Juízo: Juizado Especial da Fazenda Pública - Tapes Processo: 9000216-22.2020.8.21.0137 Tipo de Ação: Regime :: Ingresso e Concurso Autor: Betina Justo Martins Réu: Estado do Rio Grande do Sul Local e Data: Tapes, 17 de dezembro de 2020
SENTENÇA Vistos.
BETINA JUSTO MARTINS ajuizou AÇÃO PELO PROCEDIMENTO COMUM contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, através da qual pretende ver determinado que a prova oral do concurso público de ingresso no Curso Superior de Bombeiro Militar (CSBM), iniciado no ano de 2018, não fossa anulada pela Brigada Militar, bem como que fosse fixado prazo para o prosseguimento do certame. Na inicial, a parte autora narrou que está aprovada em todas as fases do referido concurso público, restando, tão somente, pendente o julgamento dos recursos administrativos da 5ª fase (prova oral) pela banca examinadora para que, assim, haja a homologação final do certame, o qual já está em andamento há mais de dois anos e meio. Disse que as provas orais foram realizadas nos dias 13, 14, 15 e 16 de fevereiro de 2020, sendo devidamente filmada e individualmente sorteada a matéria, o examinador e o ponto a ser explanado por todos os candidatos. A nota da fase oral do concurso podia variar de 0 a 30 pontos, a depender da explanação e desempenho de cada candidato, sendo que notas inferiores a 15 pontos ensejavam a eliminação. Os resultados foram disponibilizados em 12 de março de 2020, sendo que a autora obteve 20 pontos, restando, assim, aprovada na última fase do concurso público para ingresso no CSBM. No entanto, de forma inesperada e obscura, no dia 25 de junho de 2020, sobreveio edital da Brigada Militar suspendendo o certame, tanto de Capitão Bombeiro (CSBM), quanto de Capitão Policiamento (CSPM), com o suposto motivo de sanar eventuais irregularidades da 5ª fase (prova oral). Argumentou, ainda, que a real intenção da Brigada Militar, antecipada dois dias antes da suspensão através de ofício exarado pelo Comandante Geral da Corporação, o que já vicia o ato administrativo da suspensão, é de anular integralmente a 5ª fase e submeter todos os candidatos (CSBM e CSPM) a uma nova avaliação em meio à pandemia da COVID-19, sem que tenha havido qualquer contraditório e/ou tampouco ilegalidades ou fraudes no andamento da fase supramencionada. Pretende assim impedir o ato de anulação da integralidade da 5ª fase (prova oral) dos concursos para ingresso no CSBM e CSPM de 2018, externado pelo Comandante Geral da Brigada Militar, Cel. RODRIGO MOHR PICON, e ver determinado o prosseguimento regular do certame com a análise individual dos recursos administrativos interpostos pelos candidatos, resultado este natural em caso de ausência de ilegalidade e/ou fraude. Requereu a tutela de urgência consistente em impedir que se concretize a anulação coletiva da 5ª fase (prova oral) e autorizar o prosseguimento do certame, em prazo razoável a ser fixado pelo juízo, possibilitando que a Banca Examinadora avalie os recursos administrativos, os quais serão aptos a sanar eventual e pontual irregularidade de forma individual – por ser esse o procedimento correto e previsto no Edital do concurso, com posterior confirmação em sentença. Juntou documentos. O titular do Juizado Especial da Fazenda Pública de Tapes declarou-se suspeito.
