Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA
Plano CamponĂŞs Da Agricultura Camponesa para toda a sociedade
Lutadores
Sumário ................................................................ 4
Apresentação ................................................................ 5 O campesinato no Brasil ............................................. 6 Trajetória histórica da agricultura no Brasil .............. 7 Origens da Agricultura Camponesa .......................... 7 Uma história de lutas ................................................ 8 Modelos antagônicos .................................................. 9 Plano Camponês ............................................................ 10 Elementos Centrais .................................................... 12 Quem são os camponeses? ........................................ 12 Sistemas Camponeses de Produção .......................... 13 Agroecologia ............................................................. 16 Alimergia ................................................................... 17 Eixos Estruturantes .................................................... 19 Soberania Alimentar ................................................. 20 Eixos do Plano Camponês .......................................... 21 Esta é uma cartilha produzida pelo Coletivo de Formação do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) do Espírito Santo. Edição e Diagramação: Tatiany Volker Boldrini Fotos: Arquivo do MPA
Produção ................................................................... 21 Educação e Formação ................................................ 23 Vida de Qualidade .................................................... 23 Comunidade Camponesa .......................................... 24 Soberania ................................................................... 26
A caminhada continua .............................................. 31
Apresentação
Lutadores
Companheiros e Companheiras Estamos vivendo um período muito importante e decisivo da história do campesinato brasileiro e isso exige muita reflexão e contribuição da nossa parte enquanto povos do campo e toda a classe trabalhadora. Nunca existiu na história do Brasil um projeto que garantisse condições concretas de desenvolvimento da Agricultura Camponesa. O campesinato sempre foi tratado pelo Estado com repressão e com migalhas, enquanto o agronegócio sempre foi protegido e financiado amplamente.
Sonhamos grande Gritamos muito Caminhamos sempre Nos escutam muito Mas nos fazem pouco Seguimos marchando De jornada em jornada Com bandeiras e chapéus Com a foice e inchadas
E nesse contexto que nós, Movimento dos Pequenos Agricultores, organizados em 17 estados no Brasil, tendo com base nossos grupos de famílias camponesas em suas comunidades, estamos construindo elementos teóricos e práticos para a construção de um Plano Camponês.
Rompemos as fronteiras Guiados pela ousadia Propomos um projeto Que pra muitos é utopia....
Este audacioso plano, protagonizado pela classe camponesa, tem como objetivo articular um conjunto de ações numa estratégia de fortalecimento da Agricultura Camponesa, preservação do meio ambiente, produção de alimentos saudáveis e abastecimento popular.
Produzimos alimento Formando consciência Reconstruímos novos valores Trocando experiência
Este é o tema que será apresentado nessa cartilha.
Somos ainda pequenos Mas nossos sonhos são grandes Somos campesinato Construtores da Pátria Grande
Desejamos uma boa leitura e convocamos todos os trabalhadores e trabalhadoras a se somarem na construção desse plano para o campo, que é parte essencial de um projeto popular para o Brasil.
Coordenação Nacional do MPA Agosto de 2012
Luiz Carlos Souza militante do MPA
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“Plano Camponês por Soberania Alimentar e Poder Popular”
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O campesinato no Brasil Trajetória histórica da agricultura no Brasil No período da Invasão Brasileira os povos que aqui viviam, cerca de 5 milhões de pessoas, se alimentavam por quatro meios: Pesca, Caça, Coleta e cultivos (sobretudo mandioca e milho). Tentou-se de todas as formas escravizar esse povo para o trabalho primário-exportador, sendo as reações duramente reprimidas, houve um genocídio. A agricultura praticada pelos invasores e determinada pela coroa portuguesa combinava os seguintes fatores: extração pura e simples das riquezas naturais para exportação (paubrasil, ouro, diamante, etc); concentração da terra, com enormes extensões de monocultura (destruindo a natureza); produção para o mercado externo; dependência tecnológica e industrial, exploração do trabalho escravo. Este modelo entrou em crise à partir de 1850 devido o combate internacional do tráfico de escravos e o aumento da resistência negra. Apesar do fim da escravidão, a lei de terras de 1850 garantiu a propriedade da terra de quem já a tinha, e os demais teriam que comprar - escravo tinha dinheiro para comprar? O latifúndio manteve-se intacto, ao invés de escravos utilizaria trabalho assalariado.
