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Revista Editada pelo CORECON/DF e SINDECON/DF - ANO I1 - nº 08 OUT/DEZ DE 2001

EDITORIAL .............................................................................................................................................. 4

ENTREVISTA GERALDO NOGUEIRA .................................................................................................... 5

ARTIGOS

LECIO MORAIS Dívida externa e dependência: A questão recorrente da moratória .................................... 9

GEORGE DE CERQUEIRA LEITE ZARUR Ciência, mito e sofrimento - Uma discussão do pensamento econômico e seus efeitos no Brasil ....................................................................................................... 17

JOSÉ ROBERTO NOVAES DE ALMEIDA Da importância da História para o Economista ............................................................... 29

JOSÉ LUIZ PAGNUSSAT Provão de Economia 2001: Sucesso e Fracasso dos Cursos de Economia de Brasília .... 36

Revista de conjuntura !

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EXPEDIENTE

EDITORIAL

Órgão Oficial do CORECON-DF e SINDECON-DF Diretores Responsáveis: Roberto Bocaccio Piscitelli e Júlio Miragaya Conselho Editorial: Roberto Bocaccio Piscitelli, Júlio Miragaya, Carlito Roberto Zanetti, Dércio Garcia Munhoz, Mônica Beraldo Fabricio da Silva, José Luiz Pagnussat, Mário Sérgio Sallorenzo, Francisco Pereira, Newton Marques, Maurício Barata e José Roberto Novaes. Jornalista Responsável: Giselly Siqueira (4757-DF) Editoração Eletrônica: OM Comunicação (0xx61) 364-2603 Tiragem: 4000 Periodicidade: Trimestral As matérias assinadas não refletem, necessariamente, a posição das entidades. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO – DF Presidente: Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Vice-Presidente: Roberto Bocaccio Piscitelli Conselheiros Efetivos: Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo, Roberto Bocaccio Piscitelli, Newton Ferreira da Silva Marques, Júlio Flávio Gameiro Miragaya, Dércio Garcia Munhoz, Adriana Moreira Amado, Mônica Beraldo Fabricio da Silva, José Luiz Pagnussat e Maria Cristina de Araújo. Conselheiros Suplentes: Maurício Barata de Paula Pinto, Bento de Matos Félix, Max Leno de Almeida, Ronalde Silva Lins, André Luiz Ferro de Oliveira e Luiz Claudio Portela Ferreira, Jusçanio Umbelino de Souza, José Ribeiro Machado neto e Francisco das Chagas Pereira. Equipe do CORECON: Iraídes Godinho de Sales Ribeiro, Ismar Marques Teixeira, Michele Cantuária Soares, Jamildo Cezário Gomes e Angeilton Francisco Lima Faleiro. End.: SCS Q. 4 Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 - Brasília-DF Tels: (61) 223-1429/223-0919/225-9242 e 226-1218 Fax: (61) 322-1176 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br REPRESENTANTE DO DF NO COFECON Carlito Roberto Zanetti SINDICATO DOS ECONOMISTAS DO DF SCS Q. 4 Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 - Brasília-DF Tel.: (061) 225-5482 Fax: (061) 322-1176 Diretoria Efetiva Presidente: Júlio Miragaya 1º Vice-Presidente: Iliana Alves Canoff 2º Vice-Presidente: Otávio de Carvalho Franco Secretário: José Nilson Gomes de Souza Tesoureiro: Gilberto Gatti Suplentes da Diretoria Mário Sérgio Fernnadez Sallorenzo Eugênio de Oliveira Fraga Marcos Cardoso Burlamaqui Victor José Hohl José Honório Accarini Conselho Fiscal Miguel Rendy Maria Cristina de Araújo Luiz Guaraci David Suplentes do Conselho Fiscal Marcus Vinícius da Costa Villarim Humberto Vendelino Richter Delegados Represent. Junto à Federação Júlio Miragaya Roberto Bocaccio Piscitelli Delegados Suplentes Mônica Beraldo Fabrício da Silva Irma Cavalcante Sátiro

Vai-se completando o segundo ano de nossa Revista de Conjuntura, a única editada no Brasil no âmbito dos Conselhos de Economia. Muita satisfação nos trazem as referências feitas à publicação. Temos dividido a atenção entre as questões locais e regionais, nacionais e, mesmo, as de âmbito universal; temos dado espaço às manifestações mais plurais do pensamento econômico. E isto é essencial para assegurarmos a perenidade e a credibilidade da Revista. Neste número, por exemplo, a entrevista trata da preocupante situação experimentada pelo Distrito Federal, com o crescimento desordenado de seu Entorno e a piora da qualidade de vida dos habitantes. O Prof. Geraldo Nogueira Batista chama a atenção para a necessidade de preservação e valorização deste notável Patimônio Cultural da Humanidade, pois apenas leis, decretos e medidas afins não o farão. O economista e assessor técnico da Câmara dos Deputados, Lecio Morais, em “Dívida Externa e Dependência: a questão recorrente da moratória”, mostra, pela experiência histórica, como a disponibilidade de crédito internacional se comporta em ciclos de expansão – quando a oferta é abundante e os juros baratos – e de retração. Ao contrário do senso comum, a expansão desse crédito exerce um papel ativo na determinação de políticas internas dos países periféricos, induzindo seu endividamento e adesão a estratégias de crescimento adequadas às necessidades da oferta de financiamentos. O economista e antropólogo George de Cerqueira Leite Zarur faz uma crítica contundente ao reducionismo do pensamento econômico no Brasil, mostrando a tentativa sistemática de conformar a realidade aos chamados modelos, e como o colonialismo cultural se coaduna perfeitamente com o autoritarismo histórico do País e a infantilização do povo. A ciência econômica, hoje, com seu mecanicismo, adota métodos que mais se assemelham à Física newtoniana. O Prof. José Roberto Novaes de Almeida nos brinda com uma verdadeira aula magistral sobre a importância da História para o economista, e seu estudo como que se completa com o artigo anterior. Questiona a aplicabilidade da retórica matemática ao trabalho dos profissionais de nossa área. O resultado é que a Economia se torna estéril, atraindo no mundo inteiro cada vez menos estudantes. A profissão está decadente, a julgar pelo número de candidados e pelo desprestígio da atividade. E, coroando esta excelente relação de estudos, o Prof. José Luiz Pagnussat faz uma análise dos resultados do Provão e, em particular, do desempenho dos alunos das instituições do Distrito Federal. O resultado não chega a ser alentador, confirmando, inclusive, informações contidas no artigo anterior, muito embora a Universidade de Brasília venha destacando-se em nível nacional ao longo deste período de realização do Provão. Não temos dúvidas de que nossos associados, professores, estudantes e especialistas têm em mãos material para muita reflexão e discussão. Este é um papel fundamental das corporações profissionais, hoje pouco e mal compreendido pelo governo, pela sociedade e, às vezes, pelos próprios associados. Os Conselhos são, sim, “corporações de ofício”, que procuram defender o campo de atuação de seus filiados, mas são, também, instituições de valorização do exercício das diversas atividades e, sobretudo, veículos de proteção da sociedade, que demanda serviços de qualidade, com confiabilidade.

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ENTREVISTA

Brasília e o Entorno O crescimento populacional descontrolado vem acompanhado da pobreza, desemprego, violência e degradação do meio ambiente. Brasília, que cresce desordenadamente, já sofre com a deficiência de seus serviços públicos, e enfrenta os problemas de grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro. Para o diretor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB),Geraldo Nogueira Batista, é uma tarefa complicada controlar o crescimento de Brasília e de seu Entorno. Em entrevista à Revista de Conjuntura, o Professor avalia o impacto do crescimento do Entorno sobre Brasília e defende a criação de uma área metropolitana, como forma de tentar amenizar o problema na Capital da República. Alessandra Cardoso

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Conjuntura - A que fatores o senhor atribui o crescimento desenfreado do Entorno do Distrito Federal? Geraldo - Olhe, todas as grandes cidades possuem fortes fatores de atração e concentração de pessoas. Existem duas teorias que explicam por que há migração interna dentro de um país. Uma é a expulsão do campo. As populações que não têm mais renda, por que perderam seus empregos no campo, acabam indo para as cidades. A outra é a chamada teoria da Luz Brilhante (light bright), que diz que a própria cidade, o seu clima, tem o poder de atrair as pessoas. Então, eu acho que é uma combinação dos fatores dessas duas teorias que faz com que as cidades cresçam tanto. Conjuntura - Como o senhor avalia o impacto direto do crescimento do Entorno sobre o DF? Geraldo - O impacto direto é em todos os setores. Há uma sobrecarga nos serviços de saúde, educação, transporte; todo o serviço público é afetado. O próprio meio ambiente é muito afetado.

Conjuntura - O senhor poderia citar um setor que vem sendo mais fortemente afetado por esse problema? Geraldo - Mesmo sem dados estatísticos sobre isso, sabemos que os setores de saúde e educação são muito pressionados, principalmente o de saúde, porque toda a área do Entorno busca atendimento aqui em Brasília. Conjuntura - O senhor acredita que a política habitacional do Governo do Distrito Federal influencia este crescimento? Geraldo - Sem dúvida! Conjuntura - De que forma? Geraldo - Onde você tem uma política que é socialmente positiva, no sentido de criar oportunidades e benefícios à população, isto obviamente tem um efeito demonstrativo, que repercute no País inteiro. Conjuntura - Essa questão de distribuição de lotes, a política do pão e leite ainda atrai muita gente? Geraldo - Certamente atrai. Não é o único fator, mas ainda atrai muito. Conjuntura - Qual seria o custo econômico disto para Brasília? Geraldo - Não tenho como falar disso quantitativamente, mas certamente é um custo muito elevado, principalmente nos setores que já citamos, que mais sofrem com o inchaço do Entorno. Conjuntura - Qual a sua opinião sobre o impasse na construção de Corumbá IV? Geraldo - O que posso dizer é que eu vejo isto muito em função da não-geração de energia e o aumento do consumo de água em Brasília. Acho que há outras alter-

nativas aqui para Brasília em termos de consumo de energia e água. Dever-se-ia fazer uma administração mais racional dos recursos. Dever-se-ia discutir mais a criação desta hidrelétrica. Acho que o próprio Lago Paranoá poderia ser utilizado como fonte de abastecimento de água. Se não se usa, é por puro preconceito. Conjuntura - Brasília vem correndo o risco de perder o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, por causa de uma séries de modificações em sua arquitetura original. Qual a sua avaliação sobre isto? Geraldo - Há contradições nessa questão. Nosso Plano Piloto é Patrimônio Cultural da Humanidade e há uma série de transgressões em relação a esse patrimônio. Há um certo descontrole em relação à autorização para novos usos do solo, que acarretam implicações que levam ao risco da perda do título. Mas acredito que a perda desse título não vá acontecer. Agora, também é preciso que haja identidade da população com o patrimônio, para que ele seja preservado e valorizado. Se a sociedade não valorizar seu patrimônio, não serão leis, decretos e medidas afins que o farão. Brasília está precisando da conscientização da sociedade. Conjuntura - Qual seria a melhor forma de tentar controlar o crescimento desenfreado do Entorno? Geraldo - Eu sou pessimista nesta questão. Acho que não há muitas formas de se controlar a migração interna, a não ser que você passe a exigir um passaporte interno que autorize a entrada das pessoas na cidade. Mas em uma sociedade democrática, isto seria

O grande problema é que, hoje. a distribuição de $ Revista de conjuntura

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Se a sociedade não valorizar seu patrimônio, não serão leis, decretos e medidas afins que o farão. Brasília está precisando da conscientização da sociedade. inviável. Em um sistema de economia de mercado como o que a gente vive, é inevitável que as cidades cresçam e que haja migração, a não ser que houvesse uma política nacional de forte investimento em outros pólos, em programas de reforma agrária e de retenção do homem no campo. Mas com a política populista feita aqui em Brasília, é muito difícil evitar o crescimento. Qualquer programa social que se desenvolve chama gente, pois você tem pessoas vivendo em condições piores em outras regiões. Isto é o que desbalança. Conjuntura - Então o senhor acredita que este crescimento tende a continuar? Geraldo - A curto e médio prazos não só vai continuar, como tende a piorar. Conjuntura - O que o senhor prevê, então, que pode acontecer com Brasília? Geraldo - Brasília será como São Paulo e Rio de Janeiro, não só na questão da violência, que é um problema nacional, mas na

questão de toda a crise social. Um bom exemplo daquilo em que Brasília pode transformar-se é a questão dos transportes, que é bem grave. Hoje, temos perto de 800 mil veículos nas ruas, e essa frota tem-se expandido em 10% ao ano nos últimos 5 anos. Então não é demais nós imaginarmos que, daqui a alguns anos, essa frota terá dobrado. Você consegue imaginar Brasília com 1,6 milhão de veículos? Conjuntura - O senhor acredita que Brasília ainda tem muita área para se expandir, para crescer? Geraldo - A área para expansão existe. O problema é como essa expansão é feita. Esse é o grande desafio.É preciso equacionar esse crescimento, para que o custo seja o menor possível e não se perca, mais ainda, qualidade de vida. Brasília foi planejada, mas não a longo prazo. Quando Brasília foi feita, o Brasil estava começando a receber as indústrias automobilísticas; então, ninguém imaginava que o número de veículos

pudesse crescer tanto. Por isso, é preciso ver as coisas a longo prazo. Umas das maiores dificuldades da relação de Brasília com o Entorno é que não há uma forma muito coordenada de separálos. Com isso, toda a política de transportes, saúde, educação etc. fica prejudicada. Conjuntura - O senhor considera, então, o modelo de segregação de Brasília difícil de ser mudado. Geraldo - Olhe, esse modelo não é apenas de Brasília. Ele é nacional. Vivemos num País de enorme concentração de rendas. Não há uma distribuição homogênia da riqueza do País e, com toda a disparidade existente, fica muito difícil mudar esse modelo de segregação da pobreza. Acho que uma possível solução seria a criação de uma região metropolitana para Brasília, para que haja mais coordenação. Mas cada governo é livre para fazer o que

lotes em Brasília é usada como moeda política. % Revista de conjuntura

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quiser, e não vejo ações coordenadas nesse sentido. Conjuntura - O senhor acha que a vinda de mais indústrias para Brasília seria positiva? Geraldo - Acho que sim. Com mais indústrias, você teria mais empregos. Mas também há de se cuidar, porque Brasília não tem muita estrutura para indústrias pesadas, que gerem impacto sobre o meio ambiente. Conjuntura - Como urbanista, de que forma o senhor analisa essa questão da ocupação desenfreada do solo do DF? Geraldo - O impacto dessa ocupação desenfreada é o que já podemos constatar. Os lençóis freáticos estão sendo afetados e o abastecimento de água está precário. Quando você mexe no meio água, todo o restante do ecossistema é afetado. Todo esse processo de regularização de condomínios em áreas impróprias faz com que os moradores utilizem os recursos naturais, como a

Para o professor Geraldo Nogueira não há forma coordenada de separar Brasília do Entorno.

água dos poços artesianos, por exemplo, de forma indevida, podendo gerar impacto sobre a população como um todo. Conjuntura - O senhor diria, então, que é preciso mudar a polí-

tica atual de distribuição e concessão de lotes? Geraldo - Sem dúvida. Há formas mais racionais de se fazer essa distribuição. Mas o grande problema é que, hoje, a distribuição de lotes em Brasília é usada como moeda política.

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A R T I G O

Dívida externa e dependência: A questão recorrente da moratória Lecio Morais*

A história de um país dependente, como o Brasil, pode ser vista como uma sucessão de ciclos de expansão e retração do seu crédito externo. Diferente de países com moeda conversível, o país dependente necessita obter divisas para transacionar com o resto do mundo, sendo esta, aliás, uma característica definidora da situação de dependência de uma nação. Daí porque, para essas economias, a capacidade de gerar ou atrair divisas e a disponibilidade de crédito internacional assumem uma importância fundamental. É a chamada ‘restrição externa’. A experiência histórica mostra que a disponibilidade de crédito internacional se comporta em ciclos de expansão – quando a oferta é abundante e os juros baratos – e de retração. A esses ciclos do crédito correspondem ciclos nas economias dependentes, que – tanto na experiência brasileira como na de outros países – constituem-se de três fases, que podemos descrever resumidamente assim:

a. uma primeira, de expansão da dívida (quando as taxas de juros são baixas e o crédito é abundante e pouco discriminado), que financia um crescente déficit comercial; b. uma segunda, de crise de pagamento, quando a expansão do crédito externo chega ao fim, com elevação da taxa de juros, escassez de crédito, restrição crescente nas condições de financiamento e refinanciamento.

Nesta fase criam-se um estrangulamento cambial e a impossibilidade de manter-se o déficit, além de dificuldades para manter o serviço da dívida; c. na terceira, de crise cambial aguda, quando o crédito externo passa a inexistir ou ficar restrito ao refinanciamento parcial do serviço da dívida. A economia entra em estagnação, mobilizando-se em um grande esforço exportador, única forma de gerar divisas para honrar os compromissos externos. Obviamente, os ciclos internacionais obedecem a variáveis internas das grandes economias centrais, principalmente as do país hegemônico, nada tendo a ver com as necessidades de crescimento dos países dependentes. Geralmente a expansão do crédito está associada a período de queda nas taxas de lucro e conseqüente diminuição de oportunidade principalmente de investimento financeiro no centro do sistema, acarretando baixa na taxa de juros e a busca de oportunidades de aplicação e investimento.