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O pedido de liminar foi acolhido, para o efeito de se determinar que o demandado se abstivesse de anular integralmente a 5ª fase (prova oral) do concurso para Capitão dos Bombeiros Militares (CSBM) sob o argumento de que a prova oral foi realizada com examinador individual ou sem espelho de respostas. Citado e intimado, o demandado opôs embargos declaratórios, os quais foram recebidos, mas desacolhidos. A demandante postulou o levantamento da suspensão do certame levada a efeito pela Brigada Militar, com a fixação de prazo para julgamento dos recursos administrativos, pleito que foi indeferido. O réu interpôs agravo de instrumento, no qual foi indeferido o efeito suspensivo. Na contestação, o Estado do Rio Grande do Sul, preliminarmente, suscitou a incompetência do Juizado Especial da Fazenda Pública, porque a demanda versa sobre direito coletivo ou difuso. Quanto ao mérito, argumentou que não há vícios no motivo de ato administrativo que determinou a suspensão do certame, já que baseado em iniciativa do Tribunal de Contas, além de estar inserido em seu poder-dever de autotutela. De outra parte, alegou que não há irregularidades no processo administrativo de apuração dos vícios identificados na prova oral, obtemperando que não há aplicabilidade da Súmula Vinculante n.º 3 do Supremo Tribunal Federal, pois antes da homologação do concurso os candidatos possuem mera expectativa de direito, não havendo efeitos concretos a serem resguardados por intermédio do prévio contraditório e ampla defesa, ao passo que a empresa contratada para realização do certame foi notificada e a sanção administrativa foi aplicada após o contraditório. Aduziu que existe concreta irregularidade na aplicação da prova oral, a saber: primeiro, em razão de avaliação por examinador individual, que ofende o disposto no edital, que refere comissão examinadora, que presume a existência de, pelo menos, dois integrantes, necessária para resguardar o princípio da impessoalidade; em segundo lugar, há potencial irregularidade decorrente da ausência de espelho ou gabarito de correção para a prova oral, o que no entender do Tribunal de Contas pode ter afrontado os princípios da isonomia, da transparência e da impessoalidade. De acordo com a nota técnica exarada, mais de 90% das avaliações sopesaram apenas o critério do conhecimento jurídico. Acrescentou que há um terceiro vício na aplicação da prova oral, relacionado à subjetividade excessiva e à deficiência na motivação das avaliações dos candidatos. Houve avaliação sem qualquer justificativa, o que deve ser considerado inválido por ausência de motivação. Também houve avaliações com características excessivamente subjetivas e genéricas. As fichas de correção não oferecem clareza e transparência necessárias quanto à utilização dos critérios previstos no edital, pois não discriminam cada critério considerado, tampouco o respectivo valor da pontuação a este atributo e as razões ou padrões de resposta que o justifiquem. Noticiou haver denúncias de uso de celular pelos examinadores e de realização de questionamentos de cunho pessoal aos candidatos, o que deve ser devidamente apurado. Ponderou que não cabe ao Poder Judiciário restringir eventual conclusão acerca da necessidade de refazimento dos exames, como pretende a autora. Por fim, asseverou que a Administração Pública não pode ser tolhida de sua prerrogativa de autotutela, sobretudo num concurso público. Requereu o acolhimento da preliminar de incompetência e, no mérito, a improcedência dos pedidos, com a revogação da decisão liminar. Acostou documentos. Houve réplica, com juntada de documentos. Sobreveio pedido da autora de fixação de prazo para análise dos recursos administrativos, o que foi indeferido, tendo as partes sido instadas a dizer sobre outras provas. O demandado impugnou a admissibilidade da prova documental por último juntada aos autos. Manifestou-se a demandante. Com vista dos autos, o Ministério Público declinou de intervir no feito.
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Vieram os autos conclusos para sentença.
É O RELATÓRIO. PASSO À FUNDAMENTAÇÃO.
