Revista Psique

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Universo infanto-juvenil

dossiê

Desafios da criação Ter filhos proporciona uma realização pessoal incomparável, mas eles chegam com características próprias, o que acaba nem sempre alcançando as expectativas dos pais. A carga excessiva de pressão pode até mesmo desencadear dificuldades de aprendizagem

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Amor sem limites Nem tudo são flores no processo de parentalidade. Ao lado do bebê imaginário impõe-se o bebê real, aquele que chora “quando não devia chorar”. Além disso, o que fazer diante da impotência dos pais e da filosofia pouco envolvente da escola, com jovens de rendimento prejudicado em função dos distúrbios de aprendizagem Por Gina Khafif Levinzon, Ana Luiza Borba e Juliana Tavares

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er e criar filhos constitui-se uma das experiências de vida mais transformadoras. É plantar uma semente e acompanhar seu crescimento até que possa caminhar por si própria. A realização pessoal que advém desse processo é indiscutível. Os filhos começam a vida a partir do encontro de partes de nós mesmos. Ao mesmo tempo, desde o início, eles têm uma carga genética própria que lhes confere suas características peculiares. Sentimo-nos profundamente implicados com sua existência e com os caminhos por eles traçados. Uma experiência interessante é observar os comentários das famílias na sala de espera do parto de uma criança. Comentários como: “será um ótimo advogado” ou “será a mais linda da turma” mostram um destino traçado à criança no imaginário dos pais e familiares antes mesmo que ela tenha vindo ao mundo. O próprio nome escolhido a ela já está associado a uma série de significados conscientes e inconscientes. Poderá ser o nome de um familiar ou pessoa admirada, ou o de alguém perdido, o de um herói, o de um sonho antigo. O filho é inserido no que pode-

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mos chamar de cadeia de transmissão intergeracional, na qual há a transmissão de modelos de identificação, de pensamentos, de uma história, assim como de afetos de uma pessoa para a outra, de um grupo para outro, de uma geração para outra (Kaës, 1996). Mas, e quando a questão está além das expectativas e dizem respeito às dificuldades da criança ou adolescente em aprender? O caminho para o diagnóstico destes jovens envolve enfrentar filas para passar em consulta com especialistas de diferentes áreas (neurologista, fonoaudiólogo, psicólogo, psiquiatra, oftalmologista, otorrinolaringologista...). Em seguida, vem a fila para o tratamento – que, no serviço público ou clínica-escola, existem variáveis que dificultam o bom andamento e comprometem, consequentemente, a alta.

Mar de rosas

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omo se vê, nem tudo são flores no processo de parentalidade. Ao lado do bebê imaginário, impõe-se o bebê real, aquele que chora “quando não devia chorar”, a criança que se comporta de modo diferente do que é esperado, o adolescente que contesta os pais e a sociedade, o filho adulto que decepciona com suas escolhas particulares de vida. Aquele que “seria um advogado” torna-se um artista boêmio. Aquela que “seria a mais linda” espalha piercings e tatuagens por todo o corpo, para desespero dos pais... Como entender essas discrepâncias entre as expectativas dos pais e as características e escolhas pessoais dos filhos? Como lidar com as decepções inevitáveis presentes no processo de criação de filhos?

Gina Khafif Levinzon é psicanalista, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, doutora em Psicologia Clínica (USP). E-mail: ginalevinzon@gmail.com Ana Luiza Borba é professora alfabetizadora, graduada em Psicologia, especialista em Psicopedagogia, extensão em Neuropsicologia aplicada à Educação, pelo Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. Realiza diagnóstico neuropsicológico, atendimento psicopedagógico na área clínica e consultoria educacional especializada em inclusão de alunos com distúrbios de aprendizagem (DA). Juliana Tavares é jornalista e colabora com esta publicação. www.portalcienciaevida.com.br


Além do alcance

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Uma experiência interessante é observar os comentários das famílias na sala de espera do parto de uma criança. Comentários como: “será um ótimo advogado” ou “será a mais linda da turma” mostram um destino traçado à criança

imagens: shutterstock

O filho é inserido no que podemos chamar de cadeia de transmissão intergeracional, na qual há a transmissão de modelos de identificação Considerar essas questões torna-se essencial para prevenir, pelo menos em parte, frequentes conflitos que ocorrem entre pais e filhos. Afinal, como afirma Lebovici (2004), a parentalidade vai além do fator biológico. “Ser pai e ser mãe não é só ter um filho, mas é também uma oportunidade de refletir a respeito de sua descendência” (p. 21). “Você semeou um bebê e colheu uma bomba” (Winnicott, 1968, p. 155). Este é o sentimento que os pais www.portalcienciaevida.com.br

algumas vezes têm diante dos comportamentos dissonantes e escolhas pessoais de seus filhos adolescentes. Considerar que a rebelião é resultante da liberdade que se deu a eles no processo de criação para que existam por si próprios ajuda a superar a esta fase. Se os pais tiverem sucesso em manter o equilíbrio necessário para lidar com os desafios encontrados e puderem aprender com a experiência reformulando em alguns casos seu próprio compor-

