Universidade do Porto Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física
A “Periodização Táctica” segundo Vítor Frade: Mais do que um conceito, uma forma de estar e de reflectir o Futebol.
Filipe César de Sousa Martins
Porto, Abril de 2003
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Universidade do Porto Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física
A “Periodização Táctica” segundo Vítor Frade: Mais do que um conceito, uma forma de estar e de reflectir o Futebol.
Trabalho Monográfico realizado no âmbito da Disciplina de Seminário, Opção de Futebol, ministrada no 5.° ano da Licenciatura em Desporto e Educação Física da Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto. FACULDADE DE CIÊNCIAS DO DESPORTO E DE EDUCAÇÃO FiSICA UNIVERSIDADE 00 PORTO
Trabalho realizado por: Filipe César de Sousa Martins Trabalh,fç!i~4orp?~I~ f. Doutor Júlio Garganta DESPOÍ1TÍ)
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FACULDADE DE CIÊNCIAS DO DESPORTO E DE EDUCAÇÃO FÍSICA CIassificaç~o Final
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índice geral
Índice geral Pg. Agradecimentos Índice geral Índice de quadros Resumo 1. Introdução 2. Revisão da literatura 2.1. Periodização e treino no Futebol 2.1.1. Explicitação conceptual e estado actual do conhecimento 2.1.1.1. A natureza do jogo de Futebol 2.1.1.2. A imprescindibilidade do processo de treino e do seu planeamento/periodização 2.1.1.3. Uma determinada concepção do processo de treino... A tendência oriunda do Leste da Europa 2.1.1.3.1. Os percursores da periodização do treino 2.1.1.3.2. O “universo” de Matvéiev (Modelo Clássico de Periodização) 2.1.1.3.3. Modelos pós Matvéiev 2.1.1.3.4. O início do “afastamento” em relação ao Modelo de Matvéiev 2.1.1.4. Do Norte da Europa e América do Norte surge uma nova tendência referente à conceptualização do processo de treino 2.1.1.4.1. Um determinado entendimento da especificidade 2.1.1.4.2. Implicações metodológicas para o processo de treino 2.1.1.4.3. Importância dos testes de condição física no controlo e direccionamento do processo de treino 2.1.1.4.4. Algumas inconsistências e limitações 2.1.1.5. A imperativa necessidade de uma reformulação conceptometodológica do processo de treino 2.1.1.6. Tendência latino americana para a concepção do processo de treino... “Treino Integrado” 2.1.1.7. A emergência de uma nova orientação conceptometodológica do processo de treino 3. Enquadramento metodológico -
-
3.1. Caracterização da amostra
iii iv vi vii 1 3 3 3 3 6 8 8 9 12 12 15 18 20 24 25 27 30 33 35 35
índice geral 3.2. Métodos de investigação seleccionados 3.3. Recolha de dados 4. Análise e discussão do conteúdo da entrevista 4.1. O treino enquanto processo criador da competição 4.2. A necessidade de um “corte” em relação ao passado 4.3. Da “Periodização Táctica” à “Fenómeno Técnica” 4.3.1. A manutenção de um padrão de treino ao longo da época. Princípio da altemância horizontal. Dar ênfase à organização de jogo. 4.3.2. Especificidade, intensidade e recuperação. Aspectos cruciais para alcançar regularidades 4.3.3. A sobreposição do colectivo ao individual 4.4. “Periodização Táctica” nos jogos desportivos colectivos, nos desportos individuais e nos escalões de formação de Futebol —
5. Conclusões 6. Referências bibliográficas Anexos Questionário
35 36 37 38 40 45 57 64 73 76 79 86 II
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Indice de qua&os
Índice de quadros
pg. Quadro 1: Contraponto entre as peemissas da Periodlzaçâo Convencionar e as da ‘Pedodização Táctica’.
79
Resumo
Resumo O planeamento e periodização do treino em Futebol tem vindo a merecer a atenção de diversos autores. Através da revisão da literatura identificamos três tendências distintas no que conceme á conceptualização do processo de treino. A primeira tendência teve origem nos países do Leste da Europa, a segunda surgiu do Norte da Europa e América do Norte e a terceira dos países latino-americanos. Constatamos ainda a emergência de uma outra orientação conceptometodológica do processo de treino, i. e., a “Periodização Táctica”, preconizada por autores como Vítor Frade. Com a realização deste trabalho monográfico pretende-se esclarecer algumas questões relativas à “Periodização Táctica”, bem como descrever as premissas que a distinguem das três tendências anteriormente referidas. Assim, visa-se, fundamentalmente, a sistematização de um conjunto de conhecimentos acerca do planeamento e periodização processo de treino. A metodologia empregue para a consecução destes objectivos consistiu numa revisão da literatura relativa à problemática em questão e na realização de uma entrevista a Vítor Frade. Como resultado da revisão da literatura e da entrevista levada a efeito, conclui-se que as premissas da “Periodização Convencional” diferem das da “Periodização Táctica”. Assim, enquanto que na primeira é a competição que “cria” o treino e este adquire contornos algo “abstractos”, devido à não definição de um modelo de jogo e respectivos princípios, na segunda verifica-se exactamente o contrário. Do mesmo modo, na primeira é dado especial realce à maximização das capacidades condicionais (ênfase na dimensão física), enquanto que na segunda é enfatizado o ‘jogar, dando-se realce ao desenvolvimento dos princípios do modelo de jogo (ênfase na dimensão táctica). Na primeira, é dada grande importância ao atleta individual, sendo a época dividida em períodos (nos quais é considerada a preparação geral e especial e uma estreita relação entre volume e intensidade das cargas) com o intuito de adquirir a forma durante as competições mais importantes. Na “Periodização Táctica” a equipa (colectivo) é o mais importante, sendo preconizado um microciclo padrão para toda a época, no qual a especificidade e as intensidades máximas contribuem para a criação de regularidades ao nível da forma de jogar pretendida. Por fim, verificamos que a terceira tendêniia (oriunda dos países latino-americanos) é a que mais se aproxima das premissas da “Periodização Táctica” e que esta última é passível de ser aplicada em todos os desportos colectivos e individuais, bem como nos escalões de formação de Futebol. Palavras Chave: FUTEBOL, TREINO, PERIODIZAÇÂO, MODELO DE JOGO, TÁCTICA.
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Introdução
1. Introdução “Dei-me conta de que as questões mais profundas (...) nunca haviam recebido resposta adequada e tomou-se-me claro que a maior parte dos cientistas não estavam realmente interessados nesse género de interrogações, como se elas nada tivessem que ver com o seu trabalho de investigação’~ David Bohm (s!d, citado por Sérgio, 1991, p. 7)
Do mesmo modo que o jogo de Futebol tem registado uma evolução permanente, também o treino tem apresentado várias orientações. Com o passar dos anos, vários autores, oriundos de diferentes pontos geográficos, têm apresentado distintas concepções acerca do modo como deve ser perspectivado o planeamento e periodização do processo de treino. Inicialmente, a maioria desses autores concebeu modelos de treino com o intuito de dar resposta às necessidades e exigências dos desportos individuais. Neste âmbito, Matvéiev e Veijoshanski são dois dos autores mais representativos, tendo os seus modelos servido de base ao estabelecimento de programas de treino relativos aos desportos individuais, mas também a alguns jogos desportivos colectivos, como o Futebol. Outros autores, como Bangsbo e Weineck, apresentam uma concepção de treino mais orientada para os desportos colectivos, sendo que a sua principal preocupação passa, fundamentalmente, pelo desenvolvimento das capacidades condicionais dos atletas. Deste modo, é levado a efeito um controlo físico e fisiológico dos atletas, tanto a nível do treino como da competição. È atribuída grande importância à observação e registo de indicadores intemos e externos do esforço realizado pelos futebolistas, tanto em situação de competição como em situação de treino, sendo, para isso, realizados vários estudos de terreno e em contexto laboratorial. Por outro lado, alguns autores defendem a necessidade de um “corte” em relação à aplicação de alguns modelos de treino “convencionais” nos desportos individuais e, ainda de forma mais premente, nos jogos desportivos colectivos. Em relação ao Futebol tem sido referida a necessidade de elaboração de um modelo de treino que tenha em conta algumas das suas peculiaridades, nomeadamente a longa duração do seu calendário competitivo e a sua “essencialidade táctica”. São vários aqueles que sugerem que as várias dimensões que contribuem para o rendimento em Futebol devem ser todas integradas e que se afirmam contra a existência de um treino físico, técnico, táctico ou psicológico. Todavia, a necessidade de efectuação do referido “corte” relativamente aos modelos “convencionais” de treino não tem sido sustentada com clareza. É neste
Introdução
contexto que surge uma nova Conceptualização do processo de treino, à qual o seu criador e percursor, Vítor Frade, atribuiu a denominação de “Periodização Táctica”. No entanto, dado que a referida concepção é pouco “retratada” na literatura existente, subsistem algumas dúvidas acerca dos seus fundamentos. Daqui resulta o facto de, por vezes, alguns responsáveis pela gestão do treino estarem convictos que estão a colocar em prática as orientações da “Periodização Táctica” e, na realidade, isso não estar a acontecer. Partindo do anteriormente exposto, com a realização deste trabalho monográfico pretendemos explicitar as questões fundamentais da denominada “Periodização Táctica”, bem como descrever as premissas que a distinguem das três tendências relativas à conceptualização do processo de treino anteriormente referidas. Porém, gostaríamos de salientar que será dado especial realce à “Periodização Táctica”, uma vez que esse é o tema central deste trabalho. Deste modo, o objectivo fundamental é explicitar e sistematizar um corpo de conhecimentos acerca do planeamento e periodização do processo de treino, comparando a “Periodização Convencional” com a “Periodização Táctica”. Para a concretização destes objectivos, efectuamos uma revisão aprofundada da literatura relativa à problemática em questão. Posteriormente, elaboramos um questionário com o objectivo de tomarmos contacto com os conhecimentos e sabedoria transmitida pelo nosso entrevistado, Vítor Frade. Assim, se por um lado, a revisão da literatura permite a construção de um corpo de conhecimentos acerca das premissas da “Periodização Convencional”, por outro, a entrevista possibilita um conjunto de informação relevante referente aos fundamentos da “Periodização Táctica”. Efectuada esta breve introdução, apresentamos de seguida a revisão da literatura subordinada à problemática em questão, na qual fazemos uma breve alusão à natureza do jogo de Futebol, à necessidade de planear e periodizar o processo de treino, bem como às duas primeiras tendências relativas à conceptualização do processo de treino. Ainda neste capítulo, damos conta da necessidade de uma reformulação conceptometodológica do processo de treino, abordamos a terceira tendência relativa à conceptualização do treino e fazemos uma breve alusão à emergência de uma nova orientação conceptometodológica do processo de treino (“Periodização Táctica”), preconizada por alguns autores, de entre os quais se destaca o nosso entrevistado, Vitor Frade.
Revisão da literatura
2. Revisão da literatur 2.1. Periodização e treino no Futebol 2.1.1. Explicitação conceptual e estado actual do conhecimento No presente capítulo, levaremos a efeito uma explicitação conceptual de diversos aspectos relacionados com o Futebol e, mais concretamente, com o seu treino e periodização. Partindo de uma revisão aprofundada da literatura, daremos conta do estado actual do conhecimento no contexto da problemática em questão. Nesse âmbito, sistematizamos um conjunto de informação relevante e fazemos alusão à perspectiva de vários autores, oriundos dos mais diversos pontos geográficos, no que conceme ao modo como conceptualizam o processo de treino. Todavia, antes de nos reportamos à problemática central deste trabalho, efectuaremos uma breve abordagem à natureza do Futebol, justificando a imperativa necessidade do processo de treino e do seu planeamento/periodização. 2.1.1.1. A natureza do jogo de Futebol O Futebol assemelha-se a um microcosmos onde podem ocorrer «fenómenos», aparentemente inexplicáveis sob o ponto de vista científico, mas compreensíveis e até justificáveis â luz da complexa realidade que o envoive... (Jorge, 1989, p. 9)
“Jogo de Futebol”... Esta, é uma expressão muito utilizada no quotidiano das pessoas, estejam elas ligadas ao desporto, à política, à economia, à justiça, à medicina, às artes ou a outro ramo qualquer da nossa sociedade. Todavia, na grande maioria das vezes, essa expressão é referida sem que as pessoas pensem no seu real significado e na complexa realidade que a envolve. Parece evidente que muita gente fala de Futebol, mas nem todos reflectem acerca daquilo que o caracteriza, nem todos “pensam o Futebol”. Assim sendo, deparamo-nos com uma questão. Afinal, o que é que está subjacente ao Futebol, qual a sua natureza, quais as principais características desta modalidade desportiva? Reilly (1 996a) salienta que o Futebol é praticado em todas as nações, sem excepção, afirmando-se como a modalidade desportiva mais popular à escala mundial.
