Minha história
MARIA
Meu nome é Maria, tenho 13 anos e moro com meus cinco irmãos e minha mãe em uma casa bem pequena: um quarto e uma cozinha. Minha mãe trabalha como diarista. Ela me conta como são as casas que ela limpa, algumas até têm piscina! Eu fico imaginando como elas são e sonhando como seria legal morar em um lugar assim. Minha mãe quase nunca está em casa, porque o trabalho dela é pesado. Eu e meus irmãos mais novos vamos à escola todos os dias, mas às vezes não tem aula. Eu gosto quando isso acontece, porque as aulas são chatas e falam de muitas coisas que eu não entendo. Então quando chego mais cedo em casa logo vou pra rua ficar com meus amigos. Lá conheci muitas coisas novas, que sempre me disseram que são ruins, mas que quando experimentei achei muito boas.
CONFLITO
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Minha mãe trabalha fora desde que eu era pequena. Até o ano passado, quem cuidava de mim e dos meus irmãos era a minha irmã mais velha. Só que ela engravidou e saiu de casa pra ir morar com o namorado. Agora toda vez que minha mãe sai pra trabalhar diz que é pra gente chegar da escola, não ficar na rua e comer a comida que ela deixou no fogão. Meus irmãos são mais novos que eu e vivem brigando por tudo: até a quantidade de colher de arroz vira motivo pra confusão. É difícil dar partes iguais para todos quando até a comida é pouca. Às vezes eu até deixo de comer. Pior é que nem dá para ver TV, que está quebrada e minha mãe não tem dinheiro pra arrumar. Sempre que dá vou no escadão da rua de baixo encontrar os amigos do bairro. Pelo menos eles me entendem, porque muitos têm problemas parecidos com os meus. Às vezes alguns conseguem maconha ou lança, e foi com eles que eu experimentei pela primeira vez. É bom porque eu esqueço de tudo. É um momento só meu. Queria usar mais, só que não dá pra eles sempre me darem e eu não tenho dinheiro pra comprar.
O que eu faço?
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Tento arranjar algum dinheiro
Tento parar de usar
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A vontade de continuar usando só aumentava, principalmente quando via meus irmãos brigando por comida. A falta de tudo me irrita, às vezes eu vou na escola só pra comer, assim sobra mais comida pra eles em casa. Comecei a pegar algumas coisas em casa pra levar para vender: enfeites e até uma máquina de fazer sanduíches quentes. Fico até tarde com os meus amigos no escadão e é difícil acordar pra ir pra escola. Minha mãe muitas vezes nem sabia, porque ela chegava tarde do trabalho e saía ainda na madrugada. Outro dia a professora chamou ela pra conversar. Disse pra minha mãe me levar no posto de saúde e, se possível também em uma igreja, pra ver se me aproximo de boas companhias. Ameaçou até chamar o Conselho Tutelar. Nesse dia minha mãe me bateu muito, disse que tudo que ela fazia era trabalhar pra me dar o melhor. Eu não respondi nada, mas se pudesse diria que tudo que ela faz ainda não dá nem para gente comer direito. Eu sabia que não tinha opção. Mas se eu aceitasse uma das sugestões da professora e falasse com a minha mãe, talvez não precisasse fazer as duas coisas. O que eu faço?
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Vou à igreja
Vou ao posto de saúde
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Eu tentei parar de ir pro escadão por um tempo e fazer o que minha mãe pediu: ficar em casa e cuidar dos meus irmãos. Mas todo dia a Amanda, a Taís ou o Mateus passavam lá em casa e me chamavam. Eu inventava uma desculpa pra não ir, mas era difícil, porque depois eu ficava irritada e triste. No escadão a gente ri, brinca e às vezes até escreve umas letras de músicas, nelas colocamos as coisas que vivemos ou vemos no escadão. Lá eu consigo esquecer um pouco das dificuldades que eu passo em casa. Agora, que tenho ficado cada vez mais dentro de casa, parece que as coisas estão piores. Não tenho nada pra fazer e meus irmãos brigam o dia inteiro. Isso me deixa doida. O que eu faço?
