Recomendações para o aperfeiçoamento das audiências de custódia
MulhereSemPrisão Enfrentando a (in)visibilidade das mulheres submetidas à justiça criminal
AGRADECIMENTOS Agradecemos às e aos profissionais e instituições que colaboraram para a realização desta pesquisa, possibilitando o acesso a pessoas, locais e documentos e para a construção de reflexões críticas. À Diretoria do ITTC, que conduziu os trabalhos de apoio e desenvolvimento das equipes, assim como apresentou as críticas necessárias para o amadurecimento da pesquisa e do texto final. Aos representantes da Oak Foundation e do Fundo Brasil de Direitos Humanos que apoiam, acreditam e reconhecem a competência e o compromisso da Instituição nestes 20 anos de defesa de direitos de mulheres. Ao consultor estatístico, parceiro de muitos trabalhos do ITTC, por garantir a coesão e a fidedignidade da organização dos dados desde o início até o encerramento da pesquisa. Em especial Às(aos) convidadas(os) que participaram de debate crítico, a partir da leitura do relatório preliminar da pesquisa À pesquisadora Dina Alves À professora Ana Gabriela Mendes Braga À desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Kenarik Boujikian Ao pesquisador Rafael Godoi, que também atuou como consultor de pesquisa e assina o prefácio do relatório À assessora do ITTC, Bruna Louzada Bumachar, pelas ricas contribuições ao longo da escrita do trabalho À Amparar (Associação de Amigos e Familiares de Presos/as), pela colaboração com as recomendações trazidas no relatório Aos profissionais atuantes nas audiências de custódia Às funcionárias e aos funcionários dos cartórios do Fórum Criminal “Ministro Mário Guimarães” e do Fórum de Osasco Aos membros da Defensoria Pública, da Magistratura e do Ministério Público que concederam entrevistas à equipe de pesquisa À direção do Fórum de Osasco e à corregedoria do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária da Capital (DIPO), que autorizaram a realização da pesquisa Às parceiras e aos parceiros de trabalho, especialmente de todas as equipes do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), com quem foram compartilhadas trocas e reflexões essenciais à concretização da pesquisa e do relatório. A todas as pessoas em contato com a justiça criminal, que apoiamos e defendemos em nosso cotidiano de trabalho.
O Programa Justiça Sem Muros tem como objetivo produzir informações e fomentar o debate público em prol da redução do encarceramento feminino no Brasil, por meio do monitoramento do sistema de justiça criminal, do acompanhamento de movimentos legislativos que impactam os direitos no cárcere e da produção de conhecimento. O Programa atua em rede com organizações da sociedade civil para mobilizar os atores dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, buscando expandir a participação da sociedade civil nas políticas públicas, e reduzir a intervenção estatal abusiva e repressiva sobre grupos socialmente vulneráveis e movimentos sociais que lutam por transformações sociais.
Projeto MulhereSemPrisão: Enfrentando a (in)visibilidade das mulheres submetidas à justiça criminal A pesquisa acompanhou 213 mulheres em audiências de custódia na região metropolitana de São Paulo, entre 2017 e 2018, e objetivou demonstrar como o sistema de justiça criminal valora, prende ou concede liberdade a determinadas mulheres. Dessa forma, para além do perfil das mulheres submetidas ao sistema de justiça criminal, a pesquisa retrata o perfil e/ou a mecânica de processamento das mulheres na audiência de custódia, entendida como um primeiro filtro do Poder Judiciário.
As audiências de custódia foram instituídas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2015, por meio da Resolução 213/15. Elas constituem um instrumento importante, por se tratarem do primeiro encontro da pessoa com a autoridade judicial, após sua prisão em flagrante. Ela estabelece que o contato pessoal com o magistrado deve ocorrer em até 24 horas após a prisão em flagrante, respeitando o prazo estipulado na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Uma vez que a pessoa autuada é apresentada, deve-se: 1
verificar se o flagrante é legal;
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denunciar eventuais abusos ocorridos no momento da prisão e
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apurar a necessidade da manutenção da prisão provisória.
