Um princípio básico deveria nortear a conduta humana: os recursos naturais existem para satisfazer as necessidades de todos os que habitam a Terra, devendo-se por isso evitar intervenções no meio ambiente, salvo se destas advierem o máximo benefício social, econômico e ambiental. Em verdade, porém, o crescimento demográfico desordenado e a ocupação do solo sem a devida parcimônia têm gerado tragédias ambientais que, cada dia mais, preocupam e congregam quantidade maior de pessoas, entidades e nações em torno das discussões sobre o futuro do Planeta. No Brasil, a polêmica acerca das propostas de mudanças na legislação ambiental ultrapassou o âmbito do Congresso Nacional e, de pronto, atingiu os segmentos da sociedade cujos olhares se voltam para a sustentabilidade da vida, em suas várias formas, sem, no entanto, desprezar a necessidade de desenvolvimento socioeconômico. Nesse contexto, vale destacar que há muito a Editora Consulex vem alertando para a importância da defesa e preservação do meio ambiente, mediante a publicação de artigos com repercussão além-mar, inclusive, como ocorreu recentemente com a veiculação de matéria (edição nº 310, p. 46-47) envolvendo o contrabando de água doce retirada do Rio Amazonas. Enfim, o alerta de “hidropirataria” no Norte brasileiro alcançou seu desiderato, que é chamar a atenção dos órgãos responsáveis pela fiscalização das nossas fronteiras e demais autoridades dos três Poderes da República, além de despertar a consciênc ia nacional para uma questão complexa e que merece ser discutida de forma ampla, antecipando-se a graves acontecimentos. Com esta edição especial sobre MEIO AMBIENTE, a pretensão da Consulex é incrementar o debate acerca da eficácia da legislação e das políticas públicas em vigor, haja vista a necessidade de se encontrar soluções plausíveis para os inúmeros pontos obscuros que envolvem o tema, apesar dos esforços que unem governo e organizações não governamentais, nacionais e estrangeiras, que atuam
fotos: raimundo sampaio/pixmac
carta ao leitor
adriana zakarewicz
no terceiro setor da sociedade civil, em torno da defesa e proteção desse bem de uso comum do povo e, como é de todos sabido, essencial à sadia qualidade de vida. É fato que a defesa do meio ambiente, ora obrigação de natureza constitucional, teve início ainda no século XVIII, com a luta de expoentes da sociedade brasileira por melhores condições de habitabilidade para as populações tradicionais, sem contar os viajantes ilustres que aqui aportaram e que souberam tão bem, de modo muitas vezes exacerbado, defender nosso patrimônio ecológico, como Saint-Hilaire, Spix, Martius, Debret e Rugendas. Ao encerrar-se a primeira década do século XXI, a equipe editorial debruçou-se incansavelmente sobre o tema, visando aprofundar a reflexão acerca desta delicada questão que ultrapassa fronteiras e é capaz de superar antagonismos aparentemente insuperáveis. Com efeito, neste momento em que o mundo se curva diante da fúria da natureza, não podia a Consulex limitar-se à divulgação do assunto ao segmento jurídico, como tem feito ao longo dos últimos 13 anos, afigurando-se, sim, um dever dar conhecimento a um grande número de leitores, em todo o País, dos desmandos e dos avanços em matéria de defesa e proteção do meio ambiente não somente no âmbito interno, como também internacional. Este último ponto, no entanto, restou prejudicado pela resistência de muitos em unir esforços para a consecução de tão nobre objetivo. Mas, amparando-se na lição de Santo Agostinho de que “enquanto houver vontade de lutar, haverá esperança de vencer”, a Editora Consulex deixa um convite a todos aqueles que cultivam a responsabilidade social como meta empresarial para se tornarem parceiros em novas edições especiais sobre temas igualmente complexos e merecedores de uma análise séria e consistente, capaz de abrir novos horizontes, imprescindíveis na busca do bem-estar social.
Adriana Zakarewicz é Editora e Diretora do Grupo Consulex.
