Revista de Conjutura n. 13

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Economia

de Brasília

Assessoria e consultoria econômica; projetos; avaliações; análises de risco; oportunidades de negócio. " CORECON/DF Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

Entidades associadas:

" IEL/DF Instituto Euvaldo Lodi " FIBRA Federação das Indústrias de Brasília

" SINDECON/DF Sindicato dos Economistas do Distrito Federal

" UnB Universidade de Brasília

" ACDF Associação Comercial do Distrito Federal

" UCB Universidade Católica de Brasília

" DIEESE/DF Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos

" UPIS União Pioneira de Integração Social " AEUDF Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal

" FECOMÉRCIO Federação do Comércio do Distrito Federal

" CESUBRA Centro de Ensino Superior de Brasília

" CUT/DF Central Única dos Trabalhadores do DF

" UniCEUB Centro Universitário de Brasília

" SEBRAE/DF Serviço de Apoio à Média e Pequena Empresa do Distrito Federal

" Faculdade Euro-Americana Instituto Brasiliense de Estudos da Economia Regional

IBRASE Te l e f o n e : ( 6 1 ) 2 2 5 - 9 2 4 2


Revista Editada pelo CORECON/DF e SINDECON/DF - ANO IV - nº 13 - JAN/MAR DE 2003

EDITORIAL .............................................................................................................................................. 4

ENTREVISTA

MARIA LÚCIA WERNECK .......................................................................................... 5 ARTIGOS JOÃO PAULO DE ALMEIDA MAGALHÃES Situação econômica do País: fatos e perspectivas .............................................................. 11

TEREZINHA SUELI SÁ DE SOUZA GAIA A Reforma da Previdência: novo governo, velhas táticas e desacreditdos números ......... 17

CECI VIEIRA JURUÁ Política fiscal: imposto, repartição da renda nacional e seguridade social...................... 20

GEORGE DE CERQUEIRA LEITE ZARUR O discurso liberal e a política de expansão da educação superior no Brasil ................... 33

Revista de conjuntura

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EXPEDIENTE Órgão Oficial do CORECON-DF e SINDECON-DF Diretor Responsável: Roberto Bocaccio Piscitelli Conselho Editorial: Roberto Bocaccio Piscitelli, Carlito Roberto Zanetti, Dércio Garcia Munhoz, Iliana Alvez Canoff, José Luiz Pagnussat, Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo e Mônica Beraldo Fabrício da Silva. Jornalista Responsável: Mariane Andrade - Reg. DRT/MS 127 Editoração Eletrônica: OM Comunicação/Jornalismo (0xx61) 425-1090 Tiragem: 4000 Periodicidade: Trimestral As matérias assinadas não refletem, necessariamente, a posição das entidades. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. ISSN 1677-0668 CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO – DF Presidente: Roberto Bocaccio Piscitelli Vice-Presidente: Mônica Beraldo Fabrício da Silva Conselheiros Efetivos: Roberto Bocaccio Piscitelli, Mônica Beraldo Fabrício da Silva, José Luiz Pagnussat, Maurício Barata de Paula Pinto, Maria Cristina de Araújo, Humberto Vendelino Richter, André Luiz Ferro de Oliveira, Irma Cavalcante Sátiro e Guidborgongne Carneiro Nunes da Silva. Conselheiros Suplentes: Newton Ferreira da Silva Marques, Max Leno de Almeida, Evilásio da Silva Salvador, Jusçanio Umbelino de Souza, José Ribeiro Machado Neto, Francisco das Chagas Pereira, Ronalde Silva Lins, Miguel Rendy e Iliana Alves Canoff. Equipe do CORECON: Iraídes Godinho de Sales Ribeiro, Ismar Marques Teixeira, Michele Cantuária Soares e Jamildo Cezário Gomes. End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília –DF Tels: (061) 223-1429/223-0919/225-9242/2261219 e 226-0906 - Fax: (061) 322-1176 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de Funcionamento: das 8:00 as 18:45 horas (sem intervalo) SINDICATO DOS ECONOMISTAS DO DF End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 203 CEP 70300-907 – Brasília –DF Tel.: (061) 225-5482 Fax: (061) 322-1176 E-mail: sindecon-df@fenecon.org.br Site: www.fenecon.org.br Horário de Funcionamento: das 8:00 as 18:00 horas Diretoria Efetiva: Presidente: Iliana Alves Canoff 1º Vice-Presidente: vago 2º Vice-Presidente: Otávio de Carvalho Franco Secretário: José Nilson Gomes de Souza Tesoureiro: Gilberto Gatti Suplentes da Diretoria: Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Eugênio de Oliveira Fraga Marcos Cardoso Bularmarqui Victor José Hohl José Honório Accarini Conselho Fiscal: Miguel Rendy Maria Cristina de Araújo Luiz Guaraci David Suplentes do Conselho Fiscal: Marcus Vinicíus da Costa Villarim Humberto Vendelino Richter Geraldo Andrade da Silva Delegado Representante Junto à Federação: Roberto Bocaccio Piscitelli Delegados Suplentes: Mônica Beraldo Fabrício da Silva Irma Cavalcante Sátiro

EDITORIAL Passados os três primeiros meses do novo governo, embora a economia não apresente rumos muito bem definidos, verifica-se uma relativa estabilização dos indicadores mais sensíveis às variações de humor do mercado. O câmbio mostra uma tendência ligeiramente declinante, com menores oscilações que nos meses anteriores. As bolsas apresentam uma discreta recuperação. A inflação, segundo os vários índices das diversas instituições de pesquisa, está recuando, e essa tendência poderá consolidar-se com algumas presumíveis quedas de preços, como, por exemplo, nos alimentos, embora ainda possa ser fortemente influenciada pela política adotada em relação aos chamados preços administrados. Essa é mais uma razão pela qual se pode estranhar que o COPOM tenha justificado a manutenção da taxa SELIC (26,5%) com viés de alta: redução do ritmo de queda da inflação. Por esse prisma, vê-se que a atual equipe do Banco Central, mesmo com queda manifesta da inflação, não é capaz de, pelo menos, manter a taxa sem viés. Seria o caso de perguntar: o que faria o COPOM reduzir a taxa? Deflação? É bem verdade que o quadro externo é complicado. Não se tem uma idéia clara da duração da guerra e, conseqüentemente, do quadro de incertezas que cerca a economia mundial. Um dos efeitos se manifesta na diminuição dos aportes de capital, o que é natural, mesmo quando os fenômenos são de menores proporções. Os aplicadores – ou especuladores – retardam suas decisões de investimentos e preferem portos mais seguros, estáveis, tradicionais (trocam a rentabilidade pela segurança). Mas isto é praticamente inevitável dada a enorme vulnerabilidade do País e a interconexão entre os vários mercados. Mas, por outro lado, a balança comercial vai bem e continua factível a meta de um superávit, em 2003, da ordem de US$ 15/16 bilhões. E, paradoxalmente ou não, a guerra abriu e ampliou algumas oportunidades de negócios, ainda que transitórios. (E o que é esta guerra, senão um grande balcão de negócios, cuja divisão já foi adredemente estabelecida?) De toda a maneira, os resultados positivos no comércio exterior ainda não asseguram a internalização, difusão e perenização desses benefícios. De qualquer modo, um dos grandes vícios que adquirimos é o de tentar acompanhar, pari passu, cada oscilação dos principais indicadores, atribuindo-lhes uma importância exagerada, que traduz, em grande parte, nossa insegurança e uma espécie de obsessão em parecer estar bem (a consistência dos famosos fundamentos), para que os porta-vozes das instituições financeira internacionais elogiem nossas políticas. Aliás, a opinião que essas pessoas têm a respeito do Brasil conta muito mais que a dos cidadãos brasileiros em matéria de desempenho da economia. Em outras palavras: é preciso que os outros, lá fora, digam como estamos. Se a opinião desses “experts” for favorável, pouco importa o que pensa o povo aqui dentro. É por isso que se tornou tão obsessivo acompanhar a variação no valor dos títulos brasileiros negociados no exterior, bem como a mínima alteração na taxa de risco, no risco-Brasil, seja qual for a instituição ou agência, independentemente de sua credibilidade e do acerto ou não de suas avaliações anteriores, e até mesmo dos interesses que ela possa representar. É como se medíssemos nossos passos de acordo com as sucessivas avaliações feitas por agências de risco e outras instituições congêneres. Com efeito, se os próximos 4 anos forem pautados por esse tipo de orientação, eles não serão certamente muito distintos dos 8 anteriores. Resta saber se a atual política econômica constitui o que se convencionou chamar de transição, suas margens de manobra e, sobretudo, sua duração, seu fôlego. São precisamente estas questões que se transformarão nos grandes focos de nosso próximo XV Congresso Brasileiro de Economistas, de 10 a 13 de setembro, no Hotel Nacional, depois de 18 anos outra vez em Brasília. Um variado cardápio de opções compõe nossa programação. O primeiro grande eixo será o processo de transição; o segundo, um novo projeto para o Brasil. Convidamo-lo, desde já, a integrar-se a essa iniciativa. Informe-se no Conselho ou em nosso site. Inscreva-se. Paralelamente à realização de painéis e conferências, haverá apresentação de trabalhos selecionados e de convidados especiais. E alguns cursos. E lembre-se: é um Encontro organizado por economistas, mas não pretende voltar-se exclusivamente para os economistas, senão para o público em geral, com a participação de autoridades e especialistas, profissionais e estudantes, pesquisadores e curiosos. Nossas entidades estão trabalhando para que o próximo Congresso Brasileiro de Economistas seja o melhor já realizado. Mas isto depende de cada um de nós, especialmente dos nossos associados. Estamos esperando você.

