Revista Mais Contexto (Março/2014)

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REVISTA LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO - UFS

ANO 2 Nº 01

O ARTESÃO DO SERTÃO

As curvas da madeira dão o tom da arte de Véio

Entrevista

Amorosa fala sobre seu trabalho na música e na gestão cultural

Alagamar

As riquezas da comunidade que vive do Ouricuri no interior de Sergipe

Diversão que não sai de moda

Pião, Mané Gostoso e bonecas de pano continuam encantando gerações


EDITORIAL E

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE UFS Reitor: Angelo Roberto Antoniolli Vice-Reitor: André Maurício Conceição de Souza Pró-Reitor de Graduação: Jonatas Silva Meneses DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL Chefe do Departamento: Maria Beatriz Colucci EXPEDIENTE Editor e Orientador: Vitor Belém

Equipe MAIS CONTEXTO

Mais! Essa é a palavra-chave que orienta os trabalhos do novo produto laboratorial do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe. A revista Mais Contexto surge com a proposta de complementar as ferramentas informativas desenvolvidas no Departamento de Comunicação Social (DCOS). Além do Contexto impresso e do Contexto Online, os estudantes passam a ter uma nova oportunidade para exercitar conhecimentos teóricos e técnicos com o jornalismo de revista. Nossa propósito é valorizar temas que fazem parte do dia dia, mas que não estão nas pautas das outras mídias. Um olhar diferenciado sobre fatos, comportamento e personagens que revelam a pluralidade cultural do sergipano. As obras do seu Cícero Alves dos Santos, mais conhecido como Véio do sertão, estampam nossa primeira capa. Um sujeito simples, que usa a madeira como matéria-prima das obras que compõem o próprio museu. E tem muito mais! Só que folheando a revista, você nunca vai sair da letra C: comunidade, comunicação, cultura, comportamento, caçarola, convida, clique e cotidiano. Os ‘‘C” da revista Mais Contexto pretendem revelar novas perspectivas do ponto de vista da informação. Espero que a leitura seja prazerosa!

Equipe de Reportagem: Adson Santana, Alana Karolina, Camila Ramos, Cristiane Santos, Gabriela de la Vega, Igor Bacelar, Jéssica Feitosa, Keizer Santos, Leando Calado, Leila Almeida, Leonardo Vasconcelos, Letícia Santos, Luciana Nascimento, Maria Beatriz Campos, Marília Santos, Regiane Sá, Roseli Silva, Samara Pedral, Silas Brito e Taiene Santos Equipe de Diagramação: Ana Medeiros, Érika Rodrigues, Francielle Couto, Luzia Nunes e Ruhan Victor Oliveira Fotografias: Luciana Nascimento, Regiane Sá, Maria Beatriz Campos e Leila Almeida Capa: Érika Rodrigues Revisão do projeto gráfico e da diagramação: Vitor Braga Produção: Alunos do 6º período do curso de Comunicação Social - Hab. Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe.

FALE CONOSCO Envie sua sugestão de pauta ou comente sobre as matérias já publicadas através do nosso e-mail (maiscontexto@ufs.com).


ÍNDICE Por Leandro Calado e Igor Barcelar Fotos Reprodução

04 Conversando

03 Convida

Sergipe: rio de siris A nomenclatura deixada pelos índios que aqui habitavam perdura até hoje. Mas é só de crustáceos que é feito o sergipano? A coluna CONVIDA desta edição separou cinco indicações que driblam o senso comum.

Antônia Amorosa

08 Cotidiano

A discriminação nas cadeiras da universidade

Gastronomia

10 Conhecimento

Rio Poxim: problemas causados pela poluição

12 Comunidade

A arte que sustenta um lugar

16 Comunicação

Geração smartphone

18 Comportamento

A magia do ontem

20 Clique

Véio: o artesão do sertão

24 Caçarola

O cuscuz nosso de cada dia

Turismo Ponto de partida para os mais agradáveis passeios de catamarã, a Orla Pôr do Sol é uma opção de lazer para toda a família. Enquanto os adultos tomam uma cerveja gelada e degustam o famoso pastel de aratu no Bar do Kid, as crianças comem pipoca e algodão doce feitos por moradores dopovoado Mosqueiro e brincam no parque infantil. O píer com visão privilegiada para o rio Vaza Barris e da ponte Jornalista Joel Silveira é parada obrigatória para os amantes da fotografia e apaixonados pela natureza.

Desde a década de 80 o‘Tanga Vuou’ oferece o melhor da culinária nordestina com o seu Pirão de Galinha de Capoeira. Localizado também no Mosqueiro, o estabelecimento faz parte da cultura gastronômica de muitas famílias sergipanas. Quem nunca riu com os avisos na parede de que “só é permitido o namoro de tubarões”, ou da gravura semi-nua da mulher que está correndo atrás de sua tanga tragada pelo vento observada por um homem que murmura “assim que é bom”, definitivamente não sabe o que é pirão!

Audiovisual Caminhando pela Rua Barão de Maruim em Aracaju, um rapaz escuta gritos femininos pedindo socorro vindo de uma casa bem sinistra e ao resolver ajudá-la percebe que não deveria ter bancado o herói. Esta é a premissa do curta ‘Gritos da Rua Barão’, idealizado e dirigido pelo aracajuano Marlon Delano. O filme tem aproximadamente seis minutos e foi considerado pelo Jornal do Dia um marco no cenário audiovisual de Sergipe.

Música Lançado em 2013, o Un’Nu, terceiro álbum da Maria Scombona, se destaca em um ano fervilhante na música sergipana. É cru, direto, totalmente gravado ao vivo apenas com os instrumentos tocados pelo power trio Saulo Ferreira, Rafael Júnior e Robson Macaxeira e a voz marcante destilada em poesia por Henrique Teles. Imprescindível na playlist de todo aquele que preza pela boa música brasileira e praticantes de voyeurismo.