e, de um lado, há de se adequar expectativas entre os principais envolvidos no processo de paternalidade, como lidar quando a angústia tem raízes ainda mais profundas como distúrbios que podem comprometer o desenvolvimento do filho ou da filha? Quando se tem uma criança com transtorno de aprendizagem e cujo diagnóstico demora para sair, o que se tem diante de si é o tempo, que não para; a escola, que não espera pela conclusão de todo esse processo; a idade, que avança, e a defasagem, que fica cada vez maior em relação à turma e à faixa etária, agravando ainda mais a situação. O que fazer, então, diante da impotência dos pais, da filosofia pouco envolvente da escola, da falta de habilidade desta em lidar tanto com os alunos, quanto com os pais, e pensando nesses jovens com potencial intelectual e cognitivo, mas com rendimento prejudicado em função do distúrbio de aprendizagem (DA)? A revista Psique Ciência&Vida preparou este dossiê sobre as principais angústias da relação entre pais e filhos: das expectativas frustradas às dificuldades enfrentadas por quem tem crianças com distúrbios de aprendizagem – independentemente do caso, a importância do apoio familiar, pedagógico e governamental para o desenvolvimento de crianças sadias e cidadãs.

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tamento, haverá espaço para a retomada da harmonia familiar. A própria passagem do tempo traz o elemento de maturidade que progride e permite novos arranjos psíquicos. É claro que, para isso, pressupõe-se que os pais consigam “sobreviver sem enlouquecer” a este período de turbulência.

REFERÊNCIAS FOUCAULT, M. O Nascimento da Clinica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1980. PESSOTTI, I. A Loucura e as Épocas. Rio de Janeiro: ed. 34, 1994. psique ciência&vida

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Em busca de realização narcísica Criar filhos representa um desafio à capacidade dos pais de lidar com o imprevisto que é trazido pela existência singular do outro. Exige flexibilidade, capacidade de elaborar os lutos das próprias expectativas e a possibilidade de aprender com a experiência Por Gina Khafif Levinzon

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fábula da coruja e da águia é exemplar para se entender a dimensão do olhar que os pais depositam nos filhos. Numa época em que havia muitos conf litos entre a coruja e a águia, ambas fizeram um trato pacificador. Não comeriam os filhotes uma da outra. “Mas como vou reconhecer seus filhotes?”, perguntou a águia. A coruja respondeu: “É muito fácil: são os mais lindos da f loresta”. Numa de suas caçadas, a águia se depara com um ninho cheio de rebentos que achou horrorosos e não teve dúvidas – comeu-os prontamente. Aqueles não poderiam ser os filhotes da coruja. Quando esta, desolada, percebeu o que havia acontecido e reclamou o combinado, a águia respondeu: “mas você falou que eram os mais lindos! Não poderiam ser aqueles...” A moral da história “quem ama 38

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o feio, bonito lhe parece” poderia ser melhor enunciada: os filhos representam para os pais toda a grandiosidade e beleza que eles mesmo desejavam para si. Não há elogio maior para os pais do que lhes dizer: “Que filho lindo! Ele parece muito com você!”. Em seu famoso artigo Sobre o Narcisismo: Uma introdução, Freud (1914) nos explica que encontramos na atitude dos pais afetuosos em relação aos filhos uma revivescência do seu próprio narcisismo, do amor por si mesmo. Atribuem todas as perfeições a eles, e esperam que satisfaçam todos os seus desejos e sonhos não realizados. Os filhos não passarão pelas mesmas dificuldades pelas quais eles próprios passaram. Serão o “centro e o âmago da criação, Sua

Majestade, o bebê1” (p. 108) como os pais se imaginavam quando muito pequenos. Tudo será mais fácil ou satisfatório para os filhos. O mínimo que esperam deles é que tenham as mesmas qualidades, mas, ainda mais, que os superem quase ao nível de perfeição. A própria imortalidade é alcançada por meio dos filhos, já que são sentidos como os continuadores do legado dos pais. Diante disso, podemos compreender, em parte, os motivos para os sentimentos de decepção em relação ao filho. Projetam-se nele expectatiFreud usou esse termo em associação a um quadro que tinha o título His Majesty the Baby e mostrava dois policiais londrinos interrompendo um tráfego intenso para deixar passar uma babá empurrando uma criança em seu carrinho de bebê.

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Gina Khafif Levinzon é psicanalista, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, doutora em Psicologia Clínica (USP). E-mail: ginalevinzon@gmail.com www.portalcienciaevida.com.br


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Os pais atribuem todas as perfeições aos filhos, e esperam que estes satisfaçam todos os seus desejos e sonhos não realizados. Os filhos não passarão pelas mesmas dificuldades. Serão o “centro e o âmago da criação, Sua Majestade, o bebê”

vas que, no fundo, correspondem a projetos pessoais dos pais e que muitas vezes não levam em conta a especificidade própria da criança ou do jovem. Como satisfazer inteiramente a um pai ou a uma mãe, ou ainda a um meio familiar, quando isso implica em se comportar de modo que não faz sentido para a própria pessoa? Mesmo que o filho tente se encaixar, muitas vezes isso foge ao seu alcance. Rodrigo podia dizer que sua infância tinha sido razoavelmente tranquila. Sempre procurou agradar os pais e se comportar dentro do esperado. Ao entrar na adolescência, porém, surgiu um motivo de grande conflito familiar. Descobriu-se homossexual. Sentia atração por pessowww.portalcienciaevida.com.br