Da preliminar de incompetência O demandado suscitou a incompetência do juízo, ao argumento de que, por se tratar de demanda sobre direitos ou interesses difusos e coletivos, a matéria refoge à competência do Juizado Especial da Fazenda Pública. Não lhe assiste razão. A rigor, a questão reclama uma análise mais detida. É preciso, antes de enfrentar a tese de incompetência do Juizado Especial da Fazenda Pública, analisar a pretensão deduzida no presente feito. Na petição inicial foram formulados os pedidos (a) de impedir a Brigada Militar de anular a integralidade da prova oral e de determinar a realização de nova fase por todos os candidatos e (b) de autorizar o prosseguimento do certame, em prazo razoável, com análise dos recursos administrativos, garantindo o direito da demandante em relação à legalidade e manutenção da prova oral já realizada. Ainda que, da forma como redigida a peça vestibular, poder-se-ia interpretar que foi deduzida uma pretensão de direito coletivo ( stricto sensu), não há dúvidas de que a parte autora possui pretensão de direito individual em frente a situação de fato estabelecida. Ora, se alguém resta lesado por ato da Administração Pública que atinge a esfera jurídica de um determinado grupo de pessoas dentro de uma mesma relação jurídica base (por exemplo, candidatos inscritos e aprovados até a determinada fase de um concurso público), não pode ser impedido de, individualmente, pleitear seu direito, ajuizando a ação que entende cabível. Ao candidato não é dado postular direito alheio ou em nome da coletividade, pois lhe falta legitimidade para tanto. Todavia, e esse é ponto, ele pode individualmente buscar a reparação de uma ilegalidade que sofreu. E é nesse contexto que deve ser enfrentada a questão. Insisto que, muito embora não se tenha primado pela melhor redação – já que comporta a interpretação de que a autora tinha por escopo a imposição da continuidade do certame sem refazimento da prova oral, de forma geral -, é de se pontuar que ao final, o pedido foi no sentido de que lhe fosse garantido o direito da demandante em relação à legalidade e manutenção da prova oral já realizada. Ou seja, a pretensão deve ser tomada como aquela consistente no pedido de reconhecimento da legalidade da prova oral realizada, em relação à autora, individualmente, que deseja ser considerada aprovada, independentemente da submissão a nova avaliação. Evidentemente, reconhecido o direito de pleitear direito individual, a pretensão fica adstrita à autora, sem atingir a esfera jurídica dos demais candidatos do certame. E, uma vez admitido o ajuizamento desta ação individual, não há se falar em direito ou interesse coletivo ou difuso e, por via de consequência, em incompetência do Juizado Especial da Fazenda Pública, forte no art. 2º, § 1º, inc. I, da Lei n.º 12.153/09. Feitas essas considerações, afasto a preliminar de incompetência.
Do mérito
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A presente demanda tem por pano de fundo a legalidade ou não da prova oral realizada no âmbito do concurso público de ingresso no Curso Superior de Bombeiro Militar (CSBM). Numa breve recapitulação dos fatos, após a realização da fase oral do certame, inclusive com a publicação dos resultados, houve objeções em relação à mesma, digamos, por duas frentes, pelo menos. De um lado, candidatos reprovados, que não quiseram se identificar, procuraram o Ministério Público, sustentando ilegalidades, consistentes em violação a princípios da Administração Pública na aplicação da prova oral, ausência de avaliação realizada por banca examinadora, ausência de espelho de respostas e de mensuração dos critérios estabelecidos no edital de abertura e violação da isonomia entre os candidatos, desigualdade entre os candidatos na quantidade de temas sorteados na prova oral e não disponibilização da gravação para o recurso administrativo da prova. Como se percebe, a intenção dos reclamantes, no sentido diametralmente oposto ao da autora, era a de mover o Parquet a ajuizar uma ação coletiva para ver anulada a prova oral do concurso. Tais notícias deram margem à instauração dos Procedimentos de n.