O país dependente necessita obter divisas para transacionar com o resto do mundo, sendo esta, aliás, uma característica definidora da situação de dependência de uma nação . Revista de conjuntura '

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Não são os países subdesenvolvidos

que aproveitam a oportunidade de crédito barato para se endividar, mas sim os agentes financeiros internacionais e seus governos que induzem políticas de endividamento para aproveitamento de sua oferta de capitais . Nesse sentido, ao contrário do senso comum, a expansão do crédito internacional exerce um papel ativo na determinação de políticas internas dos países periféricos, induzindo seu endividamento e adesão a estratégias de crescimento adequadas às necessidades da oferta de financiamentos. Ou seja, não são os países subdesenvolvidos que “aproveitam” a oportunidade de crédito barato para se endividar, mas sim os agentes financeiros internacionais e seus governos que induzem políticas de endividamento para aproveitamento de sua oferta de capitais. Obviamente, o papel passivo que atribuo aos países dependentes nesse processo não significa ausência de ação e de responsabilidade por parte de suas elites dirigentes. Essas elites – vinculadas histórica, culturalmente e até psicologicamente por passados coloniais às suas

metrópoles – assumem a coresponsabilidade das opções políticas oferecidas pelo grande capital internacional. Os ciclos internacionais também não se repetem de forma idêntica. Os ciclos que se sucederam após a II Grande Guerra – replicados no Brasil nos períodos de 1945-55, 1956-66, 1967-90 e de 1991 até o presente1 – não só apresentam durações variadas, como possuem características diversas, tanto na modalidade de endividamento e na participação de investimento direto, como nas medidas de política econômica exigidas dos países periféricos. Especialmente diferente é a atual política econômica financista de “estabilização monetária” e de crescimento limitado, se comparadas com as políticas “desenvolvimentistas” adotadas pelo ciclo JK, no Plano de Metas, e do regime militar, nos I e II PNDs.

No início dos ciclos, na primeira fase, as elites nacionais são induzidas a defender uma estratégia de endividamento sob o argumento da “necessidade de captação de poupança externa” – ao tempo, barata e abundante – para financiar um desenvolvimento mais rápido ou mais adequado a um novo “modelo” mundial mais “moderno”. Como o entendimento, sempre recorrente, é o de que crédito abundante sempre haverá – pelo menos para aqueles países que adotarem as “políticas corretas” –, quando se inicia a segunda fase, ela é percebida como de “dificuldades passageiras”. Então o argumento é o de continuar a mesma política econômica para manter a confiança dos mercados internacionais até que, ultrapassadas as “dificuldades passageiras”, volte-se a captar recursos como antes. Por fim, ao final da segunda fase e na terceira, perdidas as condições de refinanciamento, a prioridade de financiamento do déficit externo passa a ser um esforço exportador, geralmente à base de desvalorização da moeda e pesados subsídios. Exemplo da recorrência desse esforço exportador ao final dos ciclos foram os slogans do Governo Castelo Branco, em 1964 (“Exportar é a solução!”), e do Governo Figueiredo, no início dos anos 80 (“Exportar é o que importa”). O recente repto de Fernando Henrique (“exportar ou morrer!”) parece indicar que chegamos à terceira fase do atual ciclo. Mesmo que o atual ciclo não termine, para o Brasil, em uma dramática ruptura de crédito,

1 As datas se referem ao começo e fim de cada ciclo e têm um certo caráter arbitrário, mas a escolha de outros anos para identificar seu início ou fim não modificará significativamente sua localização temporal ou duração.

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como aconteceu em 1982, não haverá financiamento para manter a economia em expansão, e o esforço exportador se imporá, até que, depois de um “intermezzo” (de alguns anos), um novo ciclo possa recomeçar, trazendo uma nova oferta financeira2. O sucesso que os diferentes países da periferia alcançam na primeira fase ou o preço que pagam pelas segunda e terceira fases variam enormemente, não só entre países como em diferentes ciclos para o mesmo país. Isso parece depender mais de variáveis políticas e econômicas internas do que das características do ciclo internacional, e vai definir com que facilidade, ou não, o país participará do próximo ciclo de expansão do crédito internacional. O Brasil se deu muito bem nos ciclos de 1945-54 e 1956-65, e na

primeira fase do de 1967-89 (o milagre dos anos 70’). Mas a terceira fase desse último ciclo, a crise dos anos 80’, foi muito prolongada e destrutiva. Talvez decorra disso a dificuldade que tivemos de participar do atual ciclo, em que o nosso desempenho foi medíocre e os seus custos começam a parecer particularmente cruéis. O ciclo dos anos 90: os mercados emergentes Assim como apresenta características próprias, cada ciclo também possui seu vocabulário particular. Assim, no ciclo dos anos 60’ e 70’, os países subdesenvolvidos (do glossário terceiromundista e “cepalino”) que embarcaram vitoriosamente na sua primeira fase passaram a ser conhecidos como “países em desen-

volvimento”. Já na mesma fase do ciclo atual, dos anos 90’, eles se tornaram “mercados emergentes”. O gráfico 1 mostra o desempenho da taxa real de juros da prime rate americana nos anos 90’, ilustrando o comportamento do mercado financeiro internacional. A queda nas taxas de juros a partir de 1988 deveu-se ao crash da Bolsa da Nova Iorque em outubro de 1987, quando o FED inundou o mercado de dinheiro para evitar uma quebra sistêmica, e à recessão americana que se seguiu em 1989-91. Iniciava-se um “vale” de baixas taxas de juros e de abundância de créditos em busca de oportunidades de aplicação e investimento, que determinou o surgimento dos chamados “mercados emergentes” na periferia. As políticas econômicas adotadas por diversos países na Améri-

Gráfico 1 - Taxa real de juros: Prime rate 1981-2000 (Taxa anual em fim de período) 9,00

8,00

7,00 Criação dos “mercados emergentes” 6,00

5,00

4,00

3,00

2,00 1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

Fonte: Boletim do Banco Central e FMI - Internacional Financial Statistics Yearbook. 2 A forte queda nas taxas de juros ocorrida este ano, associada a um declínio na taxa de lucro e uma recessão considerável, pode indicar que começa a se gestar um novo ciclo. Mas como nossa capacidade de previsão é limitada e um novo ciclo pode demorar até vários anos para se concretizar, essa tendência recente, mesmo se real, não afeta a nossa análise.

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ca Latina desde o início desse “vale”, pela sua grande semelhança, ilustram bem o caráter indutor do ciclo de expansão do crédito internacional e o papel passivo dos governos nacionais. Sem embargo, as estratégias de estabilização monetária e cambial e de privatização adotadas pelo México em 1988, pela Argentina em 1991 e pelo Brasil em 1991-94 (para citar os maiores países), embora com diferenças operacionais, são monotonamente análogas. A proposta apresentada a esses países, e adotada por suas elites, era a de que, com o crédito abundante e barato, seria possível alavancar o desenvolvimento, trazendo poupança externa sob a forma de financiamento de importações, que ampliariam e modernizariam o sistema produtivo nacional. O investimento direto, por seu lado, associado ou independente do capital nacional, viabilizaria, sem custo cambial, os investimentos internos necessários. Assim como no passado, a fase de abundante oferta de crédito era apresentada como dali em diante permanente, pois com a “globalização” e a “nova economia” os

ciclos econômicos do capitalismo tinham acabado. Para aproveitar essa nova e perene prosperidade era necessário adotar um conjunto de políticas: elevação da taxa de juros para atrair os investimentos diretos; liberação da conta capital; valorização e estabilidade da moeda, igualando-a ao dólar; liberação comercial, com o fim das restrições tarifárias e de proteção à produção nascente; criação de oportunidades de investimento, com desregulamentação e privatizações; e estabilidade fiscal. Todas essas medidas deveriam estar interligadas na criação de um ambiente político favorável ao capital externo, garantindo-se sua continuidade e a segurança dos investimentos e empréstimos. Não é à toa que se criou, nos anos 90, na América Latina, um clima de continuidade política dos governos que iniciaram as reformas (denominadas genericamente de neoliberais), tendo praticamente todos esses governantes ganho um segundo mandato (Menem, Fujimori, Fernando Henrique) ou um sucessor estritamente compro-

A abertura e a desregulamentação

da conta de capitais trouxeram de volta uma instabilidade cambial que só tínhamos vivido até a República Velha, resultando em uma tendência à estagnação e à instabilidade do crescimento econômico. Revista de conjuntura

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metido com o anterior (Salinas e Ernesto Zedillo no México; Patrício Aylwin e Eduardo Frei no Chile). Tudo foi bem até a mudança da conjuntura no mercado internacional em 1994, quando – como se pode ver no Gráfico 1 – a taxa real de juros passou a ter sentido ascendente. A expansão “perene” do crédito chegou ao fim mais uma vez, comprovando, de novo, o comportamento cíclico do sistema. Essa mudança também teve a ver com variáveis internas da economia dos EUA e de sua relação com o Japão; mas a periferia foi duramente atingida, iniciando-se uma longa fase de instabilidade e incerteza financeira, com sucessivas crises, inicialmente no México, no Natal de 1994, e que perdura até hoje. O Brasil começou a se integrar atrasado nessa fase de expansão, com a indicação de Marcílio Marques Moreira para Ministro da Economia ao final de 1991. Ele subiu a taxa de juros interna e iniciou a liberalização da conta de capitais (contas CC-5 etc.), além de implantar um amplo programa de desestatização. Mas o desastre político do Governo Collor e o seu impeachment só tornaram possível a adoção de um conjunto de reformas coerentes, em 1994, com o Plano Real, quando o ciclo expansivo já chegava ao fim. Daí por diante, a teimosia em manter uma estratégia baseada em financiamento externo abundante e barato passou a ter custos cada vez mais elevados em concessões e em custos financeiros para a economia e para o Estado. Aumentou fortemente nossa vulnerabilidade externa pelo aumento do passivo externo e pela mudança


na matriz produtiva, cujo coeficiente de importação elevou-se, tornando nossa economia mais dependente. A abertura e a desregulamentação da conta de capitais trouxeram de volta uma instabilidade cambial que só tínhamos vivido até a República Velha, resultando em uma tendência à estagnação e à instabilidade do crescimento econômico. O Estado brasileiro, bem como os governos subnacionais, foram levados a um endividamento ruinoso, restringindo sua capacidade de investir (induzir e direcionar o crescimento) e sucateando os serviços públicos pela prioridade dada ao serviço da dívida. O mecanismo de construção dessa dívida pública interna e sua relação com a política do Plano Real é o que veremos a seguir. A dívida pública interna e externa: os custos da política econômica Desde do início dos anos 90’ teóricos neoclássicos notaram uma coincidência dos déficits externos e públicos em países periféricos. De fato, o crescente e rápido endividamento externo correspondia a um crescente déficit público (endividamento) (ver Gráfico 2 para o caso do Brasil). A interpretação do que foi chamado “déficits gêmeos” (twin deficits) era de que toda a “poupança externa” que estava sendo captada ia sendo absorvida por Estados perdulários e gastadores, em detrimento do setor privado, o que exigia, portanto, controle e disciplina fiscal, além da “diminuição” do Estado. Mas a relação entre os dois déficits obedecia a um mecanis-

Gráfico 2 - Déficits externo e público no Brasil Número índice: 1994=100 3000

Def. externo

2500

Def. público 2000

1500

1000

500

0 1994

1995

1996

1997

1998

1999

Fonte: Boletim do Banco Central

mo bem diferente, sendo, na verdade, o reflexo da ação defensiva do Estado, tentando compensar, nos primeiros anos, os efeitos da grande entrada de divisas e, especialmente depois de 1994, os custos das altas taxas de juros mantidas internamente na tentativa de continuar atraindo capitais ou, depois, para evitar sua fuga. Vejamos o caso do Brasil. A partir da gestão de Marcílio Marques Moreira, o País recebeu um influxo crescente de dólares. Como esse fluxo não tinha de imediato nenhuma correspondência com a criação de riquezas internas, e não havendo déficit comercial a financiar (os superávits comerciais mantiveram-se elevados até 1994, para pagar o serviço da dívida da década de 70), se convertidos em moeda nacional, explodiriam o meio circulante. O governo federal era então obrigado a emitir títulos para “enxugar” o meio circulante e para pagar (“rolar”) os altos juros desses títu-

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los. Com isso, os dólares tinham alto rendimento interno e atraíam cada vez mais “investidores”, tornando o ciclo vicioso e aumentando a dívida pública. Após 1994, como vimos, a situação mudou. Como passamos a ter um grande déficit comercial, parte dos dólares que chegavam voltavam para o exterior; mesmo assim, já em um cenário adverso, a política de sustentar a paridade do Real com o dólar exigia que o Banco Central tentasse acumular um alto saldo de reservas para dar “segurança” aos investidores e credores. Com isso, a emissão de títulos continuou. Mas a principal causa do crescimento da dívida interna foi o próprio custo da dívida, seus altos juros, que a fizeram crescer como verdadeira bola de neve. A participação das principais variáveis no crescimento da dívida interna é mostrada no Gráfico 3. Esse gráfico (vide página 14) faz parte de um trabalho elaborado por mim, em parceria com o cole-

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ga Alfredo Saad Filho3, sobre o comportamento do que chamamos passivo primário do Governo Central (base monetária e títulos do Tesouro e Banco Central), abrangendo o período 1991-1999. Durante o período mostrado no gráfico, pode-se comprovar nossa afirmação de que as principais causas do crescimento da dívida foram a entrada de dólar – parte da qual saiu depois de 1997 – e o próprio custo da dívida mobiliária. O valor anormalmente elevado até 1994 deve-se aos grandes índices inflacionários presentes no período. Já o resultado fiscal (exceto juros), como é possível também observar, foi, no geral, positivo,

colaborando para a diminuição do estoque da dívida. Houve superávits durante todo o período, com exceção de apenas três trimestres, quando ocorreram déficits pouco significativos. O gasto público em despesas correntes e investimento manteve-se, via de regra, abaixo da receita tributária, que cresceu sem parar desde 1992. Com essa elevação da receita e o corte ou congelamento sistemático da despesa e do investimento nos serviços públicos, tentava-se, inutilmente, contrabalançar o crescimento da dívida causado pela política de atração e segurança dos capitais externos. Esses são os verdadeiros mecanismos de formação dos chama-

dos “déficits gêmeos”, a real gênese e natureza da dívida pública: ela é o custo acumulado pelo Estado brasileiro para manter uma estratégia econômica elaborada no início dos anos 90’ e desde 1994 defasada e incompatível com a realidade do financiamento externo, nada tendo a ver com gastos públicos acima da arrecadação. Por isso, podemos afirmar que a dívida pública mobiliária – que em agosto chegou a 50% do PIB – representa o custo fiscal da política econômica adotada nos anos 90’ e, particularmente, do Plano Real, a partir de 1994; bem como a dívida externa representa o custo de uma estratégia econômica induzida externamente à Nação,

Gráfico 3 - Determinação da variação trimestral do Passivo Primário (base monetária + Dívida mobiliária Federal) (em % do PIB - acumulado em 12 meses) 50

Impacto setor externo Custo da DMF 40

Resultado fiscal Passivo Primário

% PIB

30

20

10

0 I I I I I I I I .I .II .II .IV .I .II .II .IV .I .II .II .IV .I .II .II .IV .I .II .II .IV .I .II .II .IV .I .II .II .IV .I .II .II .IV .I .II 91 991 991 991 992 992 992 992 993 993 993 993 994 994 994 994 995 995 995 995 996 996 996 996 997 997 997 997 998 998 998 998 999 999 9 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

-10

Fonte: Saad Filho&Morais (ver nota 3)

3 Saad Filho, A. e Morais, Lecio. The Costs of Neo-Monetarism: the Brazilian Economy in the 1990s. London: South Bank University Business School, 2000. Saad Filho é economista e, atualmente, professor na London University.

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com o consentimento de suas elites econômicas e políticas. O Estado brasileiro e a dívida externa: uma nova estatização A crise de 1979-83, causada diretamente pela subida unilateral das taxas de juros americanas, representou o fim do ciclo de crédito iniciado em 1966-67. Durante essa crise e nos anos seguintes o Estado brasileiro terminou por estatizar toda a dívida externa antes privada; tanto pela captação de empréstimos – diretamente ou através de suas estatais –, para honrar, em dólares, os vencimentos das dívidas privadas, como ainda pela assunção paulatina de todo o risco cambial da moeda nacional. Agora, começamos a viver uma nova estatização da dívida privada. Vejamos a seguir as duas maneiras como se processa essa estatização, repetindo, com algumas diferenças, o que sucedeu na década de 80’. A primeira se dá quando, pela escassez de divisas, o próprio Estado contrata empréstimos em dólares para suprir a deficiência de reservas e atender à demanda de cobertura cambial do setor privado. À medida que o custo do endividamento encarece, pelo aumento da taxa de juros externa ou pelo temor de uma desvalorização do Real, o setor privado, responsável - tanto agora, como na década de 70 – pela maior parte da dívida, trata de liquidar seus compromissos, evitando novos empréstimos. Como o Banco Central tem o monopólio do câmbio, cabe ao Governo arranjar os dólares necessários para pagar ao credor externo. Por outro lado, investidores que trouxeram dinheiro para cá também podem,

com a liberalização da conta de capital, repatriar seu investimento com os ganhos aqui obtidos, quando acharem oportuno, cabendo também ao Governo providenciar os dólares necessários. Não haveria problema se a quantidade de dólares emprestada ou investida fosse igual à retirada, mas isso não acontece. O problema é que os juros e os rendimentos auferidos internamente por esses dólares tornam o volume de saída maior que o da entrada. Quando há déficit comercial, essa situação fica ainda pior, pois a única fonte própria de divisas se transforma em consumidora. Caso não haja interesse privado, ou dos emprestadores externos, em refinanciar o déficit cambial, endividando-se, o próprio Estado nacional tem que assumir essa tarefa, tomando empréstimos. É assim que se torna pública uma dívida anteriormente privada. É o que vem acontecendo, especialmente a partir de 1997. Além dos empréstimos da megaoperação de socorro de liquidez, comandados pelo Tesouro americano e o FMI, para enfrentar as crises cambiais que se sucederam a partir do final de 1997, o Tesouro Nacional praticou várias emissões de bônus da dívida soberana (bônus da República) (ver tabela a seguir), apenas para reforço de reservas ou para sinalizar custos para possíveis tomadores privados . O outro caminho de estatização da dívida externa se dá pela assunção do risco cambial de desvalorização do Real. A pretexto de evitar a fuga de capitais após o final de 1997, ou de diminuir a pressão sobre a taxa de câmbio, o Tesouro e o Banco Revista de conjuntura #

Lançamento de bônus da República (captação líquida) em US$ milhões

1996

1.035,6

1997

5.042,1

1998

2.093,9

1999

6.242,9

2000

11.333,9

2001 (até julho) Total

8.911,8 34.660,3

Fonte: Projeto de lei Orçamentária 2002. Informações suplementares ao Congresso Nacional, setembro/2001.