Revisão da literatura
Jorge (1989, p.8) considera que o Futebol é uma modalidade que tem “impressões digitais próprias”. Segundo Garganta (1997), na aparência simples de um jogo de Futebol, está presente um fenómeno muito complexo, devido à imprevisibilidade e aleatoriedade dos factos do jogo, o que origina grandes dificuldades, por parte do treinador, na previsão e controlo do desfecho do mesmo. Dufour (1991) reafirma estas asserções, salientando que a natureza e diversidade dos factores que concorrem para o rendimento desportivo, assim como a aleatoriedade e imprevisibilidade características do jogo transformam o Futebol numa estrutura multifactorial de grande complexidade. A grande complexidade que o jogo de Futebol comporta é tecida pelos acontecimentos, interacções e acasos que ocorrem entre os sistemas em presença (Araújo & Garganta, 2002). A complexidade do jogo é perceptível nas palavras de Castelo (2000) quando refere que o Futebol tem companheiros e adversários, tem um elemento que salta e muda de trajectória, tem balizas, contacto físico, bolas que vêm por cima ou por baixo e tem alguma relação social que determina situações tácticas e movimentações tácticas. Segundo Garganta & Cunha e Silva (2000), as competências dos jogadores e das equipas não se confinam a aspectos pontuais, mas dizem respeito a grandes categorias de problemas, pelo que se toma necessário compreender o jogo pela sua complexidade. Como se constata, alguns autores supracitados consideram que a imprevisibilidade é um dos factores que contribui para a complexidade do jogo de Futebol. Figo (1999, p. 43) afirma mesmo que “a grandeza do Futebol está na sua imprevisibilidade”. Panzeri (s.d.), citado por Cuadrado Pino (2002), reforça essa ideia ao referir que “o Futebol é uma arte do imprevisto”. Segundo Jorge (1989), deve estimular-se a criatividade dos jogadores, a originalidade das respostas (individuais e colectivas) ao jogo, com o intuito de criar desordem no adversário, todavia, é necessário cumprir o regulamento e a essência do jogo de conjunto (modelo de jogo). É imperativo que se mantenha uma certa ordem ou organização na equipa. A ordem ou organização é, aliás, outro dos aspectos incontomáveis quando se fala em “jogo de Futebol”. Aguirre Onaindía (2002) e Preciado Rebolledo (2002) estão em sintonia, quando consideram que a ordem é um aspecto essencial do jogo de Futebol e que uma equipa sem ordem não pode almejar o sucesso desportivo. Quando Valdano (s.d.), citado por Faria (1999), considera que é fundamental ter numa equipa quatro ou cinco jogadores a pensarem a mesma coisa ao mesmo tempo está, de uma forma implícita, a atribuir grande importância à existência de ordem numa 4
Revisão da literatura equipa de Futebol. Neste contexto, Olabe Aranzábal (2002) entende que é necessário que todos os jogadores da equipa estejam associados, tenham uma ideia e um objectivo comum. “Tudo no Futebol, incluindo a criatividade, necessita de se apoiar numa ordem” (Valdano, 1998, p. 26). Todavia, é extremamente importante estarmos conscientes de que a ordem pretendida resulta do treino de cada dia (Olabe Aranzábal, 2002). Caso os eventos e comportamentos fossem exclusivamente casuais e aleatórios, seria impossível impor o nosso saber, a nossa vontade. Caso não fosse criada uma certa rotina, regularidade e predictibilidade (através do treino), o jogo resumir-se-ia a uma série interminável de escolhas aleatórias, com consequências também aleatórias e tomar-nosia prisioneiros impotentes da sorte (Araújo & Garganta, 2002). Neste sentido, o Futebol é um fenômeno de “incertezas inteligentes” (Garcia Lavera, 2002). Em síntese, gostaríamos de salientar que o jogo de Futebol não está condenado a decorrer de forma aleatória, O acaso não deve orientar a actividade dos futebolistas. A ordem ou organização é um elemento imprescindível para que as equipas de Futebol consigam dar cumprimento àquilo que normalmente se designa por ‘jogar bem”. Em decorrência do anteriormente exposto, Aguirre Onaindia (2002) considera que o mais importante em Futebol é jogar bem, i. e., ter onze elementos orientados para o mesmo objectivo. Jogar bem é tomar decisões correctas e levar a efeito o que se pratica durante a semana (Pérez García, 2002; Aguirre Onaindia, 2002; Mel Pérez, 2002). Seguindo esta ordem de ideias, pode afirmar-se que com o treino se visa jogar melhor (Garcia Lavera, 2002). Se atentarmos em algumas das afirmações proferidas pelos autores acima referidos, constata-se uma relação directa entre alguns dos aspectos relativos à natureza do jogo de Futebol e o respectivo treino. Esses autores atribuem grande importância ao treino enquanto processo regulador da actividade competitiva em Futebol, O facto de Garganta (1 999a) considerar que, conforme se quer jogar, assim se deve treinar, reforça a ideia que acabamos de expor. Em sintonia com as ideias acima apresentadas, Frade (2001) afirma que o Futebol não é um fenómeno natural, é um fenómeno construído através do processo de treino. Contudo, este processo deve ser devidamente pensado e planeado, pois só assim é possível a realização de uma preparação científica da equipa (Teodorescu, 1984). Neste sentido, o mesmo autor salienta que o planeamento é uma necessidade e que este se constitui como ajuda para o trabalho do treinador. Assim sendo, tal como inicialmente nos questionamos acerca da natureza do jogo de Futebol, pensamos ser de toda a pertinência, neste momento, fazer uma alusão ao processo de treino, caracterizando-o e abordando alguns dos conceitos que lhe são inerentes, nomeadamente o seu planeamento e periodização. 5
Revisão da literatura
2.1.1.2.
A
imprescindibilidade
do
processo
de
treino
e
do
seu
planeamentolperiodização Encontrar o que não existe, a isso chama-se cria,; inventa,; construir na cabeça antes de o fazer na colmeia, conceber.” (Le Moigne, 1994, p. 229)
Tal como já havíamos esclarecido anteriormente, os comportamentos exteriorizados pelos futebolistas durante o jogo traduzem, em grande parte, o resultado das adaptações provocadas pelo processo de treino (Garganta, 1999a). O treino não é uma descoberta recente (Bompa, 1999). Segundo Sampedro (1999), já na antiguidade, o seu planeamento era uma prática muito habitual. Hoje em dia, a preparação dos atletas para obtenção de um determinado objectivo em competição é efectuada através do treino (Bompa, 1999). Figo (1999) salienta que treinar é tão importante como saber aquilo que se tem que fazer. Em concordância com o que acaba de ser mencionado, Garganta (1 999a) salienta que as aquisições conseguidas ao nível do treino poderão ser transferidas para o contexto específico do jogo, caso sejam treinados os aspectos que se prendem directamente com o jogo. As adaptações ou ajustamentos dos atletas dão-se em conformidade com o modo como se treina (Bompa, 1999). Bompa (1999) menciona que o treino é uma actividade sistemática de longa duração, a qual é progressivamente e individualmente nivelada. Como facilmente se poderá depreender, esta situação requer um planeamento reflectido. Só assim será possível estruturar a actividade de treino, de modo a ajustá-la aos condicionalismos e necessidades da realidade envolvente. Actualmente, ninguém coloca em questão a importância do planeamento do treino (Chirosa Ríos et ai., 1998). No entender de Garcia Lavera (2002, p. 10), para que seja possível a optimização do rendimento em Futebol, é necessário uma “pré-actividade para a planificação, interactividade na acção e pós-actividade para a avaliação”. Tal como nos esclarecem Campos Graneil & Ramón Cervera (2001, p. 35), baseando-se numa definição apresentada pelo Dicionário da Real Academia da Língua Espanhola, o termo planificar significa “submeter a um piano estudado certa actividade ou processo”. No que diz respeito ao desporto, os mesmos autores, esclarecem que submeter o treino a um plano estudado, significa ter em consideração alguns aspectos determinantes, tais como o nível do desportista, os objectivos desportivos, as competições, os controlos ou actividades previstas, a organização metodológica das
Revísâo da literatura
cargas e o modelo para ordenar o treino em períodos e ciclos, de acordo com as características peculiares do calendário desportivo das competições. Seguindo esta ordem de ideias, Garganta (1991) menciona que planear ou planificar, significa descrever e organizar à priori, as condições de treino, os objectivos a atingir, os meios e métodos a aplicar, as fases que, de um ponto de vista teórico, são as mais importantes da época desportiva. Por outro lado, de acordo com o mesmo autor, a periodização é um aspecto particular do planeamento que diz respeito, fundamentalmente, aos aspectos relacionados com a dinâmica das cargas de treino e com a consequente dinâmica da adaptação do organismo às mesmas, tendo em conta os períodos da época em que nos encontramos (Garganta, 1991). Esta ideia é partilhada por Campos Granell & Ramón Cervera (2001) ao mencionarem que a periodização do treino representa o sistema através do qual se constrói um modelo de desenvolvimento estruturado em ciclos, para os quais se procura que as cargas aplicadas favoreçam os mecanismos que provocam adaptação. Para Frey (2000) a periodização á a sucessão temporal de objectivos e conteúdos de treino. De uma forma sintética, Campos Granell & Ramón Cervera (2001) afirmam que os avanços verificados no planeamento do treino converteram este sector estratégico do desporto num dos elementos essenciais de desenvolvimento, que em grande medida tem contribuído para a melhoria dos resultados desportivos. A planificação do treino permite que a preparação do desportista seja orientada de acordo com uma estratégia de construção progressiva no tempo, procurando o maior desenvolvimento possível da forma desportiva. Garganta (1991) alerta para o facto da crescente complexidade da estrutura do jogo exigir que os jogadores tenham cada vez mais maior capacidade de concentração, determinação, disciplina, rigor, inteligência e um alto potencial físico, psíquico e táctico técnico. Simultaneamente, essa situação, exige do treinador elevada capacidade de liderança, planeamento e organização de um trabalho sólido e racional, baseado no conhecimento dos princípios e leis do treino. Todo o treinador que tenciona levar a efeito, com êxito, um determinado trabalho, sente a necessidade de elaborar um projecto, um roteiro. Em competição, quando as forças estão igualadas, a vitória é alcançada por aqueles que utilizam planos previamente preparados. Deve saber-se avaliar a situação de jogo, seleccionar rapidamente a solução mais adequada e aplicá-la sem demora (Naglak, 1978, citado por Sampedro, 1999). Pensamos que tudo o que atrás foi referido diz bem da imprescindibilidade de um processo de treino bem delineado, no qual terão que ser considerados um manancial 7
Revisão da literatura
enorme de factores. Todos os aspectos deverão ser bem ponderados, pois como afirma Naglak, citado por Sampedro (1999), a planificação enriquece o jogo e conduz à vitória com maior eficácia. No decurso da sua existência, o Futebol tem sido ensinado, treinado e investigado à luz de diferentes perspectivas, as quais subentendem distintas focagens, assim como concepções dissemelhantes a propósito do conteúdo do jogo e das características do ensino-treino (Garganta, 1997). Segundo Veijoshanski (1998), actualmente, na literatura desportiva podemos encontrar diferentes opiniões acerca do sistema de treino desportivo, assim como concepções e diversas escolas de preparação dos atletas Com base nestas asserções, procuraremos delinear de seguida as tendências mais salientes, segundo as quais o processo de treino se tem orientado. Assim sendo, serão abordados e esclarecidos as distintas formas de encarar o processo de treinabilidade, i. e., as várias formas de conceber o treino que têm surgido com o decorrer dos anos.
2.1.1.3. Uma determinada concepção do processo de treino... A tendência oriunda do Leste da Europa “A evolução do treino e da competição no Futebol não será alheia à convicção de que os resultados despofltvos, ao invés de dependerem de forças mistedosas, deverão ser construídos com base num trabalho devidamente programado, assumindo-se o treinador não como um mestre do improviso, mas como um elemento permanentemente disponível para utilizar todo o seu saber, intuição e Me, em função dos objectivos a atingir». (Garganta, 1993, p. 259)
2.1.1.3.1. Os percursores da periodização do treino Tal como nos refere Silva (1998), as primeiras noções sobre a periodização do treino foram elaboradas por Murphy e Kotov (anos 10-20) que, pela primeira vez, evidenciaram a preocupação em organizar as actividades de treino com o intuito de melhorar o rendimento desportivo. Assim, agruparam os conteúdos e tarefas do treino em fases, visando uma progressão que permitisse obter um estado de forma no momento desejado da competição. De acordo com o mesmo autor, seguiram-se novos trabalhos de investigação no campo da Teoria do Treino Desportivo, efectuados por Lauri Pihkala, Gorinovski e Birsin (anos 20-30), propondo leis importantes que ainda vigoram na iniciação. Assim, no entender destes autores, a carga deve diminuir progressivamente em volume e aumentar em intensidade, assim como, o treino específico deve edificar-se sobre uma ampla base geral e apresentar uma clara alternância entre o trabalho e a recuperação.
Revisão da literatura
Silva (1998) menciona que, ainda em finais da década de 30, o russo K. Grantyn (1939) na obra “Conteúdos e Princípios Gerais da Planificação do Treino Desportivo”, lança as bases de uma teoria geral do treino, propondo a divisão do ciclo anual em três etapas (de preparação, principal e de transição), com durações e objectivos determinados pelas características das modalidades. Segundo o mesmo autor, nos anos 50, G. Dyson e N. Ozolin, desenvolveram modelos aplicados ao Atletismo baseados na preparação multilateral que culmina numa especialização no momento da competição. Nos anos 50, Letunov justificou cientificamente a divisão em períodos, condicionando-os às características do atleta em vez de ao número e localização das competições no plano anual. Segundo Caixinha (2001), Letunov (1950) criticou os meios utilizados até então, afirmando que o estado de forma não se deve às componentes organizativas dos elementos do treino, mas sim à “carga biológica” a que se submete o atleta durante o mesmo. Além disso, dividiu o ciclo de treino em etapa de aquisição, etapa de forma desportiva e etapa de diminuição do estado de treino. 2.1.1.3.2.0 “universo” de Matvéiev (Modelo Clássico de Periodização) Nos anos 50, Lev P. Matvéiev actualizou e aprofundou alguns conhecimentos desenvolvidos anteriormente e estruturou os fundamentos teóricos (Teoria Clássica) de um sistema de treino que se tomou hegemónico em quase todo o mundo, passando a ser utilizado como referencial básico para os processos de preparação desportiva (Silva, 1998). Matvéiev, desenvolveu o conceito de periodização do treino com base nas fases do síndrome de adaptação de H. Selye, i. e., de acordo com o carácter ondulante da resposta biológica, a carga de treino procura obter uma relação óptima entre os ritmos do treino e as alterações ondulantes das funções fisiológicas. Segundo Court (1992), a característica cíclica e longa do processo biológico faz com que os efeitos do treino apenas sejam obtidos tardiamente. A quantidade de trabalho só produz efeitos “retardados”, o que leva Matvéiev a colocar a fase de “volume de trabalho” bastante tempo antes do período competitivo. Matvéiev (1980) refere que a preparação do desportista consta fundamentalmente de preparação física, técnica, táctica, volitiva e teórica. Segundo este autor, a preparação física divide-se em geral e especial. Em qualquer modalidade desportiva, o êxito depende não só das capacidades especificas, mas também do nível geral das possibilidades funcionais do organismo. No seu entender, a preparação física geral cria as bases para a preparação especial, já que assegura o 9
Revisão da literatura
desenvolvimento múltiplo da força, velocidade, resistência, flexibilidade e agilidade, premissa necessária para que o aperfeiçoamento ocorra (em qualquer modalidade desportiva). A preparação técnica e táctica também se divide em geral e especial. Todavia, a preparação táctica do desportista deve ser levada a efeito em estreita ligação com a preparação técnica (Matvéiev, 1980). O mesmo autor salienta que as leis objectivas do aperfeiçoamento desportivo requerem que o treino desportivo, sendo um profundo processo de especialização, proporcione ao mesmo tempo um desenvolvimento múltiplo. Assim sendo, considera-se que a preparação geral e a preparação especial na actividade desportiva são inseparáveis. No que conceme á forma desportiva, Matvéiev (1980) afirma que esta pode ser entendida como o estado de predisposição óptima para a obtenção de resultados desportivos em cada fase da evolução desportiva. Para atingir esse estado, deve-se verificar um crescimento gradual, tanto das cargas físicas, como das exigências da preparação técnica, táctica e volitiva. Segundo o autor, o processo de desenvolvimento da forma apresenta três fases interdependentes e sequenciadas, respectivamente, fase de aquisição, de manutenção e de perda. O atleta não pode manter-se em forma durante todo o processo de prática desportiva. Assim sendo, adquire a forma desportiva temporariamente, mantém-na durante um ou outro período e depois perde-a durante algum tempo. Todavia, Matvéiev (1980) salienta que os treinadores e desportistas devem planear o processo de treino de tal modo que se criem condições para alcançar a forma desportiva no momento exacto, mantendo-a durante um determinado período, estabelecido de acordo com as datas das competições mais importantes. Court (1992) refere que no modelo de Matvéiev considera-se que o atleta pode atingir o “pico de forma” mais do que uma ou duas vezes por ano, mantendo-se no mesmo durante um curto espaço de tempo. Relativamente à estrutura do ciclo de treino, Matvéiev (1980) salienta que este se divide em três períodos (preparatório, competitivo e de transição), cujas durações estão definidas pelas fases de desenvolvimento da forma e que estas condicionam fortemente a dinâmica das cargas e os conteúdos do treino. Assim, segundo este autor, no período preparatório (mais longo) devem ser criadas e desenvolvidas as premissas para o surgimento da forma desportiva e assegurada a sua consolidação. Este período divide-se numa primeira etapa de preparação geral e numa segunda de preparação especial.