Literatura Publicado por Cleomar Brandi em 2009, um dos últimos cronistas do jornalismo local, “OS segredos da loba” é um conjunto de textos compilados dos seus 32 anos de jornalismo. Infelizmente, o lendário boêmio nascido na Bahia, mas Sergipano de coração, veio a falecer em 2011 devido a um tumor cancerígeno, mas deixou o seu legado para o jornalismo.


Amorosa: símbolo da musicalidade sergipana A

Por Adson Santana e Gabriela de la Vega Foto Aquivo Pessoal

itabaianense Antônia Amorosa construiu sua carreira artística, como ela mesma diz, de baixo para cima, lutando para chegar onde está hoje. Atualmente, a cantora, autora, jornalista e gestora é Diretora de Arte e Cultura da Secretaria Especial de Cultura (Funcaju) em Aracaju, escreve semanalmente pelo Correio de Sergipe, aos sábados, na coluna Poucas e Boas e possui mais de 400 artigos publicados nos principais jornais de Sergipe. Sua extensa carreira musical, com 10 coletâneas, 1 LP duplo e 5 Cd’s gravados, rendeulhe diversos prêmios, como o de melhor intérprete do Festival Canta Nordeste, 1993, pela Rede Globo/Nordeste e melhor intérprete do Brasil na Festa da Música Brasileira, em 2001, no Rio de Janeiro. Além disso, atuou musicalmente em quase todos os estados brasileiros, participou de eventos internacionais e fez turnê pela Alemanha, Áustria e Estados Unidios. Nessa entrevista, ela conta um pouco mais sobre a sua carreira e as dificuldades enfrentadas como diretora da Funcaju. 04

Contexto: Quais foram os tos artistas querem ganhar desafios que você enfrentou dez mil reais de cachê, sem na sua carreira artística? dar os primeiros passos de crescimento que é pagar Amorosa: Segui o trajeto o preço pela conquista do da minha carreira obe- que cobra. Não se ganha decendo a um critério fun- espaço com grito, só com damental de crescimento talento. À medida que meu artístico - conquistando nome se espalhou, alcancei público. Há uma frase que diversos prêmios. Cheguei diz que “o artista tem que ir ao lugar em que estou hoje aonde o povo está.” Na dé- pelo meu talento. cada de 80, período em que comecei, eles estavam nas Em 2013, você partici-pou casas noturnas de Aracaju. do Brazilian Day, em Nova Durante anos ganhei dois York, um evento que tem salários mínimos por mês o objetivo de divulgar a para cantar quatro vezes cultura brasileira em outros por semana, durante qua- países. Qual foi o significatro horas seguidas e con- do de participar desse um solidar meu nome com o evento como representante talento que Deus me conce- da cultura nordestina? deu. Nos dias de hoje, mui- Recebi o convite do meu

parceiro de composição e amigo pessoal, Del Feliz. Quando me deparei com a receptividade do meu trabalho em Nova York pude me convencer que Deus me concedeu talento para ir a qualquer lugar do mundo. A única coisa que me entristeceu foi o fato de ter sido levada pelos baianos, e não por minha terra. Como você visualiza o cenário cultural em Aracaju? Temos muito para mostrar, recursos insuficientes para investir, muito trabalho para iniciar, muitos vícios para destruir, muita gente

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nova para mostrar, muita gente antiga, mas excelente para investir, muita campanha para injetar, muito bloqueio para intervir, muitos poetas para a-clamar, muitas vozes para se ouvir, muitos corpos para dançar, muitas mãos para pintar, patrimônios para preservar, danças populares para “reexistir”, preconceitos para quebrar, um novo tempo para fluir. Não perco a esperança. Por isso, só por isso, permaneço aqui.

todos com real capacidade de se tornar nome nacional. Isto é fato. Reproduzir algo que já existe não é novidade. Novidade é criar algo novo, ser diferente, ser algo que não tem parecido em lugar nenhum. Ou fazer parte de um movimento musical ou artístico onde um artista leva o outro. É este o segredo. Sem esquecer do investimento financeiro, o mais cruel, e não menos importante.

Quais estão sendo suas Você acredita que os artisiniciativas como cantora tas sergipanos têm as mese gestora em prol de uma mas oportunidades que ardifusão e solidificação da tistas dos outros locais? Naturalmente, não. Mas, precisamos iniciar ou reiniciar quantas vezes for preciso até que consigamos despontar um nome, seja em que setor for. O grande problema desta frase “artista sergipano” é que alguns se apresentam como tal, mas não têm talento, nem história, nem cacife para se intitular como artista. Nesta seleção ainda existe muita mistura, muitos equívocos. Enquanto o próprio artista não amadurecer sobre sua obra, ela não caminhará na dimensão devida. E construir uma carreira apenas em Sergipe não é suficiente para ser nome nacional. Sei do que falo e por quê. Quais as dificuldades que os artistas sergipanos enfrentam para chegar ao sucesso? Produção e mídia. Talento e criatividade. Temos muitos produtos. Porém, nem 06

“O poder é um polvo com vários tentáculos.

cultura sergipana dentro e fora do estado?

caju, que espero em Deus e nos homens de boa vontade, realizá-los. Não cito os detalhes porque já fui “roubada” em diversas ideias de nossa autoria. Fiquei esperta! Quais os desafios enfrentados na sua carreira como gestora? O poder é um polvo com vários tentáculos. Assumir um cargo não garante que todos os seus projetos serão realizados. Mas aceitar o desafio em tentar fazer é o grande motivador. A primeira dificuldade é convencer sobre a importância da inovação, seguida das limitações financeiras, ausência de apoios externos consistentes em torno do que você acredita. Sou uma defensora do produto local em todas as suas vertentes, por não acreditar em crescimento cultural que não comece a partir da sua aldeia. Somente no ano de 2013, a Funcaju prestigiou mais de 300 artistas sergipanos. Houve uma diminuição na contratação exagerada de artistas nacionais e um fortalecimento do produto local, mesmo desagradando os que estão midiaticamente viciados em produtos culturais externos. A demanda é maior do que o órgão suporta porque a-tualmente ele tem sido o único organismo cultural que tem absorvido a ausência de outros.