Central vêm emitindo títulos com correção cambial, para dar hedge cambial aos grandes devedores e investidores externos. Em agosto de 2001 esses papéis representavam 28,9% da dívida total, somando US$ 68,5 bilhões. Assim, parte cada vez maior do ônus de desvalorização da moeda vai se tornando custo do Tesouro. A desvalorização do primeiro trimestre de 1999, por exemplo, custou cerca de 39,9 bilhões de reais (3,5% do PIB) ao Governo Central. E até agosto deste ano, a desvalorização custou, só com os “títulos cambiais”, mais R$ 39,2 bilhões. Esses custos vão inchando ainda mais a dívida pública. A questão recorrente da legitimidade do pagamento da dívida externa A cada vez que volta a acontecer uma crise de pagamento, que ameaça lançar o País na depressão e na desorganização produtiva, muitas são as vozes que põem em dúvida a legitimidade do pagamento de uma dívida externa (e de uma dívida pública interna) constituída por mecanismos como descrevemos, e que parecem, com

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razão, à parte da sociedade, obscuros ou mesmo ilegítimos. A difícil situação cambial brasileira e a grave retração mundial de crédito para os países periféricos indicam que estamos na fase final de retração de um ciclo, constituindo nova ameaça à continuidade do funcionamento da nossa economia. Isso traz de novo à ordem do dia a discussão do pagamento de nosso passivo externo. Há os que advogam o seu pagamento, custe o que custar. Outros aceitam que apenas uma parte razoável seja paga e outra, renegociada – consentida ou unilateralmente – em condições mais favoráveis, defendendo uma moratória. Outros há que são pela denúncia pura e simples de toda a dívida. São muitos os argumentos pró e contra. Não temos espaço aqui para discuti-los todos, mas gostaria de tecer considerações a respeito de pelo menos dois deles, cujas razões são eminentemente políticas. O primeiro argumento defende que a relação custo/benefício é desfavorável a uma suspensão do pagamento (default). Seus defensores admitem que uma moratória unilateral tem grandes vantagens em curto e médio prazos, por retirar uma forte restrição sobre as contas externas, bastando citar os exemplos recentíssimos da Rússia e da Malásia (neste caso, houve restrição ao livre movimento de capitais), cuja situação atual é muito melhor que a dos demais grandes devedores que continuaram a honrar seus compromissos externos. Mas, a longo prazo, a desvantagem seria maior, pois a perda de confiança implicaria a exclusão permanente do país do sistema financeiro internacional,

impedindo que sua economia participe dos próximos ciclos expansivos de crédito e investimento. Esse é um argumento lógico e factível, mas cuja certeza é desmentida por experiências recentes. A primeira delas aconteceu com o próprio Brasil: apesar de termos promovido uma moratória unilateral em 1987, o início, em seguida, de um novo ciclo de expansão colocou-nos outra vez rapidamente no roteiro do crédito internacional. Mesmo em 1992, uma situação econômica desastrosa – de recessão e elevada inflação – e uma conjuntura política ainda mais incerta, com um presidente em processo de impeachment, não intimidaram os investidores, que só faltaram arrombar nossas portas com novas ofertas de capitais. A segunda experiência é ainda mais recente e também nos envolve indiretamente. Em julho passado, vazou na imprensa especializada que o FED teria feito, em março e abril, uma recomendação às instituições financeiras americanas segundo a qual, tendo em vista a situação de instabilidade política e econômica do Brasil e Argentina, essas instituições deveriam considerar secundário o refinanciamento dos passivos desses países (tão fiéis à ortodoxia dominante) e priorizar o refinanciamento da... Rússia!, que

se declarou em moratória há menos de três anos! O segundo desses argumentos é bem mais simples e profundo. Afirma que o problema da dívida é uma questão de correlação de forças, não sendo possível a priori decidir se o custo de um default compensará os benefícios a serem usufruídos. Isso dependerá de cada país e de sua importância econômica ou geopolítica, da capacidade de suas elites governantes de lidarem com a adversidade, bem como da conjuntura internacional vigente. Esse é um argumento que, pela sua própria natureza pragmática, não permite uma negação plena. E sua força advém da constatação, tantas vezes confirmada pelos fatos da História, de que, entre países soberanos, devem prevalecer os princípios de convivência harmoniosa, mas que nenhum desses princípios pode sobreporse a uma ameaça à própria continuidade e sobrevivência de uma nação e do bem-estar de seu povo. Embora a discussão sobre o destino da dívida externa continue, consideramos que os laços que unem essa dívida à própria natureza da dependência fazem com que, em defesa de nossa soberania, sua renegociação – consentida ou unilateral – será sempre uma alternativa a considerar. Pelo Brasil ou qualquer outro país.

* Lecio Morais Economista e assessor técnico na Câmara dos Deputados. Este artigo tem como base a palestra realizada por mim no Fórum Minas por um outro mundo , na Oficina sobre a Auditoria Cidadã da Dívida , organizada pela Delegacia Sindical de Belo Horizonte do Unafisco Sindical (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), em conjunto com o Fisco Fórum MG, em 31 de agosto de 2001.

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A R T I G O

Ciência, mito e sofrimento

Uma discussão do pensamento econômico e seus efeitos no Brasil1

George de Cerqueira Leite Zarur*

I - PENSAMENTO ECONÔMICO E OUTROS PENSAMENTOS Os pobres eram, nas sociedades estáveis e hierárquicas de antigamente, induzidos a aceitar sua vida de privações, acreditando nos preceitos religiosos que ensinavam a submissão e o sofrimento como passos indispensáveis à conquista do paraíso. Embora um camelo não passasse pelo buraco de uma agulha e um rico não entrasse no reino dos céus, preferiam esses ingratos, quase sempre, a riqueza à felicidade no outro mundo. Aos pobres, não restavam muitas alternativas, sendo a mais comum o consolo de sua atual penúria pela convivência futura com anjos harpistas em nuvens de algodão. Nas religiões protestantes, as diferenças de

riqueza tomaram um outro tom, conforme demonstram análises que vêm desde Weber. A ênfase no Velho Testamento isolava o “povo escolhido” dos demais, e a riqueza representava a evidência concreta da preferência divina. Valores como austeridade, traba-

lho e poupança passaram a fazer parte do cotidiano dos protestantes, como condição para a conquista da riqueza nesta terra e da felicidade no paraíso. De qualquer forma, era necessário o sofrimento agora, a “temperança” hoje, para a salvação amanhã. É objeto de textos clássicos, como o de Frantz Fanon, a idéia de que os povos colonizados são levados a se pensar como inferiores e, por isso, a aceitar a exploração dos colonizadores. Estes são vistos como a obra-prima da criação divina, racialmente superiores e intelectualmente mais bem dotados. Daí poderem os colonizadores, com a consciência mais tranqüila, usar a violência associada à exploração econômica para manter os povos coloniais no papel subordinado e

Aos pobres, não restavam muitas alternativas, sendo a mais comum o consolo de sua atual penúria pela convivência futura com anjos harpistas em nuvens de algodão .

1

Agradeço à minha filha Márcia Zarur, que reviu a primeira versão deste artigo

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A transitividade, demasiadamente

fácil, entre modelos econômicos e realidade caracteriza muito de nosso pensamento econômico e a formulação de políticas . serviçal. Se a “coisa” fosse bem feita, tão gostoso como a escravidão ou a exploração econômica do ponto de vista do senhor, é claro - era ser chamado de “bwana”. Neste último caso, o do colonialismo, o assim chamado “papel ideológico” das religiões era transposto para o terreno da ciência biológica. A superioridade racial era “cientificamente” demonstrada e gerava e justificava uma série de ações políticas, do estupro à escravidão e ao massacre. No mundo de hoje, dos relativismos e construtivismos, aceita-se, mais do que nunca, a não neutralidade do conhecimento e, especialmente, a não neutralidade do conhecimento que interfere no cotidiano das pessoas. Este, também, responde à posição social do observador. Daí a coexistência legítima de pensamentos alternativos e a tolerância frente à falta de consenso, interpretações e soluções dos problemas sociais e econômicos. A boa teoria, do ponto de vista do Estado, é a que induza a ações políticas que melhor atendam ao interesse da coletividade.

Tal discussão ainda não chegou às versões mais comuns do pensamento econômico disseminado no Brasil. Esta atitude resulta de um positivismo tardio, que tem funcionado como uma racionalização do subdesenvolvimento nacional e da pobreza de uma grande parcela da população. Versões distorcidas e grosseiras da teoria econômica vêm sendo impingidas aos brasileiros, por economistas e pela imprensa especializada, para justificar políticas contrárias ao interesse do País. Como nas religiões antigas, prometem a felicidade futura em troca da renúncia à riqueza e de privações; como a biologia racista, assumem a certeza para, com a autoridade da ciência, justificar a desigualdade. II - CRÍTICA DO PENSAMENTO ECONÔMICO NO BRASIL Alguns aspectos, dentre muitos outros, podem ser levantados para uma crítica do pensamento econômico e, especialmente, do uso que dele se faz no Brasil. Os exemplos abaixo retratam a infeliz tradução de postulados da

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teoria em política econômica em nosso País. A transitividade, demasiadamente fácil, entre modelos econômicos e “realidade” caracteriza muito de nosso pensamento econômico e a formulação de políticas. 1. RACIONALIDADE ECONÔMICA, MERCADOS PERFEITOS E IMPERFEITOS, E PRIVATIZAÇÕES

Embora produza formulações didáticas e elegantes ao nível dos modelos, um dos mais graves problemas com a teoria econômica corrente, conforme divulgada no Brasil, é a confusão acrítica entre esses modelos e a chamada “realidade”, ou o “mundo lá fora”. Ignora-se que tais “modelos” são constructos lógicos, formulações ideais para se entender o mundo, e não sua reprodução. A primeira e maior função desses modelos não é a de retratar ou refletir situações concretas, de explicar pela identidade, mas, sim, a de compreendêlas, até mesmo, pela distância, contraste e oposição. A premissa maior do pensamento econômico é a da racionalidade dos agentes econômicos, ou seja, de que estes fariam escolhas racionais buscando maximizar sua satisfação, seu lucro etc. Esta premissa, essencial para toda a teoria econômica, permitiu o desenvolvimento da idéia de mercado e de modelos de previsão de comportamento dos agentes econômicos, na busca desses objetivos. Em primeiro lugar, há que se observar que o chamado “comportamento racional” é uma exceção, não a regra, no comportamento econômico.


Curvas de indiferença, decorrentes de processos de escolha racional, podem ser traçadas, retratando algumas situações concretas. Essas situações podem apresentar uma boa proximidade a modelos teóricos em alguns setores específicos, como o de “commodities” e, talvez, no caso do consumidor individual, em uma feira livre, onde uma dona de casa, com muito tempo para pesquisar preços, tem ao seu dispor um grande número de vendedores de produtos idênticos. Entretanto, na enorme maioria dos casos, a escolha racional – base da teoria econômica - sofre um infinito número de interferências de fatores, assim chamados “não-econômicos”. Não é apenas um problema de informação correta sobre a oferta, mas, antes, sua manipulação e condicionamentos de ordem cultural, social e de poder. Um exemplo dramático nesta direção é o da propaganda, que, ao contrário do que se afirma, não leva à melhor escolha, seja do ponto de vista do preço, seja considerando a qualidade. Induz, sim, freqüentemente, à escolha da embalagem mais colorida. Outros fatores que eliminam a racionalidade puramente econômica nas decisões são a própria facilidade de acesso aos produtos (no armazém do vizinho...), a relação pessoal e amigável da freguesia, hábitos de consumo e sistemas de status (griffe, por exemplo) etc. 2

2

Os manuais de economia afirmam que o mercado perfeito restringe-se a algumas poucas exceções, em um mundo muito imperfeito, mas a análise econômica esquece, com freqüência, esta ressalva. Sempre existe, é claro, o recurso aos modelos do mercado imperfeito. Embora mais próximos do “mundo real”, não têm, nem de longe, a mesma simplicidade e clareza dos modelos que descrevem o mercado perfeito. Assim, talvez em nome da elegância, muitos economistas, mesmo inteiramente cientes de que amplos setores da economia são controlados por monopólios e oligopólios, insistem na tese da desregulamentação acrítica do mercado, como se a livre ação racional dos agentes representasse a forma natural da vida econômica. Essa confusão entre modelo e realidade tem conseqüências danosas para a política econômica. Um bom exemplo recente é o das

privatizações de empresas estatais, no Brasil. Supõe-se, usandose o lucro como indicador, que as empresas privadas sejam mais eficientes do que as estatais. O lucro é o objetivo das empresas privadas, enquanto o das estatais é a prestação de serviço. Assim, é óbvio que, usando-se o lucro como indicador, as empresas privadas têm que ser mais eficientes do que as públicas. Este é um típico truísmo. Recentemente, este mesmo raciocínio foi usado pelo discurso governamental, para justificar a pretensa maior eficiência das universidades privadas de caráter empresarial, sobre as públicas, uma vez que as primeiras têm menor número de professores por alunos. É claro que, quanto menor o número de professores, pior a biblioteca e maior a mensalidade, mais lucrativa a empresa educacional, maior a “produtividade” do trabalho e do capital. Porém, maior número de professores leva a um menor tamanho

Essa confusão entre modelo e

realidade tem conseqüências danosas para a política econômica. Um bom exemplo recente é o das privatizações de empresas estatais, no Brasil .

Não explorarei aqui, por escaparem aos objetivos deste artigo, os aspectos culturais no comportamento econômico, sobre os quais escrevi dois livros. Havendo interesse, sugiro consultar Zarur, 1984: Os Pescadores do Golfo , Editora Achiamé, baseado em minha tese de doutorado, de 1975, Seafood Gatherers in Mullet Springs: Economic Rationality and the Social System . Na base de tudo, naturalmente, Karl Polanyi.

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das classes e a mais atenção despendida pelos professores aos seus alunos, aumentando a qualidade do ensino. Logo, em nome da eficiência, medida por indicadores de produtividade desenhados especificamente para realçar a suposta eficiência das empresas particulares, privatizam-se as empresas estatais e serviços públicos. A suposta ineficiência das empresas públicas (quando medida pelo lucro) é agravada pelos preços baixos dos bens e serviços que produzem, utilizados, inadequadamente, pelo governo para o controle da inflação. Além disso, essas empresas apresentam dívidas artificiais em seus balanços, usadas que foram como instrumentos flexíveis para a tomada de empréstimos no exterior e equilíbrio do balanço de pagamentos3. O que pode gerar a melhoria de eficiência na prestação de serviços públicos, como ocorre na telefonia ou na energia elétrica, não é a privatização em si, mas a quebra de monopólios e a competição, permanecendo as empresas estatais como instrumentos de políticas setoriais. A pressuposição da existência prévia, “natural”, de um mercado livre, deformado pela

existência das empresas estatais, é um dos enganadores pressupostos correntes da economia vulgar. Ora, como se assume, indevidamente, que o mercado é a priori perfeito – devido à confusão entre modelo e realidade - ,simplesmente é esquecido que, quando se privatiza, destrói-se o patrimônio nacional e faz-se a simples substituição de monopólios ou oligopólios públicos por privados. Embora algumas antigas empresas estatais apresentassem problemas bem conhecidos (a oferta e o preço da energia e dos telefones, por exemplo), a tendência, como, rapidamente, estão demonstrando os casos da Light,

no Rio de Janeiro, e da Telesp, em São Paulo, é a uma acentuada perda de qualidade do serviço. No caso da Light, por exemplo, centenas de eletricitários foram sumariamente demitidos, e os serviços, terceirizados, de maneira apressada, com uma imediata e acentuada queda no custo e na qualidade do serviço. Afinal, o compromisso da empresa passa a ser com o acionista, no país ou no exterior, não com a comunidade a que presta serviços. Sem competição, não há nada que a impeça de prestar o pior serviço pelo maior preço, embora aumente a eficiência medida pelo lucro. A providência a ser tomada, no sentido de se melhorarem os serviços das empresas públicas e das privadas e atrair investimentos, que se consubstanciem no aumento da capacidade instalada no País, é a quebra dos monopólios, não a privatização.4 Em alguns casos, de serviços públicos básicos, não se deve quebrá-los. Um excelente exemplo comparativo na qualidade do serviço prestado vem da sistema ferroviário inglês, privatizado, quando comparado com o francês, público. Enquanto na França o “TAV” (trem de alta velocidade) desloca-se a mais de trezen-

A providência a ser tomada, no sentido de se melhorarem os serviços das empresas públicas e das privadas e atrair investimentos, é a quebra dos monopólios, não a privatização .