º 01413.000.695/2020 e 01413.000.832/2020, de âmbito interno do Ministério Público, os quais foram arquivados, conforme cópias acostadas às fls. 42/47 e 49/53. Evidentemente que a compreensão do nobre Promotor de Justiça sobre o tema não vincula este juízo. Mas o registro é pertinente, pois a matéria foi examinada e os pareceres são muito bem fundamentados. Entrementes, o Tribunal de Contas do Estado elaborou um Comunicado de Auditoria, através do qual asseverou que encontrou irregularidades, por não terem sido observados critérios objetivos durante a realização e correção da prova oral do indigitado concurso público, desde a formação singular da banca examinadora à correção extremamente subjetiva das ditas provas, contrapondo-se aos Princípios da Isonomia, da Transparência e da Impessoalidade (fls. 33/35). Esse comunicado foi enviado via ofício à Brigada Militar (fl. 32) e foi a mola propulsora para que a entidade promovesse a suspensão do concurso e, mais ainda, noticiasse que o anularia a 5ª fase do concurso, com a convocação dos candidatos para a repetição da prova oral, conforme se infere do ofício de fls. 37/38. A suspensão foi levada a efeito através da publicação do Edital DA/DRESA n.º CSPM 2092018 (fl. 40). Antes da anunciada anulação da prova oral, foi ajuizada a presente demanda, cujo pedido de liminar foi deferido. Com efeito, em juízo de verossimilhança, entendeu-se que havia risco de lesão ao direito da autora, tendo sido determinado, ad cautelam, ao demandado que se abstivesse de anular integralmente a 5ª fase (prova oral) do concurso para Capitão dos Bombeiros Militares (CSBM), no qual está inscrita a demandante, sob o argumento de que a prova oral foi realizada com examinador individual ou sem espelho de respostas. Vale destacar que a decisão foi objeto de agravo, tendo sido confirmada a decisão, em exame de liminar de recurso (não se tem notícia do julgamento do recurso). Feito esse apanhado, passo ao exame da questão de fundo. A deliberação da Brigada Militar, baseada no comunicado de auditoria do Tribunal de Contas, centra-se em duas irregularidades no certame, a saber: (a) subjetividade da correção da prova oral, em razão de formação singular da banca examinadora, e (b) ausência de previsão de composição de notas para estabelecimento da nota final ou de espelho para servir de baliza para correção da prova oral, situações que se contraporiam aos princípios da isonomia, transparência e impessoalidade. A primeira questão digna de nota é que os fatos são incontroversos: na prova oral os candidatos foram avaliados por apenas um examinador e a prova oral não teve gabarito.
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O exame, pois, limita-se à matéria de direito, mais especificamente se tais circunstâncias – examinador único e ausência de gabarito – configuram alguma ilegalidade. E a resposta é negativa, pelas razões que se passa a expor. Na verdade, a compreensão do signatário a respeito da matéria já foi explanada na decisão liminar e na dos embargos declaratórios opostos. Como dito antes, não vislumbro ocorrência dos vícios apontados pelo Tribunal de Contas e acatados pela Brigada Militar no procedimento da 5ª fase (prova oral).
Com relação à avaliação por único examinador, o primeiro dado a ser obtemperado é que no edital do concurso não está definido quantos avaliadores realizariam a prova oral. Logo, não é possível argumentar que se o exame foi aplicado por apenas um avaliador a prova é eivada de vícios. Aliás, como argumento de reforço, como ponderou a parte autora na petição retro, no item 8.5.3. do edital consta que o candidato terá no máximo de 20 (vinte) minutos para realização da prova oral, ao passo que no item 8.5.5. que cada examinador disporá de até 20 (vinte) minutos para a arguição do candidato. Por conseguinte, se houvesse mais de um examinador, o tempo máximo da prova poderia ser superior ao limite estabelecido, o que redundaria em contradição interna do edital. De outra banda, não se pode partir de uma odiosa presunção de que a prova aplicada por único examinador fere princípios de isonomia, transparência e impessoalidade. Inúmeros concursos públicos, para os mais variados cargos, no país inteiro e há muito tempo, são compostos de provas com examinador individual, sendo inédita a tese de que toda a prova a ser aplicada pressupõe a participação de, pelo menos, dois avaliadores como condição de validade. É óbvio que não. A propósito, o que se deve presumir é a lisura e retidão dos examinadores e não o contrário. Veja-se que todos possuem título de Mestre ou Doutor, conforme consta do Edital DA /DRESA n.