banco Central). A direita resiste a estas tentativas, através de questionamentos inconsistentes da extensão do mandato presidencial. Decorre actualmente na Bolívia, uma das lutas mais encarniçadas contra os conservadores, que procuram deter qualquer iniciativa que afecte os seus privilégios. Bloqueiam sistematicamente o funcionamento da Assembleia Constituinte, exigindo uma maioria de dois terços para aprovar as principais leis. Este tipo de sabotagens serão mais difíceis no Equador, produto da derrota demolidora que sofreram os partidos tradicionais. Mas nestas assembleias discutiram-se, não só as reivindicações anti-liberais, anti-imperialistas e democráticas, como também velhos problemas que recuperaram relevância. TRANSFORMAÇÕES NO SECTOR AGRÍCOLA O neoliberalismo agravou substancialmente o drama dos pobres rurais. As agressões capitalistas contra os pequenos agricultores acentuaram durante a última década os violentos conflitos pela terra, que acossaram a Colômbia, precipitaram o levantamento de Chiapas, multiplicaram as massacres no Peru e provocaram mais de 300 mortos no Brasil. Em situações agrárias nacionais muito diferentes, estes atropelos geraram resultados semelhantes de polarização social, miséria camponesa e enriquecimento dos grandes proprietários ou rendeiros. A fractura entre o sector moderno de exportação e a agricultura de subsistência agravou-se de maneira uniforme, acentuando o abandono rural e a emigração para as cidades.

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Esta redobrada opressão incentivou novas resistências agrárias, organizadas em torno de movimentos muito diversos (CONAIE no Equador, Zapatismo no México, Cocaleros na Bolívia, MST no Brasil), cujos programas vão além das reivindicações tradicionais dos camponeses. Estas plataformas não se limitam, como no passado, a reclamar uma reforma agrária, já que existe uma importante assimilação das frustrações deixadas por esses processos. Durante o século XX consumaram-se duas grandes revoluções agrárias (México, Bolívia) e várias reformas significativas da propriedade (Guatemala, Chile, Perú, Nicarágua, El Salvador). Nos países em que foi preservada a concentração da terra (Brasil, Venezuela, Equador, Colômbia, Honduras, República Dominicana e Paraguai) as transformações foram superficiais. Somente em dois países (Argentina e Uruguai) não se registou qualquer tipo de modificação. Esta grande variedade de caminhos emergiu num cenário comum de polarização, entre prósperas empresas de exportação e explorações de subsistência estagnadas. A pobreza e as desigualdades acentuaram-se e floresceu em muito poucas regiões um segmento intermédio de burguesia agrária5. Este resultado induziu os novos movimentos sociais a propor soluções mais integrais que a da velha reforma agrária. Algumas propostas prestam muita atenção à protecção do meio ambiente e planeiam substituir o agro-negócio por modelos de produção alimentícia destinada prioritariamente ao mercado interno Tornou-se evidente a escassa utilidade em matéria de eficiência e produtividade das transformações agrárias que mantêm de pé a estrutura do capitalismo periférico6. Neste novo contexto o campesinato não teve o protagonismo que exibiu em princípios do século XX. Não repetiu o papel que teve no México, como agente dinâmico da primeira revolução contemporânea da região. Essa intervenção conduziu a uma guerra civil que deitou borda fora todos os compromissos ensaiados pelas chefias burguesas. Este papel voltou a notar-se noutros levantamentos posteriores como a insurreição salvadorenha de 1932, mas não persistiu até ao começo do novo século7. Se bem que o desaparecimento do campesinato não constitui um processo abrupto e inexorável, torna-se visível a perda de coesão social deste sector. A proletarização deslocou para os centros urbanos o eixo da luta social, inclusivé em países como a Bolívia, que tinha recriado a pequena propriedade após uma importante reforma agrária. O campesinato persiste como força de peso, mas sem a liderança que exibiu em vários momentos do século precedente. AS REIVINDICAÇÕES INDÍGENAS A centralidade da questão indígena constitui uma novidade significativa. As revoltas puseram em relevo a actualidade de um problema que afecta quase 50 milhões de oprimidos, pertencentes a 485 grupos étnicos distintos. Os seus direitos foram repetidamente desrespeitados por uma doutrina que restringiu os direitos nacionais somente às repúblicas pós-coloniais. Estes estados emergiram de um processo de balcanização, sob o controlo das elites crioulas que


A proletarização deslocou para os centros urbanos o eixo da luta social, inclusivé em países como a Bolívia, que tinha recriado a pequena propriedade após uma importante reforma agrária. O campesinato persiste como força de peso, mas sem a liderança que exibiu em vários momentos do século XIX

ignoraram as configurações territorial originárias. Durante este processo, muitos sectores indígenas (e toda a população negra introduzida com a escravatura) perderam a língua, a terra e a sua cultura. No entanto outros segmentos mantiveram uma identidade cujo reconhecimento exigem na actualidade8. As reivindicações indígenas apresentam características distintas em cada um dos cinco países que concentram cerca de 90% desta população (Perú, México, Guatemala, Bolívia e Equador). No Equador todas as comunidades confluíram numa organização comum, que exige a formação de um es-

tado plurinacional e multi-linguístico. Na Bolívia, as reivindicações têm sido canalizadas por agrupamentos sindicais e políticos, que em alguns casos reclamam esse mesmo reconhecimento (Evo Morales) e em outras variantes dão alento ao restabelecimento de formas políticas afins ao antigo estado Inca (Quispe). No Peru, a causa indígena não alcançou até ao momento a mesma intensidade que nos países vizinhos. Alguns analistas atribuem esta peculiaridade ao impacto da urbanização sobre as velhas culturas gamonal-andina e senhorial-crioula e ao efeito da guerra suja de 1980 e 2000, que semeou o terror nas regiões menos aculturadas9. www.combate.info

