Contexto 26

Page 1

Contexto Abril a Junho de 2010

Energia nuclear ainda divide opiniões

3 e 4

Jornal Laboratório dos alunos de Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe

Ano 8-Nº 26

jorlabcontexto.ufs@gmail.com Michel Oliveira

Edição Especial

Meio Ambiente O acúmulo de lixo doméstico, hospitalar, eletrônico e resíduos industriais é um dos grandes desafios ambientais da atualidade. Reciclar, apenas, não resolve o problema. Repensar os hábitos de consumo, Reduzir os desperdícios na vida cotidiana e Reaproveitar ao máximo as “sobras”, os objetos usados, os “rejeitos” dos processos industriais e até a água do banho somam-se agora na máxima dos quatro Rs. Nesse contexto, sistemas de coleta seletiva, logística reversa e bolsa de resíduos sólidos ganham importância social, econômica e ambiental. Páginas 7 a13

Ciência & Tecnologia

14

Esportes Estádios de futebol aderem à tática do marketing “verde”

6

Pesquisas desvendam as riquezas do Semiárido brasileiro

5

Setor de transportes debate alternativas para combustíveis fósseis

Comunicação Programas de rádio e televisão renovam o discurso ecológico

15


2

Opinião

abril-junho/2010

Editorial

Antonio Cruz/ABrAgência Brasil

De onde vem tanta chuva?

Na contramão do “verde”

Riviera Francesa, Angra dos Reis, Ilha da Madeira, Blumenau, Veneza, Baviera e Pernambuco; não, não estou falando sobre destinos turísticos, mas sim sobre os inúmeros lugares onde, nos últimos anos, ocorreram chuvas devastadoras que produziram dezenas ou centenas de mortes, além de milhares de desabrigados. (...) As chuvas não fazem distinção entre países ricos e pobres. A diferença é a forma com que enfrentam a situação. Não é preciso explicar que cidades planejadas e uma defesa civil equipada e preparada diminuem as perdas de vida e os danos materiais, mas a grande diferença é a consciência do problema. Ele se chama aquecimento global. Para muitos um mito. Tudo bem, tem gente que acredita que o homem não foi à Lua.

Santana do Mandaú, em Alagoas, uma das várias cidades destruídas pelas enchentes de junho no Nordeste

Leslie Tavares - biólogo com mestrado em ecologia tropical, no Blog Ciência

e Meio Ambiente do Jornal do Commercio - http://jc3.uol.com.br/blogs/blogcma/)

Crítica e autocrítica

Um tema, múltiplas possibilidades Por Erik Souza, Janaína de Oliveira, Jeimy Reimi, Lorene Vieira e Ricardo Gomes Quando o “meio ambiente” foi proposto para esta edição especial, uma certa decepção tomou conta da equipe. Afinal, o tema estava longe da unanimidade dos transportes públicos, que escolhemos para o Contexto 23 (http://issuu.com/contextoufs/docs/contexto23). Além disso, alguns tinham dúvida sobre a possibilidade de esgotar o assunto e o risco de cansar os leitores. Outros, ao contrário, viam aí uma oportunidade de aprofundamento do tema, de buscar causas e soluções para certos problemas, de levar ao leitor (e também à/ao repórter) uma reflexão sobre os diversos ângulos da mesma questão. Assim, poderíamos alcançar conhecimentos que a mídia, em seu cotidiano, lança superficialmente. Teríamos a chance de dar um tratamento mais exaustivo ao jornalismo, que geralmente é percebido como algo fragmentário. Será? Logo percebemos que, na verdade, uma edição monotemática é mais difícil de ser elaborada. Exige que a turma trabalhe de forma coordenada, em uma mesma direção, o que pode gerar experiências colaborativas, mas também problemas, como a sobrecarga da mesma fonte

para diferentes matérias e a redundância de informações, por exemplo. Estar longe dos grandes centros produtores (e poluidores), onde as coisas supostamente “acontecem”, foi outro ponto de dificuldade para a verificação de algumas informações importantes. Embora seja uma temática atual, tratar de meio ambiente não é fácil, porque não temos traquejo para falar deste assunto de forma contextualizada, crítica e, portanto, informativa. A maioria de nós acabou descobrindo fatos, processos e situações que nem imaginávamos. E este foi o ponto mais positivo do trabalho, o aprendizado. Por último, cremos que pudemos exercer o papel fiscalizador do jornalismo, de cobrar das instituições sociais, inclusive da Universidade, a aplicação de políticas ambientais, em especial as que envolvem o lixo, que nos parece um tema invisível na mídia e no dia-a-dia das pessoas. Quem sabe, assim, as matérias sirvam para conscientizar os leitores sobre o problema? Comentários, críticas e sugestões serão bem-vindos pelo email jorlabcontextoufs@gmail.com tironas.blogspot.com

Faz tempo que semear mudas de árvores virou senso comum em matéria de demonstrar preocupação com o meio ambiente. Mas será que alguém se preocupa em acompanhar se elas brotaram? Os repórteres do Contexto descobriram que sim, ao investigar por que Aracaju é tão pouco arborizada, apesar de ostentar o slogan de “cidade da qualidade de vida”. E souberam que, mesmo demarcadas, muitas mudas morrem precocemente, pisoteadas ou por inadequação ao solo ou ao clima (p.16). Também faz parte do senso comum associar meio ambiente ao “verde”, como se esta fosse a única cor possível para harmonizar a relação entre sociedade e natureza. Em tempos de euforia pela Copa do Mundo e ansiedade por 2014, até os marqueteiros do futebol aderiram a esse ambientalismo cosmético. As bolas da vez são os ecoestádios, as camisetas derivadas de garrafas PET e troféus de material reciclado (p.15). Essa concepção monocromática da questão ambiental ajudou a construir uma visão preconceituosa do Semiárido brasileiro, concentrado na região Nordeste e dominado pelo bioma Caatinga, cuja riqueza multicor aos poucos vem sendo desvendada (p.6). Foi pensando em ir um pouco além do senso comum que esta edição especial dedicou metade de suas páginas a um dos mais graves problemas ambientais contemporâneos, raras vezes abordado pela mídia: o lixo, visto pela ótica do descuido, do desperdício e do consumismo, seja ele doméstico, hospitalar, eletrônico ou industrial, com suas várias destinações – aterro sanitário, coleta seletiva, recliclagem, banco de resíduos, logística reversa. Diante do tamanho do problema, a filosofia dos 3Rs - reduzir, reutilizar e reciclar – exige agora mais um: repensar os hábitos de consumo, as atitudes cotidianas e as responsabilidades individuais e coletivas frente ao destino do Planeta (p. 7 a 13). Há, porém, um tipo de lixo para o qual ainda não se encontrou um caminho seguro de tratamento e estocagem, o atômico, apontado como um dos principais fatores da desconfiança que ainda paira sobre a energia nuclear (p.4) e a opção do governo federal de ampliar a produção nessa área com um novo complexo de usinas na região Nordeste. Você é a favor que uma delas venha para Sergipe? Veja o que responderam no ConteXtando (p.3). A matriz energética brasileira também está em pauta no setor de transportes, que começa a dar atenção a fontes alternativas aos combustíveis fósseis, como os veículos elétricos híbridos (p.5). Esta edição cumpre, enfim, a parte que lhe cabe no novo campo da comunicação ambiental, que segue caminhos desbravadores ou inovadores em algumas experiências de rádio e TV (p.14).

Contexto

Sonia Aguiar (http://licaufs.blogspot.com/)

Contexto Universidade Federal de Sergipe

Jornal Laboratório dos alunos de Jornalismo

Departamento de Comunicação Social

Reitor: Prof. Dr. Josué Modesto dos Passos Subrinho Vice-reitor: Prof. Dr. Angelo Roberto Antoniolli Pró-Reitor de Graduação: Prof. Dr. Francisco Sandro Rodrigues Holanda Diretor do CECH: Prof. Dr. Jonatas Silva Meneses Chefe do Departamento de Comunicação Social (DCOS): Profª. Drª. Messiluce da Rocha Hansen

Equipe Contexto

Universidade Federal de Sergipe Campus Prof. José Aloísio de Campos Av. Marechal Rondon, S/N, São Cristóvão - SE Fone: (79)2105-6921 (chefia)/2105-6919 (secretaria) E-mail: dcos@ufs.br

Coordenação editorial: Profª. Drª. Sonia Aguiar

Iuri Max

Antonio Vinicius Diogenes de Souza Erick de Oliveira Fernanda Carvalho Gabriel Cardoso Iuri Max Jailton Prata

Janaina Freitas Jeimy Remir Joanne Mota Larissa Ferreira Lorene Vieira Michel Oliveira Monique de Sa Nikos Eleftherios

Editoração Eletrônica Michel Oliveira

Pedro Alves Pedro Ivo Rafael Freire Ricardo Gomes Victor Bruno Victor Hugo Yasmin Barreto Zeca Oliveira

Leia e passe adiante!

Versão digital http://issuu.com/contextoufs/docs/contexto26

Leia e passe adiante!


Contexto

ConteXtando

abril-junho/2010

3

Usina nuclear em Sergipe? Vinícius Oliveira

losvinicius@hotmail.com

A

proposta do governo federal de estender o programa nuclear brasileiro à região Nordeste, encampada pelo governo de Sergipe, vem motivando acalarodados debates no Estado. Uma usina poderá ser instalada nas marges do rio São Francisco, próximo à represa de Xingó, ou no litoral Norte, beirando o oceano. A questão gera dúvidas que vão da segurança à relação custobenefício do empreendimento para a população sergipana. Será que o Estado

está preparado para ter uma usina nuclear? A energia a ser gerada compensa os riscos socioambientais? Ou será que o risco de um “Chernobyl brasileiro” é um mito que a tecnologia nuclear já superou? Foi com essas questões em pauta - e o objetivo de ampliar o debate para além dos especialistas - que o Contexto ouviu estudantes, professores e funcionários da Universidade Federal de Sergipe. As respostas mostram que ainda há muito desconhecimento a respeito.

SIM X NÃO “U

sina nuclear produz grande quantidade de energia e não é necessário diversificar as fontes. É a energia mais limpa que existe!

Ricardo Melo, funcionário da UFS

“S

e os físicos da universidade estão dizendo que é seguro, é porque é seguro. Mostraram que não tem risco. A universidade tem um grande papel na formação da opinião da sociedade nesse sentido. Por isso sou a favor.

Ícaro Daniel, estudante de Estatística

“P

roduz energia limpa e é muito menos poluente do que a energia eólica e solar. A quantidade de lixo nuclear produzida é mísera em compensação à quantidade de energia produzida, além de não poluir as águas. Além disso, os estudos sobre resíduos estão avançando e cada vez mais tornam-se mais seguros.

Murilo Alves, estudante de Química

“E

nergia nuclear é positiva pois produz grande quantidade de energia. Exemplo da França e Alemanha, em que a primeira optou pela enegia nuclear e a segunda pela energia eólica, investindo quase a mesma quantia. Hoje a França exporta energia para a Alemanha. A energia nuclear é financeiramente mais viável. Ecologicamente, é preciso saber onde serão depositados os resíduos radioativos aqui no Estado com o maior cuidado possível. Patrick Hallan, estudante de Física

Milthon Serna, professor de Engenharia Elétrica

1são Angra I, Angra II e Angra III (em Angra dos Reis, Estado do Rio de Janei-

. Segurança: nunca houve problemas com energia nuclear no Brasil. Exemplos

ro), considerada a quarta unidade nuclear mais segura do mundo. As usinas nucleares adotadas pelo Brasil são seguras. Na disputa política entre Sergipe e Alagoas pela nova usina planejada pelo governo federal o argumento do risco não vale, por conta da proximidade entre os dois estados. O fator de risco seria o mesmo para as populações sergipana e alagona. . Emprego e renda: a vinda da usina nuclear para Sergipe gerará emprego e renda de forma direta e indireta, tanto na sua construção quanto na sua manutenção, contribuindo para o desenvolvimento do Estado e para a cidade-sede, com a aquisição de royalties. . Ecologia: a energia nuclear não polui os rios. Uma pequena parte da água é usada para esfriar e não entra em contato direto com o material nuclear. Não prejudica a pesca, nem as populações próximas dos rios. . Soberania nacional: a França é um exemplo de como é possível um país sobreviver a partir da energia nuclear. Aproximadamente 70% de sua produção vem da energia nuclear. Atualmente, inclusive, o país está reaproveitando cada vez mais os resíduos nucleares e compactando o restante em lugares seguros.

2 3

4

“N

ão considero uma foma de energia segura. Não tem como garantir o bem estar ambiental e das populações aqui do Estado. Juliana Cordeiro, funcionária da UFS ou contra porque a energia nuclear trabalha com materiais pesados que podem causar impactos ambientais, principalmente nos rios. Hoje, no nosso Estado, uma suprema parte da produção de peixes vem da pesca artesanal. Caso haja algum dano, as populações ribeirinhas e que sobrevivem da pesca seriam muito afetadas. Valfredo Elnai, estudante de Engenharia de Pesca

“S

“P

or principio, existem outras formas limpas de geração de energia, como as “usinas de lixo”, por exemplo, onde com o reaproveitamento dos gás metano produziria energia limpa. Temos que começar a pensar formas de energia seguras e ambientalmente sustentáveis no presente, e para o futuro. André Teixeira, estudante de Comunicação Social

“O

nde o lixo atômico seria armazenado? Jogaríamos no Rio São Francisco, tão importante para a nossa cultura local, ou no oceano? O governo do Estado não tem política para o “lixo comum”, imagine para o nuclear? Fora que os efeitos de um acidente são irreparáveis, as sequelas de Chernobyll na Rússia são sentidas até hoje. Não podemos analisar uma questão dessa apenas pelo critério econômico, sem abrir qualquer forma de diálogo com a população que estará em risco. Alexis Azevedo , estudante de Direito

Romero Venâncio, professor de Filosofia

1eficazes de remediar. A exemplo do “Césio 19 gramas” em Goiânia, que afetou . Segurança: o risco realmente é reduzido, mas se acontecer não há formas

6.500 pessoas, o maior acidente com produto radioativo em meio urbano do mundo. Em Angra fazem simulações de evacuação da cidade, mas mesmo assim o Greenpeace alerta que não é possível garantir a segurança da população em caso de acidente. . Emprego e renda: os empregos nessa área são super especializados e boa parte da mão de obra vem de empresas estrangeiras. Para a população local resta o trabalho precarizado e temporário. Canindé do São Francisco já recebe royalties por Xingó e tem um dos piores índices de desenvolvimento humano (IDH) do Brasil. . Ecologia: Existem outras formas de energia mais baratas e sustentáveis. São necessários 10 bilhões de reais para construir Angra III, enquanto que com 7 bilhões se poderia construir um parque eólico (alimentado pelos ventos) que produziria o dobro de energia e geraria mais emprego. . Soberania nacional: a questão das usinas do Nordeste faz parte da volta da discussão de um programa nuclear para o Brasil, mesmo plano que a ditadura militar tentou impor ao país e gerou uma dívida que não pagamos até hoje. As empresas que construiriam a usina nuclear seriam as mesmas da obra de transposição do Rio São Francisco. É vital que debatamos a matriz energética brasileira.