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Tento arranjar algum dinheiro para sair com meus amigos
Vou para a escola e encontro meus amigos lá
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Fui à igreja com a minha mãe e os meus irmãos. Assisti o culto e quando acabou minha mãe me levou pra falar com o pastor. Eu não queria, porque sabia que ele não ia me entender. Mesmo assim tentei, pois eu sinto uma dor, um vazio, e só queria que isso passasse. Pra minha surpresa o pastor me ouviu e disse que Deus ia me curar. Falou também que pra isso eu teria que me aproximar da igreja, ir aos cultos e mudar de companhias. Contou que na igreja eu posso frequentar o grupo de jovens e construir novas amizades. Toda hora ele dizia que seria bom para mim, que moça direita tem que ser comportada e não pode se desviar para o caminho das drogas. Acho que ele não entendeu que, na maior parte das vezes, eu uso maconha e lança pra ajudar a esquecer a falta de tudo. É isso que sinto por dentro e não sei explicar para ele. O que eu faço?
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Tento frequentar a igreja
Vou conversar com os meus amigos
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Acordei de madrugada e fui com a minha mãe pegar a senha pra atendimento no posto de saúde. Eu não queria ir, pois já sabia que eles não entenderiam. Mas fui pra tentar continuar cumprindo o combinado que fiz com ela. Depois de conseguir a senha, foram mais de três horas pra marcar uma consulta que só vai acontecer daqui a dois meses. Minha mãe ficou brava, porque acabou perdendo o dia de trabalho e a consulta só aconteceria depois de muito tempo. Xingou o pessoal do posto de saúde e disse que não dava para contar com o atendimento deles. No caminho de volta pra casa, ela disse que da próxima vez eu vou sozinha, já que o que ela ganha depende dos dias que ela vai trabalhar. As pessoas pra quem ela trabalha não querem saber se temos o que comer ou se ela precisou usar o dinheiro da passagem pra dar de comer pra gente. Fiquei pensando que a vida da minha mãe é difícil desde que ela tinha minha idade. O que eu faço?
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Espero a consulta e vou na UBS
Carta Surpresa
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Decidi ir pra escola. Pelo menos eu poderia comer, já que essa é uma das poucas coisas boas que posso fazer lá. Eu sei que a maioria dos meus amigos não vai mais na escola, mas alguns ainda aparecem nos dias em que tem aula de educação física, só pra jogar futebol. Fiquei mais animada, porque assim que cheguei encontrei a Amanda, a Tais e o Mateus na porta. Antes de entrar pra sala, combinamos de usar só um pouquinho de lança pra conseguir aguentar a aula chata de português, que era antes da aula de educação física. Quando estávamos no pátio usando, o inspetor viu a gente. A Tais, que estava com o lança na mão, saiu correndo pra pular o muro da escola. Eu fiquei lá parada por alguns instantes, porque eu sabia que se chamassem minha mãe as coisas iam ficar ainda piores pra mim. O que eu faço?
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Vou atrás da Taís e pulo o muro também
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Continuei indo aos cultos e participando do grupo de jovens. Mas sempre que eu ia, sentia que as pessoas me olhavam de um jeito diferente. Não conseguia me sentir parte do grupo, eu era questionada pelas roupas que usava, pelo jeito que eu sentava. Eles moravam no mesmo bairro que o meu, mas pareciam bem diferentes. Acho que eles não entendiam qual era a situação que eu e minha família vivíamos. Eu sentia falta dos meus amigos, que me entendem e passam por coisas parecidas em casa. Quando estávamos juntos sempre conversávamos sobre tudo, cada um podia falar o que vivia ou sentia. Um dia eu cansei, disse pra minha mãe que ia pro grupo de jovens, mas fui pro escadão encontrar meus amigos.