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Origens da Agricultura Camponesa Como as fazendas só produziam para exportação, algumas famílias ao redor destas se dedicavam a produção de comida, com base em tecnologias muito simples, para as cidades que começaram a surgir e para as fazendas. As famílias pagavam arrendo ao fazendeiro e estavam abandonadas de tudo: saúde, escola... Inicialmente, a Agricultura Camponesa se baseava nas seguintes características: 1. Pequenas áreas de terra; 2. Produção de auto-consumo; 3. Produção diversificada (plantas e animais); 4. Trabalho familiar; 5. Produção de excedente para o mercado interno e local; 6. Controle da tecnologia (sementes, raças, ferramentas, etc) Com a chegada dos imigrantes europeus, a partir de 1850, iniciou-se a substituição da mão de obra escrava e aumento a produção de alimentos. O trabalho na lavoura de café gerou lutas e a necessidade de produção de alimento fez o governo organizar colônias nas terras consideradas impróprias pelos latifundiários. Isso aumentou o peso e a importância da agricultura camponesa no Brasil. À partir de 1930 muitas coisas mudaram no Brasil, assumiu-se uma política de desenvolvimento interno, as cidades cresceram, o consumo de alimentos também aumentou. Porém a Reforma Agrária não foi feita. A Agricultura Camponesa nesse período passa a cumprir três papéis fundamentais: produção de alimentos para o mercado interno; liberar mão de obra para a indústria; e, ocupar o território nacional incorporando terras para a produção agrícola.
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Uma história de lutas
Modelos Antagônicos
A história da agricultura camponesa no Brasil, a história dos povos do campo, das águas e das florestas é uma história de luta. Podemos listar inúmeros conflitos e guerras travados Brasil afora entre quem queria tomar a terra e a liberdade, e os que queriam defendê-las. Os camponeses estiveram presentes em todas as lutas do Brasil, das independentistas às republicanas, somando-se ao conjunto da população. No período da Ditadura Militar qualquer reação camponesa contra esse modelo resultava em dura repressão por parte do Estado, que torturou e assassinou milhares de camponeses e camponesas em todo o país. Com a redemocratização, o campesinato se reorganizou pela defesa dos seus direitos resultando novamente em conflitos no campo, que a cada ano vem aumentando por conta do avanço do agronegócio sobre as populações camponesas e indígenas.
-1710
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Guerra dos P
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- 1964
Guerra de C
O que vemos ao longo da história é que se por um lado a agricultura latifundiária, primário-exportadora sempre esteve no centro do Estado e dos programas de governo, a agricultura camponesa sempre esteve às margens desse processo, sofrendo todos os tipos de agressões. Não houve em nenhum momento da história brasileira um plano para o desenvolvimento pleno da agricultura camponesa. O latifúndio, agora chamado de agronegócio, é a face do capitalismo no campo. Sua forma de produção, agroindústria e comercialização de produção respondem aos interesses das transnacionais, da burguesia e tem como finalidade o lucro e a acumulação de capital. Para o agronegócio avançar é necessário destruir comunidades camponesas, apropriar-se de seus territórios, ou destruir seu modo de vida, da mesma forma a reprodução e recriação camponesa implica na tomada de território do agronegócio e a destruição de sua forma de produção e acumulação capitalista. Portanto não se trata de interesses complementares, mas de projetos estratégicos distintos, onde um pressupõe a extinção do outro.
anudos 189
6-1897
Massacre d o Eldorado dos Carajás - 1996
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Agronegócio x Agricultura Camponesa: a luta entre duas formas de produzir, viver e se relacionar com a natureza.
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Plano Camponês O Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA nasce num contexto histórico de abertura da economia, de implantação do neoliberalismo, de mercantilização absoluta dos alimentos e de ampliação extraordinária do controle das multinacionais sobre as cadeias produtivas. O primeiro grito de existência do MPA foi um grito que ecoou na sociedade e a sua mensagem era para dizer que existia no Brasil uma pequena agricultura ampla em números absolutos e na participação da produção de alimentos e, mostrar que apesar de ter sido decretada sua extinção por algumas vezes, esse fato não havia acontecido. Obtivemos ao longo de nossa história vitórias importantes como a recriação do crédito para a pequena agricultura, o crédito moradia, processos de alfabetização, defesa de territórios ameaçados por grandes obras, por parques de preservação e pelo avanço de monoculturas. A história seguiu seu curso Em 2002, a história seguiu seu curso com a eleição do 1º operário a presidência da república, o Lula do PT. As políticas públicas, as ações do governo e as nossas proposições foram tornando evidentes três diferentes concepções sobre o campo brasileiro, seu futuro e seu papel na sociedade. Neste momento o MPA coordenou um amplo processo de estudo que culminou na obra “O campesinato no século XXI” e “História social do campesinato” - uma coleção de nove livros sobre o campesinato brasileiro -, em que retomamos o conceito de camponês, campesinato e aprofundamos sobre quem são, quantos são, onde vivem, como vivem e a função social das famílias camponesas brasileiras.