º CSPM 174-2018 (fl. 122). E com maior razão, no caso concreto, pois as provas orais foram filmadas. Cuida-se de um recurso tecnológico que permite ao candidato, à banca examinadora, ao ente que promove o concurso, aos agentes públicos que exercem atividade fiscalizatória (por que não até mesmo aos examinadores, que estão tendo sua idoneidade questionada na espécie), enfim, a qualquer interessado ter acesso à integralidade da prova oral, podendo acompanhar todas as perguntas e respostas, assim como o comportamento do examinador e do candidato. E é importante frisar: não foi apontada uma única situação específica que autorizasse cogitar tenham os princípios da isonomia, transparência ou impessoalidade sido desrespeitados. A argumentação é toda em tese. Não é diferente em relação ao segundo ponto, referente à ausência de gabarito ou espelho de respostas. Consoante já ponderado, é da essência de uma prova oral uma dinâmica peculiar, em que ao candidato é permitido desenvolver seu raciocínio, podendo a resposta ser considerada adequada ou parcialmente correta ainda que não corresponda literalmente àquela que teria sido previamente admitida com correta. Sobretudo em matéria de Direito. A opção pela realização de uma prova oral visa a avaliar o candidato sobre aspectos que transcendem seus conhecimentos jurídicos e de língua portuguesa: são aferidos, entre outros predicados, a postura, a educação, o estado de ânimo, a calma, o comportamento, a reação a situações embaraçosas, rapidez de raciocínio, etc. E esses são critérios de dificílima, às vezes impossível, objetivação. Dito em outras palavras, a adoção de uma fase oral em concurso público implica, necessariamente, uma avaliação que não é objetiva por excelência, como ocorre numa
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prova de questões objetivas em que o candidato escolha uma entre quatro ou cinco alternativas. Enfim, é uma característica da prova oral: perde-se em objetividade, ganha-se na ampliação da análise de vários predicados do avaliando, que ultrapassam o estrito conhecimento jurídico. No exame oral em testilha, além da gravação da prova, o examinador tinha à disposição uma ficha de avaliação, onde deveria preencher campos como conteúdo sorteado, horários de início e fim da prova, com espaço específico para fazer as observações que entendesse pertinentes, além do campo da nota final (a confeccionada na prova da autora consta à fl. 30). Ou seja, a prova foi filmada (permitindo completa sindicância da mesma) e o examinador utilizou uma ficha de avaliação, na qual lançava observações que entendia pertinentes. O demandado destacou que apurou avaliações nas quais não restou consignada qualquer justificativa acerca da nota atribuída ao candidato, apresentando uma fotografia como exemplo (fl. 300). Nesse caso, especificamente, não há irregularidade a ser conhecida, pois o candidato recebeu 30 pontos, ou seja, a nota máxima, presumindo-se que sua prova foi plenamente satisfatória. De qualquer sorte, casos pontuais podem ser resolvidos através de recurso administrativo. Assim, não merece trânsito a alegação de falta de transparência. Quanto à isonomia, reforçando o que já foi dito acima, nenhuma prova oral permite absoluta igualdade entre candidatos. Trabalha-se com linhas mestras como predefinição de pontos a serem sorteados, tempo de duração da prova, entre outros. Mas não há como garantir, por exemplo, que todos os candidatos prestem a prova ao mesmo tempo ou que lhes sejam feitas as mesmas perguntas. Enfim, mesmo num único concurso, a prova oral de um candidato nunca será exatamente igual à dos outros. E no que diz respeito à impessoalidade, como já frisado, não foi apontada uma única situação em que se tenha indícios de que algum candidato tenha sido beneficiado ou prejudicado. E a filmagem, somada à ficha de avaliação são substratos suficientes para examinar detidamente cada prova. Além desses dois pontos – examinador único e ausência de gabarito -, o réu aborda, na peça de defesa, outros temas como subjetividade excessiva, deficiência na motivação das avaliações dos candidatos e falta de clareza e transparência dos critérios utilizados. Esses argumentos, a rigor, estão inseridos na alegada ausência de gabarito, sendo que a motivação supra é bastante para refutá-los. O assunto, diga-se de passagem, já foi objeto dos embargos declaratórios opostos à decisão liminar, ocasião em que se asseverou que não poderá a administração, com roupagem diversa, querer pretender anular o certame por motivos relacionados aos critérios de avaliação da banca examinadora na prova oral. Ao fim e ao cabo, diz respeito à mesma situação da indigitada ausência de espelho de respostas. Não, ao menos, em relação à autora, diante do acolhimento da pretensão deduzida na presente ação. Por fim, outro vício levantado na contestação foi o uso de telefones celulares pelos examinadores. Tal conduta, por si só, não implica a invalidade da prova nem permite presumir ofensa a algum princípio da Administração Pública. Seja como for, é matéria que refoge à presente demanda, não estando impedido o exercício da autotutela. Observe-se que a presente demanda está fundada no argumento de que a 5ª fase do concurso, consistente na prova oral, não pode anulada em virtude de ter sido aplicada por um único examinador, nem porque não foi elaborado um gabarito.