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Encontrar com amigos no escadão
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Fico paralisada e não faço nada
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Eu não gostei do que o pastor disse e não queria voltar à igreja, senti que ele nem me ouviu. Minha mãe ficou brava porque queria que eu fosse, ela achava que eu não queria ficar bem e só pensava em usar drogas. Agora ela tem ficado cada vez mais nervosa, briga comigo, mexe nas minhas coisas, me chama de nóia e não me deixa sair de casa. Eu continuo indo pro escadão escondido, ela tem trabalhado tanto que nem vê quando estou ou não em casa. E o escadão continua sendo o único local onde as pessoas me entendem e vivem coisas parecidas com as minhas. Usamos lança ou maconha só quando alguém entre nós consegue dinheiro pra comprar, na maioria da vezes a gente conversa e cria umas rimas.
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Encontrar com amigos no escadão 24/06/20 08:23
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O tempo passa e cada dia tudo fica pior. Minha mãe só briga comigo, mexe nas minhas coisas, me chama de “nóia” e não me deixa mais sair de casa. O dia da consulta chegou e eu fui sozinha, porque ela tinha que ir trabalhar. Chegando lá o médico me disse que eu estava grandinha, que tinha que me preservar porque sou mulher, que “mulheres direitas devem tomar cuidado”. Não sei muito bem o que ele quis dizer com isso, mas seu tom de voz e seu rosto pareciam dizer que ele estava bravo comigo. Perguntou onde estava minha mãe, eu disse que ela precisou ir trabalhar. Ele respondeu que eu devia seguir os passos dela e ajudar no trabalho, que minha mãe trabalha pra caramba pra me sustentar e tudo mais. Não gostei do que ele disse, mas fiquei quieta até chegar em casa. Quando abri a porta de casa chorei muito, me senti mal. Fiquei por um tempo ali pensando nas coisas. Não sei explicar, mas algo dentro de mim doía muito e eu só queria que passasse. Então pensei em ir no escadão.
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Encontrar com amigos no escadão
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Pulei o muro e saí correndo da escola com a Taís, a Amanda e o Mateus. A gente correu muito, até chegar no escadão. Acho que ninguém foi atrás da gente, mas corremos mesmo assim. Quando chegamos, rimos muito, acho que foi de nervoso. Ficamos muito tempo juntos sentados no escadão. Acabei contando da minha situação em casa, que só minha mãe trabalhava e meu pai nos deixou quando meu irmão mais novo nasceu, que eu queria arrumar um jeito de ganhar dinheiro. O Mateus disse que faz uns bicos, às vezes no lava-rápido e às vezes na lojinha que vende o lança. A Taís e a Amanda fazem faxina com as mães delas, mas também são olheiras: elas avisam os caras da comunidade quando tem polícia na área. O que eu faço?
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Pergunto para a minha mãe se posso fazer faxina com ela
Peço pra me apresentarem para o gerente da lojinha
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Fiquei paralisada e não consegui correr. O inspetor me levou pra sala da diretoria e chamaram minha mãe. A diretora disse que eu estava fazendo coisa errada no horário da aula e que era pra eu tomar cuidado com as minhas amizades e tudo o mais. Falou também que ela devia arrumar alguma coisa pra eu fazer e ocupar meu tempo, porque as drogas são um caminho perigoso. Pra quê ela foi falar isso? Chegando em casa minha mãe brigou muito comigo. Agora ela colocou na cabeça que eu tenho que trabalhar. Quer que eu faça faxina com ela, afinal já é hora de aprender o trabalho, ou quer que eu procure algo perto de casa, em algum comércio da vizinhança. Lembrei de quando o Mateus me disse que de vez em quando ele faz uns bicos na lojinha que vende lança e que lá pagam muito bem. O que eu faço?