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O indigenismo renasceu particularmente na Bolívia, como uma cultura plebeia forjada pelos oprimidos urbanos e precarizados. Mantém viva a memória anti-colonial de uma população pouco mestiçada, que sofreu a dominação racial branca e o fracasso de vários processos de integração truncados e de espanholização forçada. As reivindicações indígenas coexistem com a luta anti-imperialista e anti-capitalista, já que os oprimidos possuem frequentemente várias identidades em simultâneo (indio-precarizado da Bolívia ou indio-camponês do Equador). As rebeliões recentes puseram em relevo a legitimidade das reivindicações dos povos originários e demonstraram que a questão nacional apresenta na América Latina três dimensões: o aspecto anti-colonial (gerado pela luta contra Espanha-Portugal e logo depois contra os Estados Unidos), a resistência anti-imperialista (que envolve toda a região ao longo do ultimo século) e a opressão interna dos indígenas, em zonas distintas do continente. Tal como ocorre com todas as formas de nacionalismo, as conotações destas exigências dependem dos porta-vozes e das propostas em jogo. A direita desqualifica o “etno-fundamentalismo” do programa indígena, para dissimular a continuidade da opressão racista com o discurso de embelezamento da mestiçagem. Os sublevados da região andina desmascararam esta mensagem dual, demonstrando que a luta secular pela terra está associada em vários países à defesa de uma identidade político-cultural. Na Bolívia, este sentimento de auto-afirmação incentivou vários levantamentos e incorporou um direito de auto-determinação nacional, que é válido na medida em que convirja (e não discrimine) o resto dos oprimidos. Esta exigência – que se plasma na proposta de remodelar o estado num sentido plurinacional - difere substancialmente da utopia romântica de reconstruir o império Inca. Este projecto tende a recriar formas obsoletas de economia de subsistência e segrega os explorados não indígenas. Para além disso, pode gerar guetos atomizados, que as multinacionais do petróleo aproveitariam para se reapropriarem dos hidrocarbonetos. Por esta razão é vital que os recursos estratégicos sejam centralizados e se mantenham nas mãos dos estados nacionais10. A identidade indígena é mutável e assume significados diferentes em cada momento histórico. O que se tornou manifesto nos últimos anos é o carácter arbitrário de todos os critérios para definir a priori a relevância específica deste problema. A questão indígena existe em cada país, desde que é assumida por uma massa significativa da população. O essencial é reconhecer esta causa e não forçar classificações inflexíveis a partir de parâmetros objectivos (língua, território, história, cultura comum) ou da mera exaltação de um sentimento de pertença. Os direitos nacionais são legítimos quando uma massa representativa os reclama, ao cabo de um processo de construção de identidades próprias. Estes fenómenos nunca expressam a existência de uma entidade prévia, primária e invariável. Se se compreender esta variabilidade histórica torna-se possível abordar, sem esquematismos, os novos problemas dos povos originários11.

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MULTIPLICIDADE DE SUJEITOS As rebeliões recentes corroboram a existência de uma grande variedade de protagonistas populares. As revoltas da Bolívia foram encabeçadas por trabalhadores precários, camponeses e indígenas, que recuperaram o património de luta sindical dos mineiros. A cirurgia neoliberal destruiu o velho tecido social, mas não sepultou as tradições, recuperadas pelos novos resistentes. Os mineiros já não exerceram o seu velho papel de liderança, mas a sua herança foi visível entre os trabalhadores precários. A velha central sindical (COB) tampouco jogou o seu papel do passado, mas os seus métodos grevistas dominaram o levantamento e expandiram-se a sectores da classe média afectados pela enxurrada direitista. As duas primeiras sublevações ocorridas no Equador foram protagonizadas pelos indígenas, enquanto que na terceira rebelião predominaram os sectores urbanos. A massa de trabalhadores informais e populações humildes liderou na Venezuela, todas as mobilizações que derrotaram a direita. Mas nos momentos mais importantes foi decisiva a acção dos trabalhadores das empresas petrolíferas, que derrotaram a tentativa golpista de 2002, juntamente com sectores significativos do exército. No “argentinazo” de 2001 – em contraste com os saques de 1989- convergiram os desempregados que cortavam ruas (piquetes) com a classe média expropriada pelos bancos (caçarolas). Posteriormente o protagonismo dos assalariados consolidou-se, embora não sob a liderança tradicional da classe operária industrial. Mas a forte tradição de organização sindical expressou-se em greves massivas que foram implementadas por todos os sectores combativos. Este universo variado do protesto social verifica-se também no resto da América Latina. Os assalariados urbanos polarizam mais no Cone Sul que na Região Andina, enquanto que os funcionários públicos - especialmente os professores afectados pelas políticas neoliberais- ocupam um lugar destacado em todos os países. A juventude – estudantil, precária ou desempregada – aparece sempre na linha da frente do combate de rua. São visíveis em toda a região os efeitos das transformações neoliberais, que reestruturaram o universo dos assalariados. A força laboral actual é mais heterogénea e encontra-se segmentada entre um pólo de actividades qualificadas e uma ampla área de precarização. Esta reorganização capitalista diversificou os sujeitos da luta popular. No entanto a resistência latino-americana tem demonstrado, que a remodelação laboral não erradica, nem impede a resposta dos oprimidos. As sublevações evidenciaram que os trabalhadores não se resignam, nem foram substituídos por uma massa inerte de excluídos. Actuaram em todas as revoltas, não só os oprimidos expulsos do mercado de trabalho, como também os explorados inseridos nos centros nevrálgicos da vida económica. A conjugação de ambos sectores permitiu o triunfo dos levantamentos, nos locais onde a economia foi paralisada pelos protestos massivos. Dado que a destruição de postos de trabalho tem sido acompanhada pela criação de novas formas de emprego, o peso dos assalariados não decresceu na América Latina.