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Com relação a esses dois aspectos, assiste razão à autora, conforme já fundamentado, de modo que, por tais motivos (ou por outros que lhes sejam intrínsecos, como os critérios de avaliação da prova oral) não pode ser submetida a uma nova avaliação oral. Vale destacar que em relação à demandante não foi apontado nenhum problema em concreto. Se for outro o fundamento da invalidade da prova, por exemplo, fraude, é evidente que poderá o Estado promover a anulação, inclusive de ofício, na sua prerrogativa de autotutela. Em última análise, ainda que o ente público pudesse entender apropriada a adoção de certas regras mais específicas para a realização de determinada prova do concurso, consistente na obrigação de uma banca examinadora composta por mais de um avaliador para a aplicação de todas as provas e a exigência de um gabarito para a prova oral, a inexistência de tais exigências não implica a nulidade do concurso. Porém, a avaliação por banca coletiva e o espelho de respostas não podem ser consideradas premissas de legalidade e lisura de uma prova oral, se não estiverem expressamente previstas no edital. A verdade é que não pode deixar de ser ressaltado que há uma espécie de inversão da lógica no agir da Administração Pública no que tange à indigitada prova oral. A presunção é a de legitimidade dos atos administrativos e não o inverso. A tese – totalmente equivocada, desde o ponto de vista do signatário - foi criada pelo Tribunal de Contas, acatada pela Brigada Militar e avalizada pelo Estado do Rio Grande do Sul, que agregou outros argumentos contra o concurso, configurando uma oposição ao resultado de uma prova sem nada de concreto que aponte para o benefício ou prejuízo de algum candidato, arguindo situações hipotéticas, que estão a implicar um atraso na conclusão do concurso e, por via de consequência, no preenchimento de vagas em setor tão sensível e carente. Nesse contexto, verifica-se que a autora está em vias de ter violado seu direito de continuidade no concurso, já que se submeteu à prova oral aplicada e logrou aprovação, como se infere do resultado e ficha de avaliação (fls. 27 e 30). Como ela não tem legitimidade para pleitear direito de que não seja titular, o provimento será restrito a garantir que, pelos motivos debatidos – examinador singular e ausência de gabarito na prova oral (ou por outros que lhes sejam intrínsecos, como os critérios de avaliação da prova oral) -, a autora deve ser considerada aprovada na prova oral, independentemente de ser submetida a novo exame.
DISPOSITIVO Isso posto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado por BETINA JUSTO MARTINS contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, para o efeito de declarar que não há nulidade na prova oral em razão de ter sido aplicada por único examinador ou de não ter havido gabarito, aí incluídos outros motivos que lhes sejam intrínsecos, como os critérios de avaliação, garantindo-se à autora o direito de não ter de ser submetida a nova prova oral. No mais, ajustando a tutela de pretensão individual e garantido o direito da autora, revogo a liminar. Sem custas e honorários, nos termos do art. 55 da Lei n.º 9.099/95. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
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De CamaquĂŁ para Tapes, 17 de dezembro de 2020.
Felipe Valente Selistre, Juiz de Direito
Tapes, 17 de dezembro de 2020 Dr. Felipe Valente Selistre - Juiz de Direito
Avenida Dom Vicente Scherer, 296 - Centro - Tapes - Rio Grande do Sul - 96760-000 - (51) 3672-3465
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DOCUMENTO ASSINADO POR
DATA
Felipe Valente Selistre
17/12/2020 20h18min
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