Como cantora, já levei diversos artistas sergipanos à Bahia, na terra de Dona Canô para cantar para um público diferenciado. Já levei para o carnaval em Salvador para cantar comigo no circuito Barra Ondina; já indiquei nomes para cantar fora daqui. Como gestora, disponho de mais de 32 projetos de minha autoria que beneficia as áreas de música, teatro, dança, audiovisual, artes plásticas, literatura, patrimônio, fol- Os artistas sergipanos recclore e resgate da história lamam que falta espaço indígena e negra em Ara- para eles nas festas munici-

Amorosa no Brazilian Day ao lado dos também músicos Adelmario Coelho e Del Feliz ( Foto arquivo pessoal)

pais, a exemplo do Manifesto Aracaju no a-niversário Não se ganha da capital, em que vários artistas sergipanos se manespaço com grito, ifestaram contra a contratação de artistas de fora do Estado para cantar na só com talento. festa. Depois de eventos como o Forró Caju e o Reveillon, que tiveram majoritariamente sergipanos, os volvidos pelo órgão durante artistas estão mais satisfei- outras gestões, onde verificamos que um círculo retos? petitivo de atrações estava Se estão felizes, não sei. Se ocorrendo. Naturalmente, eu estivesse no lugar deles todos, na medida do posme manteria sempre na ex- sível terão oportunidade. pectativa de mais, porque Porém, estaremos semprecisamos de mais. Mas, pre buscando inovar e dar acredito que estejam mais oportunidade a artistas esperançosos. No ano pas- que nunca tiveram e, se sado, a vitória em termos tiveram foi muito pouco, a aumentado a programação chance de mostrar seu trado Forró Caju de 55% para balho. Temos projetos vol86% de artistas sergipanos tados para diversos estilos foi um desafio. Fazer o musicais. E, a cada tempo mesmo em eventos igual- e espaço devido estaremos mente significativos como propondo os nomes que o carnaval e réveillon tam- acreditamos serem referbém. Quanto aos artistas ências. No entanto, uma que assinaram o manifesto, parte dos artistas que se tivemos acesso aos arquiv- manifestou jamais procuos dos trabalhos desen- rou oficialmente esta rep-

resentante no órgão, o que dificulta a possibilidade de apresentarmos propostas que nunca foram mostradas a uma colega em comum. Estou no cargo como ponte. Mas alguns poucos ainda não entenderam isso. Apresentar-se é o primeiro passo de um verdadeiro profissional. Convidei alguns no ano passado, no primeiro semestre para que fossem até o órgão. Estamos em Janeiro de 2014 e até hoje não apareceram, especialmente os que lideraram o movimento. Permaneço à disposição para servir e ser ponte entre o poder e a classe cultural. Ouvirei todos que quiserem levar suas propostas e ideias. Mas não tenho como forçar a irem. Isto não depende de mim. Orgulho não leva ninguém aos espaços. O que leva é a humildade que dignifica, o talento, as ideias e a oportunidade. E isso nada tem a ver com política. Tem a ver com visão. 07


A realidade da discriminação na universidade Por Rosely Silva e Silas Brito| Foto Silas Brito

Universidade, lugar da diversidade, mas onde nem sempre as difrenças são respeitadas

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pesar das diversas atitudes de respeito e aceitação das diferenças, a discriminação e o preconceito ainda vêm atravessando marcas do tempo e adentrando onde menos podíamos esperar: na academia. Essa atitude pode ser presenciada na Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde na inevitável heterogeneidade dos povos, o estranho, o diferente e o novo, não conseguem passar despercebido pelos corredores, didáticas e salas de aula. Mesmo com projetos de inclusão social, desenvolvidos em alguns centros acadêmicos e trabalhados em algumas disciplinas, a realidade da discriminação ainda pode ser encontrada na universidade, trazida muitas vezes de âmbitos muito maiores, como na sociedade. Diante dessas concepções, ainda pode-se definir diferenças, entre preconceito e dis-

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criminação. O primeiro é um juízo preconcebido que se manifesta de maneira discriminatória e diz respeito a uma valoração estereotipada e negativa atribuída a pessoas, lugares ou tradições. Já a discriminação tem um conceito muito mais amplo e dinâmico, já que os dois têm agentes diversos: a discriminação pode ser provocada por vários indivíduos e instituições, enquanto o prejulgamento é praticado apenas por uma pessoa. No Brasil, segundo o art. 20 da lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, pode levar a uma pena de reclusão de um a três anos, acrescido de multa. Discernir, ainda, por sexo, idade, estado civil, doença, orientação sexual ou aparência, também pode aferir como um ato discriminatório.

A realidade nas salas de aula Mesmo na comunidade acadêmica, a discriminação ainda continua sendo uma realidade entre alunos. Este é o caso da estudante de letras/português/ inglês, Sharliane Braz Santos. Ela comenta que já foi vítima de uma atitude discriminatória no campus, mas que conseguiu superá-la com a ajuda dos amigos. “Eu mesma já senti na pele o que é a discriminação. Sou mãe e engravidei muito jovem. Muitos dos meus amigos que estudavam aqui na UFS se afastaram de mim. Os únicos que sobraram são realmente aqueles que gostam de mim e não se importavam pelo fato de ter sido mãe tão jovem”. A estudante ainda completa dizendo que já presenciou outro aluno sendo alvo de hosti-