Revista de conjuntura

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ENTREVISTA

A Previdência Social: as dificuldades de um sistema No momento em que a reforma da previdência é tema de discussão por diferentes grupos de trabalhadores e no Congresso Nacional, a Revista de Conjuntura entrevista a economista Maria Lúcia Werneck, diretora administrativa do Instituto de Economia da Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ). Maria Lúcia fala sobre a discussão a respeito da implementação de teto único para servidores públicos e trabalhadores do setor privado, e sobre regimes de capitalização, entre outros assuntos. Ela compara o sistema previdenciário brasileiro com o de outros países, acha que o tema deve ser ampla e publicamente discutido, e questiona quem perde e quem ganha com as mudanças. Entrevista: Mariane Andrade Colaboração: Roberto Bocaccio Piscitelli

Conjuntura - Existe realmente um déficit na Previdência Social? A previdência tem de ser superavitária? Maria Lúcia - Aqui está um primeiro equívoco no tratamento da questão e, na minha opinião, um equívoco que tem sido recorrente e intencionalmente alimentado – ou mesmo produzido – pelos governos que se sucederam desde 1989. O Brasil possui, constitucionalmente, um sistema de seguridade social que abrange a previdência social, a saúde e a assistência social. A Constituição de 1988 estabeleceu as receitas que deveriam financiar a seguridade: as contribuições dos trabalhadores, as contribuições Revista de conjuntura

dos empregadores sobre folha de salários, a contribuição social sobre o lucro líquido das empresas (CSLL), a contribuição para o financiamento da seguridade social (COFINS, que incide sobre o faturamento das empresas) e impostos gerais são as principais. Em 1996, ainda foi criada a CPMF. No ano de 2001, a soma das receitas da seguridade totalizou R$ 136,88 bilhões. No mesmo ano, o total de despesas (previdência, saúde, assistência e mais custeio dos Ministérios da Saúde e Previdência e Assistência Social) foi de R$ 105,41 bilhões. O que está fora desta conta? A “previdência” – aposentadorias e pensões – dos servidores públicos. E por

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que está fora? Simplesmente porque estes benefícios não fazem parte da seguridade social. Não fazem parte, porque a Constituição assim o determinou. A seguridade social, estabelecida constitucionalmente, é um sistema universal, ao qual qualquer brasileiro pode, cumprindo certos requisitos, ter acesso. Quanto aos servidores públicos, a Constituição estabeleceu (art.40) que deveria ser criado um sistema próprio, não universal, exclusivo deles (o que nunca foi feito). Então, o equívoco consiste em apresentar a previdência social, por um lado, desvinculada do sistema de seguridade do qual ela faz parte e, por outro, inteiramente vinculada aos benefícios devidos aos servidores públicos, com os quais ela não deveria ter nenhuma relação. Sobre o que, especificamente, se fala quando o assunto é previdência? Sobre seguridade? Sobre as aposentadorias a quem têm direito os contribuintes do INSS? Sobre as aposentadorias a que têm direito os servidores públicos em função do estatuto que os rege? O tema é complexo e as explicações necessárias são longas,

agravadas por anos e anos de desinformação intencional. Encurtando: a previdência do sistema INSS (o conjunto de benefícios devidos aos contribuintes do INSS, que é parte da seguridade, mas não é tratada como tal) não é deficitária. Não é deficitária concretamente, pois as receitas são suficientes para pagar as despesas. Tem problemas inerentes ao sistema, naturalmente, que podem ser sanados sem nenhum açodamento. Mas os problemas maiores que a ameaçam vêm de fora: o desemprego, a informalidade do mercado de trabalho e a sistemática utilização de recursos obtidos com a CSLL, a COFINS e a CPMF em rubricas orçamentárias que não são previdenciárias (nem, sequer, de seguridade). Há, porém, uma outra questão: a previdência tem de ser superavitária? Depende. Se a previdência é entendida como parte da seguridade, como política social, não tem de ser superavitária, assim como a educação pública não tem de gerar superávit. Se, no entanto, é entendida como política econômica (o que considero descabido), a partir da lógica do mercado,

O equívoco consiste em

apresentar a previdência social desvinculada do sistema de seguridade e vinculada aos benefícios devidos aos servidores públicos . Revista de conjuntura

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não pode ter déficit. Escolher entre um e outro entendimento é uma opção de governo. Conjuntura - As despesas previdenciárias com os servidores públicos constituem o item mais relevante e crítico das despesas orçamentárias? Maria Lúcia - Certamente as despesas com inativos do serviço público são altas, principalmente levando em conta os três níveis de governo: a União, os Estados e os Municípios. Cresceram, ademais, a partir de 1995, quando a reforma da previdência, aprovada em 98 – principalmente as ameaças contidas no discurso oficial –, começou a ser discutida. Milhares de funcionários pediram aposentadoria. E devem crescer agora, diante de novas ameaças. Não creio, porém, que seja justa nem coerente com a trajetória passada do atual governo a atitude de pura denúncia embutida na constatação de que as despesas previdenciárias com os servidores públicos constituem um item crítico. É importante examinar como e por que se chegou a este ponto, para pensar soluções adequadas. A Constituição de 88 estabeleceu o Regime Jurídico Único para os servidores públicos. Muitos servidores que tinham seu regime de trabalho regido pela CLT e, portanto, contribuíam para o então INPS, deixaram de fazê-lo. Suas contribuições pretéritas não foram computadas para efeitos de financiamento de suas aposentadorias. A partir de 1992, os servidores passaram a contribuir para um “plano de seguridade para o servidor e sua família”, com um percentual (hoje em 11%) da íntegra de seus rendi-

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mentos. Novamente, estas receitas não foram contabilizadas para o financiamento de suas aposentadorias. O tal “plano de seguridade social para o servidor e sua família”, que era uma determinação constitucional, jamais foi concretizado efetivamente. A legislação que regulamentou os preceitos constitucionais na verdade os ignorou, colocando na mesma estrutura – a previdência social – o chamado regime geral, universal, e os chamados regimes próprios, exclusivos dos servidores civis e militares. Nunca foi constituído, no âmbito da União, um fundo, que seria necessário, para fazer face às despesas com os benefícios destes contribuintes específicos. E mais, a contrapartida do empregador, no caso o Estado, nunca foi efetuada. Alguns Estados, como Rio de Janeiro e Paraná, instituíram sistemas com base em fundos de natureza específica, aos quais alocaram recursos. A grande maioria dos Municípios, contudo, não tem condições de fazê-lo. Conjuntura - Por que os servidores públicos são considerados geralmente como privilegiados? O benefícios dos aposentados e pensionistas é compatível com as contribuições pagas? Maria Lúcia - A imagem do privilegiado me parece, nitidamente, um recurso de marketing. Na época de Collor, a imagem usada era a do marajá. O objetivo é criar um vilão e apresentá-lo à massa dos aposentados pelo INSS, que ganha muito pouco, como o culpado pelas mazelas que sofre. Trata-se de uma maneira pouco ética de tentar obter apoios para levar adiante uma

