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ECONOMIA BRASILEIRA
by CNseg
Análise Conjuntural
Como vimos enfatizando em nossas análises mais recentes, inclusive na última edição desta Conjuntura CNseg, diferentemente de 20 anos atrás, no ciclo eleitoral de 2022/23, os agentes do mercado financeiro e analistas econômicos estavam trabalhando com cenários positivos e negativos no caso de vitória de qualquer um dos candidatos que chegaram ao segundo turno. Mais do que quem saísse vencedor das urnas, a concretização de um cenário otimista ou pessimista dependeria, principalmente, do comportamento da economia mundial – que enfrentará um período delicado, como detalharemos mais à frente – e das sinalizações que o presidente recém-eleito der sobre a condução da política econômica nos próximos anos. Uma das evidências disso pode ser vista no gráfico a seguir, que compara a volatidade da taxa de câmbio do real contra o dólar nos meses anteriores à eleição que levou o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva a seu primeiro mandato, em outubro de 2002, com os meses que precederam o pleito deste ano. É claro que o contexto econômico dos dois períodos é bastante distinto, mas o comportamento da taxa de câmbio, pelo menos desde que a flutuação foi estabelecida, em 1999, tem sido um termômetro relativamente eficaz para o grau de incerteza da economia brasileira, e a eleição deste ano claramente não mexeu com o câmbio da mesma maneira que duas décadas atrás.
Taxa de Câmbio R$/US$ entre janeiro e outubro
(base: dia 1/jan=100)
Fonte: Banco Central e CNseg
A vitória de Lula, portanto, apesar de retirar um fator de dúvida do cenário (quem seria o presidente nos próximos quatro anos), está longe dirimir todas as incertezas a que a economia brasileira está sujeita até o final deste ano e a partir de janeiro do ano que vem, a começar pelo ambiente externo. Se havia, até poucos meses atrás, dúvidas sobre uma desaceleração da economia global, agora a questão é a dimensão dessa desaceleração, com possibilidade de recessão ou até mesmo estagflação em economias importantes. Vivemos tempos difíceis de serem caracterizados como “normais”. Há uma guerra na Europa, e o conflito entre Rússia e Ucrânia corre o risco de se tornar ainda mais grave. Há ainda um “legado” adverso das políticas fiscal e monetária adotadas em reação à pandemia da Covid-19. A grande maioria dos países – avançados e emergentes – enfrenta inflação cujo combate requer políticas monetárias restritivas, ainda que as pressões por aumento de gastos não tenham cedido com o fim da pandemia.
Nesse contexto, pela primeira vez em muitas décadas, as três regiões de maior peso para o crescimento mundial (que hoje são os Estados Unidos, a China e a Europa) estão simultaneamente com problemas, cada uma com suas particularidades. Nos EUA, a inflação resistente empurra o Fed a colocar a política monetária em território restritivo, desacelerando o crescimento econômico e fortalecendo o dólar, dado que os juros americanos são provavelmente o “preço” mais importante da economia mundial. A China, por sua vez, passa por mudanças estruturais em sua economia – crise no setor imobiliário, um de seus principais motores –, em sua política, além de demandas sociais por mais inclusão que tendem, ao menos em prazos mais curtos, reduzir o crescimento econômico. Os problemas da Europa são ainda mais complexos. A inflação dá sinais menos claros de arrefecimento, pois sofre ainda um choque de oferta provocado pela redução da oferta de gás russo. O fechamento do gasoduto Nord Stream 1 afeta principalmente a Alemanha e a Itália, que passa por uma transição política relevante. A Europa já começa a substituir o fornecimento russo por compras de gás na África, mas o processo exige consenso político, tempo e investimentos.
