PRODUTIVIDADE
COMO O WAZE, O UBER E OUTROS APPS ESTÃO MUDANDO A ECONOMIA DAS GRANDES CIDADES
ABILIO POR DENTRO DA MENTE DE
AMBICIOSO, POLÊMICO, VAIDOSO... E VENCEDOR. COMO PENSA O HOMEM QUE ERGUEU A MAIOR REDE DE VAREJO DO BRASIL (O PÃO DE AÇÚCAR) E, AOS 78 ANOS, QUER DESBANCÁ-LA (COM O CARREFOUR)
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Agosto 2015 NÚMERO 102
12 Carta do editor IDEIAS
REPORTAGENS
14
52
DNA nas mãos Aparelho portátil que mapeia genes é usado em pesquisa sobre ebola na África
UMA NOVA DUPONT Em uma das maiores reviravoltas corporativas da história, a empresa bicentenária abandona a química para produzir sementes e energia
20 Bichinho esperto
Uma nova levedura promete aumentar em até 5% a produção de etanol OPINIÃO
Revisão da meta fiscal mostra tamanho da crise institucional INSIGHTS
119 Sem refugar
O cavaleiro Rodrigo Pessoa e a arte de liderar equipes em grandes saltos INTELIGÊNCIA
84
28 Crise sem fim
38
Trechos da nova biografia de Abilio Diniz revelam como funciona a mente do incansável empresário
125 Talento ancestral
Perfil de quem gosta de arriscar é uma herança com 10 mil anos de idade INSPIRAÇÃO
136 Sem fronteira
Já pensou em investir nas bolsas dos países ricos? Sim, você pode
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6 ÉPOCA NEGÓCIOS AGOSTO 2015
96
O DRAMALHÃO GREGO Os políticos gregos enfrentaram as finanças internacionais, testaram a democracia e, no final, puseram tudo a perder
102
131 Pé na tábua
A paixão de Marcio Kumruian, o fundador da Netshoes, por carros e velocidade
PRATO CHEIO Os segredos dos donos das marcas de restaurantes como o Spoleto (agora nos EUA), o Koni e a Domino’s
64
Como o Uber, o Waze e outros aplicativos impactam as cidades e transformam o trânsito em uma mina de oportunidades
PRODUTIVIDADE Armen Ovanessoff, da Accenture, acredita que as empresas deveriam se valer da crise para aprimorar processos
110
EM TEMPO REAL Marcas usam as redes sociais para cativar os consumidores
DIRETOR GERAL Frederic Zoghaib Kachar DIRETOR DE MERCADO ANUNCIANTE Alexandre Barsotti DIRETORIA DE MERCADO LEITOR Luciano Touguinha de Castro
TONYSTARK OUROGÉRIOCENI?
N
O PREFÁCIO DO RECÉM-LANÇADO LIVRO ABILIO – Determinado, Ambicioso, Polêmico (da jornalista e escritora Cristiane Correa), o cofundador da HSM, José Salibi Neto, compara o empresário ao personagem Tony Stark, o Homem de Ferro. Salibi busca na ficção a referência para uma característica marcante do empresário: a capacidade de se reinventar. O Homem de Ferro é assim, ele diz, recria-se sob ataque. E Abilio, segundo Salibi, provou mais de uma vez que também volta sempre mais forte – e melhor – de cada adversidade. Interessante. Ao ler o prefácio, entrei na brincadeira e lembrei de outro personagem, de carne e osso, que também tem um quê de Abilio Diniz: o goleiro Rogério Ceni. Repare bem nos dois: líderes, polêmicos, vaidosos, ídolos em sua área de atuação e donos de uma incrível dificuldade em admitir falhas. São brilhantes também. Ceni construiu uma carreira vitoriosa, tornou-se o goleiro artilheiro, recordista de jogos em um mesmo clube, consagrado mundialmente. Abilio transformou um pequeno negócio familiar numa potência nacional e agora parte para seu sonho de consumo: tornar-se relevante globalmente, como presidente do conselho da BRF e conselheiro do Carrefour. Assim como Ceni, o empresário é são-paulino, daqueles fanáticos, de assistir a todos os jogos e mandar recado para o técnico. Mas, de todas as semelhanças, a maior delas talvez seja a capacidade de esticar o tempo de produtividade. O goleiro, de 42 anos, já anunciou várias vezes a aposentadoria e voltou atrás. Em junho, renovou contrato com o São Paulo. Abilio, 78 anos, jamais anunciou a aposentadoria e costuma dizer que o melhor está por vir em sua carreira. E aí, Abilio Diniz está mais para Tony Stark ou para Rogério Ceni? Talvez um pouco dos dois. Na reportagem de capa desta edição você poderá acompanhar uma seleção de trechos do livro Abilio – Determinado, Ambicioso, Polêmico e tirar suas conclusões. Os trechos foram escolhidos com a curadoria da autora, Cristiane Correa. Boa leitura.
DIRETOR DE GRUPO AUTOESPORTE, PEQUENAS EMPRESAS E GRANDES NEGÓCIOS, GLOBO RURAL E ÉPOCA NEGÓCIOS Ricardo Cianciaruso DIRETOR DE REDAÇÃO Darcio Oliveira EDITOR-CHEFE Carlos Rydlewski EDITORES Guilherme Felitti, Marcelo Cabral, Pedro Carvalho, Raquel Salgado; e Raquel Grisotto (editora assistente) REPÓRTERES Ariane Abdallah e Nayara Fraga DIRETOR DE ARTE Rodrigo Buldrini EDITOR DE ARTE ASSISTENTE Thiago de Jesus DESIGNER Janaina Pinho INFOGRAFISTA Danilo Bandeira PRODUTOR Idamazio Pereira Machado ASSISTENTE EXECUTIVA Karen Regina Pereira ÉPOCA NEGÓCIOS ONLINE www.epocanegocios.com.br EDITORA Elisa Campos e Soraia Yoshida (editora assistente); REPÓRTERES Barbara Bigarelli, Edson Caldas e Marcela Bourroul ESTAGIÁRIO Anselmo Penha COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Alexandre Teixeira, Cristiane Correa, David Cohen, Marcelo Castelli, Márcio Ferrari, Paulo Eduardo Nogueira, Renato Pezzotti, Sergio Chaia e Sergio Vale (texto); Arthur Nobre, Camila Fontana, Eduardo Zappia, Fabiano Accorsi, Filipe Redondo, Gerardo Mora e Guilherme Zauith ( fotografia); Mário Espinoza (arte); Laís Rigotti (revisão) PESQUISA CEDOC/Globopress MARCAS ÉPOCA E ÉPOCA NEGÓCIOS CONSULTORA DE MARKETING Bianca Mazze Xavier INOVAÇÃO DIGITAL DIRETOR DE INOVAÇÃO DIGITAL Alexandre Maron; GERENTE DE ESTRATÉGIA DE CONTEÚDO DIGITAL Silvia Balieiro; GERENTE DE TECNOLOGIA DIGITAL Carlos Eduardo Cruz Garcia; DESENVOLVEDORES Bruno Agutoli, Everton Ribeiro, Jeferson Mendonça, Leonardo Turbiani, Marcio Esposito, Tcha-Tcho e Victor Hugo Oliveira da Silva; OPEC ONLINE Danilo Panzarini, Henrique Firmino, Higor Daniel Chabes, Rodrigo Pecoschi, Rodrigo Santana Oliveira e Thiago Previero MERCADO ANUNCIANTE UNIDADE DE NEGÓCIOS – ÉPOCA E ÉPOCA NEGÓCIOS DIRETOR DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA Emiliano Morad Hansenn EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA Ana Silvia Costa, Ciro Horta Hashimoto, Cristiane de Barros Paggi Succi, Fabio Luiz Ferri, Milton Luiz Abrantes e Selma Maria de Pina UNIDADE DE NEGÓCIOS - DIGITAL DIRETORA Renata Simões Alves de Oliveira EXECUTIVOS DE NEGÓCIOS DIGITAIS Andressa Aguiar Bonfim, Bianca Ramos Piovezana e Lilian Ramos Jardim CONSULTORA DE MARCAS EGCN Olivia Cipolla Bolonha UNIDADE DE NEGÓCIO - ESCRITÓRIOS REGIONAIS GERENTE MULTIPLATAFORMA Sandra Regina de Melo Pepe EXECUTIVA MULTIPLATAFORMA Alexandra Caridade da Silva Azevedo UNIDADE DE NEGÓCIO - RIO DE JANEIRO GERENTE MULTIPLATAFORMA Rogerio Pereira Ponce de Leon EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA Andréa Manhães Muniz, Daniela Nunes Lopes Chahim, Katia Cilene Pinto Correia, Maria Cristina Machado, Pedro Paulo Rios Vieira dos Santos e Suellen Silva de Aguiar UNIDADE DE NEGÓCIO - BRASÍLIA GERENTE MULTIPLATAFORMA Bárbara Costa Freitas Silva EXECUTIVA MULTIPLATAFORMA Camila Amaral da Silva DIRETOR ESTÚDIO GLOBO Rafael Kenski; GERENTE Eduardo Watanabe GERENTE DE EVENTOS Daniela Valente COORDENADOR DA OPEC OFF LINE Carlos Roberto Alves de Sá, Douglas Vieira da Costa e José Soares MERCADO LEITOR DIRETOR DE MARKETING Cristiano Augusto Soares Santos GERENTE DE VENDAS DE ASSINATURAS Reginaldo Moreira da Silva GERENTE DE OPERAÇÕES E PLANEJAMENTO DE ASSINATURAS Ednei Zampese Época NEGÓCIOS é uma publicação mensal da EDITORA GLOBO S.A. Av. Jaguaré, 1.485, CEP 05346-902, São Paulo, SP – Tel. 11 3767-7000 IMPRESSÃO Log & Print Gráfica e Logística S.A. Rua Joana Foresto Storani, 676, Distrito Industrial, CEP 13280-000, Vinhedo, SP DISTRIBUIDOR EXCLUSIVO PARA TODO O BRASIL Dinap – Distribuidora Nacional de Publicações ATENDIMENTO AO ASSINANTE Disponível de segunda a sexta-feira, das 8 às 21 horas, e sábado, das 8 às 15 horas SACGLOBO www.sacglobo.com.br SÃO PAULO 11 3362-2000 DEMAIS LOCALIDADES 4003-9393* FAX 11 3766-3755 *Custo de ligação local. Serviço não disponível em todo o Brasil. Para saber da disponibilidade do serviço em sua cidade, consulte sua operadora local PARA ANUNCIAR, LIGUE SP: 11 3767-7700/3767-7489; RJ: 21 3380-5924 e-mail: publiepocanegocios@edglobo.com.br PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO Endereçar cartas ao Diretor de Redação, NEGÓCIOS Caixa Postal 66260, CEP 05315-999, São Paulo, SP. Fax: 11 3767-7461 ESCREVA PARAA REDAÇÃO epocanegocios@edglobo.com.br
Darcio Oliveira Diretor de Redação
dsoliveira@edglobo.com.br
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12 ÉPOCA NEGÓCIOS AGOSTO 2015
O Bureau Veritas Certification, com base nos processos e procedimentos descritos no seu Relatório de Verificação, adotando um nível de confiança razoável, declara que o Inventário de Gases de Efeito Estufa - Ano 2012, da Editora Globo S.A., é preciso, confiável e livre de erro ou distorção e é uma representação equitativa dos dados e informações de GEE sobre o período de referência, para o escopo definido; foi elaborado em conformidade com a NBR ISO 14064-1:2007 e Especificações do Programa Brasileiro GHG Protocol.
CIÊNCIA APLICADA
TODO O DNA, NA PALMA DA MÃO
APARELHINHO QUE MAPEIA O GENOMA HUMANO É USADO EM PESQUISA PIONEIRA SOBRE O EBOLA
A
o se preparar para passar duas semanas na Guiné, o pesquisador britânico Joshua Quick colocou na sua mala quatro aparelhos pouco maiores que pen drives. Eles eram, na verdade, sequenciadores de DNA portáteis. Com eles, Quick faria uma pesquisa pioneira sobre a infestação do ebola na África. Anunciado em 2012 pela Oxford Nanopore, o aparelhinho batizado de MinION ( foto) espantou o mundo científico ao permitir que o mapeamento genético de uma pessoa pudesse ser feito em qualquer notebook, dotado com uma entrada USB. Cabe lembrar que o primeiro genoma humano destrinchado no planeta exigiu mais de dez anos de trabalho (de 1989 a 2000), consumiu US$ 2 bilhões, toneladas de poder computacional, além de grandes equipes lideradas por cientistas como J. Craig Venter e Francis Collins.
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14 ÉPOCA NEGÓCIOS AGOSTO 2015
A real inovação do MinION está em uma placa interna com pequenos poros, os “nanopores”. O pesquisador colhe o sangue do paciente e o introduz no aparelho. Ali, sensores elétricos decodificam a amostra e indicam as bases que compõem o código genético. O MinION custa US$ 1 mil e pode ser usado apenas uma vez. Na Guiné, Quick mapeou o DNA de 14 pacientes em dois dias. A agilidade, nesse caso, é fundamental para que os pesquisadores entendam onde o surto de uma doença começou e como ela se alastrou. Na medicina, a tecnologia permitirá o desenvolvimento de remédios para câncer, por exemplo, ajustados à estrutura genética de cada paciente. A mesma lógica vale para a agricultura, no estudo de pragas que atacam a lavoura. É uma revolução, empacotada no tamanho de um pen drive, que cabe na palma da mão. GUILHERME FELITTI
Foto: GETTY IMAGES
NA GUINÉ, o ebola matou mais de 2,5 mil pessoas em um ano e meio, segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos
Identificaçãopela eletricidade
O segredo do MinION é uma tecnologia chamada “nanopore”. A amostra de DNA passa por centenas de buracos minúsculos. Como cada uma das quatro bases do DNA provoca um efeito elétrico diferente, o sensor é capaz de distingui-las e decodificar o código genético
Em terras nacionais
Nas selvas da África
No Brasil, duas instituições fizeram parte das pesquisas com o MinION: a Fiocruz, em Belo Horizonte (MG), e a startup de microbiologia Neoprospecta, em Florianópolis (SC)
Além do ebola, na Guiné, outra pesquisa pioneira na África está usando o MinION: nas selvas da Tanzânia, cientistas da Universidade de Verona, na Itália, identificaram novas espécies de rãs, em maio, usando o sequenciador genético portátil
OPREÇO DESPENCOU
FICOU MUITO MAIS BARATO DECODIFICAR O GENOMA (EM US$) SET/02 OUT/05 OUT/08 342 MIL OUT/12 6 MIL ABR/15
13 MILHÕES
US$4MIL
61 MILHÕES
US$0,5
por megabase (1 milhão de bases de DNA) custa o sequenciamento hoje, ante mais de US$ 5 mil em 2001
Criatividade na fábrica
O diretor Rocha reduziu o impacto financeiro da energia alternativa economizando em outros equipamentos
ESTRATÉGIA
O PREÇO DE SER VERDE
A L’ORÉAL ESCOLHEU PAGAR MAIS CARO PELA ENERGIA QUE USA NO BRASIL – E, SIM, ISSO FAZ SENTIDO
N
um mundo que parece movido a cortes de custo, é raro descobrir que uma empresa tomou a decisão de pagar mais caro por alguma coisa que poderia comprar por um preço menor. Pois foi o que fez a L‘Oréal. Em abril do ano passado, a maior fabricante mundial de cosméticos passou a usar somente energia de fontes renováveis nas duas fábricas brasileiras da empresa – em São Paulo e no Rio de Janeiro. O fornecimento começou a
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18 ÉPOCA NEGÓCIOS AGOSTO 2015
ser feito por pequenas centrais hidrelétricas e usinas de biomassa. A conta, num estalar de dedos, subiu 17%. “Mas a decisão fazia sentido”, diz Renan Rocha, gerente da unidade paulista. “Nós temos metas ambientais agressivas para cumprir.” Com o argumento de que a mudança ajudaria a fábrica a atingir essas exigências, ele e a equipe convenceram a chefia. Tentaram compensar a elevação do custo, no entanto, economizando onde podiam. “Colocamos
temporizadores no ar-condicionado, lâmpadas de LED, janelas maiores e até pintamos as paredes de branco para aumentar a luminosidade nos escritórios”, conta. Hoje, a diferença, que era de 17%, caiu para 10%. “Nossa expectativa é zerar esse número em três anos”, diz Renan. As metas ambientais? Estão em dia. Na última década, a L’Oréal reduziu em 65% a emissão de CO2 no Brasil, ao mesmo tempo em que a produção cresceu 30%. PEDRO CARVALHO
Foto: FABIANO ACCORSI
BIOTECNOLOGIA
UM BICHINHO IRADO
LEVEDURA CRIADA POR STARTUP ELEVA EM ATÉ 5% A PRODUÇÃO DE ETANOL
A
s leveduras são operárias microscópicas. Esses microrganismos unicelulares se reproduzem a uma velocidade estonteante e fermentam o açúcar, transformando-o em álcool. Daí, sua importância na indústria de etanol. Pois a GlobalYeast, uma startup criada pelo brasileiro Marcelo Amaral, ex-gerente de inovação da Raízen, e pelo cientista belga Johan Thevelein, produziu uma levedura geneticamente modificada, capaz de elevar entre 3% e 5% a produção de álcool
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20 ÉPOCA NEGÓCIOS AGOSTO 2015
nas usinas. Se der certo, representa um ganho milionário. Em uma empresa que fabrique 2 mil metros cúbicos de etanol por dia, com o produto vendido a R$ 1,35 o litro, o benefício (em 3%) atingiria R$ 16 milhões. Um baita número para o combalido setor de açúcar e álcool. A GlobalYeast recebeu aporte de cerca de R$ 20 milhões de quatro fundos. A maior parte veio do brasileiro Performa Investimentos e do VIB, um instituto de biotecnologia da região de Flanders, na Bélgica. Os outros são o
GFF (Universidade Católica de Lovaina, KBC Group e o BNP Paribas) e o SOFI, de Flanders. A empresa tem três clientes, mas dez usinas testam as suas leveduras. A startup adquire os microrganismos na indústria e analisa seus genes. Preserva o que há de bom e modifica o que for necessário para que alcancem um bom desempenho. “Fazemos isso de acordo com a demanda”, diz Amaral. “O que pode também incluir a produção do álcool a partir da celulose, o etanol de segunda geração.” NAYARA FRAGA
Foto: DIVULGAÇÃO
TRABALHO
15
14
14
14
14
13
REINOUNIDO
ALEMANHA
MÉXICO
ITÁLIA
ARGENTINA
16
FRANÇA
17
BRASIL
19
ÍNDIA
O
nde há maior engajamento das pessoas no trabalho? Para responder essa pergunta, a consultoria Marcus Buckingham Company fez uma pesquisa em 13 países, entrevistando cerca de mil pessoas de várias empresas em cada um. Os Estados Unidos e a China estão empatados em primeiro lugar (com 19% de engajamento total cada), o que não chega a ser uma surpresa diante da potência de suas economias. Mas aí começam as novidades: em segundo lugar está a Índia, com 17%, e em terceiro, o Brasil, com 16% de engajamento, acima de países como a Inglaterra, o Canadá, a Alemanha, a Itália e a França. Solicitou-se aos entrevistados hierarquizar
19
CHINA
PESQUISA MOSTRA QUE O BRASILEIRO, NA VERDADE, É MUITO ENGAJADO
TOTAL DE PROFISSIONAIS TOTALMENTE ENGAJADOS (%)
EUA
APREGUIÇAÉMITO?
MÃOSÀOBRA
Fonte: THE MARCUS BUCKINGHAM COMPANY/DIVULGAÇÃO
oito afirmações básicas, como “no trabalho, sei claramente o que esperam de mim” ou “serei reconhecido se fizer um bom trabalho”. Para os autores, a diferença de engajamento em cada país seria explicada de acordo com o grau de confiança que o entrevistado teria sobre a utilização de suas
capacidades pessoais no trabalho. Mas há nuances: no Brasil, assim como na França, Canadá e Argentina, a afirmação “meus colegas me apoiam” recebeu também grande destaque, enquanto na Inglaterra e na Índia se valoriza mais o fato de ter colegas que compartilhem os mesmo valores. PAULO E. NOGUEIRA
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Ventos brasileiros: com alta velocidade, unidirecionais e sem condições extremas, são uma vantagem competitiva
A FORÇA DOS VENTOS É fato que o crescimento econômico demanda energia e que um país como o Brasil, em que a matriz energética é concentrada em uma fonte (a hidrelétrica), precisa investir na diversificação, privilegiando fontes limpas e renováveis. Nesse cenário, a energia eólica desponta como candidata para ajudar a mover o desenvolvimento nacional – contando com um empurrãozinho da natureza no quesito competitividade
P
ara os moradores da Chapada do Araripe, na confluência dos estados do Piauí, Pernambuco e Ceará, o conceito de “bons ventos” começa a ganhar um novo significado. Cravada no semiárido, a região é também um corredor de ventos que sopram do litoral, vistos apenas como estorvo até o anúncio da criação de
Foto: DIVULGAÇÃO
um dos maiores clusters eólicos do Brasil. Situadas a mais de 400 quilômetros de Teresina, as cidades que receberão cerca de 650 aerogeradores têm a agricultura de subsistência como principal atividade econômica. Com 1,4 GW de energia eólica já contratado, o Parque Ventos do Araripe recebeu R$ 5,5 bilhões de investimentos e teve 3 mil postos de trabalho criados para a sua construção, que tem entrega prevista para setembro de 2015. Além de contribuir para tornar a matriz energética brasileira mais diversificada e limpa (2,85 mil toneladas de dióxido de carbono deixarão de ser
lançadas na atmosfera por ano), o parque eólico irá promover uma transformação na economia local. Aproximadamente 6 mil empregos indiretos ainda devem ser gerados, e o arrendamento de terras para instalação das torres irá render aos pequenos proprietários rurais um valor estimado de R$ 1 milhão por mês. Mas este não é um exemplo isolado da contundente força dos ventos no Brasil. O país está entre os melhores lugares do mundo em termos de potencial de produtividade de energia eólica. Isso porque nossos ventos, principalmente no Nordeste, apresentam velocidades altas e outras características que agregam eficiência: são predominantemente unidirecionais, têm velocidade constante e não apresentam turbulências ou condições extremas. Essas variáveis proporcionam um melhor aproveitamento dos aerogeradores e contribuem para reduzir custos de geração. Nos países em que os ventos são mais intermitentes, as turbinas têm de ser mais parrudas – o que, por um lado, pesa sobre os custos de equipamento e, por outro, faz com que estes sejam subutilizados nos momentos de baixa. No Brasil, como o maior potencial de geração se concentra nos períodos de seca, a energia eólica é também um complemento natural para a nossa matriz energética, que tem como fonte principal as hidrelétricas. “Esse aspecto aumenta a segurança da nossa matriz, que hoje depende muito do regime de chuvas para abastecer as usinas”, afirma Virna Araripe, diretora da Casa dos Ventos, empresa responsável pelo projeto na região. Tais fatores ajudam a explicar por que a eólica foi a fonte que mais cresceu no país nos últimos cinco anos (já responde por 5% de toda a geração nacional) e também o salto de cinco posições no ranking
mundial entre os anos de 2012 e 2014. “Os bons recursos eólicos brasileiros aliados ao avanço tecnológico dos aerogeradores tornaram o custo da eólica menor do que o de termelétricas, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa”, diz Virna. Outra vantagem é a velocidade de implantação: um parque eólico leva apenas dois anos para entrar em operação. Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), destaca números que ilustram o impacto desses prazos. De 2009 a 2014, o Brasil contratou mais 28 GW de energia para alimentar seu crescimento. Metade disso (14 GW) veio de fontes eólicas. “O Brasil entra em uma fase virtuosa”, afirma Elbia. “Além do grande potencial de geração, estamos falando de uma fonte muito competitiva que, até 2020, será a segunda maior do país, tomando o lugar que hoje é ocupado pela energia térmica.” No entanto, ainda existe uma série de desafios que o Brasil precisa equacionar para que seu potencial eólico seja plenamente explorado. O mais relevante é a infraestrutura de integração à rede de transmissão, que leva a energia gerada aos centros de consumo. A capacidade instalada hoje é de 6,8 GW de potência, produzidos em 270 parques eólicos. Destes, 6,5 GW estão conectados a linhas de transmissão, contribuindo para o sistema elétrico nacional. Os 300 MW remanescentes, ou 5% do total, ainda aguardam linhas de transmissão que farão seu escoamento, com início de operação prometido para até o final de 2015. “Existem locais no Nordeste com uma excelente qualidade de ventos que não estão sendo explorados devido à carência de linhas que conectariam estes projetos à rede”, diz Virna, da Casa dos Ventos. Um deles é a Bahia que, no
A INTEGRAÇÃO dos parques eólicos
às redes de transmissão é um desafio para regiões como Caetés, em Pernambuco (à dir.). Outro obstáculo ao uso pleno do potencial nacional é a integridade da cadeia de suprimentos. A GE, que comemora a instalação do milésimo aerogerador no país, traz para o Brasil seu know-how global no fortalecimento da rede de fornecedores
futuro, deve ser o estado que concentrará o maior número de megawatts gerados no país. A Bahia ainda não dispõe de linhas próximas aos focos de energia eólica, mas o governo do estado trabalha para criar corredores de linhas de transmissão.
PRODUÇÃO LOCAL
O
utro fator de atenção é a cadeia de suprimentos. O Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), responsável pela maior fatia dos financiamentos, exige que 60% dos componentes utilizados pelos fabricantes sejam produzidos no país. Se a cadeia não for bem desenvolvida, com bom número de fornecedores de qualidade, a capacidade de produção dos aerogeradores pode sofrer limitações. Com mais de 25 mil turbinas instaladas no mundo, a GE tem grande know-how no fortalecimento da cadeia que atende às suas fábricas globais. “Cada país tem um desafio diferente”, diz Jean-Claude Robert, gerente-geral da GE Renewables para a América Latina. “Nosso trabalho é trazer experts globais para
ajudar no desenvolvimento de fornecedores e criar uma estratégia integrada para resolver problemas técnicos e de capacidade.” Um exemplo dos resultados que se podem colher com esta linha de atuação é a instalação do milésimo aerogerador da GE em terras nacionais. “É a primeira vez que um fabricante atingirá esse número no Brasil, uma prova de que, com proatividade, é possível entregar máquinas com conteúdo local sem perder prazos.” Outro resultado concreto foi a entrega da primeira nacelle (cabeça da turbina eólica) produzida no país, realizada em abril, no Chuí (RS). Elemento importante para assegurar que a cadeia de fornecedores se desenvolva, a previsibilidade de receitas para os parques tem no modelo brasileiro de leilões de energia um aliado. Os contratos de fornecimento têm prazo médio de 20 anos, o que retira da equação a instabilidade representada pela troca de governo. “É um modelo avançado em relação ao resto do mundo, que elimina os subsídios e deixa a fonte eólica competir por seus
próprios méritos”, afirma Jean-Claude Robert, da GE. “Por isso é tratado como benchmark em países que estão reestruturando suas matrizes energéticas, como o México e a África do Sul.” Foram realizados 14 leilões desde 2009. Hoje, o preço da energia eólica é de aproximadamente R$ 180 por MW. Elbia Gannoum, da ABEEólica, afirma que os ventos são a segunda fonte de energia mais competitiva do país, perdendo apenas para as grandes hidrelétricas. “Mostramos que é possível investir em fontes limpas sem subsídios, uma vez que o Brasil produz energia renovável mais competitiva do que a de combustíveis fósseis, um caminho contrário ao que a Europa e os Estados Unidos vêm desenvolvendo”, conclui Elbia.
RUMO AOS 25%
H
á uma oferta enorme de projetos sendo desenvolvidos no país, sinalizando que, no longo prazo, a fonte pode atingir uma fatia de até 25% na matriz brasileira, percentual que já é realidade
Fotos: DIVULGAÇÃO
PARQUES EÓLICOS NO BRASIL Há 270 parques eólicos ativos no Brasil e 452 contratos firmados para a construção de novos nos próximos 20 anos. A eólica é a fonte de energia que mais cresce no país
Total Existentes 270 Contratados 452
Maranhão 13 13 Piauí 10 58 48 Ceará 45 103 58 Rio Grande do Norte 87 177 90 Paraíba 13 16 3 Pernambuco 8 37 29 1 Sergipe 1 Bahia 40 210 170 1 Rio de Janeiro 1 1 Paraná 1 Santa Catarina 14 14 Rio Grande do Sul 50 91 41
Fonte: ABEEÓLICA / ANEEL
em países desenvolvidos. Mesmo com as restrições de financiamento que o ajuste fiscal requerido pela conjuntura econômica venha a ter sobre a capacidade de investimento do BNDES, o governo tem sinalizado boas perspectivas para a fonte, com dois leilões previstos ainda em 2015. Outro apoio importante vem do mercado de capitais, com as chamadas debêntures de infraestrutura. Esses instrumentos financeiros de captação de recursos têm tido boa aceitação por parte dos investidores e podem ajudar a complementar os aportes realizados pelo BNDES. Por fim, não se pode deixar de considerar o crescimento da energia eólica no mercado livre. Neste segmento, empresas contratam energia diretamente do parque e, em alguns casos, montam os seus próprios. Nos Estados Unidos, gigantes da internet como Facebook, Google e Amazon investem em energia eólica para alimentar seus centros de processamento de dados. Pioneira no Brasil na autoprodução de energia, a Honda inaugurou um parque eólico próprio no Rio Grande do Sul para alimentar sua fábrica de veículos em Sumaré, no interior de São Paulo. “O crescimento virtuoso observado até o momento para a fonte eólica também está previsto para os próximos anos”, afirma Elbia, da ABEEólica. Até o ano de 2019 estão previstos para estarem instalados cerca de 18 GW. A energia eólica deixou de ser uma alternativa apenas ambiental e se firmou como uma alternativa econômica de geração de energia elétrica no Brasil.