Os dados trazidos na pesquisa permitem a apreciação de dois momentos de processos de criminalização: o primeiro, a partir do filtro advindo da atuação policial mediante a realização de prisões em flagrante; e o segundo, que se inicia no contato com o Poder Judiciário. No primeiro momento, os índices dos tipos penais pelos quais as mulheres são levadas às audiências de custódia sugerem que o policiamento na região metropolitana de São Paulo é pautado por uma defesa ostensiva do patrimônio. Crimes contra o patrimônio (furto, furto qualificado, roubo, dano, estelionato e receptação) representaram 59,15% das prisões em flagrante anotadas no período da pesquisa, sendo que apenas furto alcança a cifra de 39,44% dos casos.
Quando esses dados são cruzados, por sua vez, com características raciais e socioeconômicas das mulheres, tem-se que é nessa fase que a seletividade racial se mostra mais contundente: 56,81% das prisões em flagrante foram de mulheres negras, e 72,5% das mulheres que alegaram ter sofrido violência no momento da prisão também eram negras. Assim, mulheres negras, além de serem alvos preferenciais de prisões em flagrante, estão mais suscetíveis à violência no momento em que essas ocorrem. O segundo momento, indica maior peso no tocante à criminalização de delitos relacionados a drogas. A prisão provisória foi decretada em 69,74% dos casos acompanhados. Este elevado índice, bem como o alto número de pedidos do Ministério Público requerendo esse tipo de prisão (76,32%), aponta para a conclusão de que a “guerra às drogas’’ parece se fazer de maneira ainda mais acentuada nos tribunais do que nas ruas. Essa conclusão é reforçada quando os argumentos mobilizados para negar a concessão de medidas diversas ao cárcere são os que utilizam da relação entre a maternidade e o tráfico de drogas para dar mais peso à gravidade do fato. Ou, então, se baseiam em uma ainda remanescente noção de hediondez atrelada ao tráfico.
Maternidade O julgamento do HC Coletivo 143.641/SP em fevereiro de 2018, representou um ponto de inflexão importante no trabalho de campo, alterando as dinâmicas, discursos e processos decisórios durante as audiências de custódia. A decisão do Supremo Tribunal Federal, no caso, foi pela substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres gestantes, puérperas e mães de crianças de até 12 anos ou com deficiência que se enquadram no Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016).
a prisão domiciliar foi garantida para
apenas
Em que pese a prisão domiciliar ainda ser uma forma de restrição à liberdade, a garantia desse direito causou desconforto entre atores e relutância na aplicação da medida. A maternidade, nesse sentido, que deveria servir à possibilidade da utilização de medidas desencarceradoras, é muitas vezes utilizada e aplicada dentro da lógica punitivista dos atores institucionais.
10,9%
das mulheres mães e gestante que tiveram a prisão decretada
Ainda assim, o HC Coletivo mostrou ser um marco capaz de ampliar os espaços de discussão sobre questões de gênero e sobre as vulnerabilidades às quais mulheres submetidas ao sistema de justiça criminal se deparam. Repercutindo especialmente na quantidade de pedidos de prisão domiciliar realizados pela defesa após a decisão do STF, em que houve um aumento de 75%. A pesquisa também demonstrou que parâmetros subjetivos ligados às condições pessoais das mulheres são levados em consideração para majorar a gravidade de determinados delitos, ao passo que suas realidades são desconsideradas ou silenciadas quando buscam retratar suas versões do ocorrido ou de suas vidas. Essa falta de escuta também se torna evidente quando se analisa, por exemplo, as diversas medidas cautelares impostas às mulheres para permanecerem em liberdade provisória, sendo que a possibilidade de cumpri-las não era perguntada a elas durante as audiências de custódia.
Violência Em relação às violências sofridas por mulheres no momento da prisão em flagrante, é preciso ressaltar a permanência de enormes barreiras para sua identificação, investigação e encaminhamento. 18,77% das mulheres afirmaram ter sofrido algum tipo de violência, sendo que 70% desses relatos não tiveram qualquer tipo de encaminhamento. Três tipos de violência foram identificados: a psicológica/verbal, a física e a revista íntima vexatória. No entanto, a pesquisa concluiu que essas violências ainda não são, de fato, levadas em consideração nos processos decisórios, seja para determinar os encaminhamentos de apuração necessários, seja para reconhecer a ilegalidade do flagrante.