Revisão da Hteratura
No que conceme á etapa de preparação geral, segundo o autor, a tendência geral da dinâmica das cargas caracteriza-se pelo aumento paulatino do volume e intensidade, com um crescimento preferencial em volume. É nesta etapa que se criam as bases da forma desportiva. Na segunda etapa, tal como o próprio nome indica, podemos verificar que a carga apresenta uma orientação especial mais marcada, em todos os seus aspectos. Além disso, constata-se uma redução do volume total das cargas e um incremento da intensidade das mesmas. Depois de adquirida a forma desportiva, de acordo com Matvéiev (1980), surge a tarefa de mantê-la durante todo o período de competições importantes (relativamente concentrado) e de aplicá-la para a obtenção de rendimentos desportivos. Neste período de duração relativamente curta, a proporção de preparação geral não deve ser menor do que na etapa de preparação especial. Relativamente à dinâmica das cargas, o mesmo autor, afirma que, inicialmente, continua a verificar-se uma redução do volume, sendo que de seguida este se estabiliza. A intensidade das cargas específicas aumenta até chegar ao máximo, estabilizando-se a esse nível. Como é óbvio, esta estabilização é relativa. No caso de um período competitivo mais prolongado, produz-se um novo incremento no volume geral das cargas, com uma certa redução da sua intensidade. Depois, verifica-se novamente a tendência de redução do volume e de elevação da intensidade. No que conceme ao período de transição, não se verifica uma pausa ou suspensão do processo de treino. Este continua, mas efectuam-se grandes alterações na sua forma e conteúdo. Constata-se uma redução da intensidade e do volume das cargas específicas. A perda temporal da forma desportiva que ocorre neste período, constitui uma das condições imprescindíveis para o progresso posterior (Matvéiev, 1980). Em síntese, concordamos com Campos Granell & Ramón Cervera (2001) quando estes salientam que, no modelo de Matvéiev, as singularidades biológicas do organismo do desportista não são contempladas. Além disso, há um papel preponderante da preparação geral, sendo o seu modelo caracterizado por um período preparatório em que se trabalha muito em volume. Partindo do anteriormente exposto, verificamos ainda que a mudança de períodos de treino produz-se pela alteração da dinâmica das cargas (baseada nas grandes ondas) e que há uma separação entre preparação condicional e técnica, com alternância das curvas de intensidade e volume das cargas. Uma das principais características deste modelo é a sua perspectiva universal, visando atender a todas as modalidades e níveis de preparação.
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2.1.1.3.3. Modelos pós Matvéiev -
A. Arosjev surgiu nos anos 70 com o denominado “Treino Pendular”, na tentativa de aperfeiçoar o modelo de Matvéiev (Silva, 1998). Segundo o mesmo autor, este modelo aplicou-se preferencialmente no boxe, luta e remo e fazia uma distinção entre preparação condicional e preparação técnica. È proposta uma estrutura de treino em que se realiza uma alternância pendular sistemática entre a carga especial e geral, uma vez que havia a ideia que o contraste entre os dois tipos de carga conduzia a uma melhoria da capacidade específica do desportista. O mesmo autor refere que o critério básico de desenvolvimento consistia em ir diminuindo as cargas gerais e em aumentar gradualmente as específicas, atingindo a sua maior expressão na competição mais importante. O facto deste modelo se estruturar em função das datas das competições e de se atribuir uma grande importância às cargas genéricas é questionável e acaba por reforçar a teoria de Matvéiev. Ainda nos anos 70, A. Vorobjev (“Treino Modula?’) faz algumas críticas ao modelo clássico de Matvéiev e com ele inicia-se o afastamento em relação ao mesmo. Segundo Caixinha (2001), Vorobjev é considerado um dos pioneiros da dupla periodização. A aplicação das cargas segue os princípios da adaptação biológica e utiliza prioritariamente cargas específicas. Propõe uma organização do treino na forma de pequenas ondas, com mudanças acentuadas e frequentes no volume e intensidade das cargas para que seja possível conseguir adaptações contínuas e elevadas, uma vez que perante um estímulo uniforme, o organismo responde de forma também uniforme, O referido autor organiza o ano em estruturas intermédias de curta duração. 2.1.1.3.4. O início do “afastamento” em relação ao Modelo de Matvóiev
De acordo com Garganta (1993), a década de 80 foi um período bastante produtivo no que se refere ao aparecimento de diferentes modelos de periodização, embora sempre voltada para os desportos individuais ou para os desportos cíclicos de grupo. Assim, após uma era em que o modelo de Matvéiev dominou, um dos autores que mais influenciou as tendências da periodização do treino nos anos 80 foi o soviético Verjoshanskj. Segundo Verjoshanski (1998), o modelo de treino concebido por Matvéiev já há algum tempo perdera muito do seu valor teórico e prático. Actualmente, o desporto de alto rendimento e a metodologia de preparação dos atletas de topo sofreram alterações ~“essenciais, sendo que a imposição das ideias antiquadas de Matvéiev representa um
Revisão da literatura factor impeditivo do progresso dos conhecimentos científicos no desporto e, particularmente, no Futebol. No entender do mesmo autor, a sub-divisão formal do ciclo de treino anual em períodos defendida por Matvéiev não é típica da prática desportiva. Além disso, os princípios da periodização foram formulados com base num estudo efectuado com sujeitos da Natação, da Halterofilia e do Atletismo, pelo que não podem ser considerados universais. Deste modo, Veijoshanski (1998) chama a atenção para o fado de que as indicações de um elevado número de especialistas e de treinadores vão no sentido de que é necessário substituir a concepção de Matvéiev por uma moderna teoria e metodologia de treino. Neste sentido, em 1979, Verjoshanski preconizou um modelo denominado “Treino em Blocos” com o objectivo de construir um método mais adequado para o desenvolvimento da força (Campos Graneil & Ramón Cervera, 2001). Este modelo, fundamentalmente direccionado para o Atletismo e para disciplinas em que a força rápida assume particular importância, caracteriza-se por uma concentração do treino da força, como recurso para a consecução de melhores rendimentos na técnica, na velocidade ou nas chamadas capacidades especiais (Silva, 1998). O desenvolvimento especifico da capacidade de força rápida e dos sistemas de produção de energia (para um trabalho muscular) são factores determinantes para a melhoria da mestria técnica e das outras capacidades condicionais. Para a melhoria eficaz da mestria técnica-desportiva, deve ter-se em consideração que a preparação especial deve preceder um trabalho profundo sobre a técnica (Veijoshanski, 1990). Neste modelo (“Treino em Blocos”), o processo de treino estrutura-se, basicamente, a partir de um volumoso bloco inicial de treino (com cerca de dois meses de duração), com predominância de força, ao qual se segue o desenvolvimento das demais capacidades condicionais e técnico-tácticas, de acordo com as necessidades da modalidade (Silva, 1998). Assim, tal como refere Garganta (1993), a proposta de Verjoshanski baseia-se no pressuposto de que para conseguir obter rendimentos desportivos de nível elevado, a periodização não deve atender somente aos aspectos da carga, mas também à evolução técnica e táctica do atleta, preconizando-se a construção de “blocos” dedicados a cada componente do rendimento desportivo. Um outro autor que se demonstrou bastante céptico em relação ao modelo clássico de Matvéiev foi Peter Tschiene. Assim, em finais dos anos 70, o referido autor conceptual~zou o denominado ‘Treino Estrutural”, aplicado inicialmente nas modalidades de força rápida que apresentam duas fases de competição diferenciada. 13
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Segundo Campos Granell & Ramón Cervera (2001), Tschiene defende uma maior aproximação às características específicas de cada modalidade desportiva, valorizando a competição como elemento de desenvolvímento da performance. Neste contexto, Tschiene (1994), reportando-se ao caso específico do Futebol, salienta que o desenvolvimento da capacidade específica de rendimento, na maior parte dos casos, é obtido através da acumulação de jogos do campeonato. Em sua opinião, em muitas modalidades desportivas, a planificação do treino não tinha obtido resultados efectivos, uma vez que não havia uma verdadeira teoria do treino, pois as existentes mantinham um carácter basicamente analítico. Assim, as bases teóricas não se ajustavam à realidade da prática desportiva, até porque, a partir dos anos 70, o modelo de Matvéiev não oferecia alternativas úteis para a maioria dos desportos. Por outro lado, o processo de treino era baseado em esquemas parciais desconexos entre si e eram utilizados períodos extremamente longos de preparação geral que em nada beneficiavam as altas prestações desportivas. O último factor apresentado por Tschiene justificando a falta de resultados efectivos, por parte das teorias anteriores, relacionava-se com o facto da planificação do treino ser realizada sem considerar as características individuais dos sujeitos (Campos Granell & Ramón Cervera, 2001). Assim, segundo Caixinha (2001), Tschiene faz uma proposta pioneira relativamente à distribuição da carga durante a temporada, fundamentada na manutenção de volumes e intensidades elevadas durante todo o ciclo de treino. A dinâmica das cargas, em forma de pequenas ondas, determina mudanças frequentes e pouco intensas nos componentes da carga. Verifica-se a predominância da intensidade em unidades de treino relativamente curtas, onde se destacam as cargas de competição. Este autor utiliza o controlo individual das competições, como procedimento para desenvolvimento e manutenção da forma, através do incremento da intensidade específica. Introduz ainda o “intervalo profiláctico” (desde o período preparatório), após a aplicação de cargas específicas e antes das competições. Oliveira (1999) afirma que as formulações contidas no modelo desenvolvido por Tschiene foram um primeiro passo para a orientação da preparação nos jogos desportivos colectivos, contudo insuficiente, já que não explicitavam suficientemente as características da programação e organização do treino. Segundo Garganta (1993), Platonov (1991) refere que a periodização do treino pode ser efectuada segundo duas formas básicas. Assim, por um lado, poderiam ser utilizados microciclos e mesociclos de choque, implicando visíveis variações do volume, da intensidade e da complexidade das cargas, provocando oscilações na forma 14
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desportiva. Por outro lado, as cargas de treino poderiam ser uniformemente distribuídas ao longo do macrociclo. A primeira forma referida pelo autor apresenta aspectos característicos de uma organização tradicional do treino, preconizando uma periodização que se alicerça na acentuada oscilação das cargas, com o objectivo de obter os melhores resultados nas competições mais importantes. A segunda versão torna inviável o aparecimento dos “picos de forma”, possibilitando, por outro lado, a manutenção de um elevado nível de preparação durante períodos de tempo prolongados e contribuindo para a obtenção de bons níveis de desempenho nas diversas competições ao longo da época (Garganta, 1993).