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BRASIL
ENGOLIDOS PELA CRISE
A RECESSÃO IRÁ ALÉM DO QUE TODOS IMAGINÁVAMOS. RESTA SABER O ESTRAGO QUE PROVOCARÁ / SERGIO VALE*
A
revisão do superávit primário de 1,1% para 0,15% do PIB causou reações negativas do mercado pela percepção mais do que realista de que o governo ficou longe de entregar o prometido. O país já tinha um exemplo de dificuldade fiscal em 2003, quando a recessão daquele ano minou a melhora do superávit primário. O ano de 2002 terminou com um primário de 3,2% do PIB, enquanto o ano seguinte ficou em 3,3%. Assim, como o próprio governo reconhece, há grande possibilidade de ocorrer outro déficit primário como no
que ajudaram na aceleração da recessão para além do que todos imaginavam. A fraqueza política da presidente Dilma Rousseff tem prejudicado as expectativas ao longo do ano inteiro, dando um sinal de paralisia, que impede um ajuste fiscal rápido e concentrado, o ideal em um momento como esse. Além disso, as expectativas também pioram pelas consequências empresariais da Operação Lava Jato. A maioria das principais empreiteiras do país está amarrada operacionalmente para investimentos futuros por conta do envolvimento na Justiça. Essa deterioração não havia nos ajustes anteriores, de 1999 e 2003, feitos sob condições econômicas adversas, mas sem tantos riscos no meio do caminho. Dessa forma, parece razoável supor que esses dois elementos teriam de começar a evoluir positivamente para a situação melhorar como um todo. O problema é que não há visão de curto
O atual cenário é pior do que em outras crises. Ele se agrava com a briga política e as investigações da Lava Jato ano passado. Se já havia acontecido algo similar, por que o governo acreditou que dessa vez poderia ser diferente? Grande parte do desapontamento tem fundamentos políticos e jurídicos,
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28 ÉPOCA NEGÓCIOS AGOSTO 2015
ou médio prazo que comporte a solução rápida desses dois problemas. De um lado, a Lava Jato tem um longo caminho de investigação, com as operações agora sendo analisadas fora do país também, como nos Estados Unidos, Suíça e Portugal. As empreiteiras podem eventualmente se livrar de riscos aqui dentro, mas poderão continuar com pendências jurídicas fora do país, o que piora, por exemplo, sua capacidade de financiamento, em um setor no qual isso é essencial. Por outro lado, a presidente está sob grande ameaça até setembro pelo
Foto: PAULO WHITAKER
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou a revisão do superávit primário para 0,15% do PIB
menos, mês em que serão conhecidas as decisões do TCU e do TSE, que julgarão, respectivamente, as “pedaladas” e as contas eleitorais de 2014. Caso Dilma consiga sair livre do impeachment nesses casos, provavelmente o assunto morrerá, mas o país terá uma presidente muito mais enfraquecida do que em qualquer momento no passado. A figura mais próxima é a de José Sarney pós-Plano Cruzado II, que nunca resgatou a confiança da população. Os riscos políticos e jurídicos, junto com os ajustes fiscal e monetário (agora provavelmente mais monetário
do que fiscal), jogam a economia brasileira em dois anos consecutivos de recessão, com queda de PIB este ano em 2,1% e ano que vem em 0,6%. Com esses números, já chegamos a 70% de dívida bruta em 2016. Com todos esses elementos, o risco de perda do investment grade em 2016 subiu rapidamente. Para isso não ocorrer, as agências vão ter de comprar a ideia de que o ajuste, mesmo lento, ocorrerá ao longo de todo o governo. Existe uma boa notícia? Na verdade, sim. O ajuste, ainda que minguado, está acontecendo, e por mais que
o curto e o médio prazo sejam ruins, a tendência é de que a casa esteja mais arrumada para quem tomar posse em 2019, supondo que o governo continue na atual trajetória, mesmo que lenta e gradual. Ao mesmo tempo, o ajuste cambial favorece os exportadores e abre o apetite de empresas estrangeiras em entrar no Brasil. O momento, entretanto, é de adequar o custo das famílias e empresas para passar pela turbulência, sabendo que daqui a alguns anos a situação certamente estará melhor. * SERGIO VALE É ECONOMISTA-CHEFE DA CONSULTORIA MB ASSOCIADOS
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FLORESTAS
POR UM PREÇO JUSTO DO CARBONO
A QUESTÃO NÃO É SE ESSE VALOR SERÁ DEFINIDO, MAS QUANDO / MARCELO CASTELLI *
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ossasociedadeestáenfrentando um dos maiores e mais complexos desafios para a sua sobrevivência. Como empresa à base de florestas plantadas de eucalipto, acompanhamos, há décadas, os dados climáticos nas regiões onde atuamos e em várias outras partes do Brasil. Eles nos mostram que o clima está de fato mudando – e em um ritmo mais rápido do que muitos poderiam supor. As estações do ano têm apresentado um padrão irregular em relação à média histórica e os extremos climáticos se tornaram recorrentes, com redução na frequência e aumento da intensidade das chuvas. No Sudeste do Brasil, por exemplo, temos enfrentado verões secos e invernos chuvosos, o que caracteriza uma importante inversão do padrão climático. Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), para limitarmos o aumento da temperatura média global em 2°C em relação à era pré-industrial, no final do séc. 18, devemos reduzir as emissões líquidas globais de gases de efeito estufa nas próximas décadas. Na verdade, temos de tentar zerá-las o mais cedo possível. Não existe uma bala de prata para mitigar os estragos da mudança do clima. Para isso, precisaremos de uma ação coordenada entre governos, empresas e organizações
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da sociedade civil, e de um complexo portfólio de soluções. Seja qual for a estratégia, as florestas têm papel central nesse processo. Nelas, o estoque global de carbono é estimado em 652 bilhões de toneladas. Para dar uma ideia da grandeza desse número, basta dizer que, desde a pré-industrialização, a humanidade emitiu 582 bilhões de toneladas de carbono. Isso segundo cálculos do próprio IPCC. E o Brasil tem importância estratégica neste quadro. O país possui 12% das florestas do planeta – o maior estoque de carbono do mundo. A efetiva contribuição das florestas nesse cenário, contudo, depende da observação de quatro premissas. Em primeiro lugar, é preciso ampliar a área sob manejo sustentável, o que significa reduzir os atuais níveis de desmatamento e aumentar a cobertura florestal. Essa meta pode ser alcançada pela restauração das matas nativas e pela ampliação das florestas de produção. Um segundo ponto é a necessidade de acelerar a substituição do uso de materiais com maior pegada de carbono, como os produtos de origem fóssil. Uma condição essencial para isso é a eliminação dos subsídios desses produtos que, hoje, superam a impressionante cifra de US$ 500 bilhões por ano, conforme
levantamento da Agência Internacional de Energia (IEA). Em terceiro lugar, os chamados “serviços ecossistêmicos” (como estoque de carbono, produção de água e conservação da biodiversidade) devem ser efetivamente remunerados. Grande parte dos provedores desses itens são produtores rurais. Dentre os mecanismos já criados com esse objetivo, apenas uma parte atingiu a sua finalidade. É fundamental estabelecer ferramentas robustas, que funcionem efetivamente, não apenas para manter esses serviços no atual nível, mas para que ganhem escala. Por fim, o avanço da tecnologia desempenhará um papel fundamental para que as cadeias produtivas da agropecuária e as florestas se tornem sustentáveis em todo o seu espectro. Um estímulo para o compartilhamento de tecnologias com os países menos desenvolvidos, e em especial com os pequenos proprietários, além das comunidades rurais e indígenas, precisa ser urgentemente estabelecido. Como vimos na Semana sobre as Empresas e o Clima, em Paris, em maio, essas condições só serão efetivas se amparadas em uma economia na qual o carbono tenha um preço justo. Já há uma relativa consciência disso, com apoio de autoridades públicas de diversos países, lideranças civis e empresariais, a ponto de a questão hoje não ser mais sobre se isso acontecerá, mas quando e em que magnitude. A definição do preço do carbono terá impactos no mercado de produtos, no valor das empresas, no cálculo do PIB e na vida dos cidadãos. E esse processo já começou. *MARCELO CASTELLI É PRESIDENTE DA FIBRIA
Fotos: BLOOMBERG; FRAME
HISAO TANAKA (TOSHIBA)
ASPEDALADASJAPONESAS
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erca de 30 segundos curvado, com a cabeça para baixo. O gesto – no Japão, um símbolo de vergonha e arrependimento – foi a forma encontrada pelo ex-CEO da Toshiba para pedir desculpas pela descoberta de fraudes na contabilidade da empresa. Uma comissão independente descobriu que a companhia, desde 2008, inflava de maneira sistemática os números de seu balanço. A estimativa é que as pedaladas contábeis tenham somado por volta de US$ 1,2 bilhão. O relatório de 294 páginas apresentado pela comissão é devastador. Ele expõe detalhes de uma cultura corporativa onde a pressão da cúpula provocava pavor entre os funcionários. Em uma reunião, por exemplo, uma canetada transformou um prejuízo de US$ 150 milhões em um lucro de US$ 10 milhões FORA DA META porque o número foi considerado “embaraçoso demais” para ser apresentado no relatório de desempenho. Ao pedir demissão, ao lado de outros oito altos executivos da companhia, Tanaka negou saber das irregularidades, mas admitiu que o episódio representa “a maior erosão” da imagem da marca em 140 anos de história.
ALDEMIR BENDINE (PETROBRAS)
A FÓRMULA SECRETA
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que não faltou nos últimos anos foi pressão sobre o caixa da Petrobras. Além do esquema de propinas apontado pela Operação Lava Jato, a empresa teve perdas bilionárias ao manter o preço dos combustíveis defasado frente ao mercado internacional, como forma de ajudar o governo a controlar a inflação. Isso agora chegou ao fim – pelo menos é o que garante Aldemir Bendine, o presidente da petrolífera. O executivo anunciou que a empresa
irá adotar uma fórmula para manter a paridade dos preços internos com os externos. “Quero reafirmar meu compromisso de manter a política de preços conforme os ditames do mercado”, disse, em um evento no mês passado. No entanto, Bendine recusou-se a revelar detalhes da tal fórmula, alegando se tratar de uma “política estratégica da empresa”.
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A CONFERIR
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MARISSA MAYER (YAHOO!)
BENJAMIN STEINBRUCH (CSN)
CRAVO E FERRADURA
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balanço do segundo trimestre do Yahoo! mostra que o portal passou de um lucro de US$ 270 milhões no mesmo período de 2014 para um prejuízo de US$ 21 milhões. Problemas? Muito pelo contrário. Ao menos segundo a CEO, Marissa Mayer, que classificou o resultado como “um grande progresso”. Para a executiva, os números são um reflexo do processo de transformação do Yahoo! de um site de buscas baseado em desktops para um portal de conteúdo, entretenimento, negócios e serviços voltados para RUMO AO ALVO mídias móveis. O faturamento da divisão da empresa que reúne celulares, vídeos e propaganda em redes sociais teve aumento de 60%, para quase US$ 400 milhões – número acima do que era esperado.
MEG WHITMAN, HP
NASCERAM AS GÊMEAS
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temperatura ferveu mês passado na Califórnia. RUMO AO ALVO E não foi somente pela seca na região, mas pelo início da divisão da Hewlett-Packard em duas companhias. Estão nascendo a HP Inc, que seguirá com a venda de PCs e impressoras, e a HP Enterprise, que será focada em soluções. As empresas nascem “gêmeas”: vendas de US$ 50 bilhões para cada uma. É um caminho parecido com o que foi seguido pela IBM décadas atrás, que deixou de ser fabricante de hardware para se focar em serviços. No caso da HP, esta é a maior aposta já feita pela empresa, capitaneada por Meg Whitman, desde a sua criação, em 1939, ainda como fabricante de tubos e válvulas.
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QUE FASE!
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s últimos meses foram um período para ser esquecido por Benjamin Steinbruch, dono da CSN. A escalada da alavancagem da empresa devido ao câmbio – em um ano, a dívida líquida saltou de R$ 16 bilhões para quase R$ 20 bilhões – está forçando a empresa a considerar a venda não só das participações na Usiminas e na MRS Logística, como também em ativos estratégicos em mineração. De quebra, a retração de setores com demanda por aço, como carros e construção civil, fizeram os papéis da companhia perderem um quarto do valor em 2015. Para completar o cenário, as agências Fitch e Standard & Poor’s pioraram a nota de crédito da siderúrgica.
FORA DA META
Fotos: CINDY ORD; BLOOMBERG
JÁ PENSOU? I POR SERGIO CHAIA
INSIGHT, UM ARTIGO RARO POR QUE PERDEMOS A CRIATIVIDADE E O QUE FAZER PARA RESGATÁ-LA
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LHANDO DE LONGE PARECIA UM DISCO VOADOR que pousou sem avisar bem no meio de uma simpática praça em Londres. Curioso, fui logo conferir. O objeto estranho, instalado na Hoxton Square, é, na verdade, um escritório feito de papel prensado, madeira e janelas de plástico translúcido. O visitante fica logo sabendo que ele foi desenhado para aumentar a conexão com a beleza das árvores. Tem espaço para até 8 pessoas e pode ser alugado por meio período, pagando somente 15 libras (R$ 75). Ah, sim: o escritório do Tarzan tem wi-fi de graça. O objetivo? Estimular insights, tão raros e preciosos em nosso cotidiano. Os criadores do conceito acreditam que esse ambiente diferente e a conexão com a natureza são elementos fundamentais para aguçar a criatividade, nos fazer pensar diferente. Ao me deparar com aquele cenário e com o que o escritório propõe, lembrei imediatamente do italiano Francesco Dimitri, especialista em “resgate do fascínio”, o principal combustível dos insights. Em suas palestras, Francesco diz: “Ficamos tão racionais que deixamos de apreciar o mistério. Estamos perdendo o fascínio pelas coisas e pelas pessoas”. Faz sentido. Para tudo, logo corremos atrás de uma explicação. Essa racionalidade em excesso deixa pouco espaço na mente para que a criatividade apareça. E isso é o principal fator para o esgotamento dos insights nos dias de hoje. Francesco apaixonou-se por esta história de fantasia e fascínio desde cedo, como qualquer criança. Mas, diferentemente de qualquer criança, levou a paixão para a vida adulta. “Logo depois que terminei de ler O Senhor dos Anéis, um mundo paralelo começou a se desenhar para mim”, diz ele. Aos 20 anos, decidiu transformar o fascínio em material de trabalho. Suas pesquisas incluem conversas com mágicos, monges, palhaços e matemáticos (os magos dos números). Ele também frequenta cultos esotéricos e até já dormiu em florestas da Transilvânia. Atualmente, escreve livros e conduz dinâmicas sobre insights, inovação e aumento do poder criativo na The School of Life (em Londres), além de proferir palestras em empresas. Em suas apresentações, Francesco propõe vários exercícios e atividades para aumentar nosso fluxo de insights. Separei três deles: 1) Explore seus cinco sentidos. No meio do dia, faça uma pausa de dois minutos e escreva o mais detalhadamente possível o que seus cinco sentidos estão registrando naquele exato momento. Que cores, sabores, aromas, contatos e sons você percebe no ambiente e em você mesmo. Compare a evolução e riqueza de anotações ao longo de duas semanas.
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O escritório do Tarzan, em Londres: conexão com a natureza e com a criatividade
2) Concentre seu foco em um objeto ou imagem por cinco minutos. Comece olhando sua mão, por exemplo. Coloque a uma distância próxima – e confortável – de seus olhos e repare nos detalhes, linhas, formas, texturas, contornos que estão desde sempre com você e nunca foram observados. A cada nova semana escolha outro objeto para receber sua atenção plena. 3) Descreva seu caminho de casa para o trabalho contando histórias: procure reparar nas ruas, árvores, semáforos e pessoas que você encontra no caminho e qual a sua relação com elas. Que sentimentos você detecta em relação à paisagem e às pessoas? Um objetivo comum nesses exercícios é estimular a nossa mudança de perspectiva. Quando olhamos o mundo de uma nova forma, novas conexões são estabelecidas, facilitando o acesso ao inconsciente e nosso poder criativo nato. Afinal, como já profetizava Albert Einstein, “nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo nível de consciência que o criou”. SERGIO CHAIA FOI PRESIDENTE DA NEXTEL, SODEXHO PASS E VICE- PRESIDENTE DA SYMANTEC. É CHAIRMAN DA ÓTICAS CAROL. ESCREVE TODAS AS QUINTAS-FEIRAS NO SITE DA ÉPOCA NEGÓCIOS
Foto: ARQUIVO PESSOAL
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QUAL É O PRÓXIMO LANCE, ABILIO? Aos 78 anos, o empresário que ergueu o Pão de Açúcar quer transformar a BRF em uma potência global e o Carrefour na maior rede de supermercados do Brasil. Por enquanto, é só
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Fotos (capa e pág. 39): PEDRO DIAS / AG. ISTOÉ
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oisas para fazer após os 70 anos de idade: 1) ter outro filho; 2) trocar de emprego; 3) entrar em um novo negócio (um não, mais); 4) reduzir a carga de exercícios físicos, de três para duas vezes por dia (obs: voltar a praticar boxe); 5) manter em um dígito a taxa de gordura corporal; 6) dar aulas; e 7) tornar-se um empreendedor global. Se houvesse uma lista assim, certamente ela estaria na cabeceira de Abilio Diniz, o ex-dono do Pão de Açúcar, atual presidente do conselho da BRF, acionista e conselheiro do Carrefour. Há oito anos, esta revista publicou uma reportagem de capa que trazia uma bela foto do empresário e a seguinte indagação: “Este homem tem futuro?”. Na ocasião, falávamos dos problemas de Abilio, então com 70 anos, em lidar com seus subordinados diretos (ninguém parava na cadeira de CEO do Pão de Açúcar) e de sua aparente dificuldade em reverter as quedas nas margens de lucro e nas ações do grupo. Mordemos a língua. Daquele ano em diante, Abilio levantou a empresa, assumiu a liderança de mercado, comprou o Ponto Frio e a Casas Bahia, encontrou um CEO para chamar de seu, teve outro filho, brigou com os sócios franceses do Casino, deixou o Pão de Açúcar, comprou participação na BRF e adquiriu ações do Carrefour, conquistando um assento no conselho mundial da varejista. Hoje, aos 78 anos, ele continua fazendo planos: quer ajudar a recuperar o brilho da filial brasileira do Carrefour, que esteve perto de fechar as portas no país, e transformar a BRF, de fato, numa potência global.
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A capacidade de se reinventar talvez seja um dos traços mais marcantes da trajetória de Abilio Diniz. Desde os tempos de escola. Baixinho, gordinho e tímido, Abilinho teve de aprender na marra a se defender dos valentões do colégio Anglo-Latino. Entrou no caratê e no boxe ainda moleque. Encorpou. Aprendeu a bater. E tomou gosto pelas brigas (já casado e com filhos, chegou a descer do carro no trânsito para socar um camarada que não parava de buzinar). O temperamento mercurial acabou se tornando sua marca registrada. No recém-lançado livro Abilio – Determinado, Ambicioso, Polêmico, a jornalista e escritora Cristiane Correa diz que o “jeitão invocado” estava presente também nas
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relações familiares – são conhecidas as disputas com os irmãos – e nas relações de trabalho (acompanhe trechos do livro nas próximas páginas). Os sócios de Abilio na Península, a holding que cuida de seus investimentos, garantem que hoje ele está muito mais tranquilo. A idade e os filhos pequenos (além das sessões de terapia) teriam lhe abrandado o temperamento. Um amigo diz que ele tem um coração mole, que está sempre pronto a ajudar as pessoas. “E uma cabeça dura também”, lembra um banqueiro. “Quando encasqueta com alguma coisa, ninguém consegue fazê-lo mudar de ideia.” Outro empresário, que conhece Abilio há 25 anos, resume a ópera: “Ele continua
autoritário, obsessivo, vaidoso e brilhante, com um talento invejável para o varejo e um vigor incomum para o trabalho”. Em suma, Abilio, a caminho dos 80, trabalha como sempre e manda como nunca. Foi essa determinação que o levou, ao longo de seis décadas de carreira, a transformar o Pão de Açúcar numa potência nacional. Quem já participou de uma negociação com o empresário costuma destacar outros traços de sua personalidade: o poder de sedução e a capacidade de persuasão. A competitividade extrema, herança da vida de esportista, também sempre se faz presente nessas ocasiões. Abilio é do tipo que não gosta de perder nem para o tempo: aos 78 anos, mantém uma taxa de gordura corporal de 6% e faz exercícios duas vezes por dia. Nos negócios, esse estado permanente de competição – e superação – parece revigorá-lo. Ele não se intimida facilmente. Quando o Pão de Açúcar estava à beira da falência, nos anos 90, assumiu o controle da empresa e conseguiu recuperá-la, graças a um corte drástico de custos que não poupou nem mesmo os cargos de primeiro escalão. Quando as brigas de família começaram a ameaçar o futuro da varejista, deu um jeito de comprar a participação dos irmãos e afastá-los da empresa. Quando o Carrefour e o Walmart voltaram suas atenções para o Brasil, saiu às compras de redes menores de forma a ganhar escala para encarar os rivais. Ao longo de décadas, Abilio havia enfrentado – e vencido – quase todas as adversidades. Até que encontrou o Casino pela frente. Os sócios franceses entraram na história do Pão de Açúcar em 1999, como minoritários. Parecia uma negociação perfeita: a rede estaria capitalizada e Abilio, cada vez mais rico. Em 2005, o Casino
elevou sua participação. E a partir de 22 de junho de 2012, como previa o contrato, assumiria o controle total. Abilio passaria, então, a ser coadjuvante na rede criada por sua família (alguém consegue imaginá-lo nesse papel?). Em maio de 2011, o empresário, já arrependido do acordo e ciente da impossibilidade de revertê-lo, embicou uma intrincada negociação entre o Grupo Pão de Açúcar e o Carrefour. Jean-Charles Naouri, o dono do Casino, soube da transação pelos jornais e estrilou: via na manobra de Abilio a tentativa de diluir a participação do Casino e impedir a transferência de controle prevista para o ano seguinte. O que se seguiu a partir daí é história conhecida: Abilio e Naouri protagonizaram a maior disputa societária já vista no país. Uma disputa vencida pelo francês, que Abilio não engole até hoje. Revisões de contratos não são incomuns no mundo dos negócios. O problema, neste caso, foi a forma como se deu a coisa – e, claro, a personalidade dos dois protagonistas da história. No livro, Cristiane anota: Abilio Diniz desenvolveu uma versão particular do “campo de distorção da realidade”. A expressão, cunhada por um funcionário da Apple para descrever Steve Jobs – e revelada pelo escritor Walter Isaacson na excelente biografia do criador do iPhone –, pode ser resumida como “uma mistura de retórica carismática com um irrefreável impulso de torcer qualquer fato para se adequar à finalidade em questão”. Em grande medida, foi isso que Abilio fez no caso do Casino. Derrotado, ele vendeu sua participação no GPA e, novamente, teve de se reinventar. Encontrou na BRF a chance de voltar aos holofotes. Sob sua batuta – regendo uma ampla reestruturação que
ELE CONTINUA AUTORITÁRIO, OBSESSIVO, VAIDOSO E BRILHANTE, COM UM TALENTO INVEJÁVEL PARA O VAREJO E UM VIGOR INCOMUM PARA O TRABALHO incluiu 2 mil demissões, venda de negócios deficitários e uma nova estratégia internacional –, o lucro da companhia saltou de R$ 700 milhões em 2012 para R$ 2,2 bilhões em 2014. No mesmo período, o valor de mercado subiu de R$ 37 bilhões para R$ 55 bilhões. Revigorado, Abilio retomou o que havia deixado pelo caminho: a negociação com o Carrefour. No final de 2014, comprou ações da empresa e tomou assento no conselho. “Foi o casamento perfeito”, diz um ex-diretor do Carrefour. “Os franceses queriam alguém para arrumar a casa no Brasil e Abilio estava doido para voltar ao varejo.” O problema é que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica está de olho nessa movimentação. O órgão avalia um possível conflito de interesses nas participações de Abilio no Carrefour e na BRF. Além disso, quer apurar se o fato de o empresário ser dono de 62 imóveis alugados pelo Pão de Açúcar favoreceria o Carrefour, que, supostamente, poderia
monitorar o faturamento das lojas do rival (o aluguel é calculado com base nas vendas de cada unidade). Abilio e seus sócios na Península não comentam o assunto. No final de abril, outra notícia, publicada pela revista Época, surpreendeu o empresário: a de que o Ministério Público Federal retomou as investigações sobre uma bolada de R$ 12 milhões que o ex-ministro Antonio Palocci teria recebido em 2010, quando coordenava a campanha de Dilma Rousseff. O dinheiro, suspeita o MPF, viria de grandes grupos, entre os quais Caoa, JBS e Pão de Açúcar – Abilio era o presidente do conselho na ocasião. Para essas e outras empresas, Palocci teria prestado consultorias de fachada. Em junho deste ano, o conselho do GPA aprovou uma auditoria interna para apurar o caso. Chegou à conclusão de que foram realizados pagamentos sem “qualquer evidência” de prestação de serviços. “Eles fizeram uma auditoria interna, é? Só não podem esquecer que o Casino era cocontrolador do GPA na ocasião”, diz uma fonte próxima de Abilio. Há quem acredite, sobretudo no círculo mais restrito do empresário, que tanto a nova ofensiva do Cade quanto o imbróglio envolvendo Palocci tenha o dedo de Jean-Charles Naouri. A tese é de que o francês, preocupado com a ascensão do rival, faria de tudo para desestabilizá-lo. Coincidência ou não, Abilio pediu que a sua holding Península reavalie o contrato de cada uma das 62 lojas alugadas ao grupo Pão de Açúcar. Abilio costuma dizer a seguinte frase quando lhe perguntam sobre a briga com Naouri: “Empreendedor não briga, faz negócios. Briga é coisa para namorado”. No caso dos dois, parece que as feridas do turbulento namoro ainda não estão completamente fechadas.
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POR DENTRO DA MENTE DE ABILIO POR CRISTIANE CORREA
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Na biografia de Steve Jobs, o escritor Walter Isaacson conta que uma das características da personalidade do fundador da Apple era o “campo de distorção da realidade” – expressão atribuída a Jobs por um dos seus funcionários. “Esse campo era uma mistura espantosa de retórica carismática, uma vontade inflexível e um impulso de torcer qualquer fato para se adequar à finalidade em questão”, disse o projetista da Apple sobre o chefe. Ao longo dos anos, Abilio Diniz desenvolveu uma versão particular do “campo de distorção da realidade”. Em grande medida, a sua obstinação e persistência fizeram do Pão de Açúcar uma empresa vencedora, capaz de crescer mais rápido que as rivais estrangeiras. Vários executivos que trabalharam com ele (inclusive alguns que se desentenderam com o empresário) mencionam seu “poder de sedução” e sua capacidade de persuasão. Essas armas, porém, não funcionaram na disputa com os franceses do Casino – a primeira grande derrota de Abilio.
UMA DETERMINAÇÃO FERRENHA s vitórias conquistadas com ferrenha determinação, não raro polêmicas, desde sempre deram o tom na vida de Abilio dos Santos Diniz, que nasceu em 28 de dezembro de 1936. Competitivo, adora esportes. É um são-paulino fanático, do tipo que raramente perde um jogo e que faz questão de dar instruções aos técnicos do clube. Mas foi a prática de outras modalidades que transformou o garoto baixinho, gordinho e impopular, vítima de bullying (num tempo em que essa palavra sequer era conhecida) em um valentão sempre pronto para encarar uma briga. Certo dia, caminhando pelo centro de São Paulo, ele deu de cara com um prédio que tinha duas academias: a Zumbano, que oferecia aulas de boxe, e a Ono, com cursos de caratê, judô e
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capoeira. Abilio foi espiar o que acontecia nas salas de aula e percebeu que o fim de seus problemas com os “colegas” do colégio poderia estar ali. Decidiu que praticaria todas as modalidades simultaneamente e colocaria um ponto final nas surras que levava na rua. O fato de não guardar amigos da época do colégio talvez não seja mera coincidência. Eu gostava de praticar esportes, me dedicava, e logo fui ficando forte (...). Aí você se arrisca. O cara vem te bater e você bate nele. Eu peguei gosto por isso (...). Dos 12 aos 14 anos eu dei uma espichada, fiquei com a altura que tenho até hoje (...). Pela primeira vez, eu estava conseguindo me defender. Só que naquela coisa de sobrevivência eu virei um bicho. Embora canalizasse muito da minha energia para o esporte, eu vivia brigando na rua (...). Adulto, já no comando do Pão de Açúcar, ele se dedicava nas horas de folga a outros esportes, como motonáutica e
automobilismo – conquistou o tricampeonato brasileiro de motonáutica em 1968, 1969 e 1970, e venceu as Mil Milhas de Interlagos, uma das provas mais tradicionais do automobilismo nacional, em 1970, com o irmão Alcides. Seu entusiasmo com os esportes era tamanho que chegava a participar de campeonatos de modalidades diferentes num mesmo final de semana. Certa vez, em setembro de 1970, ele treinou numa sexta à tarde para participar dos 500 Quilômetros de Interlagos, dirigindo seu Alfa Romeo GTA branco, número 23 – a prova seria no domingo à tarde. Aproveitou as manhãs de sábado e domingo daquele mesmo final de semana para participar do Campeonato Brasileiro de Motonáutica, pilotando seu barco na represa de Guarapiranga, em São Paulo, a mais de 170 quilômetros por hora. Nos anos 70, Abilio decidiu que também se tornaria jogador de polo (seu irmão Alcides, com quem se
Foto: AGÊNCIA ESTADO
EM FAMÍLIA Com os filhos do primeiro casamento (esportistas, como ele): Adriana, João Paulo, Ana Maria e Pedro Paulo
desentendeu e competia na empresa, era um exímio praticante do esporte). Dos bons, claro, porque ficar para trás nunca fez sua cabeça. O que se passou a seguir foi uma espécie de versão adulta do que vivera na infância, quando era um garoto gordinho que sofria bullying. O polo para mim foi tudo, menos nato. Meus irmãos já jogavam. Os amigos deles jogavam. Um dia eles me deram um cavalo, mas eu não sabia montar, não sabia absolutamente nada. Entrei naquele negócio e os caras me xingavam, fui escorraçado do campo. Aí pensei: “Vou jogar essa merda”. Fiz um cavalo de madeira na minha casa, como os que se usam em centros de treinamento. Às vezes eram 10 da noite e lá estava eu montado no cavalo. No dia seguinte, às 5 da manhã já estava na Hípica, montando, aprendendo. Seis anos depois, fui campeão brasileiro. Durante um jogo na Sociedade Hípica Paulista, Abilio levou uma tacada
no rosto que estilhaçou sua mandíbula e o obrigou a se submeter a uma cirurgia plástica. O autor do golpe – involuntário, como argumentou na época – foi o irmão Alcides. Intencional ou não, é inegável que episódios como esse acabaram por jogar mais lenha na rivalidade entre os dois.
EM GUERRA, LITERALMENTE temperamento mercurial acabou se tornando a marca registrada de Abilio Diniz. Seu jeitão invocado estaria presente nas relações de trabalho, nas relações familiares e até no trânsito. Durante vários anos de sua juventude não era raro que discussões sobre “quem fechou quem” evoluíssem para cenas de luta livre, com direito a socos e safanões.