Discursos de quem “faz” o sistema de justiça criminal Já a análise dos discursos de atores membros das diferentes categorias profissionais durante as audiências, bem como a coleta de suas impressões em entrevistas realizadas para a pesquisa, permitiu a visualização da conjugação entre posicionamentos pessoais e configurações institucionais que determinam suas atuações nos processos decisórios. Obstáculos como déficit na Defensoria Pública, diretrizes institucionais do Ministério Público para a prisão preventiva de crimes de tráfico e a atuação da Magistratura e sua falta de sensibilidade ou conhecimento da realidade das mulheres, são alguns fatores identificados que contribuem para as elevadas estatísticas de criminalização de mulheres, em sua maioria negras, exercendo trabalhos pouco valorizados socioeconomicamente, presas por crimes patrimoniais ou relacionados a drogas. O distanciamento entre os contextos e as realidades das mulheres em contato com a justiça criminal e dos atores institucionais também demonstra como as diferentes posições nas relações de poder influenciam nos processos decisórios que levam à política criminal vigente de encarceramento em massa.
Audiência de custódia: nossa conquista Para o ITTC, a audiência de custódia continua representando uma conquista importante, especialmente no tocante à averiguação de abusos policiais e de prisões ilegais. Ela também constitui um momento capaz de proporcionar alternativas à prisão, como pode ser observado pelos índices consideráveis de concessão de liberdades provisórias às mulheres custodiadas, ainda que cumuladas com medidas cautelares. Sua implementação, ainda que frágil em diversos aspectos, simbolizou um marco no processo legal, no sentido de garantir o acesso a direitos e a aproximação do sistema de justiça criminal da realidade das pessoas presas. A compreensão de seu funcionamento, assim como a revelação de sua lógica, é fundamental para a elaboração de estratégias que visem ao seu aperfeiçoamento. Por fim, o relatório traz recomendações voltadas ao aprimoramento das audiências de custódia, com o intuito de que elas possam se tornar cada vez mais um mecanismo de promoção de redução do encarceramento e de garantia de direitos. As recomendações destinam-se tanto aos atores responsáveis pela condução das audiências de custódia, entrevistados pela equipe de pesquisa, como a outras instâncias capazes de impactar seu funcionamento, como Tribunal de Justiça, polícias, Conselho Nacional de Justiça, entre outros.
SITUAÇÕES E RECOMENDAÇÕES Quanto às condições da carceragem Qualquer pessoa presa em flagrante e submetida à investigação criminal tem direito a ter sua integridade física preservada, à presunção de inocência, à informação acerca de seus direitos e acesso à defesa. Até a audiência de custódia, muitas mulheres ficam sob risco de situações de violência e maus tratos, além da ausência de informação sobre os procedimentos. Há relatos de falta de alimentação e frio nas carceragens pelo período de até 24h que precisam aguardar até a realização da audiência. Destinatários: instância responsável pela realização das audiências de custódia (podendo ou não ser Tribunal de Justiça).
Garantir o acesso irrestrito a todos os órgãos de supervisão civis e independentes, tais como os conselhos da comunidade, instituições como a Pastoral Carcerária e os Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura, às carceragens dos locais onde as pessoas custodiadas aguardam a realização da audiência de custódia.
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Alocar policiais do gênero feminino para realizarem a condução das custodiadas às audiências de custódia e permanecerem presente na sala quando necessário.
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Destinatários: Defensoria Pública e advogadas e advogados constituídos.
Perguntar, durante o primeiro contato logo antes da audiência de custódia, especificamente sobre as condições do local em que aguardam a audiência, sobre alimentação, temperatura, e tratamento recebido.
Requisitar sala reservada para a realização de entrevista com a mulher custodiada em local separado e privativo, sem a presença de força policial.
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Destinatários: membros da Magistratura, Ministério Público e Defensoria Pública.