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Vou fazer faxina com a minha mãe
Peço pro Mateus me apresentar o gerente da loja
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Depois de um tempo, parei totalmente de ir à igreja, já não aguentava mais e senti muita vontade de usar lança. Continuei usando tudo que aparecia na minha frente: lança, maconha, até crack. Um dia usei tanta droga que passei mal. Meus amigos correram e chamaram minha mãe. Ela chegou chorando, muito nervosa, e me levou pra casa. No outro dia, ela faltou no trabalho e disse que eu não ia sair de casa. Eu queria sair mesmo assim, aí começamos a brigar. Ela me bateu e eu empurrei ela com força. Eu estava com muita vontade de usar e faria qualquer coisa pra sair de casa de novo. Minha mãe percebeu, então me puxou com força e me amarrou com uma corrente e um cadeado. Disse que eu ficaria presa até que ela conseguisse ajuda pra resolver a situação. Eu chorei e gritei o dia todo. Quando me acalmei, prometi pra minha mãe que ia voltar pra escola e nunca mais usaria droga. Ela me soltou. E agora? O que eu faço?
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Volto para a escola
Continuo usando lança
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A vida dos meus amigos do escadão é difícil como a minha. Acho que é por isso que a gente se entende tão bem. Estar com eles sempre alivia um pouco da dor que sinto. Às vezes nem sei direito o que sinto, mas eles parecem entender. Um dia começamos a usar pouco depois do almoço, o dia estava super quente, e nós usamos de tudo. lança, cocaína, crack, nem sei quantas vezes. Usei tanto que passei mal. Meus amigos correram e chamaram minha mãe. Ela chegou chorando, muito nervosa, e me levou pra casa. No outro dia, ela faltou no trabalho e disse que eu não ia sair de casa. Eu queria sair mesmo assim, aí começamos a brigar. Ela me bateu e eu empurrei ela com força. Eu estava com muita vontade de usar e faria qualquer coisa pra sair de casa de novo. Minha mãe percebeu, então me puxou com força e me amarrou com uma corrente e um cadeado. Disse que eu ficaria presa até que ela conseguisse ajuda pra resolver a situação. Eu chorei e gritei o dia todo. Quando me acalmei, prometi pra minha mãe que ia voltar pra escola e nunca mais usaria droga. Ela me soltou. E agora? O que eu faço?
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Volto para a escola
Continuo usando lança
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Fui com a minha mãe fazer faxina em uma das casas mais tranquilas que ela trabalha, mesmo a dona sendo muito chata. Saímos ainda no escuro e pegamos o ônibus lotado. Quando chegamos na casa fiquei encantada: era linda, enorme, tinha até piscina! Trabalhamos o dia todo. Levamos uma marmita pra dividir, mas a comida era pouca. Já era tarde quando acabamos, eu estava cansada e minha mãe também parecia estar. Sentei no chão da cozinha enquanto ela terminava de limpar a pia. Daí chegou a patroa e perguntou por que eu estava sentada. Respondi que já tinha acabado minhas tarefas. Sabe o que ela fez? Pegou um copo de suco, deixou cair no chão de propósito e disse: “Agora você tem trabalho. Limpe.” Que raiva! Minha mãe correu pra limpar, pra irmos embora logo. No caminho de volta chorei muito. Acho que ela percebeu minha dor, mas ficamos em silêncio. Peguei o pouco dinheiro que ganhei e fui até o escadão. Enquanto fumava com meus amigos, contei o que tinha acontecido no trabalho. Eles ouviram quietos, com aquele olhar de quem já ouviu histórias como a minha. O que faço?