Este estudo nos levou à identificação de três teses sobre o campo brasileiro: o fim do campesinato, a partir do
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desenvolvimento econômico e a competição capitalista no campo; a metamorfose camponesa, por meio da integração do campesinato à lógica de produção do agronegócio e de nichos de mercado como os alimentos orgânicos e o turismo rural; e o fim do fim do campesinato, por meio da capacidade de adaptação e resistência própria da classe camponesa, baseada em um conjunto de relações de produção não capitalistas, e que traz elementos fundamentais para a construção de uma sociedade em transição ao comunismo. Com base nos estudos desenvolvidos e na vivência prática e diária da luta camponesa no Brasil, temos a convicção de que ao campesinato não cabem as teses do fim do campesinato e nem da metamorfose camponesa. Acreditamos fazer parte de um modo de vida, baseado em um conjunto de princípios e valores, que permite sua continuidade e, mais do que isso, contribui com o toda a sociedade diante da crise civilizatória e da necessidade de profundas transformações para a manutenção da vida humana na terra. Para isso é necessário a organização desta classe social, a construção de um projeto estratégico, a luta de resistência frente ao avanço do agronegócio, e a luta de existência e crescimento na implantação de seu projeto estratégico. A esse projeto estratégico nomeamos de Plano Camponês, que segue em elaboração e seguirá de forma contínua e permanente, mas que traz no seu conjunto as ações necessárias para o desenvolvimento e fortalecimento do campesinato no Brasil, a partir de uma compreensão que a aplicação deste projeto estratégico é parte integrante do projeto popular e da estratégia da revolução brasileira.
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Quem são os camponeses? “Entende-se, então, por camponesas aquelas famílias que tendo acesso à terra e aos recursos naturais que esta suporta resolvem seus problemas reprodutivos à partir da exploração rural – extrativista, agrícola e não agrícola – desenvolvida de tal modo que não se diferencia o universo dos que decidem sobre a alocação do trabalho dos que sobrevivem dessa com o resultado dessa alocação (Costa, 2004).
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O campesinato, enquanto unidade na diversidade camponesa, constitui-se num sujeito social cujo movimento histórico se caracteriza por modos de ser e de viver que lhe são próprios, não se caracterizando como capitalista, ainda que inserido na economia capitalista (Costa, 2004, p 171)
Para Bavaresco (2004), a diversidadse camponesa contempla uma gama de trabalhadores rurais “... desde os camponeses proprietários privados de terras aos posseiros de terras públicas e privadas; desde os camponeses que usufruem dos recursos naturais como os povos das florestas, os agroextrativistas, a recursagem, os ribeirinhos, os pescadores artesanais lavradores, os catadores de caranguejos e lavradores, os castanheiros, as quebradeiras de coco babaçu, os açaizeiros, os foreiros que usufruem da terra por cessão; desde camponeses quilombolas às parcelas dos povos indígenas já camponeizados; os serranos, os caboclos e os colonizadores, assim como os povos das fronteiras no sul do país”( Bavaresco, 2004), além dos novos camponeses resultantes de assentamentos de reforma agrária.
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Sistemas Camponeses de Produção Sistema é um arranjo de componentes físicos, um conjunto ou coleção de coisas, unidas ou relacionadas de tal maneira que formam e atuam como uma unidade... (Guterres, 2006)
Quilombolas, lavradores, pescadores artesanais, povos da florestas e indígenas formam parte da diversidade que compõe o campesinato brasieiro
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O Plano camponês esta alicerçado em alguns conceitos que são centrais para a compreensão e aplicação deste plano:
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Elementos Centrais
São sistemas que o campesinato ao longo da história desenvolveu para garantir uma ampla produção com eficiência produtiva, com emprego dos insumos disponíveis na propriedade, com aplicação de tecnologias de domínio próprio sem
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gerar dependência externa, sistemas de produção em consonância com a natureza - em que não há uma oposição entre agricultura e meio ambiente -, sendo atualizado e modificado com novos elementos trazidos pelas próprias famílias.
De modo esquemático podemos desenhar os sistemas camponeses de produção da seguinte forma:
Os sistemas camponeses de produção são um complexo arranjo entre cultivos, árvores, animais e o solo, que garantem a circulação de produtos e subprodutos entre si, de modo que aquele produto do cultivo que não é usado para consumo familiar e nem comercializado se transforma em alimento para os animais, que por sua vez produzem alimentos para a família, o mercado, o solo e outros animais. Nessa forma de produção nada se perde, tudo tem uma utilidade. Para que esse sistema funcione são necessários um conjunto de pequenas agroindústrias caseiras como a farinheira, o engenho, o moinho, o pilão, o monjolo, a queijaria, os tachos para fazer doces, o forno e o fogão a lenha, entre outros. Todas essas agroindústrias processam os alimentos in-natura, aproveitando o seu excedente para garantir uma alimentação diversificada ao longo de todo o ano e renda para a família. Pela diversidade de serviços necessários há tarefas para toda a família, desde as crianças que podem se ocupar de tratar os animais ou cuidar da horta, os adultos que fazem o trabalho nas agroindústrias, cuidam dos animais e das lavouras, e os idosos que podem se dedicar ao cuidado dos animais, do preparo das ferramentas, de tarefas das agroindústrias. Assim o trabalho é efetivamente familiar, todos participam e percebem o resultado do trabalho como sendo seu. É, portanto, um sistema produtivo autônomo e soberano, não é dependente de insumos externos e produz alimentos prontos para o consumo.