as do sexo masculino. Seus pais não aceitavam essa condição em hipótese alguma e diziam que ele não tinha tentado o suficiente exercer a heterossexualidade. Ele próprio gostaria de mudar sua orientação sexual, por achar que teria menos problemas, mas o fato é que percebia que isso não era possível. Os pais de Rodrigo estavam consternados. Não fazia parte de seus sonhos um filho gay. Para seu pai isso representava uma grande vergonha. Imaginava seu filho um homem admirado pela sua masculinidade. Ele mesmo gostaria de ter tido mais sucesso com as mulheres, na sua juventude. A homossexualidade do filho parecia um ataque à sua própria virilidade. Para a mãe

de Rodrigo sua orientação sexual era o indício de que ela tinha falhado como mãe. “Se tivesse criado o filho direito isso não teria acontecido”. Os pais tiveram de lidar com a decepção de suas expectativas e com os limites de sua atuação frente ao panorama psíquico do filho. Queremos acreditar que depende apenas de nós o destino de nossos filhos. Dentro dessa forma de pensar, se os educarmos “de modo correto”, eles serão os adultos que idealizamos. Esta fantasia faz parte do vértice narcisista em que se olha a si mesmo como o centro de tudo o que ocorre no mundo. A realidade mostra, no entanto, que não há filhos perfeitos e nem pais perfeitos. psique ciência&vida

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as arap para saber mais

Caminhos possíveis

Momento de turbulência

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omo evitar, prevenir ou lidar com as decepções em relação à prole? Antes de tudo é necessário compreender o que se passa com o filho e consigo mesmo. Quando um comportamento tem um significado, podemos inseri-lo em um contexto, refletir a respeito e encontrar as melhores formas de solucioná-lo. É muito importante que os pais se informem, saibam o que é razoável e o que se pode esperar de uma criança, de um adolescente ou de um jovem adulto. Colocar-se no lugar do filho também se revela extremamente útil. Como se sente aquela pessoa? Como era você na idade dela? Saímos de nós mesmos e olhamos pelo ângulo do outro. Isso fornece um campo de visão valioso para se lidar com as diferenças. Questionar-se sobre suas expectativas revela-se essencial. Serão irreais? Seu filho está sendo considerado como a pessoa humana e peculiar que é? O que é seu e o que é dele? Qual é o limite de tolerância? Você reconhece e aceita de fato que há outros fatores importantes na vida de seu filho que não você mesmo? Considera que há vários caminhos para se chegar a um objetivo, não só aquele que você vê? O autoconhecimento e a ajuda psicológica, quando necessária, são de grande valia nesse processo. Crescemos e nos modificamos com o caminhar dos nossos filhos. Uns aprendem com os outros. Criá-los não é tarefa fácil, exige paciência e perseverança. Satisfazer-se completamente com o que eles se tornarão revelase uma ficção. Felizmente, podemos acrescentar, senão viveríamos num mundo constituído por clones sem criatividade e autonomia.

Freud nos explica que encontramos na atitude dos pais afetuosos em relação aos filhos uma revivescência do seu próprio narcisismo Muitos são os fatores que determinam a personalidade de uma criança. Os filhos decepcionarão os pais, em maior ou menor grau, ao longo de seu desenvolvimento. Os pais cometerão erros, que podem ser sentidos como inócuos ou até ser considerados desastrosos pelos filhos em algum momento de sua história. Criar filhos representa um desafio à capacidade dos pais de lidar com o imprevisto que é trazido pela existência singular do outro. Exige 40

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flexibilidade, capacidade de elaborar os lutos de suas próprias expectativas depositadas neles e a possibilidade de aprender com a experiência.

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durante a adolescência que se travam as maiores batalhas familiares. Nessa fase, o adolescente busca um sentimento de identidade própria, e confronta-se, em maior ou menor grau, com as expectativas dos pais. Assim como a criança muito pequena aprende a dizer “não” ao iniciar a construção de seu sentimento de identidade, o adolescente busca com frequência a oposição para se constituir como ser independente. Em vários momentos ele reivindica um lugar de adulto, embora possa se apresentar em seguida como uma criancinha pequena. Por vezes, se comporta justamente da forma que mais perturba os pais, como se estivesse fazendo uma espécie de teste para verificar se pode confiar neles. Winnicott (1960a) nos explica que os filhos buscam oportunidades de livre expressão e de realização de ações impulsivas, mas contam com o controle dos pais. Estes últimos são amados e odiados, e é isso que confere a essa relação seu caráter vivo e criativo. Em alguns casos, os testes podem prosseguir até que os filhos estejam em condi-

Muitos são os fatores que determinam a personalidade de uma criança. Os filhos decepcionarão os pais, em maior ou menor grau, ao longo de seu desenvolvimento, e os pais cometerão erros www.portalcienciaevida.com.br


ções de transmitir um sentimento de segurança aos seus próprios filhos, e assim por diante. “Tendo encontrado as fechaduras e os ferrolhos solidamente fechados, tratam de destrancá-los e escancará-los; saem impetuosamente. E repetem uma e outra vez essas saídas. Ou então enroscam-se na cama, tocam discos de blues e sentem-se fúteis. Por que é que os adolescentes, em especial, realizam esses testes? Não lhes parece que isso é porque eles estão conhecendo em si mesmos sentimentos assustadores novos e fortes, e que por isso desejam saber se os controles externos ainda existem? Mas, ao mesmo tempo, devem provar que são capazes de derrubar esses controles e de se estabelecer como pessoas dotadas de vontade própria.”(p. 106) E como ficam os pais, diante desse quadro? Encontramo-los perturbados, algumas vezes atropelados por esses ímpetos que tomaram o primeiro plano do clima familiar. Eles são questionados em sua autoridade, desafiados em suas expectawww.portalcienciaevida.com.br