lidades dentro da sala de aula e afirma que a atitude do discriminador era evidente. “Já presenciei atos explícitos de racismo e discriminação. Na minha turma, um rapaz negro e homossexual sofria preconceito de pelo menos 25% da turma, principalmente de mulheres brancas, católicas e de classe média alta. Muitas, sempre se incomodavam quando ele falava em sala de aula ou chegava mais próximo delas”. No entanto, a estudante de engenharia agrícola, Vanderly Santos, diz não se sentir confortável na presença de casais do mesmo sexo. “Eu mesma tenho que admitir que não gosto das atitudes dos homossexuais. Hoje em dia é uma barbaridade tão grande. Antes eles eram mais discretos, cada um em seu canto e hoje em dia eles estão expostos demais, sempre se exibindo, querendo

chamar atenção e eu não gosto disso”, comenta a estudante. Em entrevista, alguns estudantes demonstraram indiferença sobre o assunto e dizem nunca terem sido discriminados. No entanto, todos afirmam já terem presenciado atos de discriminação dentro do campus. A estudante de ecologia, Yane Regina conta que nunca foi discernida, mas nos corredores da universidade, já ouviu relatos de muito que sofreram com essa prática em relação a opção sexual. Ela confirma ainda que já presenciou condutas de distinção entre professores com alunos cotistas de escola pública. No corpo docente A situação também já foi presenciada pelos docentes da universidade. A professora e mestranda em Ciências Sociais, Julia-

na Correia Almeida e Silva, já verificou uma situação de segregação de um professor de artes, que praticou racismo com uma aluna negra. O caso foi parar no Ministério Público, e o professor por pouco não foi punido; foi o único caso que presenciou desde 1998. Outro fato curioso contado pela professora foi de um dos seus alunos que é transexual e lhe enviou um e-mail antes das aulas começarem, pedindo para que ela o chamasse pelo nome que ele realmente gostaria de ser chamado. A professora conta que ficou assustada, mas como a universidade autorizou a realizar tal pedido, se sentiu mais tranquila para atendê-lo. “Por ordem do departamento, tive que fazer a chamada em sala de aula e chamá-lo pelo nome que ele escolheu e não pelo nome de batismo”.

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Rio Poxim: problemas causados pela poluição Por Maria Cristiane Santos Marília Santos Taiene Rodrigues| Foto Taiene Rodrigues Importante fonte de água para a capital, o rio Poxim sofre com a poluição e o descaso do poder público

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orar na beira do rio é um privilégio para poucos. Imagina então para quem gosta de pescar. Seu Josafá Santana, 48 anos, bem que gostaria de viver em um paraíso nessas condições. Embora viva nas imediações do rio Poxim, em São Cristóvão, lugar que poderia reunir muitos atrativos, o ex-pedreiro vive uma realidade bem diferente. No local onde mora, restam poucas belezas naturais e já não se pesca mais. Seu Josafá fica sentado olhando o rio que um dia tirou seu alimento. Muito poluído, o rio não oferece condições para pesca, só resta o lixo que podem ser vistos nas margens e outros utensílios domésticos como latinhas de refrigerantes e cervejas, garrafas pets, resto de sofás e tantos outros, encontrados nas margens e dentro do rio, objetos 10

que são descartados por pessoas de outras localidades, pelos próprios moradores e também trazidos pelas enchentes. Desde 1958, o rio Poxim tem sido uma das principais fontes de água para Aracaju. Segundo a Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso), o rio abastece cerca de 790 mil habitantes da cidade de Aracaju. Por outro lado é também o mais poluído do Estado, de acordo com a Semarh (Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos). O descarte direto de lixo, a contaminação por pesticidas, principalmente advindas de agrotóxicos, fertilizantes, herbicidas e em menor quantidade por afluentes industriais, estão entre as fontes de poluição. Além disso, o fato de estar localizado em uma área urbana

prejudica ainda mais, devido ao despejo do esgoto doméstico. Segundo Ailton Rocha, Superintendente de Recursos Hídricos da SEMARH (Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos) Sergipe, atualmente todo o esgoto de Aracaju é descartado in natura nos rios. As estações de tratamento do esgoto estão em construção e só devem concluídas no final de 2014. “Cerca de 4 milhões de reais, foram investidos na preservação e recuperação das nascentes, através do programa ‘Preservando Nascente e Municípios’. Isso porque o rio Poxim, é um rio estratégico para abastecimento humano e quando protegemos essas áreas de recarga, estamos protegendo o rio como um todo”, ressalta o superintendente. Embora tardia, a obra

pode trazer um reflexo positivo na qualidade das águas. Quem sabe até seu Josafá possa voltar a pescar. Coisa que há cerca de cinco anos ele deixou de fazer. Com essas obras que visam a recuperação das nascentes e de saneamento, talvez os moradores ribeirinhos do rio Poxim e de outros rios Sergipanos, voltem a ter o prazer e a alegria de alimentar seus fami-

liares e amigos, com os peixes retirados dos rios. A vida na beira do rio é também prejudicial. Tanto para o rio, quanto para a população. As moradias irregulares causam o desmatamento de matas ciliares e o aterramento de margens, além do acréscimo de esgoto e lixo sendo descartado de maneira irregular.

Josafá Santana, 48 anos, ex-pedreiro | Foto Marília Santos

O risco para quem vive nestas áreas é justamento pela poluição das águas. Várias doenças atingem com intensidade os moradores ribeirinhos e pescadores que entram em con-

tato com a água, assim como os pescados ou animais que são criados nas proximidades. A nascente do rio é a área mais crítica em poluição e está sendo recuperada. Um trabalho que conta com a participação do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Sergipe, Universidade Federal de Sergipe, Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Sergipe e das prefeituras municipais. Enquanto projetos e promessas ainda não se concretizaram, seu Josafá Santana acompanha a destruição do rio, esperando por dias melhores.