2 3

4


4

Ciência e Tecnologia

Abril-Junho/2010

Contexto

Opção nuclear ainda gera polêmica Diógenes de Souza e Iuri Max

diogenesaju@gmail.com /w iurimax@msn.com

O

Governo brasileiro espera que até 2030 a geração de energia elétrica no país seja ampliada em quase 130.000 MW. Deste total, 5.345 MW, cerca de 4,1%, virão de usinas nucleares. Além da retomada de Angra 3, está prevista a construção de mais quatro centrais nucleares, duas delas na região Nordeste. Estrutura geológica estável, proximidades de linhas de transmissão de energia e de grande volume de água (necessário para o resfriamento do reator) são alguns fatores técnicos favoráveis à localização das duas usinas nordestinas às margens do Rio São Francisco. A construção de cada uma tem valor estimado em U$13 bilhões. O empreendimento despertou o interesse de políticos locais e vem sendo disputado por quatro estados nordestinos: Pernambuco, Bahia, Alagoas e Sergipe. Tão logo Sergipe entrou no páreo para instalação de uma central nuclear (que pode abrigar até quatro usinas), os debates começaram. A questão, naturalmente, tornouse polêmica por conta das controvérsias que envolvem o assunto energia nuclear. Um exemplo do nível que as discussões podem atingir foi sentido em um debate promovido pelo Departamento de Física (DFI) da Universidade Federal de Sergipe (UFS), em 16 de abril. Inicialmente previsto como um seminário acadêmico, o evento acabou perturbardo pela presença do deputado Vanderlê Correia, contrário à instalação de usinas nucleares. Tanto que, após um rápido conflito de idéias, o político deixou o auditório sob protesto do público. As professoras Suzana de Souza Lalic, Ana Maia e Divanízia Nascimento, coordenadoras do debate, fizeram a defesa. Nos dois lados, uma certeza: a sociedade ainda é bastante receosa em relação à energia nuclear.

Medo de acidentes Para a professora Susana Lalic, o grande vilão, na verdade, é o medo que predomina no senso comum. As medidas de segurança atuais impediriam, por exemplo, que um desastre do porte de Chernobyl (ocorrido na Ucrânia, então parte da União Soviética, em 1986) pudesse se repetir. Este acidente até hoje emblemático causou em torno de 30 mortes imediatas e alguns milhares de outras ao longo dos anos seguintes, decorrentes dos efeitos da exposição à radiação. “Apesar dos renovados esforços da indústria nuclear em apresentar-se como segura, acidentes em instalações nucleares em diversos países continuam a demonstrar que esta tecnologia é perigosa”, afirma Heitor Scalambrini Costa, doutor em energética e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Quando aquele reator (de Chernobyl) explodiu, além de ser velho, não havia contenção de concreto, uma parede com um metro de espessura que as usinas atuais têm”, rebate a professora Lalic. Mas Scalambrini observa que problemas sérios em usinas nucleares ainda acontecem. Como exemplo, cita o acidente pós-terremoto, em julho de 2007, na maior usina atômica do mundo, situada em Kashiwazaki-Kariwa, no Japão, que além do vazamento para o mar provocou emissão de gás radioativo para a atmosfera. Para demonstrar a redução desses riscos, Lalic mostrou uma escala chamada INES – International Nuclear Event Scale – que referencia o cálculo da amplitude dos acidentes nucleares (assim como se mede a intensidade dos terremotos). O acidente ucraniano foi o único de nível 7, o máximo registrado até agora (ver quadro abaixo). De nível 6 houve apenas um, em Mayak, na Rússia, em 1957. Desde 1990 os mais graves atingiram os níveis 3 e 4: dois em Tomsk, na Rússia, em 1993, e outro no Japão, em 1999, em Tokai-mura. Em todos, os efeitos ficaram restritos ao interior das usinas e o número de mortes chegou a duas. O último acidente registrado até o fechamento desta edição ocorreu em 2008, na França, considerado um evento de nível 1 e tratado como “anomalia”, pela restrição dos danos. Teoria da conspiração Situações alheias à produção energética também fazem parte do imaginário popular que associa morte ao uso de materiais radioativos. O acidente de 1987 com o césio-137, em Goiânia, e outros acidentes em minas de extração de urânio são alguns exemplos. Para o deputado Vanderlê Correia a energia nuclear tem na sua trajetória a marca da destruição. “Ela não surgiu por uma necessidade energética, pois o aumento de usinas se deu justamente na Guerra Fria, voltada mais para a produção de armas. Prova disso é que os Estados Unidos deixaram de investir nessas obras ainda na década de 1970”, diz. A idéia de que as usinas nucleares camuflaram projetos militares du-rante a Guerra Fria não passam de mera “teoria da conspiração

Plano Nacional de Energia (210 Mil MW), projeção do governo para 2030

mundial”, para Ana Maia. “O que se sabe é que as 104 usinas construídas nos Estados Unidos geraram e continuam gerando energia”, protesta a professora, acrescentando que em nenhuma delas houve registro de morte. Segundo Maia, enquanto o enriquecimento de urânio para produzir bombas atômicas é feito a 90%, para a produção de energia esse índice não ultrapassa 3%. Outro foco de preocupação é o descomissionamento - processo de desinstalação da usina - que segundo o deputado Vanderlê transforma a área que abriga a central nuclear em um cemitério virtual. A professora Ana Maia reconhece que esse procedimento exige cuidado. “É de responsabilidade do governo deixar o terreno onde foi instalada a usina da mesma forma que ele era antes. É feita uma avaliação de tudo o que está na usina e [dado] um destino final para tudo o que foi usado, seja esse destino um repositório ou a descontaminação das peças que foram utilizadas para reaproveitamento. É um processo demorado, mas faz parte do funcionamento da usina”, explicou. O lixo nuclear As incertezas quanto ao destino dos rejeitos radioativos das usinas brasileiras são um dos aspectos que mais causam controvérsia nesse debate. As usinas de Angra, que funcionam há mais de 20 anos, não possuem um destino certo para os seus resíduos – que podem levar até milhões de anos para perder o efeito radioativo. Estima-se que o Repositório Nacional de Rejeitos de baixa e média atividade, onde todo o lixo produzido pelas usinas será guardado, entre em operação em 2018; só em 2026 o depósito intermediário de longa duração deve funcionar. “Se essa usina vem para o Nordeste, com certeza aumentam as chances de esse depósito ser instalado aqui. Esse é outro temor”, reforça Vanderlê Correia. Heitor Scalambrini, da UFPE, lembra que os rejeitos de alta radioatividade necessitam de isolamento por 10 mil anos. Os investimentos necessários em um espaço para tanto são pesados. Talvez isso explique a indefinição. “Além das questões econômicas, de segurança e ambientais, existem questões éticas. Não se deve deixar para as

futuras gerações a resolução de problemas da época presente”, lembra. Até que se crie o Repositório Nacional, os detritos serão acumulados na própria usina. A quantidade, frente ao que se produz em usinas convencionais, é considerada pequena: apenas 1% de todo o lixo tóxico industrial é radiativo (uma amostra que se tem de outros países). Uma tática que está sendo difundida para que o lixo fique com os níveis mais baixos de radiação possível é o reprocessamento, cujo índice de aproveitamento para gerar mais combustível chega a 95% onde a técnica é utilizada. França, Inglaterra, Rússia, Japão, China e índia estão no rol das nações que reprocessam o lixo nuclear. Energia limpa? Em operação rotineira, as centrais nucleares pouco agridem o meio ambiente. Não liberam CO2, por exemplo, como fazem termoelétricas que queimam carvão ou gás. “Eu tenho muito mais medo do aquecimento global do que de uma usina nuclear”, provocou Susana Lalic, no debate da UFS. A também física Divanízia Nascimento explicou que, para gerar energia, tanto a usina hidrelétrica quanto a nuclear utilizam água para mover suas turbinas. A primeira, entretanto, usa mais desse recurso do que a segunda. “O impacto, baseado na experiência de Angra, é pequeno: a água sai com temperatura elevada em mais 4 graus, o que não é prejudicial”, ressaltou. Mas para Scalambrini, os defensores desta tecnologia não incorporam em seus cálculos de emissões de gases estufa o processo completo da produção da eletricidade. “Se consideramos a mineração do urânio, o transporte, o enriquecimento, a posterior desmontagem da central e o processamento e confinamento dos rejeitos radioativos a produção em gramas de CO2 (113 por kWh) é aproximadamente o que produz uma central a gás”. O que o professor da UFPE questiona é: se desenvolvimento sustentável é aquele capaz de suprir as necessidades atuais sem comprometer a capacidade de atender às necessidades das gerações futuras, por que priorizar a opção nuclear com tantas opções que o país conta para gerar energias renováveis e limpas? C


Contexto

Ciência e Tecnologia

abril-junho/2010

5

Poluição deixa transportes em alerta Estudo aponta que consumo de petróleo pode chegar a 150 milhões de toneladas por ano Erick Souza

erickse@hotmail.com

E

m relatório divulgado recentemente, a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) faz projeções alarmantes para o País. Dentre elas está a triplicação do uso de combustíveis majoritariamente fósseis em apenas 20 anos. A baixa eficiência dos motores, o desperdício de energia e a grande emissão de poluentes com baixo índice de controle já colocam o setor rodoviário – responsável por 92% dos transportes no Brasil – como um dos maiores agentes colaboradores para o aquecimento global e o efeito estufa, ao lado da indústria. A coletivização dos transportes Um fator importante para o aumento da demanda de combustíveis é o crescimento das cidades brasileiras. O melhoramento do transporte público coletivo e a implantação de políticas públicas educativas de conscientização são pontos cruciais, não apenas para a redução de danos ao meio ambiente, mas também para o combate aos gigantescos congestionamentos que abalam o cotidiano das grandes cidades. O uso de transportes individuais, mesmo de motocicletas, que consomem menos energia proporcional, causa grandes danos em âmbito global, já que estes veículos transportam no máximo dois passageiros. Os

carros de passeios lideram entre os meios de transporte mais dispendiosos e prejudiciais ao meio ambiente. Há algumas décadas, a provável escassez das fontes de petróleo também pressiona os governos a financiarem pesquisas de matrizes energéticas alternativas e renováveis. Entretanto, interesses econômicos dos grandes produtores do óleo barraram, por muito tempo, grande parte destes financiamentos. Reduzir a grande emissão de poluentes de âmbito local e principalmente global, como é o caso do dióxido de carbono (CO2), principal responsável pelo efeito estufa, é objetivo de diferentes setores do meio produtivo. Além dele, dezenas de outros elementos nocivos à vida humana são liberados no ar que respiramos nas grandes cidades pela combustão da gasolina, do gás natural, do diesel automotivo, dentre outros. É o caso do material particulado (MP) e dos óxidos de nitrogênio (NOx). Etanol e combustíveis renováveis A busca por alternativas que ao mesmo tempo poluam menos e sejam economicamente viáveis é um desafio para a pesquisa científica e tecnológica e também para a burocracia e o protecionismo econômico exercido pelos países desenvolvidos. O Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool) foi um audacioso projeto de subs-

tituição em larga escala dos combustíveis veiculares derivados de petróleo por etanol, produzido a partir da cana-de-açúcar, e financiado pelo governo brasileiro a partir dos anos 1970. O objetivo principal era fugir da crise econômica causada pelos dois choques internacionais do petróleo, que inflacionaram os preços dos combustíveis à época. Com quase 40 anos de desenvolvimento, as pesquisas sobre o álcool extraído da cana têm avançado consideravelmente em parâmetros globais. A patente registrada pelo governo brasileiro é agora negociada e, ao mesmo tempo, enfrenta diversas barreiras comerciais de países desenvolvidos. O etanol é hoje um dos combustíveis renováveis mais eficientes e rentáveis de todo o planeta. A sua tecnologia já foi levada para alguns países da Europa, como a Suécia, onde recebe incentivos fiscais, e é utilizado em caráter aditivado, que acaba por torná-lo mais caro. Lá, porém, faz circular inclusive ônibus e veículos de médio porte – fato incomum no Brasil. Além de renovável, o álcool polui menos que os combustíveis fósseis. A busca pela utilizção de tecnologias próprias, a fuga do pagamento das patentes e os interesses econômicos que moldam o mercado internacional de combustíveis ainda barram a expansão do combustível brasileiro no mercado externo. No entanhttp://www.eletrabus.com