Devemos dar um tratamento

especial a certas categorias de servidores dos quais se exige altíssima responsabilidade, como os juízes? suposta solução para os problemas de caixa do governo. A suposta solução consiste em destituir o funcionalismo público do estatuto que o RJU lhe confere e que lhe garante um regime previdenciário diferenciado. Ora, a questão que precisa ser discutida com transparência é justamente a legitimidade de tal estatuto. Isto significa que a sociedade precisa posicionar-se acerca de indagações como: devemos dar um tratamento especial a certas categorias de servidores dos quais se exige altíssima responsabilidade, como os juízes? Devemos entender que os militares, pelas especificidades de sua carreira e pelo papel que exercem, precisam de um regime previdenciário próprio? Eu não tenho resposta para essas e outras indagações do gênero. Nem cabe dar resposta com base em opinião pessoal. São questões que devem ser levadas a um amplo debate público, pois representam fundamentos sobre os quais se constrói o pacto social e sobre os quais se edificam as instituições políticas. O que quero dizer é que a discussão está sendo mal conduzida, pois está partindo de uma premissa falsa. Revista de conjuntura

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Os funcionários contribuem para suas aposentadorias com 11% da íntegra de seus rendimentos, diversamente dos filiados ao INSS, que pagam uma alíquota de até 11% do teto hoje fixado em R$ 1.561,56. Ou seja, um funcionário que recebe R$ 10 mil por mês contribui com R$ 1,1 mil, ao passo que o trabalhador contribuinte do INSS que recebe R$ 10 mil contribui com R$ 171,77. Abaixo dos R$ 1.561,56 – situação em que se encontra a grande maioria dos funcionários públicos – não há “privilégios”; reina a mais profunda igualdade. Aliás, não reina a mais profunda igualdade, porque os funcionários não têm direito aos dez benefícios e três serviços que a previdência social oferece, nem possuem FGTS. Conjuntura - O regime único é o mais justo e adequado para os trabalhadores do setor privado e do setor público? Maria Lúcia - Em primeiro lugar, cabe um pequena correção. Não temos, no Brasil, um regime para os trabalhadores do setor privado e um regime para os trabalhadores do setor público. Temos um regime universal, obriga-

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tório, para os trabalhadores que têm carteira assinada (que estão, claro, no setor privado) e facultativo para outros trabalhadores, inclusive os do setor público, e um regime específico para os trabalhadores do setor público. Do ponto de vista dos princípios de justiça, pode-se afirmar que um sistema único para todos é o mais justo. Afinal, todos são iguais perante a lei, todos são igualmente cidadãos brasileiros etc. Mas estes, como sabemos, são princípios formais, abstratos. E as sociedades não se organizam

A previdência é

um pacto, e a forma pela qual se concretiza depende de como se posicionam os atores sociais. Isto significa que não há fórmula justa no abstrato .

apenas a partir de tais princípios. Se assim fosse, não haveria desigualdades. As sociedades se organizam concretamente mediante pactos que, embora não suprimam os conflitos existentes, se traduzem em instituições e arranjos políticos que permitem dirimir os conflitos, atenuá-los ou simplesmente mantê-los sob controle. A previdência é um pacto – entre gerações, entre setores, entre classes sociais –, e a forma pela qual se concretiza depende de como se posicionam os atores sociais. Isto significa que não há fórmula justa no abstrato. A fórmula “adequada” é aquela que é politicamente viável, aquela que representa o consenso alcançado pelos grupos de interesse, pelos partidos políticos, pelos sindicatos, pelas associações empresariais. A fórmula “justa” é aquela que resulta do debate, dos acordos, dos procedimentos democráticos de escolha. Conjuntura - O regime de capitalização é viável e confiável? Pode ser implementado imediatamente? Maria Lúcia - Regimes de capitalização (uso o plural, porque há várias modalidades) são viáveis desde que haja recursos para custeá-los, e são confiáveis desde que haja controles – legais, financeiros, administrativos – que os garantam. Não são adequados, porém, para proteger contingentes populacionais numerosos. Na verdade, não têm função de política social abrangente. A universalização da proteção previdenciária, ocorrida no

mundo desenvolvido após a Segunda Guerra Mundial e adotada pela Constituição brasileira de 1988, implica um regime de repartição, condizente com a natureza redistributiva que encerra. Evidentemente, isso não significa que tal sistema deva descartar mecanismos de controle financeiro e atuarial. No caso dos servidores públicos, a criação de um fundo de capitalização poderia ter sido uma solução já no início dos anos 90. A União poderia ter dado o exemplo, criando um fundo administrado pelo próprio Estado ou por uma agência com esta finalidade. Hoje, a situação é outra, e a solução que está sendo proposta também é outra. O que está em pauta, hoje, é um regime de capitalização privado para os servidores públicos. A proposta menos radical consiste na adoção do sistema único para todos – trabalhadores contribuintes do INSS e funcionários públicos –, público e compulsório, com a complementação, optativa, via fundos privados de capitalização. Uma indagação, então, se coloca: quem perde e quem ganha com esta solução? Como já foi bastante discutido na imprensa, a adoção de um teto para as aposentadorias dos servidores implica redução de receitas. Os servidores que recebem acima do teto passarão a contribuir com menos. Se forem para o INSS, será necessário que o empregador (o Estado) contribua, sem o que, aí sim, a previdência social quebrará. (Não custa lembrar que o chamado siste-

A fórmula justa é aquela que resulta do debate, dos


ma da iniciativa privada, o INSS, é sustentado basicamente – em cerca de 70% – pelas contribuições dos empresários empregadores). Então, mais gasto para o Estado. Ou seja, o Estado não é, a curto prazo, um ganhador, e para sê-lo, a médio e longo prazo, muitas outras variáveis terão de ser administradas. Os aposentados pelo INSS, os atuais e os futuros, poderão vangloriar-se pela conquista da “igualdade” (formal). Mas esta poderá ser uma vitória de Pirro, pois, se os novos parceiros pesarem nos cofres, a conseqüência será a de sempre: achatamento dos valores pagos. E quanto aos servidores públicos, se não há ganhos, também não há perdas substantivas. Os que recebem abaixo do teto permancerão como estão; os que recebem acima do teto contribuirão com menos. A estes últimos não fará diferença contribuir, adicionalmente, para um fundo privado ou público de complementação previdenciária. Os grandes ganhadores serão, de fato, os bancos e seguradoras que administram fundos previdenciários e o mercado financeiro, que se abastecerá com os recursos provenientes da nova poupança. O vencedor, ao fim e ao cabo, é o FMI, cuja estratégia passa a ser adotada, como sugeri acima, “consensualmente”. Conjuntura - Qual deve ser o papel dos fundos privados de capitalização? Maria Lúcia - Fundos privados de capitalização, a despeito de toda uma retórica que procura

atribuir-lhes um suposto papel de proteção social, são mecanismos estritamente econômicos de movimentação do mercado financeiro. Vale insistir: mecanismos afetos ao mercado financeiro, que não têm nenhuma função inerente de dinamização da estrutura produtiva da economia. Só agem sobre a economia como um todo se forem a tal obrigados pelo Estado. No contexto atual, de certo é importante para o País ter um mercado financeiro pujante. Mas seria equivocado esperar que daí se originassem benefícios sociais ou mesmo econômicos mais abrangentes, como crescimento da atividade produtiva, aumento do emprego etc. Conjuntura - As experiências levadas a efeito por outros países latino-americanos lograram êxito? Maria Lúcia - Depende do ângulo pelo qual se considere o êxito. As reformas na Argentina, no Uruguai, no México, na Bolívia e no Peru foram todas realizadas na década de 90. Todas foram privatizantes, mas preservaram sistemas públicos, uns mais, outros menos limitados, e regimes especiais para certas categorias de funcionários públicos. A do Chile, a mais radical (no público, só ficaram os militares), foi feita por Pinochet em 1981, em plena ditadura. Os resultados em todos os casos mostram resumidamente o seguinte: a) a cobertura diminuiu; menos trabalhadores são protegidos hoje do que antes; b) o Estado não teve redução significativa de gastos, pois