Uma pesquisa realizada pela Adema (Administração Estadual do Meio Ambiente) apontou que o quadro de doenças entre os moradores da área vai de micoses (40%); verminoses (33,33%); disenteria (20%) à esquistossomose (6,67%). 11


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A arte que sustenta um lugar

Alagamar, uma terra rica de gente simples Por Letícia Kichnner e Jéssica Feitoza Imagens Luciana Nascimento 12

ocalizada as margens do rio Brito a aproximadamente 35 km da sede do município de Pirambu, o povoado Alagamar é o berço do artesanato oriundo da palha do ouricuri. A planta nativa da região nordeste é utilizada pelos moradores desde gerações antigas para a fabricação de utensílios domésticos. A fabricação de produtos artesanais tem forte ligação com a cultura escrava. Segundo os registros históricos, durante no séc. 18, Sergipe passou a receber os braços fortes de escravos, vindo principalmente de Salvador e do porto de Pernambuco e eram levados à vila de Estância. Lá eram vendidos aos proprietários de terra de engenhos e de outros colonos da região. Explorados e maltratados, muitos fugiram de seus donos e se esconderem próximos a rios e matas fechadas. De acordo com moradores da região, o povoado Alagamar tem mais de 200 anos. A cor da pele e os traços físicos dos moradores revelam a naturalidade quilombola. A região, acidentada por morros e ladeiras, cortados por rios de águas doces que se escondem em meio à mata atlântica, foi o local ideal para a instalação de um quilombo. Os mais velhos da comunidade contam que os escravos se estabeleceram no local, para se esconderem dos seus senhores, quando fugiam das fazendas. Atualmente toda a população é tem um forte grau de parentesco, não é por acaso que um sobrenome é predominante: Santos. Em Alagamar, quase todo mundo é parente. Até seu José dos Santos, um alagoano, popularmente con-

hecido por “Zé Pedreiro”, que casou com uma alagamaense, herdou o sobrenome e já mora na comunidade há mais de 20 anos. Ele atua na comunidade como pesquisador e contribuiu para o reconhecimento da comunidade quilombola junto ao congresso em Brasília. A matéria-prima que desenvolve um lugar O ouricuri é uma planta nativa da região nordeste, seus frutos são comestíveis e de suas sementes pode-se extrair óleo vegetal. As fibras das folhas são matéria-prima para a confecção de chapéus e outros objetos artesanais. A fabricação do artesanato da palha é uma atividade fortemente marcada pelas raízes de origem negra, mas poucas pessoas da comunidade sabem de onde surgiu essa cultura artesanal. Mas a memória da artesã aposentada Cândida dos Santos ajuda a manter viva as raízes históricas. “Desde os mais antigos é que se começou essa tradição. Isso eu prendi desde pequena com meus avós, então quando se iniciou o povoado já pode se registrar a cultura do artesanato. Começou pela tabúa, fazendo esteirões, chapéus e côfo”, explica Dona Cândida. O artesanato dita as relações sociais que territorializam o povoado, reproduzindo o modelo de vida e refletindo sobre o ofício do artesão. Por esta causa o ouricuri torna-se tão comum na comunidade, pois sua utilização é tão frequente que faz de sua utilidade a identificação das relações sociais que perpetuam as gerações. A matéria-prima nem sempre foi acessível. A falta 13


de estradas e de transportes, bem como as dificuldades para retirar a palha verde da palmeira (matas fechadas, animais peçonhentos, etc.) foram continuam sendo desafios para as artesãs. O artesanato atualmente tem sua função de gerador do desen volvimento sustentável social do povo alagamaense, além de ser o indicador do turismo local. Muitos produtos são exportados para outros Estados. Não é surpresa passar pelas ruas e ver mulheres sentadas nas frentes das casas, juntamente com as filhas, a fiarem a palha seca. A arte de fiar a palha seca é tão séria para essas mulheres que sua atenção é totalmente voltada para

o vai e vem dos fios que são enrolados no desenvolver do produto. Mesmo com os dedos calejados pelo árduo ofício, as artesãs produzem cada peça com delicadeza e esmero. O perfeito acabamento é o que irá atrair os clientes. Enquanto fala de sua arte e da importância de seu artesanato na comunidade alagamaense, dona Cândida costura rapidamente uma bolsa, que em minutos fica pronta. “De uns anos pra cá a gente começou a fabricar bolsas, passadeiras de mesa. Temos também peças que chamamos de enrolado, que é um artesanato difícil porque leva mais tempo para ficar pronto e nem

todos conseguem fazer”, enfatiza Cândida. O espírito empreendedor fez tanto sucesso entre as mulheres que há até alguns homens que se ariscam a tecer os fios da palha do ouricuri pra desenvolver o ofício artístico. O senhor Claudio dos Santos, marido de Iranildes da Anunciação Santos, mostra que tem certa paixão pela arte. “Esse artesanato é uma coisa que ajuda para cobrir custos dentro de casa, porque a gente compra as coisas, então quando temos tempo, nós homens ajudamos, seja na hora de buscar a palha no mato, seja quando tem que riscar a palha. No caso, separando o talo O ouricuri e o fruto, matéria-prima para o artesanato

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do linho e quando a palha está seca a gente faz tranças e aí a gente ajuda.” diz satisfeito seu Claudio. A confecção do artesanato feito da palha do ouricuri é tradicional e exercida tanto por idosas, quanto por mulheres e crianças que podem ser vistas em grupos durante o dia a fazer tranças de palha. Mesmo durante a noite, o trabalho não para. Embora existam oscilações nas vendas do artesanato, além do trabalho cansativo, a prática dessa arte em Alagamar nutre a identidade do povo, fortalecendo seu pertencimento a este lugar. Além de ser considerada a atividade econômica, considerada também uma ocupação que distrai e afasta a falta de dinamismo. As artesãs que já são aposentados veem esse ofício como uma saída para combater o desânimo que os assola, pois estando eles juntos, tudo fica mais fácil. É o que conta a professora aposentada Doralice. “Quando estamos juntas na associação, nós conversamos, rimos,