Isto não impediu que a Vale do Rio Doce, por exemplo, fosse considerada pela revista Forbes, de fevereiro de 1999, a melhor empresa de mineração do mundo . Tal conquista, evidentemente, não resulta da recente privatização da empresa, a preço simbólico, mas de décadas de administração criteriosa e eficiente sob controle estatal. 4 O papel da competição seria um ponto de vista prescrito pela própria economia clássica, mas que, neste caso particular, é convenientemente omitido. 3

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tos quilômetros por hora na rede ferroviária pública, ao cruzar a Mancha pelo Eurotúnel, diminuise a velocidade para 70 km por hora, uma vez que a empresa privada britânica (“RAILTRACK”) não tinha nenhuma razão para investir na melhoria da rede ferroviária, literalmente caindo aos pedaços. Mesmo assim, esta empresa está falindo, para o bem de seus acionistas e uma possível reestatização, melhor ainda para seus acionistas. A tese de que tal problema seria resolvido por agências governamentais criadas para o fim específico de controlar os monopólios e oligopólios privados não se sustenta em um país como o Brasil, onde a Justiça pouco funciona e a sociedade política é pouco organizada. A tendência é a de que se transformem em espécies de representantes dessas empresas privadas, no âmbito governamental, com o fim de controlar consumidores insatisfeitos e de conseguir vantagens, isenções e financiamentos privilegiados para as empresas do setor que iriam controlar. Aliás, isto já vem ocorrendo, como pode ser observado pelo reajuste das tarifas do setor elétrico e telefônico. A confusão entre modelo e realidade não seria tão prejudicial à coletividade, caso não fosse parte integrante do tradicional discurso autoritário brasileiro. Quando, nos tempos da ditadura, a “realidade”, na forma dos movimentos sociais, se insurgia contra os modelos econômicos, chamava-se a polícia. Hoje ,usam-se mecanismos de formação e controle de opinião para se atingir o mesmo fim. O “pensamento úni-

A confusão entre modelo e realidade não seria tão prejudicial à coletividade, caso não fosse parte integrante do tradicional discurso autoritário brasileiro . co” se consolida pela monótona repetição dos mesmos temas, dia após dia, pela imprensa, ou nos departamentos universitários, pela desqualificação prévia de pontos de vista desviantes. 2. O DÉFICIT FISCAL NATURALIZADO E O ARBITRAMENTO DOS JUROS

O estudo do consumo e da renda, na teoria econômica, implica freqüentemente, a idéia de que os agentes econômicos, racionais, seriam destituídos de poder, em função da própria liberdade do mercado. Assim, o “Estado” se igualaria, formalmente, às “famílias” e às empresas, como “agentes econômicos”, em igualdade de condições, comprando e vendendo. Esta simplificação leva a que as economias nacionais, ou mesmo a economia globalizada, sejam percebidas como o somatório de uma miríade de milhões de decisões individuais. São, desta forma, convenientemente, esquecidas (ou subestimadas) relações de poder. Esta visão omite que as famílias se distribuem ao longo de classes sociais e que há famílias proRevista de conjuntura

prietárias, que vêm mantendo-se assim há séculos, e pessoas - a idéia de “família” chega a desaparecer na extrema pobreza - absolutamente despossuídas, que assim nascem e assim continuam durante toda sua vida. O sucesso na vida é, segundo o modelo de indivíduos e “famílias” equalizados, uma questão de competência individual, de competição no mercado livre. O fracasso é atribuído à falta de agressividade, de inteligência, de educação ou de capacidade empreendedora. A distância de uma explicação racista é muito pequena, e sabemos haver uma relação direta entre a idéia de “sucesso”, no mercado, e o racismo, na ideologia tradicional norte-americana. É, além disto, uma forma cômoda de atribuir-se às vítimas a culpa pela seu sofrimento, como acontece nos estupros, por exemplo. Da mesma raiz é a tese de que o Estado deva agir como um indivíduo, tanto na gestão das suas despesas, como no seu relacionamento com os demais agentes econômicos. A comparação entre a gestão do Estado com a administração de uma casa ou de uma empresa

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é o próximo passo lógico, decorrente da premissa de que a economia compõe-se da interação simétrica entre famílias, empresas e o Estado. Esta confusão, intencional ou não, a compreensão da macroeconomia como um sistema microeconômico ampliado, representa, assim, mais uma fonte de iniciativas políticas públicas prejudiciais à coletividade. Embora, na análise do consumo, famílias, Estado e empresas atuem no mercado de maneira formalmente análoga, apenas o Estado tem o direito de se apropriar da renda dos demais agentes econômicos, através da tributação, isto é, pelo exercício do poder de polícia. Apenas o Estado tem o direito de emitir moeda, embora alguns, como o argentino, estejam propondo sua autoextinção, desistindo deste direito que lhe é inerente. Deve o Estado, vivendo a metáfora do pai ou mãe de família, viver com seu orçamento doméstico, caso contrário será obrigado a contrair empréstimos a juros supostamente ditados pelo mercado. O FMI, os bancos e o governo dos países desenvolvidos são, simbolicamente, associados à figura repressiva de um patrão, professor ou gerente desumano.

Esta simplificação tem sido repetida por governantes e divulgada pela imprensa para justificar as políticas de equilíbrio fiscal. A necessidade de equilíbrio de contas públicas, torna-se, por isso, uma verdadeira “ilusão fiscal”. A insultuosa expressão “fazer o dever de casa” associa uma nação, dotada de uma identidade e forjada por uma história, com a figura de uma criança mal comportada. Esta infantilização de um povo é típica de uma relação colonial. O tratamento de aborígenes, africanos e negros norte-americanos como “crianças” sempre exprimiu a semântica da escravização. Assim, em uma contabilidade elementar, o Estado, vivendo a metáfora do equilíbrio das “finanças domésticas”, não pode gastar mais do que arrecada, pois, caso contrário, deve emitir títulos para, emprestando do público, cobrir o “buraco” em suas contas. A emissão de títulos é a alternativa à emissão de moeda, que ocasiona a inflação. As taxas de juros abandonam o clássico papel de instrumento keynesiano de controle de inflação, para serem transformadas em mecanismo supostamente não-inflacionário de controle

O FMI, os bancos e o governo dos

países desenvolvidos são, simbolicamente, associados à figura repressiva de um patrão, professor ou gerente desumano . Revista de conjuntura

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temporário do déficit público. A solução final para o problema é, neste mundo de sonho (de alguns), a diminuição do papel do Estado para a conquista do equilíbrio fiscal, destruindo-se conquistas sociais, privatizando-se empresas estatais (lucrativas e não lucrativas), afastando-o da economia para que gaste menos e possa equilibrar suas contas. No limite lógico, estaria a destruição final do Estado, privatizadas ou extintas a Justiça e as Forças Armadas, em curiosa aproximação do ultraliberalismo a algumas das vertentes históricas das doutrinas anarquistas. De outro lado, há necessidade, também, de se equilibrarem as contas externas, e é comum entender-se que o déficit externo deva ser coberto pela emissão de títulos, recebendo tratamento similar ao do déficit público interno: quanto maior o déficit no balanço de pagamentos, maior a taxa de juros, para que os capitais externos continuem aportando no País. Porém, não se pondera que com uma taxa de juros mais baixa é possível que esses capitais continuassem migrando para o País, só que para bolsas de valores ou diretamente na produção. Também não se pondera que, em determinadas situações, tais capitais são simplesmente indesejáveis. Embora seja, teoricamente, aceitável uma relação equilibrada entre gastos e receitas públicas, pois os excedentes poderão, sim, ser inflacionários, suas causas são, sempre, na versão mais comum do pensamento econômico em curso no País, originárias do excesso de gastos do governo, raramente do patamar dos juros


ou de problemas tributários. Estes são considerados prementes, apenas, no momento de se taxarem as poupanças da classe média ou de se cobrarem pesadas contribuições previdenciárias adicionais de parcelas desprotegidas da população. O aumento da arrecadação sobre outros segmentos sociais não é percebido como saída. O argumento é de que tal iniciativa “desestimularia os investimentos no País”, sendo, portanto, pouco desejável a taxação de empresas, sem se distinguir quais empresas, se produtivas ou financeiras, se vocacionadas ou não à exportação, se portadoras ou não de um conteúdo tecnológico estratégico para o desenvolvimento nacional. Não há a lembrança de que as taxas de juros, sempre altas, têm sido o grande fator de desestímulo da atividade empresarial no Brasil. O resultado desse raciocínio é o esquecimento de que em 1998, por exemplo, “metade das quinhentas maiores empresas não recolheu um centavo de imposto de renda, e da metade restante o governo conseguiu arrecadar apenas R$ 3 bilhões. Acrescenta a mesma fonte que os maiores bancos produziram receita de R$ 97,14 bilhões e 28 deles não pagaram um níquel de IR como pessoa jurídica.”5 Na verdade, considerados mecanismos como o PROER, o financiamento das privatizações e isenções fiscais, o que tem havido é a transferência, em larga escala, de recursos públicos para o setor privado. É

O conceito de orçamento público pode excluir, por exemplo, a própria dívida mobiliária, o que modificaria seu cálculo e tornaria as contas públicas mais favoráveis . uma tributação às avessas. Isto sem se considerar a fantástica sonegação direta. Um aspecto geralmente ignorado na discussão do déficit público é o das metodologias para o seu cálculo, das quais dependem sua existência e o seu tamanho. O déficit público é um fato socialmente construído pela teoria econômica, como em qualquer outra forma de produção de conhecimento. Mais ainda, construído em um ambiente específico de relações de poder, ao contrário do que pretende o modelo dominante, que o transforma em fenômeno natural, como uma montanha ou um rio. O conceito de orçamento público pode excluir, por exemplo, a própria dívida mobiliária, o que modificaria seu cálculo6 e tornaria as contas públicas mais favoráveis. A previdência social pode ser entendida, por exemplo, como um sistema contábil fechado, um fundo atuarial à parte, ou como um aspecto do orçamento público glo-

bal. Qualquer dessas formas modifica, inteiramente, a idéia de “déficit da previdência”, afetando os direitos dos diversos setores envolvidos na atual disputa a respeito do assunto. O mesmo raciocínio se aplica às demais categorias orçamentárias. Alterações metodológicas não são tão infreqüentes no cálculo das contas nacionais, e um exemplo recente vem da Itália, que o fez para participar do universo financeiro do Euro. Mudanças nos critérios de cálculo das contas públicas devem ser evitados para a garantia de sua credibilidade e manutenção das “regras do jogo”, mas são parte do processo de negociação da política econômica em países democráticos e não algo, em princípio, errado, devido à alguma sagrada “recomendação técnica” ou “dever de casa”. O déficit público, como outros conceitos, não é um fenômeno natural, mas um artefato cultural produzido pelo conhecimento científico e resultante da negociação

Resumo de Ari Cunha, das informações do Professor Josaphat Marinho, referentes ao ano de 1998: Correio Braziliense de 03/02/1999. Note-se onde a informação foi obtida. Inteiramente confiável, mas fora das fontes comuns de informação econômica. 6 Até a década de 80 os orçamentos fiscal, monetário e das estatais eram contabilizados separadamente, no Brasil. 5

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política. Pode ter seu montante multiplicado por fraudes, o que uma auditoria poderia comprovar ou não, tranqüilizando, nesta última hipótese, os que são obrigados a pagá-lo. Pode, também, ser automaticamente reduzido a zero, por um ato de poder. O déficit público é sempre considerado muito “alto”, no Brasil, sem maiores considerações, ou escalas de medida. Esquece-se, por exemplo, que, há vários anos, vêm sendo acumulados sucessivos superávits primários no orçamento da União, chegando já, em alguns casos, perto dos 4% do PIB, em que pese a enorme sonegação e o que caracterizamos acima como “tributação às avessas”, isto é, o aporte acriterioso de recursos governamentais para o setor privado.

O déficit público, como outros conceitos, não é um fenômeno natural, mas um artefato cultural produzido pelo conhecimento científico e resultante da negociação política .

O déficit público, sempre considerado alto, gera, como resultado, uma taxa de juros correspondentemente alta, suficientemente atraente, segundo o discurso corrente, para que sejam preferidos os investimentos em títulos governamentais. No caso do déficit cambial, a taxa de juros deverá, também, ser suficientemente elevada, segundo esse mesmo discurso, para que os investidores estrangeiros prefiram os títulos governamentais brasileiros a outros investimentos no Brasil e em outros países. O problema é o de saber o quão elevada deve ser a taxa de juros para que os investidores continuem comprando títulos emitidos pelo governo, uma vez que não há nenhuma metodologia clara inventada para este fim, a não ser a velha “experiência e erro”. É, por isso, razoável a suspeita de que a taxa de juros tem sido mantida, sempre, muito mais alta do que o necessário, dada a artificialidade e arbitrariedade de seu cálculo, frente ao semnúmero de variáveis em operação, aos poderosos interesses que lucram com a sua elevação, as relações orgânicas entre muitos de seus formuladores e o setor financeiro, e a falta de informação do público. Uma forte evidência de que a taxa de juros tem sido mantida artificialmente alta no Brasil é que, em 1993, o Presidente da República, deduzindo, a partir do bom senso, que a taxa de juros estava demasiadamente elevada, enfrentou a opinião do Presidente do Banco Central, para mantê-la em níveis mais baixos, com o resultado de um excelente desem-

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penho do setor estatal, baixo endividamento e elevadas taxas de desenvolvimento econômico. Não se pode esquecer que as alternativas de investimento em um país como o Brasil não são tantas como nos países desenvolvidos, o que oferece ao governo uma grande liberdade na administração dos juros. Isto devido à situação quase monopsônica deste mesmo governo, como o grande tomador de dinheiro no mercado financeiro nacional. Quando não são utilizados para cobrir o déficit público, ou corrigir os desequilíbrios cambiais, os juros servem, seguindo a clássica receita keynesiana, para “enxugar” a quantidade de moeda em circulação e controlar a inflação, estimulando ou desestimulando a atividade econômica. Muda-se, completamente a abordagem econômica para se obter o mesmo efeito de juros, desnecessariamente elevados. O controle da inflação via taxa de juros funciona em economias desenvolvidas associadas a democracias fortes e sociedades civis muito organizadas. Há boas razões para se pensar, porém, que em países como o Brasil este é um remédio pouco eficaz, pois as doses devem ser tão exageradas para fazer algum efeito que sua utilização perde o sentido, conforme demonstraram décadas de inflação associada a taxas de juros dentre as mais altas do mundo. A principal razão do insucesso desse instrumento de política monetária no ambiente brasileiro é, novamente, a ignorância do que acontece na economia real e sua substituição por um modelo. Em uma economia fortemente


oligopolizada, as taxas de juros representam custos facilmente repassáveis ao consumidor, agravando o processo inflacionário. O cálculo (“racional”) do gerentes dos monopólios ou setores oligopolizados será sempre o de manter o preço tão alto quanto possa extrair do consumidor, sem se preocupar com a concorrência. No caso de bens e serviços de demanda fortemente inelástica,7 o repasse é imediato e, freqüentemente, maior do que o próprio aumento de custos. O aumento dos preços desses bens e serviços tem, por outro lado, um forte impacto na economia como um todo, ocasionando o aumento geral de preços. O problema com o uso da taxa de juros no controle da inflação no Brasil é, portanto, o de se saber, setor por setor da economia, o peso da inflação de demanda que reprime, frente ao peso da inflação de custos que ocasiona. A experiência das últimas décadas, no Brasil, parece demonstrar que altas de juros podem ser inflacionárias, ou, pelo menos, inócuas, no controle da inflação, ressalvados os casos das recessões “brutais” . Neste final ano de 2001 a inflação deve aproximar-se dos 10%, muito alta para uma economia desindexada, estando as taxas de juros atuais em 19%, na ponta do banco, elevadíssimas para qualquer economia do mundo. Há que se lembrar, por outro lado, a existência de outros mecanismos monetários de combate à inflação, além da manipulação da taxa de juros, sem os

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Hoje, a política monetária deve

representar o mais importante fator de concentração de renda no Brasil . seus efeitos sobre o déficit público, como, por exemplo, o controle direto da emissão primária de moeda, o controle da quantidade de moeda disponível para o público - através da administração adequada do depósito compulsório - e da velocidade de sua circulação, afetada por instrumentos, em geral, pensados para outros fins, como a CPMF, por exemplo. Sem dúvida, tais ações poderão repercutir sobre as taxas de juros, mas estas estão tão infladas que levará muito tempo para que sua influência se faça sentir. O ajuste fiscal para o combate à inflação, através do corte dos gastos públicos, é por muitos entendido como primeiro e máximo fim nacional. O mais surpreendente é que, dadas as metodologias de cálculo do déficit e o uso que se faz das taxas de juros para combatê-lo, sua extinção representa um objetivo claramente inatingível: já que a dívida contraída em nome das exigências do déficit passa a fazer parte desse mesmo déficit, ele sempre aumenta. Isto exige que a taxa de juros, como conseqüência, também, sempre aumente, o que, por sua vez, ocasiona novo incremento no déficit, que exige taxas de juros ainda mais altas, em um processo de

causação circular envolvendo as duas variáveis. O equilíbrio fiscal, por intermédio do corte de despesas e das privatizações, poderia ser obtido apenas no primeiro momento do processo acima descrito, haja vista o montante da dívida pública brasileira, de hoje, como resultado desta política. Segundo cálculos de Reinaldo Gonçalves, em 1995, a dívida líquida total era de R$ 153 bilhões, e deverá chegar, ao final de 2002, a R$ 900 bilhões. A partir de um certo ponto, de há muito já atingido no Brasil, os efeitos únicos dessas medidas passam a ser a transferência das empresas estatais para mãos de particulares, em geral do exterior, e a transferência da renda pública que seria utilizada em salários, pensões, aposentadorias, merenda escolar, escolas, saúde, estradas etc. para o setor financeiro do País e do exterior, por intermédio dos juros. Hoje, a política monetária deve representar o mais importante fator de concentração de renda no Brasil: além da transferência de recursos do governo o faz, também, do setor produtivo e de toda a massa de salários para o setor financeiro, crescentemente internacionalizado. Os modelos científicos de hoje são muito mais complicados

Exemplos típicos seriam o de alimentos essenciais, ou os combustíveis fósseis em economias modernas.