2.1.1.4. Do Norte da Europa e América do Norte surge uma nova tendência
referente à conceptualização do processo de treino Segundo Platonov (1999), entre os anos 30 e os 60, autores soviéticos como Bemshtein, Jakolev, Letunov, entre outros, alcançaram uma posição central no que conceme à orientação da ciência do desporto, mais concretamente no campo da medicina e da biologia. Todavia, durante os anos 70 e 80, a importância dos autores soviéticos neste domínio foi diminuindo, verificando-se um decréscimo acentuado ao nível do conhecimento biomédico, principalmente devido á falta de equipamento de apoio às investigações científicas. Nos anos 80 e 90, exceptuando as pesquisas efectuadas por alguns autores ucranianos como Volkov, Mischenko, Koltscinskaia e Balsevic, poucas pesquisas de autores soviéticos vêm referenciadas na literatura referente aos problemas da biologia do desporto. De facto, segundo o mesmo autor, os soviéticos não conseguiram acompanhar o enorme desenvolvimento tecnológico que se verificou noutros países como, por exemplo, a França, Alemanha, Polónia, Itália, China, etc. Nesses países, como resultado do seu avanço tecnológico, verificou-se um grande desenvolvimento ao nível das ciências do desporto, tendo sido publicados vários trabalhos importantes no âmbito da teoria e metodologia do treino desportivo. Actualmente existem várias teorias relacionadas com o treino dos desportos colectivos, tendo sido construídos diversos modelos para abordagem destes desportos e, consequentemente, do Futebol (Romero Cerezo, 2000). Um desses modelos surgiu durante os anos 70 e 80, muito por influência do grande mestre da preparação física em Futebol, Alvarez dei VilIar (Romero Cerezo, 2000). Alvarez deI Villar (1983), acreditava que o treino deveria visar, fundamentalmente, a
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melhoria da condição física dos futebolistas, pois esta é determinante para obtenção de resultados desportivos positivos, O mesmo autor considerava que todos os desportistas, incluindo os futebolistas, para serem considerados como tal têm que ser rápidos, resistentes e potentes. Na sua perspectiva, estas capacidades básicas deveriam ser melhoradas com a utilização de métodos e sistemas de treino do Atletismo, uma vez que era nessa modalidade desportiva que estes haviam sido alvo de maior investigação científica. No entender deste autor, para ser considerado um bom jogador, este teria que ser, acima de tudo, um excelente atleta. Assim, segundo este autor, um jogador com um domínio técnico medíocre poderia ser um super jogador, desde que apresentasse uma boa preparação física. Alvarez dei VilIar (1983) verificou que muitas das acções e movimentos realizados pelos futebolistas durante o jogo são semelhantes às efectuadas em diversas especialidades do Atletismo. É por esta razão que o autor afirmava que os métodos e sistemas de treino do Atletismo, com ligeiras adaptações, deveriam ser aplicados na preparação dos futebolistas. Em nossa opinião, Alvarez deI VilIar terá sido um dos autores que mais contribuiu para uma nova conceptualização do treino, baseada na ideia de que a elevação das capacidades físicas, através de métodos utilizados em Atletismo, é o elemento básico para a obtenção de bons resultados desportivos. Ponto de vista semelhante apresenta MuVios Marín (2001) ao referir que a realidade demonstra que nem com bons jogadores o êxito é garantido, sendo a sua objectivação ainda mais difícil caso não se verifique um bom suporte físico e psicológico. Dada a importância que estes autores atribuem à dimensão física dos jogadores, toma-se imprescindível conhecer pormenorizadamente os processos de adaptação biológica e fisiológica do organismo dos atletas às cargas de treino. Weineck (1978), citado por Forteza (2001), considera que tem existido uma biologização da metodologia do treino desportivo, não tendo surgido por acaso a afirmação de que o treino desportivo, em termos gerais, é um processo de adaptação orgânica permanente à carga de trabalho. Bompa (1999) refere mesmo que o principal intento do treino é aumentar a capacidade de trabalho e as habilidades dos atletas, bem como desenvolver traços psicológicos mais fortes. O aumento da capacidade de trabalho e, consequentemente, da perfomiance atlética, consegue-se através do aumento da função orgânica. Todavia, dado que os atletas de topo apresentam níveis muito elevados de preparação física especial, o seu aumento sucessivo é de complexidade extrema. Por isso, é necessário descobrir todas as reservas que podem aumentar a eficácia do treino físico especial (Verjoshanski, 1990). 16
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Partindo do anteriormente exposto, o mesmo autor salienta que, actualmente, a preparação dos atletas de alto nível exige a aplicação de grandes estímulos aos sistemas funcionais vitais do organismo, para que este seja capaz de suportar níveis de trabalho muito elevados. Este facto determina que, sem conhecimentos científicos e apelando apenas à intuição, muito dificilmente se consiga responder às exigências do treino moderno. Deste modo, Bompa (1999) defende que para se levar a efeito um programa de treino efectivo, é necessário compreender os sistemas energéticos e saber quanto tempo os atletas precisam para restaurar as energias despendidas no treino e na competição. Verjoshanski (2001) esclarece que a enorme experiência prática acumulada na preparação dos atletas de alto nível, os progressos científicos da fisiologia e da bioquímica da actividade muscular, da medicina desportiva, da biomecânica dos movimentos desportivos e de alguns estudos fundamentais sobre a metodologia de treino desportivo, tem criado pressupostos objectivos para a formação de uma moderna teoria e metodologia do treino desportivo e das suas principais bases científicas. O crescente número de estudos e publicações dedicadas à adaptação dos diversos sistemas orgânicos do atleta de alto nível à carga de treino e de competição, demonstra o facto de na teoria do treino se estar a dar importância dominante ao aspecto biológico (Tschiene, 1991). Barbero Alvarez (1998) confirma estas asserções, salientando a importância do conhecimento das características da modalidade desportiva. O treino físico em desportos individuais como, por exemplo, em Atletismo e em Natação, não apresenta excessivos problemas sob o ponto de vista do conhecimento do trabalho que o atleta deverá realizar durante a competição (Riera & Aguado, 1989, citado por Barbero Álvarez, 1998). Todavia, nos desportos de equipa (como o Futebol) toma-se mais difícil conhecer com precisão as cargas a que se submetem os participantes na competição, sendo necessário recolher alguns dados para que se possa treinar com um certo rigor (Barbero Álvarez, 1998). Neste sentido, Garganta (1999a) menciona que os factores energético-funcionais são talvez os mais profusamente estudados até ao momento. Segundo Barbero Álvarez (1998), se desconhecermos os dados provenientes desses estudos, a preparação física carecerá de rigor. Se, pelo contrário, existir um conhecimento aprofundado desses aspectos, toma-se possível um processo de treino mais rigoroso e ajustado às necessidades próprias do Futebol, O mesmo autor salienta que, partindo desse conhecimento, obtido através de análises físicas (cinemáticas) e fisiológicas de situações reais de jogo, poderão estabelecer-se programas adequados direccionados ás capacidades condicionais específicas.
Revisão da literatura Garganta (1 999a) refere que os investigadores têm procurado configurar o perfil energético-funcional reclamado pelo jogo de Futebol (nas múltiplas solicitações que este impõe aos atletas), com base na análise da actividade desenvolvida pelos jogadores durante as partidas. Deste modo, segundo Reilly (1990), tem sido acumulado um impressionante corpo de conhecimentos acerca dos aspectos científicos do Futebol. Shephard (1999) e Garganta (1 999a) efectuaram uma revisão de algum estudos referentes à caracterização do esforço dos futebolistas, tendo descrito e agrupado alguns desses parâmetros, de natureza muito variada, em indicadores internos e extemos. Segundo Barbero Álvarez (2001), os indicadores extemos são aqueles que contribuem para a avaliação da carga física de competição pelo seu aspecto exterior. Entre estes, tanto Shephard (1999) como Garganta (1999a), fazem referência à distância percorrida, à repartição dos períodos de trabalho e de recuperação e ao tipo e intensidade dos deslocamentos. Por outro lado, de acordo com Barbero Álvarez (2001), os indicadores internos são aqueles que permitem avaliar a carga energética ou fisiológica competitiva pelas repercussões intemas no organismo do jogador. Entre estes, Shephard (1999) e Garganta (1 999a) fazem alusão à frequência cardíaca, ao consumo máximo de oxigénio (V02 máx.) e à concentração de lactato sanguíneo. 2.1.1.4.1. Um determinado entendimento da especificidade Barbero Álvarez (1998) refere que a observação e análise dos indicadores externos e intemos do jogo de Futebol permitirá um processo de treino rigoroso, científico e adaptado às necessidades específicas da modalidade desportiva. Um dos princípios básicos do treino é a especificidade (Alvarez dei VilIar, 1983). Segundo o mesmo autor, o esforço realizado na competição depende do tipo de modalidade desportiva, da função do desportista e das suas características individuais. Assim sendo, a planificação do treino deve adequar-se ao esforço de cada atleta em competição. De acordo com Barbero Álvarez (1998), para elaborar um modelo de treino específico nos desportos colectivos, e mais concretamente no Futebol, é necessário que se conheçam as exigências físicas, fisiológicas e energéticas que essa actividade comporta.
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Parece-nos que o autor supracitado entendimento de do especificidade intimamente relacionado ou dirigido para osapresenta aspectos um físicos e fisiológicos rendimento em Futebol. Outros autores, que passaremos a mencionar, de uma forma implícita ou explícita, apresentam perspectivas claramente semelhantes às de Álvarez (1998) no que concerne à especificidade do treino em Futebol. 18
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Neste sentido, Bompa (1999) considera que o desenvolvimento das capacidades biomotoras é muito maior quando estas são trabalhadas através de exercícios específicos. Volkov (1975), citado por Barbanti (1996), considera que o princípio da especificidade se baseia no facto das maiores mudanças funcionais e morfológicas, durante o processo de treino, acontecerem apenas nos órgãos, células e estruturas intracelulares responsáveis pelo movimento. Um treino especifico tem efeitos específicos sobre o organismo, i. e., o organismo adapta-se sempre de modo específico às solicitações que lhe são impostas (Mellerowics & MelIer, 1979, citado por Barbanti, 1996). Tal como refere Barbanti (1996), o treino físico solicita exigências distintas do organismo, tanto em quantidade como em qualidade. A adaptação do organismo efectua-se sempre de acordo com estas solicitações, ou seja, de acordo com o estímulo a que foi submetido. Deste modo, segundo o mesmo autor, a prática de uma actividade física produzirá uma adaptação do organismo que será específica para essa actividade física. Assim, uma pessoa que corre produzirá uma adaptação orgânica para correr; uma que nada, efectuará uma adaptação para nadar; assim como outra que joga Futebol produzirá uma adaptação para jogar Futebol. Em decorrência do anteriormente exposto, Balyi & Hamilton (s.d.) referem que os jogadores podem melhorar e/ou aperfeiçoar as suas capacidades somente se o treino tiver uma direcção muito precisa. Deste modo, devem ser promovidos estímulos específicos através de uma óptima distribuição da carga de trabalho e de recuperação. Segundo os mesmos autores, nem quando se verifica um longo período preparatório se deve realizar uma preparação geral. Esta apenas se deve verificar para aqueles jogadores que estão a recuperar de lesões. Na perspectiva de Barbero Álvarez (1998), devemos saber a que intensidade se realizam os deslocamentos dos jogadores, quantos se fazem ao longo do jogo, quais as suas distâncias, qual o número de interrupções verificadas, qual a duração das pausas, etc, O mesmo autor refere que, uma vez efectuada esta análise específica da competição, obtêm-se certamente dados mais fiáveis para o estabelecimento de programas de treino orientados para o desenvolvimento das qualidades condicionais específicas. Deste modo, segundo este autor, os programas tomam-se mais ajustados às nece sidades do Futebol.
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2.1.1.4.2. Implicações metodológicas para o processo de treino ReilIy (1990) refere que os resultados de investigações científicas (no âmbito energético-funcional), apesar de demonstrarem algumas variações consoante o sistema de jogo ou a táctica empregue, apresentam uma certa consistência no perfil de movimentos exibidos no decorrer do jogo, o que acarreta uma série de implicações ao nível do treino. Barbero Álvarez (1998) corrobora o que acaba de ser dito, afirmando que, partindo de uma análise física (cinemática) e fisiológica das situações reais de jogo, é possível conhecer-se as características da actividade competitiva, o que, por sua vez, permite elaborar o conteúdo e a estrutura do treino mais adequada. Os resultados das várias pesquisas científicas ajudam a obter uma melhor compreensão das exigências e limitações do rendimento físico em Futebol (Bangsbo, 1998, citado por Romero Cerezo, 2000). Estes conhecimentos, juntamente com a experiência prática, proporcionam informações valiosas para elaborar treinos adequados e obter uma maior eficiência na competição (Romero Cerezo, 2000). A análise dos indicadores extemos do esforço em Futebol, tais como as distâncias percorridas a diferentes velocidades e a altemância entre os esforços e as pausas, proporciona dados muito valiosos para estimar a carga de competição. Estes dados serão de grande utilidade para os treinadores, mais concretamente para determinação da intensidade e duração das cargas e dos tempos de recuperação dos exercícios seleccionados para o treino (Barbero Álvarez, 2001). A estimativa da carga através dos indicadores internos (carga fisiológica) também tem grande interesse, por um lado, para a sua posterior utilização nos treinos diários como meio de avaliação e controlo e, por outro lado, para objectivar mais claramente os tipos de esforços realizados. Tendo em atenção estes dados, procurar-se-á programar com maior rigor os exercícios idóneos para cada sessão de treino (Barbero Álvarez, 1998). Bangsbo (1998) corrobora estas asserções ao referir que o Futebol é uma modalidade desportiva fisicamente exigente, caracterizada por actividades intensas frequentes, tais como corridas de alta intensidade, tacklings, rotações ou saltos. Assim sendo, o treino da condição física pode ajudar um jogador a resistir às exigências físicas impostas pelo jogo e a manter as suas habilidades técnicas ao longo do mesmo. Todos os futebolistas, independentemente do seu nível de jogo, podem retirar benefícios de programas de treino da condição física (Bangsbo, 1998), uma vez que necessitam tanto de uma boa capacidade física como das habilidades de jogo, para alcançarem vitórias (Reilly, 1990).