Igualmente não se extingiu o trabalho e a classe operária. O papel decisivo que desempenharam em vários levantamentos confirma que a batalha contra o neoliberalismo, faz parte de uma resistência duradoura contra a exploração capitalista. Torna-se importante registar este dado com vista a notar a base classista que subjaz a esta onda recente de revoltas. Quando se omite esta determinação social, as rebeliões tendem a ser vistas como articulações contingentes de movimentos sectoriais, que podem adoptar qualquer direcção e aproximar-se (ou distanciar-se) de forma fortuita. Uma visão superficial da dinâmica objectiva que impulsiona a luta social, torna inexplicáveis as causas que induzem os oprimidos a convergir. Todo o sentido desta luta torna-se indecifrável12. O reconhecimento da origem de classe dos levantamentos não implica ignorar as transformações que afectam os assalariados. Estas modificações são muito significativas, tanto ao nível objectivo (aumento do peso geral dos trabalhadores e menor importância do sector industrial), como subjectivo (declinio dos velhos sindicatos e substituição parcial por novas organizações). Estas mudanças incluem também uma perda simbólica de visibilidade, identidade e auto-confiança dos velhos segmentos fabris. Mas as rebeliões demonstraram que a passividade e a desmoralização geradas inicialmente pelo neoliberalismo podem ser neutralizadas, se os explorados e oprimidos encontrarem causas para a acção comum. Os excluídos não podem derrotar o capital sem o auxilio dos incluídos e por sua vez, os trabalhadores formais só podem impor as suas reivindicações se contarem com um maior apoio popular. Dado o capitalismo assentar, simultaneamente na opressão e na exploração, a confluência dos de baixo contrapõe sempre a supremacia que exercem os de cima. O variado espectro de sujeitos oprimidos que encabeçou os levantamentos recentes difere da contundente liderança operária, que caracterizou a revolução boliviana de 1952, as lutas fabris da Argentina em 1960-70 ou do Brasil nos anos 80. Esta mudança não é apenas consequência da desregulação neoliberal do mercado de trabalho. Resulta também do elevado grau de integração estatal das burocracias sindicais, que aligeiram a resistência, desorganizam a luta e isolam corporativamente os trabalhadores sindicalizados. Normalmente a contrapartida burguesa a esta acção era a generalização de importantes conquistas sociais. A classe dominante concedia estas contrapartidas -especialmente no México ou Argentina- para garantir a estabilidade dos negócios. Mas a ofensiva neoliberal contra as conquistas sociais socavou este pacto, dificultando ao mesmo tempo a reorganização da classe operária. A burocracia acentuou a sua associação com o capital até se converter ela própria, em muitos países, em empresária. Os sindicatos alternativos não maturaram o suficiente para se tornarem numa alternativa de liderança das sublevações. Este processo explica também a diversidade de sujeitos oprimidos que predominou nas rebeliões recentes.

ÊXITOS E SINGULARIDADES As rebeliões latino-americanas irrompem ao mesmo tempo que a resistência anti-imperialista no mundo árabe e sucedem a onda de levantamentos que sacudiu a Europa Oriental em princípios dos anos 90. Os três acontecimentos conformam processos regionais, com objectivos, programas e formas de luta singulares. O anseio de democracia política face às ditaduras burocráticas unificou as mobilizações na Europa de Leste, a reacção à agressão norte-americana impulsiona a luta no Médio Oriente e as consequências sociais do neoliberalismo periférico determinaram a reacção popular na América Latina. Durante a última década a acção dos oprimidos desta última região perdeu sincronia com a Europa Ocidental ou os Estados Unidos. As classes dominantes das economias centrais puderam recorrer a mecanismos de atenuação das tensões sociais, que não estão disponíveis no Terceiro Mundo. Voltou a emergir nesta etapa a localização periférica das contradições mais explosivas do capitalismo. Mas o mais significativo das rebeliões latino-americanas foram os seus resultados. Estas sublevações permitiram quebrar a sequência acumulativa de derrotas populares em que assenta o neoliberalismo. É certo que nenhum levantamento alcançou plenamente os seus objectivos, mas o establishmnent perdeu maioritariamente a jogada e inaugurou-se um contexto político impensável durante o anterior apogeu da direita. Este progresso tem grande relevância num período marcado por agressões patronais e frustrações populares. A maré de sublevações desembocou na Europa Oriental em restaurações capitalistas, que atropelaram as conquistas laborais e acentuaram a polarização social. E se o Imperialismo sofreu certas derrotas na Palestina e no Iraque, a sangria atroz gerada pelas tensões étnicas no Médio Oriente tem bloqueado, até ao momento, a gestação de uma alternativa libertadora nessa zona. Pelo contrário, na América Latina os protestos anti-liberais assumiram uma tónica anti-imperialista, nitidamente democrática e ausente de componentes religiosas, que obstruem o desenvolvimento de um projecto popular no mundo árabe. É muito difícil avaliar que consequência este resultado latino-americano terá sobre relação de forças internacional que estabeleceu o neoliberalismo. Mas terá contribuído sem dúvida para reverter a espiral de derrotas populares que inaugurou o Thatcherismo no principio dos anos 80. Dado os movimentos sociais da região terem mantido vínculos estreitos com os distintos Fora alter-globais – que há anos funcionam em todo o mundo- existe uma transmissão fluida da experiência regional ao resto do planeta. Na América Latina foi possível reconstituir com relativa celeridade o tecido de solidariedade necessário para travar a ofensiva do capital. Esta recomposição explica o lugar privilegiado que ocupa a região no cenário mundial das lutas sociais. O neoliberalismo não logrou sepultar as tradições políticas e sindicais combativas da zona, nem sequer no ponto mais alto da sua agressão. Confrontou-se com três singularidades da zona: uma herança viva de nacionalismo www.combate.info