Veículo elétrico híbrido fabricado no Brasil pela Eletra, uma das associadas da ABVE (http://www.abve.org.br/)

to, com a ameaça do fim das reservas mundiais de petróleo, vários países já reconhecem a sua eficácia. Entre as qualidades desse combustível, o professor Gabriel Francisco da Silva, do Departamento de Engenharia Química da UFS, ressalta o ciclo natural do gás carbônico liberado e reabsorvido pela cana: “Um dos problemas da combustão é o gás carbônico liberado para o meio ambiente, que caso do etanol a conta é praticamente zerada pelo plantio da cana, que reabsorve o CO2 no seu processo de fotossíntese”. Para ele, outra área de pesquisa importante é a do biodiesel, que ainda está em processo de evolução, mas já é misturado com o diesel comum (fóssil) nas bombas de combustível brasileiras (entre 5 e 8%). A produção nacional é feita majoritariamente a partir da soja. Na Europa, o óleo é extraído de outros vegetais ricos em amido, tal como batata, mandioca e beterraba, mas ainda se revela pouco eficiente. A solução dos motores elétricos Muitos pesquisadores apontam os carros elétricos ou híbridos (que misturam eletricidade e outra forma de alimentação) como solução para redução significativa dos gases causadores do efeito estufa e outras agressões ao meio ambiente. Entretanto, as pesquisas ainda são bastante deficientes. Douglas Bressan, do Núcleo de Engenharia Mecânica da UFS, ressalta a importância das pesquisas sobre carros híbridos, que segundo ele seriam completamente viáveis, mas ainda sofrem várias limitações. “O problema de produzir carros elétricos é a autonomia, que é muito baixa. Ainda hoje, as baterias estão como as de 50 anos atrás.” O professor considera, porém, que os motores elétricos não devem ser vistos como a grande salvação para um sistema de transportes ambientalmente correto. “Depende da energia, porque se a produção é feita por meio de usinas nucleares ou termelétricas, o meio ambiente também não é poupado como se pensa”. Atualmente, trens e ônibus elétricos são a principal aplicação dos motores movidos a propulsão. Veículos de transporte coletivo ligados diretamente a postes eletrificados já estão em uso há alguns anos, porém esta ligação por fios limita os caminhos a serem percorridos pelos veículos. Em alguns países, as pesquisas tecnológicas com motores elétricos e os movidos a células de hidrogênio já estão bem adiantadas, embora seu uso comercial e massivo ainda não esteja previsto. A Associação Brasileira do Veículo Elétrico reune 50 associados, entre empresas, órgãos governamentais, individuos e universidades como as federais de Santa Catarina e Rio de Janeiro. Enquanto o desenvolvimento de alternativas energéticas segue a passos lentos, a demanda por transportes menos poluentes cresce sem freios, com o limite ecológico do planeta no horizonte C


6

Ciência e Tecnologia

Abril-Junho/2010

Contexto

Combinação de fatores pode resolver problema da seca no sertão brasileiro Zeca Oliveira

zecaoliveira@infonet.com.br

N

ão podemos mudar um clima, mas é possível conviver com ele. Otimização de recursos hídricos e o uso de fontes alternativas de energia, associados ao desenvolvimento de culturas apropriadas formam um complexo de medidas que garantiriam a sustentabilidade no semiárido. Uma combinação desses fatores, aliada a uma política de desenvolvimento social, seria o suficiente para que a imagem do sertanejo castigado pela seca ficasse para o passado. Quando falamos em sertão, a primeira imagem que nos vem à mente é a da carcaça do gado tombada no solo rachado. Mas a caatinga apresenta uma biodiversidade considerável e pode surpreender. Estudos do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), que agrupa especialistas no assunto, revelam um bioma com mais de 20 mil espécies de animais, plantas e fungos. Arisvaldo Mello, professor do Departamento de Agronomia da UFS, também defende essa posição de forma categórica. “Cada bioma brasileiro tem a sua diversidade específica. A caatinga se caracteriza pela escassez de água. Dizer que ela é pobre se apoiando nessa diferença é uma bobagem científica”, sustenta. Salinidade O professor explica que um grande problema para o desenvolvimento no semiárido é a salinidade do solo. Há uma quantidade expressiva de água no subterrâneo, mas a grande concentração de sais nas rochas acaba tornando a maioria dos recursos hídricos impróprios para a agropecuária e para o consumo humano. Só para se ter uma ideia, Sergipe possui três grandes aquíferos, extensos aglomerados

subterrâneos de água. O que possui a melhor água fica localizado na zona costeira, logo abaixo do Rio São Francisco. O que possui maior volume d’água fica no alto sertão, mas trata-se de um aquífero cárstico, ou seja, que apresenta elevado grau de salinidade por se encontrar entre rochas sedimentares. “Na década de 1950, o governo construiu pequenos reservatórios, mas todos eles salinizaram”, conta Arisvaldo. E tirar todo esse sal da água ainda custa caro. Mas cientistas de Massachusetts (EUA) descobriram recentemente uma forma barata de dessalinizar água em pequenas quantidades. O modelo consiste em separar o sal da água através de ondas iônicas. As experiências da pesquisa foram realizadas com água do mar. O estudo foi apresentado em março deste ano na renomada revista científica “Nature”. Além disso, há uma série de técnicas de baixo custo de otimização de recursos hídricos. Uma delas é a construção de cisternas para armazenar água da chuva. A média de chuvas no semiárido nordestino é de 400mm por ano. De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), esse volume, se bem distribuído, poderia sustentar uma boa safra de milho e feijão, por exemplo. É possível também reter água dos lençóis freáticos através de barragens subterrâneas. Tudo muito simples, basta fincar no solo uma lona estendida na vertical e esperar a água acumular. De acordo com estudos realizados pela Embrapa Semiárido, durante 10 anos, as chances do produtor da região que depende exclusivamente das chuvas colher uma boa safra é de apenas 30%. “Não adianta plantar uma ou outra cultura e depender da chuva. É preciso investir no armazenamento da água”, defende o professor Arisvaldo. Tornar-se mais independente da chuva é

Sonia Aguiar

A caatinga abriga mais de 20 mil espécies de animais, plantas e fungos

uma mudança de postura fundamental para mudar a situação do sertanejo, rompendo assim com a sina do flagelado. Problema complexo O desenvolvimento da região vai além da questão dos recursos hídricos. Para que o povo da caatinga viva bem, a água precisa ser manejada com boas práticas agrícolas e ambientais. Isso é o que defende um estudo dos pesquisadores da Embrapa José Maria Pinto e Marcelo Calgaro. Eles afirmam ser possível produzir cultivos de alto valor agregado, como frutas e hortaliças, otimizando a irrigação, para assim aumentar o desenvolvimento do Produto Interno Bruto (PIB) da região. Plantações de fibras e oleoginosas

também seriam grandes aliadas. Porém, é fundamental garantir a segurança alimentar do sertanejo. Sementes e raízes que se adaptam bem ao clima seco, a exemplo do milho, feijão e mandioca, cumpririam esse papel. A energia é outro componente desse complexo de condições para a convivência com o clima seco. Arisvaldo Mello defende o aproveitamento de energias limpas (eólica e solar) cujas fontes são abundantes na caatinga. O professor pondera que é necessário mais do que atualmente é feito pelos governos para resolver o problema da seca. “O que a região precisa é de uma política de investimentos, associada ao desenvolvimento de áreas como saúde e educação”, ressalta C

Árvore típica do sertão é usada no tratamento da água

Moringa oleífera

Pesquisa desenvolvida pelo Departamento de Engenharia Química da UFS analisa o uso da semente de moringa - árvore de pequeno porte típica de climas secos - no tratamento de água. Depois de extraído o óleo da semente, obtém-se um subproduto chamado “torta”, que vai se aglutinando às impurezas, como explica Patrícia Carmelita, bolsista da pesquisa. Depois de um tempo, toda a sujeira ou se deposita no fundo do recipiente ou flutua, e pode ser separada da água potável. Os estudos são coordenados pelo professor Gabriel Francisco da Silva, mas não se restringe ao laboratório. O pesquisador conta que os resultados já foram testados em um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST) no município sergipano de Poço Redondo, às margens do Rio São Francisco. Lá foram montados pequenos sistemas de tratamento d’água. “Nós temos interesse de levar esse sistema para outras regiões. Já começamos a avaliar a possibilidade de desenvolvê-lo em Arauá”, revela. Além disso, o professor contou que há intenção de desenvolver um outro projeto na cidade de Nossa Senhora da Glória. Neste caso, o objetivo é o de difundir um kit de baixo custo para tratamento de água para consumo humano, que está sendo desenvolvido na UFS também a partir da semente da moringa. “Com o kit, as pessoas poderão pegar água no chafariz e fazer o tratamento da água em casa mesmo”, explica C

Pó da semente remove impurezas da água


Contexto

Economia

abril-junho/2010

7

ONU aponta Brasil como um dos maiores produtores de lixo eletrônico Ricardo Gomes

rgcfilho@hotmail.com

U

m país que faz pouco pela reciclagem do lixo proveniente de aparelhos eletroeletrônicos. Esta é a imagem do Brasil que aparece no último relatório do Programa da ONU para o Meio Ambiente (UNEP, na sigla em inglês) sobre como países emergentes tratam a “sucata” que vem sendo gerada sobretudo pelas tecnologias de informação e comunicação. Os números são preocupantes: segundo o documento, concluído no ano passado, a quantidade de computadores pessoais descartados nacionalmente chegou a meio quilo anual per capita – a maior proporção dentre os 11 países analisados (Quênia, Uganda, Senegal, Peru, Índia, China, África do Sul, Marrocos, Colômbia, México e Brasil). O estudo, entitulado Recycling – From E-waste To Resources (Reciclagem – do lixo eletrônico aos insumos, em tradução livre), aborda principalmente as tecnologias de reciclagem de produtos como celulares, impressoras e refrigeradores, com foco no potencial de desenvolvimento econômico e de segurança ambiental. A premissa é a seguinte: os aparelhos eletrônicos são compostos de vários materiais – os mais modernos utilizam cerca de 60 elementos – que podem ser reaproveitáveis, preciosos ou tóxicos. Tratá-los ou colocá-los de volta no fluxo de produção é estratégico para a saúde humana, do meio ambiente e da economia; daí a reciclagem ser um tema central para os países ditos em desenvolvimento. Poluição tóxica Se armazenados ou processados de forma inadequada, os eletrônicos são fontes quase certas de problemas. Elementos como chumbo e mercúrio, por exemplo, são altamente perigosos. “Eles estão presentes em placas e chips, são bons condutores, trabalham na parte de energia, mas trazem muitos danos à nossa saúde”, explicou o professor do Departamento de Computação da Universidade Federal de Sergipe, Ricardo Salgueiro. Em alguns países, como Marrocos e Índia, há relatos de reciclagens informais via queima de equipamentos e fiações a céu aberto, lixiviação com cianeto e “cozimento” de placas de circuito. A liberação do gás CFC, presente nos refrigeradores e prejudicial à camada de ozônio, também é apontada como uma preocupação em regiões onde faltam recicladoras equipadas com tecnologia de ponta e sobra gente precisando dos resíduos para sobreviver. No Brasil, segundo o promotor de justiça e professor do Departamento de Direito da UFS Eduardo de Matos, o problema maior vem dos lixões. “Nós estamos enterrando em grandes lixões todo tipo de resíduo, do eletrônico ao comum. Em muitos casos, são lixões que estão em cima de aqüíferos, na margem de nascentes e estradas”, alerta. Aracaju tem um caso exemplar: o depósito

de lixo do bairro Santa Maria, que põe em risco o aquífero Marituba. “É um perfil que se reproduz em muitas cidades brasileiras”, comentou Matos. Soluções via reciclagem Segundo o UNEP, o desenvolvimento de políticas globais de reciclagem pode ajudar a conter danos ambientais de maneira eficiente. Para tanto, além de outras ações, seria necessário promover transferências de conhecimentos e identificar centros que poderiam se tornar referências na área. Isso tornaria os países emergentes capazes não só de lidar com um acúmulo problemático de resíduos, mas também de realizar economias em setores decisivos. É evidente, por exemplo, o impacto da indústria eletrônica sobre os recursos de metais. Em um telefone celular pode haver não só cobre e estanho, mais comuns, mas também índio ou cobalto, ouro e prata. Retirando-se as baterias, uma tonelada de celulares pode conter 3,5 kg de prata, 340 g de ouro, 140 g de paládio e 140 kg de cobre, para citar apenas alguns exemplos. Não é, entretanto, apenas matéria-prima que pode ser poupada quando se emprega mecanismos de reciclagem. Existem impactos consideráveis no consumo de energia também. É o caso do alumínio: além de evitar a criação de 1,3 kg de bauxita, a produção de 1 kg de alumínio através de reciclagem utiliza 1/10 ou menos da energia necessária na produção primária. O Brasil, de acordo com a ONU, tem alguns pontos favoráveis ao estabelecimento de políticas de reciclagem. Ao lado de África do Sul, Marrocos, Colômbia e México, o país foi classificado como tendo um “potencial significante” para adaptar tecnologias de pré-processamento, como seleção e tratamento mecânico, e de processamento final, como fundição e refinamento, às necessidades locais. Também foi colocado como um possível centro regional de reciclagem para a América Latina nos próximos anos, graças a estruturas de alto desempenho já existentes, como as de refinamento de alumínio. Fatores negativos No entanto, se as oportunidades existem, os obstáculos também não são poucos. O primeiro é a falta de informações, esse indica-

tivo de negligência. Não existem dados sobre a inserção de equipamentos eletroeletrônicos no mercado, por exemplo, e os dados disponíveis, como os de geração anual de lixo, estão defasados – datam de 2005. O segundo problema é semelhante ao primeiro: a apatia e omissão dos produtores. As associações industriais não olham para o problema do lixo eletrônico como uma prioridade, avaliou o UNEP. Outro ponto preocupante é a qualidade da reciclagem que é feita atualmente no Brasil. Segundo o relatório, ela é até sustentável, mas preocupada em aproveitar somente os materiais mais rentáveis, o que não resolve os problemas de armazenamento e de poluentes. Em seguida vêm os empecilhos legais: a falta de uma lei abrangente de manejo de lixo seria o maior impedimento para desenvolver leis específicas a respeito de lixo eletrônico. O professor Eduardo de Matos, no entanto, não concorda totalmente com isso. “Nosso sistema legislativo já abarca a situação. É

claro que, para os resíduos eletrônicos, seria preciso uma explicitação maior no Conselho Nacional de Meio Ambiente, mas isso seria um pormenor”, avaliou. Para ele, o que falta é efetividade legal. “Vamos pegar a realidade de Sergipe: aqui nós temos uma lei estadual que define a política de resíduos sólidos, mas nós não temos um município com a disposição correta e adequada de seus resíduos”. O último comentário do UNEP é a respeito do sistema de reciclagem de lixo eletrônico com cobrança de taxa extra aos consumidores – ideia que seria muito impopular no Brasil, por causa dos já elevados impostos cobrados pelo governo. Matos, por sua vez, entende que o custo do lixo não deve ser transferido para o comprador de forma alguma. “Quem lucra é que deve ter esses custos ambientais internalizados. É o princípio do poluidor pagador: a atividade dele é de risco para o meio ambiente”, afirmou. “A obrigação do consumidor é levar o produto aonde ele comprou ou num ponto de recolhimento adequado” C Ricardo Gomes