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Os sistemas camponeses de produção foram em parte destruídos pela revolução verde e pelo modelo intensivo de produção, mas muito ainda segue preservado, e muito conhecimento ainda está disponível. As pessoas mais idosas podem nos dar extensas aulas de como funcionam os sistemas camponeses de produção e tem como tarefa passar este conhecimento para a juventude, considerando que camponês passa conhecimento fazendo. Ainda podemos agregar nestes sistemas desenvolvidos ao longo de séculos de experiência camponesa, recentes conhecimentos como a adubação verde, plantio direto, eliminação do fogo, entre outros que permitiram tornar estes sistemas ainda mais produtivos e integrados com o ecossistema local, bem como diminuindo a penosidade do trabalho.
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Econômica
Agroecologia Para muitos a agroecologia é uma ciência que estuda e procura explicar o funcionamento dos agroecossistemas, para outros são práticas e técnicas agronômicas e produtivas que permitem produzir alimentos e fibras sem agrotóxicos, com respeito aos ecossistemas. Considerando estes dois entendimentos, o MPA define que a agroecologia representa uma base cientifica e técnica para qualificar os sistemas camponeses de produção, eliminar o uso de agrotóxicos, superar as cadeias produtivas, construir a soberania alimentar, proporcionar autonomia das famílias camponesas e fazer enfrentamento ao agronegócio. Assim para o MPA a agroecologia tem um significado produtivo prático, mas também um significado político e ideológico, fazendo parte da luta de classes no campo e na cidade. Não existe uma receita para a agroecologia, existem princípios que orientam a organização do processo produtivo, levando em conta as particularidades de cada unidade, que irão influenciar no modo de organizar a produção. A agroecologia enquanto sistema de produção tem cinco dimensões: Ambiental Ecológica Supera a dicotomia entre agricultura e preservação do meio ambiente. As áreas de preservação e produção têm diferenças mínimas, são sistemas de produção de baixo impacto ambiental, que não utilizam agroquímicos, que preservam ao máximo os ecossistemas. Social Gera equilíbrio social e qualidade de vida, produz alimentos saudáveis, é capaz de gerar uma relação direta entre campo e cidade, valoriza as famílias camponesas e a vida no campo ao recuperar a autoestima camponesa, supera as relações desiguais de gênero e geração;
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Contempla a lógica econômica camponesa, pois é um sistema de produção em que a circulação se dá de forma simples a partir do local. Não há geração de acúmulo no sentido capitalista, o gasto com insumos é muito pequeno necessitando poucos investimentos, a produção é diversificada e não especializada. A produção agroecológica não é nicho de mercado, pressupõe um novo modelo de relações econômicas, uma nova forma de se relacionar com a comunidade humana. Política É antes de tudo um ato político, não romântico. É político, pois, na sua concepção e na sua ação prática é radicalmente diferente da lógica do agronegócio, fazendo enfretamento permanente contra o mesmo, prova que outra forma de produção, circulação e consumo é possível, e que outra sociedade é necessária. Cultural É uma forma de produção que se relaciona diretamente com a identidade camponesa, fortalece as relações comunitárias, resgata a diversidade alimentar, os conhecimentos que foram gerados observando o meio, decodificando os sinais da natureza. Parte do que é tradicional daquela dada cultura. Implica em um modo de viver. Alimergia O sol é a fonte básica de energia, é da energia solar e dos nutrientes do solo que as plantas geram seu alimento dando sequencia a um processo alimentar que movimenta todos os ecossistemas do planeta. O petróleo e o carvão são exemplos e produtos que tem como uma de suas bases os raios solares. O sol em interação com outras variáveis produz as diferenças de temperaturas que geram os ventos, calor, chuvas etc.