INTERDISCIPLINAR
Pesquisadora com foco em Geografia Política da Amazônia, a Professora Doutora BERTHA KOIFFMANN becker coordena atualmente o Laboratório de Gestão do Território, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e também participa da elaboração de políticas públicas nos Ministérios de Ciência e Tecnologia, da Integração Nacional e do Meio Ambiente. Na breve entrevista que compõe esta edição especial, a ilustre cientista explica a importância geopolítica atual da Amazônia e, dentre outras abordagens, deixa lições de sabedoria na síntese que faz de seu projeto para o desenvolvimento sustentável da região, concluindo: “Em minha opinião, a floresta só permanecerá em pé se lhe for atribuído valor econômico para que possa competir com a madeira e a agropecuária”.
12 EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE
As mudanças climáticas globais têm afetado não somente a vida humana, como também a de várias espécies animais e vegetais, impondo-se, assim, o aprofundamento das discussões envolvendo a ocupação do solo, a exploração do subsolo, o uso dos recursos hídricos e muitas outras formas de intervenção humana na natureza, com forte impacto na sustentabilidade do Planeta. Nada obstante a vastidão do tema a nível mundial, impende destacar, no âmbito interno, as propostas de mudanças no Código Florestal e na Política Nacional do Meio Ambiente, em curso no Congresso Nacional, o que, na opinião de especialistas de escol, poderá trazer prejuízos à efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Confira as relevantes opiniões veiculadas nesta edição especial.
edição especial O drama dos refugiados ambientais no mundo globalizado
O Código Florestal e as áreas de preservação permanentes artificiais
Reflexões sobre o Dia Mundial da Água
O combate ao desmatamento na maior floresta tropical do planeta
12 Miguel Daladier Barros
16 Ana Paula Chagas
Privatização e exploração comercial da água
18 Ilma de Camargos Pereira Barcellos
Águas limpas
20 Martha E. Ferreira
Por que preservar o meio ambiente? 22 Malu Nunes
Meio ambiente – Benefícios e responsabilidades 24 Joana D’Arc Bicalho Félix
Código Florestal e Política Nacional do Meio Ambiente em risco
28 Guilherme José Purvin de Figueiredo
32 Pedro Campany Ferraz
34 Elis Araújo e Paulo Barreto
Unidades de Conservação da Natureza e populações tradicionais 38 Juliane Campos Mourão
Reservas Particulares do Patrimônio Natural – Pecualiaridades que justificam tratamento diferenciado 40 Flávio Ojidos
A previsibilidade dos escorregamentos 42 Luiz Ferreira Vaz
Princípio poluidor-pagador e compensação ecológica 44 Paulo Affonso Leme Machado
O Estado e o Meio Ambiente – Uma relação de respeito 47 Celso Bubeneck
Nós, os poluidores indiretos? 48 Oscar Graça Couto
O Estado Constitucional Ecológico
50 Carlos Roberto Galvão Barros
O uso do poder de compra do Estado como instrumento de proteção ao meio ambiente 54 Luciana Stocco Betiol
Regiões Metropolitanas e os serviços de saneamento 58 Pedro Estevam Serrano
Urânio no Brasil – Uma visão crítica sobre a atual regulação
60 Maria Alice Doria e Maria Antonia Bastos Tigre
A natureza é a alma do negócio
Com a palavra...
jefferson rudy
ENTREVISTA
divulgação magno jr.