Produtos eletônicos não devem ser descartados sem tratamento


8

Economia

abril-junho/2010

Contexto

Logística reversa propõe alternativas para a redução do acúmulo de lixo Janaina de Oliveira

janainapqna@hotmail.com

A

logística reversa é um dos principais pontos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que está em fase final de aprovação, depois de 19 anos de tramitação no Congresso Nacional. Logística é o processo de planejar, programar e controlar de modo eficiente o fluxo de materiais. A preocupação da logística reversa (LR) é fazer com que a parte dos materiais sem condições de ser reutilizada retorne ao ciclo produtivo que lhe deu origem, ou para o de outra indústria, como insumo. Este procedimento evita nova busca por mais recursos na natureza e promove um descarte ambientalmente correto. Parece simples e inteligente, mas o processo ainda não funciona bem. Além do desconhecimento do assunto, existe ineficiência na sua implementação, que exige uma estrutura complexa para recolher, armazenar e tratar resíduos e um investimento inicial alto. A PNRS prevê diversos aspectos relacionados à logística reversa: classificação para os diversos tipos de resíduos sólidos, instituição da coleta seletiva domiciliar obrigatória em municípios com mais de 150 mil habitantes, tributação diferenciada às atividades de reciclagem de materiais, entre outros. A coleta seletiva de lixo urbano ainda não é prática comum no Brasil, o que dificulta o estabelecimento de um canal de distribuição reverso, pois produtos recicláveis são descartados junto a quaisquer outros tipos de lixo, inutilizando parte destes produtos para reaproveitamento. “Coisas muito simples podem ser feitas para diminuir o impacto ao meio ambiente, mas simples não

quer dizer que seja fácil. O fato é que para isso é necessário conscientização e vontade. Eu separo o lixo da minha casa todos os dias, sei que os catadores passam logo cedo, então o que serve para ser reciclado vai para rua primeiro”, conta Gisele Carvalho, técnica em saneamento ambiental. Conscientização basta? Outro ponto fundamental é que precisa haver o compromisso dos clientes de fazer a melhor compra e não se guiar apenas pelo menor preço. “Hoje o consumidor precisa aprender a fazer o consumo consciente. É fundamental que esteja bem informado sobre os produtos e serviços que serão adquiridos ou contratados, pois cabe a ele escolher produtos derivados de empresas éticas, que respeitam os direitos humanos e os limites naturais do planeta”, aconselha Luís Morato, professor de logística reversa do curso de logística da Fanese - Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe. Inúmeras empresas diminuíram o tamanho da embalagem de seus produtos sem afetar seu conteúdo parar gerar menos lixo. Elas montam seus equipamentos comerciais pensando na facilidade que terão em desmontá-los para reciclá-los depois e, claro, procuram utilizar materiais reciclados e recicláveis em sua confecção. Algumas redes de supermercados como Wal-Mart, Pão de Açúcar e Bom Preço buscam incentivar o maior consumo de produtos com algum diferencial de sustentabilidade e a não utilizar sacolas plásticas. Essas são iniciativas de conscientização mais difundidas no país e que começam a funcionar. “A conscientização e a destinação amPedro Ivo

Eletrodomésticos sem utilidade podem voltar ao ciclo produtivo pela logística reversa

bientalmente adequada de um produto pode trazer ao consumidor o entendimento sobre uma marca muito mais responsável e direta do que qualquer comercial. É uma aposta no consumo consciente”, afirma Débora Martins, especialista em Gestão em Marketing Ambiental. E completa: “ser ambientalmente correto afeta a satisfação do cliente. Se você não faz porque é ambientalista, faça pelo lucro e pela imagem corporativa. O que é lixo hoje pode valer dinheiro, se for bem empregado no futuro”. Quando o assunto são os eletrônicos, entram em cena outros elementos e o preço pesa cada vez mais, por se tratar de produtos mais caros, mas que podem ser facilmente adquiridos em locais impróprios. O mercado “negro”, que comercializa equipamentos ilegalmente, é alimentado por consumidores que buscam por valores mínimos e é aí que reside um grande nó da logística reversa. Produtos falsificados Se você compra máquina digital e pen drive em camelôs que vendem produtos falsificados ou, no mínimo, importados irregularmente, saiba que a responsabilidade de se livrar dele deixa de ser do fabricante, já que ele desconhece a trajetória do seu produto original. Também não é do vendedor, um trabalhador informal que não oferece garantia ao consumidor, que assim não tem a quem recorrer. Em caso de falsificação, a situação fica ainda pior porque não há preocupação com o tipo de material utilizado, nem uma indústria que seja oficialmente responsável por nada. “Isso é anistia do comportamento da ilegalidade, um processo em que não existe educação ambiental. E quem comprou com nota, pagou os impostos e utilizou a ferramenta legal?”, questiona Robson de Souza, aluno do curso de logística. Seu colega de curso Fábio Melo segue o seu raciocínio: “Geralmente, as pessoas se tornam conscientes ou mobilizadas pelas questões ambientais por pressão da mídia e da sociedade, mas o quanto elas contribuem de forma efetiva?”. Estímulos Para o professor de logística do curso de Engenharia de Produção Leynaldo Chile, a maior dificuldade que uma empresa encontra ao fazer LR é a queda dos lucros. “Ninguém quer deixar de ganhar e o processo de LR necessita de muito investimento, pois não existe estímulo por parte do governo. A

Janaina Oliveira

Falsificações não podem ser submetidas à LR

única forma de recuperação desse investimento é com o aumento do preço do produto, o que necessariamente faz com que essa empresa fique atrás da concorrência que não pratica LR”, considera. Mas há quem pense diferente. Um exemplo disso é o Programa de Substituição e Promoção de Acesso a Refrigeradores Eficientes, que pretende substituir cerca de 10 milhões de geladeiras de famílias de baixa renda nos próximos 10 anos. Além de estimular as remanufaturas, as recicladoras e a logística reversa, a ação objetiva dar oportunidade às famílias que ganham até dois salários mínimos por mês de terem seu primeiro refrigerador eficiente e ecológicamente correto. Mais da metade dos produtos de linha branca (55%) são trocados ao final de sua vida útil. Alguns com eficiência menor continuam a ser utilizados. Por isso, a intenção é estimular a troca, por meio de propostas diferenciadas. Uma delas seria um desconto significativo na hora de adquirir esse novo produto, caso o cliente entregasse o seu antigo refrigerador para ser desmontado e reinserido no ciclo produtivo. “Aqui em Sergipe aconteceu algo parecido, quando o GBarbosa e a HP fizeram uma campanha: quem levava sua antiga impressora ganhava um desconto ao adquirir uma nova”, lembra Morato. A outra etapa do Programa, ainda sem previsão de início, será facilitar a compra dessas geladeiras pelos cerca de três milhões de brasileiros que ainda não dispõem do equipamento. Esperase que o conjunto de medidas elimine cinco mil toneladas de CFC e economize 1,6 bilhão de investimentos por pelo menos 20 anos na construção de algumas usinas hidrelétricas C


Contexto

Política

abril-junho/2010

9

Resíduos sólidos na agenda pública Política Nacional e Bolsa em Sergipe dão novo rumo ao setor Joanne Mota e Gabriel Cardoso

Fotos: Gabriel Cardoso

joannemota@hotmail.com / gabriel.roots@hotmail.com

“A

miséria de grande parte do povo brasileiro é a contrapartida do hiperconsumo praticado por uma pequena minoria em termos relativos”. Esta foi a afirmação do respeitado intelectual e economista Celso Furtado, no início da década de 1990, para alertar sobre os possíveis males sociais que enfrentaríamos se não repensássemos nossos padrões de vida. Na mesma época, ocorria em Brasília um debate sobre a criação de uma lei de controle dos resíduos sólidos, cujos transtornos ao meio ambiente começavam a ser identificados. Após 20 anos de discussão, a Política Nacional de Controle de Resíduos Sólidos (PNRS) abre caminho para uma nova postura do cidadão e lança um desafio para o setor produtivo do país. Entre as medidas previstas pela PNRS estão o estabelecimento da responsabilidade compartilhada entre agentes públicos e privados, e a logística reversa, pela qual as indústrias podem absorver o descarte do produto usado (ver pág. 8). Com isso, o mercado intensifica um processo de implantação de empreendimentos sustentáveis e abre caminho para mais um ramo na área industrial: o do reuso dos materias descartados. A Biorecycle Indústria e Comércio de Materiais Recicláveis atua há mais de um ano na coleta e gestão de resíduos sólidos, sejam refugo, orgânico ou lixo em geral. Localizada no município de Itaporanga D’ajuda, em Sergipe, atende a diversas empresas no setor de papel, materiais metálicos e plástico. Segundo informações do gerente de negócios, Alan Fraga, a rede de agentes da Biorecycle é formada por parceiros formais e informais e os catadores. Todos contribuem para implementar soluções rentáveis a partir de um programa de redução na fonte geradora. Para

Daniel Véras, pesquisador da UFS

Infelizmente Sergipe ainda não possui a cultura de reaproveitar seus rejeitos industriais e urbanos

“Reciclar não traz apenas benefícios econômicos, traz também benefícios sociais”, frisa Jeferson Oliveira, funcionário da Biorecycle

isso, a empresa elabora projetos de redução para mitigar os impactos gerados pelos rejeitos, tudo atendendo aos requisitos das ‘Normas e Certificações Ambientais’. Além disso, Alan acrescenta que para aprimorar o gerenciamento dos resíduos dos seus parceiros, a Biorecycle disponibiliza um software chamado Programa de Excelência para o Gerenciamento Ambiental de Resíduos (PEGAR), gratuito e com acesso diretamente pela Web. Através deste programa, os parceiros poderão fazer todo o gerenciamento dos seus resíduos utilizando relatórios financeiros, quantitativos de venda, certificados de coleta e gráficos. “Isso garante mais eficiência em nosso acompanhamento e gerenciamento dos materiais. Assim, nossa empresa articula uma cadeia de destinação final dos resíduos, o que supera o negócio e torna-se um comprometimento sustentável, pois a reciclagem é uma arma indispensável na preservação do meioambiente”, enfatiza Alan Fraga. Problema ou oportunidade? Para articular melhor as ações de empresas como a Biorecycle, a Federação das Indústrias do Estado de Sergipe (FIES) lançou, em abril, o programa Bolsa de Resíduos em Sergipe (BRS), que contribui para identificar e apoiar iniciativas de gestão ambiental que permitam a redução, o reuso e a reciclagem dos rejeitos industriais gerados a partir de processos de produção, dentro de uma visão socioeconômica sustentável. O coordenador da BRS, John Sales, salienta que entre seus principais objetivos está a identificação e disponibilização de informações sobre rejeitos industriais passíveis de

transformação, o que estimula o relacionamento entre agentes. Além disso, o programa gera uma economia alternativa, pois dissemina tecnologias de utilização dos resíduos com vistas a criar projetos de geração de emprego e renda e o fomento de novos investimentos. “O resíduo ganha valor e transforma-se em matéria prima ou no insumo necessário para outra empresa, criando uma cadeia de aproveitamentos. É importante lembrar que a implantação da Bolsa de Resíduos é recente no estado, e que o espaço disponibilizado pela FIES para as empresas é gratuito e pode ser acessado pelo endereço www.sibr.com. br”, informa John Sales. Para o economista e coordenador do Núcleo de Informações Econômicas (NIE), Rodrigo Rocha, a partir da Bolsa de Resíduos, as indústrias, o meio acadêmico e institutos de pesquisa estarão estimulados a buscar tecnologias capazes de operar a utilização dos rejeitos das indústrias e da sociedade em geral. “O que se espera com o programa é estimular a responsabilidade para o “lixo” produzido, pois com a PNRS todos serão responsáveis, e se não cumprirem com sua obrigação serão punidos”, enfatiza o economista. Pesquisa científica Para o professor do curso de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Daniel Véras, o estado tem mais um desafio. No entanto, ele alerta que reutilizar o rejeito sem um estudo que demonstre sua viabilidade técnica e ambiental pode se tornar uma ação muito perigosa. Nesse sentido, a UFS já entrou em contato com a FIES para colaborar com a Bolsa de Resíduos. A Universidade

pode entrar como parceira no aperfeiçoamento de pesquisas que contribuam para o reaproveitamento dos materias pelas empresas vinculadas ao programa. “Quando as empresas não investem em laboratórios próprios para a pesquisa, torna-se muito difícil um banco de resíduos funcionar de maneira produtiva e sustentável, e nesse sentido a academia é uma parceira fundamental. Isso se reflete não só na absorção de mão-de-obra, como também numa relação afinada com a pesquisa científica”, salienta o pesquisador. “Infelizmente Sergipe ainda não possui a cultura de reaproveitar seus rejeitos industriais e urbanos. Hoje, as empresas que não respeitam as políticas ambientais também sofrem com o lançamento dos resíduos na natureza. As multas aplicadas são altíssimas e inibem o agravamento dos danos causados ao meio ambiente. Porém, é importante que se crie uma cultura de sobrevivência sustentável alinhada ao desenvolvimento econômico, e o banco de resíduos é uma boa alternativa para começar”, acrescenta Daniel. Segundo John Sales, qualquer empresa pode participar da Bolsa de Resíduos. Em Sergipe já participam 26 empresas. Porém, ele lembra que o programa abrange seis estados que relacionam aproximadamente 7 mil empresas. “Isso é um avanço para a sociedade, já é tempo de todos se conscientizarem de sua responsabilidade ambiental. Os resultados obtidos através da reciclagem atingem âmbitos sociais, econômicos e ambientais, podendo promover melhorias em regiões de densidade industrial e escassez de serviços de destinação dos rejeitos. E isso se configura como um bem coletivo”, diz John C