Observamos que muitas dificuldades que os pais tiveram quando eram pequenos são reeditadas na relação com o filho tivas, valores, formas de vida. A probabilidade de se decepcionar com o filho nessa fase é grande, como veremos no exemplo a seguir. Desde a infância Rosana era uma menina de resultados medianos na escola, o que já deixava os pais preocupados. Eles eram profissionais de alto nível intelectual e esperavam da filha um caminho semelhante. Aos 16 anos, Rosana declarou aos pais que não dava nenhuma importância aos estudos, e que gostaria de viajar pelo mundo. Segundo ela, eles eram “fechados demais” e “iria seguir seu próprio caminho”. Havia arrumado um namorado que pensava como ela e reivindicava um lugar permanente para ele em seu quarto. Por um lado

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Assim como a criança muito pequena aprende a dizer “não” ao iniciar a construção de seu sentimento de identidade, o adolescente busca com frequência a oposição para se constituir como ser independente

clamava por independência, por outro esperava que os pais sustentassem a ela e ao namorado nas condições que ela tinha determinado. Os pais estavam desnorteados. Onde estava aquela filha que eles tinham criado? Sobreviveriam ao “assassinato simbólico” que ela estava fazendo de seus valores e sonhos? Foi uma fase de grande turbulência em que puderam procurar ajuda psicológica. Compreensão, diálogo, mas também limites, foi o que descobriram ser necessário para lidar com essa situação. Puderam perceber que Rosana estava em busca de um sentimento de identidade própria e imaginava que, para isso, precisava se destacar de modo pronunciado daquilo que os pais entendiam como o esperado. Era preciso dar-lhe espaço para sonhar com um eu autônomo. Por outro

• Afastamento produtivo •

Winnicott (1960b) observa que o filho pode se afastar conscientemente dos pais nas decisões que toma e que isso pode ser produtivo. Apesar de que, ele ressalta, inconscientemente há sempre um caminho de volta ao pai e à mãe. O afastamento, na realidade, só se dá em relação à figura externa dos pais. Há uma espécie de cimento da família, que faz com que os pais permaneçam vivos na realidade psíquica interior dos filhos. Assim, podemos dizer que há duas tendências no desenvolvimento do indivíduo. Uma é de se afastar da família, em busca de maior autonomia. Ao mesmo tempo, outra tendência no sentido oposto evidencia-se na necessidade de conservar ou retomar o relacionamento com o pai e a mãe. psique ciência&vida

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dossiê lado, ela precisava de que não lhe permitissem sair sem rumo pelo mundo numa idade em que não tinha condições para tal. Do mesmo modo, a situação com o namorado demandava paciência, por um lado, mas realidade por outro. Não era possível concordar que ele se mudasse para a casa da família e vivesse como um apêndice da filha. Foi muito importante para os pais compreenderem que ela procurava romper o vínculo simbiótico estabelecido com eles na infância, substituindo-o pelo vínculo com o namorado. E, principalmente, que essas mudanças não aconteceriam “para todo o sempre”. Era uma fase que demandava um manejo sensível. O final da história mostrou-se uma conciliação possível desses vários elementos. Sob pressão dos pais, Rosana terminou os estudos. Escolheu o ramo das artes, que condizia mais com sua personalidade, apesar das expectativas deles. Destacou-se nessa área, mostrando seriedade e qualidades indiscutíveis. Viajou pelo mundo, mas de modo organizado. O namoro atrapalhado terminou por si só. Na sua fase adulta, Rosana reaproximou-se de seus pais. Estes últimos puderam se orgulhar dela, embora ainda houvesse elementos dissonantes em relação às suas expectativas iniciais. A experiência lhes mostrou que isso era inevitável, e, como se diz, “faz parte do script”...

rentes a esse processo fica facilitada quando os pais podem ref letir sobre suas crenças e mitos irreais. Além disso, há de se considerar os jovens inseridos num mundo em que mudanças sociais importantes estão acontecendo. É importante ressaltar que o que acontece com os filhos está num contexto no qual os pais estão profundamente implicados. Observamos que muitas dificuldades que os pais tiveram quando eram pequenos são reeditadas na relação com o filho. A forma com a qual eles lidam com essas dificuldades, muitas vezes num

Winnicott nos explica que os filhos buscam oportunidades de livre expressão e de realização de ações impulsivas, mas contam com o controle dos pais

plano inconsciente, pode justamente levar o filho aos comportamentos que mais reprovam. Um exemplo disso pode ser encontrado no caso de Roberta, uma mãe que desde pequena tinha muita dificuldade de lidar com a agressividade. Na época em que sua filha estava testando seu potencial agressivo, Roberta ficava tão assustada que procurava reprimir violentamente os comportamentos mais impulsivos da criança. Como consequência, a filha cresceu excessivamente retraída e tímida. Roberta falava com muita decepção da imobilidade da filha, mas não tinha consciência de que ao reprimir sua agressividade tinha também fechado portas para sua espontaneidade. Da mesma forma, pais que superprotegem os filhos não permitem que eles tenham o espaço necessário de aprendizado e de erro para lidar consigo mesmos e com o mundo de forma equilibrada. Como consequência, os filhos crescem fragilizados e despreparados para enfrentar a vida real. Encontramos, hoje, crianças com