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Talvez a mais violenta tenha acontecido em 1970, quando ele viajava de carro com sua primeira esposa, Auriluce, e três dos quatro filhos – Ana Maria, João Paulo e Adriana (Pedro Paulo, ainda bebê, não estava presente). Ele dirigia pela rodovia Anhanguera, no interior paulista, e um motorista buzinava sem parar, pedindo passagem. Ao chegar ao pedágio – e ouvir outra buzinada –, Abilio desceu do carro e seguiu furioso em direção ao veículo atrás dele. Arrancou o condutor do assento e pôs-se a agredi-lo impiedosamente. “Minha mulher pulou em cima de mim para tentar me segurar (...) rasgou todo o pulôver que eu estava usando, mas conseguiu me fazer parar (...). Eu era um cara muito mal-humorado naquela época.” Tão mal-humorado e arrogante que nunca ligava a seta do carro – achava que não devia satisfações a ninguém sobre o caminho que iria
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seguir. “O Abilio de hoje é um padre, mas lá atrás era encrenca, brigava com todo mundo”, diz o empresário, falando de si mesmo na terceira pessoa, como faz com frequência.
12 candidatos por vaga, Abilio se tornou aluno da segunda turma da história da faculdade.
CONHECER E COPIAR, COPIAR, COPIAR
AFINCO EM TODAS AS FRENTES s desafios superados por Abilio não foram somente ligados ao esporte. Ao terminar o que hoje equivaleria ao ensino fundamental, ele foi cursar o antigo científico (atual ensino médio) no Mackenzie. Sua ideia era, na sequência, matricular-se na graduação de economia na mesma instituição. Os planos começaram a mudar numa conversa com um amigo, no caminho entre o colégio e sua casa. Dentro do ônibus que subia a rua da Consolação, o colega comentou que pretendia estudar administração de empresas para ajudar o pai a tocar o negócio da família, uma fábrica de geladeiras industriais. Abilio ficou intrigado e decidiu ir pessoalmente até a novata Fundação Getulio Vargas (FGV) – primeira do gênero no país –, para entender melhor o que seria aquilo. “Pô, isso aqui é uma economia de empresas, em vez de ser uma economia de país. É capaz de dar mais dinheiro”, pensou, depois de ler um folheto informativo sobre o curso. “Se eu não vou conseguir dirigir um país, quem sabe consigo dirigir uma empresa.” O jovem começava a sonhar em ser não o dono de uma companhia, mas um grande executivo. Seu primeiro desafio foi aprender inglês. A FGV tinha um acordo com a Michigan State University
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bilio Diniz sempre foi adepto de uma regra para impulsionar o crescimento de sua empresa: copiar, copiar, copiar. Num tempo em que benchmark era um termo quase desconhecido no Brasil, ele não hesitava em “se inspirar” nos concorrentes. Primeiro, em redes brasileiras, como Peg-Pag e Sirva-se. Depois, em exemplos internacionais. Era comum que viajasse para a Europa e os Estados Unidos em busca de referências e novidades para o Pão de Açúcar – de novas formas para expor os produtos nas gôndolas a processos mais eficientes para controle dos estoques. O ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, que trabalhava no Pão de Açúcar e se tornou amigo de Abilio Diniz, era seu companheiro habitual nessas viagens. Foi ele quem embarcou com Abilio para Paris em 1967 a fim de conhecer Marcel Fournier, cofundador do Carrefour. Empresário bem-sucedido e conhecido em seu país, Fournier recebeu a dupla de jovens brasileiros para um almoço em sua casa. Em seguida, levou-os para conhecer uma loja. Empolgado, detalhou o passo a passo da operação. “Para mim ele era só mais um homem interessante, mas o Abilio ficou fascinado com tudo aquilo”, relembra Bresser-Pereira. Sempre fui ver de perto tudo o que podia, sempre quis conhecer mais. A frase
MULTIPLICAÇÃO Abilio transformou um pequeno negócio, fundado pelo pai, Valentim, em uma potência nacional
que previa que seus professores fossem orientados pelos americanos. Em alguns casos, eram os próprios americanos que davam as aulas. Por conta disso, a fluência no idioma estrangeiro era um item importante no vestibular. Abilio já tinha feito algumas aulas de inglês na adolescência, mas estava longe de dominar a língua. Precisou correr para compensar o atraso. “Tinha um professor particular que me dava aula todo dia, mas eu estudava sozinho depois. Varei muitas noites porque sabia que aquele seria meu ponto fraco na avaliação e precisava superá-lo”, conta ele. Em 1956, depois de aprovado no vestibular com
Fotos: FOLHAPRESS; AGÊNCIA ESTADO
“Quero ser melhor amanhã do que fui hoje” nunca foi apenas retórica para mim. Estive em quase todas as redes da Europa. Conheço profundamente o varejo nas principais regiões dos Estados Unidos. Fui ver até como operavam redes em países distantes, como Rússia e China (...). É difícil falar um negócio desses, mas deve existir muito pouca gente no mundo que visitou tanta loja de supermercado quanto eu. Abilio também sempre fez questão de aprovar pessoalmente cada um dos pontos onde a empresa planejava erguer um supermercado. Para isso, não economizava sola de sapato. “Aprendi que as razões do sucesso de um supermercado são localização, localização, localização. Se você erra no layout, no mix de produtos, no preço, sempre dá pra consertar. Mas, se abrir uma loja no lugar errado, está ferrado”, diz ele. Em 1979, após sucessivas disputas familiares e ao se sentir esvaziado na empresa que por tanto tempo liderara, resolveu aceitar um convite do então ministro do Planejamento, Mario Henrique Simonsen, para participar do Conselho Monetário Nacional (CMN). Era o início do governo do general João Figueiredo. Simonsen, que ocupara o Ministério da Fazenda na gestão anterior (general Ernesto Geisel), queria que o Conselho tivesse mais representantes da iniciativa privada. Abilio, seu amigo pessoal e um empresário que estava à frente da maior varejista da América Latina, então com 240 lojas, parecia a indicação natural. Abilio organizou um grupo de professores da FGV, composto por nomes como Yoshiaki Nakano e Fernando Dall’Acqua e liderado por Luiz Carlos
TEM DE SUAR No Pão de Açúcar, quem não corria, dançava. Ele é fanático por esporte
Bresser-Pereira, para produzir material que embasasse suas discussões em Brasília. Esse departamento de estudos econômicos preparava também boletins quinzenais que eram distribuídos ao mercado. A conta da estrutura criada por Abilio para ajudá-lo no conselho era paga pelo Pão de Açúcar. Eu me dediquei a fundo ao conselho, e por isso muita gente gostava de falar comigo em Brasília. O Golbery [general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil no governo Figueiredo] era um que sempre me convidava para conversar. Ele queria que eu contasse o que acontecia na vida real. Eu era um cara da iniciativa privada discutindo, dialogando com ministros, com técnicos, com gente dos vários ministérios. Eu não era um deles nem era
uma pessoa realmente do governo, mas dava minha opinião e exercia certo poder conferido pela função que eu tinha (...). Mas quando penso naquela fase chego à conclusão de que não consegui fazer nada concreto ali, não consegui imprimir minha marca. Aquela foi minha década perdida (...).
GESTOR IMPLACÁVEL o início dos anos 90, o Pão de Açúcar viveu, logo depois do Plano Collor, em completo descontrole de caixa. Nessa época, Abilio Diniz retornou à companhia. Sem pagamento, alguns fornecedores da varejista, como Unilever e
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Nestlé, pararam de entregar produtos. A companhia, que já não tinha recursos suficientes para cumprir suas obrigações financeiras, agora lidava com prateleiras vazias e, consequentemente, queda nas vendas. No mercado, a falência do Pão de Açúcar era considerada inevitável. O empresário se encontrava endividado, desacreditado e sozinho. A derrocada era um prato cheio para os desafetos que colecionara ao longo dos anos. Todo mundo torcia contra. Eu era um cara arrogante, briguento, e tinha chegado a hora de levar o troco. As pessoas diziam que eu ia quebrar e que já ia tarde. Embora eu estivesse trabalhando firme, entrei em depressão. Eu tinha um negócio chamado insônia terminal: deitava, dormia e quando dava 3, 4 horas da manhã, acordava e não conseguia mais pegar no sono. Minha terapeuta, a Iraci Galiás, havia me ensinado uma coisa importante na época do sequestro [em 1989] e que eu repeti durante a crise da companhia. Quando você acorda de noite e está mal, não deve ficar sentado na cama discutindo com os fantasmas da madrugada. O negócio é levantar, acender a luz, pegar um caderno e escrever o que está sentindo. Na manhã seguinte, quando reler o que escreveu, vai ver que aquilo não é tão grave quanto o mundo real. Eu fiz isso muitas vezes (...). E também tomei um remédio para combater a depressão. Para recuperar a companhia, Abilio teria de implodir sua estrutura, que havia se tornado paquidérmica. Ele foi impiedoso nessa implosão. Da sede ao número de funcionários, tudo foi submetido ao seu escrutínio. A ordem de comando do empresário
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pelos corredores da companhia era: “Corte, concentre, simplifique”. A frase se tornou uma espécie de mantra da sobrevivência do Pão de Açúcar. Sua “tesoura” não poupou nenhum nível hierárquico. Os primeiros a rodar foram os executivos do mais alto escalão. Para o empresário, aquele pessoal, além de caro, era o símbolo de uma empresa que não dera certo. Num só dia quase uma dezena de diretores executivos foi ceifada – sobraram Sylvio Luiz Bresser-Pereira e Valney Brito, do financeiro. Cortei o primeiro nível inteiro e subi o segundo. Aí eu disse ao pessoal que havia subido para cortar o terceiro nível. Simples assim (...). De uma hora pra outra dois escalões foram eliminados. Quem ficou teve de lidar com uma nova realidade de salário. Como eu fiz? Dei reajuste só para o povão. Para quem sobrou em cima eu falei que pagaria o reajuste, mas não naquele momento.
Primeiro porque não tinha dinheiro mesmo, e também porque eu queria fazer os caras sentirem de verdade a necessidade de recuperar o negócio. O número de funcionários do Pão de Açúcar despencaria de 45 mil em 1990 para 17 mil ao final de 1991, uma redução de quase 63% do quadro. Os remanescentes tiveram de apertar os cintos e se acostumar a uma vida com menos regalias – a frota de 600 carros oferecida como benefício aos executivos, por exemplo, foi vendida. O número de lojas também diminuiu drasticamente. Das 626 unidades que a varejista tinha no auge, em 1985, restaram 262 em 1992. No final de 1991, contudo, o balanço da empresa apontou um lucro de US$ 3 milhões – número relativamente modesto e em boa medida inflado pela venda de imóveis, mas animador para uma companhia que havia pouco estava à beira da concordata.
Fotos: REUTERS; AGÊNCIA ESTADO
A MAIOR DERROTA Ao longo de décadas, Abilio havia enfrentado – e vencido – quase todas as adversidades. Até que topou com Naouri, do Casino
A BATALHA PERDIDA Casino, presidido por Jean-Charles Naouri, entrou no Pão de Açúcar em 1999, como minoritário. Em 2005, aumentou a sua participação no negócio, assumindo a varejista brasileira. Havia no contrato uma cláusula que garantia aos franceses o controle total do Pão de Açúcar a partir de 22 de junho de 2012. Abilio deixaria o comando da empresa e assumiria a presidência do conselho de administração da holding. Ocorre que o empresário tinha 68 anos quando concordou com o acordo. A negociação o tornava muito mais rico, antecipava eventuais disputas de herança com os irmãos e deixava o caminho pavimentado para seus próprios herdeiros, já que o futuro da empresa estava traçado. Quando chegasse a hora de passar o
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bastão, ele provavelmente estaria curtindo a nova família. (Em 2004, casou-se com Geyse Marchesi, ex-executiva do Pão de Açúcar, 35 anos mais jovem, com quem teve dois filhos, Miguel e Rafaela.) “Muita gente me falava que, em 2012, eu estaria com 75 anos e não iria querer me preocupar tanto com a empresa”, diz Abilio. O problema era que, ao final daqueles sete anos, ele continuaria com o mesmo ímpeto empreendedor de sempre, sem a menor vontade de desacelerar. Hoje, Abilio avalia que assinar aquele documento foi o maior erro que cometeu em sua trajetória profissional. Foi com a proximidade da mudança que o relacionamento Abilio e Naouri começou a azedar. O ponto de inflexão deu-se em 22 de maio de 2011, quando o semanário francês Le Journal du Dimanche revelou que o Grupo Pão de Açúcar negociava um novo acordo com o varejista francês Carrefour. Naouri,
até então um desconhecido no Brasil, veio a público queixar-se de quebra de confiança. Segundo ele, tudo não passava de uma manobra de Abilio para diluir a participação do Casino no Pão de Açúcar e, assim, impedir a transferência de controle prevista para o ano seguinte. O que se sucedeu foi a maior disputa societária já vista no país, um embate que até setembro de 2013 havia custado a Abilio e Naouri algo em torno de R$ 500 milhões, somados os custos com advogados, banqueiros e consultores de toda sorte. Uma briga violenta, protagonizada por dois homens de negócios com estilos completamente distintos. O brasileiro é um self-made man carismático, reconhecido pelo arrojo e agressividade nos negócios, profundo entendimento do varejo, certa dose de arrogância e propensão a reações viscerais. Naouri, nascido na Argélia e radicado na França, construiu a própria fortuna graças a sua genialidade
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NOVA FAMÍLIA Em 2004, casou com Geyze (ex-executiva do GPA). Eles têm dois filhos
financeira. Discretíssimo no trabalho e na vida pessoal, é um sujeito formal e cordial – porém de uma frieza exasperante. Abilio é o homem dos holofotes; Naouri se mantém nas sombras. Na batalha pelo Pão de Açúcar, enquanto o primeiro parecia reagir movido pelo fígado, o segundo era absolutamente cerebral. Havia tempo que estava em jogo para os dois empresários não apenas o futuro de seus maiores investimentos. Aquilo se transformara numa dilacerante disputa pessoal. Naouri preparou-se para a briga com afinco e, como argumento de defesa, usava o contrato assinado com o empresário brasileiro. Sobre a situação em
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que se encontravam, um dos advogados contratados por Abilio, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos (falecido em novembro de 2014) teria feito a seguinte analogia a um interlocutor: “Pegamos nossas garruchas, chegamos num lugar escuro, demos uns tiros e saiu toda aquela fumaça. Quando ela baixou, vimos que havia três tanques de guerra do outro lado apontados em nossa direção”. Passado o tiroteio, e após a derrota de Abilio, feitas as contas, o negócio não foi nada ruim para o empresário brasileiro. Ele continuava com 8,9% do capital total do Pão de Açúcar (o equivalente a R$ 2,3 bilhões em ações na época), porém
sem direito a voto. Graças à melhor negociação na relação de troca entre ONs e PNs, calcula-se que tenha obtido um ganho de quase R$ 160 milhões. No último dia que esteve no Pão de Açúcar, em 6 de setembro de 2013, Abilio parecia tranquilo. Ao lado de Jean-Charles Naouri, fez um pequeno pronunciamento para a diretoria do GPA: “Vocês sabem que existem três coisas que eu odeio: cebola, despertador e despedida. Então, não vou fazer despedida. A companhia tem um novo controlador, que está aqui. Espero que vocês sejam felizes e continuem lutando pela empresa”. No dia seguinte fui para a Baleia [no Litoral Sul de São Paulo] e caminhei sozinho pela praia. Eu estava muito, muito mais leve. Era um dia bonito. Eu andava, olhava o mar e sentia uma paz enorme. Depois de tudo o que tinha vivido, a sensação de não ter mais de voltar para o Pão de Açúcar era muito boa (...). Nos últimos tempos, ir para lá era um exercício de força de vontade. Ali, que era a minha casa, havia se transformado num lugar onde eu não era mais bem-vindo, cheio de pessoas que queriam me botar para fora (...). Depois que assinamos o acordo nunca mais passei na frente do prédio da Brigadeiro [avenida paulistana], não tenho por quê. Demorei para entender que o Pão de Açúcar era uma empresa maravilhosa, mas que o verdadeiro Pão de Açúcar são os meus valores e a minha cultura – e isso eu carrego comigo. Evidentemente essas tristezas, essas insatisfações, essas coisas todas foram trabalhadas na análise [Abilio faz terapia há mais de duas décadas]. Um dia eu estava numa sessão e aquilo se esclareceu para mim, foi como se uma cortina se abrisse e eu
Fotos: AGÊNCIA ESTADO; LEONARDO RODRIGUES / DIVULGAÇÃO
enxergasse que haveria um futuro e que o melhor do meu passado viria junto comigo (...). Agora eu tinha a Península [empresa de investimentos da família Diniz] e a BRF [empresa resultante da união de Sadia e Perdigão] para tocar.
E O CARREFOUR... COM GOSTINHO DE VINGANÇA m 18 de dezembro de 2014, a Península anunciou a compra de 10% da operação brasileira do Carrefour, por R$ 1,8 bilhão. Em junho de 2015, adquiriu mais 2% da companhia, por quase R$ 370 milhões (o contrato inicial garante a Abilio a opção de ampliar sua participação para até 16% em um prazo de cinco anos). Em abril de 2015, Abilio anunciou o aumento de sua participação no Carrefour S.A., na França, para 5,07% do capital da companhia, tornando-se o quarto maior acionista da varejista. Com isso, o Carrefour na França se tornou a maior tacada da Península. Com R$ 10 bilhões em ativos sob gestão, ela se concentra hoje em quatro grandes investimentos: Carrefour França (R$ 3,9 bilhões), BRF (R$ 1,9 bilhão), Carrefour Brasil (R$ 2,1 bilhões) e o grupo de educação Anima (R$ 180 milhões). Quarenta e sete anos depois da viagem que fez a Paris, em 1967, para conhecer Marcel Fournier, cofundador do Carrefour, Abilio se tornou um sócio relevante da varejista que sempre admirou. Em dezembro de 2014, na coletiva de imprensa sobre o anúncio da compra da participação na operação brasileira,
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VOLTA AO VAREJO Georges Plassat, CEO do Carrefour, e Abilio: velho rival, nova casa
ele disse: “Agora lugar de gente feliz é aqui”, em uma bem-humorada referência ao slogan do Pão de Açúcar. Na semana seguinte à aquisição, Abilio surge numa das salas de reunião da Península com um sorriso estampado no rosto. Ele não diz, mas a entrada na rede francesa, além de parecer um bom negócio, tem sabor de vingança e recomeço. É como se marcasse o final de um período turbulento. Poucas horas depois, ele pisaria
na sede da subsidiária do Carrefour pela primeira vez, para se encontrar com o CEO da empresa, Charles Desmartis. A entrevista termina, o gravador é desligado. Resta, no entanto, uma última pergunta. Abilio é indagado se a ideia de citar na coletiva de imprensa o slogan da rede que agora pertence ao Casino lhe ocorrera na hora. De bate-pronto e aos risos, ele responde: “Não, eu já tinha pensado naquilo muitas vezes”.
OS TRECHOS DESTE ARTIGO, extraídos do livro Abilio – Determinado, Ambicioso, Polêmico (Primeira Pessoa), foram selecionados com a curadoria da autora, a jornalista e escritora Cristiane Correa
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GESTテグ
Foto: ROBYN TWOMEY
A ALQUIMIA DA DUPONT LEMBRA DA EMPRESA QUÍMICA? ESQUEÇA. NUMA VIRADA HISTÓRICA, A MULTINACIONAL DEIXA O SETOR QUE A CONSAGROU PARA INVESTIR EM ENERGIA LIMPA E ALIMENTAÇÃO
/ RAQUEL GRISOTTO
Ellen Kullman: ela assumiu a presidência mundial, em 2009, com a missão de mudar o rumo da empresa. Conseguiu
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GESTÃO
humanidade. Eles incluem o aumento da produtividade agrícola e a redução da dependência dos combustíveis fósseis. “A empresa está saindo do seu core-business para ampliar suas perspectivas de ganhos no longo prazo, talvez no longuíssimo prazo”, diz Viktor Andrade, sócio de transações e líder da área de fusões e aquisições da consultoria Ernst & Young (EY). “Trata-se de um tipo de mudança bastante rara.”
O SENTIDO DA TRANSFORMAÇÃO Para uma companhia tão longeva como a DuPont – lá se vão 213 anos desde a sua fundação –, é preciso que ocorram eventos extraordinários para que um dia possa ser definido como histórico. Pois o último 1º de julho acaba de entrar para o calendário de datas mais do que especiais da empresa. Ali, deu-se o “Day One”, o momento em que foi concluída a maior transformação da DuPont neste século: a separação da unidade de produtos e materiais químicos que, agora, passa a operar como uma nova companhia, totalmente independente, batizada de Chemours. Para oficializar a mudança, os principais executivos da Chemours, incluindo Mark Vergnano, nomeado presidente, reuniram-se na Bolsa de Valores de Nova York e lançaram as ações da empresa. No mesmo instante, os 54 mil funcionários da DuPont, espalhados por 90 países, recebiam um e-mail assinado pela americana Ellen Kullman, a presidente mundial da empresa-mãe e uma das grandes responsáveis pela divisão da companhia. Em um texto breve, a mensagem a ser entendida era a seguinte: com o desmembramento (o spin off ), a DuPont sairia fortalecida para se dedicar a produtos considerados mais atraentes, como sementes agrícolas geneticamente modificadas e materiais para painéis solares, bem como biocombustíveis. Na prática, a empresa que já deu ao mundo inovações como o Nylon, o Teflon e a Lycra (e é dona de 40,5 mil patentes) coloca agora os seus 10 mil cientistas para trabalhar em descobertas capazes de resolver alguns dos dilemas da
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Centro de Inovação, em Paulínia (SP): laboratório, um dos mais modernos do mundo, terá destaque no estudo de biocombustíveis e no futuro da DuPont
questão é: mas faz sentido abrir mão da química, uma área que conferia identidade à companhia? Aparentemente, sim. As vendas de produtos e materiais químicos ainda eram uma fonte importante de receitas para a DuPont. Em 2014, a unidade foi responsável por ganhos de US$ 6,5 bilhões, quase 19% do faturamento total, de US$ 35 bilhões. Os números, porém, vinham piorando. Desde 2011, as vendas registraram queda de 19,5%. No mesmo período, outras unidades da empresa ganharam força. Os segmentos de nutrição e biociências tiveram aumento de receitas de 40% e 85%, respectivamente. O setor agrícola cresceu menos (23%), mas hoje detém a maior participação no faturamento da companhia, com US$ 11 bilhões em receitas. Existe ainda um componente de longo prazo que, em tese, valida a transformação. No mundo todo, as principais empresas de produtos e materiais químicos passam por uma fase delicada. O mercado, em si, não está mal. Nos últimos 20 anos, as vendas triplicaram e devem continuar avançando até 2020,
Foto: FABIANO ACCORSI
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Ao abri r mão de su a u n id a d e química, a DuPont livra-se de uma á re a q u e res p o n d i a p o r 6 0 % d e se u s p a ss i vos a m b ien ta is atingindo um total de US$ 7 trilhões. O problema é que boa parte desse crescimento está concentrado em empresas de mercados emergentes, sobretudo na Ásia. “A participação das principais companhias asiáticas no setor, que era de menos de 30% até 2007, vai ser superior a 50% nos próximos anos”, diz Andreas Gocke, sócio do Boston Consulting Group (BCG) e responsável por um estudo concluído em junho, sobre a concorrência nesse segmento. “Essa indústria na Ásia tem custos menores de energia e matéria-prima e está fazendo com que as multinacionais percam fôlego.” A concorrência torna-se ainda mais difícil por conta de um problema adicional. Empresas como a DuPont sempre estiveram na linha de frente das grandes descobertas científicas. Esse tipo de companhia gasta tubos de dinheiro em pesquisa, chega a uma inovação e, a partir dela, lança produtos que se consagram como campeões em vendas. Na área química, no entanto, esse ímpeto inovador vem arrefecendo. Sem novidades disruptivas, o custo da produção passa a ser algo decisivo para a competitividade. E nesse terreno as asiáticas dão um banho. Além da Ásia, a área de químicos enfrenta entraves domésticos. Nos Estados Unidos, pelo menos 25 plantas da DuPont estão sendo investigadas pela EPA, a agência de proteção ambiental americana. Entre outras coisas, a companhia é acusada
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Liderados pelo CEO Vellutini (ao centro), os executivos Guadalupe Franzosi (à esq.), Zacarias Karacristo (em pé) e John Jansen (à dir.) mantinham reuniões semanais para lidar com a pressão do período de mudança
de ter poluído o solo de algumas regiões. Segundo a Bloomberg, os gastos com a limpeza de terrenos e indenizações com eventuais problemas de saúde podem ultrapassar US$ 1 bilhão. Essa é uma conta hipotética. Mas é fato que, ao abrir mão da área química, a DuPont também se livra de uma unidade que respondia por mais de 60% de seus passivos ambientais.
ELLEN, A TIMONEIRA
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exer na rota do transatlântico DuPont, no entanto, não é trivial. A execução da guinada coube a Ellen Kullman. Considerada uma das 50 mulheres mais poderosas do mundo pela Forbes, aos 59 anos, a líder da companhia contabiliza 27 anos de DuPont. Loira, olhos azuis, traz na bagagem duas graduações – é formada em engenharia mecânica pela Tufts University, de Boston, e em administração pela Kellogg, da Northwestern University. Em 2009, havia conduzido a empresa em um ambiente complicadíssimo. Para garantir os resultados no auge da crise financeira mundial, Ellen, recém-empossada na presidência, limou 4,5 mil postos de trabalho, cortou US$ 200 mil anuais do próprio salário e começou a preparar o terreno para as transformações. Para isso, desfez-se de unidades de negócios não lucrativas (como as fábricas de tintas automotivas) e acelerou a compra de empresas que tinham a ver com os novos alvos da corporação, como a engenharia de sementes e a fabricação de insumos para o setor de alimentação. Ao mesmo tempo, deu fôlego às pesquisas, com pressa de despejar novos produtos no mercado. Deu certo. Somente em 2011, foram 910 novas ideias patenteadas, um recorde.
Fotos: FABIANO ACCORSI
A mudança de rumo começou a ser informada aos funcionários já em 2009. Desde então, a empresa vinha passando por ajustes de portfólio e revisão de processos operacionais. Mas o destino a ser alcançado ainda não era conhecido. Foi somente em outubro de 2013, com o primeiro anúncio oficial da separação da unidade química, que as coisas começaram a ficar claras internamente. Foi também a partir daquele momento que o clima de tensão se instaurou. Ellen tinha o apoio dos grupos controladores da DuPont – Capital Group, BlackRock, Vanguard, State Street –, mas teve de enfrentar uma queda de braço com outros acionistas, que não concordavam em sacrificar resultados presentes para alcançar eventuais ganhos no futuro.
NO REINO DA INSEGURANÇA
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os últimos 18 meses, desde que a DuPont deu início às ações práticas para se separar da unidade química, uma nuvem de incerteza instalou-se sobre a empresa. Nos corredores, o zum-zum foi grande. Por mais que a companhia tentasse ser transparente em seus comunicados, ninguém – nem mesmo os altos executivos –, sabia ao certo o impacto que as
FIMDOPROTAGONISMO
A ÁREA QUÍMICA VINHA PERDENDO IMPORTÂNCIA NA DUPONT (receitas em US$ bilhões)
SEGMENTO
2011
2012
2013
2014
Agricultura
9,2
10,4
11,7
11,3
Químicos
8,1
7,5
6,9
6,5
Materiais avançados
6,5
6,2
6,2
6,1
Proteção e Segurança
3,9
3,8
3,9
3,9
Eletrônicos e Comunicações
3,2
2,7
2,6
2,4
Nutrição e Saúde
2,5
3,4
3,5
3,5
Biociências
0,75
1,2
1,2
1,3
Total
34,1
35,2
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GESTÃO
DIVÓRCIOHISTÓRICO
UM RETRATO DOS NEGÓCIOS, APÓS A SEPARAÇÃO DUPONT O QUE FAZ: pesquisa e desenvolvimento de produtos com foco em energias renováveis e alimentação DESAFIO: manter o ritmo de invenções (a DuPont registra, em média, uma nova patente a cada dois dias) PRINCIPAIS APOSTAS: tecnologias para energia solar, biocombustíveis, tratamento de sementes FATURAMENTO: US$ 28,5 bilhões * FUNCIONÁRIOS: 54 mil CHEMOURS O QUE FAZ: indústria química, líder em tecnologias de titânio e fluorprodutos DESAFIOS: aumentar a rentabilidade e as vendas (em queda desde 2011) PRINCIPAIS APOSTAS: a Chemours leva algumas das maiores invenções da DuPont, como o Teflon e o Ti-Pure (pó branco usado por diferentes indústrias) FATURAMENTO: US$ 6,5 bilhões ** FUNCIONÁRIOS: 9,1 mil
AQUÍMICADAMUDANÇA
COMO A DUPONT PREPAROU-SE PARA A NOVA FASE 1 – PLANEJAMENTO De 2009 a 2012, amparada por algumas das maiores consultorias do mundo, a DuPont traçou um minucioso roteiro com as ações necessárias para sua transformação 2 – AQUISIÇÕES A partir de 2011, intensificou a compra de empresas relacionadas ao seu novo negócio AS GRANDES COMPRAS 1999 – adquiriu a Pioneer Hi-Bred, maior fornecedor mundial de sementes 2003 – anunciou joint venture com a Bunge para a criação da Solae, que faz alimentos à base de soja 2011 – comprou a Danisco, empresa dinamarquesa especializada na produção de insumos para a indústria de alimentos 2013 – concluiu a venda da divisão de tintas automotivas e industriais para a gestora de recursos Carlyle
Empresa testa soluções para substituir petróleo por enzimas de milho na fabricação de plásticos
FONTES: DuPont e Chemours; * Receitas de 2014, descontadas as vendas de químicos; ** Vendas da unidade química da DuPont, em 2014
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Fotos: FABIANO ACCORSI; GLOW IMAGES; DIVULGAÇÃO
mudanças fariam no dia a dia do negócio. “Nossas portas estavam abertas para que o funcionário entrasse e perguntasse o que quisesse”, diz Ricardo Vellutini, presidente da DuPont no Brasil. “Mas, nessa hora, o que a pessoa está pensando é o seguinte: ‘Eu quero que se exploda o que vai acontecer com a DuPont ou com a Chemours. Quero saber como fica o meu emprego’.” Essa não era uma pergunta fácil de responder. Em 2014, Ellen veio ao Brasil para falar sobre as transformações. Da matriz, também partiu uma cartilha a ser seguida, apontando as necessidades de mudança e algumas sugestões de datas de quando as coisas deveriam acontecer. Ocorre que muitas lacunas tinham de ser preenchidas localmente. “Foi boçal a carga de trabalho e o número de coisas com as quais nos preocupávamos”, diz Vellutini. Somente no Brasil, 40 profissionais foram destacados para cuidar da separação. Paralelamente, um grupo de 15 executivos, liderados pelo CEO do Brasil, fazia sessões semanais cuja pauta era praticamente única: como manter a ansiedade de todos sob controle. Não eram raros os momentos nos quais a turma se entreolhava, perguntando: “Vai terminar bem?”. Hoje, avaliam analistas, a DuPont apresenta um quadro estruturado para crescer nos mercados em que vai atuar. “Nos últimos anos, nós gastamos uma quantidade enorme de tempo e dinheiro para soluções em genética de sementes e proteção de frutas e hortaliças, além da pesquisa de biocombustíveis”, diz Judd O’Connor, presidente da DuPont para a América Latina. “Não posso adiantar os nossos próximos produtos campeões, mas eles chegarão em breve ao mercado.”