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Mas a ciência econômica

continua insistindo neste mundo ideal, platônico, regulado pelas leis pretensamente naturais de mercado, descrito por um restrito modelo mecânico, como o da Física newtoniana . dos que os simples e simplistas modelos mecânicos (vide, por exemplo, a contemporânea matemática dos sistemas complexos em associação com a chamada “teoria” do caos”). Mas a ciência econômica continua insistindo neste mundo ideal, platônico, regulado pelas leis pretensamente naturais de mercado, descrito por um restrito modelo mecânico, como o da Física newtoniana. Isto não é surpresa, uma vez que os grandes modelos da economia liberal são contemporâneos históricos do desenvolvimento da Física clássica. Assim, a naturalização e a postulada inevitabilidade da relação déficit público-taxa de juros, estabelecida por um modelo mecânico8, anula logicamente, a possibilidade de formulação de políticas que conciliem desenvolvimento econômico, controle do déficit público e estabilidade monetária.

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III - A CRISE ATUAL E SUAS SAÍDAS

A aguda crise atual resulta dos desequilíbrios originários desta maciça transferência de renda e ativos, públicos e privados, para o setor financeiro e para o exterior, durante os últimos anos, decorrente dos modelos de análise e da política econômica acima descritos. Não é, portanto, uma “crise de conjuntura”, mas uma crise de poder e de formas de pensar compatíveis com as relações de poder dominantes. Embora a mudança na situação internacional, após os episódios de 11 de setembro, possa alterar o quadro, a continuidade da longa crise em curso poderá implicar a destruição da Petrobrás e do Banco do Brasil, e o atrelamento permanente do País ao “establishment” econômico

Modelos mecânicos são os que possuem uma, e apenas uma, solução, como os da Física clássica.

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internacional, em uma posição caudatária, com o fim do Estado nacional soberano. Característica desta nova forma de inserção na economia mundial poderá ser a dolarização, como está acontecendo na Argentina. Isto poderá acontecer se a crise continuar a ser enfrentada com taxas de juros fantasticamente altas, justificadas pelo combate ao esperado processo inflacionário, decorrente das recentes desvalorizações cambial e para garantia dos níveis de reservas em dólar, posto que, a cada nova situação, encontra-se um pretexto diferente para juros sempre mais altos. O cenário histórico pessimista, dando-se seqüência a esta política de altas taxas de juros, crescimento artificial do déficit e cortes sem fim dos gastos públicos, prevê a desativação operacional das atividades essenciais, como previdência, saúde, educação, Justiça e Forças Armadas, devido ao “arrocho”. É evidente, hoje, a desagregação das universidades, sistemas públicos de saúde e previdência, por exemplo. No plano institucional, o resultado mais visível será a ameaça de fragmentação política do País, devido à transferência dos custos do impossível ajuste para os Estados federados. Um quadro de desagregação análogo ao da ex-União Soviética, ou, talvez, como o de que está aproximando-se da Argentina. O fato de não estarmos, no momento, tão mal como a Argentina, devido ao câmbio flexível e a medidas de alívio pré-eleitorais, não nos deve iludir. O Brasil é,


no momento, o sexto maior risco-país do mundo, devido ao montante de sua dívida. O problema é saber por quanto tempo poderá ser “rolada”. Tudo será feito pelo governo atual para que “estoure” no próximo. Neste cenário pessimista, podemos desistir de qualquer proposta de formulação de política econômica e esperar que Deus e os americanos tenham piedade de nós... Há, não obstante, saídas, tanto para o País como para o pensamento econômico, embora a situação atual seja muito difícil. Inicialmente, há que se reconhecer a insuficiência dos modelos de análise e o fracasso da política econômica que nos levou à dramática situação que atravessamos. É indispensável que o déficit público - um verdadeiro “fetiche”- seja colocado em seu devido lugar. Novos modelos econômicos devem considerá-lo, e à taxa de juros, como dependentes de uma política maior de desenvolvimento social e econômico, e não o contrário. Esta, por sinal, parece, contraditoriamente, ser a política pregada pela maioria dos economistas norte-americanos para o seu próprio País. O cenário otimista inclui um dólar valorizado. Repetimos a mesma opinião, apresentada em 1999, após o fim da paridade do real com o dólar, de que a acentuada desvalorização do Real, então imposta pelo mercado, teria um impacto muito positivo, levando a uma nova fase de crescimento econômico; de

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que voltariam a ser produzidos os bens serviços que deixamos de produzir no País, devido à nossa antiga “moeda forte”, e seria iniciada, assim, uma nova fase de “substituição de importações”, com o aproveitamento da capacidade ociosa na economia e novos investimentos; nossas exportações ficariam mais competitivas, com crescentes superávits na balança comercial.9 Não é uma surpresa, portanto, que esteja havendo crescimento econômico após as últimas desvalorizações ocorridas em 2001, em que pesem as elevadas taxas de juros. Esse crescimento que encontrará seu fim na inelasticidade das exportações, devido às barreiras de diversos tipos dos Estados Unidos e da Europa, e no esgotamento desta recente fase de substituição de importações. Deve ser aqui lembrado que o diagnóstico acima, hoje quase consensual, encontrou forte resistência dos formuladores da política econômica governamental, que só desvalorizaram o real por

imposição do mercado, contra sua vontade, portanto. A efetiva superação da crise atual, com um crescimento permanente e sustentado, não ocorrerá com a manutenção dos juros nos presentes níveis. Isto posto, a etapa seguinte é a de recuperação da capacidade fiscal do Estado, por meio da cobrança do Imposto de Renda das grandes empresas e pela inclusão de amplas parcelas do sistema econômico no universo tributário no interior da própria “economia formal”, com o efetivo combate à sonegação. Será necessário o alongamento do perfil da dívida, o que não é impossível para o governo, pois um único tomador no mercado, com uma dívida que chega perto de 60% do PIB, dispõe de forte poder de barganha, se contar com as condições morais para tanto. Uma negociação visando ao alongamento da dívida é perfeitamente legítima, se for considerado que é com o povo, através da Constituição, que se estabelece a relação política e

A efetiva superação da crise atual,

com um crescimento permanente e sustentado, não ocorrerá com a manutenção dos juros nos presentes níveis .

Cadernos da ASLEGIS, v. 2, nº 6, 1999.

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jurídica essencial do Estado. Esta solução é infinitamente melhor do que deixar o sistema “estourar”, como aconteceu com o câmbio, no Brasil, em 1999 ,ou como está acontecendo agora com a Argentina, forçada à moratória, depois que o país foi literalmente arrasado. A renegociação da dívida deve ser precedida, naturalmente, por uma auditoria. Haverá, ainda, a necessidade de uma política industrial, e que o Estado intervenha para a proteção da setor produtivo nacional. O controle externo dos fluxos de produtos, serviços e capitais, com a seleção adequada dos que interessam à nação, é outra medida que se imporá, até mesmo em represália às barreiras externas. É notável que essa visão , só no presente momento, após anos de práticas opostas, esteja sendo incorporada ao pensamento dominante e a ao discurso governamental . O ponto central, resolvida a questão do câmbio pelo próprio mercado contra o governo, em 1999, e, da mesma forma, no presente ano, é a manutenção da taxa de juros em patamares suficientemente baixos para gerar um padrão de desenvolvimento econômico compatível com as ne-

cessidades do País e de sua população. Para tanto, a taxa de juros deverá ser metodológica e politicamente desvinculada do deficit público e, em certa medida, do controle da inflação, pelo menos da maneira com vem sendo estabelecida esta relação. Impõe-se um projeto nacional ancorado em um política de desenvolvimento social e econômico. Situados a distribuição de renda e o desenvolvimento como objetivo principal, o aumento da atividade econômica terá conseqüências imediatas na arrecadação e na criação das condições para um decréscimo no déficit público. A saída da crise brasileira passa pelo questionamento de valores fundamentais, como o da soberania do mercado. O mercado não pode ser considerado como um fim em si mesmo, mas nada mais que um instrumento, dentre outros, mais ou menos satisfatório,

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para a satisfação das necessidades humanas, contribuindo, assim, para sua felicidade. Não é um valor absoluto, atrapalhado em seu funcionamento por indesejáveis entraves políticos, mas algo que deve ser subordinado a outros conceitos e valores, especialmente aos de povo e nação. Para concluir, deve ser lembrado que o amoral homo economicus é uma abstração. Os economistas não precisam imitálo, abrindo “sacos de maldade”. Felizmente, a maioria dos economistas está consciente dessa implicação, mas é indispensável que se realize uma crítica ética e política do pensamento econômico, para que a economia volte a se comprometer com a compreensão do Brasil e com a melhoria da vida de seu povo. Para que o nobre saber econômico não se transforme em mais outra mitologia elaborada para justificar e infligir sofrimento!

* George de Cerqueira Leite Zarur Economista , Antropólogo e Consultor Legislativo Ph.D pela University of Florida. Ex-pesquisador visitante da Harvard University.

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A R T I G O

Da importância da História para o Economista José Roberto Novaes de Almeida*

Introdução Tanto os estudantes de Economia de graduação, quanto os da pós-graduação, no Brasil rejeitam o estudo de História como relevante para a Economia. Dão preferência às disciplinas de Teoria Econômica, Matemática, Estatística e Econometria. Mesmo disciplinas de Economia Aplicada são pouco consideradas, a menos que tenham forte conteúdo em Teoria Econômica. Da mesma maneira, disciplinas conceituais com elevado conteúdo verbal, como Economia Política e História do Pensamento Econômico, são consideradas tendo reduzido conteúdo econômico e apresentam dificuldades em conseguir estudantes. Parece-me que – e principalmente na pós-graduação – disciplinas do tipo História Econômica, Mundial e Brasileira são ignoradas e conside-

radas pouco relevantes pelos alunos. Tolera-se apenas Economia Brasileira, que, tratando de episódios de política econômica moderna, tem com um limitado conteúdo histórico. O desinteresse dos alunos por História vai mais além das razões da inexistência de bons textos de História moderna ou contemporânea. Mesmo os bons livros didáticos de Economia, como o Macroeconomia, de Sachs-

Larrain (1992 [2000]), estão repletos de interessantes exemplos históricos ilustrativos da teoria econômica ali explicada, mas os exemplos históricos parecem ser encarados pelos estudantes como meras ilustrações da teoria e que não merecem maior atenção, já que são apenas elementos secundários no Curso e não serão demandados na prova. Não me parece que o problema da História seja uma atenção excessiva com disciplinas de Matemática. Como afirma Solow (2001), discutir o uso de Matemática em Economia não é pertinente, já que a Economia Aplicada contém uma série de modelos adaptáveis a contextos diferentes, e que se prestam bem a manipulações matemáticas, uma vez que Economia lida com variáveis normalmente quantificáveis. Como McCloskey (1994, 133) observou , contar tem sido o ethos do economista

O desinteresse dos alunos por História vai mais além das razões da inexistência de bons textos de História moderna ou contemporânea. Revista de conjuntura

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desde o começo da “aritmética política”, há mais de três séculos. Tudo é ainda mais facilitado pelo uso, pelos economistas, de uma matemática muito simples, como Solow nota, que é de nível apenas elementar e não apresenta maiores dificuldades para os estudantes, que conseguem aprendê-la e usá-la corriqueiramente. Usar matemática e métodos quantitativos não quer dizer, no entanto, em meu entender, que se deva utilizar necessariamente os métodos da Matemática em Economia. Há, é claro, toda uma discussão relevante sobre a retórica da Economia, mas pareceme que, infelizmente, a conclusão predominante na profissão é que os economistas adotaram os valores dos Departamentos de Matemática e não os dos Departamentos de Física e Química das universidades. A opinião predominante em Economia está associada a Debreu (1991, 2), que considera que a Economia rendeu-se ao abraço do rigor da Ma-

temática muito mais que a própria Física, já que esta consegue violar, de quando em quando – e deliberadamente – os cânones da dedução matemática, uma vez que dispõe de numerosos dados experimentais não existentes em Economia. Assim, conclui Debreu, os economistas têm que utilizar os métodos dedutivo-matemáticos pela inexistência de dados experimentais. Há um excesso de oferta de artigos teóricos em Economia. McCloskey (1994) estima que mais de 50% dos artigos publicados nas principais revistas acadêmicas são teóricos, à semelhança do que ocorre em Matemática, enquanto não mais do que 10% dos artigos em Física são teóricos. É claro que artigos teóricos são mais fáceis de serem escritos do que artigos empíricos, dos que têm base histórica e que tratem de políticas econômicas, mas parece certo que o prestigio de artigos teóricos nunca esteve tão alto. Há vários problemas decorrentes de um excesso de ênfase

A diferença entre os economistas

teóricos e os aplicados é que os últimos são quantitativos para serem relevantes na formulação de políticas e os primeiros são meramente matemáticos sem números . Revista de conjuntura !

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em teoria, e, como McCloskey (1994, 136) observa, um deles é que proporcionam resultados exatos e são incapazes de prover uma definição da vizinhança em que são corretos. Artigos teóricos, usando modelos matemáticos, são assim paradoxalmente apenas qualitativos e, já que não têm maior interesse para o desenvolvimento da Matemática- já que invariavelmente usam Matemática em um nível elementar -, são quase sempre absolutamente inúteis para a Economia, que demanda simulações quantitativas e não teoremas qualitativos . A diferença entre os economistas teóricos e os aplicados, como McCloskey (2000, 225) sugere, é que os últimos são quantitativos para serem relevantes na formulação de políticas e os primeiros são meramente matemáticos sem números. Parece-me que a opinião de Debreu pesa muito mais para a profissão que a de McCloskey (1994, 131), que afirma que Debreu está errado, uma vez que há dados históricos em profusão que podem ser utilizados em Economia. Além disso, há outras ciências, como Astrofísica e Geologia, que são “tão” ciências quanto a Física, muito embora não disponham de dados experimentais. McCloskey (1994, 130) reconhece – com uma insatisfação que compartilho – que os economistas atualmente acham que fazer ciência consiste em provar axiomaticamente teoremas e a aplicar testes econométricos do tipo QED (quod erat demonstrandum ). O resultado é que a Economia se torna estéril, atraindo no mundo inteiro cada vez menos estudantes. A profis-


são está decadente, a julgar pelo número de candidatos aos doutorados nos EUA e no mundo, e pelo desprestígio da profissão no mundo e – inclusive – no Brasil. Para dizer o que é relevante para o economista brasileiro de nível de bacharelado e ao nível de pós-graduação, teríamos que fazer uma extensa e complexa pesquisa, indagando dos economistas o que eles usam das habilidades e conhecimentos que aprenderam nas escolas, e o que eles deveriam ter aprendido etc. Essa pesquisa simplesmente não existe no Brasil, mas mereceria ser realizada talvez pela Anpec e pelo Conselho Federal de Economia. O mais próximo disponível é a pesquisa para a pós-graduação nos EUA, cujo ensino tem influenciado fortemente o brasileiro, cujos pontos principais comento adiante. Conclusões sobre o ensino de Economia nos EUA Já comentei em “ Critérios Extravagantes no Concurso do Banco Central”, publicado no vol. 1, no.1 (2000), desta Revista, alguns pontos relevantes para o Brasil das principais conclusões a que chegou a Comissão de Ensino de Pós-Graduação, da American Economic Association, sobre o ensino de pós-graduação nos EUA, divulgadas em dois artigos publicados no Journal of Economic Literature de setembro de 1991, pela presidente da Comissão, Anne O. Krueger, e pelo seu secretário-executivo, W. Lee Hansen. Parece-me que as conclusões da Comissão são tão relevantes ainda hoje quanto o foram há dez anos .