Fundos privados de capitalização são mecanismos estritamente econômicos de movimentação do mercado financeiro. Só agem sobre a economia como um todo se forem a tal obrigados pelo Estado . tem que bancar benefícios assistenciais cujos números são crescentes; c) o mercado de seguradoras tem tendido à oligopolização, com conseqüente aumento dos preços; e d) as economias não se beneficiaram como era de esperar. Mais uma vez, o grande êxito foi do FMI, que induziu (para não dizer exigiu) as reformas. Mesmo assim, no caso argentino, pouco adiantou o dever de casa feito.

acordos, dos procedimentos democráticos de escolha .


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NOVO


A R T I G O

Situação econômica do País: fatos e perspectivas Uma Agenda para o Acompanhamento da Nova Política Econômica

João Paulo de Almeida Magalhães *

Considerações introdutórias O Governo recém-empossado foi eleito com base na promessa de proporcionar ao Brasil nova política econômica. Existia, na opinião pública do País, reconhecimento de que a fórmula neoliberal de política econômica implantada no Brasil, e na América Latina em geral, fracassara redondamente. Médias e pequenas nações do Leste da Ásia e países de dimensão continental, como a China e Índia, que não se curvaram ao Consenso de Washington, registraram incremento anual do PIB, freqüentemente acima de 7%. Os latinoamericanos, com exceção do Chile, não foram além da média de 3%. Em conseqüência desses maus resultados, o Consenso de Washington deu lugar ao que (Bacha, 2002) se chamou de Dissenso de Cambridge. Mesmo a tentativa de salvar a fórmula neoliberal, através do denominado Consenso de Washington

Ampliado, não encontrou receptividade (Rodrik, 2002). Diante do expresso compromisso do atual Governo, de proporcionar ao País algo novo em termos de política econômica, críticas vêm-se generalizando no sentido de que continua a agir exatamente como seu antecessor, ou seja, no estrito cumprimento das fórmulas e metas do FMI. A crítica é, dentro de certa medida, indevida. Os círculos financeiros internacionais, com ampla cobertura dos meios de comunicação, haviam, de fato, criado na opinião pública mundial a convicção de que governo de esquerda levaria o Brasil ao caos através de medidas de política econômica, tanto radicais quanto irresponsáveis. A adoção, na primeira fase de sua administração, de comportamento conservador capaz de desmentir esse catastrofismo mal-intencionado tornava-se, assim, indispensável. Isso não é, todavia, motivo para esquecer o fato de a experiRevista de conjuntura

ência concreta e a literatura especializada (Grindle, 2000) terem demonstrado, exatamente no período imediatamente posterior à vitória eleitoral, serem medidas duras e difíceis mais facilmente aceitas. Isso nos permite afirmar que, embora o comportamento conservador de parte da equipe econômica seja justificável, ele não deixa de conter aspecto negativo em termos de oportunidade perdida. O importante é acompanhar a política econômica que, vencida a fase inicial de justificável prudência, será implantada no País. Paulo Singer, um dos economistas de maior prestígio do PT, reconheceu em entrevista à imprensa (Folha de São Paulo, 03/02/ 03) a necessidade de debate, dentro do Partido, sobre a nova estratégia a ser adotada. Em nossa opinião, este deve ser mais amplo, envolvendo toda a opinião qualificada do País, inclusive para que suas conclusões sejam amplamente apoiadas.

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O importante para avaliar a nova

estratégia econômica a ser adotada pelo Governo é registrar que o atual quadro caótico não existiria se o País houvesse mantido ritmo de crescimento igual ao registrado no passado . Bases da política econômica futura O Brasil vive hoje uma das mais graves crises de sua História Econômica. Após duas décadas de semi-estagnação, vê-se diante da necessidade de implementar medidas extremamente difíceis, tanto do ponto de vista econômico quanto político. E isso simplesmente para evitar que a presente década repita a experiência de suas antecessoras. O quadro existente é, de fato, preocupante, inclusive pela ameaça de escapar ao controle. Da perspectiva econômica, os aspectos mais visíveis são, em primeiro lugar, o déficit cambial de 4% do PIB, coberto por entradas maciças de poupança externa. E estas, além de não oferecerem qualquer garantia de continuidade, solucionam o problema apenas a curto prazo, dado que implicam em compromissos futuros (juros, amortização, dividendos etc.) extremamente onerosos em termos de divisas. Temos, em segundo lugar, o déficit fiscal cuja cobertura levou a dívida interna a mais de 60% do PIB, sendo sua explosão somen-

te evitada através de rolagem a juros altíssimos e da manutenção de elevado superávit primário. Do ponto de vista social temos, além de nível inaceitável de concentração de renda, a incapacidade da economia de absorver 1,5 milhão de novos trabalhadores que se apresentam anualmente ao mercado. A fim de gerar postos de trabalho de nível correspondente, o PIB deveria crescer à taxa anual média de 6%, ou seja, o dobro da efetivamente observada. O importante para avaliar a nova estratégia econômica a ser adotada pelo Governo é registrar que o atual quadro caótico não existiria se o País houvesse mantido ritmo de crescimento igual ao registrado no passado (incremento do PIB de 7% ao ano) ou, melhor ainda, reproduzido a experiência do Leste da Ásia, onde o PIB se elevou ainda mais rapidamente. Cálculo elementar mostra que, se houvéssemos crescido à média de 7%, registrada no período 1950 – 1980, nossas exportações estariam em 150 bilhões de dólares, isto é três vezes acima do nível atual, a receita fiscal seria 2,5 vezes mais eleva-

Revista de conjuntura

da, e os postos de trabalho no setor formal superariam em 14 milhões o nível presente. A maior demanda de mão-de-obra, por sua vez, se refletiria em salários mais altos, reduzindo a concentração de renda. Nossos problemas atuais resultam, portanto, fundamentalmente, da ruptura do processo de desenvolvimento que já se prolonga por duas décadas. Eles, portanto, só serão resolvidos no contexto de política econômica que assegure a retomada do desenvolvimento. A nova política econômica a ser implementada pelo Governo deve, diante disso, ser julgada essencialmente em função do atendimento a esse requisito. Pré-condições para a retomada do desenvolvimento Não existe hoje muita discordância, entre especialistas e a opinião pública em geral, sobre o fato de que sem, a volta ao crescimento acelerado, nossas dificuldades, tanto econômicas quanto sociais, continuarão insolúveis. Menos percebido é o fato de que a passagem da semi-estagnação, presente ao incremento acelerado do PIB se defronta com obstáculos extremamente sérios. Isso porque a política neoliberal colocou o País dentro do que se poderia chamar de uma “armadilha de subdesenvolvimento”, da qual será difícil escapar. (Magalhães, 2003). Dos três problemas supra referidos o cambial é, sem dúvida, o de maior gravidade. O que até agora se tentou para contorná-lo foram medidas destinadas a elevar exportações. Acontece que o