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Fiscalizar rotineiramente as estruturas das carceragens dos locais onde as pessoas custodiadas aguardam a realização da audiência de custódia, observando as condições de alimentação e de temperatura que possam representar maus tratos, com atenção às questões de gênero.
Quanto ao tratamento destinado aos familiares Familiares de pessoas presas em flagrante e levadas às audiências de custódia têm direito a serem comunicados acerca da prisão em flagrante de seus familiares, podendo comunicar-se com a defensoria pública prévia e posteriormente à audiência de custódia, e fornecer subsídios à defesa, dentre eles: documentos que possam auxiliar na garantia da liberdade provisória, tais como, certidão de nascimento de filhos, carteira de trabalho, entre outros. A maioria dos familiares são mulheres que aguardam em longas filas, sem proteção de sol ou chuva, para acompanhar a realização das audiências de custódia de suas familiares. Também não tem sido garantido a eles o acesso aos espaços do fórum onde as audiências são realizadas. Destinatários: instância responsável pela realização das audiências de custódia (podendo ou não ser Tribunal de Justiça). 6
Informar aos familiares e a pessoas próximas da custodiada sobre a prisão em flagrante e o encaminhamento ao fórum, permitindo a presença destas, se desejarem, no local de realização das audiências e nas demais dependências forenses.
Destinatários: Defensoria Pública e advogadas e advogados constituídos. 7
Estabelecer contato pessoal com familiares e pessoas próximas que estiverem no fórum para acompanhar a audiência de custódia; realizar informes acerca da custodiada, encaminhamentos necessários etc.
Quanto à condução da audiência de custódia A forma de condução das audiências de custódia pelos atores institucionais deve garantir que as custodiadas sejam informadas acerca de seus direitos. A condução da audiência deve respeitar garantias básicas, observando se há violações como o desrespeito ao nome social, e o uso de algemas de forma indiscriminada, sem justificativa plausível e correspondente a cada caso concreto. Além disso, também é necessário que a pessoa custodiada tenha total compreensão do procedimento, da decisão que foi tomada no caso, dos próximos passos processuais e dos efeitos que isso terá em sua vida. Destinatários: membros da Magistratura, Ministério Público e Defensoria Pública.
Usar linguagem simples e, sempre que possível, não técnica durante o procedimento das audiências, com o objetivo de possibilitar a maior compreensão à pessoa custodiada.
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Respeitar o critério de autodeterminação para uso do nome social e, em caso de decretação da prisão preventiva, à escolha da unidade prisional feminina ou masculina.
Usar tradutores no caso de pessoas não falantes da língua portuguesa, bem como notificar ao Consulado ou Embaixada da nacionalidade da custodiada, informando sobre a realização da audiência de custódia e seu resultado.
Realizar perguntas que levem em consideração as condições sociais e indicadores de vulnerabilidade para possíveis encaminhamentos a serviços de assistência social, médica ou psicológica, desde que consultada a pessoa custodiada; nesses casos, é fundamental que os encaminhamentos não sejam condições de cumprimento de cautelares.
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Não utilizar algemas durante a realização das audiências. Sua excepcional utilização deve 12 levar em consideração o caso concreto e mediante explicitação de justificativa e proporcional à necessidade.
Destinatário: Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
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Estabelecer parâmetros de condução e averiguação das audiências de custódia de mulheres e pessoas LGBT no geral, por meio da redação de um protocolo à Resolução nº 213 do CNJ. Tais parâmetros devem prever critérios para conversão da prisão preventiva em domiciliar, bem como identificação de formas de violência de gênero.
Quanto à averiguação de tortura e maus tratos A audiência de custódia é momento fundamental à averiguação de possíveis abusos, violências, tortura ou maus tratos no momento da prisão em flagrante. No entanto a naturalização da violência policial, bem como das diferentes formas de violência de gênero, como a violência psicológica/verbal e as revistas vexatórias, geram subnotificação, ausência de encaminhamentos e legitimação dessas práticas. Destinatários: instância responsável pela realização das audiências de custódia (podendo ou não ser Tribunal de Justiça). Instituir um serviço pericial independente e bem provido de recursos, vinculado aos tribu14
nais e não às polícias civil e militar, composto por uma equipe multidisciplinar com profissionais da saúde, da psicologia e da assistência social.