DOISSÉCULOSDEINVENÇÕES
COM 40,5 MIL PATENTES, A DUPONT CRIOU INOVAÇÕES QUE CONTINUAM REVOLUCIONÁRIAS
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(1) Roupa de Neil Armstrong tinha 20 camadas de tecidos feitos pela empresa; (2) Usado em cabos submarinos, o Teflon também evita que o ovo grude na panela; (3) Vendida em 2002, a Lycra mudou o setor de vestuário nos anos 60; (4) O tecido antichamas Nomex está em roupas de bombeiros do mundo todo; (5) Saco feito em Tyvek protege as plantações; (6) Blindagem de carros e coletes à prova de balas usam Kevlar, da DuPont
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GESTÃO
BRASIL GANHA RELEVÂNCIA
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oje, praticamente todas as grandes descobertas da DuPont saem dos laboratórios de Wilmington, em Delaware, nos Estados Unidos. Aos cientistas e engenheiros dos escritórios regionais cabe realizar testes para adequar as descobertas às características locais e, quando possível, desenvolver novos produtos a partir daí. Na nova DuPont, no entanto, isso deve mudar – e o Brasil, com uma das maiores áreas agrícolas do mundo e um mercado maduro de etanol, tende a ganhar especial relevância. Responsável por quase 7% das receitas mundiais da DuPont, o país possui uma das mais importantes estruturas de pesquisa da empresa fora dos Estados Unidos. É o Centro de Inovação de Paulínia, no interior de São Paulo, com 300 cientistas, inaugurado em 2012. “De lá, estão saindo descobertas importantes para o etanol de segunda geração, feito a partir da celulose”, diz Julio Jansen, vice-presidente de biociências industriais da companhia. O grupo também estuda polímeros sustentáveis, usando milho em substituição ao petróleo, e faz testes para a adequação de defensivos agrícolas às pragas e doenças tropicais. Globalmente, a empresa trabalha para desenvolver novos materiais para painéis solares ou para compostos que possam ser usados em veículos para que fiquem mais leves e eficientes. Em outra frente, as pesquisas focam em novos usos para materiais que já compõem o portfólio. Um desses testes acontece com o Tyvek. O material, de alta resistência contra agentes químicos, é utilizado em roupas de proteção – estava na composição, por exemplo, dos uniformes de bombeiros que fizeram buscas após o acidente da usina nuclear de Fukushima, em 2011, no Japão. “A ideia é utilizar o componente para fazer tecidos que envolvam os alimentos”, diz Guadalupe Franzosi, da divisão de tecnologias de proteção da DuPont. Em tese, o produto pode ajudar na maturação de frutas, acelerando o ciclo e, ao mesmo tempo, preservando o sabor.
GRANDES TRANSFORMAÇÕES
A
atual mudança, pelo porte, pode chocar o observador, mas grandes transformações não são inéditas para a DuPont. Fundada nos Estados Unidos em 1802 pelo imigrante francês Eleuthère Irénée du Pont de Nemours, discípulo de Lavoisier, a empresa começou fabricando explosivos – e por mais de cem anos cresceu graças ao que foi, literalmente, a
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A a t u a l mudança, pelo p o r te , p o d e c h o c a r. M a s grandes transformações não são inéditas na DuPont reinvenção da pólvora, ao criar uma fórmula mais barata de fazer o produto. No início do século 19, no entanto, quando tudo parecia bem, a companhia alterou seu curso. Fundou um dos maiores laboratórios de pesquisa do mundo e se transformou em uma das líderes na área de químicos, com inovações que seguem revolucionárias depois de décadas de seu lançamento. Resta, agora, esperar pelos resultados da nova metamorfose. Em meio às expectativas, há uma certeza: passaram-se cem anos para que a DuPont mudasse pela primeira vez e outros cem para a segunda grande guinada. Uma terceira, no entanto, deverá chegar em menos tempo. “Com competitividade acirrada e as mudanças tecnológicas, não existe a possibilidade de uma empresa sobreviver sem se reinventar”, diz Rami Goldfajn, sócio da consultoria McKinsey e responsável pela área de transformações organizacionais nas companhias. “Aquelas que conseguirem fazer isso com maior frequência e rapidez terão enormes vantagens.”
Foto: GLOW IMAGES
WA Z E
MOBILIDADE
Oferece opções de rotas. O varejo o utiliza para atrair motoristas para as suas lojas em dias de promoção
MO OV I T Indica quando o ônibus chega à parada. Foi criado em Israel e funciona em 600 cidades de 55 países
99TAXI S Já é usado por 30 mil dos 34 mil taxistas de São Paulo. Recebeu aportes que totalizam R$ 140 milhões
E ASY TA X I Criado no Brasil, está disponível em 30 países. Fundos investiram US$ 77 milhões na empresa
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Foto: GETTY IMAGES
LOGG I
T RUC KPA D
É um app de motoboys. Tem mil motoqueiros cadastrados e faz 5 mil entregas por dia somente em São Paulo
O aplicativo facilita o frete de carga. Movimentou R$ 100 milhões em um mês e tem 140 mil downloads
99M OTO S Cobra R$ 0,99 dos motoboys por entrega. É muito menos do que eles pagavam aos intermediários
UBER Faz transporte executivo. Investidores já compram carros e contratam motoristas para trabalhar com o app
A NOVA ECONOMIA DO TRÂNSITO APLICATIVOS PARA SMARTPHONES COMO O WAZE (ROTAS), O UBER (CARROS EXECUTIVOS), O TRUCKPAD (FRETES) E O LOGGI (MOTOBOYS) ESTÃO DEFININDO UM NOVO PADRÃO DE PRODUTIVIDADE, RENDA E EMPREGOS EM GRANDES CIDADES DO BRASIL E DO MUNDO
/ PEDRO CARVALHO / GUILHERME FELITTI / NAYARA FRAGA
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MOBILIDADE
Vistos um a um, aplicativos para celulares como o Waze (que sugere rotas), o Uber (que oferece carros executivos) e os voltados para táxis (99Taxis e EasyTaxi, por exemplo) são bacaninhas e bastante práticos. Já é hora, contudo, de observá-los em conjunto. Mesmo porque, em bloco, essas ferramentas estão moldando uma nova economia associada ao trânsito e aos transportes públicos nas principais cidades do planeta. O impacto desses sistemas nesses setores já se mostra expressivo – e o seu limite nem sequer começou a ser divisado. Tome-se o Waze como exemplo. Em 2013, o aplicativo (ou “app”) foi incorporado ao sistema de controle de trânsito da prefeitura do Rio de
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Janeiro. Desde então, o tempo gasto pelo órgão para intervir em um congestionamento foi reduzido em 20 minutos. Ou seja, houve uma queda de 1,2 mil segundos na reação ao problema, o que pode representar uma eternidade para quem está preso no caos urbano. Há mais. O Waze também vem sendo empregado por redes de varejo, para direcionar motoristas para suas lojas em dias de vendas promocionais. É o velho comércio se reinventando, com a ajuda do novo app. Observe-se ainda o Loggi, um aplicativo criado para organizar entregas de motoboys. À medida que aprimora todo o sistema, ele chega a triplicar o salário desses profissionais em cidades como
São Paulo. Vantagens similares podem ser identificadas em programas como o TruckPad, criado por um brasileiro, que conecta caminhoneiros a cargas em todo o Brasil. O Moovit, outro destaque, é usado em 600 cidades de 55 países. Com ele, a aproximação de um ônibus em um ponto pode ser acompanhada pela tela do celular. Esses programas, em suma, têm tudo para atiçar a produtividade, a renda e a oferta de trabalho em áreas cruciais das metrópoles, como mostra a série de reportagens nas próximas 16 páginas. O impulso nesses indicadores – obtido a partir de ganhos de eficiência – tende a ser ainda mais significativo nas grandes manchas urbanas espalhadas pelo Brasil. Afinal, quanto maior o problema, maior a utilidade dos aplicativos. Em certa medida, eles se alimentam da desorganização. Hoje, as tecnologias empregadas nos apps de trânsito e transportes usam recursos de geolocalização (a base vem do antigo GPS), associados a montanhas de dados (“big data”) e a algoritmos cada vez mais espertos. O Uber, por exemplo, tem um modelo computacional que calcula as tarifas dos deslocamentos a partir da demanda. Na alta, os preços sobem, seguindo uma lógica econômica irretocável. Os programas também se tornam populares em um ritmo exponencial. Floresceram à sombra do avanço dos smartphones e das conexões mais parrudas com a internet. E esse promete ser apenas o começo. Espera-se que, no longo prazo, os apps se integrem automaticamente a toda a sorte de sensores e a carros que dispensam motoristas.
Fotos: GUILHERME ZAUITH
Óbvio que ainda falta muito para isso. A tecnologia, por mais sedutora que pareça, trava – e com uma frequência maior do que estamos dispostos a tolerar. O Uber, uma startup que vale US$ 40 bilhões, já protagonizou trapalhadas nesse campo. Em Sydney, na Austrália, em dezembro de 2014, o algoritmo que define as tarifas dos deslocamentos enlouqueceu, atingindo o quádruplo do valor normal das corridas. O problema é que a demanda havia disparado porque um terrorista invadira um café no centro comercial da cidade e as pessoas estavam desesperadas para retornar para casa. A tecnologia, claro, não entendeu o drama popular e se limitou a elevar os preços. A cobrança excessiva em um momento tão delicado pegou muito mal. O mesmo aplicativo também enfrenta pilhas de desafios regulatórios. Ele invadiu o mercado mundial de táxis, estimado em US$ 11 bilhões, e despertou a ira dos taxistas. Para evitar que a legislação o inviabilize, o Uber gasta com lobistas no mundo todo. Nos Estados Unidos, tem mais de 250 profissionais de 29 consultorias de lobby nas esferas federal e estaduais do país. O número pode ser maior, já que não leva em consideração os governos municipais. Só em Washington, a empresa gastou mais de US$ 300 mil em 2014 com lobistas. No Brasil, a empresa contratou a consultoria Patri para auxiliá-la nessa área. Ocorre que, à medida que a eficácia de um aplicativo se torna evidente e ele cai no gosto popular, não será tarefa simples sufocá-lo com leis, barreiras corporativas ou cartoriais. Mas a polêmica nesse campo ainda promete ser grande.
ONDEESTÃOOSGANHOSDEEFICIÊNCIA
COMO OS APLICATIVOS DE CELULAR PARA TRANSPORTES E TRÂNSITO ESTÃO MUDANDO A VIDA DAS PESSOAS E A ROTINA DAS CIDADES
WAZE Com a ajuda do aplicativo, a prefeitura do Rio reduziu em 20 minutos o tempo de intervenção em um acidente de trânsito. A iniciativa deu tão certo no Brasil que foi levada a grandes cidades de outros países UBER Em Chicago, segundo a empresa, cada carro do Uber retira entre 12 e 15 veículos particulares de circulação. O app também ajudou a reduzir o número de acidentes associados ao uso do álcool 99TAXIS e EASYTAXI Aumentaram em até 50% as corridas diárias realizadas por taxistas em grandes metrópoles do Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro TRUCKPAD Dá maior eficácia à contratação de caminhoneiros para o transporte de cargas. No Brasil, estima-se que o serviço possa aumentar em 50% a produtividade dos motoristas que usam esse tipo de aplicativo LOGGI e 99MOTOS Aumentam a eficiência na contratação dos serviços de entrega feitos por motoboys. Com isso, chegam a triplicar a renda mensal desses trabalhadores
MOOVIT Indica a melhor maneira para se deslocar com transportes públicos. É consultado por 4 milhões de brasileiros diariamente
MOBILIDADE
ONOVO MAPA DAMINA WAZE
TOMTOM
O WAZE NÃO INDICA APENAS OPÇÕES DE ROTAS. ELE AJUDA A ORGANIZAR O TRÂNSITO NAS METRÓPOLES. E AS REDES DE VAREJO O UTILIZAM PARA ATRAIR MOTORISTAS PARA AS LOJAS
Pedro Junqueira (à dir.) no centro de operações do Rio. “Com o app, repensamos até o tempo de abertura dos sinais da cidade”
Uma mancha vermelha formou-se sobre o mapa, indicando a ocorrência de algo fora do normal. A equipe do Centro de Operações do Rio, o departamento que organiza o trânsito na capital fluminense, percebeu o alerta no telão de 46,5 metros de comprimento, que domina o alto da sala de controle. Com ajuda de uma câmera, comprovou: uma máquina pesada manobrava e atrapalhava o tráfego na Avenida Brasil, na altura da Linha Vermelha. Um engarrafamento estava prestes a nascer na cidade. “A reação que tivemos contraria o senso comum”, diz Pedro Junqueira, diretor do órgão. “Em vez de liberar os semáforos para escoar o fluxo, passamos a deixar os sinais mais tempo no vermelho. Os motoristas
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Foto: EDUARDO ZAPPIA
50 MIL NOTIFICAÇÕES são enviadas todos os dias por usuários do Waze ao centro de operações de trânsito do Rio. Elas ajudam a mapear os problemas da cidade
esperavam um pouco mais nos cruzamentos anteriores, mas isso evitou um acúmulo de carros naquele ponto.” A tecnologia utilizada por Junqueira, uma espécie de “mapa da temperatura” do trânsito carioca, foi estruturada após uma parceria com o Waze, o aplicativo usado por mais de 50 milhões de pessoas no mundo – sendo 1 milhão delas no Rio. Ele indica aos donos de smartphones as rotas mais livres pelas vias da cidade. Como os celulares têm localizadores, o sistema sabe a velocidade em que esses aparelhos se movem – logo, identifica quando o usuário está em um engarrafamento. Além disso, os motoristas postam voluntariamente alertas sobre acidentes, obras e outros problemas do caminho. “Nós recebemos 50 mil notificações como essas todos os dias”, diz Junqueira. Com tanta informação disponível, o Waze permitiu que, pela primeira vez, as pessoas pudessem ver o mapa do trânsito de uma cidade, rua por rua, em tempo real. Trata-se de uma pequena revolução, que socorreu não apenas os motoristas, mas também os gestores públicos, como mostra o caso da Avenida Brasil. “O nosso tempo para começar a agir sobre um problema no trânsito da cidade foi reduzido em 20 minutos. Além disso, o sistema permitiu que fizéssemos estudos para repensar os tempos semafóricos da cidade”, afirma Junqueira. O impacto da tecnologia só tende a crescer. A experiência no Rio deu tão certo que virou um programa global do Waze, chamado Connected Citizens (ou “cidadãos conectados”). Ele já replicou o modelo em 24 cidades, como Boston,
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Tel-Aviv e Barcelona. Nessas parcerias, o Waze abre seu banco de dados para as prefeituras, sem cobrar por isso. Em troca, divulga o aplicativo. “Já falamos com autoridades de São Paulo e Belo Horizonte para fazermos o mesmo”, diz Flávia Sasaki, gerente de novos negócios do Waze nas Américas. “Elas estão desenvolvendo a tecnologia necessária, acredito que em breve teremos novidades.” Um sistema como esse, como se diz, cairia como uma luva em São Paulo. No trânsito mais caótico do país, 2,5 milhões de pessoas já usam o aplicativo regularmente para se locomover. Juntas, elas dirigem 321 milhões de quilômetros por mês. A cada quarteirão, produzem informações valiosas – e não apenas para quem se preocupa com o trânsito. Outra turma que está no raio de influência da tecnologia são as marcas, que já usam o aplicativo como uma plataforma de marketing. O Waze ganha dinheiro por meio de propagandas que aparecem nos seus mapas. Como os anunciantes sabem onde está o usuário, podem fazer promoções com uma precisão inédita. Na última Black Friday, em novembro,
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ESTE É O NÚMERO DE PESSOAS, EM TODO O MUNDO, QUE BAIXARAM O WAZE NO CELULAR
M I L H Õ E S
empresas como Casas Bahia, Walmart e Vivo colocaram as promoções (sempre agressivas nessas datas) no mapa dos motoristas de São Paulo. O anúncio terminava com a opção: “Dirigir para a loja?”. Ao todo, 6,3 mil pessoas mudaram de rota para aproveitar os descontos. “Quando pensamos na montanha de dados do mundo digital, percebemos que podemos fazer muitas coisas”, diz Alexandre Freitas, diretor da IMS, que vende os anúncios do aplicativo na América Latina. Outro exemplo é uma campanha recente da Fiat. “A montadora ofereceu cafés ou sucos grátis aos motoristas, apenas para promover a
EMUMANO,ONÚMERODEUSUÁRIOS DO APP NOBRASILSALTOUDE4MILHÕES PARA10 MILHÕES DEPESSOAS /
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marca. Mas nós sabíamos que o usuário estava preso no trânsito, estava calor e ele iria passar perto de uma Starbucks – então surgia na tela a opção de parar para ganhar um suco”, conta Freitas. A iniciativa distribuiu 3,4 mil vouchers. O Waze já é um grande negócio no Brasil – e cresce em um ritmo forte. Nos nove meses anteriores a maio, o número de usuários no país saltou de 4 milhões para 10 milhões. Os brasileiros formam a segunda maior população mundial de “wazers”, ficando atrás somente dos americanos. A venda de publicidade aqui representa 50% do total da América Latina. A empresa não revela a cifra, mas sabe-se que cobra US$ 25 por mil visualizações de um anúncio, em média. “Em 2015, vamos crescer pelo menos 50% em usuários e receitas no Brasil”, diz Freitas. Fundado em 2008 por três empreendedores israelenses, o aplicativo foi comprado pelo Google, em 2013, em um negócio de US$ 1 bilhão. (Pessoas próximas à empresa afirmam que uma disputa entre Google e Apple pela aquisição fez o valor subir de US$ 500 milhões para o dobro disso em algumas horas.) “Lembro que, meses antes, passei em frente ao Waze, em uma avenida de Palo Alto. Era um negócio minúsculo, parecia uma padaria”, conta Gastón Taratuta, fundador da IMS. Naquela época, a empresa tinha perto de 30 funcionários. Hoje, tem só 200 – e, não custa lembrar, 50 milhões de usuários. A equipe de tecnologia ainda fica em Israel, enquanto o Google aloja os times de vendas, relações públicas e a chefia global. “Dentro do Google, temos o melhor dos dois mundos”, diz Flávia Sasaki. “Ainda funcionamos como
NA BLACK FRIDAY, em novembro, anúncios na tela do Waze fizeram 6,3 mil brasileiros mudarem de rota para ir às compras
uma startup, com um espaço isolado do resto da empresa e as decisões são tomadas dentro do próprio Waze. Em contrapartida, passamos a ter recursos para investir na expansão.” Em julho, o Waze deu mais um exemplo de como pode reconfigurar o trânsito – e, por extensão, a produtividade – de uma cidade. A empresa começou a testar o RideWith, um novo aplicativo de caronas. Funciona integrado com o próprio Waze. Quem está dirigindo com o mapa ligado é avisado que uma pessoa na mesma rota precisa ir para um destino semelhante. Ótima ideia para um lugar como São Paulo, que tanto sofre com a síndrome do “uma pessoa por carro”. “O RideWith não é uma fonte de receita para a empresa, nem para os motoristas. Quem pega carona pode pagar apenas um valor simbólico, para o combustível”, diz Julie Mossler, diretora global de comunicação do Waze. “Por enquanto, os testes acontecem apenas em Israel e é cedo para falar em resultados.” Seja para melhorar o trânsito ou para ajudar os anunciantes, os dados fornecidos pelos motoristas são o principal valor do Waze. (Até porque,
embora cresça, o faturamento do aplicativo não faz cócegas no balanço do Google todo: “Ainda está longe da casa do bilhão de dólares”, diz Freitas.) O app conseguiu, de fato, criar uma comunidade de pessoas engajadas ao redor dele, o que aproxima o Waze de uma rede social. Coisa que o Google Maps – que também serve para a navegação no trânsito – nunca conseguiu. Um exemplo disso é que, no Brasil, existem mais de 3 mil editores voluntários de mapas, que melhoram continuamente as rotas do aplicativo. Outra prova da credibilidade que a tecnologia tem entre os brasileiros: 84% dos usuários do país informam para a empresa o local onde moram e trabalham – dados que o Waze afirma não vender a anunciantes. “O espírito
QUEM DIRIA, A TOMTOM NÃO MORREU Em 2009, Corinne Vigreux acostumou-se a ouvir a mesma pergunta: “Você trabalha na TomTom? Sério?”, dizia o interlocutor, com cara de dó. “Era como se alguém da família tivesse morrido”, afirma Corinne. O momento era péssimo para a empresa fundada por ela, seu marido e dois sócios. Além da crise mundial, o Google passou a oferecer de graça a tecnologia que era o ganha-pão da empresa: a navegação por GPS para veículos. Quem achou que a TomTom morreria, porém, errou. Desde setembro de 2011, seu pior momento, o valor das ações mais que quadruplicou. Seis anos depois, a venda dos GPSs dedicados parou de cair e, em alguns países, como Reino Unido e Alemanha, voltou a crescer. Hoje, 80% da receita provém da venda de GPSs, mas a tendência é que isso mude. Em três anos, metade dela virá de duas divisões criadas recentemente: a gestão corporativa de frotas e wearables, como relógios esportivos. Nos próximos anos, outra divisão, dedicada a carros autônomos, deve ser aberta. (GUILHERME FELITTI)
colaborativo é o melhor do aplicativo”, acredita Julie. “Nesse aspecto, o Brasil deu uma lição ao mundo”, ela diz. Isso porque o Centro de Operações do Rio, aquele descrito no início desta reportagem, decidiu usar de forma aberta os dados que passou a produzir com a ajuda do aplicativo. Na prática, isso significa que as informações são compartilhadas em tempo real com os bombeiros, as ambulâncias e outros interessados. “Foi uma ideia que aprendemos aqui e levamos para outras cidades onde temos parcerias com as prefeituras”, observa Julie. Parece uma boa rota a ser seguida. / PEDRO CARVALHO
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Foto: GUILHERME ZAUITH
OAPPDA DISCÓRDIA Guilherme Telles, diretor do Uber no Brasil: “O ritmo de expansão aqui tem sido maior do que em qualquer cidade da América Latina”
O UBER CAUSA CELEUMA AO QUEBRAR O MONOPÓLIO DOS TÁXIS E, POR ISSO, COLHE PROTESTOS EM TODO O MUNDO. MAS, DE BRIGA EM BRIGA, O VALOR DA EMPRESA JÁ ATINGIU US$ 40 BILHÕES
UBER
O Uber é o enfant terrible dos aplicativos de trânsito. De Paris a Belo Horizonte, a existência dessa ferramenta digital tem provocado protestos e quebra-quebra nas ruas. De um lado, os taxistas o acusam de promover uma concorrência desleal. A categoria é obrigada a ter alvarás para trabalhar – o que custa caro. Já os motoristas do Uber não precisam de licenças e executam um serviço similar. Da outra trincheira, o Uber alega que é somente uma empresa de tecnologia, está combatendo um monopólio arcaico, trabalha com motoristas particulares e não é “transporte público”. Fez-se a celeuma. A discussão está longe do fim. A única certeza, por enquanto, é que o aplicativo já causa um baita impacto no dia a dia das metrópoles.
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O Uber, para quem não conhece, é um app de celular, usado para contratar carros com motoristas. Normalmente, custa mais do que um táxi, mas a experiência tende a ser melhor – o condutor abre a porta, oferece água e pergunta como está o ar condicionado. Esses profissionais precisam ter uma avaliação mínima de 4,6 pontos no ranking dos usuários (que vai até 5) ou são excluídos do sistema. A empresa encarrega-se de checar os antecedentes e os documentos dos motoristas. Pela intermediação, cobra 20% sobre a corrida. Chicago é uma das cidades onde o impacto dessa tecnologia foi analisado de forma mais detalhada. Isso graças a um estudo feito pela própria companhia. O município tinha um problema (que pode soar familiar): um número limitado de licenças para taxistas, conhecidas como “medalhas”. Com apenas 7 mil alvarás disponíveis, um mercado paralelo de aluguel de medalhas prosperou. Pesquisas mostravam que apenas 11% dos taxistas eram donos das próprias autorizações. O preço para alugar uma medalha chegava a US$ 350 por semana. (Em São Paulo, o aluguel de um alvará – o que é ilegal – passa de R$ 2 mil por mês.)
O Uber estreou em Chicago em 2011, no formato UberBlack, o serviço original da empresa, que só usa carros pretos e é mais sofisticado. Em 2013, foi incluído o UberX, a versão mais simples e barata. No final de 2014, existiam 11,3 mil motoristas trabalhando com a plataforma na cidade – e cerca de 600 aderiam a cada semana. Como a tecnologia une veículos e passageiros que estejam próximos, esses motoristas atendiam, em média, 15% mais chamadas por hora do que um taxista. Apenas em dezembro passado, a frota local do Uber faturou um total de US$ 18,6 milhões. É fácil imaginar por que muitos taxistas deixaram de alugar as medalhas e bandearam para o aplicativo. No ano passado, a empresa lançou uma linha de financiamento para veículos na cidade: 30% dos que aderiram eram ex-taxistas. No lado dos passageiros, mais de 1 milhão de moradores da cidade americana já usou o serviço. O estudo chegou a duas conclusões impressionantes: houve queda no número de acidentes ligados ao consumo de álcool e cada carro do Uber tirava entre 12 e 15 veículos particulares das ruas.
OUBERESTÁPRESENTEEM 320 CIDADES. EMUMANO,CRESCEUAUMRITMODE QUATRO NOVASPRAÇASPORSEMANA /
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UMA NUVEM DE GAFANHOTOS
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riado em 2009 pelo americano Travis Kalanick e pelo canadense Garrett Camp, após uma tentativa frustrada de conseguirem um táxi em uma madrugada parisiense, o Uber se espalha pelo mundo feito uma nuvem de gafanhotos. Um ano atrás, estava em cem cidades. Hoje, são mais de 320 (o que perfaz quatro novas praças por semana). “Em cada local onde se instala, o aplicativo se torna popular de forma mais rápida do que no anterior”, diz o brasileiro Tomas Campos, um dos mais antigos “launchers” (ou lançadores) do Uber, profissionais que montam as filiais da empresa mundo afora. Desde 2012, ele já participou de 23 lançamentos, de Cingapura a Honolulu, de Houston a Brasília – o mais recente. O app desembarcou no Brasil na Copa do Mundo, em 2014. Estreou no Rio de Janeiro e, antes do apito final da competição, avançava sobre São Paulo, que se tornaria a maior operação brasileira da empresa. “Ninguém conhecia o aplicativo na cidade”, lembra Campos. Por isso, o “launcher” procurou eventos – de preferência em horários de pico – para distribuir vouchers de cortesia. Era uma forma de fazer o produto pegar. Ao todo, ele calcula ter dado “algumas milhares” de viagens no período. O processo terminou com uma festa de lançamento no Museu de Arte Moderna, no Parque do Ibirapuera. Mais de 200 pessoas compareceram ao coquetel, entre profissionais ligados à tecnologia, ao mercado financeiro, às artes e a outros nichos considerados estratégicos pelo Uber. “No dia seguinte, centenas de usuários baixaram e abriram o aplicativo”, diz Campos. “Parte disso, claro, porque
70 CORRIDAS por semana são feitas por um veículo do Uber em Belo Horizonte. Isso equivale a um retorno de 2% ao mês sobre o capital investido em um carro com motorista
mandamos e-mails de divulgação com a foto da Alessandra Ambrósio, a garota-propaganda do lançamento”. Após montar um time com três pessoas, a empresa instalou-se em um coworking (escritórios moderninhos de “trabalho compartilhado”), na Zona Oeste de São Paulo, onde dividia o espaço com outras “startups”. Note-se que o Uber ainda se considera uma empresa iniciante, embora seja avaliada em US$ 40 bilhões (!). Já com 20 pessoas, a equipe acaba de mudar para a cobertura de um prédio comercial, um duplex de 400 metros quadrados. O QG paulistano abriga o comando nacional do Uber, que já estreou também em Belo Horizonte e Brasília.
O NEGÓCIO ATRAI NÃO SÓ MOTORISTAS
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ual o tamanho do Uber em São Paulo? A companhia não revela números. Os taxistas estimam que existam 1,2 mil motoristas do aplicativo na cidade. Basta acessá-lo para ver dezenas de carros circulando na tela. “O crescimento sempre se deu a uma taxa de dois dígitos ao mês”, diz Campos. O alcance total no Brasil também é definido com frases evasivas, mas dá para entender que a tecnologia está pegando. “O ritmo da expansão é maior do que em qualquer cidade da América Latina, inclusive na Cidade do México”, afirma Guilherme Telles, diretor-geral do Uber no país. Na capital mexicana, o app tem mais de 300 mil usuários. Uma forma de perceber o impacto que ele causa por aqui é ver que novos negócios começam a surgir “pendurados” no Uber. Em abril, o funcionário público Pedro Calisto, que mora em
ATÉ O FIM DE 2014, ESTE É O TOTAL DE CONDUTORES QUE ADERIRAM À PLATAFORMA, APENAS EM CHICAGO
11,3 MIL MOTORISTAS
Belo Horizonte, se uniu a três amigos e comprou um Renault Fluence 2013, por R$ 44 mil. Eles chamaram um colega desempregado, mas que sabia dirigir e... voilà. “Temos feito 70 corridas por semana, o que nos dá um retorno mensal de 2% sobre o capital investido”, diz Calisto. Fora do país, existem pessoas que possuem mais de 20 motoristas trabalhando dessa forma. Mesmo feliz com a taxa de retorno, o “investidor” mineiro está preocupado. No início de julho, o motorista do Fluence foi seguido de madrugada por um taxista até um bairro na região noroeste da cidade. Ao deixar a passageira, um grupo de 20 pessoas o abordou entre ameaças. No fim de semana seguinte, ele deixou o carro em casa, porque um protesto na capital mineira levou milhares de taxistas às ruas contra o aplicativo. O clima também anda pesado nas casas legislativas. No final de junho, a empresa participou de uma audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília. Foi um massacre. Diante de uma plateia de taxistas e sindicalistas, o único representante do Uber, Daniel
Mangabeira, parecia encurralado. “Daniel, eu tento ser polido com você, mas é muita cara de pau falar que o Uber está preocupado com a mobilidade. Ele está preocupado com os bilhões que ganha”, bradou Edmilson Americano, que além de vereador é representante de uma associação nacional de taxistas. Na capital paulista, em 30 de junho, os vereadores aprovaram – por 48 votos a um – um projeto de lei que “proíbe o uso de carros particulares cadastrados em aplicativos”. O texto, agora, tem de passar por uma segunda votação e pela sanção do prefeito Fernando Haddad. Telles, o diretor do Uber no Brasil, tem 31 anos e vive a expectativa dessa nova votação nas próximas semanas. Formado em administração pela Fundação Getulio Vargas, ele começou cedo no mundo da tecnologia. Fez parte do time que montou a operação do Peixe Urbano no país, em 2010. Dois anos depois, mudou-se para a Califórnia, para cursar um MBA em Stanford. Havia feito mais de 400 corridas com o Uber na região quando decidiu se oferecer para tocar a recém-lançada operação brasileira. Agora, está na ponta de lança desse agressivo projeto de expansão. “Tenho todo o apoio e o investimento da chefia global. Se quisesse lançar o Uber em todas as cidades do Brasil amanhã, eu poderia”, diz. Em breve, o aplicativo deve mesmo chegar a novas praças, como Recife e Curitiba. A empresa avalia que, caso seja barrada em alguma cidade, pode reverter a decisão em instâncias superiores da Justiça. O problema, por enquanto, é a incerteza – impossível dizer como esse imbróglio vai terminar. / PEDRO CARVALHO
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A RENDA DOS TAXISTAS AUMENTOU E ELES ESTÃO ABANDONANDO AS COOPERATIVAS, QUE COBRAM ATÉ R$ 60 MIL POR UMA LICENÇA PARA ATUAR EM GRANDES CIDADES DO BRASIL
EASYTAXI
NONOVO MUNDO DOSAPPS, TEMTÁXIDE SOBRA /
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Desde 2011, pelo menos 12 aplicativos de táxi disputaram espaço nos smartphones dos brasileiros. Poucos sobreviveram. Hoje, dois apps, o Easy Taxi e o 99Taxis, concentram 95% das corridas acionadas por celulares. A quase totalidade dos 5% restantes são abocanhados pela Wappa, uma empresa criada em 2005. O domínio das líderes é impressionante. Em São Paulo, 30 mil dos 34 mil taxistas usam o 99Taxis. É cinco vezes mais do que todos os taxistas vinculados às cooperativas que operam na capital paulista.