Em relação a habilidades, os

economistas americanos com 12-13 anos de prática profissional declararam que necessitam de comunicação em primeiro lugar, seguida de aplicações e julgamento crítico . A Comissão concluiu que os economistas precisam obter nas universidades habilidades fundamentais, que foram divididas em capacidade analítica, Matemática, julgamento crítico, aplicações, criatividade, informática e comunicação. As “aplicações” são definidas como “visualizar as implicações práticas de idéias, analisar políticas do mundo real e de processos etc.” Essas habilidades devem ser complementadas com conhecimentos de Teoria Econômica, Econometria, instituições econômicas e História, domínio da literatura econômica, aplicações e temas econômicos, e, finalmente, de Economia empírica. Define-se “aplicações e temas econômicos” como “tópicos correntes de discussão das atividades econômicas do Estado e das sociedades, e “Economia empírica” como “testes de modelos teóricos, respostas às estimativas de comportamentos, experiências com bancos de dados”. Em relação a habilidades, os economistas americanos com 12-13 anos de prática profissional declararam que necessitam Revista de conjuntura !

de comunicação em primeiro lugar, seguida de aplicações e julgamento crítico (empatados). Comunicação - é claro - tem que ser aprendida em todas disciplinas do Curso ( fazendo com que os alunos escrevam, que apresentem um maior número de seminários, que discutam em grupo). Principalmente a comunicação pode melhorar rapidamente com disciplinas de elevado conteúdo verbal, como História Econômica e História do Pensamento Econômico. É claro que as aplicações e julgamento crítico podem ser melhorados dramaticamente com o estudo da História Econômica (mundial e brasileira). Em relação a conhecimentos, os economistas referidos anteriormente declararam que em suas atividades profissionais davam muito mais ênfase a “aplicações e temas de política econômica e à “economia empírica” que àquilo que aprenderam nas universidades. Parece-se que tais conhecimentos são obtidos principalmente em disciplinas de História Econômica Contemporânea e, em me-

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Precisamos de meia dúzia de teóricos, mas apenas de meia dúzia, comparados com o número dos que são necessários para a Economia Aplicada .

nor escala, em Economia Política, Econometria e Informática. Parece claro que História é negligenciada nas escolas americanas e que os economistas americanos se ressentem disso e claramente declaram que necessitam de mais História. Conceitualmente, a defesa da relevância da História é imediata. Vale a pena repetir o que Fels e Buckes (1981) afirmam: há três objetivos principais no ensino de Economia elementar: apreender princípios econômicos, adquirir habilidade na aplicação dos princípios à realidade e aprender a analisar as políticas econômicas de maneira sistemática. Como os autores notam, os livros didáticos enfatizam em excesso o primeiro objetivo e dão pouca importância ao segundo e ao terceiro. Pareceme que essa situação é ainda mais óbvia no Brasil de hoje, talvez porque as traduções que aqui temos ilustram a Economia com exemplos americanos, distantes de nossa realidade, talvez porque os livros brasileiros teóricos de Economia simplesmente não tenham exemplos, talvez porque os alunos são incapazes de passar das disciplinas de História para as de Economia, considerando-as como duas instituições tão próximas como Música e Biologia, ou simplesmente por que nossos professores de História são muito ruins ( já que os melhores economistas iriam para

áreas quantitativas e não verbais), ou simplesmente porque é muito mais difícil formar um economista que usa História do que um economista que usa Matemática. História, modelos econômicos e política econômica Se é bastante provável que a Economia no mundo esteja excessivamente teórica, é forçoso reconhecer que em um país como o nosso, no entanto, a demanda para os economistas está exatamente na área de política econômica. E aí, mais do que nunca, há uma necessidade de se conhecer História, de se conhecer a vida real, e não a vida estilizada de ajustes instantâneos e dos coeteris paribus, apropriados apenas em cursos básicos. Vale a pena repetir que a Economia é uma ciência aplicada e, como observou BöhmBawerk ( 1980), na área da política social aplicada, o método histórico-estatístico é inquestio-

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navelmente superior aos métodos abstratos-dedutivos para a formulação e avaliação de políticas . Em outras palavras, História e estatísticas relevantes ( e não estatísticas “aproximadas”, escolhidas devido às vezes à inexistência dos dados e, no mais das vezes, ao desleixo em se procurar a estatística exata) fazem parte integral dos métodos do economista. É claro que precisamos de meia dúzia de teóricos – mas apenas de meia dúzia –, comparados com o número dos que são necessários para a Economia Aplicada. Como Lamfalussy (2000) observou, os economistas criam modelos econômicos repletos de complexas pressuposições, de restrições e nuances que tornam as conclusões do modelo válidas na obediência restrita dessas premissas. Quase sempre os modelos são úteis para a sala de aula. Dar o passo adiante, de utilizar o modelo para fins de política, requer um cuidadoso estudo histórico, sob pena de tornar o modelo irrelevante para políticas e entendimento da realidade. Veja-se, por exemplo, o caso das regras de Taylor (1993), de metas de inflação, que só se tornam operacionais em bancos centrais seis anos após sua introdução, quando Taylor (1999) apresenta seu trabalho histórico, para os EUA, de 1880-1995 , onde não somente discute as regras com dados reais , mas principalmente aplica as regras para determinar os períodos em que a po-


lítica monetária do Federal Reserve revelou-se equivocada. Somente após esse novo estudo é que a maior parte dos economistas passou a considerar as novas regras como relevantes. É claro que os bancos centrais, mais cautelosos ainda, teriam ainda maior dificuldade em utilizar as novas regras, a menos que tivessem garantias de que realmente teriam funcionado, no passado, se existissem. Os modelos são limitados, mas é o que permite aos economistas avançar em suas conclusões, desde que o modelo possa ser testado com exemplos históricos e não fique sendo sempre verdade eterna. Na verdade, o problema da História não é o uso intenso de Matemática, mas sim uma aversão dos estudantes à História. Os estudantes brasileiros, particularmente os da pós-graduação, parecem querer dizer que: 1. História não serve para nada; 2. História é uma “xaropada” e dela já se sabe, o que é relevante para o economista, que já internalizou o que é importante; 3. História é uma poço sem fundo, com infindáveis discussões sobre detalhes, que não servem para nada. Não é criativa. São posições simples, ditas com raiva, com conteúdo meramente emocional, sem importância científica, mas que definem a frustração dos estudantes em relação à História e a seu uso em Economia. História é relevante para a Economia, e não vice-versa Não devemos ser paroquiais e pensar que são os historiadores

que querem que os economistas estudem História. Na verdade, os historiadores têm um quase desdém pela Teoria Econômica, tais são sua imprecisão e riscos para ser utilizada em História, com segurança. Por exemplo, Veyne (1971 [1998], 202) é muito firme ao afirmar que as ciências humanas pouco explicam ao historiador, e que isso é particularmente verdade para a Teoria Econômica, que, sendo dedutiva, segundo ele, é assim verdade “eternamente” (aspas do original), e portanto tem reduzida ou nenhuma aplicação histórica. Segundo ele, a Teoria Econômica é de aplicação excessivamente trabalhosa e dá resultados apenas aproximados, com preço elevado de utilização, uma vez que tem um conteúdo institucional datado, que a torna inútil para o historiador que não pode transplantá-la “sem anacronismo” ( as aspas são minhas ) para o período que está examinando. Esse desprezo dos historiadores pelos economistas é também refletido pelo descaso que

os historiadores têm pelos historiadores econômicos: entre os doze melhores historiadores de 1945-2000, por exemplo, dos EUA, Rutland (2000) não cita nenhum historiador econômico, muito embora pelo menos um número razoável de historiadores econômicos americanos tenham ganho o Prêmio Nobel de Economia. Como notou Hobsbawm (1997, 97), que os economistas reconheçam que não são filósofos, matemáticos ou teólogos, mas sim profissionais que desejam transformar e melhorar o funcionamento das economias reais. Para tanto, saber o que aconteceu na Economia e o que está acontecendo é crucial; é para elaborar um diagnóstico, que é meio caminho para a formulação de políticas econômicas corretas. O que pode ser feito Em termos práticos, o que pode ser feito, imediatamente é melhorar o ensino de História,

Não devemos ser paroquiais e pensar

que são os historiadores que querem que os economistas estudem História. Na verdade os historiadores têm um quase desdém pela Teoria Econômica tais são sua imprecisão e riscos para ser utilizada em História . Revista de conjuntura !!

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tanto como disciplina, como utilizar História em casos concretos de Teoria Econômica. O uso de fatos reais, de “casos” históricos – à semelhança do que é feito em gestão de negócios –, pode ser também adaptado para a Economia, como já o é, por exemplo, em Buckles (1998). Mais ainda, é muito importante que tenhamos bons livros de História Econômica para o público educado, uma vez que o estudante de graduação normalmente tem História no início de seu curso, quando apenas terminou o secundário. É pouco provável que as escolas de Economia reconheçam que o estudo de História requer maturidade e conhecimento de Teoria Econômica e que deveria ser ensinado ao final do bacharelado. O sucesso da Formação Econômica do Brasil, do Celso Furtado (1959), é exatamente sua característica de ser um livrosíntese para o público educado,

um livro inteligente e sem tecnicismos, um livro que Roberto Campos, em uma de suas últimas entrevistas, disse que gostaria de ter escrito. Em verdade, um livro que todo economista gostaria de ter escrito. O livro de Furtado é uma narrativa de História, o produto final que os historiadores fazem , como observa Vann Woodward (2000), que nos lembra que os outros tipos de História – como História quantitativa, analítica, comparativa etc.– são importantes per se , mas representam apenas os historiadores falando entre si. Temos que ter mais narrativas no Brasil. É importante também acabar com a visão de que existe um “ núcleo” de Economia, consistindo em Teoria Econômica, Matemática, Estatística e Econometria. Como bem observou Kindleberger (1989, 97), não existe uma única Teoria Econômica ou um modelo

único que possa iluminar a História econômica , concluindo que “reduzir a História a uma simples teoria é inadequado e geralmente incorreto”. Ajudaria muito ao desenvolvimento da História que, nos exames de seleção ao mestrado da Anpec, História Econômica mundial e História Econômica brasileira – do século XX, em ambos os casos –, fossem introduzidas com nomenclatura correta (e não utilizando nomes dúbios ou anacrônicos, como História Econômica Geral, Economia mundial, Formação Econômica do Brasil ou Economia brasileira), e com a mesma ponderação de Macro e Micro. E que, nos concursos públicos do Banco Central, do Tesouro, do Itamaraty, do IPEA e do serviço público em geral, História Econômica fosse colocada como disciplina tão importante quanto Economia.

Referências Bibliográficas:

Böhm-Bawerk, E. von, 1980. The Historical vs the Deductive Method in Political Economy. Annals of the American Academy of Political and Social Science 1, p. 267.Citado por Hobsbwam (1997, 281). Buckles, S. 1998. Using Cases as na Effective Active Learning Technique, cap. 11, p. 225-240, do Teaching Economics to Undergraduates: Alternativas to Chalk and Talk, org. por William E. Becker e Michael Watts. Cheltenham, Reino Unido: Edward Elgar. Debreu, Gerard. 1991. The Mathematization of Economic Theory. American Economic Review março:1-7. Citado por McCloskey (1994,131). Fels, R. e S. Buckles. 1981. Case Book of Economic Problems and Policies: Practice in Thinking, 5th ed.. St. Paul: West Publisher. Citado em Buckles (1998, 225). Furtado, Celso. 1959. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional. Hobsbawm, Eric. 1997. On History. Cambridge : Cambridge Univ. Press. Revista de conjuntura !"

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Kindleberger, Charles P. 1989. Economic Laws and Economic History. Cambridge : Cambridge Univ. Press. Lamfalussy, Alexandre. 2000. Financial Crisis in Emerging Markets: An Essay on Financial Globalization and Fragility. New Haven: Yale Univ. Press. McCloskey, D. N. 1994. Knowlege and Persuasion in Economics. Cambridge : Cambridge Univ. Press. McCloskey, D.N. 2000. How To Be Human – Though na Economist. .Ann Arbor: The Univ. of Michigan Press. Rutlland, Robert Allen ( org). 2000. Clio’s Favorites: Leading Historians of the United States, 1945-2000. Columbia Missouri: Univ. of Missouri Press. Sacks, Jeffrey D. e Felipe Larrain B. 2000[1982]. Macroeconomia em uma Sociedade Global , ed. revisada e atualizada. Trad. de Sara R. Gedank e revisão técnica e atualização de Maria Alejandra Caporale Madi. S. Paulo : MAKRON BOOKS. Original: Macroeconomics in the Global Economy, Englewood Cliffs,, N.Jersey: Prentice Hall. Solow, Robert. 2001. A Economia entre o Empirismo e a Matemática. Economia Aplicada V (2): 441-44. Original do Le Monde de 30.01.01, trad. de Joana Cabete Piava. Taylor, John B. 1993. Discretion Versus Policy Rules in Practice. Carnegie-Rochester Conference Series on Public Policy 39: 195-214. Taylor, John. B. 1999. A History Analysis of Monetary Policy Rules, cap. 7, p. 319-48, do Monetary Policy Rules, org. por John B. Taylor.Chicago: The Univ. of Chicago Press. Vann Woodward, C. 19?. Citado em Rutland (2000 ,4), sem detalhes da obra. Veyne, Paulo Marie .1971[1998]. Como Se Escreve a História; Foucault Revoluciona a História., 4ª ed., trad. de Alda Baltar e Maria Auxiliadora Kneipp. Brasília: Editora Universidade de Brasília. Original Cooment on écrit l’histoire; Foucault révolutionne l’histoire. Paris: Editions du Seuil.

* José Roberto Novaes de Almeida Professor do Departamento de Economia da UnB e ExConselheiro do Corecon/DF.

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A R T I G O

Provão de Economia 2001: Sucesso e Fracasso dos Cursos de Economia de Brasília José Luiz Pagnussat

Introdução Os resultados do Exame Nacional de Cursos de 2001 (ENC 2001) repetem o fraco desempenho dos alunos graduandos em Economia dos anos anteriores, apesar dos grandes investimentos que se tem observado na maioria das escolas. Nestes três anos, menos de 10% dos alunos tiraram nota acima de 50. A nota média nacional do exame, em 2001, foi 26,0, inferior, inclusive, às médias obtidas em 1999 (28,4) e em 2000 (26,2). O desempenho das instituições consagrou as grandes uni-

versidades do País, com conceito A nos três exames, em especial cinco Universidades – PUC/RJ, UNICAMP, UnB, USP e UFRJ-, que, confirmando as expectativas, se distanciam das demais escolas, com a quase totalidade dos seus alunos colocando-se entre os 25% melhores do País. Participaram do ENC/2001 de Economia 187 cursos, e 7.837 alunos (prováveis formandos). Em 1999, primeiro ano em que Economia participou do Provão, estiveram presentes no exame 9.393 alunos e 187 cursos, e em 2000, participaram 8.224 alunos e 189 cursos. São inscritos no

Provão os alunos que se encontram no final do Curso, ou seja, os prováveis formandos do ano. O Provão é parte integrante de uma ampla política de avaliação1 dos cursos e das Instituições de Ensino Superior – IES, que vem sendo realizado desde 1996, e a cada ano novas áreas são incluídas. Em 2001 foram avaliados 3.647 cursos de 20 áreas - Administração, Direito, Engenharia Civil, Engenharia Química, Medicina Veterinária, Odontologia, Engenharia Elétrica, Jornalismo, Letras, Matemática, Economia, Engenharia Mecânica, Medicina, Agronomia, Biologia, Física, Psi-

1 O ENC foi criado pela Lei nº 9.131, de 24.11.95. Insere-se no Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (regulamentado, inicialmente, pelo Decreto nº 2.026, de 10.10.96, revogado pelo Decreto n.º 3.860, de 09.07.01, que atualmente disciplina a avaliação de cursos e instituições de ensino superior). Além do ENC, um de seus principais instrumentos é a Avaliação das Condições de Ensino dos cursos de graduação, realizada na instituição por comissão de professores nomeada pelo MEC. Outro instrumento do sistema de avaliação é o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras PAIUB, que se propõe estabelecer a prática universal da avaliação institucional como um processo de contínuo aperfeiçoamento do desempenho acadêmico e de prestação de contas à sociedade.

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cologia, Química, Farmácia, Pedagogia, Arquitetura e Urbanismo ,Ciências Contábeis, Enfermagem e Obstetrícia e História. Participaram do Exame 286.417 alunos graduandos. Em 2002 deverão participar do ENC 4.700 cursos de 24 áreas e 320 mil alunos, representando cerca de 90% dos alunos formandos de graduação. Esta política de avaliação dos cursos superiores assume especial importância em razão da expansão da oferta de cursos e vagas no Ensino Superior. Entre 1990 e 1999, a matrícula cresceu 51,4%, passando de 1.565.056 para 2.369.945 milhões de alunos; 1990 e 2000, o número de cursos cresceu 117%, passando de 4.712 para 10.224 cursos. Essa expansão ocorre com maior participação de IES privadas e em cursos noturnos, além de haver uma maior interiorização do ensino superior. O INEP/MEC - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação – é o órgão responsável pela avaliação dos cursos. Na realização do ENC o INEP tem o apoio de Comissões de Professores para cada curso. Os resultados do Exame Nacional de Cursos são apresentados com informações detalhadas dos diversos cursos, do desempenho dos alunos, do desempenho dos cursos - clas-

Esta política de avaliação dos cursos superiores assume especial importância em razão da expansão da oferta de cursos e vagas no ensino superior . sificados em cinco conceitos (A, B, C, D e E) - e informações sobre as condições do curso e sobre o corpo docente, além de informações sócio-culturais dos alunos, constituindo um retrato do ensino no País. A Prova de Economia do ENC/2001 foi elaborada pela Fundação Cesgranrio, vencedora da licitação. As especificações e diretrizes da prova foram definidas pela Comissão do Curso de Economia2 , bem como os objetivos da avaliação, o perfil e as habilidades esperadas do formando do curso de Economia e os conteúdos mínimos para a formação do economista. A seguir são analisados, com maior detalhe, os desempenhos dos alunos e das instituições, com destaque para os cursos de Economia de Brasília. O trabalho está dividido em três partes: na primeira são apresentadas as esta-

tísticas do desempenho dos alunos, as notas obtidas por área e matéria; na segunda parte é analisado o desempenho dos cursos, considerando-se as regiões e a classificação das instituições; na terceira parte são apresentados os principais indicadores do perfil dos alunos e das condições de oferta dos cursos de Economia.

Desempenho dos Alunos no ENC 2001 CURSOS E ALUNOS DE ECONOMIA

Foram inscritos no Provão 2001 de Economia 9.522 alunos de 187 cursos, sendo 9.397 graduandos. Fizeram-se presentes 83% deles no dia da prova e 7.837 responderam às provas. O total de provas válidas, nesse exame, foi de 7.837 (sete mil

2 A Comissão do Curso de Economia para o ENC 2001 foi nomeada pela Portaria MEC nº 1.786, de 31.10.00, publicada no Diário Oficial de 03.11.00, página 04, Seção 2E. A Comissão foi escolhida a partir de indicações da ANGE (Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Economia), COFECON (Conselho Federal de Economia), CRUB (Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras) e SESu/MEC (Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação). A Comissão é formada pelos seguintes Professores: Fernando Ferrari Filho (UFRGS), José Luiz Pagnussat (UCB), José Ricardo Barbosa Gonçalves (UNICAMP), José Rubens Damas Garlipp (UFU), Leda Maria Paulani (USP), Luiz Carlos T. Delorme Prado (UFRJ) e Zionam Rolim (UFPE). A Comissão do ENC 2002 já foi nomeada, com duas alterações: saem os Professores Fernando Ferrari Filho e Leda Maria Paulani, e entram os Professores Marco Antônio Sandoval de Vasconcellos (USP) e Maria Cistina Passos (UNISINOS).