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Mesmo para o serviço pericial já existente nos moldes atuais, médicos-legistas devem ter o treinamento e os recursos necessários para o diagnóstico de todas as formas de tortura, maus tratos e de outras violações dos direitos humanos embasadas na discriminação de gênero, a exemplo da violência psicológica/verbal e revista íntima vexatória.
Destinatários: membros da Magistratura, Ministério Público e Defensoria Pública.
Averiguar possíveis violências ou abusos cometidos no ato do flagrante contra mulheres,
16 levando em consideração critérios amplos e objetivos, a partir dos relatos das custodiadas,
como: > para violência psicológica/verbal: questionar acerca de ameaças de agressões e xingamentos diversos, como de cunho sexual e relacionados à identidade de gênero, bem como sobre outras modalidades de ameaças e abusos que, no mínimo, configurariam práticas ilegais por parte de agentes estatais; > para revista vexatória: também considerar como vexatória a busca pessoal íntima realizada por agentes da Polícia Militar e por guardas civis metropolitanos, femininos e masculinos, durante a abordagem policial; > para violência física: o reconhecimento facial de possíveis agressores, a existência de marcas físicas e a confirmação dos fatos por agentes policiais não devem ser condições necessárias a encaminhamentos para averiguação de relatos de violência. Destinatários: membros da Magistratura.
Considerar ilegal a prisão realizada mediante prática de violência de qualquer tipo e relaxá-
17 la imediatamente, sem a posterior conversão em prisão preventiva.
Destinatários: membros do Ministério Público.
Assegurar a instauração de averiguação minuciosa e efetiva em todos os casos de suspeita
18 de tortura ou de maus tratos.
Destinatários: Defensoria Pública e advogados ou advogadas constituídos.
Questionar, durante o contato com a custodiada logo antes da audiência de custódia, sobre
A defesa deve ter presença permanente na Delegacia de Polícia e acompanhar os proce-
19 possíveis violências ou abusos cometidos no ato do flagrante contra mulheres.
20 dimentos para a elaboração do auto de prisão em flagrante. A Defensoria Pública Estadual
e Defensoria Pública da União precisam se estruturar de modo a atender essa demanda e coibir abusos e ilegalidades nesse momento. Destinatários: membros da Polícia Militar, da Guarda Civil Metropolitana e da Secretaria de Administração Penitenciária.
A identificação dos agentes no momento da abordagem policial e durante o procedimento
21 de custódia para a realização das audiências deve ser obrigatória e visível, ainda que não
estejam fazendo uso de uniforme em serviço.
Quanto ao acesso e à transparência de dados sobre as audiências de custódia Os dados oficiais sobre o sistema penitenciário feminino são escassos. A produção, atualização, transparência e acesso a dados e informação a respeito do sistema penitenciário, e, no caso em específico, acerca da prisão provisória de mulheres, é fundamental para a formulação e aprimoramento de políticas públicas. Destinatários: instância responsável pela realização das audiências de custódia (podendo ou não ser Tribunal de Justiça); Secretaria de Administração Penitenciária (SAP); Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN); Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
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Disponibilizar dados atualizados das audiências de custódia nos sites dos tribunais de justiça e dos tribunais regionais federais, incluindo: a) número de audiências realizadas periodicamente; b) gênero das pessoas custodiadas; c) taxas de conversão das prisões em flagrante em preventiva, por mês e por ano; d) taxa de concessão de liberdades provisórias, por mês e por ano; e) taxa de conversão de prisões preventivas em prisões domiciliares, por mês e por ano; f) taxa de relaxamento do flagrante, por mês e por ano; g) tipos de crimes pelos quais as pessoas foram acusadas; h) número de encaminhamentos de casos de violência e qual a destinação, entre outros.