10

Comportamento

abril-junho/2010

Contexto

Os 4Rs: na prática a teoria é outra Monique de Sá e Yasmin Barreto

moniquetavares16@hotmail.com / yasminbarretodc@hotmail.com

O

planeta encontra-se em estado de emergência, devido à interferência prejudicial da ação humana - que usufrui (sem controle) do que a natureza oferece, sem se conscientizar de que é parte dela. Aquecimento global, alagamentos, enchentes são indícios de algo que está em debate na sociedade: atos predatórios e consumismo contribuem significativamente para as catástrofes que atingem todos os cantos do mundo. Desastres ecológicos tornam-se rotina nos noticiários e pautam discussões entre especialistas em meio ambiente. Mas as respostas podem não estar em fórmulas técnicas e científicas e sim em medidas simples no dia-a-dia das pessoas. Como

a filosofia dos três Rs, proposta por ambientalistas europeus na década de 1970. O primeiro “R” é o de reduzir o consumo, principalmente cortando aquilo que é desnecessário, ou seja, combater o desperdício. O segundo “R’, o de reutilizar, é uma forma de evitar que vá para o lixo aquilo que possa ser reaproveitado de outras maneiras, como por exemplo, fazer suco ou adubo com a casca de algumas frutas. O último “R” é o da reciclagem, o mais conhecido dos três e também o mais polêmico. De acordo com o doutor em Ciências Sociais da Unicamp Philppe Layargues, o padrão de discurso brasileiro segue o modo oficial de supervalorização do “R” da reciclagem, que segundo ele não apresentaria impacto nenhum na economia e nos impostos gerados pelo consumismo

que são pagos ao governo. Uma revisão crítica dessa hierarquia entre os “erres” inverteu a posição da reciclagem e acrescentou um quarto “R”, o de repensar, antes de tudo, os atuais padrões de consumo e o modelo de obsolescência programada do industrialismo.

Os “Rs” no dia-a-dia de três famílias Nem todos conhecem essa filosofia, mas a aplicam de uma maneira indireta, seja com o objetivo de controlar as despesas (principalmente nas classes C e D), ou até mesmo com a justificativa de preservação da natureza. O Contexto visitou três famílias aracajuanas de diferentes faixas de renda para saber como se dá essa relação entre economia e hábitos sustentáveis. Monique de Sá

Família Santos Moradores do bairro América, situado na zona oeste, os cinco integrantes da família – Josevaldo (pai), Maria do Carmo (mãe) e Júnior, Brendo e Clara (filhos) - economizam água, energia e alimentos tendo em vista, principalmente, a contenção de gastos. Por conta disso pagam a taxa mínima no serviço de água. “Ainda quero diminuir o consumo de energia. Júnior, meu filho mais velho, passa muito tempo com o computador ligado e isto acaba re-

Monique de Sá

Composta por quatro membros, sendo eles Ari (pai), Cristina (madrasta), Melissa (filha) e Thanna (filha). A família mora em um apartamento no bairro Treze de julho, onde a coleta seletiva é obrigatória para os condôminos; gastam, em média sete minutos em cada banho e mantêm uma política ambiental própria dentro de casa. “Meu pai nos ensinou que a cada roupa comprada, devemos doar uma”, conta Thanna. Já a madras-

ta Cristina, que já foi mais consumista, passou a repensar seus hábitos. Diferentemente da caçula Melissa, que não abre mão da chapinha e do secador de cabelo. A família conta que evita carregar os celulares a toda hora e controla o ímpeto de trocá-los com frequência. “Compramos apenas quando está quebrado, chegamos a passar anos com o mesmo celular’, afirma o pai. Outra atitude ecológica que Ari tenta passar para seus filhos é a chamada carona amiga, que contribui para diminuir o número de carros nas ruas e a aglomeração nos ônibus, além

fletindo na conta”, diz Josevaldo. Uma das alternativas utilizadas pela família para diminuir gastos é controlar o uso de eletrodomésticos, como o ferro de passar, que só é usado a cada 20 dias quando as trouxas de roupas ficam acumuladas. Eles também se controlam nas compras do mês: “só compramos o que é necessário, às vezes Maria do Carmo foge para a sessão de perfumaria, mas eu a chamo de volta para a realidade”, conta Josevaldo, que também se preocupa com o consumo de água. “Educo meus filhos para pouparem água, vi na televisão que existe pouca quantidade de água

potável e tenho medo que um dia ela acabe”. Há uma conscientização gerada por problemas rotineiros, como alagamentos no bairro. “Sempre que vejo meu vizinho jogando lixo na rua, chamo a atenção dele porque aquele ato pode gerar problemas que vão prejudicar todo mundo que mora aqui”, relata Maria do Carmo. Josevaldo também acrescenta que na casa deles as coisas só são jogadas no lixo quando não podem mais serem reutilizadas e que quase nunca consomem por impulso.

Família Pereira

ambiente, mas com a questão financeira. A média de tempo gasto no banho é de sete minutos, com exceção de Jacqueline, que chega a passar 20 minutos embaixo do chuveiro. “Felizmente, ela diminuiu o tempo, pois tinha épocas em que passava cerca de uma hora no banho”, conta Rejane, que ressalta a importância de se desligar a torneira quando não está sendo usada. Além disso, a família utiliza água oriunda da chuva para lavar a calçada e dar descarga, como faz com a água

Família Cruz

Conhecida como a casa das três mulheres - Rejane (mãe), Edite (filha mais velha) e Jacqueline (filha) -, a família mora no Centro da capital, fator que incentiva o alto consumismo de Edite, que chega a comprar roupas repetidas do mesmo modelo. O fator que predomina na economia tanto de água quanto de energia não está relacionado com o meio

de reduzir a poluição do meio ambiente. Thanna, que é estudante de Biologia, é a única que já conhecia a filosofia dos 4 Rs. A futura bióloga acha que falta instrução e interesse por parte das pessoas. “Penso que se medidas em prol do meio ambiente fossem discutidas em telenovelas, a população se interessaria mais pela causa. Infelizmente, vivemos num mundo de alienação em que as crianças são induzidas desde cedo a consumir e famílias com hábitos sustentáveis, como a minha, são rotuladas de ‘ecochatas’”, desabafa. Yasmin Barreto

gerada pela máquina de lavar roupas. Apesar de não conhecerem a filosofia dos 4 Rs, alguns destes preceitos são aplicados de maneira inconsciente pela família Pereira, que se vale da redução e da reutilização em hábitos cotidianos. Para Edite, educação é uma questão de berço e cita como exemplo sua sobrinha de dois anos: “mesmo sendo tão pequena, ela já coloca o lixo no devido lugar e sabe da importância deste ato”, finaliza C


Contexto

Comportamento

abril-junho/2010

11

Para aonde vai o seu lixo eletrônico? Pedro Ivo

A

p3dr01v0@hotmail.com

exemplo da indústria, o lixo eletrônico nosso de cada dia (também chamado e-lixo) - das pilhas aos refrigeradores, passando pelos cada vez mais “descartáveis” celulares - pode ter uma longa sobrevida. “Já passei adiante muitos aparelhos”, diz a dona de casa Elizabete Pinto, lembrando da televisão, da geladeira, do fogão e do forno microondas que doou; tudo substituído por modelos mais atuais, porém ainda úteis para outras pessoas. Sua irmã, a enfermeira Sandra Pinto, fez algo semelhante. “A nossa primeira televisão foi trocada por outra em 2001; a antiga nós demos um tempo depois para a moça que trabalha aqui em casa”, recorda. Maria Arlete Santos, que recebeu a doação, já a passou adiante para sua filha mais velha. A família do estudante Orlando Filho também adotou o mesmo método de “descarte” de equipamentos usados. Ele lembra de um aparelho de som micro-system que foi deixado na loja de assistência técnica, para descarte das peças, porque o preço cobrado pelo conserto não valeria a pena Essa prática agora é corriqueira, segundo o técnico em eletrônica Jonas Francisco Silva, dono de uma loja especializada em televisores no bairro Suíssa. “Muitas vezes a pessoa deixa o televisor aqui e não volta para pegar. Aí, a gente retira algumas peças e guarda para uma necessidade posterior”, explica. O que sobra vira sucata e doado para reciclagem, Na pilha de aparelhos acumulados na loja há alguns com mais de 30 anos de uso, e o custo dos reparos varia de 30 a 70 reais, dependendo do problema. Segundo Jonas, em tempo de chuva a pilha de TVs aumenta: “chega a aparecer umas 40 por dia para realizar algum reparo, normalmente oriundo de problemas na tela.

Descarte e reciclagem corretos Computadores obsoletos para uns podem ter vida útil para outros, às vezes até como ferramenta de trabalho. O engenheiro civil Marco Aurélio Faro sabe bem disso, pois costuma levar para o escritório onde trabalha os computadores que são substituídos em casa. “Quando o computador já não é mais útil no escritório, dou a algum funcionário da firma, que fica com a máquina por mais algum tempo”, relata. Mas essa solução do “passe adiante” individual não serve para empresas ou instituições que precisam substituir vários computadores e periféricos ao mesmo tempo, ou para quem precisa se desfazer rapidamente de equipamentos e acessórios por motivos de mudança, por exemplo.Nesses casos, são necessárias ações de reciclagem adequada a esse tipo de material, como faz o Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (CEDIR-USP), uma parceria do Centro de Computação Eletrônica da Universidade de São Paulo com o Laboratório de Sustentabilidade do Massachussets Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos. O trabalho desenvolvido desde 2008 consiste em realizar uma “faxina geral”, recuperando o que for possível e indicando as possibilidades de reuso ou reciclagem do descarte de informática da universidade. Outra iniciativa nesse sentido, também em São Paulo, é a do E-lixo Maps, uma parceria da Secretaria de Estado do Meio Ambiente com o Instituto Sergio Motta que mapeia os pontos de descarte e orienta a população sobre aonde levar sua sucata eletrônica. O site do serviço de utilidade pública (www.e-lixo.org) possui cerca de 200 postos cadastrados, que podem ser identificados a partir de uma busca pelo CEP do interessado. O Instituto pretende estender o serviço para outros pontos do país, mas ainda não tem previsão de quando isso será feito.

Pedro Ivo

Falta de local apropriado para descarte do e-lixo ainda é um problema

No setor privado, a pioneira do ramo é a Descarte Certo (www.descartecerto.com.br/), que recolhe equipamentos eletrônicos usados, separa seus materiais e componentes e os encaminha para os locais corretos de reciclagem. Uma parceria com a rede de supermercados Carrefour permite ao comprador solicitar a retirada do produto eletrônico a ser substituído no ato da compra do novo, mediante o pagamento de uma taxa. A Descarte Certo atua em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, mas também pretende estender suas atividades a outras regiões do país. Em Sergipe ainda não existe um serviço voltado exclusivamente para coleta e destinação do e-lixo, mas já há instituições preocupadas com essa demanda. Um exemplo é a Secretaria de Estado da Segurança Pública (http://ssp.se.gov. br/), que criou uma comissão interna para avaliar os resíduos de informática sucateados ou absoletos existentes em todas as unidades do órgão e sua possível destinação. O processo é

lento, pois envolve procedimentos burocráticos obrigatórios por lei, mas a unidade local do Senai demonstrou interesse em aproveitar os resíduos de informática da SSP para utilização nos cursos de montagem e manutenção de computadores. Mudanças de hábito Para saber mais sobre o que fazer com o seu e-lixo um bom caminho é o site do Coletivo Lixo Eletrônico (http://lixoeletronico.org/), que oferece desde links para iniciativas ecologicamente corretas de várias empresas e governos a orientações sobre como contribuir para a redução do e-lixo. Desenvolvido a partir de pesquisa realizada por Bruna Daniela da Silva, Dalton Martins e Flávia Cremonesi, o site lembra que antes de pensar em descarte é preciso reduzir a produção, consumir conscientemente e reutilizar. “Afinal, para fabricar um computador são gastos 240 quilos de combustível, 22 quilos de produtos químicos e 1,5 tonelada de água” C