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Não faço nada e espero outro trabalho aparecer
Peço para Mateus me apresentar o gerente da loja
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Fui com o Mateus conhecer o gerente da lojinha. Ele passou as regras, disse que no final de cada dia passaria pra recolher o dinheiro da mercadoria. Ficou acertado que eu ganharia uma porcentagem de tudo que eu vender, mas tinha que dividir com o Mateus. Outra coisa é que não posso usar nada no horário do trabalho, o que pareceu fácil no começo. Na primeira semana fiquei empolgada: ganhei 300 reais! Eu só sentia falta de usar com meus amigos quando quisesse, mas eu sabia que não podia. Em poucos dias naquele trabalho já percebi que a consequência de não seguir as regras era bem perigosa. No final do primeiro mês tive dinheiro até pra ajudar em casa. A única coisa que pega é não poder usar no escadão com a galera quando vejo eles lá. Cada dia que passa, eu tenho mais vontade de usar. O que eu faço?
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Não faço nada e espero outro trabalho aparecer
Continuo trabalhando na lojinha e uso só nos horários livres
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Minha mãe foi até a escola e combinou com a diretora que eu ia voltar. No dia seguinte acordei cedo e fui. Lá encontrei alguns amigos, e senti um alívio quando vi eles ali também. Um deles tinha levado lança. Por alguns minutos pensei em me afastar pra não usar, principalmente dentro da escola, mas não resisti. Fiquei por algum tempo parada, olhando pra eles, mas a vontade veio de uma forma que acho que não consigo controlar. Então fui até eles pra usar também. Os funcionários da escola perceberam que estávamos usando droga e chamaram o Conselho Tutelar. Ficamos com muito medo. Meus amigos ficaram paralisados quando a diretora ordenou que não era pra gente sair dali, colocando o segurança da escola pra vigiar. Pensei em tentar correr. O que eu faço?
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Espero o Conselho Tutelar
Carta Surpresa
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Eu sabia que minha mãe brigaria comigo se soubesse que faltei na consulta, aí fui até o posto mas não consegui entrar. Já tava pensando no que ia dizer quando ela chegasse do trabalho. Tive uma crise de choro voltando pra casa. No caminho encontrei minha amiga Tais que me chamou para o escadão. Não pensei muito, apenas fui. Usamos de tudo: lança, cocaína, crack. Usei tanta droga que passei mal. Meus amigos correram e chamaram minha mãe. Ela chegou chorando, muito nervosa, e me levou pra casa. No dia seguinte, ela faltou no trabalho e disse que eu não ia sair de casa. Eu queria sair mesmo assim, aí começamos a brigar. Ela me bateu e eu empurrei ela com força. Eu estava com muita vontade de usar e faria qualquer coisa pra sair de casa de novo. Minha mãe percebeu, então me puxou com força e me amarrou com uma corrente e um cadeado. Disse que eu ficaria presa até que ela conseguisse ajuda pra resolver a situação. Eu chorei e gritei o dia todo. Quando me acalmei, prometi pra minha mãe que ia voltar pra escola e nunca mais usaria droga. Ela me soltou, chorou e me abraçou. O que eu faço?
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Volto para a escola
Continuo usando lança
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Fiquei paralisada no lugar onde a diretora mandou que ficássemos. O Conselho Tutelar chegou e eu fui levada. Fiquei em uma sala o dia inteiro. Eles chamaram minha mãe e ela demorou muito pra chegar, mas isso eu até imaginava, porque ela trabalha muito longe. Quando ela chegou, chorou muito e disse que não sabia mais o que fazer comigo, que as drogas iam acabar me matando, que ela tinha que trabalhar e não conseguia mais tomar conta de mim. A moça do Conselho Tutelar foi grosseira com a minha mãe, disse que ela devia ter pensado nisso antes de engravidar e que ia me mandar pra uma unidade de acolhida pra adolescentes que usam droga. Minha mãe não disse nada, apenas chorou em silêncio, mesmo eu pedindo pra ela não deixar que me levassem.