Quanto à formação dos atores institucionais atuantes nas audiências de custódia As audiências de custódia envolvem uma série de procedimentos importantes para determinar a averiguação de a) legalidade da prisão em flagrante; b) abusos, violência, tortura ou maus tratos; c) necessidade de manutenção de uma prisão provisória. Por isso, é necessário que todos os atores envolvidos neste procedimento, desde servidores públicos, policiais, promotores, defensores públicos e juízes, tenham capacitação e treinamento destinado especificamente à averiguação de tais questões. Estas não se confundem com o momento de julgamento do mérito, e devem incluir a atenção aos direitos das mulheres em contato com a justiça criminal, de acordo com as leis nacionais e normativas internacionais a respeito. Destinatários: membros da Polícia Militar, da Guarda Civil Metropolitana e da Secretaria de Administração Penitenciária. Incorporar aos programas de treinamento dos integrantes das forças policiais instruções a 23
respeito do objetivo das audiências e a garantia de direitos, especialmente das mulheres, como as Regras de Bangkok, o Protocolo de Istambul e o Marco Legal da Primeira Infância, bem como sobre a Resolução nº 213, do Conselho Nacional de Justiça - CNJ.
Destinatários: membros da Magistratura, Defensores Públicos e Ministério Público. Realizar formações periódicas para os membros já atuantes nas audiências de custódia, 24
assim como para magistradas e magistrados recém ingressados na carreira na Escola Paulista da Magistratura - EPM e na Escola de Magistrados da Justiça Federal - EMAG, integrando, por exemplo, o presente relatório, e demais pesquisas e estudos sobre encarceramento feminino.
Quanto aos parâmetros utilizados pelos atores institucionais nos processos decisórios das audiências de custódia Para que o procedimento da audiência de custódia configure uma possibilidade concreta das mulheres, de fato, integrarem o processo decisório, é preciso que as decisões não se baseiem exclusivamente nos autos de prisão em flagrante. A condução da audiência de custódia por todos os atores do sistema de justiça deve priorizar a escuta e a consideração da narrativa das mulheres, sempre que desejem falar. Cada um dos atores, dentro de suas diferentes competências legais, tem o dever de garantir a aplicação das Regras de Bangkok, que apontam para a necessidade de priorizar a liberdade para mulheres selecionadas pelo sistema penal. Esse momento deve particularmente considerar as vulnerabilidades que levam à maior suscetibilidade das mulheres, ao policiamento ostensivo e à realização de prisões em flagrante. Destinatários: membros da Magistratura, Ministério Público e Defensoria Pública. Prisão preventiva
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A gravidade abstrata do crime não deve ser determinante para a manutenção de uma prisão pré-processual, em especial crimes que não envolvem violência ou grave ameaça, como é o caso do tráfico de drogas.
A reincidência, os antecedentes penais e/ou a mera passagem anterior por audiências de 26 custódia também não deve ser fator preponderante para a manutenção de uma prisão préprocessual, sob o risco de violação da presunção de inocência e de dupla penalização.
Concessão de liberdade provisória A existência de antecedentes penais ou a gravidade abstrata do delito não devem ser óbice 27 para o requerimento e para a concessão da liberdade provisória. Os impactos afetivos e materiais para a família, sobretudo filhos e mães das mulheres presas, devem ser considerados como mais um elemento que demonstra a necessidade de priorizar alternativas à prisão provisória para as mulheres.
Estabelecimento de medidas cautelares A partir de um diálogo com a pessoa representada, a defesa deve avaliar quais alterna28
tivas legais são compatíveis com a vida da mulher atendida. Juízas e juízes, bem como o Ministério Público, também devem atentar às situações pessoais das mulheres para que se priorizem alternativas à prisão provisória que sejam efetivamente passíveis de serem cumpridas, articulando sua aplicação ao encaminhamento aos serviços públicos disponíveis.
Relaxamento do flagrante
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A constatação de formas vexatórias de revista pessoal para a realização da prisão deve ser considerada prova ilícita e motivo determinante de relaxamento do flagrante.
O relaxamento do flagrante não deve vir acompanhado de uma prisão preventiva na mes30 ma decisão, pois tal prática legitima a realização de prisões em flagrante ilegais.