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Os referidos programas de treino contemplam diversas formas metodológicas para a abordagem e desenvolvimento da componente física do rendimento. Bangsbo (1998) faz referência a dois tipos de treino para desenvolvimento das capacidades físicas, mais concretamente treino funcional e treino formal. Por seu tumo, Weineck (1997) atribui a designação, respectivamente, de treino integrado e de treino separado aos dois tipos de treino anteriormente referidos. No entender de Bangsbo (1998), uma parte importante do treino deve ser efectuada em presença da bola, uma vez que daí advêm várias vantagens. Assim, em primeiro lugar, treinam-se os grupos musculares específicos usados em Futebol e, em segundo lugar, desenvolvem-se as habilidades técnicas e tácticas em condições similares às dos jogos. Finalmente, esta forma de conceber o treino é susceptivel de produzir uma maior motivação para os jogadores comparativamente com o treino sem bola. Todavia, o autor salienta que quando se leva a efeito um treino com bola, pode acontecer que não se trabalhe com a intensidade suficiente, devido por exemplo, ás limitações tácticas. Segundo Alvarez dei VilIar (1983) e Muf~os Marín (2001), se apenas for utilizado o trabalho com bola, é praticamente impossível desenvolver maximaimente as capacidades determinantes para o rendimento em Futebol. Assim, de acordo com Bangsbo (1998), em determinados casos, o treino deve ser efectuado sem bola. Nesses casos, este deve realizar-se na relva, com botas de Futebol e executando movimentos similares aos realizados durante o jogo. Tschiene (1994) considera que a maior parte dos desportos de equipa é caracterizada por acções de força rápida, realizadas em intervalos irregulares e a intensidade variável. O Futebol não foge à regra, pois segundo Bangsbo (1998), a capacidade de força é importante em muitas actividades levadas a efeito durante os jogos, tais como tacklings e sprints. No seu entender, o treino de força funcional contempla a realização de movimentos relacionados com o Futebol. Relativamente a esta concepção de treino, Bompa (1999) esclarece que a simulação de um movimento padrão do desporto em causa, tem como consequência o desenvolvimento apenas do tipo de força dominante nessa mesma modalidade desportiva. Do anteriormente exposto, depreende-se que o treino de força funcional pode basear-se na realização de jo~os em que os movimentos são efectuados em condições fisicamente mais exigentes qu~2 normal (Bangsbo, 1998). Em concordância com o que acaba de ser referido, Tschiene (1994) considera que a força rápida deve ser desenvolvida conjuntamente com os aspectos tácticos e técnicos, seja durante o período preparatório, seja durante a actividade de jogo no período competitivo. Segundo o mesmo autor, esse desenvolvimento consegue-se através da 21
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utilização do método complexo, no qual são reproduzidas em situação de treino, as componentes da actividade de competição. Weineck (1997) salienta que o treino de força integrado no jogo permite que se treine de forma específica os grupos musculares mais relevantes para o Futebol. De acordo com Bangsbo (1998), a vantagem deste tipo de treino baseia-se no facto de que o aumento da força muscular pode ser utilizado eficazmente durante os jogos. Por outro lado, o mesmo autor considera que neste tipo de treino é mais difícil controlar e ajustar as cargas, sendo esta a sua desvantagem. Para Tschiene (1994), o método complexo tem a desvantagem de não possibilitar uma clara melhoria da capacidade muscular de força rápida. Assim sendo, na sua perspectiva, esta deve ser desenvolvida de modo exaustivo (concentrado) durante um breve período especial de, pelo menos, 5 ou 6 semanas antes da utilização do referido método complexo. De acordo com Bangsbo (1998), aquando da realização de um treino formal da força, os grupos musculares são trabalhados através de movimentos isolados, O referido autor considera que neste tipo de treino podem ser utilizadas diferentes classes de máquinas convencionais de treino de força ou pesos livres que permitem o ajustamento da resistência oferecida pelas cargas à capacidade actual dos jogadores. Segundo o mesmo autor, sabe-se que os ganhos de força muscular são específicos do movimento concreto que se realize. Deste modo, a grande desvantagem do referido treino formal reside no facto de os movimentos efectuados não se assemelharem aos do jogo de Futebol. No que conceme à resistência de velocidade, Weineck (1997) considera que esta pode ser melhorada através de um treino integrado (situações de jogo) ou separado (situações analíticas), desde que sejam realizadas muitas séries de acções à máxima intensidade. O autor menciona vários métodos para o treino da velocidade, nomeadamente o método das repetições, método intensivo de intervalos e método de desenvolvimento da velocidade integrado no jogo. Os dois primeiros poderão ser realizados com ou sem bola e têm um cariz analítico, enquanto que o desenvolvimento da velocidade integrado no jogo tem um cariz mais global, uma vez que, simultaneamente à velocidade, permite o desenvolvimento dos aspectos técnico-tácticos. Todavia, o mesmo autor considera que devem ser realizadas, principalmente, formas de treino relacionadas com o jogo (i. e., jogos em pequenos grupos, tais como situações de 2x2, 2x3, etc.). Bangsbo (1998) também defende a realização de um treino funcional da velocidade. Segundo este autor, o treino da velocidade em Futebol deve adoptar principalmente a forma de situações similares às do jogo, dado que uma parte do efeito de treino desejado relaciona-se com o aperfeiçoamento da capacidade dos jogadores para prever e reagir às 22
Revisão da literatura diversas situações que ocorrem no decorrer das partidas. No entender de Weineck (1997), a vantagem deste tipo de treino reside no facto de, para além de permitir trabalhar as componentes físicas, também permitir trabalhar as físico-cognitivas e as técnicotácticas. De acordo com Bangsbo (1998), a velocidade também pode ser desenvolvida através de um treino formal (por exemplo, correr uma determinada distância em sprint, após emissão de um sinal). Alvarez dei VilIar (1983) refere que a velocidade absoluta do jogador e de qualquer desportista deve ser trabalhada através da realização de esforços curtos à máxima intensidade possível. Bompa (1999) considera que a repetição é o método básico usado no treino da velocidade. Segundo o autor, são necessárias várias repetições para alcançar melhorias na velocidade e, consequentemente, efeitos superiores de treino. Além disso, o mesmo autor refere ainda que os atletas devem treinar a velocidade com a máxima concentração possível. Segundo Bangsbo (1998), o treino formal da velocidade, embora melhore a capacidade dos sistemas anaeróbicos na produção de energia, tem pouco efeito sobre a capacidade de reacção em situações específicas do jogo de Futebol. Além disso, durante este tipo de treino, alguns músculos que intervêm em certos movimentos rápidos durante o jogo não são suficientemente treinados. Segundo este autor, os benefícios que advêm de um treino funcional da velocidade são muito superiores aos resultantes de um treino formal. De acordo com Weineck (1997), o futebolista deverá melhorar as suas características de força-velocidade, mediante um reforço muscular dos membros inferiores. Bompa (1999) salienta que para os atletas estarem aptos a realizar todos os elementos de velocidade, em primeiro lugar é necessário que tenham pernas fortes. Na sua perspectiva, ninguém é rápido antes de ser forte, daí que o treino da força deva ser uma parte importante de qualquer programa de treino para desportos que requeiram um bom desenvolvimento da velocidade. A efectividade dos programas de treino e, consequentemente, das metodologias aplicadas, poderá ser comprovada através da realização de testes de condição física, uma vez que, segundo Weineck (1997), os resultados que dai provêm permitem averiguar os avanços oconidos durante o processo de treinabilidade. Assim sendo, este autor reclama a necessidade de se efectuarem alguns testes concementes às componentes parciais da capacidade de rendimento futebolístico.
Revisão da literatura 2.1.1.4.3. Importância dos testes de condição fisica no controlo e direccionamento
do processo de treino De acordo com Weineck (1997), é muito importante, tanto para o jogador como para o treinador, conhecer de que forma o processo de treino que se está a desenvolver tem influenciado os factores individuais. Neste sentido, os testes de condição física servem mais para controlar e dirigir o treino do que para efectuar uma comparação imediata com outros futebolistas. Bangsbo (1998) refere que os testes devem ser efectuados com um propósito bem determinado. Assim sendo, devem definir-se objectivos claros antes de eleger qualquer teste. Este autor enuncia uma série de boas razões para realizar testes aos jogadores. Entre estas, o autor salienta o facto de os testes serem um instrumento útil para estudar o efeito de um programa de treino, assim como para motivar os jogadores para um empenhamento, cada vez maior, no treino. Além disso, os testes fornecem resultados objectivos aos jogadores e ajudam a avaliar se estes se encontram preparados para participar em jogos oficiais. O autor acrescenta ainda que os testes de condição física possibilitam uma tomada de consciência maior, por parte dos jogadores, acerca dos objectivos do treino. Finalmente, o mesmo autor refere que os testes são importantes para planificar programas de treino a curto e a longo prazo. Para que estes propósitos sejam satisfeitos é importante que o teste usado esteja relacionado com a modalidade desportiva, neste caso com o Futebol, e que reproduza as condições de um jogo. Contudo, devido aos muitos aspectos que um jogo comporta, devemos ter consciência de que um teste não pode prognosticar como renderá um jogador durante o jogo (Bangsbo, 1998). O mesmo autor refere que na realização dos testes os jogadores são sujeitos a esforços intermitentes, tal como no jogo de Futebol, sendo que as provas podem realizarse num campo relvado, utilizando calçado próprio da competição. Bangsbo (1998) enuncia alguns testes que considera específicos do Futebol, como por exemplo, o “teste de sprint”, o “teste da capacidade de resistência intermitente” e os “testes intermitentes yo-yd’. Relativamente ao “teste de sprint”, o autor menciona que um jogador, durante um jogo completo, sprinta menos de um minuto. Todavia, estes sprints são muito importantes. Em determinada situação, o fado de um jogador ser capaz de correr mais rápido que um opositor pode decidir o resultado de um jogo. O mesmo autor refere que a velocidade em Futebol se baseia principalmente na capacidade de observar, perceber e analisar com rapidez uma situação, para logo efectuar a acção mais adequada. Além 24
Revisão da literatura disso, esta baseia-se na capacidade de produzir energia com rapidez, o que, entre outras coisas, depende do nível de treino alcançado e da distribuição dos tipos de fibras nos músculos. Finalmente, a velocidade depende do grau de fadiga dos músculos antes de sprintar. O autor acrescenta ainda que, em Futebol, os sprints devem ser curtos (menos do que 40 metros) e que, com alguma frequência, devem contemplar mudanças de direcção. Segundo Bangsbo (1998), neste teste, todos estes factores são considerados. O mesmo autor salienta que, tanto o “teste da capacidade de resistência intermitente” como os “testes intermitentes yo-yo”, apresentam características que reflectem o perfil da actividade de um jogo de Futebol, na medida em que se alternam períodos de corrida a uma intensidade elevada com períodos de recuperação durante os quais os jogadores fazem jogging. Assim, pode afirmar-se que estes testes de campo são muito úteis, pois incluem movimentos similares àqueles realizados ao longo de um jogo. Em resumo, segundo o autor supracitado, pode dizer-se que existem várias razões que abonam em favor da realização de testes de condição física. Assim, além da já referida função de motivação dos jogadores para que treinem com maior intensidade, o autor destaca o fado de estes permitirem constatar se um jogador recuperou de determinada lesão. Todavia (nunca é demais repetir), para que os testes possam satisfazer estes propósitos, devem ter relação com o Futebol. É sabido que um jogador de Futebol deve ter uma grande capacidade de resistência e recuperar rapidamente de um sprint. Neste sentido, constata-se que estas componentes do rendimento estão presentes nos testes atrás mencionados (Bangsbo, 1998). Barbero Álvarez (1998) acrescenta ainda que as provas de esforço e os testes perlódicos durante o processo de treino devem completar-se com medições efectuadas em situações reais de jogo, na competição. 2.1.1.4.4. Algumas inconsistências e limitações Vedoshanski (1990) refere que a suposição de que cada uma das capacidades condicionais (força, velocidade e resistência) tem um mecanismo fisiológico particular, levou a que alguns autores concluíssem que é possível desenvolvê-las isoladamente. Segundo o mesmo autor, a fisiologia e a bioquímica receberam esta ideia indiscriminadamente, sem a contradizer, limitando-se a uma função explicativa. Desta forma, acabaram por contribuir para o reforço de uma metodologia de desenvolvimento físico, baseada num conceito analítico-sintético que perdurou até hoje. Segundo Tschiene (1994), não se deve pensar que a adaptação do jogador às condições especiais de treino se limita ao lado orgânico-muscular (condicional). O 25
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FCDEF
Revisão da literatura
mesmo autor refere que um sector importante dos pressupostos de prestação do jogador que se deve ter em consideração e no qual se desenvolve uma adaptação é o pensamento táctico. De acordo com Garganta (1 999a), não obstante a proliferação de estudos no âmbito da caracterização do perfil energético-funcional do futebolista, alguns dos seus autores têm alertado para a debilidade dos resultados deles decorrentes e para a inconsistência das suas conclusões. Este alerta surge devido ao facto de não serem claramente consideradas as peculiaridades tácticas do jogo, mais concretamente o estilo e os métodos de jogo (ofensivos e defensivos) utilizados, nem as funções desempenhadas pelos jogadores no quadro dos respectivos sistemas tácticos utilizados. Reilly (1996b), notabilizado pelos seus estudos no domínio da fisiologia do Futebol, alerta para o facto das exigências colocadas ao nível da actividade do jogador de Futebol decorrerem, em larga escala, do nível de competição e das imposições tácticas (estilo de jogo/posição do jogador) do jogo. As posições assumidas por vários autores permitem inferir que os factores energético-funcionais não são, de facto, faculdades substantivas, mas aspectos subsidiários do rendimento, cujo sentido depende das características do contexto que motiva a sua expressão e da capacidade do jogador para elaborar respostas adaptativas ao envolvimento (Garganta, 1999a). O mesmo autor, citando Brettschneider (1990), salienta que a análise dos jogos desportivos e da prestação dos jogadores deve ser efectuada através da análise do contexto no qual decorrem as acções, não se devendo limitar a aspectos isolados. Mombaerts (1998), citado por Romero Cerezo (2000), salienta que por vezes se planeiam treinos onde as qualidades próprias do jogo são deixadas de lado, em favor das qualidades físicas. O Futebol, como desporto colectivo que é, tem as suas exigências próprias de jogo. Em síntese, tal como refere Romero Cerezo (2000), para a prática do Futebol é requerida a realização de uma série de movimentos, esforços e acções em sequências variáveis e intermitentes com o objectivo de marcar um golo ou de o evitar. As possibilidades de êxito dependem de um uso inteligente da relação de oposição/cooperação e não apenas de um elevado nível de desenvolvimento dos factores energético-funcionais. Partindo das inconsistências anteriormente referidas, estamos plenamente convencidos que é necessário uma outra forma de abordar toda a problemática inerente ao processo de treino em Futebol. Como constataremos de seguida, são vários os autores reconhecidos a nível intemacional pelos seus vastos conhecimentos na área do treino em Futebol que partilham desta ideia. 26
Revisão da literatura
2.1.1.5.