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corolário imediato desse esforço é o aumento do PIB com a conseqüente elevação do consumo de bens nacionais, reduzindo a disponibilidade para exportações (efeito absorção), e o incremento das importações. Os resultados inicialmente obtidos em termos de alívio das dificuldades cambiais são, dessa forma, revertidos. Mais grave é que estamos, no caso, diante de distorção estrutural de difícil correção. A abstenção do Governo, decorrente da obediência à fórmula neoliberal, levou à especialização do País na exportação de “commodities”, tanto agrícolas (café, soja etc.) como industriais (aço, papel, celulose etc.), produtos caracterizados por mercado internacional de lento crescimento e altamente competitivo. Nesse contexto, medidas de estímulo às exportações resultam mais em ganhos para os exportadores do que no aumento das vendas externas. A par disso, a abertura ampla e unilateral da economia, imposta pelo Consenso de Washington, levou à substituição da produção interna por importações em setores de alta elasticidade-renda de demanda. Isso significa que qualquer aumento do PIB determina elevação mais que proporcional das compras externas. Estamos, assim, diante de distorções somente corrigíveis através de mudança na estrutura do nosso comércio externo. O que deverá ser feito através de investimentos criadores de capacidade exportadora, em setores dinâmicos do mercado mundial, e destinados a substituir importações. Duas alternativas podem ser consideradas para enfrentar o impasse. A primeira consiste em

realizar imediatamente os investimentos necessários para elevar a capacidade exportadora do País e reduzir sua tendência importadora. A vantagem principal dessa alternativa se acha na retomada, a curto prazo, do desenvolvimento. O problema está em que determinará, de imediato, o agravamento dos déficits cambial e fiscal, tornando certamente indispensável a centralização do câmbio e, possivelmente, a reestruturação das dívidas interna e externa. A reação negativa da comunidade financeira internacional dispensa comentários. A segunda alternativa consiste no aprofundamento dos bons resultados recentes em termos de superávit comercial. Este chegou a 12 bilhões de dólares, em 2002, montante que poderá ser ampliado nos próximos anos. A dificuldade está em que (conforme demonstra amplamente a experiência brasileira dos anos 80) esses bons resultados dependem de situação recessiva na economia, a qual eleva as disponibilidades para exportação e reduz a demanda de importações. Sua grande vantagem é que evita, embora ao preço de atraso

na retomada do desenvolvimento, o choque com a comunidade financeira internacional. No contexto da promessa de mudança da política econômica, a opção do Governo deveria ser pela primeira alternativa. O fato de que ela poderá implicar na adoção de medidas de exceção justifica seu adiamento e a recente elevação da meta do superávit primário, medida esta que se enquadra claramente na segunda alternativa. A necessidade desse adiamento poderia, no entanto, ser contestada com base na análise de Coutinho, Sampaio e Appy (2002). Esses autores colocam a questão da armadilha cambial nos mesmos termos acima propostos. Denominam a primeira alternativa de ajuste rápido e a segunda de ajuste lento, reconhecendo que a primeira representa mudança e a segunda, manutenção da política atual. Diferentemente de nossa proposta, consideram, porém, que o ajuste rápido pode ser levado adiante sem ocasionar as tensões por nós previstas e que exigiriam, certamente, a centralização do câmbio e, eventualmente, a moratória. É em análises desse tipo que

Estamos diante de distorções

somente corrigíveis através de mudança na estrutura do nosso comércio externo. O que deverá ser feito através de investimentos criadores de capacidade exportadora . Revista de conjuntura

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se apóiam as críticas supra referidas à manutenção pelo novo governo do modelo econômico adotado por seu antecessor. Ainda da perspectiva de curto prazo, existe a questão dos altíssimos juros vigentes no País, problema que deve ser, desde logo, enfrentado, qualquer que seja a escolha entre as soluções acima. A taxa brasileira de juros (salvo situações emergenciais em outros países) é a mais alta do mundo. E ela não só constitui uma das causas básicas dos déficits cambial e fiscal, como representa obstáculo intransponível aos investimentos necessários à retomada do desenvolvimento. Até recentemente se aceitava constituírem os altos juros o corolário inevitável do elevado “risco-Brasil”. Só poderiam, dessa forma, ser reduzidos em função de substancial melhoria nos atuais constrangimentos cambial e fiscal. Ora, contrariamente a isso, demonstrou-se (Bresser e Nakano, 2002) que países com “risco” superior ao nosso registram taxas de juros

substancialmente menores. Inexiste, portanto, motivo para que o problema deixe de ser imediatamente atacado, cabendo ao Governo definir os meios e modos de fazê-lo. Isso não significa que a taxa de juros não possa ser elevada, por períodos curtos, quando fatores conjunturais o aconselharem. Situação desse tipo (aceleração no incremento de preços) foi corretamente alegada para justificar o recente aumento da taxa SELIC. Cabe, no entanto, evitar erro do tipo cometido no caso da sobrevalorização cambial dos anos 90, principal responsável pelo desequilíbrio de nossas contas externas. Alegava-se que o reajustamento da taxa de câmbio determinaria a volta da hiperinflação. Quando este foi feito, a elevação de preços se revelou insignificante. Ou seja, parece lícito indagar até que ponto excessiva preocupação com aumentos de preços constitui justificação aceitável para atrasar o equacionamento do gravíssimo problema da taxa de juros.

Presentemente, discute-se no Brasil se

a nova estratégia deve se basear no mercado interno ou externo. O debate é, dentro de certa medida, acadêmico dado que em países de dimensão continental, como o Brasil, tanto um quanto outro devem ser objeto de ações específicas . Revista de conjuntura

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As alternativas ao modelo neoliberal Uma vez livre da armadilha montada pela política neoliberal, nova estratégia econômica deve ser definida pelo Governo. O consenso generalizado é de que, diferentemente do que ocorreu nas últimas duas décadas, o Estado terá papel fundamental na economia. O simples reconhecimento desse fato não é, todavia, suficiente. As linhas básicas de modelo alternativo devem ser trazidas ao debate público. As estratégias de desenvolvimento se definem pelos mercados em que se baseiam. Assim, no Brasil, tivemos: o modelo primário – exportador, voltado para o mercado internacional de produtos primários; o modelo de substituição de importações, explorando o mercado interno de manufaturas; e o atual modelo de integração competitiva no mercado mundial, supostamente apoiado no mercado externo para produtos industrializados. Presentemente, discute-se no Brasil se a nova estratégia deve basear-se no mercado interno ou externo. O debate é, dentro de certa medida, acadêmico, dado que, em países de dimensão continental, como o Brasil, tanto um quanto outro devem ser objeto de ações específicas. Ao Governo caberá apenas definir prioridades, justificando a opção feita. Nas linhas abaixo apresentamos pontos básicos a serem considerados em nova política de desenvolvimento. Com respeito ao mercado externo, é consensual que o País não pode manter-se especializado na exportação de “commodities”,

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devendo evoluir para a conquista de parcela adequada dos mercados de tecnologia mais refinada. Isso significa criação de vantagens comparativas em setores dinâmicos do comércio mundial, o que demanda investimentos em pesquisa tecnológica, formação de mão-de-obra qualificada, criação de infra-estrutura especializada e assim por diante. Os resultados obtidos deverão ser traduzidos em política industrial do tipo que já foi qualificado como de industrialização exportadora. Outro ponto de vital importância se acha na identificação dos responsáveis pela condução do processo. As multinacionais instaladas no Brasil, e que controlam os setores mais dinâmicos do mercado mundial, devem ser chamadas a nos proporcionar maior parcela dos grandes mercados mundiais. Suas vendas se concentram presentemente nos mercados interno e regional. Deve-se, todavia, levar em conta que, dentro de sua visão neoliberal, o governo anterior jamais as estimulou a comportamento mais consentâneo com a estratégia oficial de crescimento para fora. Papel importante deverá caber à empresa nacional, tanto de grande quanto de médio e pequeno porte. Nos dois casos, o papel do BNDES, segundo maior banco de desenvolvimento do mundo, será fundamental. O peso do segmento nacional será tanto mais importante quanto mais importantes forem as restrições das multinacionais a colaborarem na disputa dos grandes mercados