Políticas Públicas

Água também pode ser reutilizada Larissa Ferreira e Lorene Vieira

larafiona@hotmail.com

A

cidade de Curitiba foi pioneira na adoção do reuso de água, através de uma lei sancionada em 2003 que estabelece que os novos prédios construídos possuam sistemas de reutilização da água do chuveiro no vaso sanitário. Em Aracaju, há uma proposta semelhante em tramitação na Câmara Municipal, apresentada em 2008 pelo vereador Emmanuel Nascimento, O projeto de lei 22/2008 prevê a inclusão de sistemas de armazenamento de águas pluviais em prédios da capital. “As novas edificações erguidas deveriam possuir cisternas para o acúmulo de águas oriundas das chuvas, uma vez que a população aracajuana já experimentou as conseqüências negativas do racionamento e rodízio na distribuição de água. A implantação dessas cisternas não seria a solução final para o problema, mas amenizaria a ocorrência deles”,

defendeu o vereador. O projeto foi enviado para diversos órgãos municipais, inclusive a Empresa Municipal de Urbanização (EMURB), mas foi considerado inviável sob a alegação de que chove pouco no estado. A Câmara partiu, então, para uma solução caseira.Em sua última reforma, optou por utilizar vasos sanitários que evitam o desperdício de água – os chamados “vasos ecológicos”, que possuem densidades diferentes para a eliminação de água pela descarga, variando de 3 a 6 litros. Busca de alternativas Outra iniciativa de aproveitamento das águas pluviais é um estudo realizado pelo professor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Sergipe (UFS) José Daltro Filho no aeroporto Santa Maria, em Aracaju. “Esse trabalho visou mostrar aos dirigentes da Infraero que a instituição tem potencial para o aproveitamento da água de chuva, pois há uma área coberta imensa que pode dar suporte ao

fornecimento de água para a jardinagem e os vasos sanitários, resultando numa economia substancial”, explicou. Para o engenheiro civil e professor do Instituto Federal de Sergipe (IFS) Antônio Alves da Anunciação Filho, o aumento da demanda por água tem imposto pressões econômicas e socioambientais aos novos empreendimentos imobiliários, para que adotem medidas visando à diminuição do consumo e a busca por fontes alternativas. “A implementação de sistemas de aproveitamento de águas pluviais para fins não potáveis, como irrigação e lavagem de pisos, tornou-se uma alternativa viável para as novas edificações. Além da água de chuva coletada pelo sistema de drenagem dos edifícios, a água de condensação de ar condicionado e a proveniente de cortinas de drenagem de lençol freático, também podem ser aproveitadas”. O engenheiro diz que iniciativas locais para a reutilização de água estão em fase de estudo e

devem ser lançadas futuramente. “Mas não podemos deixar de levar em conta de que é uma questão de tempo e de cultura”, completou. Faltam políticas Com seis bacias hidrográficas em seu mapa – incluindo a do Rio São Francisco – Sergipe põe em risco esse patrimônio natural ao despejar mais de 90% dos esgotos das suas cidades nos rios. Além da urgência do sanemaneto básico, o reuso planejado da água nos meios urbanos é apontado como uma demanda a ser incorporada às políticas públicas de recursos hídricos, embora nenhuma medida concreta tenha sido tomada no estado. Ailton Francisco da Rocha, técnico responsável pela Superintendência de Recursos Hídricos do Estado de Sergipe (SRH/SE), vinculada à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMARH), confirma: “Ainda não temos ideias concretas sobre a reutilização da água em Sergipe, temos apenas discussões no Legislativo” C


12

Políticas Públicas

abril-junho/2010

Contexto

Coleta seletiva assume função social Pedro Alves

Pedro Alves

pedraum_rotulo@hotmail.com

A

sociedade moderna nos mostra a cada segundo a superação de conhecimentos passados e o surgimento de tecnologias avançadas. O consumismo passou a ser fonte principal de sustentação desta sociedade e, em consequência, os bens materiais tornaram-se descartáveis com um tempo mínimo de vida. O que “não serve mais” deve ser jogado no lixo, porém, quando quase tudo torna-se descartável surge um grande problema. O que faremos com a grande quantidade de lixo produzido? Esta é a pergunta feita diariamente pelas populações das grandes cidades, onde o problema é mais evidente. A preocupação torna-se ainda maior quando relacionamos esta questão com as grandes catástrofes ambientais ocorridas nos últimos tempos. Chuvas, tempestades, desabamentos, ala-gamentos deixam a população em estado de alerta. Diante desta situação delicada, ações como coleta seletiva e reciclagem de lixo surgem como práticas amenizadoras. A coleta seletiva consiste na separação do lixo orgânico (restos de alimentos) do lixo seco (papel, metal, alumínio e vidro) com objetivo de reaproveitar e reciclar o que ainda pode ter utilidade. A coleta deve ser feita na fonte, ou seja, onde o lixo é produzido. Desde 2001, a Cooperativa dos Agentes de Reciclagem de Aracaju (Care), juntamente com a Empresa Municipal de Serviços Urbanos (Emsurb), vem desenvolvendo um projeto de coleta seletiva na capital sergipana. Antes, todos os resíduos sólidos eram despejados no lixão do bairro Santa Maria. “Hoje a Emsurb faz a separação do lixo seco e envia para a Care. Lá o material é reaproveitado, servindo muitas vezes de fonte de renda para os trabalhadores da reciclagem”, informa Célia Bastos, assessora técnica da Emsurb. Segundo a empresa pública, o serviço começou atendendo ao conjunto do Inácio Barbosa e hoje abrange 26 localidades. Em 2009 o programa recolheu 1.120 toneladas de lixo para reciclagem, segundo a Prefeitura de Aracaju, “Nós atendemos bairros como Treze de Julho, Jardim Esperança,

As 50 toneladas de lixo que chegam todo mês à Care são separadas e vendidas para a reciclagem

Beira Mar, Cirurgia, Bela Vista, entre outros. De 2002 para cá, o lixo seco coletado e destinado à Cooperativa aumentou cinco vezes”, diz Célia Bastos. Do Lixão à Care Por muito tempo, todo o lixo produzido em Aracaju era despejado no lixão do bairro Santa Maria. Lá, urubus, ratos, catadores e crianças disputavam o espaço a procura de restos de comida e materiais a serem aproveitados. Muitas destas pessoas moravam em barracos localizados no próprio lixão. Eram condições precárias de sobrevivência. Um dos problemas era o trabalho infantil. Pelas péssimas condições de vida as crianças, filhos e filhas dos catadores, ajudavam no trabalho árduo, trocando o tempo de estudo pelo tempo no lixão. Diante desta situação, em 1999, catadores resolveram se organizar por melhores condições de trabalho e principalmente para exterminar o trabalho infantil. Depois de muita luta, conseguiram criar, em 2002, a Cooperativa dos Agentes de Reciclagem de Aracaju (Care), com apoio do Unicef - o Fundo das Nações Unidas para a Infância, a Universidade Federal de Sergipe (UFS) e o Ministério Público.

Lixo hospitalar tem novas normas Victor Bruno

victorbrunodsv@gmail.com

A atividade hospitalar por si só já é grande geradora de resíduos infectantes. Entretanto, a maioria dos hospitais os trata da mesma maneira que os comuns, descartando os riscos impostos à saúde pública e ao meio ambiente. Existem leis que orientam e normatizam todo o processo de trabalho em relação à manipulação, manejo e transporte desse tipo de lixo. Um bom exemplo é a resolução RDC 306/2004 da Anvisa, que além de

tratar de todas as questões envolvendo os resíduos da área hospitalar, também determina o que é lixo infectante, lixo comum e como devem ser separados. Segundo essa regulamentação, a separação deve ser feita em três grupos: resíduos infecciosos (materiais perfuro-cortantes, sobras de tratamentos como gaze, drenos e sondas, e peças amputadas); resíduos especiais (materiais radioativos, farmacêuticos e químicos) e resíduos gerais ou comuns (papéis, copos descartáveis, resto de alimentos). O Hospital de Urgência de Sergipe

Passados oito anos, a cooperativa conta com dois caminhões de coleta seletiva cedidos pela Emsurb, dois galpões de separação e prensagem e 44 cooperados trabalhando efetivamente. “O lixo seco coletado pelos caminhões vem para a Care e aqui nós separamos os materiais para a venda. Uma parte do dinheiro recebido é destinado para pagar os nossos salários de R$ 460, e a outra sustenta o projeto com as crianças. Nosso objetivo é equiparar ao valor do salário minimo”, afirma Vaneide Ribeiro, representante da Care. Além do trabalho de coleta seletiva, a cooperativa sustenta o projeto Recrearte com as crianças da Comunidade Santa Maria, muitas delas filhos e filhas dos cooperados. “O Recrearte é um projeto de reforço

escolar desenvolvido com 60 crianças, o objetivo é manter as crianças nas escolas e longe do lixão”, diz Vaneide. Em média, chegam 50 toneladas de lixo seco por mês, porém, após a separação, 10 a 15 toneladas são impróprias para a reciclagem por haver contato com lixo orgânico “É preciso que as pessoas se conscientizem e separem os lixos. Hoje a gente faz palestras em escolas, prédios, condomínios, mas mesmo assim ainda é fraca a divulgação da coleta seletiva. Tentamos divulgar uma propaganda na TV, mas o preço cobrado dava para pagar o salário de cinco cooperados”, diz Vaneide. A separação do lixo orgânico do lixo seco tornou-se uma questão de responsabilidade social C

Lixo doméstico ainda não é separado No estado de Sergipe, o órgão responsável pelo ciclo de coleta, transporte e descarte do lixo é a Emsurb - Empresa Municipal de Serviços Urbanos, que realiza esse processo em dias alternados, tanto durante o dia quanto à noite. Para isso, a cidade foi dividida em setores, com coleta diferenciada conforme os locais. Onde o acesso é viável, são utilizados caminhões.

(HUSE) iniciou um projeto em 2008 de total reformulação na separação e no tratamento dos resíduos sólidos hospitalares. Ronaldo Cruz, gerente de Higienização e Limpeza, responsável pelo plano, admite que enfrentou grande dificuldade ao tentar por todas as medidas necessárias em prática. “O hospital passava por dificuldades antigas que existiam desde a sua criação. O pessoal responsável pela seleção e coleta do lixo não tinha o devido treinamento, o que dificultava muito o nosso trabalho”, contou. O projeto contempla desde pequenas ações dentro dos setores até grandes mudanças no destino final do lixo, como a melhoria das instalações de abrigo externo,

Já em lugares menos acessíveis, como as invasões populacionais (Pantanal, Morro do Avião, Coqueiral, entre outros), a coleta é feita com veículos menores ou de tração animal. Grande parte da população descarta no mesmo recipiente restos de comida, embalagens plásticas e vários outros materiais que, em sua maioria, poderiam ser reutilizados. (Nikos Eleftherios)

onde é armazenado até ser retirado e encaminhado à vala séptica (diferente da que recebe resíduos comuns), no Santa Maria. Essa coleta é realizada diariamente pela Torre Empreendimentos, que possui um contrato com a Secretaria de Estado da Saúde (de número 063/2006) e a disposição final é de responsabilidade da Emsurb. Essas mudanças não se restringem ao Hospital João Alves e deverão ser estendidas aos demais hospitais públicos de Sergipe. Porém, muitos ainda não conseguem se adequar às normas para o serviço. “Elas são muito inovadoras. Nós estamos até bem avançados em relação a isso”, conclui Ronaldo Cruz C


Contexto

Universidade

abril-junho/2010

13

Latões coloridos não são enfeite Campanha de comunicação divulgará importância da coleta seletiva solidária Jeimy Remir

Michel Oliveira

jeimyremir@hotmail.com

D

epois de vários anos de conflitos com o Ministério Público por conta do “lixão” do Rosa Elze, a Universidade Federal de Sergipe (UFS) inicia uma ampla mudança no processo de coleta de resíduos sólidos, com base no princípio da coleta seletiva solidária instituída por lei pelo governo federal (ver quadro). Esta orientação atende aos dois principais pontos de controvérsia sobre a questão do lixo na Universidade: a socioambiental e a de geração de trabalho e renda para as dezenas de famílias de “catadores” da comunidade. De acordo com o vice-reitor da UFS, Ângelo Antoniolli, que está à frente desse processo, a implantação da política especial para o lixo envolve, antes de tudo, uma mudança de pensamento. “Pensar em coleta seletiva do lixo parte do princípio da consciência ecológica. E conscientizar não é tarefa simples, embora seja a grande preocupação da universidade. Por isso, estamos realizando estudos nessa direção”, explicou o professor, enfatizando o arranjo produtivo de alto valor econômico no qual o lixo está inserido. Questionado sobre a demora para implantar um projeto de cunho socioambiental na Universidade, o vice-reitor disse que o prazo para isso já está definido. “Até o início do segundo semestre de 2011 implantaremos a política de coleta seletiva do lixo em todos os campi da UFS. Já estamos com o projeto em andamento no Campus de São Cristóvão e no de Itabaiana, para em seguida chegarmos a Laranjeiras e, logo depois, em Lagarto”, prometeu o vice-reitor. Economia solidária Segundo a engenheira florestal Laura Jane Gomes, que integra a coordenação do projeto ambiental da UFS, entre as propostas da iniciativa está a criação de um galpão que servirá para o processo de triagem, classificação e seleção de todo o lixo produzido no Campus de São Cristóvão. “No galpão iremos desenvolver uma economia solidária, em que os antigos catadores do lixão terão um meio de trabalho certo e seguro, através do associativismo e da cooperação”, disse a pesquisadora. A construção desse galpão envolve diferentes setores da universidade e outras organizações externas. A elaboração do projeto ficou a cargo do Departamento de Engenharia Civil. O cadastramento de cooperados ficará sob a responsabilidade da Unitrabalho, uma rede universitária nacional que agrega mais de 90 instituições de ensino superior de todo o Brasil, e que já realiza trabalhos nesse sentido. A ONG holandesa ICCO doará os materiais, assim como vem fazendo com uma cooperativa no bairro Lamarão e outra ainda a construir no Morro do Avião. A ICCO também financiou a Cooperativa de Agentes Autônomos de Reciclagem de Aracaju (Care), localizada no bairro Santa Maria, e que atual-

Recolhimento do lixo no campus de São Cristóvão antes da implantação da coleta seletiva

mente atende a cerca de 40 cooperados. “O galpão que está sendo pensado para a UFS é voltado para o reaproveitamento de tudo, até mesmo da água e energia que serão utilizadas. Teremos então um galpão autosustentável. Nossa dificuldade, apesar dos recursos internacionais, está na falta de gestão pública ambiental das prefeituras de São Cristóvão e Aracaju, que não apóiam o nosso projeto”, desabafou Laura. Ela destaca o fortalecimento do programa de extensão que impulsionará a comercialização de produtos reciclados.

diferenciados em lixo reciclável, não-reciclável e orgânico. No Campus de São Cristóvão, por exemplo, já disponibilizamos esses coletores, mas sem essa diferenciação”, comentou o mestrando em Desenvolvimento e Meio Ambiente da UFS Fred Alves. Ele também considera que serão necessárias mudanças de atitude e comportamento por parte de estudantes, professores, funcionários e visitantes. Passada a fase de coleta, os respectivos excedentes terão seu destino certo: os não-recicláveis e orgânicos serão coletados pela Torre e levados para o aterro do bairro Santa Maria, e os recicláveis irão para o galpão para serem prensados e recolocados em uso. “A ICCO nos cederá todo o equipamento necessário para o processo de reciclagem, como prensa, balança e mesa separadora. A Unitrabalho fará a extensão universitária com os catadores de lixo da comunidade e a coleta seletiva solidária ganhará forma e responsabilidade socioambiental”, explicou a professora Laura.