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Ir com o Conselho Tutelar
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Jurei pra minha mãe que ia pra escola, mas assim que ela saiu pra trabalhar eu levantei da cama e fui pro escadão. Era de madrugada ainda. Alguns dos meus amigos estavam lá, começamos a usar tudo que aparecia. De manhã ninguém tinha mais nada pra usar. Então pensamos em entrar na casa de algum morador e pegar algumas coisas para vender. Procuramos uma casa que parecia não ter ninguém, de um pessoal que tinha acabado de sair pra trabalhar. Assim que pulamos o muro e entramos, a polícia passou pela rua e parou bem em frente da casa. Acho que eles perceberam a nossa movimentação, porque estávamos bem agitados. Os policiais conseguiram entrar na casa e nos pegaram. Fui presa. Fiquei desesperada, mas estava tão louca de droga que nem consegui fugir. Depois de um tempo fui falar com a juíza. Ela me liberou com a condição de eu voltar a estudar, falar com a técnica toda semana e fazer acompanhamento no CAPS infantil, que essa seria minha medida socioeducativa. Eu saí, sem rumo. O que eu faço agora? Não faço o que a juíza mandou
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Fui levada pra uma casa com meninas e meninos que têm o mesmo problema que eu. O educador me mostrou o quarto onde eu vou ficar junto com as outras meninas, o quarto dos meninos e os espaços da sala, cozinha e quintal, que todos podem usar. Ele me passou as regras da casa e uma lista de coisas que eu posso fazer, como voltar a estudar. Depois fui levada para conversar com as técnicas sobre a minha vida. Senti que foi uma das primeiras vezes que alguém, além dos meus amigos do escadão, se interessou por mim e pela minha história. Chorei muito, disse que era muito difícil pensar em ficar sem usar droga. A assistente social me tranquilizou, pediu para eu ter calma que, aos poucos, era possível construir “caminhos mais seguros e protegidos”. Eu não sei direito como será, mas confiei que vão me ajudar. Senti que não será fácil, mas estou decidida a tentar. Esta parte da história da Maria chegou ao fim. Será que ela ficou na Unidade de acolhimento? Ou será que ela fugiu? Como os serviços da política de drogas podem acompanhá-la? Que escolha foi determinante para que esse fosse seu final? Como você acha que os serviços de políticas públicas podem contribuir para histórias como a de Maria?
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Achei que não tinha muita escolha e tentei cumprir o que a juíza determinou. Fui ao CAPSi pela primeira vez e fiquei meio assustada. Ainda do portão vi que tinha criança e até pessoas da minha idade com problemas de cabeça, e não entendi muito bem porquê eu estava ali. Entrei e esperei a minha vez. Quando fui chamada, era pra um encontro em grupo, todos eram meninos e só tinha eu de menina. Me senti deslocada, pensei em ir embora, mas não consegui pensar em nenhuma desculpa pra sair da sala. Então chegou a pessoa que ia conversar com a gente, ficou falando por mais de duas horas, e aquilo não tinha nada a ver comigo. Eu até achei que era só ir, conversar com alguém e, quem sabe, a pessoa poderia até me ajudar. Mas eu não sou louca. Não preciso desse tratamento. O que eu preciso é cumprir o que a juíza determinou pra ficar livre e não ser presa de novo, sabe? O que eu faço?
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Continuo o tratamento
Paro o tratamento
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Quando cheguei em casa, senti que tudo que a juíza falou não tinha nada a ver comigo. Eu não preciso de tratamento de drogas. Eu não quero parar de usar e quando eu quiser paro sozinha. Sei que minha mãe não me aguenta mais, sou só mais um peso pra ela, uma pessoa a mais pra ela dar de comer. Peguei uma sacola, coloquei umas roupas e saí de casa. Peguei um ônibus que vai pro centro da cidade, com uns trocados que eu tinha. Não sabia muito bem onde eu estava, foi a primeira vez que saí sozinha do bairro onde eu morava. Fiquei parada por um tempo, sentada em uma praça perto do ponto final do ônibus. Estava escurecendo, fiquei com medo e pensei em voltar, mas continuei ali. Um menino veio em minha direção, começamos a conversar e ele disse que podia me apresentar umas pessoas pra eu não ficar sozinha. Então fomos até um grupo de pessoas usando drogas embaixo de um viaduto. Me aproximei e logo eles me ofereceram. Eu não tenho dinheiro, mas me disseram que eu posso usar e que aqui tem várias outras formas de pagar. O que eu faço?