O MERCOSUL deve permanecer

um simples programa de abertura comercial ou dar lugar a políticas de desenvolvimento conjunto dos participantes? mundiais para produtos de tecnologia mais refinada. Segundo sugestões geralmente aceitas, as empresas nacionais de grande porte deverão ser transformadas em “global players”, recebendo facilidades inclusive para investimentos no exterior. As médias e pequenas empresas deverão ser estimuladas a se organizarem em “conglomerados (“clusters”) e receberem apoio de grandes “trading companies” patrocinadas pelo Governo. Experiência de outros países (como Taiwan e Itália), bem sucedidos em programas desse tipo, deve ser aproveitada . O mercado interno pode ser explorado no contexto de “sociedade de consumo de massas”, tal como propõe o programa do PT. Isso reclama, todavia, medidas mais amplas do que o simples objetivo de Fome Zero. Política mais abrangente deve ser especificada pelo Governo e examinada não apenas no aspecto social, como em sua contribuição para a retomada do desenvolvimento. Medidas destinadas seja a

promover a substituição competitiva de importações, seja um protecionismo educativo (que prepara empresas para atingirem níveis internacionais de competitividade), devem ser definidas. A forma de evitar que políticas desse tipo resultem, como no passado, em baixos níveis de produtividade, deve ser explicitada. Também aqui a experiência internacional pode ser aproveitada. Finalmente, cumpre aprofundar o papel das integrações econômicas, que configuram política de mercado, seja interno, seja externo. Assim: o MERCOSUL deve permanecer um simples programa de abertura comercial ou dar lugar a políticas de desenvolvimento conjunto dos participantes? Diante das duras críticas feitas à ALCA, é importante deixar claro se esta será simplesmente rejeitada ou em que condições poderá ser aceita. A ALCA constitui ou não objetivo realista, e qual será a proposta do Brasil para garantir aos demais membros participação equânime nos benefícios obtidos?

7 Mendes, 2001. p. 67 8 Bobbio, 1999, p. 88

Revista de conjuntura

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Considerações finais Estas são as questões colocadas diante da nova administração nacional, e que devem ser objeto de amplo debate, ao qual não poderão se furtar instituições como o COFECON, representantes da opinião qualificada de setores de magna importância para o desenvolvimento do País. O novo governo foi eleito para mudar a política econômica. O fato de ter evitado, na sua fase inicial, medidas de maior profundidade é compreensível e justificável. Existe, contudo, risco nessa opção – risco, aliás, já reconhecido por figuras representativas da esquerda mundial. A cúpula governista não pode deixar-se enganar pelos aplausos que vêm recebendo diante da adoção, até agora, de política de

linhas conservadoras. Procedem eles fundamentalmente daqueles que, por longo tempo, se beneficiaram (e, portanto, têm interesse na sua permanência) da fórmula neoliberal. Nem deve o Governo perturbar-se quando os aplausos desaparecerem (ou se transformarem em críticas), em função do lançamento de novo modelo econômico. Medidas como a elevação da taxa SELIC e da meta para o superávit primário, embora no feitio do antigo modelo, se justificam enquanto indispensáveis para manter a inflação sob controle e evitar a explosão da dívida pública. Mas porquê nada se diz sobre investimentos destinados a aumentar a capacidade exportadora e a substituir importações, medidas consideradas pela corrente principal do pensa-

mento econômico como única forma de colocar sob controle o déficit de transações correntes e retomar o desenvolvimento a curto prazo? Ao ser acusado de repetir as fórmulas do seu antecessor, o Governo responde anunciando medidas de caráter social. Ora, é público e notório que estas só alcançarão pleno sucesso no âmbito de economia em rápido crescimento. Em suma, opinião pública e especialistas esperam que, tão cedo quanto possível, a nova administração do País venha a público dizer o que pretende colocar no lugar do fracassado modelo neoliberal de desenvolvimento. E não temos dúvida de que sua proposta, após amplo e proveitoso debate, se beneficiará do mesmo amplo apoio que o atual governo recebeu em sua eleição.

* João Paulo de Almeida Magalhães Coordenador da Comissão de Política Econômica do COFECON

Bibliografia Bacha,E. Do Consenso de Washington ao Dissenso de Cambridge, em O Desenvolvimento em Debate 1. Rio de Janeiro: BNDES, 2002. Bresser,L. C. e Nakano ,J. Uma Estratégia de Desenvolvimento com Estabilidade, em Dias Leite e Reis Velloso, O Novo Governo e os Desafios do Desenvolvimento. Rio: José Olympio, 2002. Coutinho,L.Sampaio, F. A. e Appy, B. Correndo contra o Relógio: Condições de Sustentabilidade Cambial e Fiscal da Economia Brasileira, em Dias Leite e Reis Velloso, O Novo Governo e os Desafios do Desenvolvimento. Rio: José Olympio, 2002. Grindle, M.S. In Quest of the Political: the Political Economy of Development Policymaking em Gerald Meier e Joseph Stiglitz, Frontiers of Development Economics. New York: World Bank e Oxford University Press, 2000. Magalhães, J.P. A, A Retomada do Desenvolvimento e os Constrangimentos Cambial e Fiscal, a ser publicado em Carta Mensal do Conselho Técnico da CNC Rodrik,D. Depois do Neoliberalismo o quê? Em Desenvolvimento em Debate 1. Rio de Janeiro: BNDES, 2002. Revista de conjuntura

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A Reforma da Previdência: novo governo, velhas táticas e desacreditados números Terezinha Sueli Sá de Souza Gaia *

Mais uma vez em pauta a reforma da Previdência Social, agora com ênfase no regime do servidor público. Com grande destaque na imprensa, o assunto vem sendo colocado para a sociedade como uma reforma pela igualdade, para viabilizar ações na área social ou até mesmo para permitir a governabilidade do País. Como vem acontecendo desde 1990, e mediante as mesmas táticas, é atribuído ao servidor público a responsabilidade por eventuais déficits nas contas do governo. Falácias, distorções e alguns mitos cercam a questão, alimentados por relatórios de organismos internacionais que insistem em impor modelos, ainda que nem sempre adequados aos costumes e à cultura de um povo, como, por exemplo, o do Banco Mundial, de 31 de maio de 2001, intitulado “Brazil: Critical Issues in Social Security” (www.worldbank.org).

Com base em declarações de integrantes do governo, publicadas na imprensa e não desmentidas, e no que consta do relatório acima citado, gostaria de fazer algumas observações, relativamente à unificação dos regimes, ou seja, à proposta de integração, com um regime único, universal, compulsório, para os trabalhadores do setor público e do setor privado, com as mesmas regras. A escolha da estrutura de um sistema de proteção social é eminentemente política e, portanto, razões técnicas ou econômicas

podem condicionar essa escolha, mas, fundamentalmente, trata-se de organização do Estado. No mundo, encontramos as duas formas: regimes separados ou um único regime para todos os trabalhadores. No Reino Unido, por exemplo, berço da universalidade, conforme princípio instituído pelo Plano Beveridge, de 1941, tem-se um regime único para os trabalhadores dos setores público e privado. Porém, os militares, marítimos e trabalhadores das docas têm regime diferenciado: é o reconhecimento de que os desiguais devem ser tratados desigualmente. Já na França, os regimes são separados, inclusive entre os servidores públicos: os militares e os civis possuem, cada grupo, regime próprio,embora, quanto aos civis, alguns benefícios, como os decorrentes de doença e invalidez, sejam pagos pelo

A escolha da estrutura de

um sistema de proteção social é eminentemente política; trata-se de organização do Estado . Revista de conjuntura

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regime geral, havendo transferência financeira, àquele regime, pelo governo. Assim, independentemente da decisão política sobre o regime a ser adotado em nosso País, o problema da integração dos regimes previdenciários brasileiros, a nosso ver, poderá vir a ser o descumprimento, por parte do governo, de suas obrigações como empregador, o que já vem acontecendo ao longo dos anos. A integração compreende não somente os benefícios, mas também o custeio do sistema. Aliás, este precede aquele, tal como dispõe o inciso 5° do art. 195 da Constituição Federal. No regime integrado, como atualmente é no Brasil, se o setor privado contribui com 20% sobre a totalidade da remuneração de seus empregados, mais 1%, 2% ou 3% sobre a mesma base de cálculo, conforme a atividade desenvolvida, e, ainda, com 6%, 9% ou 12% por empregado que exerce atividade geradora de uma aposentadoria especial, o Estado deverá contribuir na mesma base, senão o regime integrado ficará desequilibrado e, em breve, estarão falando novamente em déficits.