Angústias e mitos

abemos que o afeto, a dedicação, a intuição, as boas intenções são essenciais para permitir ao filho que cresça com saúde. Mas, só o amor não basta... Em certos casos, esse sentimento fica afogado diante de expectativas que não se confirmam. A tarefa de criar filhos, favorecer seu desenvolvimento e minimizar as decepções inevitáveis ine-

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Com filhos adolescentes, os pais estão sempre perturbados, são questionados em sua autoridade, desafiados em suas expectativas, valores e formas de vida. A probabilidade de se decepcionar com o filho nessa fase é grande www.portalcienciaevida.com.br

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Há uma espécie de cimento da família, que faz com que os pais permaneçam vivos na realidade psíquica interior dos filhos uma agenda de atividades tão cheia que se equipara à de um adulto, na qual mal têm tempo para brincar livremente. Por trás estão os pais, desejosos de que seus filhos sejam muito inteligentes, excelentes esportistas, etc. Na realidade, eles têm a missão de estimular a autoestima e corresponder aos anseios de admiração dos próprios pais. Maldonado (1996) cita alguns mitos que conduzem os pais a expectativas irreais: – O mito da normalidade: significa esperar que a criança ou o jovem não tenha problemas, dificuldades, tropeços. Na verdade, cada etapa do desenvolvimento representa um momento de tensão que pode ser enfrentado com maior ou menor facilidade. É normal ter problemas, ocasionalmente... – O mito da harmonia eterna e perfeita no relacionamento familiar. É importante considerar que impasses e conflitos familiares são inerentes à vida em família. – O mito dos irmãos unidos, sem brigas, sem ciúmes, sem rivalidade. Encontramos pais profundamente decepcionados com um filho pela sua rivalidade com outro, baseados na expectativa de que só haja amor entre irmãos. A realidade mostra que lidar com os sentimentos hostis também faz parte do que é esperado no ser humano. – O mito de que quando se ama alguém não se pode sentir raiva e irritação. Há pais que não comprewww.portalcienciaevida.com.br

Da mesma forma, pais que superprotegem os filhos não permitem que eles tenham o espaço necessário de aprendizado e de erro para lidar consigo mesmos e com o mundo de forma equilibrada

endem que os filhos ou eles próprios possam sentir ou ter manifestações de raiva uns pelos outros, sem que isso signifique que não há amor. Pelo contrário, por vezes mostramos nossos sentimentos inamistosos para as pessoas em que mais confiamos. Em alguns casos, a raiva dos pais em relação ao filho é desproporcional ao que ele realmente fez. Pode haver aí a descarga de frustrações e insatisfações dos próprios pais, que tomam corpo por meio dos comportamentos dos filhos. Encontramos ainda pais que fazem de seu projeto de vida o desenvolvimento de seu filho e, de certa forma, renunciam ao cuidado de sua vida própria. Só olham para ele, e não para si mesmos. Nesses casos, o filho é escolhido inconscientemente como o representante dos pais para a obtenção de sucesso e realização.

A transferência para ele de tal tarefa representa um peso excessivo, com grande probabilidade de turbulências e decepção. Esses pais necessitam de ajuda psicológica para que possam encarar sua vida própria sem designar outro para esse fim. REFERÊNCIAS FREUD, S. (1914). Sobre o Narcisismo: Uma introdução. In: Obras completas. V. 14. Rio de Janeiro: Imago, 1980. MALDONADO, M. T. Comunicação entre Pais e Filhos: A linguagem do sentir. São Paulo: Saraiva, 1996. WINNICOTT, D. W. (1960a). Segurança: Palestra transmitida pela BBC em 18 de abril de 1960. In: Winnicott, C., Bollas, C., Davis, D., e Sheferd, R. (org.). Conversando Com os Pais/ Donald. W. Winnicott. São Paulo: Martins Fontes, 1993. (1960b). Família e Maturidade Emocional. In: A família e o desenvolvimento emocional/ D. W. Winnicott. São Paulo: Martins Fontes, 1993. psique ciência&vida

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União de esforços A intervenção terapêutica em grupo possibilita aos jovens construir um novo “modelo de aprendizagem” que lhes permite o desenvolvimento necessário no meio escolar e social em que estão inseridos Por Ana Luiza Borba

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de então, uma longa jornada que ia do diagnóstico ao tratamento. Foi aí que surgiu a ideia de oferecer uma opção de tratamento em grupo. Esse modelo, além de atender às necessidades destes jovens, reúne um número maior de participantes, com otimização de espaço, tempo, número de profissionais e recursos financeiros. O trabalho realizado teve sua fundamentação teórica e orientação prática retiradas da Psicologia Social de Pichon-Rivière, da compreensão da organização neuropsicológica da cognição com base em Luria, da teoria da aprendizagem mediatizada de Vygotsky e dos estudos sobre as praxias, segundo Piaget.