falamos nossas besteiras engraçadas umas com as outras, e mantemos a mão na palha, tecendo o artesanato”. Embora o artesanato seja de caráter rústico e antigo, nos últimos anos os produtos fabricados tiveram de ser incrementados e moldados a fim de atender as tendências do mercado global. Por esta razão o artesanato tornouse o elemento cultural na construção do desenvolvimento regional da comunidade Alagamaense. As relações sociais ultrapassam as fronteiras do povoado e alcançam experiências e conhecimentos. Foi com essa meta que a comunidade estabeleceu contatos com instituições que auxiliam no setor de negócios em Sergipe, conheceu novas técnicas e formas de trabalho e criou o grupo “Raízes da Terra”. “Há oito anos nós trabalhávamos só com o chapéu. Depois de nos reunirmos com a prefeitura, SEBRAE, Emdagro e a Universidade, passamos então por reuniões, participamos de cursos para o aperfeiçoamento e en-

tão começamos a desenvolver melhor nosso trabalho no grupo Raízes da Terra, durante o ano de 2005. Há três anos registramos a associação, trabalhamos, fazemos nossas peças e levamos pra orla de Atalaia, participamos de vários eventos.”, salienta a presidente da associação, dona Iranildes. Com essas capacitações, essas associadas visaram o progresso local, pois ter aprendido novas técnicas proporcionou melhorias nas vendas dos produtos. O maior fluxo de produção destina-se à capital do Estado, que conta com dois mercados de referências turísticas, nos quais os comerciantes revendem obras artísticas. O artesanato é a renda complementar da maioria das famílias no povoado Alagamar. Com a simplicidade de gente humilde, sorriso no rosto e as mãos cheias de calos, essas pessoas seguem construindo seu presente, na esperança de um futuro aonde o artesanato irá lhes proporcionar melhores condições de vida.

A arte sendo finalizada

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Geração smartphone Por Leonardo Vasconcelos e Luciana Nascimento | Foto Luciana Nascimento

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o começo ele era utilizado apenas para fazer e receber ligações. Depois apareceram os serviços de mensagem como o SMS, hoje já superados. Agora, com os smartphones é possível fazer muito mais, como ler e-mails, acessar redes sociais, tirar fotos, fazer vídeos, ouvir música, acessar a internet, baixar aplicativos. Enfim, os novos dispositivos móveis estão cada vez mais presentes no dia-a-dia das pessoas, principalmente dos jovens. E não é difícil encontrar exemplos por aí. O estudante de audiovisual Victor Ramos, 21, é do tipo que usa o smartphone para ‘‘quase tudo’’. Ele diz que usa o aparelho para diversas funções como acessar o e-mail, conversar com outras pessoas, ouvir música e tirar fotos. Como todos esses dispositivos e tantos outros estão literalmente ao alcance da mão, Victor revela que às vezes nem liga o computador. Mas ele não está sozi16

nho. Uma pesquisa feita pelo Instituto IDC Brasil, empresa que presta serviços de consultoria na área de tecnologia da informação e telecomunicações, registrou um crescimento de 19% na venda de smartphones no Brasil entre os meses de julho e setembro de 2013 em relação ao trimestre anterior quando foram vendidos 8,7 milhões de aparelhos. Se comparado ao mesmo período de 2012, o crescimento anual foi de 147%. Os números apenas traduzem o que pode ser verificado no dia-a-dia. Basta lançar um rápido olhar em volta para verificar como os smartphones estão cada vez mais presentes na vida das pessoas. A secretária do Núcleo de Relações Internacionais da UFS, Louise Freitas, acredita que passa a metade do dia usando o celular, tempo que divide entre as ligações e o acesso às redes sociais, como facebook e aplicativos de comunicação, como o whatsapp. Ela confessa que esse tipo de comportamento faz com que

Smartphones proporcionam praticidade e permitem acesso o dia todo, em todos os lugares.

se sinta dependente do aparelho. “Se eu sair sem ele não fico bem. É como se tivesse faltando alguma coisa”, afirma. Outro tipo de problema é apontado pelo estudante Thiago Santos de Jesus, 19. Ao relatar sua experiência pessoal conta que por causa do smartphone deixava a vida acadêmica em segundo plano. “Eu estudava de última hora. Preferia ficar no smartphone assistindo vídeo”, confessa. A psicóloga Camila Lima Tavares, 27, considera esse tipo de comportamento prejudicial. Segundo ela, “falta participação, a atenção está voltada para o celular e a pessoa fica dispersa. Há problemas de aprendizagem e fixação de conteúdo”, esclarece. Camila diz que não se assusta com a quantidade de aparelhos, já que, segundo ela,

a procura por informação ágil explica o crescimento na venda e uso de smartphones. Porém, ela se mostra preocupada com os efeitos desse crescimento, que tem provocado em alguns casos uma relação de dependência. “Eu percebo que esse uso exagerado tem gerado uma vida mais virtual do que real.

Isso tem gerado um esvaziamento das relações sociais e essas relações têm se tornado cada vez mais escassas”, afirma Camila. Para os dependentes de plantão, ela recomenda que seja feita diminuição gradual do uso, como em ambientes de trabalho e em locais de estudo.

“A pessoa precisa se policiar. Por exemplo, eu sou psicóloga e não cabe a mim ficar no whatsapp no meio de uma consulta. Pessoas que trabalham com programação ou mídias sociais são casos diferentes. Mas é preciso que a pessoa perceba qual a real necessidade do uso”, aconselha.

Smartphones e redes sociais Não é apenas a venda de sartphones que está em alta. O acesso às redes sociais através deles também. De acordo com uma pesquisa realizada em 2013 pela E. Life, empresa responsável pela gestão de relacionamento e mídias sociais na América latina e em Portugal, os aplicativos mais usados em tablets e smartphones são aqueles ligados a redes sociais e comunicação. Segundo a pesquisa, 96,2% dos entrevistados que possuem entre 15 e 24 anos e 98,6% situados na faixa etária entre 25 e 65 anos dizem que utilizam o smartphone para acessar as redes sociais.