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anti-imperialista, importantes avanços no terreno das liberdades democráticas e a sobrevivência da experiência socialista em Cuba. Nenhum destes factos se verificou noutras zonas periféricas. O fracasso dos ensaios nacionalistas no mundo árabe em 1950-70 foi elevado, os progressos democráticos de 1980-90 nessa região foram irrelevantes e os processos que assumiram algum perfil socialista (como a Argélia dos anos 60) resultaram prematuramente bloqueados. Ao invés, a América Latina pode usufruir dos limites que o imperialismo norte-americano actualmente enfrenta, para impor as suas prioridades à escala global. Paradoxalmente, a região retirou mais proveito que o próprio Médio Oriente dos revezes que o Pentágono suporta no Iraque. Mas pesam também certas vantagens históricas que diferenciam a zona do resto do Terceiro Mundo. A América Latina acumula uma maior tradição de autonomia política pós-colonial que grande parte da África e da Ásia. Concentra uma herança de lutas pela independência de longa data, que permitiu constituir repúblicas nos alvores da revolução burguesa. Por esta razão manteve uma liderança de progressos na periferia no campo da cidadania, da integração nacional e da convivência étnica. Estas conquistas colocaram a região numa situação peculiar em comparação com o resto da zonas dependentes, que começaram a suportar a opressão colonial quando a América Latina se libertava dessa sujeição. Este avanço permitiu forjar lentamente uma consciência nacional. Que alimentou dois séculos de acção libertadora. É também verdade que as comportas abertas pela independência, criaram, durante o século XIX, hipóteses de desenvolvimento que não se consumaram. Por esta razão a revolução burguesa teve um carácter incompleto, em comparação com a Europa e os Estados Unidos. Mas este malogrado desenvolvimento precoce permitiu a gestação das tradições políticas cidadãs mais avançadas que em qualquer outro local do terceiro mundo. Estas vantagens históricas influem no perfil contemporâneo que assume a luta social em toda a região. REBELIÕES BÁSICAS E REBELIÕES RADICAIS A recente onda latino-americana foi caracterizada por múltiplas denominações que aludem invariavelmente ao termo rebelião. Os sinónimos mais comuns são revolta, levantamento, sublevação. Estes termos denotam a existência de acções populares contundentes e massivas de recusa da ordem vigente, mas também indiciam as limitações das propostas alternativas. As erupções camponesas da Europa Medieval (jacqueries) conformam o modelo típico da rebelião. Implicavam reacções furiosas dos oprimidos, sem um contraponto positivo para a construção de uma ordem social diferente. Vários historiadores utilizaram este sentido do conceito de rebelião, para caracterizar diversas lutas populares da América Latina13. O que diferencia a rebelião de um motim ou de uma conspiração é a participação massiva. Por este razão não têm nenhum parentesco com os golpes de estado que marcaram

a história da América Latina. A revoltas são movimentos de base, que se encontram nos antípodas dos 115 golpes militares registados durante o século XIX. As rebeliões latino-americanas básicas irromperam sempre como reacções espontâneas e repentinas da população face aos atropelos capitalistas ou às agressões ditatoriais. Incluíram formas muito variadas de resistência à repressão, mas não permitiram desenvolver formas de organização alternativas ou projectos políticos autónomos dos oprimidos. Desde o “Bogotazo” colombiano de 1948 até aos saques argentinos face à hiperinflação de 1989, episódios deste tipo têm sido incontáveis. Fazem parte de uma longa tradição de luta social, que os opressores sempre temeram e desqualificaram. Os seus porta-vozes equiparam estas reacções a delinquência já que criminalizar os protestos obscurece o seu conteúdo social. Actualmente as elites encobrem esta distorção com campanhas contra o narcotráfico e apresentam a ocupação militar dos bairros populares como actos contra o delito. Vive-se nas grandes cidades da região uma guerra civil encoberta contra os desamparados e alguns estudos denunciam inclusivé a utilização do exército para enfrentar as resistências urbanas dos humildes14. As sublevações latino-americanas dos últimos anos ascenderam a um escalão superior a qualquer rebelião social básica. Os levantamentos da Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina não foram apenas reacções contra os governos direitistas, sendo que também incluíram propostas positivas de carácter anti-liberal, democrático e anti-imperialista. No entanto estas exigências não foram acompanhadas pela gestação de organismos de poder popular. Aqui radica a diferença com as revoluções sociais, que incluem a presença desse tipo de instituições. Nas revoluções sociais tendem a emergir modalidades de poder dos oprimidos, em conflito com o sistema de dominação vigente. Desafiam esta estrutura com alguma forma de soberania alternativa. O duplo poder dos sovietes na revolução russa é um exemplo clássico desta disputa, que alguns autores contemporâneos identificam com a presença de múltiplas soberanias. Nestas situações verifica-se a existência de dois ou mais epicentros que reclamam a legitimidade exclusiva do poder15. As rebeliões distinguem-se das revoluções pela visibilidade de estes organismos e pela sua potencial confrontação com o estado. Não são as formas de luta, os graus de violência ou a existência de insurreições que diferencia ambas as modalidades. Este tipo de acções esteve presente nas grandes rebeliões (Bogotazo), quer no inicio (Portugal em 1975) ou no culminar (Nicarágua em 1979) de um processo revolucionário. O que se verifica nas revoluções e não se observa nas rebeliões é a existência de formas organizadas –em assembleias, conselhos, movimentos ou exércitos- de um novo poder, que desafia as autoridades do estado. Por esta razão as revoluções introduzem pontos de ruptura histórica mais significativos que outro tipo de sublevações. Tendo em conta estes critérios pode-se caracterizar os recentes levantamentos latino-americanos como rebeliões www.combate.info