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oitocentos e trinta e sete), ou seja, 4,7% inferior ao número de alunos que fizeram provas em 2000, que foi de 8.224 (oito mil duzentos e vinte e quatro), e 13,9% inferior ao de 1999, que foi de 9.106 (nove mil cento e seis). Entre os graduandos presentes ao Exame, 47,74% (3.741 alunos) são da Região Sudeste e 20,17% (1.581 alunos) da Região Sul, ou seja, 67,91% dos graduandos em Economia se concentram nestas duas regiões. Observou-se uma desconcentração regional dos graduandos, com a redução da participação da Região Sudeste, que em 1999 tinha 50,72% dos graduandos. Os dados por dependência administrativa mostram que, entre os graduandos presentes ao ENC/2001 de Economia, 60,5% (4.741 alunos) eram das instituições privadas e 23,25% (1.822 alunos), de instituições federais. Constata-se um aumento da participação das IES privadas, que, no ENC/1999, era de 56,21%. É interessante observar que a maioria dos graduandos de Economia provém de Universidades

A nota média da prova de múltipla escolha do ENC 2001 foi 32,0 e a prova discursiva obteve nota média de 17,0, muito próximas das notas obtidas no ENC de 2000, que foram, respectivamente, 31,0 e 18,9. A nota máxima, para a prova de múltipla escolha, foi 80,0 e, para a prova discursiva, 96,3. A análise dos dados referentes aos percentis dez, vinte e sete, setenta e quatro e noventa mostra que os piores alunos (P10 e P27) melhoraram suas notas, enquanto os melhores alunos (P74 e P90) pioraram suas notas, quando comparadas às do ENC 2000. Os dados revelam, ainda, que os 10% melhores alunos tiraram nota superior a 41,0 e os 10% piores tiraram nota inferior a 14,2. Para o P27 a nota foi 18,2 e para o P74 foi 31,2. Estes dados indicam que aproximadamente 70% dos alunos tiraram nota inferior a 30 e, ainda, cerca de 30% dos alunos tiraram nota inferior a 20. Os dados são apresentados na Tabela 1, com estatísticas comparativas dos resultados de 2001 com os obtidos nos exames de 1999 e 2000.

(63,84%); estabelecimentos isolados participam com 24,51%, centros universitários, com 8,28% e faculdades integradas, com 3,37%. DESEMPENHO DOS ALUNOS

Os resultados gerais do Exame Nacional de Cursos de Economia revelam um fraco desempenho dos alunos, tanto na prova discursiva como na prova objetiva. Os resultados não são muito diferentes dos obtidos em 1999 e 2000, inclusive registram uma pequena queda. Nestes três Exames a média ficou abaixo de 30 (30% de acertos). A nota média do Exame, em nível nacional, foi 26,0, sendo inferior à média geral obtida em 2000 (26,2) e em 1999 (28,4). O resultado pode ser explicado pelo maior grau de dificuldade da prova deste ano. A nota mínima foi 0 (zero) e a máxima 86,5 com desvio padrão de 11,4. A nota máxima individual (86,5) foi obtida por aluno de universidade privada da Região Sudeste.

Tabela 1. ENC de Economia: Estatísticas Básicas de Desempenho dos Alunos - 1999,2000 e 2001 Estatística Nº de Alunos Média Desvio padrão Nota Mínima P10 P27 Mediana P74 P90 Nota Máxima

Prova de múltipla escolha 1999 9.106 38,1 12,1 0,0 23,3 30,0 36,7 45,0 53,3 91,7

Prova de discursiva

Prova Geral

2000

2001

1999

2000

2001

1999

2000

2001

8.224 31,0 11,2 0,0 18,3 23,3 28,3 36,7 46,7 86,7

7.837 32,0 10,5 0,0 20,0 26,0 30,0 38,0 46,0 80,0

9.106 13,9 14,2 0,0 0,0 3,8 10,0 18,8 32,5 92,5

8.224 18,9 18,5 0,0 0,0 2,5 15,0 28,8 46,3 96,3

7.837 17,0 16,1 0,0 0,0 3,8 13,8 25,0 38,8 96,3

9.106 28,4 11,8 0,0 16,0 20,0 26,0 33,5 44,0 92,0

8.224 26,2 12,7 0,0 13,0 17,0 23,0 32,0 44,0 84,5

7.837 26,0 11,4 0,0 14,2 18,2 23,5 31,2 41,0 86,5

Fonte: INEP/MEC, ENC 1999, 2000 e 2001.

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A análise das provas reforça ainda um dado particularmente preocupante, que a maioria dos formandos em Economia tem sérias dificuldades em responder questões dissertativas de forma clara e objetiva. A pequena melhora do desempenho dos alunos nas questões discursivas, em 2000 e 2001, resulta da indicação do que se esperava como resposta em cada questão discursiva, o que facilitou o trabalho dos alunos. O baixo desempenho pode refletir, também, o fato de a prova de Economia ser extensa e cansativa. Os resultados do ENC 2001 analisados por região, dependência administrativa e natureza da instituição confirmam a expectativa de melhor desempenho das universidades federais e da região Sudeste. A média encontrada nas instituições federais foi 30,8, nas estaduais, 29,2, nas privadas, 23,7, e nas municipais, 21,9. As notas individuais mais altas, pela ordem, foram: instituições privadas: 86,5, federais 80,0, estaduais 79,9, enquanto nas IES municipais a nota individual mais elevada foi apenas 43,1. A Região Sudeste teve a melhor média (28,2) e os desempenhos mais altos, seguida das Regiões Centro-Oeste (24,3), Sul (24,2), Nordeste (24,0) e Norte (22,3). A análise dos resultados por natureza da instituição mostra que a nota média das universidades se destaca: foi 27,7, enquanto que as demais instituições têm notas mais baixas: centros universitários, 22,1, faculdades isoladas, 22,3, e estabelecimentos isolados, 23,2. O fraco desempenho dos alunos formandos em Economia nos

ENCs de 1999, 2000 e 2001 é preocupante, uma vez que o exame concentra-se no núcleo comum de matérias do Curso, definidas no currículo mínimo, ou seja, os conteúdos essenciais que garantem a formação básica uniforme do economista e a identidade dos cursos de Economia. Não são cobrados os conteúdos específicos, definidos pelas IES de forma a atender as peculiaridades regionais e a vocação e o interesse dos corpos docente e discente. A expectativa era que a cada exame os resultados fossem superiores aos do exame anterior; entretanto, a tendência não se confirma, o que vem frustrando as escolas que, em sua maioria, fizeram importantes investimentos para a melhoria do Curso. É claro que os resultados principais desses investimentos serão obtidos no médio prazo; porém, os resultados de curto prazo estão sendo neutralizados pelo grau de dificuldade crescente da prova, sendo a deste ano considerada a mais difícil. Varios argumentos são utilizados para explicar o baixo desempenho. Primeiro, como não há divulgação do resultado individual, os alunos não se empenham em rever a matéria cursada para fazer o exame e, em alguns casos, fazem a prova apressadamente – apenas 4% dos alunos utilizaram todo o tempo disponível -, para retornar às suas outras atividades dominicais. Cabe ressaltar, entretanto, que é crescente a conscientização dos alunos sobre a importância do Provão como mecanismo de avaliação do desempenho de cada curso; o índice de provas em branco se reduziu drasticamente desde o primeiro Provão. Segundo, ainda que essa afirmação

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não possa ser generalizada, muitos alunos têm de fato sérios problemas de formação, cuja origem está no ensino fundamental e médio, reforçado pela baixa procura no vestibular para Economia - mais de 30% dos cursos têm menos de um candidato por vaga. Entretanto, certamente a grande parcela de responsabilidade pelo mau desempenho é da IES, é o resultado da qualidade do ensino oferecido. A resposta dos alunos quanto às impressões sobre a prova revela alguns dados importantes: os alunos consideraram a prova deste ano ainda mais difícil do que a do ano passado. Consideraram, também, a prova longa, mas a maioria julgou suficiente o tempo disponível. Um dado que chama a atenção foi o elevado número de alunos que, ao apontar o problema mais freqüente que tiveram ao responder a prova, marcaram o desconhecimento do conteúdo (18%), que o conteúdo foi testado com uma abordagem diferente daquela a que estão habituados (48%) ou falta de motivação para fazer a prova (22%). E, em relação à questão sobre como explicaria o seu desempenho nas questões objetivas da prova, mais de 75% dos alunos responderam que estudaram a maioria dos conteúdos, mas que já foram esquecidos ou que nem todos foram bem aprendidos. Para finalizar este tópico, cabe registrar uma expectativa otimista para a melhoria do desempenho nos próximos anos, considerando a análise das respostas dos alunos no questionário-pesquisa e os depoimentos dos coordenadores de curso no II Seminário de Economia, em razão de duas evidências: pri-

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meira, a maior motivação e interesse dos alunos em responder à prova e, segunda, os investimentos já realizados pelas IES para melhorarem as condições de ensino dos cursos; e, ainda, a preocupação dos coordenadores de curso com a avaliação das condições de ensino que será realizada no próximo ano.

das dentre oito apresentadas. Na composição da nota final a prova de múltipla escolha representa 60% e a prova discursiva, 40%. A distribuição das questões de múltipla escolha entre as áreas de conteúdo e as diversas matérias/ disciplinas foi preestabelecida pela Comissão de Economia: Teoria Econômica, 26 questões (11 de Macroeconomia, 11 de Microeconomia, 4 de Economia Internacional), Métodos Quantitativos Aplicados à Economia, 8 questões (3 de Matemática, 2 de Estatística, 3 de Econometria); História Econômica, 8 questões (3 de História Econômica Geral, 3 de Formação Econômica do Brasil, 2 de Economia Brasileira Contemporânea) e Cultura Econômica, 8 questões (3 de Economia Política, 3 de História do Pensamento Econômico, 2 de Evolução das Idéias Sociais e Metodologia).

Desempenho nas Áreas e Matérias A prova do Exame Nacional do Curso de Economia de 2001 foi estruturada em quatro áreas de conteúdo: Teoria Econômica, Métodos Quantitativos, História Econômica e Cultura Econômica. A área de Teoria Econômica teve peso de 41,2% na prova e as outras áreas tiveram peso de 19,6% cada. A prova teve 50 questões de múltipla escolha, divididas entre as área e matérias, e quatro questões discursivas, uma para cada área de conteúdo, escolhi-

Os resultados da prova para cada uma das quatro grandes áreas e respectivas disciplinas são apresentados na Tabela 2. Os dados foram obtidos a partir do desempenho médio dos alunos em cada questão da prova. A Nota Final e das áreas foi obtida ponderando-se o peso de cada prova na composição da nota final do ENC de Economia. As questões da prova de múltipla escolha foram classificadas por matéria/ disciplinas, tendo como referência os conteúdos definidos pela Comissão de Economia do ENC. Cabe observar que o número de questões por disciplina, em alguns casos, não correspondeu ao definido pela Comissão do Provão. No ENC 2001 a melhor média foi obtida na área de História (27,59), enquanto nos ENC de 1999 e 2000 as melhores notas foram obtidas na área de Teoria Econômica (34,72 e 28,78, respectivamente). O pior desempe-

Tabela 2: Nota Final de Economia por Área e Matérias no ENC 1999, 2000 e 2001 ÁREAS

Teoria Econômica Quantitativa

História

Cultura Econômica

Prova Objetiva

Matérias / Disciplinas

Macroeconomia Microeconomia Economia Internacional Matemática Estatística Econometria História Econômica Geral Formação Econômica do Brasil Economia Brasileira Contemporânea Economia Política História do Pensamento Econômico Evol. das Idéias Sociais e Metodologia

Prova Discursiva

Área

Matéria 1999

2000

2001

39,90 40,51 35,55 32,33 31,37 30,27 40,30 46,40

32,83 31,47 37,75 22,18 25,27 23,90 36,65 36,63

36,34 30,01 39,27 16,88 29,93 30,85 31,42 22,50 28,23 34,37 43,34

1999

2001

1999

2000

2001

21,27 15,33 14,50

34,72

28,78

26,74

4,90

19,99

15,89

15,49

34,97 32,58

13,82 19,77 23,01

28,58

27,37

27,59

25,86 39,01

10,61 14,38 14,75

20,75

20,12

26,37

30,71 31,72

13,57 14,41 14,30

27,77

24,19

24,54

2000

2001

33,27 30,67

1999

23,62 27,00

8,56

2000

Nota Final

8,15

44,33 31,07 36,40 36,22 24,45 37,53 18,20 28,65 49,67 30,89 22,00 21,05

NOTA FINAL

14,3 37,25

Fonte: DAES/INEP/MEC – ENC 1999, 2000 e 2001.

Revista de conjuntura "

out/dez de 2001


nho nos três anos foi na área de Métodos Quantitativos Aplicados à Economia, sendo que, no ENC 2001, em ambas as provas, a área quantitativa teve o pior resultado, na prova de múltipla escolha (27,00) e na discursiva (4,90). A média foi 15,49. Observa-se, também, que, para todas as áreas, a prova objetiva teve melhores notas do que a prova discursiva. A distribuição das notas da prova de múltipla escolha, entre as disciplinas, variou de 14,3 em Evolução das Idéias Sociais e Metodologia a 49,67 em História do Pensamento Econômico. A melhor média dos três anos foi de Formação Econômica do Brasil (39,13), seguida de Economia Brasileira Contemporânea (37,27) e Macroeconomia (36,36). A análise da evolução das notas por área ficou prejudicada dado que, no ENC de 1999, as questões fáceis se concentraram na área de Teoria Econômica, certamente uma das razões para a queda na média da área de 34,72 para 26,74, entre o ENC 1999 e o ENC 2001. As IES recebem os dados detalhados de desempenho dos seus alunos em cada questão, o que

permite verificar onde o curso é mais forte e onde o desempenho foi baixo. Fazendo uma simulação dos resultados por discipinas em uma IES com conceito “C,” pude constatar a grande variação do desempenho entre as disciplinas e áreas de conteúdo, cuja amplituda revela o conceito “A” em algumas disciplinas e “E” em outras.

Desempenho das Instituições e os Conceitos dos Cursos NOVOS CRITÉRIOS

O desempenho das instituições é obtido a partir da média de seus alunos na prova. Os resultados são divulgados pelo MEC com a classificação dos cursos em cinco conceitos (A, B, C, D e E). Para o ENC/ 2001 houve mudança dos critérios para atribuição dos conceitos. O novo critério considera o desvio-padrão em torno da média para estabelecer os intervalos de cada conceito. Agora terá conceito “A” o curso que obtiver média acima de um desvio-padrão (inclusive) da média geral e terá conceito “E” o curso com média abaixo de

um desvio padrão da média geral. O conceito “B” fica entre meio (inclusive) e um desvio padrão acima da média; o conceito “C”, entre meio desvio-padrão abaixo e meio acima da média; e o conceito “D”, entre meio e um desvio-padrão abaixo da média geral. Pelo critério utilizado no Provão / 2000 a definição dos conceitos considerava a ordem de classificação das instituições agrupadas em cinco faixas, delimitadas pelos percentis 12, 30, 70 e 88. Ou seja, era atribuído o conceito A para os cursos cujas médias se situaram entre os 12% de melhor desempenho – acima do P88, conceito B, para 18% dos cursos com médias que se situaram entre o P70 e P88, conceito C, para 40% dos cursos com médias que se situaram entre o P30 e P70, conceito D, para 18% dos cursos, cujas médias se situaram entre o P12 e P30, e o conceito E era atribuído aos 12% piores cursos. A Tabela 3 compara os critérios de definição dos conceitos e apresenta as faixas de notas obtidas pelos diversos cursos para cada um dos conceitos no Provão de Economia de 2000 e 2001.

Tabela 3: ENC Economia: Definição dos Conceito e Novos Critérios para o Provão 2001 Provão 2000

Provão 2000

Conceito

Critério Faixas de percentis

Notas

Nº de Cursos

Novo Critério Intervalos em desvios padrão

Notas *

Nº de Cursos

A

acima de 88

33,1 a 51,8

23

acima de 1 d.p (inclusive) da média geral

acima de 31,4

22

B

acima de 70 até 88

26,2 a 33,1

35

entre 0,5 (inclusive) e 1 d.p. acima da média geral

28,0 a 31,4

22

C

acima de 30 até 70

20 a 26,2

74

entre 0,5 d.p abaixo e 0,5 d.p. acima da média geral

21,2 a 28,0

74

D

acima de 12 até 30

17,5 a 20

34

entre 0,5 (inclusive) e 1 d.p. abaixo da média geral

17,8 a 21,2

53

E

até 12, inclusive

5,3 a 17,5

19

abaixo de 1 d.p. (inclusive) da média geral

Até 17,8

16

Fonte: DAES/INEP/MEC – ENC 2000 e 2001 * A média geral dos cursos foi 24,6 e o desvio padrão, 6,8. A nota mínima foi 10,2 e máxima 50,8.