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A magia do ontem Brinquedos que ultrapassam gerações e continuam conquistando crianças Por Camila Ramos e Maria Beatriz Campos / Imagens Maria Beatriz Campos

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uem não se lembra dos brinquedos da infância? Os prazeres de se divertir com o pião, o Mané Gostoso, caminhões de carrinho e bonecas de panos, ficam marcados na memória de quem conviveu numa época onde computador, televisão e video games, não existiam. No Mercado Municipal de Aracaju, a venda de brinquedos antigos é uma tradição. José Freire de Oliveira, mais conhecido como Zé Careca, é um dos vendedores de brinquedos artesanais mais antigos do Mercado e também um dos mais populares e conhecidos. Os brinquedos chegaram no seu box há 62 anos e são responsáveis por grande parte dos lucros do comerciante. “Eu vendo bem, até porque eu não vendo caro, vendo por um preço normal, então eu vendo muito. O pião, por exemplo, custa 5 reais; o Mané Gostoso varia de 2 a 3 reais e os carrinhos variam o preço, mas não deixam de ter preços populares”, explica o

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comerciante. No box de Zé, há brinquedos de todos os tipos, uns mais conhecidos e outros mais diferentes, mas as crianças aprendem com facilidade a manusear. “Eu vendo de caminhõezinhos a Mané Gostoso, são muitos brinquedos. Quando as crianças chegam, a gente ensina como é que brinca com eles ou às vezes eles já pegam e passam logo a perna no cavalinho, arrastam o caminhão, elas realmente gostam desse tipo de brinquedo. E eu aproveito para lembrar da minha infância”, enfatiza Zé Careca. Gilmara Santana vende brinquedos infantis em seu box há 15 anos e se sente orgulhosa em poder levar as crianças a conhecer brinquedos que fizeram parte da sua infância. “A ideia, quando eu comecei a trabalhar com esses brinquedos, foi dar continuidade, não deixar apagar esse costume. As crianças precisam conhecer os tipos de brinquedos que os pais, as mães e avós brincaram,

mas elas não têm acesso hoje em dia e se vierem ao Mercado, elas podem passar a ter esse conhecimento. Elas chegam aqui e se encantam, o que elas não conhecem, sempre dão um jeito de aprender”, conta a comerciante Quanto ao brinquedo favorito das crianças, os vendedores têm opiniões parecidas: não existe brinquedo preferido, todos fazem sucesso com a garotada. “É incrível, tudo o que elas veem, elas se encantam. É diferente, não é da época delas, mas não importa a geração, esses brinquedos sempre conquistam as crianças. Mesmo quando não sabem brincar, elas perguntam e a gente ensina. Elas são muito espertas”, conclui Gilmara Santos. Ubiratan Silva, de 9 anos, veio de São Paulo para passar o final de semana em Aracaju e ficou encantado assim que viu os brinquedos artesanais.“É bem diferente dos meus brinquedos, mas eu gostei deles. Só não sei dizer se gosto mais de-

les ou dos meus.”, diz o garoto paulista. A baianinha, Sofia Castro, de 5 anos, também se rendeu aos brinquedos antigos e ficou fascinada com a variedade que encontrou no Mercado. A mãe de Sofia faz questão de incentivar e tentar inseri-los na rotina da criança. “Eu tento sempre colocar esses brinquedos na rotina dela, são muitos brinquedos modernos, mas mesmo assim eu tento. Os brinquedos mais simples estimulam a criatividade dela e eu acho isso muito importante. Ela é bem receptiva, gosta de muitos brinquedos artesanais, mas algumas vezes os brin-

Você sabia? O pião é um objeto cônico, geralmente de madeira, com uma ponta de metal. É lançado com ajuda de um fio (con-

quedos modernos conseguem deixar ela mais empolgada, do que os mais simples”, contou Isabella Castro, mãe de Sofia. Segundo a pedagoga Edileusa Santana, os brinquedos artesanais contribuem para o desenvolvimento das habilidades motoras. Já que eles exigem mais movimentos para funcionar do que os eletrônicos. “Os brinquedos antigos contribuem para o desenvolvimento motor da criança. Os eletrônicos são interessantes e muitas vezes são a preferência das crianças, por conta do colorido e pelo fato dela poder estar no comando, que as deixam fascinada. Ela

se encanta ao perceber que só de apertar um botão o brinquedo já realiza os movimentos. Um brinquedo que é excelente para ajudar no desenvolvimento psicomotor das crianças é o pião, já que ele exige movimento e cria nelas a noção de espaço.”, indica a pedagoga. Mesmo os eletrônicos sendo mais presentes nas brincadeiras atuais, os brinquedos antigos não perderam seu fascínio e é possível ver o brilho nos olhos e a curiosidade de cada criança que tem seu primeiro contato com os mesmos brinquedos com que seus pais se divertiram por muitos anos.

hecido por “fieira”), que o faz girar. Os piões são conhecidos desde a antiguidade, tendo sido encontrados piões de argila, decorados, originários da Babilônia. Piões foram encontrados nas escavações de

Pompéia. Cinco séculos antes de Cristo, um poeta grego de nome Calímaco fazia menção ao pião como jogo infantil popular. O brinquedo é citado por Virgílio, Horácio e Plínio; O Velho.