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radicais. Superaram o alcance tradicional de estes levantamentos, sem chegar a localizar-se no campo estrito das revoluções. Um olhar retrospectivo confirma esta avaliação. COMPARAÇÃO COM GRANDES REVOLUÇÕES Durante o século XX registaram-se quatro grandes revoluções sociais na América Latina: México em 1910, Bolívia em 1952, Cuba em 1959 e Nicarágua em 1979. O contraste com estas permite definir o alcance das rebeliões recentes. A revolução Mexicana foi uma reacção massiva de camponeses afectados pela modernização capitalista que implementou um regime semi-ditatorial. Ao cabo de um encarniçado ciclo de confrontações sangrentas e importantes concessões aos sublevados abriu-se um período de precária estabilidade, que desembocou em mobilizações renovadas nos anos 30. Durante este período um governo nacionalista (Cárdenas) reiniciou a reforma agrária e as nacionalizações inconcluídas. A revolução boliviana foi um levantamento popular liderado por batalhões sindicais de mineiros, que sepultaram a dominação tradicional da oligarquia. O governo surgido desta erupção (Paz Estensoro) nacionalizou o Estanho, instaurou a reforma agrária e introduziu o sufrágio universal. Mas esta mesma administração reconstruiu em pouco tempo o estado ao serviço das classes dominantes, mediante uma viragem direitista negociada com o FMI. Diferentemente de estes dois antecedentes, a revolução cubana não se deteve na implantação de reformas. Respondeu às agressões norte-americanas com um acelerado processo de nacionalizações e transformações anticapitalistas. Esta revolução transformou o cenário regional, ao assumir um carácter socialista e demonstrar a viabilidade deste curso na América Latina. A revolução na Nicarágua pareceu repetir este novo padrão. Mas sendo permamentemente acossado por grupos financiados pelo Pentágono, os Sandinistas detiveram as transformações sociais, pactuaram com os seus velhos adversários e antes de perderem o governo por via eleitoral já se perfillhavam como uma nova elite dominante. No México, Bolívia, Cuba e Nicarágua consumou-se o desmoronamento dos velhos sistemas políticos e implementaram-se mudanças económico-sociais, que respectivamente se estancaram, reverteram, consolidaram e neutralizaram. Mas em todos os quatro países se verificaram formas de poder paralelo e organismos que desafiaram o estado, o que distingue as revoluções sociais das rebeliões. Noutros levantamentos estes fenómenos apareceram de forma esporádica ou mantiveram-se como meros embriões. Algumas revoluções não triunfaram (El Salvador nos anos 80) ou foram incipientemente esmagadas (Guatemala em 1954, Chile em 1970). De todas estas experiências surgiram as tradições que nutrem a luta popular. Mas de forma estrita, o termo revolução social é apenas aplicável no século XX a quatro grandes eventos da história latino-americana. Diferentemente de muitas rebeliões, os levantamentos do México, Bolívia, Cuba e Nicarágua tiveram um nítido confronto militar. Esta confrontação ilustra a peculiar intensida-

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de destas convulsões. Nos quatro casos registou-se um confronto directo entre milícias populares armadas e o exército convencional. No México os camponeses despojados das suas terras enfrentaram as tropas federais e sustiveram uma década de resistência bélica, apoiada pelas formas de organização comunal do sul e pelo alistamento massivo no norte. Na Bolívia, os efectivos do governo foram derrotados por esquadrões de mineiros, ao cabo de uma encarniçada batalha de três dias que custou 1500 mortos. Também aqui o exército foi derrotado pela acção armada dos operários. Em Cuba a guerrilha conduziu uma bem sucedida guerra de desgaste contra a guarda nacional, que culminou com a ofensiva final do movimento 26 de Julho. Vinte anos mais tarde, uma sequência similar de operações no campo, juntamente com insurreições urbanas conduziu à vitória na Nicarágua. Nos quatro casos verificou-se um enfrentamento militar que determinou o triunfo dos revolucionários e o desmoronamento do exército oficial. Este desenlace conduziu à desarticulação de todos os organismos do estado Burguês, que foram reformados e reconstruídos (México e Bolívia), destruídos e substituídos (Cuba) ou demolidos e reabilitados (Nicarágua). A diversidade de resultados finais não dilui a enorme familiaridade revolucionária inicial dos quatro processos. As recentes rebeliões latino-americanas não alçancaram em nenhum dos casos esta intensidade. Dos quatro levantamentos da última década, foi a Bolívia que esteve mais próxima de uma revolução. Não apenas pela contundência das sucessivas “guerras” lideradas pelos sublevados (água, coca, gás), mas também pelas experiências de constituição de organismos de poder popular (nas Juntas de El Alto). Mas a distância entre esta convulsão e a sua antecedente de 1952 é muito significativa. Nessa ocasião um exército regular foi derrotado e desarmado por batalhões de mineiros. No caso equatoriano as massas populares derrubaram vários governos, sem chegar a forjar organismos de poder rivais do estado, nem milícias desafiantes das forças armadas. A situação potencialmente revolucionária que se viveu em vários momentos não se traduziu numa revolução comparável com as quatro grandes gestas do século XX. O hiato que separa o “argentinazo” destas antecedentes é muito maior. Desde Dezembro de 2001 até meados de 2002 verificou-se um levantamento massivo, sustentado pela ocupação continuada das ruas. Mas as instâncias potenciais de um poder popular apenas se insinuaram e a paralisia transitória do estado não implicou a desarticulação de nenhuma das suas instituições. Igualmente, não se produziu posteriormente qualquer renovação significativa do espectro político. O protesto assumiu, mais do que em qualquer outro caso, uma modalidade clássica de rebelião claramente diferenciada de uma revolução. VARIEDADE DE USOS Na Venezuela a palavra revolução é utilizada quotidianamente com grande orgulho por todos os participantes no processo nacionalista. Recorrem a este termo para caracterizar uma mudança histórica na vida nacional. A “revolução