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Decidi que ia voltar ao CAPSi. No segundo encontro, conversei com a mulher que seria a minha técnica e achei ela muito legal. Ela parecia acreditar em mim e me ouvia atenta. Fiquei surpresa quando ela me disse que lá eles não iam me proibir de usar drogas, mas cuidar pra que as drogas não me atrapalhassem. Achei isso legal e senti pela primeira vez que alguém me via para além das drogas. Eu quero mesmo voltar a estudar e fazer outras coisas. Mas disse a ela que não quero participar dos grupos, porque lá os meninos mexem comigo e os assuntos são muito chatos. Ela me disse que, por enquanto, eu tenho que participar. Fiquei quieta, não sei o que fazer. O grupo é a pior parte de estar ali.
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Carta Surpresa
Essa parte da história termina aqui. O que você acha que aconteceu com a Maria? Você acha que ela continuou o acompanhamento do CAPSi ou descumpriu a medida? Como você acha que os serviços da política de drogas podem acompanhar a história da Maria?
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Fiquei com medo na hora, mas ficar sozinha à noite toda na rua parecia ainda mais difícil. Quando vi aquelas pessoas, pensei que talvez elas me entendessem. Além disso, eu já tava com muita vontade de usar. Meu corpo estava tremendo - não era frio, mas também não sei explicar o que era. Então resolvi aceitar a proposta. Assim que aceitei e dei a primeira baforada senti um alívio. Um cara mais velho do grupo se aproximou e me ofereceu crack. Eu aceitei, mas aí o cara disse que eu teria que pagar. Ele me pegou pelo braço, me levou pra um canto ali na rua e abaixou minha roupa. Foi a primeira vez que fiz aquilo.
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Essa parte da história da Maria acaba aqui. O que você acha que aconteceu com a Maria daí pra frente? Como você acha que um acesso diferente às políticas públicas poderia ter mudado o rumo da Maria?
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Quando viu a polícia, Maria ficou apavorada. Tentou correr o mais rápido possível. Ouviu os amigos pedindo para ela parar, os policiais gritando, mas continuou correndo. Jurou que se saísse daquela situação nunca mais usaria drogas. Mas foi tudo muito rápido. Sentiu algo no seu corpo queimar. Em segundos, tudo se apagou. Foram 4 tiros e, aos 13 anos, Maria morreu na hora. Deixou sua mãe, seus irmãos, os amigos e todo o futuro que a esperava. A morte de Maria foi registrada como resistência à prisão, em um auto de resistência. O policial alegou ter agido em legítima defesa.
A história da Maria chegou ao fim. O final de Maria poderia ter sido diferente? Como a política de drogas está relacionada ao que aconteceu com Maria?
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Quando os policiais me viram com a mochila, logo sacaram que eu era uma aluna fugindo da aula e me levaram pra falar com a diretora. A diretora contou pra polícia, na minha frente, que eu e meus amigos trazíamos drogas pra escola, e reclamou que a gente sempre dá problema. Não acreditei que ela fez isso. O policial resolveu dar uma geral na gente. Nessa hora eu gelei! Ele achou lança, pó e maconha na minha mochila e me levou presa. Fiquei em pânico, chorando e dizendo que não era nada meu. Mas o policial e a diretora pareciam não me ouvir. Esperei dois dias pra falar com a juíza, ela quem decidiria se eu poderia voltar pra casa ou se ficaria presa por um tempo. Nem acreditei quando ela disse que eu tenho que cumprir “medida socioeducativa em meio aberto”. Isso significa voltar a estudar, ir toda semana falar com a técnica e fazer acompanhamento no CAPS infantil. E agora? O que eu faço?