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A palavra ALIMERGIA que dizer exatamente: sistema de produção que combina produção de alimentos, preservação e recuperação do meio ambiente e produção de energia. A atividade camponesa, que lida com plantas, animais, sol, chuva e vento, produz energia na forma de alimentos mas é também capaz de produzir energia líquida (combustíveis), elétrica (oriunda de geradores movidos pelo vento, água, gás ou ainda combustíveis), e também o gás que pode ser utilizado como combustível das agroindústrias ou preparo dos alimentos.
ambiental e a produção de energia. A energia gerada tem por finalidade o abastecimento das famílias camponesas, criando condições para a soberania das famílias e comunidades camponesas, e diminuindo o consumo externo. Eixos Estruturantes A experiência tem mostrado que a transição agroecológica ao nível de unidade produtiva individual é de difícil viabilidade e aplicabilidade, isto porque para desenvolver os sistemas camponeses de produção é necessário um conjunto de infra-estruturas e mão-de-obra que existiam nas famílias camponesas quando eram maiores. Hoje, a realidade é diferente: são famílias pequenas com pouca disponibilidade de mão-de-obra e, além disso, são pequenas propriedades. Assim é necessário desenvolvermos estruturas coletivas, os eixos estruturantes, que possibilitem as famílias um alto nível de diversificação e integração na unidade camponesa de produção, com o beneficiamento de diferentes produtos, bem como o preparo de insumos.
Experiências de alimergia realizadas pelo Centro de Produção e Formação São Francisco de Assis -RS.
A agroecologia é um exemplo claro dessa relação de um arranjo equilibrado onde produção de alimento, fontes de energia e preservação do meio ambiente se fundem num só ato. O grave problema que estamos vendo e sentindo é a substituição do cultivo de alimentos para as pessoas, para produzir alimentos para os veículos. Isso é grave e esta trazendo sérios impactos para a sociedade. O que defendemos enquanto MPA, é que precisamos desenvolver sistemas produtivos voltados essencialmente à produção de alimentos, mas que também cumpram a função
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Trata-se da identificação de um eixo central que ao entorno dele sejam desenvolvidos uma série de atividades que com o passar do tempo irão se tornando mais complexos pelo seu nível de diversificação. O eixo estruturante deve estar articulado ao nível de família, comunidade e território.
As estruturas comunitárias tem um caráter de prestação de serviços às famílias camponesas, com gestão das próprias famílias, como uma agroindústria de poupa de frutas que atende uma comunidade, onde tudo pode ser aproveitado, cascas e bagaços se convertem em ração para animais, processada num espaço anexo à da agroindústria. O limite geográfico dessas agroindústrias deve ser de 5 a 6 quilômetros, para não dificultar a organização do trabalho das famílias e o gasto com transporte.
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Soberania Alimentar É uma proposta alternativa de produção e consumo, que apóia os povos em sua luta contra o agronegócio e as políticas neoliberais promovidas por instituições financeiras e transnacionais. É um direito dos povos, nações ou uniões de países, definirem suas políticas agrícolas e alimentares sem nenhuma interferência de terceiros, roduzir, a proteção e regulação da produção nacional agropecuária, bem como de práticas de mercado como o dumping, de excedentes agrícolas e importação a baixos preços. A soberania alimentar organiza a produção e o consumo de alimentos saudáveis de acordo com as necessidades das comunidades locais, dando prioridade para o consumo local e doméstico. Reconhece os direitos das mulheres camponesas e defende que todo o campesinato deve ter acesso à terra, água, sementes, recursos produtivos e serviços públicos adequados à sua realidade. Seus princípios rompem com a lógica neoliberal de tratar o alimento e a agricultura em si mesma como uma mercadoria, e colocam a alimentação como uma questão de estado e a autossuficiência alimentar considerada central para a soberania nacional. A soberania alimentar não é somente uma alternativa para os camponeses e camponesas, mas sim para toda a sociedade em seu conjunto. Somente através da soberania alimentar o campesinato poderá continuar com práticas sustentáveis na terra em beneficio da alimentação de toda a humanidade.
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A produção no sentido prático combina dois elementos centrais: os sistemas camponeses de produção que envolve e fortalecem a produção de sementes, oleaginosas, leite e alimentos em geral, agroflorestas, adubação verde e orgânica, e as agroindústrias que relacionam os produtos fabricados a partir da produção que necessitam de processamento para serem comercializados, como os derivados do leite, óleo, erva mate, derivados da carne e da cana. Nós queremos uma produção saudável, limpa, e meios de comercialização diretos com o consumidor, garantindo preço justo para quem vende, e para quem compra.
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Eixos do Plano Camponês Produção “Produção de alimentos saudáveis, com respeito a natureza, para alimentar o povo brasileiro e fortalecer o campesinato” (MPA 2011)
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Assim o eixo estruturante não é uma articulação de uma cadeia produtiva, mas sim um conjunto de estruturas de serviços voltados para as famílias camponesas com o intuito de que estas possam desenvolver ao máximo possível os sistemas camponeses de produção e uma produção amplamente diversificada para o abastecimento local, e quando a nível local já não absorve toda a produção, contribua para que seja comercializado na cidade mais próxima, desenvolvendo ao máximo possível a produção e consumo em circuitos curtos.