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bolivariana” é identificada com as batalhas contra a direita, o desmoronamento do sistema bipartidário e com importantes conquistas sociais16. No entanto, neste caso, a palavra revolução é tomada numa acepção diferente à aplicada para constrastar com o termo rebelião. Não alude a um acontecimento, mas à totalidade de um processo de rupturas sucessivas com a ordem vigente (“caracazo”, recuperação da PDEVESA, derrota do golpe, triunfos eleitorais). O apelo a concretizar “novas revoluções dentro da revolução” baseia-se nesta acepção do conceito, com transformações de conteúdo muito radical. Neste caso a menção da revolução assume um significado simbólico, que expressa a sensação de uma grande mudança em curso. Este significado atribuído ao termo difere da sua utilização como categoria analítica comparativa da intensidade das sublevações populares. É importante valorizar essa dimensão subjectiva, já que toda a revolução se nutre de percepções, esperanças e ideais. Mas é também vital avaliar o alcance das transformações actuais de forma a tomar consciência da distância que falta percorrer. Na Venezuela foi largamente superado o estado inicial de uma rebelião e é válido reconhecer a presença de um processo revolucionário. Mas as fronteiras que as quatro grandes revoluções sociais da América Latina atingiram não foram ainda ultrapassadas. O mesmo diagnóstico pode ser aplicado à Bolívia. Alguns recorrem à utilização do termo revolução de uma forma ampla para analisar o sucedido no Altiplano. Defendem explicitamente a utilização desse conceito, argumentando que o uso de substitutos menores -como rebelião- desvaloriza o alcance dos levantamentos. Retomam a noção de “revolução popular” utilizada por Lenine em 1905, para contrastar uma erupção na base (Rússia) com mudanças ocorridas no interior do aparelho de estado (Turquía nos inícios do século XX)17. No entanto a distinção entre revolução e rebelião não tem qualquer tipo de conotação ofensiva. Procura apenas constatar graus de intensidade diferentes da luta popular, com vista a definir estratégias socialistas adequadas. Recordar que as sublevações na Bolívia de 2000-2005 não provocaram um colapso do estado capitalista comparável com o observado em 1952, não implica retirar qualquer mérito a este levantamento. A constatação do caminho a percorrer é tão importante para um projecto anticapitalista, como a contraposição leninista entre movimentos de base e mudanças no topo. A revolução tem estas duas características: é um instrumento de libertação desejado pelos oprimidos e é também uma categoria de análise da luta social. A esperança emancipadora não deve anular o potencial explicativo do conceito. Assim não basta apenas avaliar a percepção dos protagonistas. Torna-se necessário analisar comparativamente o alcance de cada episódio. Alguns autores recorrem ao conceito de revolução política para caracterizar os levantamentos recentes da América Latina. Situam-nos num ponto intermédio entre as rebeliões e as revoluções sociais. Esse conceito foi muito utilizado durante os anos 80, para distinguir o desmoronamento

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das ditaduras sob pressão popular, das transições conduzidas pelo topo da estrutura política. O sucedido na Argentina e na Bolívia foi adequadamente contrastado com o fim do Franquismo em Espanha. A velha distinção estabelecida por Trotsky entre revoluções sociais (transformação das relações de propriedade) e revoluções políticas (modificação do sistema institucional) foi aplicada para caracterizar os processos pós-ditatoriais mais convulsivos18. Na sua aplicação contemporânea, esta diferenciação entre revoluções políticas e sociais inclui também uma distinção equivalente entre regimes (fascismo, ditaduras, constitucionalismo, bonapartismo) e estados. Enquanto que o primeiro tipo de sublevação popular desafia alguma variante institucional da dominação capitalista, o segundo tipo de erupções confronta os pilares administrativos e repressivos desse sistema. Tal implica que as reivindicações em jogo nas revoluções sociais são muito mais subversivas que as reivindicações próprias de qualquer revolução política19. A onda recente de sublevações latino-americanas confrontou-se não apenas com presidentes neoliberais, mas também com regimes autoritários e elitistas (bipartidarismo venezuelano, partidocracia equatoriana, promiscuidade boliviana entre três oficialismos). Mas estas rebeliões não foram dirigidas exclusivamente contra as monarquias, autocracias ou tiranias militares, que inspiraram o uso do conceito de revolução política. O maior problema radica igualmente noutro plano: o potencial abuso do termo revolução. Esta noção perde conteúdo quando é utilizada para catalogar qualquer variedade de insurreição popular. A tipificação de uma revolução como uma erupção meramente política, não dissipa esta dissolução de significado. Ao confundir uma sucessão de rebeliões com uma onda de revoluções tende-se a exagerar o alcance da acção popular a abre-se as portas para sobredimensionar os processos em curso. A consequência deste erro é imaginar a existência de “situações revolucionárias continentais” de duração indefinida. Esta visão anula o sentido especifico e de curto prazo que têm as categorias concebidas por Lenine, para avaliar as condições que preparam ou antecedem uma revolução (crises, jornadas e situações). Essas noções aludem a períodos muito breves de colapso do estado e não a prolongadas etapas de crise de um regime ou governo. Não existe actualmente na América do Sul uma “situação revolucionária” regional (de muitos países), nem duradoura (de vários anos). Compreender estas diferenças é vital para desenvolver uma estratégia socialista acertada. ACTUALIZAÇÃO DE VELHAS REINVINDICAÇÕES A fase actual de lutas latino-americanas desenvolve-se numa etapa internacional, que difere significativamente do contexto predominante nas quatro grandes revoluções do século XX. A revolução Mexicana constituiu uma antecipação do triunfo bolchevique e da maré vermelha que se estendeu à Europa Ocidental. A revolução boliviana coincidiu com a sequência de levantamentos que assinalaram a descolonização do terceiro mundo. A revolução em Cuba