A
imperativa
necessidade
de
uma
reformulação
conceptometodológica do processo de treino “Em qualquer modalidade, os atletas têm reacções diferentes em relação a situações específicas e o alto rendimento não se compadece com a utilização de nonnas de omientação do passado. Há que prever para antecipaç esclarecer para tomar consciência.” (Jorge, 1989)
Através da leitura e análise de tudo o que anteriormente foi exposto, podemos constatar que, numa primeira fase (tendência oriunda dos países do Leste da Europa), quase se procurou seguir a frase olímpica «Citius, Altius, Fortius”, não olhando a meios para atingir os fins (Oliveira, 1991). Segundo Court (1992), durante muitos anos, todos os treinadores do mundo funcionaram com um modelo de programação do treino baseado nas concepções elaboradas por Matvéiev. Nem todos sabiam quem era este autor soviético, mas todos faziam uso do seu modelo. Garganta (1993), complementa a ideia anterior referindo que têm sido vários os usos e abusos relativos à aplicação do modelo preconizado por Matvéiev, principalmente no que conceme aos jogos desportivos colectivos. Esta afirmação é confirmada por Lago Peilas & López Grafia (2000), ao salientar que os jogos desportivos colectivos apresentam dois conceitos fundamentais que os diferenciam dos individuais, respectivamente a interacção grupal e a incerteza espacial. Anatoly Bondarchuk, Carlos Morno, Jorge Araújo, Jorge Castelo, José Oliveira, José Vieira, Leon Teodorescu, Monge da Silva, Peter Tschiene, Vítor Frade, Yuri Veijoshanski, entre outros, têm manifestado a sua preocupação acerca da colonização dos desportos colectivos pelos desportos individuais (Vieira, 1993), proclamando a necessidade de uma nova teoria dos jogos desportivos colectivos, organizada e teorizada em função da especificidade da modalidade desportiva em causa (Carvalhal, 2001). Oliveira (1999) considera que a generalidade dos modelos teóricos propostos, foi desenvolvida tomando como referência desportos em abstracto, modalidades individuais ou ainda formulações pedagógicas pouco ajustadas às verdadeiras exigências da actividade desportiva concreta. De acordo com o anteriormente mencionado, o Futebol constitui uma realidade para a qual o modelo clássico não apresenta respostas condizentes. Este facto deve-se ao conflito entre a curta duração do período preparatório e a longa duração do período competitivo, durante o qual se exigem bons níveis de prestação (Garganta, 1993; Monge da Silva, 1998).
Revisão da literatura
Verifica-se que a literatura relativa aos aspectos do planeamento e da periodização do treino desportivo, tem apresentado abordagens que se limitam às modalidades desportivas em que somente é necessário estar em forma em dois ou três momentos do ciclo anual (Garganta, 1993). Balyi & Hamilton (s.d.) complementam esta ideia, salientando que os atletas envolvidos em modalidades desportivas como o atletismo, a natação, a ginástica, etc., ao contrário dos atletas dos jogos desportivos colectivos, têm a possibilidade de atingir o “pico de forma” na competição desejada. Para Frade (1998), a periodização mais tradicional é manifestamente física, porque se baseia numa análise quase estritamente física, ou seja, as variáveis que identifica como fundamentais são físicas. Reportando-nos agora à segunda fase da evolução conceptual do processo de treino (tendência oriunda dos países do Norte da Europa), Oliveira (1991) refere que começou a perceber-se a existência de determinadas capacidades físicas que o jogador de Futebol requisitava quando em jogo. Deste modo, deu-se início à caracterização energéticofuncional do esforço do futebolista. O mesmo autor salienta que, a partir de então, o planeamento e estruturação do processo de treino em Futebol começou a basear-se na caracterização do esforço específico do futebolista, ou seja, começou a atender-se sobretudo à componente física. Em conformidade com este facto, Garganta (1993, p. 261) reforça a ideia de que “a periodização do treino tem assentado numa base predominantemente referenciada aos aspectos da adaptação morfológica, fisiológica ou bioquímica do organismo”. Relativamente às constatações anteriormente mencionadas, segundo Gonzalo Prieto (2001), é evidente que o jogador deve ter uma boa condição física para poder desenvolver a sua actividade, porém é pouco provável que com um repertório técnicotáctico discreto se possa ser um bom jogador. Um futebolista deve ser mais do que um bom atleta. Neste seguimento, o autor coloca a seguinte questão: de que vale ter uma equipa de Futebol constituída por onze portentosos atletas do decatlo, capazes de correr atrás da bola sem se cansar, se uma vez recuperada a sua posse não realizam nada de proveitoso? Por seu lado, Monge da Silva (1998) considera que para que os problemas da força sejam explicados não é necessário analisar os problemas da contracção muscular, assim como para se efectuar uma abordagem à resistência não se tem que estudar as fontes de energia. De acordo com Garganta (1993), esta perspectiva apenas traduz uma visão parcelar do processo de treino. Neste seguimento, Jorge (1989) afirma que o privilégio dado às qualidades condicionais conduz a uma manifesta mecanicidade. O jogo permanece exageradamente
Revisão da literatura
marcado por aspectos mecanicistas, sem possibilidade de desenvolvimento de ordem criativa com disciplina. Atendendo ao anteriormente exposto, segundo Garganta (1993), constata-se frequentemente que quando a periodização do treino em Futebol é perspectivada, os factores dominantes da capacidade de jogo são pouco considerados. O processo é reduzido às repercussões das cargas no plano físico-atlético, resultando daí numa intervenção pouco adequada às exigências da modalidade desportiva. Em consequência do que acaba de ser mencionado, o mesmo autor defende a necessidade da reformulação do modo como se procede à periodização do treino, devendo começar a dedicar-se mais atenção à análise dos aspectos táctico-técnicos do jogo formal. Contudo, Monge da Silva (1998) salienta que é sabido que a reformulação e evolução das ideias não se faz de forma linear, mas sim à custa de periódicos processos de ruptura com anteriores concepções. Todavia, segundo Garganta (1993), essa reformulação deve mesmo acontecer, passando os objectivos e a natureza dos efeitos e dos conteúdos, assim como dos exercícios a propor aos atletas durante o processo de treino, a ser sistematizados em função da análise dos aspectos estruturais e funcionais do jogo formal. O mesmo autor, citando Seirul-lo Vargas (1987), afirma ser possível efectuar uma conjugação dos aspectos propostos por Veijoshanski (1987) e Bondarchuk (1988). Assim, relativamente ao primeiro autor, o conceito de trabalho concentrado e por “blocos” adquire grande importância, uma vez que possibilita a manutenção e elevação dos níveis de força explosiva, durante toda a temporada (sabe-se que a força explosiva é cada vez mais importante para o futebolista). Por outro lado, Bondarchuk defende a redução substancial do trabalho geral durante o período preparatório. Além disso, este autor afirma que a noção de sinergia é um aspecto importantissimo a reter no que conceme ao processo de treino, i. e., a interligação entre as componentes do rendimento (condicionais, táctico técnicas, psíquicas).
Revisão da literatura
2.1.1.6. Tendência latino
-
americana para a concepção do processo de
treino... “Treino Integrado” A concepção reducionista e cartesiana do treino desportivo, caracterizada sinteticamente pela decomposição do esforço do atleta num conjunto de parcelas, ainda a dominante. Com este modo de perspectivar o processo de treino, pretende-se compreender a complexidade do todo pela multiplicação de “pseudo” partes constitutivas. È neste contexto que aparece o treino físico, técnico, táctico e psicológico, tendo cada um deles várias subdivisões (Monge da Silva, 1 989b; Monge da Silva 1998; Lago Peiias & López Graija, 2000). De acordo com Monge da Silva (1998), os investigadores têm centrado a sua atenção em aspectos cada vez mais isolados, na convicção de que quanto melhor se conhece cada pormenor, melhor se conhece o todo. Segundo Garganta et ai. (1996), na investigação relativa à performance do jogador de Futebol, baseada em factores energéticos, fisiológicos e biomecânicos, os comportamentos são perspectivados como resultado de uma maior ou menor adequação do organismo às exigências energéticas e funcionais do jogo, em termos de unidade entre o estímulo e a resposta. Dessa forma, não são consideradas as configurações tácticas que induzem tais comportamentos. Todavia, no entender de Garganta & Cunha e Silva (2000, p. 5), o problema essencial é a complexidade, “um princípio transacional que faz com que não nos possamos deter apenas num dos níveis do sistema, sem ter em conta as articulações que ligam os diversos níveis”. De acordo com Konzag (1991), o jogo apresenta múltiplas componentes de prestação, tomando-se necessário que estas possam vir a actuar de modo convergente, através da sua integração recíproca. Partindo desta constatação, Jorge (1989) evidencia que os “métodos analíticos” não são os mais ajustados à realidade do Futebol até porque, como aponta Bondarchuk (1984), citado por Monge da Silva (1998), o atleta é uma unidade e, como tal, as estruturas condicional específica e a técnica, devem ser treinadas em simultâneo. Garganta (1 999a) salienta que as exigências do jogo de Futebol caminham mais no sentido de reclamar inteligência (adaptabilidade) aos jogadores do que força, resistência ou velocidade, entendidas como capacidades autónomas. Assim, não basta chegar mais longe, saltar mais alto ou ser mais forte, é necessário ser mais veloz, mais rápido, não apenas a chegar ao local pretendido ou a realizar uma acção, mas também a pensar, a encontrar soluções, a perceber o erro, a descodificar os sinais do envolvimento (Garganta, 199gb).
Revisão da Iíteratura
Em conformidade com o que acabamos de expressar, Teodorescu (1984) refere que o jogador executa procedimentos (hábitos) técnicos adaptados às diversas fases do jogo em condições de luta com os adversários e em regime de qualidades motoras e de tensão psíquica, solicitadas com diferentes intensidades. Deste modo, as capacidades motoras, em vez de se restringirem à acepção física do termo, devem impor-se sobretudo como uma grandeza táctico-técnica, perceptiva e informacional (Garganta, 1 999a). Concordamos com Van Lingen (1992), quando refere que ao falar-se em velocidade ou em potência não se consegue um aporte de informação importante para melhorar a qualidade do treino e do jogo. A velocidade, por exemplo, está sempre relacionada com os companheiros e os oponentes. É sobretudo uma velocidade táctico-técnica. Seguindo a mesma linha de raciocínio, Konzag (1991) menciona que a capacidade de jogo é uma capacidade complexa que possibilita a utilização recíproca das capacidades condicionais e coordenativas, assim como das qualidades psicológicas dos atletas e das habilidades técnico-tácticas, para que, desta forma, seja possível enfrentar e resolver racionalmente, i. e., de modo ajustado à situação, os problemas existentes no jogo. Para Jorge (1989), os aspectos estruturais (táctico-técnicos) e os energéticofuncionais (físicos) constituem-se numa unidade dialéctica, condicionando-se e influenciando-se reciprocamente na realização das situações de jogo. Do mesmo modo, Chirosa Rios et aI. (1998) e Quesada Aguila & Puga Turi~o (2002) consideram que todas as variáveis do rendimento são inerentes à competição. Na competição exige-se uma acção integradora das múltiplas capacidades e habilidades (MulIer, 1996, citado por Chirosa Rios et aI., 1998; Tschiene, 1996, citado por Chirosa Rios et aI., 2000). Assim sendo, se o jogador se implica a nível físico, técnico, táctico e psíquico durante a competição de Futebol, é lógico que o treino de alto rendimento deva ser o mais parecido com a mesma, abarcando todos esses aspectos e procurando uma influência mútua entre estes conteúdos de treino. Por outras palavras, o treino deve seguir as premissas da competição e adaptar os seus meios às exigências da mesma (Lorenzo Calvo, 1998; Chirosa Rios et aI., 1998; Romero Cerezo, 2000). No fundo, isto aponta para a criação de exercícios que reproduzam, parcial ou integralmente, o conteúdo e a estrutura do jogo (Teodorescu, 1984). Em decorrência do anteriormente exposto, autores como Antón (1994, citado por Lorenzo Calvo, 1998); Chirosa (1996, citado por Chirosa Rios et aI., 2000); Lorenzo Calvo (1998); Chirosa Rios et aI. (1998); Gonzalo Prieto (2001), entre outros, fazem alusão a um modelo de treino baseado na articulação ou integração dos vários factores que contribuem para o rendimento desportivo. A esse modelo atribuiu-se a designação de “Treino Integrado”. 31
Revisão da literatura
As novas tendências do treino desportivo contemplam uma maior interacção entre as aquisições das habilidades técnico-tácticas e o desenvolvimento da condição física dos jogadores (Quesada Aguila & Puga Turitio, 2002). Segundo os mesmos autores, estas novas tendências levam ao nascimento da ideia de “Treino Integrado” nos desportos de equipa, definido por Antón (1994), citado por Lorenzo Calvo (1998), como a preparação física-técnica-táctica integral em que todas as capacidades são desenvolvidas num contexto semelhante ao da competição. Demonstrando total concordância com os autores anteriormente referidos, Chirosa (1996, citado Chirosa por Ríos et ai., 2000); Lorenzo Calvo (1998); Chirosa Ríos et ai. (1998), afirmam que é possível (e necessário) realizar a preparação física, técnica e táctica, em simultâneo. Dado que o Futebol é algo indivisível, em vez de se recorrer a métodos analíticos, é mais correcto fazer-se uso de métodos integrados que garantam a adequação do treino à realidade do jogo e a contínua inter-relação entre os elementos que o constituem (Gonzalo Prieto, 2001). Segundo Jorge (1989), é necessário que estes sejam trabalhados de forma integral. Os problemas actuais do treino não são os do treino físico, do treino técnico ou de outro tipo de treino. Não se pretende um somatório de coisas separadas. Queiroz (1986) salienta que a condição física, a técnica e a táctica, embora noções diferentes, devem estar estritamente ligadas no treino, tanto como estão na competição. Segundo Jorge (1989), não existe treino físico, existe treino apenas. Quesada Aguila & Puga Turitio (2002) afirmam que as habilidades técnico-tácticas deverão ser empregues como mais um meio para o desenvolvimento das capacidades físicas. Neste contexto, Teodorescu (1984) refere que a velocidade de reacção, a destreza, a combinação velocidade-força e a resistência aeróbia e anaeróbia são desenvolvidas através do característico e necessário dinamismo dos hábitos técnico-tácticos. Monge da Silva (1 989b) considera que quanto mais próxima do jogo estiver a situação criada, maior será a interligação dos distintos factores, embora se tome mais difícil controlar a componente física. Por outro lado, segundo o autor, quanto mais afastado da situação real estiver o exercício, maiores serão as possibilidades de se controlar a componente física, mas também menor será a interligação dos factores e, provavelmente, menor transferência terá para a realidade. Assim, toma-se imprescindível que, durante o processo de treino, se verifique uma interacção e integração das suas diversas componentes, pois, só assim, será possível o aparecimento de uma capacidade de jogo elevada (Konzag, 1991). Sintetizando, a realização de um “Treino Integrado” permite optimizar o rendimento, economizar e administrar o tempo de modo ponderado e acelerar o processo de preparação. Os objectivos desejados podem ser alcançados com menos tempo e volume 32
Revisão da literatura de trabalho. Estes são aspectos de fundamental importância no processo de preparação
de equipas de alto rendimento (Chirosa Rios et. ai., 1998; Chirosa Rios et ai., 2000). Os autores mencionados ao longo deste capítulo demonstraram-se a favor de uma concepção de treino, na qual os diversos factores que concorrem para o rendimento são trabalhados em simultâneo. Contrariamente a uma visão analítica do processo de treino, estes autores defendem uma concepção global, em que o desenvolvimento de um factor contribui para o desenvolvimento de outro. Todavia, alguns autores referem que não basta que se desenvolvam os referidos factores do rendimento de forma integral, pois esse facto não garante a obtenção de resultados desportivos positivos. Assim, é realçada a necessidade de se elaborar um modelo de treino capaz de fazer frente a toda a problemática conceptual e metodológica inerente ao jogo de Futebol.