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Véio: o artesão do sertão

Esculpindo em madeira, ele constrói história na cultura sergipana Por Samara Pedral, Keizer Santos e Regiane Sá | Foto Regiane Sá

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ono de uma simplicidade natural e de uma criatividade peculiar, o artesão Cícero Alves dos Santos, conhecido como Véio, surpreende a todos com o seu museu a céu aberto em pleno alto sertão. Quem passa pela BR 206, rodovia que liga os municípios de Feira Nova e Nossa Senhora da Glória, na altura do km 8, se depara logo na entrada do sítio com obras de arte da coleção do autêntico artesão, que mantém o Museu Só Arte. Com apenas 5 anos de idade Véio já demonstrava seu talento ao transformar cera de abelha em arte. A escassez da matéria-prima de suas primeiras obras o fez mudar e passar a esculpir em madeira, material que o consagrou como artista de renome internacional. No início da sua carreira foi considerado louco e preguiçoso por dedicar seu tempo à atividade artística. A diversidade das obras de Véio, chama atenção pelo fato delas não terem um padrão definido. O artesão tanto dá ênfase às formas naturais da madeira, quanto esculpe ima20

gens de personagens da cultura popular. “Minha preocupação é aproveitar as curvas da madeira para torná-la uma obra única; não me preocupo com o comércio e sim com a arte”, destaca o artista. No Brasil, quase todos os Estados possuem obras de Véio. Além disso, suas criações ganharam destaque internacional, com obras espalhadas por vários países, como Estados Unidos, Portugal, Nicarágua, Noruega e França, onde em Paris, expôs a convite da Fundação Cartier. No Estado, o trabalho do artista pode ser encontrado no Memorial de Sergipe, no Museu da Gente Sergipana, e em grande quantidade no seu museu particular. Apesar desse reconhecimento expressivo o artesão critica a falta de valorização cultural e investimento financeiro por parte do poder público. E relata também que suas obras recebem pouco

reconhecimento da população local. Preocupado com este esquecimento, Véio mantém em seu museu, além das suas obras, um grande acervo que preserva parte da história e da cultura do Estado. Dentre as relíquias mantidas estão discos LP’s, rádios, máquinas de escrever, câmeras fotográficas, objetos da época dos escravos, primeiros pregos produzidos por ferreiros de Nossa Senhora da Glória, objetos domésticos, peles de animais, entre outros. Segundo o artista, até hoje foram produzidas mais de 17 mil obras, que variam de tamanhos, formas e cores. Véio afirma que esculpiu a menor escultura em madeira do mundo, reconhecida pelo Guiness Book. A obra retrata um homem montado em um cavalo e de acordo com o escultor não foi utilizado nenhum tipo de lente especial e levou apenas dois dias para confeccioná-la. 21


Apesar disso o artesão não utiliza suas obras para competir. “Se eu souber que na exposição será escolhida a melhor arte como forma de competição, desisto de participar”, ressaltou. Véio já foi personagem de várias reportagens e documentários. Ele afirma, que já foram produzidos 10 curtas, 2 longas-metragens, mais de 100 jornais e cerca de 60 matérias em revistas sobre a sua obra. Entre os documentários produzidos destacam-se “Véio: Tradição e contemporaneidade”, “Cavalhada de Poço Redondo”, “Nação lascada de Véio”, “A glória do sertão”, “Véio: o filme” e “O universo simbólico de Véio”. O trabalho de Véio também ocupa os espaços virtuais através de uma página de divulgação no Facebook administrada por sua filha. Na página é divulgada a agenda, participação em eventos e a sua obra. A arte não é a principal fonte de renda de Véio, o artesão divide seu tempo entre a 22

produção artística e a agricultura. Suas obras não possuem valores fixos, depende do interesse da pessoa e da relação com a arte. Ele não manifesta interesse em sair do seu sítio, pois gosta da vida pacata que leva, e as pessoas que quiserem conhecer sua obra vão ao seu encontro, e sempre serão bem-vindas, afirma o artista. Véio consagrou-se um importante personagem com papel fundamental para a construção e preservação da cultura sergipana. Isso só foi possível através da sua dedicação à arte ao longo de várias décadas. Preconceito, desvalorização e desconfiança não foram obstáculos fortes o suficiente para desanimá-lo ou para fazê-lo desistir da arte. Em meio a sua simplicidade, o artesão representa a força que vem do seu interior demonstrada em diversas obras.

“Minha preocupação é aproveitar as curvas da madeira para torná-la uma obra única; não me preocupo com o

comércio e sim com a arte

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O cuscuz nosso de cada dia A

marelinho, simples e gostoso. O cuscuz, apelidado carinhosamente como “teimosinho”, é um prato que não pode faltar na maioria das mesas brasileiras, principalmente nas da região nordeste. Sorte dos africanos em serem os criadores dessa iguaria e nossa de recebê-la pelos portugueses. Como toda coisa boa sempre tem uma boa história, o kuz-kuz ou alcuzcus - dialeto africano - é originário da África Setentrional. Incialmente era preparado com arroz, sorgo, farinha de trigo e milheto, porém só se espalhou pelo mundo quando começou a ser feito com a massa de milho americano. Quando chegou às terras brasileiras, ainda no período colonial, a massa de milho pilada, temperada com sal e cozida ao vapor ganhou espaço nas mesas das famílias mais humildes, tornando-se também a base da alimentação dos negros. Das mãos dos escravos, a iguaria conquistou espaço nos tabuleiros e o paladar do povo. Incorporado à cultura brasileira, o prato até hoje tem lugar garantido no cardápio dos nordestinos. E nós tratamos de aprimorá-lo, acrescentando temperos da região e sofisticando a simples tradição. ANOTE AÍ O empresário Suedson Cardoso da Silva, proprietário da Casa do Cuscuz, fez da tradição o seu negócio, criando diversas receitas com a massa de milho. Ele compartilha com a gente a receita de um delicioso cuscuz de charque e queijo coalho.

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Por Alana Karolina e Leila Dolif Foto Leila Dolif

Ingredientes - 150g de massa de milho; - 1 pitada de sal; - 100g de charque; - 50g de queijo coalho cortado em cubos. Modo de preparo Molhe a massa de milho e deixe descansar por 15 minutos. Escal-

de a carne, deixe secar e depois triture no liquidificador. Misture a massa de milho, a carne e o queijo coalho e coloque no cuscuzeiro e deixe cozinhar por 20 minutos.Em seguida é só servir com um café quentinho! Rende 1 porção. Bom apetite!



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