e na Nicarágua, inauguraram e coroaram, respectivamente, um ciclo de sublevações internacionais da juventude com forte centralidade dos projectos socialistas. As rebeliões actuais inscrevem-se num período de ofensiva do capital, com vista a desmantelar as conquistas sociais do pós-guerra. Constituem a primeira resposta popular com projectos alternativos a essa agressão neoliberal. Mas estas diferenças não anulam os grandes pontos de contacto que vinculam as sublevações reventes com as suas antecessoras. Os novos levantamentos puseram em relevo velhos problemas, que as precedentes revoluções frustradas ou inconcluídas não conseguiram resolver. Daí a miséria das massas, a desnacionalização dos recursos estratégicos e a ausência de real democracia terem voltado a surgir como os grandes temas da América Latina. A regressão social que reinstaurou o neoliberalismo foi a centelha que no passado acendeu as grandes revoluções. A causa imediata da sublevação camponesa no México foi a expropriação das comunidades indígenas e a intensificação da concentração de terra nas mãos do Porfiriato. A mesma sequência de confiscações precipitou o ódio popular contra a oligarquia e o punhado de rentistas mineiros que desbaratava as riquezas da Bolívia. Também em Cuba a revolução se expandiu em resposta ao pico de miséria e desigualdade social que tinha sido imposto por Batista. Na Nicarágua, a vitória Sandinista começou a sua gestação, quando o Clã Somoza perpetrou uma descarada apropriação dos fundos recolhidos para socorrer as vitimas do terramoto de 1972. Mas não é só apenas esta luta social contra a exploração que liga as revoluções do século passado com as rebeliões do novo século. A democratização perdura como um eixo recorrente dos levantamentos populares. Esta reivindicação alcançou máxima intensidade quando os regimes despóticos se começaram a desagregar. A revolução mexicana estalou em oposição à perpetuação da camarilha de Porfirio. A revolução na Bolívia surgiu no meio da ingovernabilidade gerada pelo fracasso da guerra de Chaco. O 26 de Julho pôs fim em Cuba a várias décadas de ditaduras instáveis e o Sandinismo desalojou na Nicarágua uma dinastia mafiosa em decomposição. As recentes rebeliões voltaram a enfrentar governos autoritários, socialmente isolados e carentes de coesão, sob a bandeira comum da democratização. Frente a regimes constitucionais elitistas – que já não actuam como meras ditaduras – reclamaram genuína democracia e não eleições livres. A exigência de soberania popular adoptou outra forma, mas o conteúdo desta aspiração não variou. Um terceiro campo de continuidades relaciona-se com o perfil anti-imperialista. A revolução mexicana incluiu a recusa da invasão dos marines, num pais que sofreu a subtracção por parte do “yanqui” de metade do seu território. A nacionalização do estanho gerido pela “Rosca” de oligarcas locais associados com as grandes multinacionais foi a primeira medida da revolução boliviana. Em Cuba foi posto fim imediato ao controlo norte-americano do açúcar, electricidade, petróleo, níquel e telecomunicações. A revolução na Nicarágua erradicou um tirano a soldo do Departamento

de Estado, que foi celebremente definido pelos diplomatas estado-unidenses como “o nosso filho da puta”. As novas rebeliões actualizaram a tradição anti-imperialista radical personificada por Zapata, Martí e Sandino, no México, Cuba e Nicarágua. Estes três líderes combinaram a resistência ao poder norte-americano com batalhas sociais por reformas agrárias e melhorias na condição da classe operária. Esta mesma mistura de reivindicações sociais e nacionais plasma-se no século XXI na exigência de nacionalizar os recursos básicos para satisfazer as reivindicações populares. Na actualidade existe maior consciência que no passado da impossibilidade de resolver as agendas sociais, democráticas e nacionais pendentes, no marco estreito de cada pais. Por esta razão é tão actual a busca de unidade regional, através de um processo genuíno de emancipação. O projecto de aglutinar as distintas nações num estado regional centralizado – que as oligarquias locais frustraram no início do século XIX- teve apenas momentos episódicos de ressurgimento durante o século passado. Este assunto foi desigualmente retomado pelas quatro grandes revoluções, mas possui neste momento grande actualidade. A discussão em torno de opções de integração encontra-se atravessada pela encruzilhada de avançar por um rumo anticapitalista ou, pelo contrário, de retroceder para novas formas de dominação dos poderosos. A REVOLUÇÃO PENDENTE Os levantamentos latino-americanos conseguiram retirar, na maioria dos casos, os presidentes neo-liberais e melhoraram as condições para obter conquistas. Mas estes êxitos não implicam satisfação das reivindicações sociais. Estes objectivos podem ser alcançados, por vezes de forma parcial e transitória, através de concessões outorgadas pelas classes dominantes por temor do aluvião revolucionário. Mas a satisfação efectiva das aspirações populares exige converter as rebeliões em revoluções sociais. Enquanto que uma sublevação popular vitoriosa permite derrotar um governo direitista, o triunfo pleno de uma revolução social impõe desalojar as classes dominantes do poder e inaugurar uma transformação histórica da sociedade. Esta mudança não começou ainda em nenhum pais sul-americano. Existe igualmente uma diferença significativa entre os governos de centro-esquerda (Argentina, Brasil, Uruguai) que recompuseram a dominação capitalista e as administrações nacionalistas radicais (Venezuela, Bolívia e provavelmente o Equador). Nestes países processam-se mudanças significativas, onde se abriu uma confrontação entre projectos, que pode desembocar numa ruptura revolucionária ou na consolidação de novas elites dominantes. Com vista a indagar sobre esta duas alternativas é útil revisitar algumas experiências das ultimas décadas. Desenvolverei esta avaliação num próximo artigo. 24 OUTUBRO 2007 TRADUÇÃO DE HUGO DIAS www.combate.info

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NOTAS:

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Este artigo faz parte do livro: Katz, Claudio. Las disyuntivas de la izquierda en América Latina. Editorial Luxemburg, Buenos Aires (no prelo).