Comunicação, Engenharia Florestal, Biologia, Ecologia, Direito, Psicologia, Administração e Serviço Social. O projeto de sensibilização pretende atingir alunos, professores, técnicos e trabalhadores terceirizados, segundo o professor de Publicidade Matheus Felizola. Para isso, ele e uma equipe realizaram dois levantamentos: um focando professores, técnicos e alunos, e outro apenas os terceirizados (em especial seguranças e serviços gerais). “A partir dessas pesquisas, criamos um briefing (resumo do problema a ser resolvido) e a marca da campanha. Estamos agora abrindo um edital para o slogan e realizando o planejamento de marketing para as ações no Campus de São Cristóvão”, informou. O conteúdo da campanha será divulgado através de spots, outdoors, panfletos com papel reciclado e adesivos no chão, além de promoções com camisas, canetas, canecas e sacolas recicladas. “Esse é o passo inicial do processo de consciência ecológica que vem sendo implantado na UFS nos últimos anos”, finalizou o vice-reitor, considerando o projeto como parte de uma educação coletiva C

Recolhimento e prensagem Atualmente, a coleta de todo o lixo orgânico e inorgânico do Campus de São Cristóvão, e mais o lixo hospitalar do Campus Saúde, é realizada pela Torre, empresa terceirizada que executa os serviços de limpeza na Grande Aracaju. O destino desses rejeitos é o aterro sanitário ou “lixão” do bairro Santa Maria. Na UFS, a Divisão de Serviços Gerais (DSG) é o setor da prefeitura dos campi que Mobilização extensiva presta os serviços na área de limpeza. Todo o A campanha ambiental da UFS conta com excedente é coletado por uma equipe também a contribuição de diversas áreas de saber: terceirizada, a cargo do Departamento de Serviços Gerais (DSG). Segundo o chefe deste gal setor, Lindomar Silva, as rotinas de limpenntação le ie r O sendo impla á st za e coleta de lixo nos campi já vêm sendo e e u q a v leti o pela de coleta se 40, instituíd alteradas. “Em função da nova política de .9 5 to re O processo c e d 06, O atende ao tubro de 20 u o coleta do lixo, a UFS também mudará seu e d 5 2 tado na UFS a em des da da Repúblic ãos e entida modo de trabalhar, uma vez que passarerg ó s o Presidência e u q determina alizar a sepa to re n e m m mos a ter não só um local apropriado para e v la e u d g l re dera iná-los ão pública fe rtados e dest a o despejo, mas toda uma lógica de seleção sc e d s administraç o d to síduos recicla s de catadores. O decre de resíduos”, considerou. ração dos re a v e ti u ra q e es e coop ária para os d li Com a coleta seletiva, os campi passaso a v ti le às associaçõ se fonte de ca da coleta rão a disponibilizar coletores de lixo aprocomo única is a ri prevê a práti te a ssifim iagem e cla catação de tr a ra a m p e priados, comumente diferenciados com u o ç ss a o p esp riação de um cores fortes que designarão o tipo de marenda, e a c síduos. terial a ser despejado. “Os coletores ficarão cação de re


14

Comunicação ‘

Abril-Junho/2010

Contexto

O meio ambiente nas ondas do rádio Fernanda Carvalho

fernandavalentim23@hotmail.com

O documento da Organização das Nações Unidas (ONU) que estabeleceu 2010 como o Ano Internacional da Biodiversidade evidenciou, mais uma vez, a necessidade de agir e repensar possíveis formas de amenizar o impacto do homem sobre meio ambiente. Em Aracaju, a reflexão sobre este documento foi responsável também, por incentivar a concretização de um projeto que há algum tempo fazia parte do imaginário do jornalista e professor Alex Nascimento: um programa de rádio que pautasse continuamente e exclusivamente temas relacionados ao meio em vivemos. Foi com esse objetivo que nasceu o ‘Ecos em Debate’, no ar desde 29 de março deste ano pela Aperipê, 104,9 FM. A primeira edição foi uma espécie de programa piloto, destinado a informar e problematizar questões ambientais de Sergipe. Com uma hora de duração, o programa aborda temas como energia nuclear, água, meio ambiente urbano, resíduos sólidos, entre outros, inserindo-os num contexto de relação direta com as ações humanas do cotidiano e noções de cidadania e coletividade. Mas, segundo seu idealizador e presentador, Alex Nascimento, o Ecos em Debate visa, sobretudo, promover a discussão em torno do

meio ambiente como forma de obtenção e preservação da qualidade de vida. Por isso tem como foco o comportamento humano como direcionador desta qualidade. “Não dá para discutir meio ambiente sem qualidade de vida, como não dá para pensar qualidade de vida sem pensar no meio em que vivemos. Queremos contribuir para que as pessoas desenvolvam um comportamento cada vez mais civilizado em relação ao meio”, enfatizou Alex. O programa, pioneiro em Sergipe, apresenta um formato dinâmico: possui em sua abertura um editorial, na voz do próprio Alex; propõe o debate em torno dos temas, expondo as visões de especialistas convidados; traz notícias nacionais e internacionais, através de boletins informativos com a jornalista Valéria Lima; e convida à reflexão com as crônicas produzidas e apresentadas pelo colaborador Antônio dos Passos. Além disso, traz a participação do estudante de engenharia florestal Marx Miller, que através de um texto informativo faz uma ponte entre a comunidade e as propostas, pesquisas e projetos ambientais, oriundos da academia. Tudo isso acompanhado, sempre que possível, de recursos sonoros, como música de fundo, ou intercalados com músicas de cantores nacionais ou sergipanos relacionadas à temática do programa.

Outros ecos Iniciativas como estas são calcadas no propósito de utilizar os meios de comunicação em favor da educação ambiental. No Brasil, o rádio ainda é o veículo de maior penetração social, por conta da sua acessibilidade e abragnência. “Ele é democrático, trabalha idéias com leveza, permite a música, o humor, torna os assuntos mais leves sem tirar sua relevância,” explica a professora do curso de Audiovisual da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Ana Ângela Farias Gomes. Foi com esse referencial que a professora e o colega Matheus Felizola, ambos do Departamento de Comunicação Social (DCOS), propuseram o projeto de extensão “O meio ambiente no cotidiano: educação ambiental na Rádio UFS”. O projeto, iniciado em abril, traz uma nova abordagem da questão ambiental, considerada central para “decisões sociais, políticas e econômicas no mundo”.

O projeto ressalta a importância de se investir em campanhas educativas que utilizem a expressão radiofônica, na qual o uso da música e da sonoplastia reforça o efeito da palavra, dando mais impacto ao texto. A produção utiliza a linguagem dos spots publicitários e é feita por nove alunos dos cursos de Audiovisual e Publicidade e Propaganda. A necessidade de promover e agendar constantemente a questão ambiental na mídia explica-se, na visão da professora Ana Ângela, pelo fato de este ser “um tema de alta relevância para o mundo contemporâneo, que questiona nossos padrões de relações sociais e propõe ao indivíduo uma forma mais cooperativa e ética de vida”. Ela considera que vivemos hoje “um momento de grande ebulição em torno de perspectivas sociais que colocam a questão ambiental como central em relação a qualquer modelo de desenvolvimento” C

Reality show em versão ecológica Jailton Prata

jprata.publicidade@hotmail.com

A

febre dos “realities shows” vem sendo utilizada no Brasil de forma inovadora pela TV Cultura para tratar do meio ambiente. Lançado em abril de 2009, o programa Ecoprático aborda os comportamentos cotidianos ecologicamente incorretos de uma família paulistana e sugere atitudes que respeitem o meio ambiente e, ao mesmo tempo, possam melhorar a qualidade de vida dos moradores da casa. A primeira

temporada, que teve dez episódios, pode ser assistida na Internet (www.ecopratico.com.br) e acaba de ganhar versões em DVD e Blue Ray. Atualmente é exibido aos domingos pela Cultura (disponível em alguns pacotes de TV por assinatura). Segundo os apresentadores Anelis Assumpção e Peri Pane, o Ecoprático trata a questão ambiental de forma didática, com leveza e bom humor. “A cada programa uma família é escolhida para uma reciclagem de hábitos relacionados à sustentabilidade no dia-a-dia.” Divulgação

Peri ensina a construir um minhocário que trasforma material orgânico em adubo

Os dois visitam casas de diferentes regiões da Grande São Paulo, habitadas por pessoas dos mais diversos perfis socioeconômicos, e avaliam a sua situação a partir de dez “ecocritérios”: energia, água, alimentação, resíduos, ecossistema, bem-estar, transporte, consumo, estrutura e atitude. A partir daí, propõem uma série de mudanças estruturais, físicas e comportamentais na casa e na família. “Na maioria dos casos, soluções simples, que não comprometem o orçamento familiar, são suficientes para tornar o ambiente ecologicamente adequado”, explica Anelis. “Muito mais do que as reformas, nossa grande preocupação é fazer a pessoa refletir e mudar de atitude. Como as dicas sugeridas são simples, eficazes e economicamente viáveis, o próprio telespectador pode incorporá-las à sua realidade”, completa Pane. Trocar telhas na área de serviço por uma opção que permita a entrada da luz solar ou construir um deck no quintal para escoamento da água são alguns dos exemplos destacados pelo apresentador. Com roteiro de Carol Ribeiro, os programas exibem todo o processo realizado na residência, desde a primeira visita até o retorno da equipe, com as mudanças já realizadas. Também mostra de que forma as intervenções mexeram com a rotina da família. Cada edição do “EcoPrático” conta com a participação de dois especialistas. Um deles é o arquiteto Francisco Lima, o Xico, que assina os projetos de reforma. Já a jornalista Maria Zulmira, responsável pela direção de conteúdo do programa,

trata de questões importantes relacionadas à sustentabilidade doméstica, contextualizando o tema abordado no quadro “Zuzu Respode”. A atração conta ainda com os quadros “Eco Dica”, com o próprio morador dando toques simples como desligar o chuveiro durante o banho enquanto ensaboa o corpo; e “Eco Nota”, em que cada participante do episódio avalia suas atitudes e é avaliado pela produção do programa. A produtora Carla Schertel avalia como bastante positiva a utilização do formato de reality show para tratamento dessa temática, por permitir passar do discurso ecológico para uma prática diária de sustentabilidade. “Não se trata de um show no sentido sensacionalista e sim da maneira que encontramos para mostrar que é possível mudar e contribuir para um futuro mais consciente e sustentável”. O objetivo maior do programa é sensibilizar as pessoas para uma atitude concreta frente às questões do seu cotidiano. “Não basta ter informação, chegou a hora de agir. Multiplicar dicas práticas e ampliar a rede da sustentabilidade é o nosso desafio”, provoca a produtora. A professora Ana Ângela Farias Gomes, da Universidade Federal de Sergipe, elogia esta “estratégia discursiva do programa de realizar educação ambiental via reality show, isto é, de ‘invasão’ da vida privada de sujeitos comuns para tentar transformá-la, reeducá-la. Para ela, este programa é “único” na TV pública brasileira, por sua forma interativa, que ajuda no enfrentamento do problema ambiental C


Contexto

Esporte

abril-junho/2010

15

A nova cor do futebol

Estádios ecodirecionados alinham o esporte com o discurso do marketing verde

A

pesar de todas as belezas naturais que a África do Sul exibiu, ao sediar a Copa do Mundo de Futebol, ainda não foi desta vez que tivemos uma competição ecologicamente correta. Na verdade, tirando a cor dos gramados, até pouco tempo atrás futebol e meio ambiente não jogavam no mesmo time. Mas há sinais de mudança, e a partir de 2014 o marketing esportivo promete dar outro rumo a essa história. A preocupação da FIFA - Federation Internationale de Football Association, dos grandes clubes e dos comitês organizadores das competições internacionais tem feito com que alguns estádios construídos ou reformados desde o início do século se valham da tecnologia e da economia para incluir itens ecologicamente corretos em suas estruturas. Essa aproximação entre futebol e meio ambiente começou na Copa do Mundo de 2002, disputada no Japão e na Coréia do Sul, onde os estádios foram construídos pensando em um futuro melhor para se viver. É o caso do Suwon Stadium, na cidade de Suwon, no qual foi construído um sistema de reaproveitamento de água da chuva para regar o gramado. Porém, foi no outro país-sede que o mundo parou para observar o espetáculo promovido pelo estádio Domo de Sapporo, na Ilha de Hokkaido, no norte do Japão. Como possui cobertura fixa, criou-se um sistema para manter o gramado ao ar livre (do lado de fora do estádio), para que o mesmo não se deteriore. Este sistema consiste em uma plataforma de 8.300 toneladas movida a ar comprimido, que tem como função transportar o gramado para dentro do estádio em dias de jogos, através de

uma porta de 90 metros de largura que se abre nas arquibancadas. Uma vez dentro, o campo ainda se vira em 90 graus para que fique na posição correta. Depois disso, vieram os estádios da Copa de 2006, disputada na Alemanha. Cidades como Bielefeld (Bielefelder Alm), Freiburg (Badenova-Stadion), Kaiserslautern (FritzWalter-Stadion) e Nuremberg (EasyCreditStadion), construíram ótimos e ecológicos, porém dispendiosos estádios. As mais recentes arenas ecologicamente corretas estão na Ásia: o Kaohsiung Stadium, em Taiwan, e o Dalian Shide Stadium, na China. O moderno estádio de Taiwan possui 14 mil m² de teto e é composto por 8.844 painéis de captação de luz solar, que são suficientes para suprir as necessidades de energia no estádio (composta por 3.300 luzes e dois telões gigantes) e ainda iluminar 80% das residências do entorno. Já o Dalian Shide Stadium é dono de uma beleza estonteante, além de ser muito mais ecológico que todos os anteriormente citados, juntos. Ao custo de 150 milhões de dólares, fica em local privilegiado e escolhido a dedo: à beira-mar e com montanhas próximas, o que faz com que se aproveitem as correntes marítimas, melhorando assim a ventilação de todo o estádio (com a ajuda da cobertura, projetada para resfriar naturalmente as arquibancadas). Além disso, utiliza energia renovável – através de turbinas eólicas e painéis solares que trabalham em conjunto – e recicla água da chuva para uso nos vestiários, banheiros e irrigação do gramado. E no Brasil, isso existe? Por aqui existem vários projetos, mas apenas um concretizado: o rústico e simpático http://farm4.static.flickr.com/3504/3262945513_58cc2934b8_o.jpg