O passado justifica nossa preocupação. Lembramos o período pré-Constituição de 1988, em que o regime previdenciário dos servidores federais empregados (CLT) fazia parte do regime geral, bem como os “celetistas” dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Até hoje rolam dívidas dos entes federativos, e não sabemos ao certo se a União contribuía em relação aos seus servidores. Hoje, a União, as unidades federativas e os Municípios não agregam às contribuições de seus servidores a parcela respectiva de suas obrigações enquanto empregadores. Com a previdência unificada, o governo, seja federal, estadual, distrital ou municipal, deverá alocar recursos para aquele regime, da mesma forma que a lei impõe ao empregador do setor privado. A idéia de previdência social, desde 1883, na Alemanha de Bismarck, é de um financiamento tripartite. Querer fazer previdência somente com contribuição do empregado, no caso do funcionário, pode ser chamado de poupança programada, de pecúlio, de mutualismo, menos de previdência. Nas declarações de autoridades, publicadas pelo jornal O

Querer fazer previdência somente com

contribuição do empregado, no caso do funcionário, pode ser chamado de poupança programada, de pecúlio, de mutualismo, menos de previdência . Revista de conjuntura

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Globo, de 25 e 27 de janeiro do corrente ano, constata-se que a parcela do empregador não tem sido alocada à previdência do servidor. São declarações do Ministro da Previdência Social, Ricardo Berzoini: “Embora, na prática, o governo federal tenha de bancar a conta dos aposentados, na teoria, ele não paga sua parcela, fazendo com que o déficit seja de R$ 30,1 bilhões em vez de R$ 23 bilhões”. Da mesma forma, os governos estaduais: no Espírito Santo, o governo arrecada de contribuições dos servidores, mensalmente, o valor de R$ 6 milhões e paga de aposentadorias R$ 40 milhões por mês. Conclui o governador: “...o que representa um déficit de 34 bilhões”. Ou seja, nenhuma responsabilidade do empregador! Além disso, há equívocos nessa conta. O montante de aposentadorias pagas mensalmente inclui aquelas concedidas anteriormente à instituição de contribuições, quando a aposentadoria do servidor era um ônus para o Tesouro, e as contribuições ao IPASE, por exemplo, assim como aos institutos de previdência dos Estados, Municípios e do Distrito Federal se destinavam às pensões e assistência médica. Aliás, o Tesouro Nacional recebeu o patrimônio acumulado pelo IPASE, o qual, enquanto recurso gerado pelo servidor público, deveria estar sendo considerado no balanço das contas divulgadas da previdência do setor público. Não está, e ninguém fala mais nisso! Também o modelo de Estado implantado no País, especialmente a partir de 1995, vem diminuindo suas atividades e, conse-

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qüentemente, o seu número de funcionários, os quais, por sua vez, diante do terrorismo provocado por nossas autoridades, ao cumprir os requisitos mínimos exigidos, se aposentam. Hoje, é raro encontrar-se funcionários em atividade com 35, 40 anos de serviço. Não há confiança nem credibilidade. O Banco Mundial, no relatório citado (p.3), chama equivocadamente de subsídio essa contribuição do Estado-empregador, como se não se tratasse de obrigação do Estado, mas de uma liberalidade! Mais: informa que o governo federal, após imputar uma contribuição como empregador de duas vezes a do empregado, como no regime geral, o que não acontece, subsidia cada aposentadoria do setor público, anualmente, em R$ 17,5 mil! Os estudos realizados pela Associação Nacional dos Auditores-Fiscais de Previdência Social (ANFIP), sempre apoiados e uti-

lizados pelos parlamentares, inclusive os que hoje integram o governo, têm demonstrado retenções e desvios reiterados das contribuições sociais. Um governo eleito com expressiva votação, que consolida a democracia brasileira, inclusive com repercussões positivas no exterior, que queira buscar, democrática e verdadeiramente, um consenso na sociedade para a reforma da previdência, deve abrir as contas da seguridade social e, não, com vistas a ganhar tempo, adotar os números do governo anterior, e nem mesmo partir das propostas de reforma que já transitam no Parlamento. Por que não uma auditoria nas contas da previdência?

Aliás, quanto a ganhar tempo, cite-se que o governo Reagan, para demonstrar à sociedade norte-americana a necessidade de reformas na área social, primeiro separou os orçamentos fiscal e da seguridade, e Margareth Tatcher discutiu treze anos a reforma da seguridade inglesa, conseguindo apoio dos sindicatos e do Partido Trabalhista, então na oposição. As informações têm que ser transparentes. Os números devem demonstrar a realidade. A importância da matéria não admite açodamento nem “queremismos”. Precisamos ser convencidos da necessidade e correção da reforma proposta! Abrir as contas da seguridade é o caminho. É assim que deve ser feito!

* Terezinha Sueli Sá de Souza Gaia Mestre em Direito Tributário UCAM/RJ, Especialista em Seguridade Social - IMS/UERJ, Professora de Direito Tributário e Previdenciário.

Realização 10 a 13 de setembro de 2003. Local Brasília - DF. Temas Inclusão Social e Desenvolvimento; Indicadores Econômicos do Brasil; Previdência Privada e Fundos de Pensão; Sistema Financeiro; Transição www.corecondf.org.br

de Governo - de FHC a Lula; e Reforma Tributária. Revista de conjuntura

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Política fiscal: imposto, repartição da renda nacional e seguridade social Ceci Vieira Juruá * 1 - Constatações e dignóstico O quadro institucional geral É praticamente consensual a observação de que está em curso uma fragilização dos Estados nacionais, frente à expansão das empresas transnacionais e à desregulamentação financeira. Concordamos com essa observação, desde que destacadas as diferenças entre o que ocorre nos países do Norte, centrais, ricos e poderosos, e nos países do Sul, periféricos, pobres e/ou emergentes. As maiores empresas e conglomerados bem como os detentores dos títulos financeiros situam-se em Estados ao Norte, e ali tanto as transnacionais quanto o grande capital desregulamentado atuam como agentes “extraordinários” de fortalecimento de seus Estados nacionais e governos, com os quais compartilham a glória, o poder e o dinheiro. Nas economias pobres ou emergentes, há um movimento

contrário: de desindustrialização, de incapacidade de geração tecnológica própria, de perda de mercados, de escassez de recursos financeiros e de endividamento crescente. Este empobrecimento, visível nos países ao sul do Equador, tem levado muitos cientistas sociais à crença de que o maior conflito de nossos tempos decorre da polarização Norte/Sul. Nessas economias “perdedoras”, o Estado sofre um processo agudo de fragilização financeira, deslegitimação crescente e, até mesmo, de soberania decadente frente aos credores internacionais. Os programas de ajuste fiscal (ou estrutural) e sua versão atual – o déficit zero - , elaborados e monitorados por agências internacionais (como o FMI e o Banco Mundial), contribuem para enfraquecer os governos e para limitar o crescimento e o desenvolvimento econômico, promovendo modelos de abertura comercial e financeira cujo

Revista de conjuntura

resultado mais visível são a perda de autonomia monetária e as dívidas externas crescentes e impagáveis. Na América do Sul, particularmente, há ainda um processo em curso de ocupação militar dos territórios nacionais, com a expansão das bases norteamericanas e os acordos militares desfavoráveis aos países que ali se situam. Ao Norte e ao Sul aceleram-se a despolitização e a perda de confiança nos mecanismos tradicionais da democracia liberal: o voto e a representatividade dos eleitos. Lá, onde o voto é facultativo, constata-se o pequeno número de eleitores que comparecem às urnas (igual ou menor do que 30% do eleitorado). Em regimes políticos de voto obrigatório, o poder da mídia e do grande capital exercem uma enorme influência sobre a opinião pública. Em uns e outros, a representação social no interior dos partidos políticos é majoritariamente dominada