O desafio desta pequena frase expressa três dimensões da produção camponesa: 1) Produzir alimentos saudáveis garantindo a produção de alimentos sem a utilização de agrotóxicos e transgênicos, tendo como base científica a agroecologia;
2) Respeito a natureza superando assim a divisão estabelecida pela agricultura convencional entre área de produção e área de preservação; 3) Alimentar o povo trabalhador é objetivo central da agricultura camponesa, produzir alimentos para atender as necessidades de suas famílias e de toda a classe trabalhadora.
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A reforma agrária tem papel central, resolvendo os problemas sociais decorrentes da concentração fundiária e aumentando a produção de alimentos saudáveis para a população brasileira.
Sistema Camponês de produção da família de Valdeci Ribeiro, em Rondônia Nas bases do MPA em Rondônia vivenciamos a pratica do plano camponês onde a família Ribeiro resgata técnicas camponesas de produção e beneficiamento agregando valor nos produtos e diminuindo a dependência do mercado externo. O lema da família é diversificar e envolver a culturas e criações como o exemplo da cana e do gado: com 130 toneladas de cana produzem cerca de 14 mil kg de açúcar mascavo e derivados, gerando como sub produto bagaço que se transforma em adubo para a roça e ração para 10 cabeças de gado que produzem leite, carne e derivados e adubo, a família também trabalha com piscicultura, café,maracujá criação de suínos comercializando no mercado local, PAA e venda direta, com varias fontes de renda a família não fica preso a um só cultivo e uma só forma de comércio. Nessa lógica, nenhum cultivo ou criação é isolado, eles se mantém entrelaçados e o fluxo de energia circula constantemente, sem sobras ou restos, tudo se dinamiza e se aproveita .
Educação e Formação A proposta do Plano camponês para a educação envolve desde a básica, infantil, até a educação universitária, propondo escolas locais e conteúdos que se baseiem na realidade de cada região. A universidade deve ser acessível aos trabalhadores do campo, partindo da lógica e pensamento camponês, não do agronegócio como se faz atualmente. No plano camponês a educação informal também é valorizada, pois é a partir do trabalho cotidiano, da interação com o campo e com outros camponeses, que aprendemos novos saberes sobre a nossa prática. Por isso todo momento de encontro deve ser valorizado e dinamizado, como seminários, reuniões, oficinas e visitas, que são a base da socialização do conhecimento produzido. Vida de qualidade Para ter vida de qualidade o camponês precisa de moradia, cultura, esporte, lazer e saúde popular. O esporte deve estar presente, por isso o Plano Camponês também salienta a importância da destinação de espaços para a prática esportiva. Que junto com os bailes, festas teatro, música, atividades de partilha, mutirões garantem a qualidade de vida camponesa pela qual tanto lutamos. A vida de qualidade depende também do acesso pelas famílias camponesas aos bens e serviços públicos como a saúde, previdência, estradas, comunicação, educação, entre outros, que atualmente, na maioria do interior do Brasil, são “oferecidos” somente nas cidades. Moradia Camponesa, conquista do MPA!
Experiência de produção da família Valdeci (RO): o bagaço da cana se transforma em adubo para a roça e ração para o gado.
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A casa do camponês não é apenas um abrigo, é um lugar para morar e demorar. Onde temos nosso pomar, preservamos o
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meio ambiente, vivemos em família e em comunidade. Por isso, ter uma boa moradia camponesa é tão importante! O MPA nasce discutindo a pauta da vida de qualidade e o debate da moradia esta presente desde a genesis da organização, que a partir de muito esforço e mobilização dos camponeses, iniciamos em 2001 os primeiros projetos de moradia camponesa da história do Brasil. De lá para cá, seguimos consolidando essa conquista nos estados brasileiros, proporcionando a mais de 10 mil famílias camponesas o direito a um espaço digno de reprodução da vida.
Camponeses assumem o comando do campo de futebol da comunidade de Araras, no Espírito Santo A estrutura do campo de futebol, o bar e o salão de dança, representam para o campesinato um espaço de coletividade, lazer e descontração, são nesses espaços que os amigos, jovens e famílias se encontram principalmente nos finais de semana. Atualmente com a forte ação do capital, muitas comunidades encontramos atualmente esses espaços descolados, o campo foi abandonado, o bar já não é mais da comunidade os bailes não tem mais músicas que representam o povo. Essa era a conjuntura da comunidade do Araras, no norte do Espírito Santo, até que o grupo de base do MPA decidiu assumir o espaço e colocá-lo novamente sobre o controle das famílias, reorganizando o time, promovendo encontros com musicas populares, transformando novamente esse espaço num local comunitário. A experiência desse grupo de base mostra que o campo tem todas as condições de oferecer um espaço de vida de extrema qualidade, desde que esteja sobre o controle do povo.