Dennis Wang, o presidente da EasyTaxi: a tecnologia dificulta as fraudes Ariel Lambrecht, da 99Taxis. A empresa tem 30 mil dos 34 mil taxistas de São Paulo
A lógica por trás dessa adesão é cristalina. Os motoristas descobriram que os apps garantem mais dinheiro no fim do mês, com um aumento de até 50% das corridas diárias. As empresas de aplicativos não cobram as mensalidades que, em algumas cooperativas, chegam a R$ 1,2 mil. Marcos Guido Tumel, após mais de uma década trabalhando com a paulistana Coopertax, vendeu por R$ 10 mil a licença que havia lhe custado seis vezes mais. A popularidade dos apps teve este efeito: murchou o preço de revenda dos títulos das cooperativas.
Fotos: GUILHERME ZAUITH
Para os consumidores, as vantagens também são evidentes (e crescentes). Quanto mais taxistas usam os apps, mais fácil para o passageiro encontrar um carro a qualquer hora. Há ainda funções novas à disposição do público: a possibilidade de escolher carros maiores e a chance de avaliar a qualidade do serviço. A partir de 2013, ficou mais fácil para EasyTaxi e 99Taxis dominarem o mercado, com o crescimento na base de smartphones e dos planos 3G pré-pagos.
MUITA DISPUTA E POUCO LUCRO
C
riada em junho de 2011 por Tallis Gomes, a Easy Taxi recebeu um aporte majoritário do fundo alemão Rocket, o que a ajudou a levar o serviço para 30 países em poucos meses. É um padrão da Rocket – gastos pesados na expansão internacional e em marketing para ganhar o mercado rapidamente. A 99Taxis começou localmente, em agosto de 2012. Ariel Lambrecht e Renato Freitas financiaram a criação do aplicativo
reinvestindo o dinheiro adquirido com outro site, a comunidade acadêmica Ebah. Eles preferiram se concentrar em São Paulo, onde mantêm a liderança do mercado. Em 2013, avançaram sobre outras cidades. Este ano, a 99Taxis recebeu dois aportes do tradicional fundo americano Tiger Global para, principalmente, investimentos em marketing. Na disputa entre as duas empresas, o lucro é detalhe. A prioridade é ganhar espaço nos celulares. A Easy Taxi tem receita global na casa dos US$ 10 milhões por ano, segundo uma fonte próxima à empresa. E ambas as companhias ainda estão desenvolvendo os seus modelos de negócios. Elas só ganham dinheiro quando os passageiros pagam com ferramentas digitais, como o PayPal. Nesse caso, as startups levam uma porcentagem de até 9% do valor das corridas. Para turbinar o faturamento, as duas passaram a firmar contratos com grandes empresas. Entre os mais de 2 mil clientes corporativos
da Easy Taxi, alguns viram seus gastos com esse tipo de serviço cair até 80%, já que a tecnologia dificulta as fraudes nas empresas, diz Dennis Wang, o presidente da startup. Para cobrir eventuais rombos, elas usam os aportes obtidos nos últimos anos. No total, a Easy Taxi recebeu US$ 77 milhões em investimentos e a 99Taxis, R$ 140 milhões. O Uber, o aplicativo de carros executivos (leia à pág. 73), é um problema para os apps de táxi. Eles, contudo, têm planos para combatê-lo. Devem lançar um serviço no qual os consumidores escolherão táxis mais novos, com motoristas qualificados, por um preço igual ou pouco superior à tarifa convencional. Na briga com o Uber, a EasyTaxi e a 99Taxis contam com um trunfo. O funcionamento deles já está previsto em lei e não depende de debates nos legislativos, principalmente municipais, para que sejam oficialmente reconhecidos. Esse, como se sabe, não é o caso do Uber. / GUILHERME FELITTI
AGOSTO 2015
/ ÉPOCA NEGÓCIOS / 77
O TRUCKPAD, QUE UNE CAMINHONEIROS A CARGAS, COMEÇA A QUEBRAR UMA VELHA NORMA DA LOGÍSTICA NO PAÍS – O DOMÍNIO DO CAOS. ELE JÁ FOI BAIXADO 140 MIL VEZES
T R U C K PA D
Carlos Mira criou o app e foi premiado no Vale do Silício: “Ali, me disseram que a inovação faz sentido quando resolve um problema real”
UMCAMINHÃO DEDOWLOADS
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78 ÉPOCA NEGÓCIOS AGOSTO 2015
Foto: GUILHERME ZAUITH
Quando o empresário Carlos Mira, ex-presidente de uma transportadora de cargas, participou de um concurso para startups, em 2014, no Vale do Silício, tinha certeza de que não levaria o grande prêmio. Afinal, ele concorria com parafernálias de tirar o fôlego. Havia gente que queria conectar o Google Glass (os óculos inteligentes do Google) aos mais diversos tipos de objetos. “Bastava você entrar em casa e, da porta, já podia acionar a manta térmica para esquentar a sua cama”, diz o brasileiro. O projeto de Mira era, supostamente, o menos “sexy” entre os 30 concorrentes do evento. Ele criou o TruckPad, um aplicativo para conectar caminhoneiros a cargas no Brasil. Hoje, metade da frota de mais de 2 milhões de caminhões do país pertence a motoristas autônomos. Quem leva refrigerante de Minas Gerais para o Rio Grande do Norte, por exemplo, não acha carga para voltar ao Sudeste. Assim, perde tempo e dinheiro. De acordo com estimativa da NTC&Logística, uma associação que representa as transportadoras do setor, 20% dos caminhões em circulação andam vazios pelo Brasil. Essa é uma das razões que explicam por que Mira, no fim das contas, venceu a competição e levou o título de “a startup mais inovadora” do mundo. “A inovação não se resume à criação de novas tecnologias”, disse uma investidora ao empresário. “Inovação é usar tecnologias que existem para resolver
um problema.” A brasileira LBS Local, dona dos serviços de localização Maplink e Apontador, enxergou a nova empresa pelo mesmo ângulo. No início deste ano, adquiriu uma fatia minoritária da jovem companhia de Mira. O aplicativo movimentou R$ 100 milhões no último mês e, até agora, teve 140 mil downloads. Com o TruckPad, o motorista recebe diversas propostas de frete pelo celular ou tablet e escolhe a que melhor lhe convém. No Google Play, a loja de aplicativos do Android, existem outras 13 opções de apps de fretes. Todos querem ser uma espécie de Uber para caminhoneiros. E não é só aqui. Nos Estados Unidos, o app Cargomatic anunciou recentemente que recebeu aporte de US$ 8 milhões para impulsionar a “uberização” do transporte de cargas. Entre seus investidores está o Volvo Group Venture Capital, o fundo de investimento de uma das maiores fabricantes de caminhões do mundo. Há caminhoneiros americanos relatando que, com o app, os negócios cresceram 30%. No Brasil, esses aplicativos estão virando febre. “Aparece uma proposta de viagem atrás da outra. Assim, você roda menos vazio, porque tem destino certo”, diz o motorista Ivan Rodrigues de Sousa. “Isso evita deslocamentos desnecessários e gastos com manutenção e combustível.” Segundo estimativa da TruckPad, o ganho em produtividade que os autônomos podem ter ao usar o aplicativo é de aproximadamente 50%. / NAYARA FRAGA
LOGGI
99MOTOS
AS PLATAFORMAS DIGITAIS CHEGARAM AOS SERVIÇOS DE ENTREGA DE MOTOBOYS. E OS MOTOQUEIROS AGRADECEM. ELES ESTÃO GANHANDO ATÉ TRÊS VEZES MAIS COM OS APPS
MAIS TRABALHO EOTRIPLO DARENDA Números, às vezes, contam histórias de forma eloquente – principalmente quando significam dinheiro. Josivaldo Teixeira, de 28 anos, trabalha como motoboy em São Paulo desde 2002. Ele ganhava, em média, R$ 2 mil por mês. “Isso quando dava tudo certo”, diz. Com o dinheiro, mal pagava as despesas básicas da família, que inclui dois filhos pequenos. Em julho do ano passado, ele resolveu baixar no celular o Loggi, um aplicativo de entregas expressas para motoqueiros. Hoje, Teixeira fatura R$ 7 mil por mês e diz que trabalha menos. A Loggi é uma das novas startups que desbravam o mercado de motoboys. Tem mais de mil motoqueiros cadastrados somente na capital paulista, onde faz até 5 mil entregas por dia. É líder do setor. Logo atrás (e buzinando) vem o 99Motos, com 900 cadastrados e mil entregas diárias. Mas qual milagre faz o salário de um motoboy triplicar? A explicação está na tecnologia. As plataformas digitais substituíram um intermediário pouco eficiente
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desse setor: as agências de motoboys. Elas ficam com 60% do valor da entrega e o motoqueiro com o restante. Os aplicativos fazem uma divisão diferente. No Loggi, o motoboy fica com 80% da corrida. Já a 99Motos cobra R$ 99 centavos do motoqueiro a cada entrega, não importa o preço do serviço. Para fechar a conta, o cliente paga uma taxa de 15% sobre o frete. Outra diferença: nas empresas dos apps, a ordem das corridas é feita por um algoritmo, com base na localização dos motoboys. “Numa agência normal, a gente fica muito tempo esperando para pegar um serviço. No aplicativo, você espera no máximo 20 minutos”, afirma Teixeira. Quando a entrega é concluída, o motoqueiro também não precisa retornar à companhia com os protocolos assinados. Isso é feito com um clique no celular. Há ainda outros benefícios menos mensuráveis, mas importantes. “Esse pessoal dos apps tem outra cabeça, eles me chamam de senhor. Quem chama motoboy de senhor?” O resultado é que, em pouco mais de um ano, essas empresas já se tornaram maiores do que qualquer agência tradicional de motoboys na capital paulista – que têm, quando são grandes, por volta de 200 profissionais. “Nos últimos meses, surgiram tantos motoqueiros interessados que paramos de fazer campanhas para captar novos adeptos. Até reduzimos o horário em que eles se cadastram, porque não dávamos conta da demanda”, diz Jhonata Emerick, fundador da 99Motos. Os novos aplicativos já
Josivaldo Teixeira, que faz entregas em São Paulo: “Com o aumento da renda, aluguei a casa que sempre quis”
atendem clientes como C&A, Google, Flores Online, GAP, Decathlon, Hospital Albert Einstein e centenas de outros. E atraem milhões de reais em investimentos. “Eu levantei R$ 2,6 milhões com uma apresentação de PowerPoint”, conta Fabien Mendez, 29 anos, um francês radicado em São Paulo. Ele fundou a Loggi em 2013. A história é curiosa. Mendez, na época, trabalhava em uma consultoria de negócios. Estava parado no trânsito, no centro da capital paulista. Ele observava o imenso – e quase ininterrupto – cordão de motoboys, buzinando entre os carros. Ali, teve o “clique”. Isso foi em junho daquele ano. Poucas semanas depois, 11 investidores concordaram em apostar na ideia – entre eles, Kees Koolen, cofundador do Booking.com. “Acho que gostaram da minha visão. Eu dizia que não deveríamos fazer um app de táxis adaptado para motos, porque levar pessoas e mercadorias é diferente. Meu negócio é B2B [entre empresas], tem uma natureza operacional muito distinta”, diz Mendez. No ano passado, em nova rodada de arrecadação, ele captou mais R$ 10 milhões, com investidores de renome como Monashees e Qualcomm Ventures. Hoje, a Loggi movimenta algo em torno de R$ 6 milhões por mês, tem 60 funcionários e planeja atuar em Campinas, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. “Crescemos 30% ao mês”, diz o fundador. A história da 99Motos também é incomum. A ideia surgiu durante um ataque de asma de Jhonata Emerick. O problema aconteceu de madrugada e ele não conseguiu um motoboy para trazer
Foto: GUILHERME ZAUITH
remédios de uma farmácia até a sua casa, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. “Eu entrava na internet para achar um serviço e a busca só trazia empresas de fundo de quintal, tipo ‘João Motoboy’s’, com um celular como telefone de contato”, diz. “Pensei: não é possível que não exista um site que reúna pequenos vendedores para esse serviço.” No fim do ano passado, ele conseguiu um aporte de R$ 3 milhões de um fundo chamado Incube. Em seguida, estreou a marca no Rio – diz que, em agosto, chega a Curitiba. Emerick calcula que vai fechar o ano com faturamento de R$ 5 milhões. As empresas afirmam que o cliente final também está ganhando: as corridas saem em média 30% mais baratas do que em um serviço “off-line”, graças aos ganhos de eficiência da tecnologia. “Também existem impactos positivos no trânsito”, diz Fabien Mendez, da Loggi. “Em uma pesquisa interna, os usuários relataram que economizamos em média uma hora no tempo de entrega.” Para as “antigas” agências de motoboys, as consequências não foram tão boas. “O sindicato dessas empresas chegou a nos acionar em agosto passado, mas a Justiça considerou as plataformas regulares”, diz Emerick. Entre as diferentes reviravoltas causadas pelas tecnologias, contudo, as mais concretas têm sido sentidas pelos próprios motoqueiros. “Antes eu mal tinha dinheiro para comer”, diz Josivaldo Teixeira. “Agora, aluguei a casa que eu sempre quis, no lugar que eu sonhava. Isso mudou a vida da minha família.” / PEDRO CARVALHO
O MOOVIT É UM SERVIÇO QUE INDICA AS MELHORES ROTAS PARA QUEM USA TRANSPORTES PÚBLICOS. FOI CRIADO EM 2012, EM ISRAEL. ADIVINHA ONDE ELE FAZ MAIS SUCESSO? NO BRASIL, CLARO. AQUI, ESTÁ DISPONÍVEL EM 135 CIDADES E É USADO DIARIAMENTE POR 4 MILHÕES DE PESSOAS
MOOVIT
UMÔNIBUS NAPALMA DAMÃO
Fundado em 2012, em Israel, o Moovit é o aplicativo que indica quais as melhores rotas de um ponto “x” para um “y” usando o transporte público. A tecnologia usa informações de trânsito em tempo real providas pelas prefeituras, como a localização de ônibus, metrôs e trens. Tal qual o Waze, os mais de 22 milhões de usuários do app enviam informações, também em tempo real, sobre atrasos e veículos quebrados, algo que confere maior precisão ao sistema. O Moovit funciona em mais de 600 cidades em 55 países. Em nenhum deles faz tanto sucesso como no Brasil. Ele estreou por aqui, em São Paulo, em janeiro de 2014. Mais de 4 milhões de brasileiros o consultam diariamente. A proliferação de smartphones com 3G e a necessidade de obter as melhores rotas impulsionaram
essa popularidade, diz o vice-presidente de produto da empresa, Alex Torres. O Moovit tende a funcionar melhor quando a prefeitura oferece em tempo real as informações do sistema de transporte (em São Paulo, por exemplo, todos os ônibus têm GPS integrado). Quando esse sistema não existe, o app precisa criá-lo a partir das tabelas oficiais de horários. Isso prejudica a eficácia do sistema. É assim que a Moovit funciona na maioria das 135 cidades onde está disponível no Brasil. Esse não é seu único problema. A Apple anunciou que, até o fim do ano, o sistema operacional iOS 9 terá sugestões de transporte público em tempo real. Isso quer dizer que centenas de milhões de iPhones e iPads representarão, de um dia para o outro, uma ameaça ao Moovit. / GUILHERME FELITTI
O QUE VEM POR AÍ
OS APLICATIVOS SÃO SÓ O COMEÇO Waze, táxi pelo celular e Uber são apenas o primeiro passo. Nas próximas décadas, a tecnologia promoverá uma revolução que transformará o trânsito como conhecemos hoje. Tudo começa com a integração de sensores de proximidade, sistemas operacionais e um algoritmo de direção nos veículos. Quando essas tecnologias se tornarem padrão (hoje, são exceção), os carros vão se comunicar entre si. O trânsito tende a deixar de ser um sistema caótico, com um humano tomando decisões sozinho, e passa a se organizar dinamicamente, com um algoritmo
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decidindo a partir do cenário que rodeia os motoristas. Isso vale tanto para impedir colisões como para decidir o melhor caminho. Como informações do trânsito e de mudanças nas vias serão atualizadas em tempo real, o algoritmo decide o caminho sem perguntar ao humano. O motorista, aliás, tende a virar passageiro, já que robôs dirigem de forma mais suave e cometem menos erros que humanos, segundo análise feita pelo Google a partir das centenas de milhares de quilômetros percorridos por seus carros autônomos. Essa inversão nas funções transformará os
veículos. A partir de 2035, eles deverão sair da linha de montagem sem volante, pedais de acelerador, freio, buzinas e espelhos retrovisores, de acordo com pesquisa do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE). Sem obrigação de dirigir, restará ao humano relaxar. Não à toa, o primeiro protótipo do carro autoguiado do Google só tem uma atração em seu interior: um banco confortável. Claro que, para tudo isso dar certo, as tecnologias não têm de ser somente bacanas. Precisam funcionar à perfeição, algo ainda raro nos dias de hoje. / G.F.
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EMPREENDA
Cresce che te fa
bene
Foto: GERARDO MORA/GETTY IMAGES PARA ÉPOCA NEGÓCIOS
John Velasquez, responsável pelas operações nos Estados Unidos: promessa de liderar o mercado local
O Grupo Trigo avança a uma taxa anual de 20%, abre o primeiro restaurante com a marca Spoleto nos Estados Unidos e tem planos de inaugurar outros dez na Flórida / ARIANE ABDALLAH
EMPREENDA
Em 1997, os cariocas Eduardo Ourivio e Mario Chady estavam, para dizer o mínimo, enrascados. Até ali, a dupla inaugurara seis empreendimentos gastronômicos, entre eles o sofisticado restaurante Guilhermina Café, no Rio de Janeiro. O negócio, porém, não valia nada. A gestão financeira era uma catástrofe. Embora filas de clientes se formassem na porta do estabelecimento, o caixa estava sempre no vermelho. Parecia um paradoxo, algo contraditório, como exibir um Porsche na garagem mas não ter dinheiro para abastecê-lo. “O fato é que demoramos para entender a importância dos números”, afirma Ourivio. “Tínhamos a ilusão de que a parte gerencial era a mais relevante dos negócios.” Isso, hoje, mudou. Depois de falências em série, Ourivio e Chady, amigos desde a adolescência, entendem à perfeição o sentido dos números – e eles são impressionantes. A dupla criou o Grupo Trigo, com três redes de franquias, todas líderes
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nos segmentos em que atuam. São elas o fast-food de culinária italiana Spoleto, a pizzaria Domino’s e o Koni, de comida japonesa. Dessa última categoria gastronômica fazem parte o delivery Gokoni, adquirido pelos empresários no início deste ano, e o requintado Gurumê, aberto em outubro de 2014, no Rio. Ao todo, as bandeiras somam 583 lojas, espalhadas pelo Brasil, México e Costa Rica. Em março, o Spoleto, carro-chefe do grupo, deu um novo e importante passo. Teve a sua primeira unidade aberta em Orlando, nos Estados Unidos. Até o ano que vem, estão prometidas entre oito e dez unidades do restaurante
Foto: GERARDO MORA/GETTY IMAGES PARA ÉPOCA NEGÓCIOS
na Flórida. Se forem bem, elas alcançarão outros estados americanos, como o Texas e a Carolina do Norte. A empresa cresce em média 20% ao ano. De 2011 para cá, dobrou o faturamento. Fechou 2014 com R$ 882 milhões em receitas e deve atingir R$ 1 bilhão até dezembro. De 2013 para 2014, o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) aumentou 42%.
O SONHO AMERICANO
A
entrada do Spoleto nos Estados Unidos é a concretização de um sonho antigo. “Sempre acreditamos que ninguém é melhor do que ninguém”, diz Ourivio. “Se as marcas americanas vêm para o Brasil, por que não poderíamos ir para lá?” É claro que existem centenas de bons motivos para isso. Esqueceram, no entanto, de avisar aos dois amigos cariocas. Foi em 2008 que eles tentaram pela primeira vez se fixar em solo americano. Chady desembarcou em Boston
A popular Spoleto ganhou, em Orlando (EUA), uma versão mais sofisticada. Virou fast-casual, um modelo que mistura o preço baixo do fast-food a um atendimento com mais qualidade, embora sem garçons. Por que eles não adotam o mesmo formato por aqui?
com um plano de expansão debaixo do braço e o apresentou a um líder de um grande banco local. O executivo estrangeiro ouviu a explanação e, ao final, endossou a estratégia. Concordou, inclusive, em ajudar a financiá-la. Mas, de repente, mudou o rumo da conversa. Surpreendeu Chady ao mencionar uma cidade brasileira de 100 mil habitantes, localizada em Santa Catarina: “Você sabe qual é o PIB per capita do município de Tubarão?”, questionou o banqueiro. Chady não tinha ideia, mas entendeu o recado: o financista, delicadamente, queria lhe mostrar que ainda havia muito espaço para ocupar no Brasil. Ourivio e Chady, então, arquivaram a ideia da investida americana. Em 2013, ela ressurgiu. Foi despertada de supetão por John Velasquez, um executivo da Domino’s, que pertence ao Grupo Trigo, nascido nos Estados Unidos. Em uma tacada só, ele propôs aos chefes que 1) o Spoleto entrasse em seu país, 2) que ele fosse o responsável pela operação e 3) que se tornasse sócio do negócio. “Nós nos conhecíamos havia sete anos e trabalhávamos bem juntos”, diz Ourivio. “Topamos e ali se formou a parceria ideal.” O momento também era convidativo. A economia americana voltava a crescer, mas os preços de aluguel dos imóveis, em um rescaldo do estouro da bolha de 2008, continuavam baixos, o que facilitava a instalação da marca.
UM NOVO NICHO
E
nquanto no Brasil o Spoleto é uma rede popular, a versão americana compete em um novo nicho, chamado de fast-casual. Trata-se de um
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EMPREENDA
segmento que fica entre o fast-food (pelos preços baixos) e o restaurante convencional (pelo atendimento com qualidade, embora sem garçons). A principal representante desse modelo por lá é a rede Chipotle, de culinária mexicana. No Brasil, o fast-casual é pouco difundido. Os estabelecimentos que mais se aproximam dessa fórmula, embora tenham garçons, são o Applebee’s, o Outback e o Red Lobster. O objetivo da dupla brasileira não é somente ingressar no mercado americano, mas liderá-lo. Um desafio considerável. E arriscado, mas quem acompanha a trajetória empreendedora dos sócios sabe que tomar risco não é problema para eles. Nem mesmo os fracassos em série (eles faliram seis empreendimentos) os intimidaram. Ao contrário. Quando tudo desabava, eles começaram a idealizar uma rede de culinária italiana, que unisse a rapidez do fast-food à qualidade dos produtos de um restaurante tradicional. Em 1999, Chady enxergou no modelo de franquias uma oportunidade. Sem fazer contas (mais uma vez), os dois amigos montaram um stand na feira da Associação Brasileira de Franchising. Durante o evento, o ainda inexistente Spoleto já tinha duas unidades vendidas. Dessa vez, a atitude não calculada deu certo.
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Antonio Leite, CEO do braço de franquias do Grupo Trigo, no escritório da empresa, no Rio: “Mudamos a estrutura da companhia, e os gestores começaram a se sentir donos do negócio. Isso agiliza a tomada de decisões”
UMA NOVA ESTRUTURA
H
oje, além de olhar os números com acuidade, Ourivio e Chady (que por segurança não se deixam fotografar) querem dar maior eficácia à organização. Em julho de 2014, dividiram o grupo em três unidades. A principal delas é a Trigo Franquias, que ganhou um CEO: Antonio Leite, ex-diretor de marketing e franchising da empresa. “Com a divisão, acentuamos entre os gestores um sentimento de donos do negócio”, afirma Leite. A unidade pela qual ele é responsável é formada pelas 552 lojas franqueadas das marcas Spoleto, Domino’s e Koni (as demais, 31 no total, são de propriedade dos fundadores). A segunda vertente é a Trigo Suprimentos, composta por uma distribuidora e uma fábrica. A distribuidora concentra a compra dos ingredientes usados nas lojas, e a indústria (em Volta Redonda, no
Foto: EDUARDO ZAPPIA
AESTRUTURADOTRIGO
EM JULHO DE 2014, A GESTÃO DO GRUPO FOI DIVIDIDA EM TRÊS BRAÇOS. CADA UM FUNCIONA COMO UMA UNIDADE INDEPENDENTE
FRANQUIAS
LOJAS PRÓPRIAS
(Nº DE LOJAS POR MARCA) 344
112
O DOBRO DE $ EM QUATRO ANOS
(Nº DE LOJAS POR MARCA)
96
Spoleto Domino’s Koni Contribuem com 57% do Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização)
Spoleto
13
Domino’s
8
Koni
7
Gokoni (delivery)
2
Gurumê
1
FATURAMENTO (EM R$ MILHÕES)
1.039* 882
736 598 507
Contribuem com 4% do Ebitda
MEGAZZINO
Fábrica e distribuidora de alimentos (contribui com 39% do Ebitda) > FÁBRICA: produz 42% dos produtos utilizados nas redes de franquias > DISTRIBUIDORA: concentra a aquisição dos ingredientes que serão usados nas lojas e faz toda a operação de compras. Já a entrega fica a cargo de uma empresa terceirizada
Rio de Janeiro) produz 42% dos insumos comprados pelas três redes. A terceira vertente é formada pelas filiais próprias, que incluem lojas das redes Spoleto, Domino’s e Koni, o delivery Gokoni e o restaurante Gurumê. A nova estrutura da empresa – assim como os planos de expansão e boa parte do modelo de gestão – foi construída com a ajuda do Instituto Empreender Endeavor, uma organização que oferece suporte a negócios com alto potencial de crescimento. Foi o instituto que agendou o encontro com o presidente do banco americano, a quem Chady apresentou o plano de expansão, em 2008. Entre os outros mentores do grupo estão Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, fundadores do 3G Capital e controladores das gigantes Anheuser-Busch InBev e Kraft Heinz. Desde 2003, quando se tornaram “empreendedores Endeavor”, os fundadores do Grupo Trigo se aproximaram do trio. “Até dois anos atrás, encontrávamos o Marcel Telles uma ou duas vezes por ano”, afirma Ourivio. “Discutíamos as questões da nossa empresa. Com isso, ele se tornou uma espécie de padrinho do nosso negócio.” Os dois pilares da gestão do Trigo foram inspirados no 3G: formar
2011
2012
2013
2014
2015 (*previsão)
pessoas e expandir constantemente. “Para não perder talentos, é preciso dar a oportunidade para que eles cresçam”, afirma Ourivio. “Para tornar isso possível, é preciso crescer sempre.” Mario Chady e Eduardo Ourivio já não estão no dia a dia da companhia. Participam agora de um conselho consultivo e se dedicam a buscar novos negócios e fornecedores. Embora trabalhem a maior parte do tempo em casa, em aviões ou em hotéis, mantêm um escritório de 30 metros quadrados em cima de uma das lojas da Domino’s, no Rio. “É um lugar simples, de volta às bases”, diz Ourivio. “Para mantermos os pés no chão.” Até porque ainda há muito a ser conquistado. A cidade de Tubarão, onde o PIB per capita é de R$ 24 mil, por exemplo, ainda não tem nenhum Spoleto
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MEIO AMBIENTE
A CONTA CHEGOU O custo ambiental de 45 setores da economia brasileira é de R$ 1,6 bilhão ao ano. Os bancos começam a utilizar esse dado em análises de risco de longo prazo
/ RAQUEL GRISOTTO
P
ara cada R$ 1 milhão em receita, a pecuária gera um impacto ambiental estimado em R$ 22 milhões. No cultivo de soja, há um resultado negativo na natureza de quase R$ 3 milhões para cada R$ 1 milhão faturado. Ou seja, do ponto de vista ambiental, a atividade agropecuária é altamente deficitária. Considerados os 45 principais setores da economia brasileira, o impacto ambiental alcança R$ 1,6 bilhão ao ano. Esses dados estão em um estudo preparado pela Trucost, consultoria britânica especializada em riscos ambientais, em parceria com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Para chegar a esses números, a Trucost e o CEBDS recorreram a um conceito novo, o de “capital natural”. Ele precifica recursos hoje gratuitos na natureza e considera os gastos futuros necessários para compensar eventuais problemas ambientais. “O impacto das atividades é conhecido”, diz Fernanda Gimenes, coordenadora da Câmara Temática de
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92 ÉPOCA NEGÓCIOS AGOSTO 2015
OMAIORPROBLEMAEMCADASETOR
USO DE CAPITAL NATURAL – CUSTO EM R$ MILHÕES EMISSÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA
POLUIÇÃO DO AR
GERAÇÃO DE RESÍDUOS
PECUÁRIA
3,9
0,2
0,06
REFINO DE ÓLEOS PARA ALIMENTAÇÃO
0,2
0,1
0,05
AQUICULTURA
0,07
0,02
0,03
ABATE E PROCESSAMENTO ANIMAL
1,1
0,1
0,05
PLANTIO DE ALGODÃO
0,2
1,6
0,08
PLANTIO DE SOJA
0,3
0,1
0,04
PLANTIO DE CANA-DE-AÇÚCAR
0,2
0,1
0,05
FABRICAÇÃO DE CIMENTO
1,1
0,1
0,1
FABRICAÇÃO DE FERTILIZANTES
0,6
0,2
0,1
PRODUÇÃO DE PETRÓLEO
0,5
0,1
0,2
NÚMEROS POLÊMICOS
USO DA TERRA
USO DA ÁGUA
POLUIÇÃO DAS ÁGUAS
TOTAL
17
0,5
0,5
22
1,6
0,06
2,3
4,3
0,1
3,4
0,2
3,8
0,2
2
0,3
3,7
0,8
0,4
0,1
3,2
1,87
0,1
0,5
2,9
0,8
0,4
0,5
2
0,01
0,02
0,003
1,3
0,05
0,002
0,005
0,1
0,003
0,06
1
0,9
Dona de um banco de dados gigantesco, a Trucost utiliza seis indicadores para definir o custo ambiental dos setores analisados: emissão de CO2, geração de resíduos, uso da terra e da água, poluição do ar e da terra. No item uso da terra, por exemplo, é considerada, entre outras questões, a perda de fertilidade do solo. O conceito de capital natural, porém, está longe de ser uma unanimidade. Isso, mesmo entre ambientalistas. Uma das principais críticas refere-se às possíveis distorções na hora de precificar os ativos da natureza. Mas a iniciativa coloca em pauta uma discussão que deve ganhar cada vez mais relevância em todo o mundo.