Projeto do Estádio das Dunas, em Natal, que manterá a tradição potiguar de aproveitar as águas das chuvas

Muito além dos gramados O futebol não é a única modalidade que tem merecido atenção do “marketing verde”. Fornecedores de materiais esportivos, medalhas olímpicas e até mesmo troféus da Fórmula 1 já pegam carona na “onda ecológica”. As novas camisas das seleções brasileira e australiana, produzidas

pela empresa estadunidense Nike e utilizadas no Mundial da África do Sul, foram desenvolvidas a partir da produção de um poliéster reciclado de garrafas PET (100% reciclável), que reduz o peso da camisa em cerca de 10 a 15%. Cada camisa é feita com oito garrafas e, além disso, segundo a Nike, gera uma redução de aproximadamente 30%

Divulgação

Rafael Freire

rafanoigandres@gmail.com

A arquibancada do Ecoestádio paranaense foi construída sem a utilização de concreto

Janguito Malucelli, mais conhecido como Ecoestádio. De pequeno porte, o estádio que fica em Curitiba (PR) pertence ao antigo J. Malucelli, hoje Corinthians Paranaense, tem capacidade para 6.000 pessoas e custou modestos R$ 1,2 milhão (se comparado, por exemplo, ao japonês Domo de Sapporo, que consumiu R$ 750 milhões). O Ecoestádio fica na região do Parque Barigui, um dos principais cartões postais da capital paranaense, que tem cerca de dois milhões de metros quadrados de área verde e recebe quase 50 mil pessoas nos domingos. de jogos A idéia de harmonizar o estádio com o parque deu certo, e muitos dos visitantes nem percebem que existe um jogo de futebol profissional acontecendo logo ao lado. Essa impressão é reforçada pela bela vista que se tem do lago do parque, em conjunção com os outros espaços futebolísticos que existem ao redor do campo principal. Um dos pontos fortes do Janguito é a popularmente conhecida “arquibancada ecológica”, que foi projetada e construída em cima do morro que circunda o estádio, sem a utilização de concreto, sendo inserida apenas grama em toda a sua extensão e sobre ela as cadeiras verdes. Segundo a assessora de imprensa do Corinthians Paranaense, Ruthe Precoma, todo o ferro e madeira utilizados na construção do estádio são provenientes de ferrovias desativadas e de áreas de reflorestamento. Em janeiro, o Janguito teve repercussão na mídia internacional, em uma coluna que avaliou os clubes mais ecologicamente corretos do planeta: “o The Guardian, jornal da In-

glaterra, referiu-se ao Ecoestádio como o mais verde”, comentou a assessora.

no consumo de energia no processo de produção. Outra novidade foram as medalhas das Olimpíadas e Paraolimpíadas de Inverno 2010, realizadas em Vancouver, Canadá. Elas foram feitas a partir de material reciclado, como partes de placas eletrônicas e circuitos velhos reaproveitados. No GP de Interlagos de F1 o troféu do campeão de 2008 foi feito a partir de polietileno verde, ou seja, de plástico

100% renovável. No ano seguinte, foi montada uma mini-usina de reciclagem no circuito, que trabalhou durante os quatro dias do evento coletando resíduos plásticos descartados pelo público para serem transformados em troféus 100% reciclados C

Projetos para a Copa 2014 Segundo o ministro dos Esportes, Orlando Silva, o Brasil será responsável pela primeira copa ecologicamente correta do mundo. Mas converter grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, que sofrem com graves problemas estruturais e ambientais, em cidades ecologicamente corretas não será tarefa das mais fáceis. Diante disso, é bem provável que o carrochefe dessa “campanha” sejam dois estádios ainda em projeto: o Estádio das Dunas, em Natal (RN), e o estádio Governador José Fragelli, o Verdão, em Cuiabá (MT). O Estádio das Dunas, apelidado de Novo Machadão, possuirá 80 hectares de área, sendo que 35% deles se converterão em áreas preservadas – o equivalente a 270 mil m². Também contará, entre outras coisas, com uma moderna estação de tratamento de esgoto, com diversas especificações, como o reaproveitamento de águas pluviais e de afluentes (fato que já caracterizava a capital potiguar). Tudo isso ao custo – inicial – de R$ 300 milhões. Ao mesmo tempo, no Mato Grosso, os cuiabanos terão grande orgulho do Verdão, que como o nome diz, será ornamentado em verde e, obviamente, cercado por centenas de árvores. Tudo isso ao longo de uma área de 307 mil m² ao custo de cerca de R$ 440 milhões. Além disso, o interior do estádio será alimentado por energia solar, e atividades que envolvem uso de água não-potável, como limpeza de banheiros e irrigação, serão feitas a partir de água da chuva C


16

Cidade

abril-junho/2010

Número de árvores em Aracaju é muito menor que o recomendado Michel Oliveira e Victor Hugo

mytchells@gmail.com / v.h.jornalista@gmail.com

A

organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que as cidades disponham, no mínimo, de 12m² de área verde por habitante. Já a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU) propôs um valor maior: 15m²/hab. Mesmo sendo considerada a ‘Capital da Qualidade de Vida’, Aracaju está 18 vezes abaixo do índice da OMS e 22 vezes se levado em conta o índice da SBAU. Um estudo apresentado em 2008 pelo Grupo de Pesquisa em Geoecologia e Planejamento Territorial (Geoplan), da Universidade Federal de Sergipe (UFS) revelou que a média de área arborizada da capital é 0,66m², com o agravante de maior concentração nos bairros mais antigos, como Centro e São José. O número foi obtido a partir da análise de 35 bairros da capital, entre 2005 e 2007, dos quais 85% ficaram abaixo de 1m²/ hab. Esses dados revelam um quadro preocupante, pois as árvores são fundamentais na filtragem dos poluentes

emitidos pela ação humana, além de auxiliar no equilíbrio climático, reduzir os ruídos urbanos e bloquear os raios solares. Soluções e paliativos Para tentar solucionar esses problemas, a Prefeitura Municipal de Aracaju vem realizando plantio de mudas pela cidade. Desde 2005 pequenas ações foram realizadas, mas foi em 2009 que medidas mais efetivas começaram a ser tomadas, com a criação do Comitê Consultivo de Arborização e lançamento do projeto ‘Plantando Cidadania’, que espalhou cerca de cinco mil mudas pela capital. Em março deste ano, o projeto foi relançado com uma meta bem mais audaciosa: 30 mil mudas. As espécies foram escolhidas de acordo com o clima, a umidade do ar e as condições do solo. São espécies de pequeno, médio e grande porte, adaptáveis às várias situações de espaço: pau-brasil, abacateiro, aroeira da praia, cajueiro, caraíba, carambola, espatódea, ipê rosa, mangabeira, oitizeiro, dentre

outras. As mudas frutíferas não serão plantadas em vias públicas para evitar problemas futuros. A prefeitura não possui dados sobre a quantidade de árvores que precisam ser plantadas, mas reconhece que a deficiência é grande. Segundo Mayusane Matsunae, assessora de comunicação da Empresa Municipal de Serviços Urbanos (Emsurb), o ‘Plantando Cidadania’ foi desenvolvido para estimular a parceria entre cidadão e meio ambiente, daí o nome do projeto. Por se tratar de um trabalho de longo prazo, ações de conscientização estão sendo feitas nas escolas. Para a assessora, “a prática de plantar uma muda vai promover melhor a questão ambiental, pois as crianças levarão essa consciência para sua família. É nosso objetivo que a sociedade tenha a vontade de plantar uma árvore perto de sua residência”, ressalta. Mayusane conta ainda que foi feita uma análise para corrigir as falhas do ano anterior. “Quase 70 % das mudas que foram plantadas em 2009 já não Fotos: Michel Oliveira

A praças mais antigas de Aracaju (como a da foto à esquerda) contrastam com as novas, em termos de arborizaçao

estão mais nos seus locais de plantio. Este ano, iremos colocar uma caixa de proteção para que elas possam se desenvolver adequadamente”. Apesar dessa iniciativa da prefeitura, as novas construções urbanas não contemplam um projeto de arborização consistente. Basta comparar uma das antigas praças do centro histórico, como a Praça da Bandeira, no bairro Cirurgia, com as atuais, onde prevalece o concreto e as plantas ornamentais, a exemplo da Praça Franklin Roosevelt no bairro América (ver fotos abaixo). Segundo Myrna Landim, professora do departamento de Biologia e coordenadora do Laboratório de Ecologia Vegetal da UFS, Aracaju ainda precisa investir mais em arborização. “Reconheço que há praças bem conservadas, mesmo em alguns bairros mais pobres. Mas o investimento deve ser no sentido de ampliar esses espaços de lazer com boa qualidade paisagística, sem esquecer a segurança”, observa. “Casas na árvore” Mudar esse quadro não cabe só ao poder público. As construtoras que utilizam grandes espaços para a construção de condomínios e áreas comerciais muitas vezes se aproveitam do “marketing verde” para atrair compradores, com nomes como ‘Alameda das Árvores’, ‘Morada das Mangueiras’ e ‘Solar das Árvores’. No entanto, a paisagem dos seus empreendimentos não faz jus aos rótulos. Para a professora Landim, “todo mundo acha o verde muito bonito, mas existe um custo a se pagar por ele. No caso das construtoras, elas teriam que diminuir as áreas de cons-

Contexto

Arborização no campus

Com a expansão da UFS, foram construídas novas edificações: didáticas, laboratórios, passarelas. Com isso, algumas árvores tiveram de ser arrancadas. Para compensar essa perda e ampliar a área verde do campus, foi criado, em junho de 2008, o projeto de extensão ‘Análise da Vegetação e trução, deixando mais espaços Recuperação da Paisagem de São verdes. Não apenas fazer a planCristóvão’, do Núcleo de Engetação de gramado 2X2 ou de uma nharia Florestal. ‘mudinha’ de Fícus”. Atualmente, nove alunos parMyrna ressalta ainda a falta ticipam do projeto, sob orientação de planejamento: “o bairro Jardo professor Robério Anastácio. dins foi construído quando já Antes do plantio das mudas, as árhavia uma consciência da imvores já existentes foram numeradas portância dos limites da ocue catalogadas. Muitas delas estavam pação humana e de seus risinfestadas com cupins ou fungos, oucos. Mesmo assim, o poder tras sofreram danos devido a podas econômico foi preponderanmal feitas. te para determinar a ocuApós o levantamento, novas mupação daquela área (antes das foram plantadas, levando em consiocupada pelo mangue). Na deração as futuras mudanças que ainda zona de expansão isso não é ocorrerão no campus. Segundo Carla um problema ainda. O risco Zoaid, estudante de engenharia floresé que, futuramente, aquilo se tal, no primeiro ano a mortalidade foi torne um grande deserto de muito alta, devido principalmente à condomínios fechados, sem baixa pluviosidade. No segundo ano, praças, parques ou áreas de aproximadamente 70% das mudas reserva natural. Já existe um sobreviveram. Sendo que estas pasrelatório de impacto sam por avaliação periódica. “Apeambiental que peca sar da sinalização muitas mudas muito no tocante à foram arrancadas. Algumas por preservação daquela vandalismo, outras pisoteadas área”, revela a professora. nas festas e calouradas. Houve Para Mayusane, a assessoainda as que foram cortadas pela ra da Emsurb, é fundamental que capinagem”, conta Carla. a população participe, preservanO campus de São Crisdo as mudas plantadas. “Se alguém tóvão fica em uma área de tiver interesse em ter uma muda na Mata Atlântica, por isso houve calçada de casa, ou mesmo se alguma a preocupação em plantar esárvore estiver precisando de poda, pécies nativas da região. Foram deve entrar em contato com a Emmais de 27 espécies, como angesurb. As árvores das calçadas são lim, pau-brasil, pau-pombo, paude nossa responsabilidade. Temos ferro, ipê-amarelo. “Os resultados uma equipe capacitada que orienta não são imediatos. Daqui a alguns na escolha da melhor espécie para anos veremos uma mudança no ser plantada e que realiza as pomicro clima, com diminuição das das sem prejudicar as árvores”. ilhas de calor. As árvores servirão O telefone para solicitar os também como atrativo para aniserviços de poda e plantio é o mais, como pássaros, por exemplo”, 0800 284 3100 C conclui Carla C


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.