Revista de conjuntura "

out/dez de 2001


O novo critério provocou redução do número de cursos com conceito “B”, de 35 para 22, e um aumento significativo dos cursos com conceito “D”, passando de 34 para 53 cursos. Caiu, também, o número de cursos com conceito “E”, de 19 para 16 cursos. A distribuição das notas, pelo novo critério, mostra que os 22 cursos com conceito “A” obtiveram nota média acima de 31,4. A melhor nota dos cursos de Economia foi 50,8 e a pior, 10,2. Os cursos com conceito “B” (22) tiveram nota média entre 28,0 e 31,4. As piores escolas, com conceitos “D” e “E”, tiveram nota média inferior a 21,2, nesta situa-

2000), pelo critério de classificação do P75. A UnB, pelo segundo ano consecutivo, ficou em segundo lugar, com 93% dos seus alunos classificados entre os 25% melhores do País, com notas acima do P75 da distribuição de notas individuais. Os dados dos 22 cursos com conceito “A” são apresentados na Tabela 4, por ordem de classificação. Entre os cursos conceito “A”, 10 são de universidades federais, 6 de estaduais e 6 de privadas. Merece destaque o desempenho dos três cursos de Economia da USP, de São Paulo, Ribeirão Preto e Piracicaba , classificados entre

ção estão 68 cursos de Economia do País, que correm o risco de terem seus cursos de Economia descredenciados pelo MEC. OS CURSOS CONCEITO “A”

Além da classificação em cinco conceitos o INEP/MEC divulgou a distribuição das médias dos alunos por faixa de desempenho. Com isso, é possível situar a posição de cada curso no conjunto dos cursos avaliados e simular a classificação dos cursos. O grande destaque no ENC 2001 foi a PUC/RJ, que desbancou a UNICAMP da primeira colocação (ENC 1999 e

Tabela 4: ENC 2001 - Economia: Classificação dos Cursos com Conceito A N ºde Conceito Dependência graduandos ENC Administrativa presentes

Nome da instituição PUC/RJ - Rio de Janeiro (RJ)

Privada

46

UnB Brasília (DF)

Federal

57

USP - São Paulo (SP)

Estadual

115

USP Piracicaba (SP)

Estadual

8

A

Evolução da média (%)

% de alunos nos grupos delimitados pelos P25, P50 e P75 da distribuição de notas dos graduandos - Brasil P25

P50

P75

ì

10,3

0,0

0,0

4,3

95,7

A

è

-4,0

0,0

1,8

5,3

93,0

A

è

2,9

2,6

4,3

1,7

91,3

0,0

0,0

12,5

87,5

A

UNISINOS - São Leopoldo (RS)

Privada

11

A

ì

16,4

0,0

0,0

18,2

81,8

UFRJ - Rio de Janeiro (RJ)

Federal

132

A

è

-5,3

3,0

3,0

12,1

81,8

UNICAMP Campinas (SP)

Estadual

48

A

è

-6,9

0,0

8,3

10,4

81,3

USP - Ribeirão Preto (SP)

Estadual

29

A

è

1,0

0,0

0,0

20,7

79,3

UFMG - Belo Horizonte (MG)

Federal

44

A

è

5,1

9,1

4,5

9,1

77,3

FAC. GAMA E SOUZA - Rio de Janeiro (RJ)

Privada

4

A

0,0

0,0

25,0

75,0

IBMEC - Rio de Janeiro (RJ)

Privada

47

A

è

-5,9

6,4

12,8

10,6

70,2

UFBA Salvador (BA)

Federal

61

A

è

1,6

8,2

6,6

19,7

65,6

UNESP Araraquara (SP)

Estadual

53

A

26,4

1,9

7,5

64,2

UFV Viçosa (MG)

Federal

41

A

é 147,4 è -0,6

0,0

4,9

31,7

63,4

UERJ - Rio de Janeiro (RJ)

Estadual

81

A

è

-1,5

6,2

12,3

19,8

61,7

UFJF - Juiz de Fora (MG)

Federal

39

A

è

-9,1

5,1

10,3

28,2

56,4

UFF Niterói (RJ)

Federal

120

A

è

-0,5

6,7

7,5

31,7

54,2

UFRGS - Porto Alegre (RS)

Federal

95

A

è

-4,2

8,4

16,8

21,1

53,7

UFPE Recife (PE)

Federal

62

A

è

3,2

4,8

17,7

25,8

51,6

PUC/MG - Belo Horizonte (MG)

Privada

92

A

è

9,4

9,8

15,2

25,0

50,0

FAAP - São Paulo (SP)

Privada

135

A

è

7,6

5,2

15,6

32,6

46,7

UFPR Curitiba (PR)

Federal

100

A

è

3,8

7,0

16,0

31,0

46,0

Fonte: INEP/MEC - ENC de Economia 2001

Revista de conjuntura "

out/dez de 2001


os 10 melhores. Entre as escolas privadas, além da PUC/RJ, outro grande destaque foi a UNISINOS/ RS, que alcançou o quinto lugar, revelando o sucesso do amplo processo de planejamento estratégico e a reforma curricular implementados, ambos citados como referência nos últimos anos. A grande surpresa foi a FAAP/SP, que, mesmo com o reconhecimento da competência e representatividade nacional dos atuais dirigentes do Curso de Economia e de alguns professores, alcançou resultado foi extraordinário, especialmente se considerarmos o grande número de alunos do curso presentes no Exame. Completam a lista de 7 universidades que tiveram mais de 80% dos seus alunos com notas acima do P75 da distribuição de notas individuais, além da PUC/RJ, UnB, USP de São Paulo e Piracicaba, Unisinos, pela ordem de classificação, UFRJ e UNICAMP. Cabe uma observação para a estréia no Provão, com excelente desempenho, da Faculdade Gama e Sousa do Rio de Janeiro. Com apenas 4 alunos participando do Exame, obteve conceito A. Nos anos anteriores, alguns cursos, que não são incluídos entre os bons cursos de Economia do País, obtiveram desempenho excepcionais, com a participação de poucos alunos no Exame. O novo critério de distribuição dos conceitos reduz a distorção, alertada nos exames anteriores, provocada pelo viés no desempenho dos cursos que tinham pequeno número de alunos inscritos no ENC. Muitos analistas apontaram estas distorções, especialmente, consi-

Entre os cursos de Economia de Brasília, o único destaque positivo foi a UnB, que obteve o triplo A , repetindo, em 2001, o desempenho no ENC de 2000, ficando em segundo lugar na classificação geral . derando que, pelo critério anterior de atribuição dos conceitos, estes cursos ocuparam o lugar de direito de outros cursos. Foram, também, apontadas distorções nos resultados, decorrentes de boicote de alunos em alguns cursos. Este foi o caso da UFBA, que ficou com conceito E no ENC 1999, mas que, nos anos seguintes, recuperou o seu lugar de direito, entre as melhores do País. OS CURSOS DE ECONOMIA DE BRASÍLIA

Entre os cursos de Economia de Brasília, o único destaque positivo foi a UnB, que obteve o triplo “A”, repetindo, em 2001, o desempenho no ENC de 2000, ficando em segundo lugar na classificação geral, atrás apenas da PUC/RJ, que substituiu a UNICAMP, líder da classificação nos anos anteriores. Os demais destaques são negativos: a Católica teve o pior desempenho no Provão, com queda de 8,3% na sua nota; a AEUDF caiu do conceito “B” para “C”; a UNEB repetiu o conceito “D” do ENC 2000 e corre o risco de descredenciamento do curso; e a UPIS teve queda acentuada (7,9%) na sua nota, permanecen-

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do com conceito “C”, mas se aproximou do conceito “D”. O CEUB, apesar de não estar realizando vestibular de Economia, melhorou seu desempenho, superou a Católica pela primeira vez e poderá surpreender no próximo Exame. Os dados das Tabelas 4 e 5 mostram que a UnB teve 93% dos seus alunos com nota acima do P75, ou seja, entre os 25% melhores alunos de Economia do País. Apenas um aluno ficou abaixo do P50 e três alunos entre o P50 e o P75. O bom desempenho dos alunos da UnB é comprovado quando observamos os demais cursos que tiraram conceito “A”. Só outros dois cursos tiveram mais de 90% dos seus alunos entre os 25% melhores do País, destacando-se entre eles a PUC/RJ (95,7%) e a USP/SP (91,3). Considerando os três exames, a UnB obteve duas das 5 melhores notas, a UNICAMP outras duas e a PUC/RJ uma. Só ocorreram 10 notas acima do P75, além das cinco já citadas: incluem-se a USP/SP com duas notas, a UFRJ com duas e a USP Ribeirão Preto com uma nota. Quais as razões do fracasso, no ENC 2001, dos demais cursos de

out/dez de 2001


Economia de Brasília se, no ENC 2000, apresentaram desempenho melhor em relação ao Provão/ 1999 ? Na verdade, alguns erros podem explicar a queda de desempenho, em especial a UDF e a Católica, que substituíram professores experientes, com muitos anos no curso, mas “horistas”, por jovens professores com maior dedicação ao Curso. Tanto no caso da UDF como na Católica, isto ocorreu em disciplinas de final de curso. Analisando o desempenho dos alunos nessas disciplinas, observa-se queda acentuada na nota: em alguns casos, passando do conceito “A” para “D” ou “E” nos conteúdos específicos das disciplinas. Antecipei o fracasso desses cursos em

artigo publicado no Jornal dos Economistas do CORECON/DF, alertando para o “... caso da “Católica”, (onde) houve a substituição de grande parte dos professores, com muitos anos de casa, por novos professores nas principais matérias do curso. A UDF, também, vem promovendo alterações neste sentido. Estas alterações poderão ter impacto negativo no desempenho dos alunos”. Nas simulações realizadas no MEC para definição dos indicadores de qualidade do ensino a serem considerados na Avaliação das Condições de Ensino, a correlação entre a dedicação dos professores ao curso e o desempenho no provão não foi consis-

tente, enquanto que a titulação e a experiência dos professores apresentaram forte correlação positiva, para o curso de Economia. Cabe ressaltar, entretanto, que tanto a UDF, como a Católica e o CEUB, têm bons cursos de Economia e sempre formaram excelentes profissionais. Mesmo com a queda de desempenho no ENC 2001, observa-se que grande parcela dos alunos teve nota acima do P75, ou seja, entre os 25% melhores do País. A UDF teve 26,2% dos alunos entre os melhores do País, o CEUB, 23,4% e a “Católica”, 19,8%. Os dados estão detalhados na Tabela 5. Um dado que preocupa todas as escolas do DF é o baixo índi-

Tabela 5: Desempenho dos Cursos de Economia do DF no Provão 1999, 2000 e 2001 IES

UnB

AEUDF

UCB

CEUB

UPIS

UNEB

DF

Evolução N º de % de Conceito Média graduan- ResponANO ENC da Nota dos * dentes (%) presentes

% de alunos nos grupos delimitados pelos P25, P50 e P75 da distribuição de notas dos graduandos Brasil P25

P50

Inscrito/ Vaga Vestibular

Número de ingresssos

P75

1999

A

-

40

100.0

0.0

2.5

15.0

82.5

6.4

80

2000

A

4.1

58

100.0

1.7

0.0

5.2

93.1

6.2

80

2001

A

- 4,0

57

100,0

0,0

1,8

5,3

93,0

7,8

80

1999

B

-

62

100.0

6.5

22.6

37.1

33.9

2.4

195

2000

B

- 6.2

56

98.2

19.6

28.8

23.2

30.4

1.7

128

2001

C

0,2

42

100,0

16,7

26,2

31,0

26,2

1,9

189

1999

C

-

79

98.7

21.5

22.8

39.2

16.5

1.0

177

2000

B

7.4

38

100.0

31.6

13.2

21.1

34.2

1.6

179

2001

C

- 8,3

81

97,5

18,5

32,1

29,6

19,8

1,7

158

1999

C

-

72

100.0

20.8

26.4

37.5

15.3

2.6

62

2000

C

- 2.7

40

100.0

17.5

37.5

32.5

12.5

1.7

79

2001

C

2,5

77

100,0

24,7

27,3

24,7

23,4

2,0

87

1999

C

-

27

0.0

2.3

80

2000

C

7.7

2001

C

- 7,9

100.0

29.6

37.0

33.3

39

97.4

15.4

30.8

38.5

15.4

3.4

80

61

100,0

29,5

34,4

26,2

9,8

3,1

86

1999

C

-

54

100.0

27.8

42.6

20.4

9.3

4.1

100

2000

D

- 10.4

81

100.0

38.3

37.0

21.0

3.7

2.7

125

2001

D

4,2

94

100,0

35,1

28,7

26,6

9,6

2,7

125

1999

-

334

99.7

18

25

32

25

3,1

694

2000

0.0

312

99.4

22

25

22

31

2,9

671

2001

- 2,2

412

99,5

22,3

26,0

24,3

27,4

3,2

725

Fonte: DAES/INEP/MEC - ENC. Relatório Síntese/1999, pp. 226-229; Relatório Síntese/2000, pp. 425-434; e Resultados do ENC/2001 p. www.inpe.gov.br * Consideram-se apenas os graduandos presentes e os graduados que prestam o Exame pela primeira vez.

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out/dez de 2001


ce de inscritos por vaga no vestibular de Economia, que tem oscilado em torno de 3. A exceção é a UnB, que tem uma procura relativamente melhor, cresceu de 6,2 para 7,8 candidatos por vaga entre 2000 e 2001, provavelmente refletindo o bom desempenho no Provão, nos prêmios de monografia e, em especial, nos Concursos Públicos, onde os alunos de Economia da UnB têm obtido desempenho excepcional.

Perfis dos Alunos e o Ensino de Economia O perfil dos alunos foi construído a partir das respostas ao questionário-pesquisa, com mais de 80 questões sobre informações socioeconômicas dos graduandos e suas impressões sobre o Curso. O MEC divulga tabulações por região e características das Instituições. Este grande banco de dados permite que se tenha uma visão aproximada da realidade do ensino de Economia no País. Mas nesta seção serão apresentados, apenas, alguns aspectos do perfil socioeconômico dos alunos e do ensino de Economia. Quanto ao perfil dos alunos, a principal alteração em relação aos dados levantados no ENC 1999 se refere à utilização da Informática:98,6% utilizam microcomputador, 74% têm computador em casa, 98,4% acessam a Internet, sendo que 43,1% em casa e outros 30,1% no trabalho. Os demais dados não são muito diferentes em relação ao ENC

Um dado que preocupa todas as escolas do DF é o baixo índice de inscritos por vaga no vestibular de Economia, que tem oscilado em torno de 3 . 1999. Os graduandos responderam que são solteiros (69,5%) e brancos (77,5%). Há pequena predominância de homens, mas com tendência de equilíbrio. A renda familiar é baixa: 36,2%% dos alunos tinham renda familiar entre R$ 541,00 e R$ 1.800,00, e 29,4% entre R$ 1.801,00 e R$ 3.600,00. Nestas duas faixas de renda não houve grande distinção relativa entre as regiões, e entre as escolas públicas e privadas. Durante a maior parte do Curso, os estudantes desempenhavam atividade remunerada, com jornada de trabalho entre 20 e 40 horas semanais (21,5%) ou mais de 40 horas semanais (48,3%). Houve relativo equilíbrio entre os que estudaram todo o ensino médio somente em escola pública (43,7%) ou somente em privada (40,4%). A maioria dos graduandos é bem informada, 42,1% dos alunos liam jornais diariamente e outros 23,9%, pelo menos duas vezes por semana. Mas o conhecimento de línguas não é bom: responderam que o conhecimento de língua inglesa é

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praticamente nulo (36,2%) e também de espanhol (52,2%), ou só sabiam ler - 17,6% e 30,4% -, respectivamente. Pretendem continuar estudando: 40,8% em cursos de aperfeiçoamento e especialização, e 29,5% pretendem fazer curso de mestrado e doutorado na área de Economia. Não houve grande alteração quanto às características dos cursos; a maioria dos alunos respondeu que o currículo é bem elaborado, que os professores apresentam o plano de ensino e que utilizam freqüentemente a biblioteca. Mas predominam as aulas tradicionais e não desenvolvem atividades acadêmicas além das obrigatórias.

Considerações Finais O Provão cumpre eficientemente o seu papel de dar transparência para a sociedade sobre a qualidade do ensino de graduação e o seu objetivo principal, de contribuir para a melhoria dos cursos oferecidos. O ENC é, hoje, um instrumento de planeja-

out/dez de 2001


Enfim, com o ENC, houve uma grande mobilização das instituições na busca da melhoria da qualidade do ensino . mento dos cursos, consagrou a cultura da avaliação e da imposição do aprimoramento permanente. O banco de dados e informações proporcionado pelo Provão vem sendo utilizado, efetivamente, pelos coordenadores e demais responsáveis pelos cursos de graduação. Destacam-se a sua aplicabilidade como diagnóstico da realidade institucional e seu potencial como instrumento de avaliação e melhoria da qualidade da educação superior. Os dados mostram que as instituições estão investindo na melhoria das condições de ensino: instalações físicas, bibliotecas, materiais didáticos e sobretudo na qualificação do corpo docente, além de já terem alcançado avanços nos projetos pedagógicos e nas práticas de ensino. Enfim, com o ENC, houve uma grande mobilização das instituições na busca da melhoria da qualidade do ensino. As baixas notas, entretanto, mostram que é necessária a continuidade desse processo que se iniciou com o Provão, não só em termos de melhorias nas instalações físicas e qualificação dos professores, mas também na organização curricular do curso e nas práticas pedagógicas.

Cabe observar, ainda, que os argumentos simplistas utilizados para justificar o mau desempenho dos cursos, como a questão do grau de dificuldade da prova, não explicam notas tão baixas. Ressalta-se, neste exemplo, que no ENC de 1999 as questões fáceis se concentraram na área de Teoria Econômica, e mesmo assim o desempenho nessa área foi fraco, com média de 34,7. Registra-se, ainda, que a área de Teoria Econômica compunha o início da prova, o que enfraquece o argumento de que a prova é longa e cansativa, daí o baixo desempenho. Por outro lado, o fraco desempenho dos graduandos na prova discursiva é preocupante, especialmente considerando as características do mercado de trabalho do economista, que exige profissionais que saibam pen-

sar, que saibam compreender e atuar no seu contexto social, que tenham capacidade de analisar, sintetizar, interpretar dados, fatos e situações, formular argumentos e comunicar a análise ou proposta. Para finalizar, cabe registrar que o modelo de exame adotado, nestes três anos, foi bem sucedido e aceito pela comunidade acadêmica dos economistas. O desenho da prova foi adequado e a opção de concentrar o exame no núcleo de disciplinas comum reflete os debates sobre a natureza do Curso de Economia no Brasil. O Exame retrata com relativa fidelidade a realidade dos cursos de Economia e, apesar do baixo desempenho dos alunos, diferencia os melhores cursos dos piores. Os erros e acertos são refletidos no desempenho dos cursos. Veja-se os casos ilustrativos da UCB e UDF de Brasília, cujas medidas adotadas vinham sendo citadas como preocupantes, e, de outro lado, os casos da UNISINOS/RS e FAAP/ SP, que vinham sendo citadas, nos últimos anos, como exemplos de continuidade de um processo de planejamento estratégico e de definição clara do projeto pedagógico do Curso.

* José Luiz Pagnussat Conselheiro do CORECON/DF. Professor da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e da Universidade Católica de Brasília (UCB). Membro da Comissão do Curso de Economia do ENC/99, 2000.

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