Estudo de caso

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processo de seleção para a formação do grupo em questão compreendeu 3 etapas: o diagnóstico individual, a seleção dos jovens basea-

da na análise destes dados e a entrevista com o jovem e a família. Na seleção, busquei atender a critérios de complementariedade e de prognóstico relativamente sincrônico. A complementariedade, segundo Pichon-Rivière, envolve um certo grau de heterogeneidade que permita a mobilidade do grupo e um certo grau de homogeneidade que possibilite a integração dos sujeitos. Esses critérios levam em conta não só o diagnóstico, mas a idade, escolaridade, nível pedagógico e inexistência de alterações graves da personalidade. As famílias integrantes do grupo vinham de bairros distantes do centro de São Paulo (Jardim Ângela, Vila Carrão...), ou de municípios vizinhos (Osasco, Santo André, Jandira e Itapecerica da Serra). Durante a seleção, realizada em 2009, conheci a jovem, que vou chamar de Vitória, na época ela estava

Ana Luiza Borba possui experiência como professora alfabetizadora, graduada em Psicologia, especialista em Psicopedagogia pelo CRP, extensão em Neuropsicologia aplicada à Educação, pelo Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. Realiza diagnóstico neuropsicológico, atendimento psicopedagógico na área clínica e consultoria educacional especializada em inclusão de alunos com distúrbios de aprendizagem (DA). www.portalcienciaevida.com.br

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ara a educação ter o lugar central na dinâmica social, é preciso combater todas as formas de exclusão. É preciso conduzir ou reconduzir para o sistema educativo todos os que deles estão afastados, ou que o abandonaram, porque o ensino prestado não se adaptava ao seu caso (relatório da Comissão Internacional sobre educação para o século XXI para a UNESCO). Durante os anos em que trabalhei atendendo crianças e jovens de escolas públicas, com queixa de baixo rendimento escolar, para diagnóstico neuropsicológico em uma instituição, notei que estes jovens chegavam com idade mais avançada do que os que vinham de escolas particulares. Isso porque, devido à condição socioeconômica, na maioria das vezes, os educadores relacionavam a dificuldade que seus alunos apresentavam com privação cultural ou uma questão passageira; e quando mais adiante se davam conta de que o tempo havia passado e a dificuldade não, orientavam a família a procurar por ajuda de profissionais especializados. Iniciava-se, a partir


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Pais e professores precisam parar de censurar e responsabilizar uns aos outros. É preciso que ambos trabalhem juntos para ouvir e estimular, afetiva e cognitivamente, seus filhos e alunos

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as arap para saber mais

Futuro ideal

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ara o futuro, a escola deveria não só aumentar o período de permanência dos seus alunos ou realizar testes para verificar se os mesmos estão alfabetizados no tempo que ela considera hábil, mas oferecer um ensino com qualidade; os profissionais da educação devem ser mais preocupados com práticas educativas que atendam às necessidades de todos. Mesmo sem se darem conta, a maioria dos professores assume, por inerência ao sistema, a função de classificadores do insucesso. Os alunos não podem ser vistos como “limitados”, “preguiçosos”, “desinteressados”... É necessário que o professor mantenha os níveis de motivação e criatividade altos. O corpo técnico não deve camuflar ou negar problemas, mas enfrentá-los com medidas realistas. Ambos não deixam de ser competentes profissionalmente, por não resolverem os casos-problema. É necessário que as escolas tenham clara essa necessidade e percebam que a psicologia escolar pode ser uma grande aliada, pois pode contribuir nas ações de observação, identificação e orientação pedagógica, possibilitando a criação de estratégias educacionais preventivas e otimização do potencial de aprendizagem dos estudantes. Outro ponto diz respeito aos atuais processos de avaliação que, independentemente de algumas melhorias, ainda são sérios obstáculos ao desenvolvimento da educação, por serem puramente numéricos. A visão de eficácia e rendimento deveria ser substituída pelo estabelecimento de níveis de sucesso, na medida em que são possíveis de serem atingidos. Uma instituição escolar mais preparada, e principalmente, com os seus agentes (os professores) cientes de que a aprendizagem se opera no sistema nervoso, segundo conexões interiorizadas de estímulos e de respostas, envolvidos numa dialética e numa socialização progressiva, podem fazer um planejamento curricular mais flexível e adequado, assim como uma avaliação mais apropriada. As dificuldades de aprendizagem são permeadas por classes superlotadas, mal equipadas, carentes de materiais didáticos, que acabam gerando nos professores sentimentos de impotência, de derrota, falta de motivação e elevando o estresse. Os políticos que decidem sobre os rumos da educação não podem mais continuar ignorando os fatos. A Pedagogia não é um problema banal e superficial. Os mesmos devem estar envolvidos e promover medidas que impeçam que esta situação se perpetue. A sociedade tem urgência de uma nova escola, com novos professores, novos materiais, novas metodologias, para ter no futuro novos cidadãos, aptos a construir uma sociedade mais justa, culta e humanizada.

com 9 anos e 7 meses, cursando a 4ª série/ 5º ano do E. F., apresentava um desempenho abaixo do esperado para sua faixa etária e em relação a sua turma de classe. Mesmo sendo inteligente, leitura, escrita e atenção estavam comprometidas. Havia passado por avaliação multidisciplinar, na qual foi diagnosticado um quadro de dislexia. Fazia acompanhamento psicológico, numa clínica-escola e tratamento dermatológico devido ao 46

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vitiligo, ambos em consequência do estresse emocional. Vitória tem uma irmã gêmea que não só estudava na mesma escola como na mesma classe, e se destacava em termos acadêmicos em relação a ela. Não era raro ouvir comentários comparando seu rendimento com o da irmã, tanto dos colegas, como de alguns educadores. Quando iniciamos o atendimento, suas participações no grupo eram