No Brasil, nos últimos meses, a “disputa” entre a política monetária e a fiscal tornou difícil estabelecer exatamente em que momento do ciclo econômico estamos, e há sinais disso nos indicadores de atividade e da inflação mais recentes. O monitor do PIB, da FGV, e o IBC Br, do Banco Central, indicaram uma contração na atividade econômica em agosto depois de um crescimento mais forte em julho. Tais quedas (de 0,8% e 1,1%, respectivamente) podem ser os primeiros sinais de uma desaceleração econômica provocada pela política monetária, ainda que as medidas que foram tomadas pelo governo nos últimos meses para reduzir preços administrados e aumentar as transferências de renda tenham injetado um montante significativo de recursos na economia. Em agosto, a indústria e o comércio varejista apresentaram contração, enquanto os serviços, ainda em grande parte baseados na reabertura econômica, permanecem em expansão. Devemos continuar a ter sinais ambíguos nos próximos meses. A inflação permanece em
queda, em grande parte como resultado das medidas citadas anteriormente, e sinais de persistência e alívio inflacionário têm se alternado a cada divulgação de índices de preços. O IPCA 15 de outubro, por exemplo, teve uma variação de 0,16% no mês, chegando a 6,85% em 12 meses. Apesar de sinais como a inflação dos serviços subjacentes e o índice de difusão terem sido considerados relativamente positivos do ponto de vista da dinâmica inflacionária por vários analistas, o índice cheio veio acima da expectativa mediana do mercado, o que pode ter influenciado o fim de uma sequência de 17 semanas de queda na projeção de inflação para 2022 no Relatório Focus de 31 de outubro.
Nesse cenário de incerteza e sinais alternados, o Banco Central do Brasil tem optado pela cautela na condução da política monetária. Na mais recente reunião, o Copom manteve a Selic em 13,75% mais uma vez, e no comunicado sobre a decisão, o Copom repetiu alertas emitidos ao final da reunião de setembro quanto às incertezas sobre o arcabouço fiscal, à probabilidade de o hiato do PIB estar mais estreito do que o considerado em suas projeções e às consequências vindas de uma economia mundial que convive com uma inflação persistente. O Copom lembrou, ainda, que os riscos fiscais do mundo pós-pandemia não pouparam nem economias centrais, como a do Reino Unido, onde Liz Truss foi primeira-ministra por pouco mais de 40 dias, caindo pouco depois que seu governo apresentou propostas fiscais expansionistas que, no contexto da inflação mais alta em décadas, trouxeram turbulência à libra e aos juros, exigindo interferência do Banco da Inglaterra. Isso é um alerta para a economia brasileira, já que a questão fiscal será chave para determinação de cenários sob um novo governo. Os resultados fiscais nos últimos meses têm surpreendido para cima, e especialistas apontam razões como crescimento intenso em setores que pagam mais impostos e inflação como fatores determinantes. Se esses resultados não se mostrarem permanentes, a fragilidade fiscal ficará mais evidente. Além disso, a conta dos recentes estímulos para o ano que vem pode ser alta: há muitas despesas de certa forma previstas, mas não oficialmente incluídas no orçamento de 2023, que será alvo de negociações entre a equipe de transição e o Congresso nas próximas semanas. A concretização de um cenário mais otimista para o ano que vem passa, portanto, por boas sinalizações em relação à política econômica do novo governo. Assim, mesmo com dificuldades impostas por um menor crescimento da economia mundial, o Banco Central poderia começar a reduzir juros, com continuidade da queda da inflação e também com uma melhoria – ainda que mais lenta – do mercado de trabalho, aumentando as expectativas e incentivando os investimentos. Em qualquer cenário, o fato de o Banco Central ter começado o ajuste mais cedo, gerando credibilidade na sua atuação, ajuda o Brasil, pois o mais provável é que haja redução de juros no ano que vem. Os riscos, entretanto, são muitos. Como os juros permanecerão altos e podem até mesmo estar sendo elevados nas economias centrais, reduzir a Selic também será mais difícil, pois isso diminuiria ainda mais o diferencial entre juros domésticos e internacionais. Ou seja, é possível traçar um cenário mais otimista para a economia brasileira, mas não será um cenário fácil.