Finanças Sustentáveis do CEBDS. “Agora, foi possível lhe atribuir um valor.” Esse é um passo importante. Pode significar um estímulo para a adoção de melhores práticas ambientais no país. Isso porque boa parte dos negócios é financiada por bancos e fundos de pensão. Com o indicador, essas instituições ganham subsídios para fazer uma análise de risco de longo prazo mais eficiente de suas carteiras. Taxas maiores, por exemplo, poderiam ser cobradas em empréstimos para negócios ambientalmente irresponsáveis. Itaú, Rabobank e o fundo de pensão Real Grandeza (que opera com recursos dos funcionários de Furnas) já estão aprimorando suas metodologias, considerando o custo do “capital natural” como indicador de risco. “O objetivo não é negar crédito”, diz Luiz Fernando do Amaral, gerente de responsabilidade socioambiental do Rabobank no Brasil. “Mas pressionar os clientes para que não fiquem com passivos ambientais altos demais.”
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ASMÁTICA, Á ALÉRGICA É OU MERCADOLÓGICA: TODA CRISE TEM REMÉDIO. 14 a 16 de a gosto, no Hotel Sofitel Jequitimar, Guarujá, São Paulo. www.forumktempresarial.com.br Quem é líder, participa.
Conheça os doutores em marketing que vão debater neste evento: TEMA CENTRAL: “INOVAÇÃO, CRIATIVIDADE E OUSADIA: AS ARMAS DO MARKETING PARA SUPERAR A CRISE” CYRO GAZOLA, Presidente da MONDELEZ FLÁVIO ROCHA, Presidente da RIACHUELO JOÃO PEDRO PARO, Presidente da MASTERCARD BRASIL AMADOR DE CARVALHO, CEO da BROWN-FORMAN MARCOS SCALDELAI, Presidente da BOMBRIL ANDRIES OUDSHOORN, CEO da OLX GERMAN QUIROGA, CEO e Fundador da CNOVA ECO MOLITERNO, Vice-Presidente de Criação da ÁFRICA ROBERTO GNYPEK, Vice-Presidente de Marketing do MC DONALD’S SYLVIA LEÃO, Vice-Presidente de Marketing do CARREFOUR LUCIANE MATIELLO, Head de Marketing da SHELL/RAIZEN FELIPE GOMES, Diretor Executivo de Gestão Estratégica da ALLIANZ RENATO GIAROLA, Diretor-Executivo do GRUPO PÃO DE AÇUCAR FELIPE HILLARD, Diretor de Desenvolvimento de Negócios da FJORD ACCENTURE MARCO CRESPO, Diretor de Negócios do IAS - Instituto Ayrton Senna Iniciativa:
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ECONOMIA
O referendo de 5 de julho: o povo disse não a mais um arrocho imposto pelos credores. Em vão
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Foto: BLOOMBERG
AREBELDIA, OREFERENDOE ORETROCESSO
Como os políticos mais interessantes da Europa em três décadas enfrentaram as finanças internacionais, testaram a democracia direta e... puseram tudo a perder / ALEXANDRE TEIXEIRA AGOSTO 2015
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ECONOMIA
meio à gerontocracia europeia, colarinhos abertos enfrentando engravatados, Tsipras e Varoufakis (e a Yamaha 1.300 cc deste último) assumiram o papel de pop stars da crise econômica europeia, com a missão quase impossível de conciliar o “chega de arrocho!” gritado nas ruas e nas urnas gregas com a exigência de mais austeridade imposta pelos credores com quem negociariam os termos dos novos pacotes de socorro financeiro. Por um momento, pareciam os homens ideais para o desafio. Mas o conto de fadas pós-punk estava fadado a virar pesadelo. No final de julho, Tsipras sobrevivia emparedado entre o radicalismo de esquerda dos seus correligionários e o fundamentalismo fiscal da União Europeia. Varoufakis e sua moto não serviam mais ao governo. E o povo grego saía às ruas para protestar contra o mais
A chegada de Alexis Tsipras, de Yanis Varoufakis e (dada a informalidade do partido) da galera do Syriza trouxe à esclerosada política europeia um frescor quase esquecido há mais de três décadas. Eleitos em janeiro, depois de seis anos de recessão, cinco sob tutela da detestada “troika” (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI), o primeiro-ministro e seu ministro das Finanças eram as faces da renovação no eixo Atenas-Bruxelas. Jovens quarentões em
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ALEXIS TSIPRAS VOLTOU COM UM ACORDO AINDA PIOR DO QUE AQUELE QUE EXISTIA ANTES DO REFERENDO
cruel pacote de resgate imposto ao país desde o início da crise, como evidente punição à rebeldia do Syriza. A tentação de classificar esse semestre histórico como uma tragédia grega é evidente, mas a melhor forma de resumir os eventos é num drama shakespeareano em quatro atos. No primeiro, quando Tsipras, Varoufakis e a Yamaha entram em cena, o cenário já é de terra arrasada. Toda a periferia da Europa foi atingida em cheio pela crise financeira mundial, e desde 2009 vem dependendo de capital dos vizinhos ricos (Alemanha à frente) para rolar suas dívidas e manter seus bancos solventes. Até 2012, a Grécia era apenas um dos PIIGS, acrônimo insultuoso criado pelo mercado para estigmatizar as nações em situação periclitante: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha. Naquele ano, o euro esteve à beira do abismo e o risco de uma falência coletiva era real. Os cinco países foram resgatados, ao custo de abandonar sua soberania econômica e dobrar-se às medidas de austeridade impostas pelas autoridades da União Europeia e o FMI. Superou-se assim a fase aguda da crise, mas o fardo sobre a Grécia se revelaria insustentável. Com 25% de retração econômica acumulada e 26% da população desempregada, os gregos elegeram o Syriza ao final de uma campanha histórica. Apesar do antagonismo hostil, gregos e europeus estiveram muito perto de um acordo inicial. Em 20 de fevereiro, Varoufakis acertou a extensão até junho do pacote de socorro então em curso em troca de reformas adicionais. Dizia-se a favor de 70% delas. Em uma semana, mudou o discurso. O tom prepotente
Fotos: BLOOMBERG; GETTY IMAGES
com que passou a condenar a austeridade e a retórica professoral ofenderam os políticos da Zona do Euro. No calor da discussão, Tsipras demandou uma indenização de ¤ 162 bilhões da Alemanha como reparação à ocupação nazista da Grécia na Segunda Guerra. Não exatamente um gesto sutil à mesa. Junho chegou e, com ele, a necessidade de viabilizar um novo pacote de resgate. Tinha início o segundo ato da Era Syriza. Virtualmente quebrada, a Grécia pediu ao Fundo Monetário Internacional que adiasse o pagamento de sua dívida com vencimento no dia 5 até o fim do mês. O que se segue são negociações com credores europeus, agora dispostos
a endurecer ainda mais as condições para o socorro financeiro. Os dois lados estiveram perto de um acordo, mas, no momento decisivo desta trama, Tsipras suspendeu as conversas, convocou um referendo e transferiu ao povo a decisão de aceitar ou não o arrocho. Durante um breve experimento de democracia direta, Tsipras instou eleitores gregos a rejeitar os termos do resgate, assegurando a eles que o maiúsculo “não” fortaleceria seu poder de barganha em Bruxelas. Comícios e cenas de orgulho cívico marcaram um curto terceiro ato. Mas, ao atrasar o pagamento de ¤ 1,7 bilhão ao FMI, a Grécia entrou tecnicamente em default – fato
inédito num país desenvolvido. Os bancos foram fechados para evitar uma corrida e os saques limitados a ¤ 60 por dia. No dia 5 de julho, a Grécia rejeitou o programa de austeridade e agravou o impasse na Europa. No plebiscito, 61% da população disse não ao acordo. Por algumas horas, era o triunfo pessoal de um aliviado Tsipras. Respaldado pela sua população, o primeiro-ministro finalmente negociaria os novos termos para a ajuda financeira. Varoufakis renunciou no dia seguinte, num raro
Alexis Tsipras, o primeiro-ministro, e a chanceler alemã Angela Merkel: radicalismo versus fundamentalismo fiscal na Europa
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ECONOMIA
gesto conciliatório do governo grego. A prioridade, segundo Tsipras, era reabrir os bancos e estabilizar a economia. Só faltava, literalmente, combinar com os contrariadíssimos alemães. O castigo pela rebeldia dos políticos e do povo grego veio travestido de “novas regras” para a concessão do socorro financeiro de que a Grécia precisa. Se a austeridade exigida antes do referendo era excessiva, pelos termos do pacote revisado os gregos podem ter de vender ilhas e ruínas do período clássico para cumprir o acordo e receber os seus ¤ 86 bilhões. Credores exigem até que padarias gregas passem por reformas para ganhar competitividade, o que seria hilário, se não fosse
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violação acintosa da soberania de um país independente. A consagração de Tsipras no domingo do referendo deu lugar à humilhação pública na quarta-feira, quando teve de se apresentar diante do Parlamento (e do povo) grego para pedir a aprovação de um acordo que representa a antítese do que seu governo representa. Abatido, ele disse não acreditar nas medidas que foi obrigado a aceitar “com a faca no pescoço”, mas as alternativas se revelaram piores. “Tive de escolher entre um acordo com o qual não concordo, um calote desordenado e a saída do euro”, disse ele antes da votação. Dos 149 deputados do Syriza, 32 ignoraram seus apelos e votaram contra.
Sem o apoio dos seus aliados, Tsipras passou a depender de partidos pró-Europa. Fazendo da oposição a sua base, ele dividiu o Syriza. Os gregos agora o culpam – com razão – por suas desgraças. Depois de um inusitado referendo, Tsipras voltou com um acordo ainda pior do que aquele que ele persuadira os eleitores gregos a rejeitar. Se sobreviver no cargo agora, passará os próximos anos fazendo o oposto Varoufakis, do que prometeo ex-ministro ra. Uma situação das Finanças, e sua inseparável não de todo estraYamaha 1.300 cc. nha a observadoO “selvagem da res da cena polítimotocicleta” foi domado ca brasileira.
Fotos: JEAN-PAUL PELISSIER/REUTERS; BLOOMBERG; MEINZAHN
Neste último e melancólico ato, Tsipras tem obtido maiorias parlamentares suficientes para aprovar medidas de austeridade e manter a Grécia acima da linha d’água. No último dia 20, o país pagou a parcela atrasada da dívida com o FMI. Seus bancos reabriram as portas depois de três semanas, mas com as operações restritas e os saques ainda limitados. Desde o referendo, alguns líderes da Eurozona acreditam que a Grécia já não tem lugar no euro. A União Europeia busca evitar revoltas contra os partidos de centro que dominam os países da Eurozona e inviabilizar partidos insurgentes como o Syriza, que rejeitam a velha política. Grupos de esquerda reunidos sob o guarda-chuva Los Indignados, por exemplo, começam a chegar ao poder em cidades espanholas. “Se [a troika] não romper definitivamente com esse projeto de austeridade, os povos [da Europa] vão virar as costas para ela”, disse recentemente Pablo Iglesias, líder do partido espanhol Podemos. Para o premiê grego, a discussão sobre deixar o euro é assunto do passado. Talvez seja, mas o futuro da Grécia provoca debates entre os europeus. Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, considera este “o momento mais crítico da história da União Europeia”. Em uma entrevista raivosa em Bruxelas, o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, um tipo francamente detestável, falou em gregos fora do euro: “Talvez seja a melhor solução”. A Grécia é parte da União Europeia desde 1981 e adotou o euro exatos 20 anos depois. A moeda comum hoje pesa como uma mortalha, mas,
FOI A CRISE FINANCEIRA DE 2008 QUE ABATEU ATENAS EM PLENO VOO. DAQUELE ANO ATÉ 2010, O PIB GREGO ENCOLHEU QUASE 20% nos primeiros sete anos como membros da Eurolândia, os gregos viram seu PIB per capita quase triplicar. Foi a crise financeira, iniciada em Wall Street em 2007 e globalizada em 2008, que abateu Atenas em pleno voo. De 2008 até 2010, o PIB nacional encolheu quase 20%. A Europa tomou conhecimento de que os déficits da Grécia eram maquiados (como se diz pedalada em grego?) e sua capacidade de pagar dívidas evaporou. É aí que começam os pedidos de socorro financeiro. E as exigências de austeridade. A crise hoje é maior que a Grécia. Sua saída do euro provavelmente forçaria a União Europeia a oferecer ajuda humanitária para uma parcela da população grega. O aumento do desemprego no país poderia agravar os problemas
migratórios no continente. E há temores geopolíticos. Como um flerte da Grécia com a Rússia, que, sob Putin, trabalha para aumentar sua influência na Europa. “Se permanecermos estacionados, prisioneiros das regras e burocracias, a Europa estará liquidada”, escreveu Matteo Renzi, o primeiro-ministro da Itália, em seu perfil no Facebook. A nova hegemonia alemã, por si só, incomoda europeus. “A Europa está sob a influência das ideias de Heinrich Brüning, chanceler alemão entre 1930 e 1932, cujas desastrosas políticas de austeridade prepararam o caminho para Hitler”, advertiu Martin Wolf, o colunista-chefe de economia do jornal Financial Times no livro As Transições e os Choques. Tsipras e Varoufakis formularam seu plano tendo em mente como a economia deveria funcionar se o mundo fosse justo. Os burocratas engravatados do outro lado da mesa insistiram na vida como ela é. Os credores merecem uma parcela das críticas. Como afirmou a revista The Economist, “um acordo decente teria colocado a Grécia no rumo do crescimento sustentável e tirado da mesa a perspectiva de sua saída do euro”. Em vez disso, “a Europa cozinhou a mesma velha receita de austeridade e suposições implausíveis”. Perderam os gregos. Perdeu a Eurolândia. Os selvagens da motocicleta foram domados.
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E N T R E V I S TA
É HORA DE ATACAR A PRODUTIVIDADE O ECONOMISTA ARMEN OVANESSOFF, UM ESPECIALISTA EM ALTA PERFORMANCE, DEFENDE QUE AS EMPRESAS DEVEM USAR OS PERÍODOS DE CRISE PARA MELHORAR SEUS PROCESSOS. CASO CONTRÁRIO, NÃO APROVEITARÃO OS BENEFÍCIOS DE UM NOVO CICLO DE DESENVOLVIMENTO / NAYARA FRAGA
A
rmen Ovanessoff é tudo, menos o estereótipo de um economista inglês. Na verdade, com um bigode à Salvador Dali, ele parece um mágico. E tem alguns truques a propor. O principal deles é instigar as empresas brasileiras a reverter, com urgência, os indicadores pífios de produtividade acumulados nas últimas décadas. “Em vez de só apontar o dedo para o governo, há muito o que fazer dentro de casa para obter melhores resultados nesse campo”, defende o britânico, presidente do Instituto Accenture para Alta Performance. O órgão é uma espécie
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de think tank da consultoria, que se dedica a analisar os grandes temas que impactam o mundo dos negócios. Para dar força (e contexto) ao seu discurso, Ovanessoff gosta de expor a triste figura da Produtividade Total dos Fatores (Total Factor Productivity) no Brasil. O índice analisa o quão bem um país usufrui de seu capital e sua força de trabalho. Desde os anos 90, enquanto emergentes como a Índia e o México tiveram uma taxa média de crescimento anual de 1,17% e 0,35%, respectivamente, o Brasil exibiu um índice negativo de 0,04%. O país só saiu do vermelho (e, ainda assim, pouco acima de zero)
entre 2000 e 2008, quando o consumo interno cresceu de forma significativa e o superciclo das commodities elevou os preços dos produtos que o Brasil exporta. O período deu a falsa impressão de que estava tudo bem. Mas não. O crescimento eufórico, como se vê hoje, jogou os gargalos das operações para debaixo do tapete. Hoje, ressurgem com ímpeto redobrado. Em um estudo que levou um ano para ser concluído, intitulado O que as empresas devem fazer para estimular o crescimento da produtividade no Brasil, Ovanessoff destrinchou um conjunto de ações e propostas, indicadas a seguir.
Foto: FILIPE REDONDO
Ovanessoff vê exemplos positivos entre as companhias brasileiras: “Mas eles precisam ser disseminados”
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O BRITÂNICO Ovanessoff é presidente do Instituto Accenture para Alta Performance, uma espécie de think tank da consultoria Accenture
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A baixa produtividade é o principal fator que trava o desenvolvimento do país? ARMEN OVANESSOFF A baixa produtividade é provavelmente o principal problema do Brasil na era atual. É o desafio que define este período da história econômica do país. Nossa análise mostra que a Produtividade Total dos Fatores tem sido negativa nos últimos anos e que é uma tendência que persiste, o que preocupa. Se olhamos para os números desde 1990, vemos que a produtividade do Brasil é muito ruim se comparada a outros mercados-chave. Quando a Produtividade Total dos Fatores é negativa, isso é muito chocante. Significa que as ineficiências na economia do Brasil estão destruindo a capacidade produtiva do capital e do trabalho. É uma situação problemática. Parte das explicações está na falta de investimentos e nos altos custos para operar negócios no país. É o conhecido custo-Brasil. Poderíamos listar os vários empecilhos que a economia brasileira impõe à produtividade, como o fato de você levar 84 dias para começar uma empresa, comparados aos quatro dias na Coreia do Sul e a 29 dias na Índia. O país investe apenas 17% de seu produto interno bruto (PIB) em ativos fixos, como estradas, edifícios e máquinas, enquanto a média dos emergentes é de 25%. E isso praticamente não mudou nos últimos 20 anos. Ou seja, os ÉPOCA NEGÓCIOS
Inevitavelmente, as empresas vão agir quando suas finanças forem afetadas. Uma das razões pelas quais os problemas advindos da produtividade se arrastaram por tanto tempo é que as companhias e a economia conseguiram seguir em frente sem enfrentá-los. Isso foi possível graças à demanda, ao crescimento doméstico forte, especialmente em razão da alta na renda nos últimos anos, e por conta do superciclo das commodities, que atraiu o apetite da Ásia, em particular da China, pelos produtos básicos e recursos naturais brasileiros. Mas esses vetores de crescimento foram exauridos, certo? A demanda doméstica está lenta. A China não cresce mais da mesma forma. Então, esses não são mais estímulos com os quais podemos trabalhar. De onde virá o crescimento? Virá de melhoria na produtividade e, por consequência, na competitividade. Os empresários serão finalmente confrontados com a urgência em agir. ARMEN OVANESSOFF
AS EMPRESAS TÊM DE SE PREPARAR PARA A PRÓXIMA FASE DO DESENVOLVIMENTO. E TEM DE SER AGORA
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entraves relacionados à produtividade estão aí há algum tempo. O ponto é que, agora, para o país crescer, será preciso se concentrar na produtividade. E não adianta apontar o dedo para o governo. As empresas têm de pensar nas providências que elas mesmas podem tomar. Mas, se tem sido assim durante tantos anos [empresas responsabilizando o governo], o que fará elas olharem para dentro de casa agora? ÉPOCA NEGÓCIOS
Qual é a postura, em geral, adotada pelos empresários brasileiros? ARMEN OVANESSOFF Por um tempo, o empresariado brasileiro teve a capacidade de ignorar esse quadro. Tome a indústria de consumo e serviços como exemplo. As receitas desse setor continuam a crescer. Na verdade, elas quadruplicaram entre ÉPOCA NEGÓCIOS
Foto: FILIPE REDONDO
COMENDOMUITAPOEIRA
A PRODUTIVIDADE DA ECONOMIA BRASILEIRA FOI NEGATIVA NAS ÚLTIMAS DUAS DÉCADAS E FICOU NA RABEIRA TANTO DOS PAÍSES EMERGENTES COMO DOS DESENVOLVIDOS CRESCIMENTO DA PRODUTIVIDADE TOTAL DE FATORES 1990-2013 (%)
Brasil
-0,039
México
0,351
Indonésia
0,507
Coreia do Sul
0,620
EUA
1,073
Índia
1,166
China
3,192
ESMIUÇANDOOPIB
A PRODUTIVIDADE AVANÇOU NO SUPERCICLO DAS COMMODITIES, ENTRE 2000 E 2008. MAS VOLTOU A CAIR DESDE ENTÃO PIB Qualidade do capital humano Oferta de mão de obra Capital físico 2,34
3,71
Produtividade Total de Fatores (PTF) 2,66
4 3
2007 e 2013. Até mesmo nesse momento difícil as receitas cresceram. Mas não a lucratividade. Os lucros caíram nesse período, e os custos continuam a subir. Nós vemos algo semelhante em muitas indústrias. Mesmo com as receitas crescentes, os custos se elevam mais rapidamente e as margens são espremidas. O que acontece, então, quando a economia fica fraca como agora e as receitas estão mais baixas? Este é o momento em que você realmente sente o aperto. Antes, os competidores do Brasil poderiam ser empresas europeias, americanas, mexicanas. Agora, há também empresas da Coreia do Sul, da China, da Índia. São companhias eficientes que os brasileiros precisam enfrentar. Se as empresas do Brasil não usarem esse momento valioso para melhorar a produtividade, elas não serão efetivamente capazes de competir quando a virada ocorrer, quando a atenção internacional se voltar de novo ao Brasil. É preciso se preparar agora para a próxima fase de crescimento. Se a discussão sobre produtividade só girar em torno do governo, como tende a ser, nós estaremos ignorando uma das maiores forças de mudança, que é o setor privado. ÉPOCA NEGÓCIOS
E o que o setor privado
pode fazer? 1,09
2
0,56
1
1,60
0,60
0,31 0,32
1,41 2,19 0,90
0
-0,16
-0,91 -1 1990-99
2000-08
Há muito o que o governo pode e deve fazer. Não negamos isso. Mas muitas das ações do governo, mesmo quando são tomadas, demoram muitos anos para surtir efeito. Essa é a natureza de reformas políticas e do investimento em infraestrutura e educação. Então, há muita coisa que a iniciativa privada pode fazer para complementar as ações do governo. E são coisas que podem ser feitas agora, com benefício ARMEN OVANESSOFF
0,80
2009-13
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imediato para as próprias empresas. Falo de melhorias possíveis, com base até em exemplos atuais de empresas brasileiras. Se você analisa a indústria como um todo, verá que há companhias muito produtivas e outras nem tanto. O que essas firmas que têm tido uma experiência positiva estão fazendo? O que podemos aprender com elas? O interessante é que essas empresas mostram que as soluções não precisam ser complicadas nem caras. Quais seriam essas soluções? ARMEN OVANESSOFF Muitas empresas no Brasil são muito reativas aos problemas. Ou seja, o problema surge e elas buscam uma resposta. Elas não costumam atacar o sistema subjacente, aquele que causa os problemas. Um exemplo que ilustra bem essa necessidade de identificar os gargalos é o da empresa de logística TNT, que percebeu que a importação de componentes de carros era um grande problema que afetava seus clientes da indústria automotiva no Brasil. A demora gerava muitas vezes a necessidade de comprar os componentes de última hora, de outros países, e fazer o transporte por avião, o que saía muito caro. Assim, a TNT criou um mapa detalhado de todos os pontos pelos quais um componente passaria da Europa até chegar ao Brasil e por quais modais de transporte. Depois de coletar muitos dados e ÉPOCA NEGÓCIOS
mais valor dos ativos já existentes. Vejamos a indústria de mineração, que investiu muito em equipamentos nos últimos tempos. As empresas desse setor compraram máquinas e agora pensam em como extrair valor desses ativos. A Vale é um exemplo de companhia que está se concentrando na eficiência do capital. Uma parte interessante desse trabalho está no uso de software de visualização imersiva, que permite rastrear o minério remotamente e também pode ajudar no treinamento de funcionários, para ensiná-los a operar os novos equipamentos. O pensamento aí foi: O.K., nós gastamos esse dinheiro, nós temos esse equipamento agora, mas, na verdade, a gente poderia fazer muito mais para extrair valor, para aproveitar essas máquinas. Por outro lado, outra solução para alcançar maior produtividade passa pelas tecnologias digitais. Uma simples plataforma de geolocalização não pode ajudar um representante de vendas, que vai de cliente em cliente o tempo inteiro, a planejar seu deslocamento? Ferramentas para comunicação e colaboração interna também têm importante papel nisso. Vejamos o caso do Itaú e do Unibanco. Quando os bancos uniram suas operações, duplicou o número de páginas internas, blogs e outros sites comumente usados pelos empregados no dia a dia do trabalho. A tecnologia,
MUITAS EMPRESAS NO BRASIL SÃO REATIVAS AOS PROBLEMAS. ELAS NÃO COSTUMAM ATACAR SUAS CAUSAS
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analisá-los, identificou 25 falhas. Parece simples, mas muitas empresas não gastam tempo para olhar para o sistema como um todo, para entender o que os dados estão dizendo, para entender onde estão os problemas de cada área. O ponto aqui é: se você não mede algo, como você sabe o que precisa ser melhorado? Olhar para os gargalos é apenas uma das providências que as empresas podem tomar. Quais seriam as outras? ARMEN OVANESSOFF A segunda seria extrair
ÉPOCA NEGÓCIOS
Foto: FILIPE REDONDO
SUBINVESTIMENTOCRÔNICO
A SITUAÇÃO ESTÁ TÃO FEIA QUE ECONOMIAS SIMILARES À BRASILEIRA CONSEGUEM INVESTIR MAIS DO QUE O BRASIL COMO PROPORÇÃO DO PIB. O MÉXICO E O PERU, POR EXEMPLO, ESTÃO (BEM) À NOSSA FRENTE
17,0
19,2
COMPARATIVO DA EVOLUÇÃO DA TAXA DE INVESTIMENTO (% DO PIB) 19,8
20,9
24,7
26,3
29,9
30,3
31,3
47,6
TAXA DE INVESTIMENTO (% DO PIB), EM 2014
25
Brasil
México
20 15
nesse caso, causava frustração. Era mais um problema do que um benefício. A nova empresa, então, fez a integração das ferramentas em uma intranet corporativa. O resultado foi a economia de 45 minutos por empregado, por mês, para realizar tarefas. Isso representou um ganho anual equivalente a quatro vezes o investimento feito para criar a plataforma. As falhas na comunicação entre as diferentes etapas de produção em um negócio também são vistas como um problema que afeta a produtividade. Como consertar isso? ARMEN OVANESSOFF Nós percebemos por meio de nossas entrevistas com as empresas que, frequentemente, muito da produtividade e do valor de uma empresa é perdido entre os processos. Então, você pode ter uma parte do seu processo que seja bem eficiente, mas ela ÉPOCA NEGÓCIOS
Brasil
Estados Unidos
Rússia
México
Colômbia
Peru
Índia
Coreia do Sul
Indonésia
China
10 5 0
1993
conversa com as demais? Um executivo do setor de mineração me disse: eu posso ter um excelente gerente de planta, e também um bom operador de ferrovia, mas quem está olhando para a otimização do fluxo do produto desde a mina, passando pela planta, até a ferrovia? A produtividade é, então, muitas vezes perdida no meio desse caminho. Uma das formas de consertar isso é por meio de informação, para a análise de dados. Um banco tem informações acerca dos consumidores que vêm das agências, do internet banking, do mobile banking etc. O desafio é como isso pode ser integrado e observado em conjunto, para ter uma noção completa e real de todos os sistemas e entender os consumidores. É mais eficiente entender o todo do que as peças isoladas umas das outras. O senhor conversou pessoalmente com alguns empresários ÉPOCA NEGÓCIOS
2014
brasileiros para fazer o estudo. Eles parecem dispostos a agir para aumentar a produtividade de seus negócios? ARMEN OVANESSOFF Há exemplos de empresas no Brasil que estão apostando em medidas de eficiência. Embraer, BRF, JBS, Suzano, Fibria... O Brasil tem companhias bem-sucedidas, e não são só as grandes. Veja as startups surgindo em São Paulo, mas também no Rio, em Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte. O problema é ganhar volume. Então, neste momento, você tem no Brasil ilhas de excelência, algumas poucas empresas com medidas excelentes para estimular a produtividade. Elas, aliás, também estão sendo afetadas pelo contexto desfavorável da economia. Mas a mentalidade é diferente. É de pró-atividade. Elas assumem a responsabilidade de criar suas próprias oportunidades. O que o país precisa
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E N T R E V I S TA
SEMAVANÇONOPADRÃODEVIDA
A EVOLUÇÃO DO PIB PER CAPITA BRASILEIRO, EM RELAÇÃO AO AMERICANO, TEM SE MANTIDO ESTÁVEL EM QUASE DUAS DÉCADAS E MEIA. COREIA DO SUL E CHILE SE DESTACAM NESTA COMPARAÇÃO Coreia do Sul Chile
Brasil México
China Indonésia
Índia
50%
40%
agora é de um maior reconhecimento geral, de mais empresas olhando para seus processos internos com o objetivo de identificar as melhorias necessárias. Se tomarem providências, os benefícios econômicos virão. O interessante, para mim, é que esse desafio iminente de atacar os entraves que afetam a produtividade coincide com o momento da revolução das ferramentas digitais. Ou seja, aí está mais um artifício para justificar que a hora da mudança é agora. E quais ganhos o crescimento na produtividade traria para o país? ARMEN OVANESSOFF Quanto melhor a produtividade do país, melhores as condições de vida que podem ser proporcionadas para sua população. Se você olha para os países cujo índice de produtividade cresceu, vê que eles também tiveram crescimento do produto interno bruto per capita, que é outro indicador do padrão de vida e trata da riqueza compartilhada. Produtividade é criar um crescimento sustentável para o longo prazo. O economista Paul Krugman [vencedor do Nobel de Economia em 2008] tem uma visão excelente sobre isso: “Produtividade não é tudo. Mas, no longo prazo, é quase tudo. A habilidade de um país de melhorar seu padrão de vida ao longo do tempo depende quase que inteiramente de sua habilidade de aumentar a produtividade por trabalhador”. Falamos aqui de produzir mais, obter mais valor a partir dos mesmos recursos. Em um momento em que os fatores que tradicionalmente direcionavam o crescimento do Brasil perdem a força, a produtividade é mais importante do que nunca. ÉPOCA NEGÓCIOS
30%
20%
10%
0%
1990
2014
AMÃODEOBRA,PARAPIORAR,ÉCARA
HOJE, O CUSTO UNITÁRIO MÉDIO DE UM TRABALHADOR NO BRASIL É O DOBRO DO QUE ERA EM 2005 Brasil China
México Índia
Chile EUA
250
200
150
100
50
2005 = 100
/
2014
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MARKETING
A
N O V A
G U E R R I L H A
COM AÇÕES OPORTUNISTAS, CHAMADAS DE MARKETING EM TEMPO REAL, AS EMPRESAS AVANÇAM SOBRE AS REDES SOCIAIS PARA CONQUISTAR A MASSA DIGITAL. HÁ CASOS DE IMENSO SUCESSO, MAS TEM CADA FIASCO... / RENATO PEZZOTTI
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Foto: EDUARDO ZAPPIA
“Sala de guerra” da Coca-Cola, no Rio, onde uma equipe da marca monitora o zum-zum das redes sociais
D A S
M A R C A S
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No fim de junho, a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou inconstitucionais as leis que proibiam o casamento entre gays nos 50 estados americanos. Tão logo a medida foi anunciada, Barack Obama tuitou: #LoveWins (literalmente, o “amor vence”). Foi uma festa. A partir daí, um turbilhão digital varreu o mundo. De acordo com o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), uma consultoria especializada no monitoramento da web, a expressão apareceu em 12 milhões de publicações na internet, em todos os idiomas – sendo 630 mil em português. Isso em somente 24 horas. Ou seja, a repercussão, tanto do fato quanto da frase, foi estonteante – e instantânea. Muitas empresas farejaram uma oportunidade nessa insólita proliferação de manifestações. Rapidamente, tingiram as suas logomarcas com os tons do arco-íris, tomado como símbolo dos direitos homossexuais, ou dispararam pela internet textos enaltecendo o amor. No Brasil, não foi diferente. Por aqui, mergulharam nessa onda companhias de setores variados como Gatorade, Citroën, Netflix, Livraria Cultura, Saraiva, Outback e Domino’s... (só para citar algumas). O que se viu naquela ocasião, contudo, não foram ações irrefletidas, disparadas a esmo por empresas que agiram de forma espontânea, levadas pelo inebriante zum-zum das redes sociais. Na maioria dos casos, a investida das marcas (como na inundação de arco-íris digitais) retrata um fenômeno executado com algum cálculo e uma pilha de segundas intenções. Esse tipo de iniciativa tem até nome. Os publicitários
a definem como marketing em tempo real (ou real time marketing, no jargão). O termo designa um tipo de intervenção promovido pelas empresas em grandes pontos de encontro na internet, onde multidões de consumidores estão reunidas. Os locais mais visados são o Facebook (1,44 bilhão de usuários ativos por mês) e o Twitter (302 milhões de participantes por mês), além do YouTube (1 bilhão de adeptos) e aplicativos como o Snapchat (100 milhões de participantes por dia), um sucesso entre adolescentes. O objetivo dessas intromissões não se resume à venda de um produto – embora não a exclua. Elas têm, na maioria dos casos, um caráter institucional. As ações visam estabelecer uma espécie de cumplicidade das empresas com a massa que habita as redes sociais – e, no fim do dia, talvez conquistá-la. Para isso, o marketing em tempo real utiliza-se de um amplo matiz de
Fotos: HEATHER WINES; JON VACHON; STEPHEN LAM; DIVULGAÇÃO
A S E N B N U D S D N E
A Ç Ã O M A I S B E M U C E D I D A D E M A R K E T I N G M T E M P O R E A L O C O R R E U A F I N A L D O S U P E R O W L , E M 2 0 1 3 , O S E S TA D O S U N I D O S . M A I M A G E M D A M A R C A E B I S C O I T O S O R E O O M O U 5 2 5 M I L H Õ E S E V I S U A L I Z A Ç Õ E S O FA C E B O O K N O T W I T T E R
mensagens. Elas instigam a plateia das redes com vozes que vão da solidariedade (como no caso da questão homossexual) à indignação. Em outros momentos, tentam cativar a audiência online pela ironia ou pelo humor. Há um pouco de tudo, contanto que esse “tudo” ative uma repercussão positiva da marca no universo digital. Há casos de impacto impressionante.