Na maioria das vezes, os educadores relacionavam a dificuldade que seus alunos apresentavam com privação cultural ou uma questão passageira tímidas, e só fazia colocações quando solicitada. Ainda assim, falava muito baixo e quase não dava para ouvi-la. Aos poucos, foi se soltando, começou a fazer comentários do que acontecia no seu dia a dia, participando de discussões e colocando sua opinião. Nos momentos de leitura em grupo, no principio, sua voz não era ouvida, só se via o movimento labial. Com o passar do tempo, não só era possível escutá-la, mas também havia momentos em que se destacava entre os demais. Conforme a fluência na leitura melhorava, a escrita também se aperfeiçoava, suas ideias ficavam mais organizadas e mais claras. Havia momentos em que parecia esboçar um ar de satisfação em seu rosto, ao se dar conta das conquistas alcançadas. Sua confiança e autoestima também se elevaram. Faz parte deste trabalho contatos periódicos com os profissionais que atendem paralelamente estes jovens, com o objetivo de trocar informações, orientar e enriquecer o trabalho em grupo. Na última conversa com a psicóloga que atendia Vitória, ela deixou claro que a menina havia se fortalecido emocionalmente e que não via mais sentido na continuidade do tratamento, portanto, daria alta. No final do segundo semestre do primeiro ano do tratamento em grupo, entrei em contato com a escola e fui informada, pela professora, que a Vitória não só havia apresentado www.portalcienciaevida.com.br


• O papel da Neuropsicologia • O objetivo da educação deve ser ensinar a pensar ou raciocinar. Para tanto, a prática educativa precisa levar em conta o papel da Neuropsicologia. É preciso compreender a complexidade da aprendizagem, especialmente quando consideramos a integração do conhecimento existente, a construção ou a utilização de um novo. Toda criança ou jovem, não importa o grau de inteligência, deve adquirir as funções cognitivas básicas para poder pensar logicamente, aprender a aprender e a aplicar a sua inteligência em situações inéditas. Os que têm inteligência, dita adequada e funcional, podem ter acesso ao desenvolvimento das suas funções cognitivas básicas com mera exposição direta às situações, ou seja, são capazes de memorizar e utilizar a informação com menos repetição e uma mediatização menos intensa; esses jovens têm o sucesso garantido com bons ou maus métodos, currículos ou professores. Em contrapartida, os que possuem uma inteligência dita inadequada, disfuncional ou com necessidades especiais, beneficiam-se menos só por meio da exposição direta a situações ou estímulos e dependem mais de mediatização. www.portalcienciaevida.com.br

continuaria caminhando num crescente e que poderia vencer os desafios futuros. Notou que o empenho da mãe, que estava mais presente e participativa, fez diferença nesse contexto. Assim, fechamos o ano letivo e o primeiro ano de atendimento com os objetivos atingidos. No inicio do segundo ano de trabalho, Vitória cursava a 5ª série/ 6º ano do E. F., e o panorama na escola era outro. Mudou a coordenação, mudaram os professores e a leitura que cada um fazia da aluna, era muito própria. Inicialmente, acreditava que esse comportamento se dava por falta de troca de informações entre os educadores do final do primeiro ciclo, com os colegas do ciclo seguinte, porém, não tardou muito para ficar claro que não era apenas isso. Não havia a menor sintonia entre eles e muito menos entre o trabalho desenvolvido anteriormente.

A experiência com essa escola, em particular, a partir de então, mudou. As comunicações eram evitadas, tanto por telefone quanto por e-mail, já não se falava mais com a professora de classe, mas com a coordenação, a qual não demonstrava interesse em saber o que a Vitória fazia ou deixava de fazer fora da escola, além de desprezar o diagnóstico da aluna. Embora muito estressada com as atitudes tomadas pela coordenação e por um membro do corpo docente, que insistiam em lidar com a situação de forma inadequada, Vitória continuou se desenvolvendo psicopedagogicamente. Aprendeu não só a se colocar como a lidar com as situações conflitantes. Essa situação possibilitou o desenvolvimento, tanto da autonomia intelectual, quanto da autonomia moral. Por diversas vezes, foi necessário intervir junto à escola, para que refletissem e tivessem

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melhora no desempenho da linguagem oral e escrita, o que representava um ganho em compreensão e interpretação da leitura, tanto na Língua Portuguesa, quanto nas demais matérias, como ressaltou, ainda, que seus textos estavam mais coerentes e organizados e que, embora tímida, a sua participação nas aulas eram mais frequentes e menos “sofridas”. Tanto é que, no conselho de classe, isso pesou muito, pois, se ela apresentava crescimento dia a dia, significava que

Havia necessidade do trabalho com as mães em função de vários fatores, entre eles sentimentos de culpa, frustração, angústia e desamparo

As funções cognitivas são dispositivos potenciais de adaptação e de pensamento lógico, que podem ser ensinadas, aprendidas e modificadas ao longo do desenvolvimento, se forem objeto de treino sistemático e de mediatização contínua psique ciência&vida

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dossiê mais tato ao lidar com a aluna, em função do que ela e a mãe relatavam. Foi uma experiência sofrida, porém, rica para todos nós, na qual tanto Vitória quanto a mãe, tiveram a oportunidade de exercitar a paciência, a persistência e a coragem (segundo Piaget – Kamii, Constance & DeClark, Georgia – Reinventando a Aritmética, 1988). Nem todas as escolas lidam de forma inadequada com essa situação. Mesmo com pouca informação sobre como trabalhar com alunos com DA, tentam manter o diálogo e se mostram interessadas em aprender com a experiência que esses alunos possibilitam.