A moradia camponesa é uma política estratégica para conter o êxodo rural e melhorar a qualidade de vida das famílias no campo.
Comunidade Camponesa Todo camponês deve saber viver em comunidade. Deve construir elos unificados e fatores de resistência. Para isso, é importante garantir algumas estruturas comunitárias, espaços coletivos que podem ser utilizados pelas famílias da comunidade. Escolas também são espaços importantes para a vivência comunitária.
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O time do MPA da comunidade de Araras, São Gabriel da Palha-ES, segue firme na luta no campo e nos campos de futebol!!!
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Soberania
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É o direito dos povos a definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação a toda a população, com base na pequena e média produção, respeitando suas próprias culturas e a diversidade dos modos camponeses de produção, de comercialização e de gestão, nos quais, a mulher desempenha um papel fundamental.” (Via Capesina Internacional)
Para que um povo seja livre ele precisa ser soberano. Por isso o Plano camponês defende a soberania alimentar, energética, genética e hídrica.
Soberania Alimentar é a condição de produzir o alimento necessário para a vida de qualidade do povo, utilizando os recursos, técnicas, métodos e sementes da cultura e realidade territorial sob o controle do povo trabalhador, garantindo assim sua autonomia.
As experiências de conquistas de soberania das famílias camponesas Uma das principais barreiras que o agronegócio impõe para o boicote do campesinato é a comercialização, no entanto há séculos o campesinato vem contornando esse desafio reinventado as formas de escoar os produtos da terra. No Espírito Santo, é por meio das feiras livres que os camponeses do MPA mantém um contato direto com os trabalhadores da cidade. São 200 famílias feirantes de 20 municípios que levam alimentos de qualidade e produtos para todo o estado, que o agronegócio não tem capacidade de produzir, como massas e frutas específicas da cultura camponesa.
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Na Bahia, as famílias superam o embargo do capital processando os produtos da terra em agroindústrias coletivas, como as casas do mel e as agroindústrias de frutas. São mais de 10 agroindústrias que estão em operação e controle das famílias.
Agroindústria de frutas na Bahia e Feiras Livres no Espírito Santo: experiências concretas de luta pela soberania dos camponeses
Soberania Energética diz respeito à produção, controle e auto-consumo de energia. Temos diversas fontes de energia que ainda são pouco exploradas, e que causam menor ou nenhum desgaste ao meio ambiente.
Centro de Produção e Formação Camponesa São Francisco de Assis, em Santa Cruz do Sul- RS O Centro de Produção e Formação Camponesa São Francisco de Assis, em Santa Cruz do Sul, região central do Estado do Rio Grande do Sul, é uma iniciativa do Movimento dos Pequenos Agricultores através da Cooperativa Mista dos Fumicultores do Brasil-Cooperfumos, criada para buscar formas de diversificar a cultura do fumo. Numa área de 41 hectares foi instalado o Centro de Produção e Formação, com o objetivo de desenvolver alternativas
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concretaspara viabilizar a produção dos pequenos agricultores, através de experimentos agroecológicos e formas sustentáveis de produzir e viver. Este centro foi construído ao mesmo tempo em que formou 240 jovens e agricultores em Bioconstrução e Bioenergia, e agora está pronto para receber camponeses e o camponesas, especialmente jovens, para aprender praticando técnicas de produção agroecológicas, técnicas agroindustriais, organização social e organização da produção. O centro é equipado com uma infraestrutura modelo na área da produção de energia de forma alternativa são silos, equipamentos de beneficiamento de oleaginosas, hortaliças, ensaios de agroflorestas, cana, milho e mandioca. Todas essas atividades estão sendo acompanhadas por inúmeros camponeses, transformando o espaço numa referencia para produção e preservação do meio ambiente
Mantenedores de sementes crioulas do MPA de Santa Catarina O trabalho consiste em identificar e mapear as variedades e raças crioulas mais ameaçadas e organizar uma rede de famílias mantenedoras. Cada variedade é mantida por três famílias, tendo o cuidado de distribuí-las em diferentes regiões do Estado. Atualmente existem 72 famílias de camponeses com o compromisso de manter as sementes crioulas. Existe uma grande diversidade de sementes nas comunidades camponesas sendo preservadas pelas famílias. Entre os grãos existentes podemos citar: 5 variedades de soja, 3 de trigo, 4 de pipoca, 7 variedade de adubos verdes, mais de 9 de feijão e 20 de milho. No caso do milho existem na região aproximadamente 40 variedades crioulas identificadas. No caso do feijão também existe uma grande diversidade de variedades, somente uma família preserva 40 variedades distintas. Fazendo luta permanente contra os transgênicos protegendo e fortalecendo as sementes crioulas colocando-as a serviço dos povos.