2.1.1.7. A emergência de uma nova orientação conceptometodológica do processo de treino No seguimento daquilo que expusemos anteriormente, vários autores, entre os quais destacamos Vitor Frade, têm vindo a afirmar a necessidade de emergência de uma nova orientação conceptometodológica do processo de treino, dado considerarem que nenhuma das tendências anteriormente referidas atende às reais necessidades e exigências do jogo de Futebol. Neste contexto, Frade (1985) salienta que o pensamento táctico reflecte a imperativa necessidade da emergência da dimensão táctica em detrimento da física, uma vez que apenas a acção intencional é educativa. Na perspectiva de Castelo (1998), educar não é meramente desenvolver os vários grupos musculares, mas sim habituar o cérebro a comandar o corpo. A inteligência é uma característica muito importante, pois o atleta precisa de ser perspicaz para, primeiro, observar e captar o que deve fazer e depois ter capacidade de o registar na memória e, em seguida, enviar uma ordem que possa ser cumprida pelos vários grupos musculares. Segundo Garganta (1997), a esfera directora em Futebol é a dimensão táctica, pois é através desta que os comportamentos que ocorrem durante uma partida são consubstanciados. Mesmo tomando como exemplo os movimentos basilares de locomoção dos jogadores nas suas diferentes formas (marcha, trote, corrida rápida, sprint), constata-se que as razões da sua expressão se fundam numa intencionalidade guiada sobretudo por imperativos tácticos (Garganta, 1 999a). Para Jorge (1989), a importância da preparação táctica em Futebol é evidente. Oliveira (1991) tem opinião idêntica, afirmando mesmo que o “táctico” é o aspecto mais
Revisão da literatura
importante da planificação e periodização. Na perspectiva de Frade (1998, p. 3), o jogo de Futebol “não é um fenómeno natural, é um fenómeno construído e em construção”, em que o factor táctico é a sua “essência”. Neste sentido, Garganta et ai. (1996) salientam que a construção de um corpo de conhecimentos ao nível do ensino, do treino e da competição em Futebol, deve ser realizada a partir de uma matriz organizacional que considere a táctica como núcleo director, sem contudo descurar os restantes factores do rendimento. É neste contexto que Vítor Frade faz emergir o conceito “Periodização Táctica”. A partir do momento em que este autor fez alusão ao referido conceito, outros autores elaboraram trabalhos nos quais se constata uma certa aproximação a algumas das suas premissas e fundamentos. Entre esses autores, destacamos Oliveira (1991), Vieira (1993), Faria (1999), Carvalhal (2000), Rocha (2000) e Resende (2002). Contudo, verifica-se que a “Periodização Táctica” é um conceito acerca do qual subsistem muitas dúvidas e incertezas, não estando ainda muito claros quais os aspectos que a distinguem de outros modelos de treino. É por essa razão que (ainda) não é possível referirnio-nos á “Periodização Táctica” como uma tendência de treino implantada no contexto desportivo nacional e intemacional, tal como sucede em relação às três tendências anteriormente mencionadas. Embora os trabalhos anteriormente referidos possam ser considerados como um ponto de partida para dar a conhecer a “Periodização Táctica” e afirmá-la como uma forma alternativa de conceber o processo de treino, constata-se que muitas das suas premissas permanecem pouco claras, havendo, por isso, a necessidade de realização de mais trabalhos de investigação neste âmbito. Somente dessa forma será possível fazer da “Periodização Táctica” um modelo de treino reconhecido pelo facto das suas premissas possibilitarem a obtenção de bons resultados desportivos ao nível do Futebol e, quiçá, ao nível de outros jogos desportivos colectivos e dos próprios desportos individuais. Esperamos que a nossa entrevista a Vitor Frade ajude a tomar mais claros alguns aspectos referentes ao modelo de treino de que ele é pioneiro e percursor, ou seja, a “Periodização Táctica” e, ao mesmo tempo, a evidenciar os aspectos que a distinguem das demais concepções de treino. Assim, com a realização da análise e discussão da referida entrevista, pretendemos contribuir para que a “Periodização Táctica” seja, cada vez mais, um modelo de treino colocado em prática por todos aqueles que são responsáveis pela gestão do processo de treino de suas equipas.
Enquadramento metodológico
3. Enquadramento metodológico 3.1. Caracterização da amostra A nossa amostra é constituída unicamente pelo Dr. Vítor Frade. A escolha deste autor para nosso entrevistado, esteve relacionada com o facto de este ter sido o pioneiro e percursor da “Periodização Táctica”. Sendo esse o tema central deste trabalho, pensamos que a escolha deste autor é bastante pertinente. A sua “forma de estar e de reflectir o Futebol”, possibilitou-lhe a acumulação de um enorme conjunto de conhecimentos. Esse fado permite que este se expresse de forma clara acerca de todos os aspectos referentes ao planeamento e periodização do processo de treino. O curriculo que o referido autor apresenta diz bem da sua experiência. Assim sendo, Vítor Frade fez parte de várias equipas técnicas do F. C. Porto, ao serviço do qual conquistou dois Campeonatos Nacionais, três Taças de Portugal e três Supertaças Cândido de Oliveira. Além das conquistas a nível nacional, conta ainda com uma participação nas meias finais da Liga dos Campeões e com outra na Taça das Taças. Ainda ao serviço do F. C. Porto foi vice-campeão por duas vezes. Além do trabalho realizado neste clube, o nosso entrevistado fez ainda parte de equipas técnica de clubes como o Boavista F. C. (onde trabalhou durante seis anos e contabilizou quatro presenças nas competições europeias), Rio Ave F. C. (cinco anos) e F. C. Felgueiras (1 ano). Presentemente, Vítor Frade é o coordenador técnico do Departamento de Futebol Juvenil do F. C. Porto e lecciona a disciplina de Metodologia Aplicada 1 e II, Opção de Futebol, na Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto, instituição à qual se encontra ligado à cerca de vinte e cinco anos.
3.2. Métodos de investigação seleccionados Para realização do presente trabalho monográfico foi efectuada uma revisão da literatura referente à problemática em questão. Posteriormente procedeu-se à elaboração de um questionário que serviu de suporte à entrevista realizada. Tratou-se de uma entrevista semidirectiva, na qual permitimos ao nosso entrevistado a exposição de todos os seus conhecimentos acerca dos aspectos que pretendíamos abordar. Durante a entrevista foi utilizado um gravador da marca O!ympus. Posteriormente, a entrevista foi transcrita para o papel, tendo sido efectuada a análise de conteúdo (técnica de investigação empírica) da mesma. 35
Enquadramento metodológico
3.3. Recolha de dados A entrevista foi realizada do dia 10 de Abril de 2003 e decorreu nas instalações da Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto.
Análise e discussão do conteúdo da entrevista
4. Análise e discussão do conteúdo da entrevista A revisão da literatura efectuada permitiu identificar três tendências distintas no que conceme à orientação conceptometodológica do processo de treino. Relativamente à primeira tendência identificada, constata-se que esta é oriunda dos países do Leste da Europa e que se caracteriza fundamentalmente pela divisão da época desportiva em períodos e pela grande importância atribuida aos factores da carga, como a intensidade, a densidade e o volume. Verifica-se ainda que a carga é vista de um modo algo abstracto, não havendo qualquer relação com a forma de jogar pretendida. A segunda tendência surge do Norte da Europa e América do Norte. Nesta, é atribuida grande importância aos aspectos energético-funcionais da actividade dos atletas, sendo frequente a realização de estudos relacionados com a avaliação da carga física de competição, tanto pelo seu aspecto exterior (características dos deslocamentos
dos jogadores, tempos de esforço e recuperação, etc.) como pelas repercussões internas no organismo do jogador. Verifica-se ainda uma terceira tendência, na qual os seus principais representantes, originários dos países latino-americanos, preconizam o “Treino Integrado” das várias dimensões (dimensão táctica, técnica, física e psicológica). Para maior facilidade de comunicação, a partir deste momento, a primeira tendência, oriunda do Leste da Europa passará a ser designada por LE. À segunda, com origem nos países do Norte da Europa e América do Norte, atribuiremos a designação de NE, sendo que a terceira tendência, cuja premissa fundamental é a integração das várias dimensões inerentes ao treino será designada por TI. Além destas três tendências, alguns autores, como é o caso de Vítor Frade, vêm defendendo uma “nova” orientação metodológica para o processo de treino em Futebol. Este autor atribuiu a designação de “Periodização Táctica” a essa “nova” concepção de treino. Com a realização da entrevista, pretendemos esclarecer algumas dúvidas que ainda subsistem acerca dos fundamentos desta concepção de treino e acerca dos aspectos que a distinguem das demais. Para se levar a efeito esse esclarecimento, será efectuado de seguida um contraponto entre o conteúdo mais relevante da entrevista e a revisão da literatura efectuada. Todavia, dado que o objectivo central deste trabalho se prende com a “Periodização Táctica”, será esta que irá nortear toda a discussão. Apenas gostaríamos de acrescentar que, tal como fizemos em relação às tendências de treino, também a partir deste momento, para maior facilidade de comunicação, passaremos a referir o nosso entrevistado, Vitor Frade, através da expressão VF.
Análise e discussão do conteúdo da entrevista
4.1. O treino enquanto processo criador da competição Antes de nos reportarmos à “Periodização Táctica” propriamente dita, foi nossa intenção indagar acerca da relevância que Vítor Frade (VF) atribui ao processo de treino. Deste modo, pretendemos obter uma noção geral acerca da significação do referido processo, bem como constatar a valorização que o referido autor lhe atribui, uma vez que, em nosso entender, o surgimento da “Periodização Táctica” é reflexo da importância atribuída ao treino, enquanto processo que contribui para a obtenção dos resultados desportivos almejados. Esta primeira abordagem é ainda mais importante se considerarmos o facto de normalmente, na opinião do nosso entrevistado, o processo de treino ser referido de um modo “abstracto”. Quando VF menciona o termo “abstracto” está certamente a referir-se ao facto de, muitas das vezes, o gestor do treino elaborar as diversas situações de exercitação sem ter uma ideia bem definida acerca daquilo que pretende para a equipa, em termos de forma de jogar. Essa forma de jogar deverá ser a linha orientadora de todo o processo de treino, caso contrário, tal como refere o mesmo autor, o processo toma-se “abstracto”. Assim, partindo da revisão da literatura que levamos a efeito, pensamos que as três tendências relativas à orientação conceptometdológica do processo de treino (LE, NE e TI) acabam por se abstrair da mencionada linha orientadora, pois em momento algum fazem alusão à forma de jogar pretendida. Neste sentido, concordamos com VF quando refere que, exceptuando a “Periodização Táctica”, todas as outras tendências encaram o processo de treino de uma forma algo “abstracta”. A grande “missão” do gestor do treino é tomar o processo mais concreto, sendo para isso indispensável a idealização de uma forma de jogar. Estamos plenamente de acordo com o nosso entrevistado quando refere que o objectivo do treino passa pela criação de condições que permitam ou possibilitem atingir aquilo que se pretende e que a forma de jogar pretendida não acontece por “geração espontânea”, pois “carece de tempo, carece de uma certa lógica, às vezes, até pedagógica”. O mesmo autor salienta que o treino em Futebol deve basear-se no jogar, na criação de condições de jogar. Somente desse modo, é possível “alcançar a forma de jogar pretendida. VF acrescenta ainda que “o termo treinar terá que estar absolutamente, ou sobretudo, condicionado áquilo a que se aspira”. Como facilmente se depreende, a concretização da forma de jogar pretendida é um dos objectivos fundamentais do responsável pelo processo de treino. Todavia, sabe-se o quão difícil é aplicar essa pretensão em situação de jogo, devido ao elevado número e 38
Análise e discussão do conteúdo da entrevista
variedade de factores que envolvem a competição. Pensamos que é praticamente impossível, durante o jogo, verificar uma total concordância entre aquilo que se pretende e os comportamentos reais apresentados pela equipa. Assim, em nosso entender, o treinador deve aspirar a que a equipa realize, o maior número de vezes possível, os comportamentos pretendidos. Neste sentido, VF salienta que “aquilo que o treino nos dá, é fazermos crescer a densidade de um determinado número de coisas e fazê-las acontecer mais vezes”. O autor refere-se a esta ideia como o “princípio das propensões”. Ainda neste contexto, o mesmo autor apresenta uma analogia, salientando que se virmos um penedo com dois pontos de musgo isolados, sabemos que, passado um mês, este estará cheio de musgo. Mas, se quisermos que o musgo cresça mais depressa, devemos empurrar a água para o penedo. No fundo, é isto que também tem que se fazer no treino. Esta analogia coloca em evidência a necessidade de elaborar situações de treino que reproduzam aquilo que se pretende e de as repetir sistematicamente, até que os comportamentos pretendidos apareçam o maior número de vezes possível durante a competição. Procura-se acelerar o processo de aquisição de hábitos que devem ser colocados em prática na competição. Por outras palavras, provoca-se o aparecimento de determinados comportamentos durante o treino para que a equipa, chegada à competição, seja capaz de apresentar esses comportamentos com uma maior regularidade, sabendo nós de antemão que nem sempre isso é possível. Neste sentido, VF salienta a absoluta necessidade do treino enquanto processo criador da competição. Todavia, em seu entender, a competição também tem que ser considerada como treino, como um momento relevante do treino, dado que “é aí que o aspecto mais global e mais exigente do colectivo se apresenta». Num outro plano, contrastando com o que acaba de ser referido, parece estar a NE. Nesta, há uma tendência para conceber o treino com base em dados cinemáticos e fisiológicos obtidos em situações reais de competição, bem como em estudos de terreno e em contexto laboratorial, objectivando configurar o perfil energético-funcional reclamado pelo jogo de Futebol. Inerente a esta tendência está o facto de se acreditar que a recolha desses dados possibilita um processo de treino mais rigoroso. Daqui se depreende que nesta, contrariamente à “Periodização Táctica”, a competição é que “cria” o treino e não o treino que “cria” a competição. Como se constata, embora vários autores sejam unânimes em considerar que o treino adquire grande importância enquanto processo regulador da actividade competitiva (Lorenzo Calvo, 1998; Chirosa Rios et aI., 1998; Bompa, 1999; Romero Cerezo, 2000; Olabe Aranzábal, 2002; Pérez Garcia, 2002; García Lavera, 2002; Aguirre Onaindía,
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Análise e discussão do conteúdo da entrevista
2002; Mel Pérez, 2002; Garganta, 1 999a), nem todos apresentam um igual entendimento conceptometodológico acerca do mesmo. Em seguida, procuraremos esclarecer a posição do nosso entrevistado relativamente às três tendências referentes à conceptualização do treino que identificamos através da revisão da literatura efectuada, bem como justificar as razões pelas quais o mesmo autor defende um “corte” em relação ao passado, i. e., em relação a alguns dos fundamentos que sustentam essas tendências. Como não poderia deixar de ser, essa justificação será dada com base em algumas das premissas da “Periodização Táctica”.