CAPA
SUMÁRIO
6 A AMAZÔNIA SOB UM PRISMA
Carlos Minc Baumfeld Ministro de Estado do Meio Ambiente
O que até há pouco parecia impossível, aconteceu. O Brasil elaborou um Plano de Mudanças Climáticas, estabeleceu metas de redução de emissões de carbono, aprovou uma lei definindo instrumentos para atingir as metas e outra criando o Fundo de Mudanças Climáticas, originado de 10% dos lucros do petróleo. Sancionadas pelo Presidente Lula em dezembro de 2009, essas medidas foram apresentadas um ano antes pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e aperfei çoadas pelo Congresso, estando em elaboração os decretos com os mecanismos para sua implementação. A economia real deve entrar no clima. Se mecanismos como juros, tributos e créditos estiverem divorciados dos princípios ambientais e climáticos, estes serão apenas utopias não realizadas. Em 2009, o Ministério da Fazenda decretou quatro medidas propostas pelo Ministério do Meio Ambiente. Uma delas estabeleceu tratamento tributário diferenciado para geladeiras, ares-condicionados etc. mais eficientes, que consomem menos energia, emitindo menos carbono. A segunda definiu IPI diferenciado para carros a etanol ou flex. A terceira medida desonerou os equipamentos eólicos, como torres, hélices e turbinas, ajudando o sucesso do leilão de energia eólica de dezembro, que arrematou 1.700 MW com deságio de 25%. Isso ajudará a criar um parque eólico no Brasil, com leilões anuais, atualização dos inventários eólicos e conexão dessas fontes à rede nacional. Essas são algumas das medidas elencadas na Carta dos Ventos, que lançamos com 20 Secretários Estaduais de Energia em junho de 2009, em Natal (RN). A quarta medida definida pelo Ministro Mantega foi a desoneração dos materiais reciclados, sob a forma de crédito presumido, às empresas que adquirirem papel, plástico, vidro, alumínio etc. das cooperativas de catadores, estimulando a indústria da reciclagem e a melhor remuneração dos catadores. Quando se reutilizam esses materiais, reaproveita-se a energia utilizada em sua produção, evitando emissões de CO2. As próximas medidas desonerarão tributos dos carros elétricos e da energia renovável gerada a partir do lixo, tanto do metano quanto a resultante de incineração.
Em janeiro deste ano, assinamos o maior contrato de aproveitamento de metano, do aterro de Gramacho (RJ), com a Petrobras, o Governo Estadual e a Prefeitura do Rio de Janeiro, a Comlurb e o MMA. O metano é um gás de efeito estufa que emite por parte 21 vezes mais que o CO 2 . O metano acumulado em Gramacho é capaz de suprir todo o consumo residencial do Rio e será utilizado pela Refinaria de Duque de Caxias (REDUC). Estabelecemos na licença que parte dos créditos de carbono será destinada à recuperação dos manguezais e à constituição do Fundo de Valorização dos Catadores. Essas medidas integram a Lei do Clima, cujas metas foram inscritas pelo Brasil na Convenção do Clima da ONU. As compras públicas deverão se nortear por critérios de sustentabilidade socioambiental e climática, com produtos recicláveis, de baixa intensidade de carbono, gerados com energia renovável. Nas licitações, além do menor preço, será considerada a tecnologia que reduza emissões de CO2. No Brasil, a principal contribuição ao aquecimento global vem do desmatamento. Medidas fortes reduziram o desmatamento da Amazônia, em 2009, ao menor índice desde que é monitorado pelo INPE (22 anos). Triplicamos a fiscalização, cortamos o crédito dos desmatadores, capturamos o “boi pirata” em Unidades de Conservação e terras indígenas, leiloamos, e entregamos os recursos ao Bolsa Família. Devemos ampliar o desenvolvimento sustentável com a operação Arco Verde, o Fundo Amazônia, a piscicultura, a recuperação de áreas degradadas e o manejo florestal sustentável. Enfrentaremos o desmatamento do cerrado, que agora integra as metas nacionais de redução de emissões. O Fundo Clima destinará 1 bilhão de reais por ano para mitigação e adaptação das regiões mais vulneráveis às mudanças do clima, como o Nordeste e zonas do litoral. Governos estaduais, empresários, cientistas e cidadãos começam a se mobilizar, respondendo positivamente às necessárias mudanças nos nossos padrões de produção e de consumo. Falta muito, mas os caminhos estão sendo definidos. O Brasil começa a entrar no clima.
63 Moacyr Castro
Direito romano ecológico
Nota: Artigo publicado originalmente na seção A3 da Folha de S. Paulo do dia 14.01.10.
66 Ronaldo Rebello de Britto Poletti revista JURÍDICA consulex - www.consulex.com.br
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