À esquerda, maquinário de beneficiamento de oleaginosas; à direita, casa feita a partir do curso em bioconstrução, promovido pelo Centro
Soberania Genética diz respeito ao controle sobre nossas sementes raças e mudas. Não podemos ficar reféns das sementes transgênicas, controladas pelos grandes laboratórios.
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Pixurum 05, MPA 01, BRS 4150, Amarelão, Cunha, Palha Roxa, Sol da Manhã, Mato Grosso, Rajado, Roxo, Arco Íris, Guarani, são alguns exemplos de variedades de milhos crioulos mantidos pelas famílias.
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Soberania Hídrica, recuperando as nossas nascentes e fontes. temos que desenvolver sistemas de irrigação adaptados, implementando técnicas de coleta e armazenamento de água.
Comunidades camponesas do MPA recuperam e lutam pela água no Paraná e Bahia A qualidade da água é fator fundamental pois está ligado diretamente à saúde das plantas, pessoas, solo e animais. A brigada “afirmação camponesa” MPA-PR, vem desenvolvendo ações de preservação de nascentes através de oficinas práticas com as famílias camponesas, que já recuperam mais de 20 fontes de água, utilizando métodos alternativos de construção. Outro contraste muito latente é a luta pela água das famílias camponesas no nordeste, onde a divisão fundiária imposta pelo capital retirou das comunidades o acesso à água. Fica marcado nesse contexto a luta pela água das famílias da Bahia e os métodos de preservação e recuperação da água que vem utilizando para conviver com o bioma da Caatinga.
À esquerda, preservaçaão de nascentes pela brigada “afirmação camponesa”, no Paraná e, à direita, II Acampamentpo de Luta pela Água, em Jacobina, Bahia.
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A caminhada continua O Campesinato segue em luta na sua longa marcha, nosso fim esta prometido há dois séculos, seguimos sendo 48% da população mundial. Assumimos a tarefa histórica de produzir alimentos para humanidade e de sermos guardiões de toda a natureza. O Movimento dos Pequenos Agricultores reafirma essa tarefa apresentado o Plano Camponês como um compromisso do campesinato brasileiro com a construção de um projeto popular para o Brasil. Esse plano, cuja essência se encontra na raiz cultural e na prática diária do campesinato, está envolvido na ação revolucionária da classe trabalhadora, forjando na construção permanente e coletiva uma ferramenta de luta e enfrentamento ao agronegócio. O modelo agrícola e agrário adotado e defendido pelos governos imperialistas provam a cada dia mais serem inviáveis e incompatíveis com as necessidades da sociedade. Reafirmamos que os únicos que podem produzir alimentos para a humanidade e respeitar o meio ambiente são os camponeses. Essa é a célula matriz do Plano Camponês que se prolifera nos eixos da soberania hídrica, enérgica, genética e alimentar. O que queremos enquanto classe trabalhadora, enquanto camponeses e camponesas não está pronto, como uma resposta, mas, esta sendo construído por pés que sentem o solo como raízes, por mãos que seguram enxadas e canetas, e por povos que cultivam e esperam a colheita da mesma maneira que os pais esperam sua prole. E como dizia um grande semeador: ”sendo convocados a decifrar a rebeldia dos gestos dos códigos e mirar o rumo...” Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA
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A agricultura camponesa no Brasil esta abandonada, isso é resultado do processo histórico em que aqui se estruturou, onde nossa nação se transformou em uma colônia agroexportadora baseada na grande propriedade, monocultura, exploração da mão de obra e alta tecnologia, é este modelo de agricultura que é fomentado e apoiado pelo Estado Brasileiro ao longo da história. Para a agricultura camponesa coube o papel de produtor de alimentos baratos, fornecer mão de obra e ocupação dos territórios impróprios para o latifúndio. Portanto, as três funções cumpridas pelos camponeses são resultados do abandono deliberado do estado. Face a isso, enquanto movimento camponês, temos feito um grande esforço de elaboração teórica a respeito do campesinato,: suas formas de ser, de viver e de produzir, o seu papel na sociedade, as suas possibilidades e os meios necessários para tal. Este conjunto conforma o Plano Camponês, um projeto estratégico para o campo, parte do projeto popular para o Brasil. Nessa cartilha apresentamos de forma sucinta estas elaborações e proposições do Movimento dos Pequenos Agricultores.
Movimento dos Pequenos Agricultores
Plano Camponês Por soberania alimentar e poder popular 2012 mpabrasil.org.br