4.2. A necessidade de um “corte” em relação ao passado De acordo com VF, realmente existem três tendências no que se refere à conceptualização do processo de treino. No entanto, o autor esclarece que não se identifica com nenhuma delas, uma vez que as suas premissas não se coadunam com o seu entendimento de treino. Para o autor, todos aqueles que, por uma razão ou outra, se identificam com as mesmas, “enfermam de um mesmo mal conceptual, que é a separação das coisas e a lógica ascensional, das etapas, das fases”. Na perspectiva do nosso entrevistado, não se deve falar em factores do rendimento, pois na sua perspectiva, o factor é uma noção matemática que implica separação. Ao referir que se opõe à separação das “coisas”, este autor está em desacordo com Matvéiev (1980), pois este divide o processo de treino em preparação física, técnica, táctica, volitiva e teórica. VF também se apresenta em discordância com Verjoshanski (1990), uma vez que este separa o treino em físico-condicional e técnico. Matvéiev e Veijoshanski são dois dos principais representantes da LE. Assim sendo, facilmente se constata que o facto da LE efectuar a separação das dimensões do treino é um aspecto que a diferencia da “Periodização Táctica”, uma vez que esta, ao basear-se na realização de situações de jogo, possibilita o desenvolvimento global das mesmas. Deste modo, na “Periodização Táctica” não faz sentido falar em preparação física, técnica, táctica ou psicológica, como aspectos isolados, pois o seu desenvolvimento ocorre em simultâneo. Por outro lado, Bangsbo (1998), Weineck (1997) e Bompa (1999), autores que podemos identificar como representantes da NE, embora refiram a possibilidade de desenvolver a dimensão física através de situações similares às da competição, também defendem a necessidade de, por vezes, a desenvolver de forma isolada. Desta forma,
Análise e discussão do conteúdo da entrevista
estes autores referem-se frequentemente ao treino isolado da força, da velocidade e da resistência. Constata-se que os autores que se identificam com esta tendência (NE) efectuam vários estudos, objectivando uma melhor caracterização fisiológica e cinemática do jogo de Futebol. Esse facto surge como resultado da grande ênfase dada à dimensão física. Neste contexto, acredita-se que depois de efectuar essa caracterização, é possível elaborar o conteúdo e a estrutura do treino mais adequada. Contrariamente ao que acaba de ser referido, na “Periodização Táctica”, a dimensão física não é muito enfatizada, pois como já foi salientado, considera-se que o mais importante é o “táctico”. VF considera que os conhecimentos resultantes de estudos fisiológicos e biomecânicos, no âmbito do Futebol, não têm nenhuma aplicação na “Periodização Táctica”. O mesmo autor justifica essa constatação com o fado de a grande maioria das pessoas que avançam estudos nessas áreas, terem pouquíssimos conhecimentos acerca daquilo que ele acha que se deve conhecer ou entender melhor, ou seja, o jogo. Assim, este autor refere que “aquilo que é fundamental não é medir o que habitualmente se mede, quando muito é medir a qualidade do jogo” e, no seu entender, ninguém faz isso. Tal como foi possível constatar na revisão da literatura por nós efectuada, na terceira tendência (TI), à semelhança da “Periodização Táctica”, é levado a efeito o desenvolvimento integrado das várias dimensões. Neste sentido, autores como Antón (1994, citado por Lorenzo Calvo, 1998); Chirosa (1996, citado por Chirosa Rios et aI., 2000); Lorenzo Calvo (1998); Chirosa Rios et aI. (1998); Gonzalo Prieto (2001), defendem a articulação ou integração das várias dimensões durante o processo de treino. Em nosso entender, das três tendências de treino identificadas, a TI é aquela que mais se aproxima da “Periodização Táctica”, sendo que o nosso entrevistado não deixou claro quais os aspectos que as diferenciam. Todavia, o facto de ambas se oporem à separação das várias dimensões que contribuem para o rendimento em Futebol, é um aspecto que as une. Neste contexto, VF salienta que na “Periodização Táctica” não há separação, daí que a noção de “táctica” seja dominante. Para este autor, “o táctico não é físico, não é técnico, não é psicológico, não é estratégico, mas sem estes não existe”. De forma semelhante, Queiroz (1986) refere que a condição física, a técnica e a táctica, embora noções diferentes, devem estar estritamente ligadas no treino, tanto como estão na competição. Como já foi referido, o nosso entrevistado também critica a divisão da época desportiva em períodos, etapas e fases. Assim sendo, a “Periodização Táctica” opõem-se à LE, pois nesta última, de acordo com o modelo de Matvéiev (1980), é preconizada a 41
Análise e discussão do conteúdo da entrevista
divisão do ciclo de treino em três períodos, nomeadamente em período preparatório, período competitivo e período de transição. O período preparatório, por sua vez, ainda é dividido numa primeira etapa de preparação geral e numa segunda de preparação especial. VF refere que a generalidade das pessoas ligadas às referidas tendências de treino, “não tirou da cabeça aquilo que é o grande cancro conceptual”, ou seja, “as fases, os períodos, as etapas, constituindo-se estas como momentos significativamente diversos”. Neste sentido, Matvéiev (1980) salienta que a duração dos três períodos anteriormente mencionados é definida pelas fases de desenvolvimento da forma e que estas condicionam fortemente a dinâmica das cargas e os conteúdos do treino. No entender de VF, na “Periodização Táctica” não existe esta divisão do processo de treino, sendo que outro dos aspectos em relação ao qual é necessário efectuar um “corte”, diz respeito à noção de carga. O mesmo autor refere que Tschiene salienta o quão negativa é a noção de carga, “o grande cancro que isso é”, mas que o próprio continua a usar esse termo. O mesmo autor considera que “as pessoas vão continuar a falar da mesma maneira, porque só se ultrapassam perante situações de vulto, situações significativas, testes cruciais”. Pelas palavras do nosso entrevistado, depreende-se a necessidade de um “corte” em relação às premissas da LE, mais concretamente em relação a Matvéiev. Na sua óptica, nem Veijoshanski, nem Tschiene efectuaram esse “corte”, pois embora tenham levado a efeito um afastamento relativamente a certos aspectos, contradizem-se com demasiada regularidade. Segundo o mesmo autor, o único que “suprime todos os pressupostos, todas as premissas de Matvéiev” é Bondarchuk. Em nosso entender, VF refere que Bondarchuk foi o único autor a suprimir todas as premissas de Matvéiev, devido ao fado de este salientar a importância da redução substancial da preparação geral durante o período preparatório, bem como da noção de sinergia (atleta visto como uma unidade, em que não há separação das várias dimensões do treino). Na revisão da literatura efectuada, tivemos a oportunidade de constatar que na NE é dada grande importância à realização de testes físicos. Neste contexto, Weineck (1997) e Bangsbo (1998), salientam a importância que adquire, tanto para o jogador como para o treinador, o conhecimento do modo como o processo de treino tem influenciado os factores individuais. Bangsbo (1998) acrescenta ainda que os testes permitem motivar os jogadores para um empenhamento, cada vez maior, no treino. Todavia, a “Periodizaçâo Táctica” não contempla a realização desses testes, sendo que VF, em total discordância, refere mesmo que “qualquer tipo de testes só são úteis 42
Análise e discussão do conteúdo da entrevista para quem os puder dispensar e os físicos ainda mais. Eles podem mostrar «muita coisa», mas escondem o essencial”. Segundo o autor, o físico que determinado jogo requisita “não tem nada a ver com o físico que os testes isolam”. O mesmo autor salienta que o mais importante é saber se os jogadores são capazes de jogar e que, nem sempre, aqueles que alcançam os melhores resultados nos testes físicos são os que estão melhor a jogar. Em nossa opinião, isto acontece, porque um jogador, quando em jogo, não efectua apenas os comportamentos que leva a efeito durante os testes. Assim, ele pode obter resultados muito bons na realização dos testes, mas depois, na situação de jogo, não conseguir coordenar as suas acções com as dos companheiros, por exemplo. E o contrário também se poderá verificar, i. e., os jogadores obterem resultados fracos ao nível dos testes e apresentaram um rendimento elevado em situação de jogo. Este facto é confirmado pelo próprio Bangsbo (1998) ao esclarecer que, devido aos muitos aspectos que um jogo comporta, devemos ter consciência de que um teste não pode prognosticar como renderá um jogador durante o jogo. Não obstante, Bangsbo (1998) não deixa de apontar mais uma razão para levar a efeito a realização de testes físicos. Assim, ele afirma que os testes poderão ser úteis para constatar se um jogador recuperou de determinada lesão. Todavia, no entender de VF, nem mesmo nessas situações devem ser efectuados testes. Este autor começa por esclarecer que, enquanto os atletas estão lesionados, têm um problema clínico e não, como se costuma dizer, um problema físico. Assim, quando os atletas têm um problema clínico podem ser sujeitos aos testes que o departamento médico achar mais compatíveis com a sua lógica de tratamento, todavia, quando o atleta está em condições clínicas, não devem ser efectuados quaisquer testes. Segundo o nosso entrevistado, sempre que os atletas estejam em condições clínicas, deve-se “testar a lógica de progressão, pedagogicamente”. O mesmo autor salienta que, em caso de lesão, o desfasamento que vai existir entre este e os restantes diz respeito ao jogar. Se o processo for bem dirigido, tempos depois, os atletas vão estar melhor do que tempos antes e assim sucessivamente, mas em relação ao que se pretende (que é jogar Futebol). VF refere que, caso o Futebol fosse apenas “ir e vir”, poderia fazer-se o teste do “yo-yo”, por exemplo, porém, o Futebol é muito mais do que isso. Para este autor, as informações retiradas dos testes, “são indicações parcelares que não têm interesse absolutamente nenhum, é perder tempo. O que é preciso é saber dominar o jogo, saber qual a multiplicidade de nuances do jogo”.
Análise e discussão do conteúdo da entrevista O mesmo autor argumenta que o tempo de treino deve ser curto, pelo que não se deve perder tempo com os testes, com o acessório. No entanto, o autor esclarece que os testes, para ele, nem acessórios são, pois utiliza a “Periodização Táctica”. De acordo com VF, a “Periodização Táctica” coloca o jogar como objecto de preocupação regular e sistemática, dando-lhe ênfase. Perspectiva idêntica tem Queiroz (1986, p.41), para quem “o jogo deve constituir, no treino, o núcleo de todo o processo” e que quanto maior for o grau de correspondência entre os modelos de preparação e o jogo, melhores e mais eficazes serão os seus efeitos. VF considera que, nenhum dos autores ligados à LE, NE ou à TI, coloca a ênfase no jogar, sendo esse o seu grande erro conceptual. Todavia, como já foi referido anteriormente, VF não esclarece a diferença entre a “Periodização Táctica” e a TI. Na nossa perspectiva, existe uma certa aproximação entre estes dois modelos de treino, pelo menos no que conceme à colocação da ênfase no jogo. A nossa opinião baseia-se no fado de Antón (1994), citado por Lorenzo Calvo (1998), definir esta tendência de treino (TI) como a preparação física-técnica-táctica integral, na qual todas as capacidades são desenvolvidas num contexto semelhante ao da competição. Como resultado da sua experiência e da sua reflexão de trinta anos, VF conclui que é absolutamente imprescindível “cortar” com essas ideias todas. Este autor considera que nenhuma das três tendências de treino tem aspectos positivos, pois entende que apenas a “Periodização Táctica” é ajustada às necessidades do Futebol. As outras tendências não se ajustam ao Futebol, porque todas elas têm aspectos negativos que, por mais pequenos que sejam, podem prejudicar o rendimento da equipa. Para VF, “o problema não reside a média exigência ou a baixa exigência”. O problema da eficácia apenas se coloca a um nível muito elevado em que é obrigatório estar-se sempre no máximo das capacidades. A este nível, um pormenor, por mais ínfimo que seja, pode fazer desmoronar tudo. Em seguida, abordaremos mais aprofundadamente a “Periodização Táctica”, esclarecendo algumas das suas premissas fundamentais.