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Não faço o que a juíza mandou
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Assim que cheguei no SAICA, o educador me mostrou o quarto onde eu vou ficar junto com as outras meninas, o quarto dos meninos, e os espaços da sala, cozinha e quintal, que todos podem usar. Ele me passou as regras da casa e uma lista de coisas que eu posso fazer, como voltar a estudar. Tem várias meninas aqui, todas como eu. Elas me olham de um jeito estranho. Fui chamada pra conversar com a técnica duas vezes na mesma semana e logo depois ela chamou minha mãe. Eles queriam que eu voltasse pra casa com ela, disseram que seria melhor pra mim ficar com minha família. Minha mãe chorou, disse que me ama mas não sabe como me ajudar e que em casa ela mal consegue me dar o que comer e o problema das drogas piora tudo. Naquele momento entendi que minha mãe também sofre. A técnica do SAICA disse que eu posso ficar aqui por enquanto, mas é muito importante que eu cumpra a medida que a juíza determinou e volte a estudar. Me sinto perdida, não sei se consigo ficar aqui por muito tempo. Essa parte da história da Maria termina aqui. O que você acha que aconteceu com a Maria depois disso? Como você acha que a política de drogas interfere na vida de Maria? Como as políticas públicas poderiam contribuir para o cuidado de Maria?
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CARTA SURPRESA 1
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Chegou o dia da consulta e minha mãe disse que tinha que trabalhar e não conseguia ir comigo. Ela pediu que eu sentasse e conversou sério comigo. Disse que me ama e que sentia muito por não poder me acompanhar. Acho que aquela conversa me deu forças pra ir na consulta. Quando minha mãe saiu, eu já estava arrumada e pronta pra sair também. Chegando no posto de saúde, a fila estava enorme, como quase sempre. Esperei mais de uma hora e quanto mais esperava, mais minhas mãos ficavam frias. Comecei a tremer, não sabia o que estava acontecendo. Desisti e saí de lá, voltei pra casa. Senti que não ia conseguir nem explicar o que eu estava sentindo. No caminho, vi meus amigos no escadão e me juntei a eles.
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Me juntei aos meus amigos
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CARTA SURPRESA 2
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Quando vi que o Conselho Tutelar estava chegando, senti raiva da diretora. Ela não precisava fazer isso. O Mateus, quando percebeu que as coisas iam ficar sérias, me passou as drogas que estavam com ele, porque sabia que ia ser o primeiro a tomar geral. Com medo de ser levada pelo Conselho Tutelar, saí correndo e pulei o muro da escola. Não sei como consegui, fiquei desesperada, só pensei que precisava sair correndo. Mas quando caí no chão, do outro lado do muro, vi a polícia. Ao me levantar percebi que as drogas caíram do meu bolso. Eu vou ser presa se eles me pegarem! O que eu faço?
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Saio correndo da polícia
Digo pro policial que só estava tentando fugir da escola
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CARTA SURPRESA 3
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Eu fiquei com muita vontade de usar a droga, mas não aceitei a proposta. Saí de perto e continuei a andar, sem saber pra onde ir. Não tinha nenhum dinheiro, nem pro ônibus, então fui ficando pela rua mesmo. À noite as coisas pareciam bem diferentes, fiquei me perguntando se não teria sido melhor ficar com aquelas pessoas. O tempo passava e a fome começava a apertar, porque não tinha comido nada durante todo o dia. Foi quando uma moça chegou perto e veio falar comigo. Ela vestia um colete diferente, disse que era do serviço de abordagem a pessoas em situação de rua, um tal de SEAS. Ela me perguntou se eu não queria ir com ela pra uma casa onde ficam outros adolescentes. Ela não queria que eu dormisse na rua. Eu também não queria. Eu aceitei e ela me levou até um lugar chamado SAICA.
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Ir para o SAICA
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