A I N VAS Ã O DO B I SC O I TO
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ova Orleans, 3 de fevereiro de 2013. O Baltimore Ravens e o San Francisco 49ers estavam em campo para disputar a 47ª edição do Super Bowl, a grande final do campeonato de futebol americano – e um dos intervalos publicitários mais caros do planeta (à época, US$ 4 milhões por 30 segundos). Enquanto as equipes se preparavam para iniciar os dois últimos quartos da partida, um blecaute deixou metade do estádio na escuridão.
Foi automático. Grande parte dos mais de 100 milhões de telespectadores que acompanhava o jogo lançou-se sobre as redes sociais. Essa turma, uma assembleia gigante, estava à caça de informações sobre o motivo da queda de energia ou apenas passava o tempo em mexericos diversos. Nesse instante, a equipe de publicidade da Mondelez, dona da marca Oreo, publicou a seguinte frase, acompanhada de uma foto, no Twitter e no Facebook: “Você pode mergulhar o seu biscoito mesmo no escuro (You can still dunk in the dark)”. O texto remetia à tradicional maneira usada pelos americanos de embeber a bolacha no leite antes de consumi-la. A rede – esse universo tão populoso quanto indômito – adorou a brincadeira. A expressão foi compartilhada mais de 15 mil vezes no Twitter e no Facebook apenas na primeira hora,
com um alcance de 525 milhões de visualizações da imagem. Além disso, a iniciativa gerou reportagens em veículos de imprensa (mídia espontânea) de mais de cem países. A marca Oreo, que nem patrocinava a competição, meteu-se no meio do jogo e fez um golaço – ou um touchdown, para ser mais preciso – sem suar a camisa.
U M NÓ NA G A RG A NTA E OUT RO NO CA N UD O
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ão existe uma receita, um manual, para a atuação das empresas nessa variedade do marketing. As investidas estão mais para ações de guerrilha do que para ciência. Afinal, trata-se de uma prática recente. O termo “real time marketing” começou a ser pesquisado no Google em 2008, mas a consulta se tornou mais frequente em 2013. O ápice das buscas deu-se em julho de 2014, durante a Copa do Mundo, quando várias marcas criaram equipes para atuar em tempo real. A Coca-Cola é um exemplo. A empresa conta com um time de 50 profissionais atuando em real time marketing somente no Brasil. Essa turma fica em uma “sala de guerra” (war room), dentro da sede da empresa, no Rio. Lá, há colaboradores de oito diferentes prestadores de serviço da marca, como agências de publicidade, gente especializada em monitoramento de redes sociais ou em produção de conteúdo. O local é chamado de “basement” (porão). A Coca-Cola avança sobre as redes sociais em quatro etapas. Elas são segmentadas em 1) escutar, 2) reagir, 3) falar e 4) amplificar. Muitas vezes, entre o começo e o fim dessa sequência
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Em 2013, o canal TNT anunciou que transmitiria a estreia da série Under the Dome sem intervalos comerciais. Fez, contudo, o contrário. Para acalmar a fúria dos telespectadores, apelou para o bom humor. “Nos desculpem. Erramos. Mas não vai acontecer de novo. Acontece nos filmes. Acontece na vida. Acontece na TNT.” É um exemplo de como pode ser simples lidar com um erro.
PEDIDO DE DESCULPAS – TNT
O ‘WhatsCook’ foi um serviço oferecido pela Hellmann’s, em 2014. A empresa enviava receitas personalizadas pelo WhatsApp, considerando os ingredientes que o consumidor tinha em casa. Uma equipe de chefs estava disponível para tirar dúvidas do público sobre a preparação dos pratos, com vídeos e fotos explicativas. A ação foi lançada no Brasil e ampliada para Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai. Por aqui, atingiu 5 milhões de consumidores, com 13 mil deles assinando o canal. Quem testou, aprovou.
WHATSCOOK – HELLMANN’S
Após a derrota da Seleção Brasileira na Copa (os 7 a 1 para a Alemanha), a companhia publicou uma imagem de um canudo com um nó, em uma garrafa da marca. “Um sentimento: nó na garganta”, dizia o texto. A empresa aproveitouse positivamente da tragédia do futebol nacional.
U M A
COPA DO MUNDO – COCA-COLA
S U C E S S O S
R E A L
S A I A
J U S T A /
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Q U A T R O
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á, atualmente, pelo menos três modalidades de real time marketing. Algumas ações são definidas como “sociais”. As empresas, nesses casos, conversam com o público diariamente. Essa versão representa um aprimoramento
T E M P O
AS T R Ê S V E RS Õ ES D O TEMP O REA L
AS VÁRIAS FACES DO
não se passam três horas. Aliás, o real time é veloz. Velocíssimo. Exige, como se diz, timing. Tudo pode começar pelo monitoramento das redes, quando se capta uma oportunidade de inserção da marca em um burburinho digital. “Precisamos ouvir os consumidores e contextualizar o que eles desejam ver nas redes sociais”, diz Rafael Prandini, diretor de real time marketing da multinacional no Brasil. “Depois, fazemos com que essas conversas cheguem a um público mais amplo.” Esse processo foi posto à prova na Copa, em 2014. Após a tragédia dos 7 a 1, a maioria das empresas ficou muda (ou seria catatônica?) nas redes sociais. A Coca-Cola reagiu. Publicou a imagem de um canudo com um nó, colocado dentro da garrafa da marca. O texto dizia: “Um sentimento: nó na garganta” (veja quadro ao lado). A decisão de publicar a mensagem não foi simples. Tratava-se de uma situação delicadíssima. “Nesse momento, foi importante contar com a proximidade da liderança corporativa. Tínhamos de ter clareza que estávamos no caminho correto e aprovar rapidamente a intervenção”, diz Prandini. No balanço final, a investida foi bem-sucedida. De acordo com a Coca-Cola, a marca alcançou 92% de menções positivas nas redes sociais com essa e outras ações durante o Mundial no Brasil.
MUITAS INTERVENÇÕES DAS MARCAS NAS REDES SOCIAIS TÊM IMPACTO POSITIVO. MAS A COLEÇÃO DE FIASCOS JÁ É CONSIDERÁVEL
MARKETING
A marca fez um post no Twitter que brincava com a notícia do casamento entre Suzane von Richthofen, condenada por participar do assassinato dos pais, com Sandra Regina Gomes, que cumpre pena no mesmo presídio. A “lista de casamento” incluía um conjunto de facas, um batedor de carne e um taco de beisebol. Foi um bafafá.
PONTOFRIO – LISTA DE CASAMENTO
Três posts planejados com antecedência pela Vono, marca de sopas instantâneas da Ajinomoto, para comemorar o Dia da Mulher, causaram polêmica este ano. As iniciativas foram tachadas de machistas. Uma delas afirmava: “Coisas de mulher! Ela pergunta, ela responde e ainda fica brava”. E elas ficaram muito bravas.
VONO – DIA DA MULHER
F R A C A S S O S Após a eliminação da seleção do México pela Holanda, na Copa de 2014, a companhia aérea holandesa KLM postou o tuíte “¡Adiós, Amigos!”. Ele vinha com uma foto de uma placa de aeroporto com a palavra “Embarque”. Ao lado dela, existiam desenhos (pictogramas) de um sombreiro e um bigode, representando os mexicanos, que “se retiravam” do Mundial. Poucos acharam graça na intervenção, principalmente entre os mexicanos. A KLM teve de se retratar depois do episódio.
Para prorrogar a propaganda da modelo Aline Riscado, a Itaipava realizou uma ação no Twitter. Todos que publicassem a hashtag #ficaverão, pedindo que a ação fosse mantida no inverno, receberiam uma foto da moça. Mas a resposta era automática e vinha acompanhada pelo texto: “Agora é só torcer para essa campanha dar certo. Beijos e muitas geladas para você”. Ocorre que esse conteúdo era enviado para todos, mesmo para aqueles que criticavam o machismo da publicidade. A repercussão foi negativa.
Fotos: ROGÉRIO LACANNA; CBS PHOTO ARCHIVE/GETTY IMAGES; DIVULGAÇÃO
KLM – COPA DO MUNDO
ITAIPAVA – VERÃO
O grupo de lanchonetes Tostex, com 14 lojas em cinco cidades americanas, homenageou nas redes sociais o ator Leonard Nimoy, o Sr. Spock, de Jornada nas Estrelas, morto em fevereiro. Publicou: “Hoje, nenhum vulcano seguraria a emoção”. O post alcançou mais de 215 mil pessoas, com mais de mil compartilhamentos da imagem. Para o tamanho da Tostex, um resultado fenomenal.
O apresentador Silvio Santos disse, publicamente, que não assistia à programação da TV, mas gostava da Netflix: “Se você não tem Netflix na sua casa, passe a ter”, afirmou no ar. Observou que merecia “um mês de graça” pela propaganda. Reed Hastings, CEO da programadora, disse no YouTube que daria uma assinatura vitalícia ao dono do SBT. O vídeo teve quase 1 milhão de visualizações.
Q U A T R O
TOSTEX – LEONARD NIMOY
NETFLIX – SILVIO SANTOS
do SAC (um SAC 2.0, por assim dizer). O segundo grupo tem a ver com efemérides. É o mais comum. As intervenções ocorrem em eventos (Oscar, Globo de Ouro, Copa do Mundo, Olimpíada) ou em datas especiais (Dia dos Namorados, Mães, Pais). O terceiro modelo distingue-se pela forma contínua de comunicação com os consumidores. Ela é executada com base na análise de comportamento das pessoas nas redes. “Hoje, o sucesso de uma iniciativa de marketing em tempo real vem 80% de planejamento e 20% de improviso”, diz Laura Kroeff, vice-presidente de planejamento da agência de publicidade W3haus. Seja qual for a estratégia, tomar o pulso das redes sociais com perspicácia é uma tarefa essencial para as equipes de real time. Para isso, o Bradesco firmou recentemente uma parceria com um painel de indicadores da web da agência R/GA. Trata-se do Social Dynamite. Criada no Brasil, e com prognóstico de ser exportada para outros mercados em breve, a ferramenta tem como objetivo antecipar eventos na web a partir da análise de expressões utilizadas nas redes. Conta, hoje, com cerca de 20 mil datas monitoradas. “Olhamos para a marca, para o estilo de vida dos consumidores que a companhia quer atingir e priorizamos os assuntos que são mais relevantes”, diz Fabiano Coura, vice-presidente de operações da R/GA. “Acompanhamos também os portais de notícias que são importantes para esses públicos.” Outra marca com forte interação junto ao público digital é O Boticário. A partir do estudo de casos de real time marketing, a empresa lançou uma plataforma chamada “Espelho da Beleza”, assinada pela agência W3haus. Ela elabora
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MARKETING
rankings com os desejos de beleza das brasileiras. Faz isso “escutando” as conversas nas redes sociais. Aberto ao público, o portal mostra os assuntos mais comentados em determinado momento no país. A partir daí, a equipe da agência produz conteúdos especiais sobre os temas de maior apelo. Em setembro do ano passado, por exemplo, o programa Encontro com Fátima Bernardes, da Globo, abordou o assunto “cabelos afro”. De olho nos comentários que brotavam das redes, a turma da W3haus constatou que as consumidoras gostariam de receber dicas sobre produtos para cabelos cacheados. A equipe de real time, então, publicou posts sobre esse tema. Com o sucesso no Facebook, a oportunidade migrou para os canais de venda: a companhia lançou uma promoção com 15% de desconto nas linhas para cabelos cacheados no e-commerce. A ação gerou um incremento de 30% no tíquete médio na efetivação de compras online, além de um aumento de 140% nas visitas às linhas relacionadas a cabelos cacheados. “Com os dados e as análises corretas, podemos conseguir algo semelhante à bola de cristal do consumo, que todo mundo gostaria de ter”, diz Laura Kroeff, da W3haus. A agência possui mais de 20 pessoas atuando nessa ferramenta.
ÀS V E Z ES , DÁ U M P RO B LEM Ã O
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Ponto Frio, da Via Varejo, também acumula ações bem-sucedidas de marketing em tempo real. Desde 2008, criou um personagem, o Pinguim, que interage com os consumidores nas
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redes. A marca tem mais de 1 milhão de fãs no Facebook e 200 mil seguidores no Twitter. “O marketing do futuro vai ser em tempo real. É uma evolução dos canais de contato com o consumidor”, diz Vicente Rezende, executivo-chefe da Cnova, empresa que também pertence à Via Varejo e opera o e-commerce do Pontofrio.com. Ocorre que, não raro, a comunicação em tempo real pode virar um pesadelo. Em outubro passado, por exemplo, a marca divulgou nas redes uma hipotética lista de presentes para o casamento entre Suzane von Richthofen, condenada por participar do assassinato dos pais, em 2002, e Sandra Regina Gomes. Ambas cumprem pena no mesmo presídio. A “lista” incluía
LEIS DO MKT EM TEMPO REAL MONITORAMENTO DAS REDES SOCIAIS Ele pode ser pontual, para intervenções em datas importantes (Copa do Mundo, Olimpíada), ou permanente, para a manutenção do contato com o consumidor.
EQUIPES MULTIDISCIPLINARES
Profissionais de propaganda e tecnologia, para a produção de conteúdo e sua difusão nas redes.
NATIVOS DIGITAIS
A linha de frente desse tipo de marketing é feita, em geral, por nativos do mundo digital.
AGILIDADE
Uma ação em tempo real precisa ser aprovada pelos executivos da corporação. Eles devem agir de forma integrada com o time de marketing.
PLANEJAMENTO
Embora tenha um tom de comunicação espontânea, a maioria das ações é planejada com cuidado.
Fotos: HEATHER WINES; JON VACHON; STEPHEN LAM; DIVULGAÇÃO
N N O D F H M G N E A C D
O D I A D O S A M O R A D O S , B O T I C Á R I O I V U L G O U U M I L M E C O M C A S A I S O M O S S E X U A I S . A E N S A G E M P R O V O C O U R A N D E P O L Ê M I C A A W E B . M A S A M P R E S A D E F E N D E U P R O P A G A N D A E O N Q U I S T O U O A P O I O O S I N T E R N A U T A S
sugestões como um conjunto de facas, um batedor de carne e um taco de beisebol. Foi considerada absurda na internet. “Nesse caso, a empresa deve ser verdadeira e assumir que está errada”, diz Rezende. Foi o que o Ponto Frio fez. E o tropeço não diminuiu a importância das mídias sociais para a companhia. Segundo o último relatório disponível (2012), a empresa faturou mais de R$ 20 milhões pelo Twitter. No mês passado, o pinguinzinho, o avatar criado nas redes, migrou de hábitat. Ele passou a estrelar as campanhas publicitárias da marca na televisão. O Boticário também se enrascou em uma polêmica de marketing em tempo real. No Dia dos Namorados, lançou um filme na TV, replicado nas
redes sociais, com diferentes tipos de casais (heterossexuais e homossexuais) trocando presentes. A ideia foi alvo de um massacre na web. Foi parar no site Reclame Aqui. Só no dia 1º de junho, foram mais de 160 queixas. As respostas corporativas tiveram de passar pela aprovação de executivos de departamentos como marketing, comunicação e jurídico. A empresa, no entanto, decidiu defender a campanha. A partir daí, milhares de pessoas apoiaram o conteúdo dos filmes em seus perfis nas redes. Gente que nem sequer comprava os produtos da marca O Boticário foi a lojas da empresa, tirou fotos e as postou em uma crítica frontal aos que se opuseram às imagens dos casais. Apesar da grande turbulência, a companhia, no fim das contas, saiu no lucro.
Os críticos disseram que O Boticário, ao manter o apoio à “diversidade do amor”, soube se posicionar de maneira firme diante de uma questão polêmica. E esse bafafá é típico do marketing em tempo real: uma simples mensagem – ou uma postura adotada pela corporação – pode virar a história de uma marca de ponta-cabeça ou deixá-la de vez na mente dos consumidores.
F E R R A M E NTAS D E R I SC O
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ste ano, programas como o Periscope, do Twitter, e o Meerkat chegaram ao mercado, incrementando as possibilidades do real time marketing. Ambos transmitem vídeos captados por celulares ao vivo pela internet. Com isso, qualquer pessoa com um smartphone na mão pode realizar a cobertura de um evento (ou uma entrevista para seus seguidores nas redes sociais). A audiência também faz comentários enquanto as imagens são reproduzidas. Em março, a Adidas veiculou ao vivo, pelo Periscope, um anúncio que contou com a participação do jogador colombiano James Rodríguez, do Real Madrid. Ao vivo, a C&A e a Skol também repassaram para as redes imagens do festival Lollapalooza, para ampliar o alcance das ações realizadas no evento. O problema, porém, é a imprevisibilidade inerente a esse tipo de ferramenta. Agências e anunciantes nem sempre têm o controle sobre as imagens e muito menos sobre os comentários do público durante as transmissões. Ou seja, o potencial de gafes e tiros no pé das marcas é gigantesco – e todo o cuidado, como dizem, parece pouco.
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Rodrigo Pessoa, um dos maiores atletas da história do hipismo, salta com Status, no Rio, em 2012
A ARTE DE CONDUZIR AO TOPO MEDALHISTA OLÍMPICO E TRICAMPEÃO MUNDIAL DE HIPISMO, O CAVALEIRO RODRIGO PESSOA É UM ESPECIALISTA EM MANTER A RÉDEA FIRME, MESMO SOB MUITA PRESSÃO E QUANDO TUDO PARECE FUGIR AO CONTROLE / RAQUEL GRISOTTO Foto: MARLON FALCÃO/FOTOARENA/FOLHAPRESS
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Imus voluptis aut aut ea etur, sum et a num, omnia con ellam,Us, ipid maios etur aliquate odis maior autempo renduci pienihi tetur, volora sequi voluptatur,
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REDENCIAIS NÃO faltam a Rodrigo Pessoa. Em 25 anos de carreira, ele construiu uma das histórias de maior sucesso do hipismo internacional. Foi três vezes campeão mundial e medalhista olímpico (ganhou duas de bronze por equipe e uma individual de ouro). Além dos títulos, surpreende pela linhagem. O primeiro Pessoa do qual se tem notícia, Affonso, lidava com cavalos. Era o domador oficial dos animais de Dom João I, no século 14, em Portugal. Rodrigo, para completar, é filho de Nelson Pessoa, o Neco, um dos cavaleiros mais
importantes de sua geração. Levantou dezenas de canecos na Europa e ajudou a treinar diversos campeões. Esse currículo todo, no entanto, não é de grande serventia na hora de transpor um dos mais complexos obstáculos na vida de um cavaleiro – conquistar a confiança do cavalo escolhido para competir. O animal e o homem precisam agir em perfeita sinergia. Isso para que ambos atinjam um ponto no qual é possível cavalgar com balanço,
A Hípica, na Lagoa, Rio de Janeiro, é um dos locais favoritos de Pessoa no Brasil. Ele nasceu em Paris e hoje vive e treina na Bélgica
equilíbrio, elegância e, ao mesmo tempo, transpor barreiras que se sucedem, com saltos de quase 2 metros de altura. “A autoridade, por si só, não conta muito”, diz Pessoa. “Se você não é capaz de conquistar o respeito do animal e criar alguma afinidade, será impossível estabelecer qualquer tipo de comando.” Em uma prova de saltos, a liderança é exercida de maneira sutil, embora os comandos não possam ser menos do que claros. O cavalo tem de identificá-los imediatamente. Contam, por exemplo, a posição do joelho do cavaleiro, um pouco mais para frente ou para trás, a pressão que faz com as pernas na barriga do animal e a inclinação do corpo. Essas são referências para a velocidade que o cavalo deve imprimir até o próximo salto. “É preciso ser capaz de sentir o que o cavalo está pedindo”, afirma Pessoa. “Depois, entregamos as respostas a ele rapidamente.” Parece simples? Pois se trata de um exercício dificílimo. Cavalos não aceitam ser domados com docilidade. Principalmente, em se tratando de garanhões ariscos. “O desejo deles é outro”, diz Pessoa. “Eles querem ser orientados e participar de forma igualitária das provas e das conquistas.” A relação do cavaleiro para com o cavalo é de uma liderança exercida por meio de perspicácia mútua. Tanto é assim que instituições como a London Business School recorrem a centros de equoterapia para formação de executivos. O objetivo? Ajudar os participantes a perceber os sinais inconscientes que recebem de suas equipes e também os sinais que enviam, mesmo sem notar. “Para comandar um cavalo, é necessário ser firme e objetivo, mas sem
Fotos: AGENCIA O GLOBO; DOUG PENSINGER/ALLSPORT
Depois do fracasso em Sydney, em 2000, com o refugo de Baloubet du Rouet (foto), Pessoa voltou a competir sem mudar o método ou o cavalo. “Ficar pensando que as coisas poderiam ter sido diferentes só pioraria a situação”
agressividade”, diz Eduardo Moreira, autor do best-seller Encantadores de Vidas, no qual descreve os métodos de Monty Roberts, um dos mais famosos domadores de cavalos do mundo. Um teste importante para perceber como se dará a relação entre cavalo e cavaleiro acontece no redondel. Trata-se de um espaço circular, como o picadeiro de um circo. O homem posta-se no centro, como se fosse a base de um compasso. O animal, preso por uma corda, gira pelo perímetro da área. A pessoa emite comandos para que, por exemplo, o cavalo se aproxime ou caminhe (com variações na velocidade). Quando o líder excede no quesito agressividade, é comum que o animal
dispare abruptamente. Ou então, sem uma orientação clara, o bicho balança a cabeça e não dá a menor bola para os comandos. “A relação entre cavalos e cavaleiros é uma das mais honestas e transparentes do esporte”, diz Moreira. “Se não há respeito, não há relação.” NO MEIO DO CAMINHO, UM OBSTÁCULO bom cavaleiro precisa ainda aprender a se concentrar no presente, adotando a filosofia do “um obstáculo de cada vez”. Não pode lamentar as dificuldades anteriores, nem mesmo ficar ruminando sobre como será difícil ultrapassar as próximas barreiras. O olho no retrovisor (observando o passado) ou
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O bom cavaleiro percebe os sinais sutis de seu cavalo e é capaz de responder a todos eles com gestos rápidos e comandos objetivos
na lupa (mirando o futuro) obscurece o momento de decisão. E liderar é, afinal, decidir. Para um atleta, poucas atitudes podem ser tão devastadoras como a incapacidade de enfrentar situações adversas com a serenidade e a firmeza necessárias a esse tipo de situação. “As dificuldades devem ser encaradas como passagens necessárias”, diz Pessoa. “Tem gente que passa por fracassos e não se levanta, mas eu, ao contrário, sempre escolhi levantar.” O maior baque de Pessoa aconteceu na Olimpíada de Sydney, em 2000, com o refugo de seu cavalo Baloubet du Rouet, na prova que poderia garantir o ouro. A pressão era grande, mas o atleta entrou na pista certo de sua vitória. Era o cavaleiro favorito – não havia cometido uma única falta no torneio todo – e montava o melhor animal daquele momento nas competições. Da raçã sela francês, cruzamento entre garanhões puro-sangue inglês com éguas sela anglo-normandas, Baloubet era o craque do hipismo. Circulava com charme e saltava com exatidão e maestria. Mas na hora H, na prova decisiva, amarelou (refugou, como se diz no jargão). Parou por três vezes, diante de diferentes obstáculos. “Para mim, foi uma porrada, uma derrota brutal”, diz Pessoa. “Passei muitas noites sem dormir, fiquei abalado.” Na ocasião, foram muitas as hipóteses levantadas sobre o refugo de Baloubet – culpou-se o vento (que teria estressado o cavalo), o esforço
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desmedido no obstáculo anterior e, claro, o próprio Pessoa. Em vez de buscar respostas, o atleta encarou o episódio de outra maneira: voltou a competir o mais rápido possível – e com Baloubet, sem mudar o seu método. “Ficar pensando que as coisas poderiam ter sido diferentes só aumentaria o peso da situação”, diz Pessoa. “Uma vez que você tomou uma decisão e não é possível revertê-la, é melhor acreditar que ela estava correta e seguir em frente.” A tática funcionou. Quatro anos depois, ele e Baloubet ficaram em segundo lugar na prova de saltos individuais em Atenas – mas levaram o ouro, depois que o irlandês campeão foi desclassificado por doping. Ao longo de sua vida como atleta, Baloubet foi o único cavalo a levar três títulos mundiais – todos sob a liderança de Pessoa. Propriedade do português Dom Diogo Pereira Coutinho, hoje Baloubet está aposentado. Vive em um haras em Portugal, como reprodutor. A história de superação da dupla foi retratada no curta-metragem No Meio do Caminho Tinha um Obstáculo, do cineasta Cacá Diegues. ESFORÇO ANIMAL oje, o principal cavalo de competição de Pessoa chama-se Status, da raça hanoveriana. “Ele é bastante ciumento e odeia ser deixado de lado”, diz Pessoa. Status é tratado com absoluto esmero, mas disputa a atenção do chefe com outros concorrentes. O atleta também treina outros cavalos, incluindo Jordan II, recém-adquirido por Pessoa. Casado pela segunda vez com a amazona Alexa Weeks, Pessoa vive em Bruxelas, na Bélgica, em uma
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COMOMANTEROCOMANDO
AS LIÇÕES DA CONDUÇÃO CAMPEÃ DE RODRIGO PESSOA NÃO É DOMÍNIO. É JEITO Os cavalos não devem ser dominados, mas conduzidos. Uma postura rígida demais assusta o animal. Pouca assertividade também não funciona. “É preciso ter autoridade, mas também carinho”, diz Pessoa.
TUDO É COMUNICAÇÃO Deixar transparecer a ansiedade ou demonstrar incertezas tem efeitos devastadores para o desempenho do cavaleiro.
UM OBSTÁCULO POR VEZ O hipismo é um esporte de precisão. Exige foco no obstáculo que está por vir. É um erro tanto voltar-se para o passado, pensando em uma falha, como mirar em futuro distante.
É CRUCIAL SABER LIDAR COM OS ERROS Em vez de lamentar as derrotas e tentar encontrar culpados, o melhor é escolher seguir em frente. Líderes que conseguem transpor maus resultados tendem a ser admirados por seus seguidores.