Excludentes de ilicitude como legítima defesa e estado de necessidade, bem como exclu31 dentes da tipicidade, a exemplo do princípio da insignificância, também devem ser levados em consideração para que se averigue a possibilidade de relaxamento do flagrante.
Concessão de prisão domiciliar Não deve ser condição necessária a comprovação da maternidade no momento da audiên32
cia, tendo em vista a dificuldade de acesso aos documentos em curto período de tempo. A palavra da mulher basta para que esse direito seja garantido.
As situações excepcionalíssimas devem respeitar critérios objetivos. A gravidade abstrata 33
do crime, especialmente o de tráfico, por si só, não pode ser considerada situação excepcionalíssima ou parâmetro para negar a conversão da prisão preventiva em domiciliar.
O fato de o flagrante ter sido realizado em uma unidade prisional, por si só, não é óbice para a conversão da prisão preventiva em domiciliar.
O fato de a acusada ser reincidente ou apresentar antecedentes criminais, por si só, não é óbice para conversão da prisão preventiva em domiciliar.
O estabelecimento de critérios para o cumprimento da prisão domiciliar deve se pautar pela razoabilidade, levando em conta a condição social da mulher, sua posição na estrutura familiar e as atividades básicas para a manutenção do vínculo familiar, devendo ser garantida a flexibilização das restrições de deslocamento, tais como para a realização de atividades de trabalho, sejam elas registradas ou não, o cuidado à saúde da mulher e de seus familiares, atividades de estudo da mulher e de seus familiares, e demais atividades necessárias ao sustento da casa e ao bem-estar familiar.
A determinação da prisão domiciliar deve se dar, unicamente, em alternativa à prisão preventiva, devendo ser pedido subsidiário da defesa e determinado por juízes e juízas apenas em necessidade justificada de manutenção da prisão provisória. A liberdade provisória deve ser priorizada por todos os atores.
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Encaminhamento a serviços de assistência social Os serviços de assistência social integrados ao poder judiciário devem ser informados como alternativas a todas as mulheres levadas às audiências de custódia, para que possam acessá-los se assim o desejarem. Demandas ligadas à necessidade de abrigo e renda, por exemplo, devem ser identificadas durante a audiência e encaminhadas aos serviços de assistência social integrados. No entanto é fundamental que o encaminhamento seja desvinculado do cumprimento de medida cautelar, devendo ser apresentado de maneira informativa e como possibilidade para as mulheres na audiência de custódia, independentemente do tipo de decisão aplicada em cada caso.
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Expediente Realização Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC Apoio Fundo Brasil de Direitos Humanos Oak Foundation Diretoria 2017–2019 Michael Mary Nolan Guilherme Madi Rezende Denise Neri Blanes Heidi Ann Cerneka Equipe de pesquisa Maria Clara D’Ávila Almeida Mariana Boujikian Felippe Mariana Lins de Carli Silva Nina Cappello Marcondes Raissa Carla Belintani de Souza Raquel da Cruz Lima Roberta Olivato Canheo Surrailly Fernandes Youssef Autoria Maria Clara D’Ávila Almeida Mariana Boujikian Felippe Raissa Carla Belintani de Souza Roberta Olivato Canheo Assessoria de Pesquisa Bruna Louzada Bumachar Consultoria de Pesquisa Rafael Godoi Revisão textual Samara Takashiro Revisão estatística Rafael Cinoto Projeto Gráfico Homem de Melo & Troia Design Capa e Diagramação Ana Luiza Voltolini Uwai Letícia Vieira Imagem Dora Martins Ano 2019 Esta obra está sob licença Creative Commons CC BY-NYI-SA 4.0: esta licença permite que outros remixem, adaptem e criem a partir do seu trabalho para fins não comerciais, desde que atribuam o devido crédito e que licenciem as novas criações sob termos idênticos
Acesse o relatório completo em: mulheresemprisao.org.br ou ittc.org.br
Instituto Terra, Trabalho e Cidadania - ITTC Rua Marquês de Itu, 298 - Vila Buarque São Paulo - SP ittc.org.br
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