Apoio familiar

H

avia necessidade do trabalho com as mães em função de vários fatores, dentre eles estavam sentimentos como: culpa, frustração, insegurança, angústia e desamparo. Elas faziam perguntas e não encontravam respostas, elas queriam ajudar, mas não sabiam como e a escola, por sua vez, também não sabia como agir. Conheci a mãe de Vitória no pri-

Não basta lei para garantir uma educação inclusiva, as escolas públicas devem promover o desenvolvimento dos alunos com DA meiro encontro do grupo. Uma mulher simples de personalidade marcante, que frequentou a escola, mas desistiu de estudar porque sempre apresentou dificuldade para ler e escrever, ao contrário de sua irmã que se formou em enfermagem. Inicialmente, o que se busca no trabalho em grupo com as mães é o acolhimento e num segundo momento o objetivo é trabalhar a autoestima e a relação delas com a aprendizagem dos filhos, partindo da referência da sua própria aprendizagem, isto é, suas experiências, conhecimentos e afetos que as levam a pensar e agir de uma determinada maneira e não de outra. Entre os pontos fortes desse trabalho com as mães destacam-se: a possibilidade que o grupo operativo oferece aos participantes de aprender a pensar e olhar para os diferentes ângulos de uma mesma questão, a relacionar as próprias opiniões com as alheias, aceitar que os outros pensem de forma diferente, permitindo

As dificuldades de aprendizagem são permeadas por classes superlotadas, mal equipadas, carentes de materiais didáticos, que acabam gerando nos professores sentimentos de impotência, de derrota, falta de motivação e elevando o estresse 48

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no espaço de dois anos, levar o grupo dentro da possibilidade de cada um, a romper barreiras, indo além das estereotipias, tomando consciência de seus atos e, consequentemente, retificando-os. O grupo possibilitou, em tempo recorde, que essa mãe aprendesse a pensar e associar o pensar com aquilo que se faz, isto é, a sair do círculo vicioso, para um pensar que antecede e segue a ação, assim podendo auxiliara a filha nessa trajetória.

Desafios e resultados

N

ão é preciso relatar os desafios de se trabalhar com essas mulheres que foram privadas de estudo com qualidade, algumas tiveram de trabalhar desde cedo para seu próprio sustento e/ou da família e depois tiveram de abandonar tudo para viver em função do(a) filho(a), além de não poderem contar com serviços públicos de qualidade para recorrer. O que fica evidente é que não basta lei para garantir uma educação inclusiva, mas, sim, que as escolas públicas revejam a sua postura para que possam, ao invés de apontar o insucesso dos alunos com DA, promovam o seu desenvolvimento. Independentemente da origem desses DA, sejam por fatores hereditários (endógenos) ou ambientais (exógenos), a escola não pode prosseguir perpetuando o insucesso e se afastando da sua função social. A mudança é necessária e não pode ser vista como uma ameaça. Os professores, por sua vez, não podem manter um comportamento “defensivo”, porque receiam que seu trabalho se torne mais difícil. Percebe-se neles uma insatisfação pelas práticas pedagógicas realizadas, assim como www.portalcienciaevida.com.br


Uma instituição escolar mais preparada, e principalmente, com os seus professores cientes de que a aprendizagem se opera no sistema nervoso, podem fazer um planejamento curricular flexível e adequado às necessidades dos alunos

se nota um antagonismo em quem advoga a favor da mudança. Pais e professores precisam parar de censurar e responsabilizar uns aos outros. É preciso que pais e educadores trabalhem juntos para ouvir e estimular, afetiva e cognitivamente, seus filhos e alunos. A essência do trabalho desenvolvido foi garantir a esses jovens a possibilidade que a escola deixou de oferecer, uma melhor qualidade de vida, otimizando seu potencial

de aprendizagem, utilizando-se do afeto e do lúdico, ingredientes essenciais para o sucesso da aprendizagem. Entendendo que o sucesso implica na superação de obstáculos, e que ele contém a motivação da aprendizagem.

Ter optado pelo caminho com abordagem das funções cognitivas fez toda a diferença, pois, as respostas se deram num espaço de tempo relativamente curto e, sem dúvida, de forma mais efetiva. O que não acredito que fosse possível se tivesse trabalhado com a recuperação do “conteúdo curricular”, porque enquanto o primeiro trata a causa, o segundo apenas “administra” o sintoma, e isto a escola já oferece aos seus alunos, por meio de aulas de reforço ou algo similar – o que, nem de longe, supre as necessidades desses alunos em particular.

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É preciso compreender a complexidade da aprendizagem, especialmente quando consideramos a integração do conhecimento existente

REFERÊNCIAS BLEGER, J. Temas de Psicologia. Porto Alegre: Artmed,1980 FONSECA, Vitor da. Introdução às dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1995 FONSECA, Vitor da. Cognição, Neuropsicologia e Aprendizagem: Abordagem Neuropsicologica e Psicoédagogica. Petrópolis: Vozes, 2006

Controle Controlesuas suasemoções emoções eeremodele remodelesua suavida! vida! Minutos Minutosdedereflrefl exão exão , uma , uma obra obra a um a um só só tempo tempo inspiradora inspiradora e prática, e prática, ensina ensina a pensar a pensar o dia o dia a dia, a dia, a refl a refl etiretir sobre sobre os os acontecimentos acontecimentos dede maneira maneira concisa concisa e iluminadora e iluminadora e mostra e mostra como como você você pode pode controlar controlar suas suas emoções emoções para para terter mais mais segurança segurança nasnas escolhas escolhas queque fará fará emem suasua vida. vida.

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