PACIÊNCIA NA SELEÇÃO DA DUPLA Nem sempre um cavaleiro deve escolher o animal com base no seu bom desempenho presente. O mais importante é buscar cavalos de alto potencial. “É preciso ensiná-los, e ter em mente que os resultados podem demorar a aparecer.”
propriedade a meia hora do haras onde faz seus treinamentos, em expedientes de quase dez horas por dia. Nos fins de semana, se não está competindo, Pessoa viaja por países europeus para observar cavalos. Ele busca oportunidades para uma boa aquisição. Esse é um mercado disputadíssimo. Os campeões são cotados em até ¤ 4 milhões (R$ 14 milhões). Agora, o atleta prepara-se
para o seu próximo grande desafio – a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro. Será a sétima participação de Pessoa em jogos olímpicos. Desta vez, porém, há um ingrediente adicional. “Esperei a vida toda para poder concorrer em um campeonato como esse no meu país”, diz. “Vai ser um páreo duro porque a emoção é enorme, mas não vou tirar o corpo fora de jeito nenhum.”
Qua ando o País investe mais na proodução de aliimentos, a gente vê de cara o resultado.
O Governo Federal está ajustando gastos e investindo mais de R$$ 180 bilhões em crédito para o produtor rural. A hora é de avançar, foortalecer o País e garantir alimentos de qualidade com preço justo para todos. Saiba mais em agricultura.gov.br.
PLANO AGRÍCOLA Í E PECUÁRIO Á 2015/2016. MAIS DE R$ 180 BILHÕES EM CRÉDITO.
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
O Brasil já teve governo de esquerda com oposição de direita e vice-versa. E do seu lado quem é que está? De 1875 para cá, o Estadão esteve presente em todas as grandes mudanças do País. E vai continuar ao seu lado. Sempre. Porque, neste tempo todo, só uma coisa não mudou: o seu direito de querer saber.
O BRASIL PRECISA SABER. LEIA O ESTADÃO.
EMPREENDEDORISMO
Você é caçador ou agricultor?
ATIVIDADES HUMANAS ANCESTRAIS EXPLICAM A PREDISPOSIÇÃO PARA O RISCO
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ER EMPREENDEDOR é uma condição trazida do berço? Empreendedores são pessoas diferentes? Carregam um brilho especial nos olhos? O consultor americano Martin Zwilling, com três décadas de trabalho na IBM e colaborador de revistas como a Forbes e a Harvard Business Review, deve conhecer algo do assunto, afinal escreveu um livro intitulado Do You Have What It Takes to Be an Entrepreneur? (“Você tem o talento necessário para ser um empreendedor?”). Num artigo recente, ele diz acreditar que as raízes desse talento remontam a 10 mil anos, quando a caça e a agricultura se tornaram as duas grandes atividades do ser humano. Nos dias de hoje, diz Zwilling, nós somos, na grande maioria, agricultores – embora, entre os empreendedores, predominem os caçadores. Não quer dizer que eles sejam melhores ou piores do que a maioria, simplesmente são pessoas que, nos negócios, procuram novas soluções e modos diferentes de fazer as coisas. Já os agricultores são gerentes que põem a casa em ordem depois da “caça”, criando processos para serem repetidos, fazendo planejamento e cuidando do bom desempenho dos funcionários. Combinando essa oposição à classificação clássica dos quatro tipos de empreendedores formulada pelo empreendedor serial e coach John Dini, Zwilling aponta as forças e fragilidades desta “espécie”: Técnicos – São empreendedores que aprenderam suas especialidades de comando tão bem que não precisam de gerentes para ajudá-los nesse aspecto. Mas podem ser um desastre na gestão de pessoas
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ou da contabilidade. Eles só se tornam caçadores de verdade se aprenderem a atuar como provedores – não apenas de suas famílias, mas de suas equipes também. Herdeiros – Tendo, em geral, sido empregados antes de assumirem os negócios de algum parente ou mentor, os herdeiros podem ter exercido a agricultura por tempo demais ou nem mesmo possuírem instintos de caçador. Os melhores têm chances de chegar (ou voltar) a ser caçadores se souberem deixar o negócio evoluir e promoverem mudanças ao longo do tempo. Compradores – Quem tem vontade de comprar um negócio já existente porque acredita que pode melhorá-lo é um caçador. Os agricultores, se têm o impulso de comprar, preferem um negócio certo e optam por franquias. Caçadores que adquirem franquias desistem logo. Ou acabam comprando a rede toda. Criadores – Estes são os caçadores em essência. Criar um negócio para eles é um estilo de vida, não um emprego. Eles gostam da caçada em si, sem pausa, e isso se reflete na determinação em fazer ou receber investimentos e procurar novos recursos, talentos e mercados. Só costumam se tornar agricultores num momento adiantado do negócio, quando não há mais desafios. Em geral, eles ficam nessa situação por cinco anos, quando resolvem começar um outro negócio.
O método do caçador e do empreendedor serial é o mesmo: saber a hora certa de avançar e não deixar escapar oportunidades
/ MÁRCIO FERRARI
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que, além de serem perfuradas e usadas como ornamento, também serviam como moedas para transações entre os humanos – ou seja, estamos envolvidos no comércio e nas negociações há muito mais tempo do que se supunha. Publicado pela revista Science, o trabalho mostra que essa prática antecede até mesmo a descoberta da agricultura e da escrita. Detalhe: nenhuma outra espécie animal, incluindo até os Neandertais, nossos parentes próximos, deixou evidências dessas práticas. Segundo os cientistas, essas conchas foram trazidas de longas distâncias e trocadas repetidamente pelas comunidades primitivas de humanos por outras coisas de valor. E foi justamente essa necessidade de negociar que fez, segundo os cientistas, com que os humanos desenvolvessem a capacidade da fala, outra característica bem peculiar nossa. Assim como somos a única espécie a estabelecer complexas relações comerciais e de troca, também fomos os únicos a desenvolver a fala. Mesmo considerando que a sofisticação da linguagem se deve também à evolução do cérebro humano e, portanto, de nossas capacidades cognitivas, os cientistas acreditam que o dom da fala teve grande impulso graças às práticas comerciais de tempos ancestrais, que obrigavam a pessoa a avaliar o valor dos objetos e as intenções do interlocutor. / PAULO EDUARDO NOGUEIRA
Pode mais quem grita mais alto. E isso, pelo visto, é herança ancestral
COMPORTAMENTO
Por que falamos? Para negociar
CIENTISTAS ACREDITAM QUE O DOM DA FALA TEVE GRANDE IMPULSO COM AS PRIMEIRAS PRÁTICAS COMERCIAIS E ECONÔMICAS
U
MA EQUIPE de cientistas europeus e americanos encontrou no deserto de Oued Djebbana, no norte da atual Argélia, conchas com cerca de 120 mil anos oriundas do Mar Mediterrâneo (a mais de 200 km dali),
ROTINA
índices de resposta são os mais altos, cerca de 45%. 3. Marcar a reunião semanal. Para aborrecimento de muitos e ausência de outros, ela costuma ser agendada para segunda-feira de manhã. O ideal é marcar para as 15h da terça-feira, “a máxima distância possível entre os DA REUNIÃO SEMANAL AO MOMENTO DE PEDIR prazos desta semana e os atrasos da semana anterior”. AUMENTO, TUDO TEM UM MOMENTO IDEAL 4. Tomar uma decisão importante. Manhã e começo da tarde, porque costumamos estar de estômago cheio nesses períodos. É nessa condição confor“PARA TUDO há uma ocasião, e um tempo para tável que tomamos as decisões mais sensatas. cada propósito debaixo do céu”, diz a Bíblia. 5. Pedir aumento. Qualquer manhã A psicologia experimental tratou de traduzir da semana, horário em que os chefes estão isso em miúdos. Eis o melhor dia e hora para mais descansados e, portanto, com a cabeça algumas das nossas tarefas no trabalho: mais aberta. 1. Enviar um e-mail longo. O e-mail é de 6. Fazer um brainstorm. No fim da tarde para trabalho, mas há mais chances de ser lido se for quem acorda cedo e de manhã para quem é postado no fim de semana, período em que chega É hora de enviar e-mail, de notívago. Explica-se: recentemente descobriu-se pouca correspondência eletrônica. pedir aumento que a criatividade se manifesta melhor quando 2. Receber resposta imediata para um e-mail. ou de fazer brainstorm? estamos cansados. / M.F. Envie de manhã cedinho, entre 6h e 7h, quando os
O melhor horário para fazer coisas no trabalho
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ESTRATÉGIA
“Conversa fiada” ajuda nos negócios SABE AQUELA HISTÓRIA DE FALAR SOBRE O CLIMA? ELA PODE SER DECISIVA ANTES DE UMA REUNIÃO
LIDERANÇA
Não tenha medo de delegar
Confie no trabalho alheio. Faz bem para a empresa
AS RESISTÊNCIAS A ADOTAR ESSA PRÁTICA ESCONDEM INSEGURANÇAS QUE PODEM SER SUPERADAS
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ELEGAR TAREFAS e funções é uma daquelas coisas que são fáceis de falar, mas difíceis de fazer. Por que, se torna o trabalho mais eficiente e alivia sobrecargas? A resposta, segundo a consultora de produtividade Carson Tate, colunista da Fast Company, se resume a medo. É isso que está por trás de três tipos de resistências: 1. Psicológica. Manifesta-se como um impulso de fazer tudo sozinho. Pergunte-se o porquê dessa desconfiança sobre o trabalho dos outros. Poderá perceber que, no fundo, é medo de perder poder e parecer preguiçoso frente à chefia. Ter essa consciência já ajuda a superar o medo. O segundo passo é fazer uma lista de deveres e destacar aqueles que você nunca delegaria e por que, analisando se os motivos fazem realmente sentido. 2. Organizacional. É aquela conhecida reação: “Eu gostaria muito de delegar, mas todo mundo está ocupado!”. O medo, neste caso, é de ser injusto ou parecer “folgado”. Um pouco de criatividade e realismo pode trazer soluções. Não seria possível contratar um estagiário ou colaborador temporário para algumas tarefas? Ou fazer parcerias com outros departamentos da empresa? 3. Técnica. Muitas vezes falta conhecimento sobre como delegar, e esse pode ter sido o motivo de fracassos anteriores. Surge outro argumento conhecido: “Dá tanto problema que é melhor fazer sozinho”. Para mudar isso, a consultora recomenda três passos: 1) Tenha metas claras e saiba comunicá-las; 2) Verifique se você está fazendo suposições erradas em relação ao colaborador (ele já sabe detalhes e ferramentas de um projeto que você desconhece, por exemplo); e 3) Dê retorno a cada fase do projeto e não só no final, para que as coisas possam se ajustar sem correrias e atrasos. / M.F.
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GÍRIA É ANTIGA e quer descrever aquela conversa à toa, sem objetivos concretos. Pois estudo da Ludwig-Maximilians-Universität e da Technische Universität, de Munique, e da Kogod School of Business, dos Estados Unidos, mostra que, antes de uma negociação, a tal conversa fiada pode ter grande impacto em percepções e resultados. Mas também descobriu uma diferença de gênero: os melhores resultados apareciam em conversas entre homens, enquanto que para as mulheres esse tipo de “prólogo” não fazia a menor diferença. Para os autores, há um viés inconsciente nisso: normalmente as mulheres são vistas como mais sociáveis e gregárias, o que UM BATEnormalmente já inclui PAPO ANTES esse tipo de conversa. DA REUNIÃO Então os homens, para NÃO TEM não parecerem frios e TANTO objetivos, se esforçam EFEITO em se aproximar do inENTRE AS terlocutor justamente MULHERES para desfazer esse tipo de percepção. Dois experimentos das universidades demonstraram que isso produz bons resultados na negociação. Em um deles, 112 universitários deveriam responder a um questionário baseado em trocas hipotéticas. Para parte deles, porém, os autores incluíram algumas conversas fiadas prévias sobre sua cidade de origem ou o clima daquele dia. Resultado: os homens deste grupo mostraram-se mais cooperativos, obtiveram maior índice de satisfação e se qualificaram para participar de outras negociações. No caso das mulheres, essa conversa não teve o mesmo efeito. / P.E.N.
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RH
Inteligência emocional vale mais que QI alto
EIS UM ALERTA PARA OS GÊNIOS INTRATÁVEIS
J
Á SE TORNOU um clichê no mundo corporativo (e de best-sellers) louvar a inteligência emocional como um requisito fundamental para obter sucesso na carreira. Mas agora novos estudos garantem que essa qualidade é até mais importante do que o QI de uma pessoa. A consultoria Egon Zehnder International, por exemplo, avaliando o desempenho de 515 executivos, descobriu que os mais bem-sucedidos exibiam maior inteligência emocional, independentemente de seu QI. Outro estudo, do Center for Creative Leadership (CCL), mostra que as principais causas de fracasso de um líder estão relacionadas à sua inapetência emocional, que provoca dificuldades em adotar mudanças, inabilidade de trabalhar em equipe e relações interpessoais pobres. O que é confirmado por estudo do
Carnegie Institute of Technology, segundo o qual 85% de nosso sucesso financeiro se deve a talentos em engenharia humana, isto é, capacidade de relacionamento e liderança. A inteligência emocional pode ser avaliada por A engenharia quatro critérios. Primeiro, a autoconsciência, ou humana é seja, a capacidade de entender as próprias emoções, responsável por 85% do êxito suas forças e fraquezas. Depois, a habilidade de profissional controlar emoções, direcionando-as para o rumo certo e evitando reações intempestivas. Em terceiro lugar, a empatia, que é a capacidade de entender as necessidades dos outros. Por último, as habilidades sociais, que criam um ambiente de relacionamento positivo. E, quanto mais alto o escalão de poder na empresa, maior deve ser essa inteligência emocional, com resultados que afetam toda a cadeia produtiva. / P.E.N
GESTÃO
Foco, sim. Mas sem alienação COMO CONCILIAR OS LADOS OPOSTOS DE SEU CÉREBRO
para a ciência, os pesquisadores VOCÊ SABIA que nosso cérebro sugerem que empresas muito focadas possui lados opostos, que se desligam em obter resultados práticos e resolver mutuamente quando acionados? tarefas com rigor devem estar É bom saber, pois esse fenômeno atentas, pois provavelmente vão gerar pode prejudicar a obtenção de bons problemas de gestão ou relacionamento resultados no trabalho. Segundo ao “desligarem” o lado cerebral pesquisadores da Universidade Case responsável pela empatia. Western Reserve, de Cleveland, Como evitar esse quando estamos focados LIGANDO O desequilíbrio? Uma opção em resolver um problema BOTÃO DE é engajar os funcionários ou desempenhar uma DECISÕES em uma série de exercícios tarefa, automaticamente RACIONAIS para treinar sua capacidade desligamos o lado oposto, EM 1, 2, 3... de ouvir e entender os responsável pela empatia de outros, mesmo que tenham nos socializar com os outros opiniões opostas. No caso dos e pela tomada de decisões éticas e líderes, a prioridade de atingir objetivos conscientes. Embora as causas deste concretos de desempenho deveria ser fenômeno ainda sejam um mistério
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substituída por uma conversa com os liderados para entender suas necessidades, anseios e preocupações, abrindo caminho para que suas potencialidades sejam mais bem aproveitadas. Essas atitudes “ligariam” o lado cerebral da empatia que ficou desligado por causa do excessivo foco em resultados. Curiosamente, os pesquisadores não recomendam que ativemos esses dois lados ao mesmo tempo, pois isso só serviria para confundir nosso raciocínio. O que não se pode é perder de vez uma ou outra capacidade. O segredo é conscientemente saber ligar e desligar cada um, de acordo com a necessidade. / P.E.N.
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O CIRCUITO DE
MARCIO
O FUNDADOR DA NETSHOES, MARCIO KUMRUIAN, ADORA DESIGN, TECNOLOGIA E VELOCIDADE. OU SEJA, É FISSURADO EM CARROS. JÁ FEZ ATÉ TREINAMENTO DE FUNCIONÁRIOS EM KARTÓDROMOS / ARIANE ABDALLAH
Foto: CAMILA FONTANA
Kumruian em um kartódromo na Grande São Paulo: “O esporte envolve as pessoas e ainda tem competição”
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M 2012, A NETSHOES, A LOJA ONLINE de esportes, realizou o primeiro evento da empresa para alinhar desafios e objetivos com os funcionários. O plano do RH previa atividades esportivas em equipe, como basquete e vôlei. Isso para promover a integração entre os colaboradores. Foi aí que o paulistano Marcio Kumruian, de 42 anos, fundador e CEO da companhia, interveio. Ele gostou da ideia, mas exigiu a inclusão de mais um item no roteiro – as corridas de kart. “É um esporte que envolve o time e tem competição”, diz. O RH ficou com um pé atrás. Esse tipo de disputa parecia arriscada. “Não tem perigo nenhum”, afirmou o chefe. Seu pedido foi acatado. O resultado da brincadeira foi um sucesso: mais de 60 pessoas participaram. Uma turma mais animada passou a frequentar kartódromos mais de uma vez por mês. O CEO adorou. Kumruian é um apaixonado por carrinhos e carrões. Aprecia tanto o design como a tecnologia sobre quatro rodas. Ele adoraria, por exemplo, dirigir um Porsche ou uma Ferrari no dia a dia. Só não o faz por uma questão de segurança. O executivo aproveita as viagens de lazer ao exterior para pilotar essas supermáquinas. Nos últimos tempos, porém, as idas de Kumruian a kartódromos minguaram. Resumem-se a poucas vezes ao ano. Além de pilotar uma empresa com 1,9 mil funcionários, a demanda em casa aumentou, com a chegada dos gêmeos Marcinho e Filippo, com 1 ano de idade. Eles se uniram a Caroline, de 6, e Marco Antonio, de 4. Hoje, o tempo de lazer do CEO da Netshoes é dedicado aos quatro filhos e à mulher. Ainda assim, nesses dias ele não se desliga da empresa. “Seja sábado, domingo ou férias, dedico cinco minutos para responder e-mails”, diz. “Isso não atrapalha. Eu gosto do que faço.”
POR MARCIO KUMRUIAN
A SEGUIR, OS PASSEIOS PREFERIDOS DE MARCIO KUMRUIAN
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Fotos: GETTY IMAGES; THINKSTOCK
NA PISTA “Baixei no celular o aplicativo Carbuzz, que divulga novidades automobilísticas. Também sigo usuários apaixonados por carros no Instagram: @dupontregistry, @ferrarimotorsport, @ferrariusamaserati...”
CARROS
BRINQUEDO DE
ADULTO
CONHECER E DIRIGIR “MÁQUINAS QUE FUNCIONAM PERFEITAMENTE” É O MAIOR HOBBY DO EMPRESÁRIO
“Sou apaixonado por carros. O que me atrai é, primeiro, o design. Em seguida, a tecnologia. E, finalmente, a velocidade. Já visitei o museu da BMW, em Munique, na Alemanha. Na ocasião, tive a oportunidade de pilotar um carro da marca pelas rodovias da região. Conheci ainda a linha de produção da Maserati, controlada pela Ferrari. A fábrica fica em Maranello, na Itália.” BMW-WELT.COM/EN/LOCATION/MUSEUM/CONCEPT.HTML; MASERATI.COM
EM FAMÍLIA
MOVIDOS A SOL E MAR As férias dos Kumruian são sempre na praia, quer no Nordeste do Brasil, quer nos EUA
O Museu da BMW, em Munique: veículos expostos em espaço ao lado de fábrica da marca
“Entre uma semana e 20 dias por ano, viajo para alguma praia, já que minha mulher e meus filhos adoram o Sol e o mar. Quando optamos pelo Brasil, um dos lugares preferidos é o Hotel Tivoli, na praia do Forte, na Bahia. Vamos direto do aeroporto para o resort, onde ficamos durante todo o período da viagem.” tivolihotels.com
MIAMI E OUTRAS MAIS “Nos Estados Unidos, gosto de ir a praias da Flórida. Não só em Miami, mas também Palm Beach e Clearwater. As três cidades são próximas e todas têm bons hotéis e shoppings, o que é ótimo para quem viaja com a família completa.”
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A galeria tem oito andares com todo tipo de produto eletrônico
A “SANTA IFIGÊNIA” DE CINGAPURA
SIM LIM SQUARE É O REDUTO DOS ELETRÔNICOS NA ÁSIA “Acompanho as tendências de informática e telefonia. Em 2012, fui para Cingapura a trabalho e conheci a Sim Lim Square, uma galeria de oito andares, que vende todo tipo de produto de ponta. O lugar lembra a região de Santa Ifigênia [rua no centro de São Paulo, que concentra diversas lojinhas de tecnologia]. Três anos atrás, quando nem se falava em smart TV [com acesso à internet], eu comprei ali um aparelho que transformava qualquer televisão em uma smart.” SIMLIMSQUARE.COM.SG
O VERDADEIRO SHOW DE BOLA
O piso da arena do Bayern é feito com três tipos de grama e plástico
O ALLIANZ, DO BAYERN, E A BOMBONERA, DO BOCA, SÃO ESTÁDIOS TÃO DIFERENTES QUANTO CONTAGIANTES
“Adoro assistir a jogos de futebol ao vivo. Para mim, os melhores estádios do mundo são o Allianz Arena, do Bayern de Munique, na Alemanha, e o La Bombonera, do Boca Juniors, em Buenos Aires. O primeiro é um dos estádios mais modernos do mundo. Sua grama, por exemplo, é composta por três variedades
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da planta, além de plástico. Já a Bombonera é um caldeirão que lota com 50 mil pessoas em alguns jogos. As grades são íngremes, para a torcida ficar de pé sem cair. É uma construção antiga, que proporciona uma experiência enérgica.” ALLIANZ-ARENA.DE/EN/; BOCAJUNIORS.COM.AR
Fotos: GETTY IMAGES
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finanças
CANSOU DA BOLSA BRASILEIRA? OLHE PARA FORA PARA CARLOS MASSARU TAKAHASHI, PRESIDENTE DA BB DTVM, QUEM INVESTE EM AÇÃO DEVE FICAR DE OLHO NOS PAPÉIS DE EMPRESAS DE PAÍSES DESENVOLVIDOS
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BRASIL É O PARAÍSO DA RENDA FIXA. POUCOS PAÍSES do mundo oferecem uma combinação de rentabilidade e risco tão compensadora como aqui. Quando o assunto é a bolsa, no entanto, a história é outra. A Bovespa vem patinando há anos. “Para quem quer diversificar seus investimentos em renda variável, a opção pelo exterior faz sentido. Os países desenvolvidos têm atualmente uma perspectiva melhor de crescimento”, afirma Carlos Massaru Takahashi, presidente da BB DTVM, a maior gestora de recursos do Brasil. Como está a procura por fundos que investem no exterior? CARLOS TAKAHASHI Começou a crescer quando a taxa de juros [Selic] caiu. Ela se acentuou em 2013 e 2014, quando havia muita volatilidade no ÉPOCA NEGÓCIOS
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“Para os investimentos em renda variável no exterior, recomendamos produtos com hedge. Ainda haverá uma volatilidade razoável no câmbio”
mercado de renda fixa, a bolsa não vinha entregando resultados e uma parte representativa dos fundos multimercado não estava com uma boa performance. Em paralelo, as bolsas americanas, depois de sofrerem uma desvalorização na crise de 2008, recuperavam-se. Os fundos com investimento no exterior começaram, então, a capturar esse momento. Com isso, dois de nossos fundos
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com investimento em ativos lá fora passaram de um patrimônio líquido de R$ 150 milhões, no início de 2013, para um patamar próximo a R$ 1 bilhão. Para quem vale a pena investir no exterior? CARLOS TAKAHASHI Hoje, no Brasil, o mercado doméstico te dá o melhor retorno do mundo na renda fixa, com o melhor risco e liquidez. Então, não tenha dúvida de que a parcela do portfólio que você quer ter em renda fixa deve ficar no Brasil. Agora, para quem está procurando uma diversificação em renda variável, a opção pelo exterior faz sentido. Até porque os países desenvolvidos têm atualmente uma perspectiva melhor de crescimento e, consequentemente, o mercado de renda variável lá deve apresentar ganhos superiores aos dos mercados emergentes. ÉPOCA NEGÓCIOS
A alta volatilidade do dólar pode prejudicar quem investe no exterior? CARLOS TAKAHASHI Uma boa parcela dos fundos – principalmente os voltados às pessoas físicas – estão com hedge [operação que protege contra oscilações bruscas do câmbio] na parcela investida no exterior. Dessa maneira, você neutraliza a questão cambial e deixa o retorno só por conta da rentabilidade dos ativos. De fato, achamos que ainda haverá uma volatilidade razoável no câmbio. A Janet Yellen [presidente do Fed, ÉPOCA NEGÓCIOS
renda variável, a crise não deve trazer impactos mais relevantes. O setor farmacêutico e químico, por exemplo, é muito forte na Alemanha. Essas companhias são hoje empresas globais, independentemente de estarem sediadas na Europa. Elas podem realinhar seus negócios, de acordo com as oportunidades geográficas.
Banco Central americano] tem sido muito clara em dizer que pretende manter o dólar valorizado e elevar a taxa de juros nos Estados Unidos. Portanto, para os investimentos em renda variável no exterior, recomendamos produtos com hedge, neste momento. Quais são os investimentos mais interessantes fora do Brasil? CARLOS TAKAHASHI Depois da crise, os EUA fizeram o dever de casa para elevar a eficiência e a produtividade das companhias. As medidas que foram tomadas fizeram com que os fundamentos das empresas melhorassem bastante. Isso torna o mercado americano de ações interessante. Outro aspecto bastante importante é a quantidade de empresas e de setores existentes. Tanto a bolsa dos EUA quanto as principais bolsas europeias têm uma abrangência de ativos muito maior do que o Brasil. É possível fazer alocações em fundos com estratégias bem focadas, o que, via de regra, você não consegue fazer aqui, como é o caso das áreas de saúde, biotecnologia e tecnologia, que são setores promissores. ÉPOCA NEGÓCIOS
A crise grega pode prejudicar os investimentos na Europa? CARLOS TAKAHASHI Ela preocupa, mas eu teria uma preocupação maior com a renda fixa. Para a ÉPOCA NEGÓCIOS
E a bolha na China? Pode acabar afetando o mercado financeiro internacional? CARLOS TAKAHASHI Hoje, qualquer coisa que vem da China traz preocupações e algum risco de contágio. Mas por enquanto o que a China tem é tamanho. Quando pensamos nos EUA e na Europa falamos de economias que têm seus problemas, mas são consolidadas. Os fundamentos todos estão lá. Então, claro, a capacidade de se proteger também é grande. ÉPOCA NEGÓCIOS
PARA ARENDA VARIÁVEL, ACRISE GREGANÃO DEVE TRAZER IMPACTOS MAIS RELEVANTES. JÁPARA ARENDA FIXA,ELA PREOCUPA”
Os BDRs [papéis de empresas estrangeiras negociados na BM&FBovespa] são um bom instrumento para investir no exterior? Como está a procura por esse produto? CARLOS TAKAHASHI A gente gostaria de ter uma procura maior. É algo que faz muito sentido. Os BDRs são papéis de empresas conhecidas. Qualquer cidadão carrega no bolso ou bebe essas marcas [Coca-Cola e Apple são exemplos]. Ele é um bom primeiro produto para a pessoa física investir no exterior, para experimentar. É um instrumento que vai ganhar apelo. ELISA CAMPOS ÉPOCA NEGÓCIOS
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INSTIGAÇÃO I DAVID COHEN
AUTOAJUDA PARA INOVADORES DEMOROU 18 ANOS. MAS ALGUMA HORA ALGUÉM IA LANÇAR UM MANUAL PARA ENSINAR A FAZER “INOVAÇÃO DISRUPTIVA” EM SI MESMO
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EPOIS QUE O PROFESSOR DE HARVARD CLAYTON Christensen lançou o livro O Dilema da Inovação, em 1997, o termo “disrupção”, com o sentido de inovações que solapam modelos de negócios tradicionais, se espalhou como um furacão pelo mundo dos negócios. A ideia está tão espraiada que é de estranhar que ninguém tivesse ainda publicado um livro com o título “Faça a sua disrupção”. Demorou 18 anos, mas ele está aí – por enquanto, só em inglês: Disrupt You!, lançado no mês passado. O autor é o empreendedor e investidor digital Jay Samit, um autointitulado disruptor que já trabalhou com mais de 80 startups, levantou mais de US$ 800 milhões em investimento (alheio) para novas empresas e foi chefe de conteúdo digital em multinacionais de música, telecom e comércio. Embora tenha sua cota de obviedades e jargões, Samit estabelece um mapa razoável para quem quer empreender. A seguir, algumas de suas recomendações: Em geral, o empreendedor disruptivo começa a pensar sobre um problema que o acomete, e questiona as premissas que todos tomam como naturais. “Por que os outros carros não podem me indicar os melhores caminhos?” foi o insight que deu origem ao Waze, uma startup israelense comprada pelo Google em 2013 por cerca de US$ 1 bilhão. A americana Sara Blakely era obrigada a usar meia-calça no emprego – e achava que ela não combinava com sandálias. Ao cortar seu par de meias, notou que tinha um produto. Procurou fabricantes, mas ninguém lhe deu atenção. Ela então devotou todo o seu tempo livre a criar a própria empresa, a Spanx, que a tornou bilionária. Eileen Gittins largou sua carreira de executiva no Vale do Silício para se dedicar à fotografia. Ao procurar um site que lhe imprimisse um livro de suas fotos, não encontrou. Criou o Blurb, que hoje faz mais de 2 milhões de livros por ano, em 75 países. Um dos maiores erros dos empreendedores é o temor de que alguém lhe roube a ideia. “Ninguém vai roubar sua ideia”, diz Samit. É só lembrar de Steve Jobs. Quando ele e Steve Wozniak criaram um computador, procuraram a Atari, pedindo financiamento, ou mesmo um emprego em troca dos direitos da invenção. Foram rejeitados, lá e na HP. “Se a sua ideia for de fato original, você vai ter de gritar muito para ser ouvido”, diz Samit. “Querer criar inovação por baixo do radar, sem colaboradores ou investidores, é impossível.” Ao contrário, depois de ter uma ideia sua missão é matá-la. Quanto mais rápido você o fizer, mais rápido poderá che-
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Samit, autor de Disrupt You!: dicas para quem quer empreender
gar a uma “ideia zumbi”: aquela que não morre de jeito nenhum. Quando a achar, vá com ela. Nunca perca o contato com o consumidor. Em sua primeira empresa, a Jasmine Multimedia, Samit fazia com que todos os funcionários se revezassem na assistência técnica. Um dia ele atendeu um padre do Vaticano. A conversa lhe rendeu o contrato para produzir o primeiro CD interativo com obras do Vaticano. “O caminho mais seguro para a disrupção é olhar para além da sua indústria e aplicar as transformações de outros negócios”, diz Samit. Johannes Gutenberg não inventou a prensa; ele adaptou uma máquina que era usada para extrair vinho das uvas. Finalmente, nesse mundo altamente tecnológico, “não se preocupe se você não é um programador ou um químico”, diz Samit. “Insight e vontade são todas as habilidades de que você precisa. Todo o resto pode ser contratado.”
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DAVID COHEN É JORNALISTA
Foto: STOCKFOTO