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Economista, Investigador, Professor. Membro do EDI (Economistas de Izquierda). Pode-se aceder à sua página web em: www.lahaine.org/katz.

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Os estudos do Observatório Social da America Latina (Revistas da OSAL-CLACSO) expoem periódicamente uma radiografia detalhada da evolução das lutas populares. 4

Até ao momento a nacionalização encontra-se a meio caminho. O governo cancelou as sentenças penais contra as empresas e a gestão das novas entidades estatais é muito permeável às pressões das empresas. Esta opinião é partilhada pelo ministro: Soliz, Rada Andrés. “La nacionalización ha quedado a medio camino”. Página 12, 15-10-07. Igualmente, não estão a ser utilizadas adequadamente as novas receitas que o fisco obtem das exportações. Ver: Stefanoni, Pablo. “Empate catastrófico en Bolívia”. Le Monde Diplomatique, octubre 2007. 5

É apresentado um balanço destas transformações em: Sampaio, Plinio Arruda. “La reforma agrária en América Latina: una revolución frustrada”. OSAL 16, Enero-Abril 2005. 6

Foi elaborado um modelo alternativo por parte do MST brasileiro. Stedile, Joao. “A reforma agrária já está esgotada”. Epoca 2-7-07. 7 Alguns teóricos, como Mariátegui, alertaram para o papel potencialmente revolucionário do campesinato, recusando a caracterização dogmática deste sector como um segmento conservador. Lowy, Michael. “Introducción”, O marxismo na América Latina, Fundação Perseu Abramo, São Paulo 2006. 8

Esta caracterização é defendida por: Vitale, Luís. Introducción a una teoría de la historia para América Latina, Planeta, Buenos Aires, 1992 (cap 4 y 9). 9

As diferenças entre Quispe e Morales na Bolívia são expostas por Stefanoni, Pablo. “Siete preguntas y siete respuestas sobre Bolívia de Evo Morales”. Nueva Sociedad, n 209, Mayo-Junio 2007, Buenos Aires e Quispe, Felipe. “Entrevista”. Corporación Chile Ahora y La Haine. BIRSIR, 25-9-06. Quijano analiza as peculiaridades do Peru em: Quijano, Aníbal. “Estado-nación y movimientos indígenas en la região Andina: cuestiones abiertas”. OSAL n 19, Enero-Abril 2006. Petras descreve a reorganização dos indígenas no Equador. Petras, James; Veltmeyer, Henry. Movimientos sociales y poder estatal. Lumen, México, 2005.(cap 4)

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Uma interessante análise sobre este tema é apresentada por: Sáenz, Roberto. “Crítica al romanticismo anticapitalista”. Socialismo o barbarie nº 16, Abril 2004, Buenos Aires. Este enfoque é baseado na caracterização proposta por: Hobsbawn, Eric. “Introducción”. Naciones y nacionalismo desde 1780. Crítica, Barcelona, 1991. Esta desorientação é evidente em: Laclau, Ernesto. Hegemonía y estrategia socialista: hacia una radicalización de la democracia. Fondo de Cultura Económica, 1987, Buenos Aires 13

Mires, Fernando. La rebelión permanente: las revoluciones sociales en América Latina, Siglo XXI, México, 1988. (cap 1) 14

Boff, Leonardo. “El verdadero choque de civilizaciones” Página 12, 11-9-07. 15

Tilly desenvolveu este conceito a partir da teoria do poder dual exposta por Trotsky em: Trotsky, León. Historia revolución rusa, tomo 1, Editorial Galerna, Buenos Aires, 1972. Tilly, Charles. “Conflicto, revuelta y revolución”. Las revoluciones europeas 1492-1992, Crítica, Barcelona. 16

Utiliza com esta acepção: Bonilla-Molina, Luis; El Troudi, Haiman. Historia de la revolución bolivariana, Ministerio de Comunicación e información, Caracas, diciembre 2004 17

Esta visão é desenvolvida por: Gilly, Adolfo. “Bolívia, una revolución del siglo XXI”, Perfil de La Jornada, 2-3-04. 18

Trotsky apresentou como revoluções políticas as erupções populares que desmoronaram tiranias capitalistas (Espanha em 1931) e os levantamentos equivalentes que pudessem erradicar o stalinismo nascente na URSS. A aplicação contemporânea do conceito foi realizada por: Moreno, Nahuel. Las revoluciones del siglo XX, Antídoto, Buenos Aires, 1986. 19

No mesmo sentido alguns historiadores contrapoem as revoluções políticas burguesas que mantiveram a Nobreza (Inglaterra 1640-50 y 1688-89) com os tumultos sociais que sepultaram os senhores feudais (França em 1789). Skocpol, Theda. “La explicación de las revoluciones sociales: otras teorías”. Los estados y las revoluciones sociales: un análisis comparativo de Francia, Rusia y China. México: Fondo de Cultura Económica, 1984.


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