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pelos representantes de setores empresariais e das elites financeiras locais e internacionais. Do ponto de vista da ordem internacional, esse período corresponde à consolidação dos Estados Unidos como potência mundial hegemônica, à internacionalização dos cartéis e oligopólios formados originariamente nos países da Tríade (América do Norte, União Européia e Japão), ao desmantelamento da União Soviética e ao reerguimento econômico e político da China. Tendências observadas de Política Fiscal Nas duas últimas décadas verificou-se uma adesão crescente, por parte das autoridades governamentais, ao Pensamento Único e aos postulados que lhe são atribuídos em matéria de política fiscal. No campo da tributação, observam-se: a) redução da progressividade dos impostos diretos; b) reorientação dos subsídios e incentivos tributários, do trabalho para o capital, do consumidor para as empresas, da demanda para a oferta; c) aumento da base de incidência e das alíquotas dos impostos indiretos, considerados mais justos e voluntários; e d) eliminação parcial dos impostos que incidem sobre o comércio exterior. No campo do gasto público, o discurso dominante é de condenação às atividades empresariais dos Estados e sua progressiva privatização, nos países do Norte. No Sul, trata-se mais de des-

A política fiscal em curso reflete

também uma tendência à perda de direitos sociais, não só no campo dos direitos de cidadania inscritos nas Constituições, mas sobretudo nas relações capital-trabalho . nacionalização do que de privatização, tendo em vista que o controle acionário das estatais está sendo transferido majoritariamente para o grande capital financeiro internacional. Assistese, ao mesmo tempo, à desarticulação das instituições responsáveis pelo Estado-providência (ou Estado do bem-estar social). Assimetrias de poder e de capacidade tecnológica e financeira entre países centrais e periféricos, ou entre países ricos e pobres, geraram conseqüências muito distintas ao Norte e ao Sul, cuja complexidade não se pode analisar no âmbito restrito deste relatório. Mas algumas características essenciais devem ser destacadas. Em primeiro lugar, contrariamente à retórica oficial e ao que se observa na América do Norte rica e na União Européia, nos países periféricos ocorreu um aumento considerável da carga tributária, absolutamente desvinculado dos interesses sociais e coletivos: a carga tributária vem

sendo aumentada para cobrir os pesados encargos da dívida externa e da dívida pública interna. O endividamento crescente é utilizado como justificativa para adoção de taxas de juros espoliativas e vampirescas, mais do que cinco ou dez vezes superiores ao crescimento do Produto Nacional, levando a um endividamento crônico e explosivo, e à deterioração da soberania monetária. O corte de investimentos públicos estratégicos (infra-estrutura física), a redução dos gastos sociais e o desmantelamento dos sistemas estatais de seguridade social funcionam como elementos de desagregação da sociedade, de estímulo ao aumento da violência e de reconcentração de renda1. A política fiscal em curso reflete também uma tendência à perda de direitos sociais, não só no campo dos direitos de cidadania inscritos nas Constituições, mas sobretudo nas relações capital-trabalho, onde se procura impor regras de “flexibilização” do

1 Cf. Le Monde Diplomatique, Baisses d impôt, retour aux fortunes d antan , setembro 2001, artigo de Thomas Piketty, diretor da Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales/Paris.

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mercado de trabalho, isto é, reduções de salário e deterioração das condições materiais necessárias à reprodução dos trabalhadores. A liberdade concedida às empresas em matéria de flexibilização do trabalho significa muitas vezes empurrar para o trabalhador despesas que deveriam figurar na planilha de custos das empresas, como também os riscos decorrentes de oscilações da demanda. Além das intervenções equivocadas por conta do FMI e do Banco Mundial, os países periféricos e seus governos defrontamse com ameaças concretas provenientes da OMC, que procura colocar cláusulas restritivas à política fiscal nos acordos sobre comércio e investimentos internacionais. Se é verdade que as negociações em torno do AMI – Acordo Multilateral sobre Investimentos – estão paralisadas, seus clones continuam presentes nas imposições colocadas pelas agências reguladoras e/ou de financiamento internacionais. Tendências compensatórias A emergência dos Estados Unidos como superpotência, ou como um verdadeiro império

quase planetário, a fragilização dos Estados nacionais e de seus instrumentos de política macroeconômica (moeda e orçamento público), a insegurança que reina sobre as condições materiais de vida da maioria das populações, o poder desmesurado e ditadorial do grande capital financeiro internacional, enfim, o conjunto de traços representativos da pósmodernidade, desencadearam reações e movimentos de defesa por parte de certos agentes coletivos. Para não nos alongarmos, basta citar alguns: os blocos regionais e a União Européia, em particular, no interior dos quais se fala mais em soberania compartilhada do que em perda de soberania; um número imenso e crescente de associações de toda natureza (de consumidores, de produtores, de usuários, de cidadãos, de marginalizados, de discriminados etc.); entidades de porte e atuação multinacional, voltadas para a condenação do modelo hegemônico de organização social e para a construção de uma nova utopia, como é nitidamente o caso da Attac – Associação para Tributação das Transações Financeiras e de Apoio aos Cida-

dãos, da Aliança por um Mundo Responsável, Plural e Solidário, do PSES-Pólo de Sócio-economia Solidária desta Aliança, entre outras. No Brasil e em muitos outros países existem redes amplas e diversificadas de sócioeconomia solidária. Multiplicamse, enfim, os gritos e manifestações de protesto global contra as instituições representativas do neolibealismo e de sua política: Seattle, Washington, Praga, Nice, o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, Gênova etc. Reações individuais a esta globalização perversa também poderiam ser apontadas: a religiosidade crescente, a criminalidade e a violência urbana, por exemplo. É no campo da sócio-economia solidária, no entanto, que vislumbramos o germe de uma utopia realista, capaz de oferecer alternativas não apenas provisórias, mas também sólidas e duradouras, compatíveis com uma necessidade espiritual básica de homens e mulheres: o humanismo solidário. Este assunto será desenvolvido nos tópicos que se seguem. 2 - Visões e novo paradigma

É no campo da sócio-economia solidária

que vislumbramos o germe de uma utopia realista, capaz de oferecer alternativas não apenas provisórias, mas também sólidas e duradouras . Revista de conjuntura

Para muitos dentre os mais expressivos autores em Ciências Sociais, o momento atual é de transição paradigmática [B. Santos: p.15 e seguintes]. Isto é, estaríamos assistindo ao fim do que se convencionou denominar de “modernidade ocidental”, período que convergiu para o capitalismo, regulado ou não, e para o seu oposto, o socialismo estatal. No Oci-

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dente, a modernidade foi fortemente caracterizada pelo debate entre liberdade e igualdade, o espaço econômico societal tendo sido orientado para a produção de valores de troca e para a acumulação capitalista de riquezas, e o espaço político para a democracia formal por via eleitoral, presidencialista ou parlamentarista, republicana ou monárquica constitucional. Após alguns séculos de expansão capitalista e de experiências liberal-democratas, não foram cumpridas as promessas de liberdade (para todos), de igualdade mínima (na posse de bens materiais), de prosperidade geral e de cidadania generalizada e universal2. As constatações levantadas no ítem anterior, de desigualdade crescente, de generalização da pobreza e de precariedades materiais, bem como as ameaças de desequilíbrio ecológico, estariam apontando para o fim, necessário, daquela etapa civilizatória que conhecemos como modernidade ocidental, para o fim dos tempos de “ordem e progresso”, durante o qual a sociedade civil – espaço das pessoas e de reprodução da vida humana e cultural – esteve permanentemente sob o jugo do Capital – organizador da produção material – e do Estado – agente de atualização do poder político.

É possível já entrever as idéias-força,

os valores e o eixo moral e ético que deverão prevalecer no caso de estarmos, efetivamente, no limiar de um novo momento civilizatório . O novo momento e um novo paradigma estão apenas em construção e deverão resultar do jogo das tensões entre o velho e o novo no interior de cada espaço social, conduzindo a uma nova formatação de regimes e de regularidades no interior daqueles espaços e, também, das instituições societais, responsáveis pela articulação das macroestruturas. Por exemplo, no interior do “econômico” debatem-se o mercado capitalista, coordenador da produção de valores de troca, e os diferentes sistemas de trocas nãocomerciais, através dos quais se procura minimizar o número dos excluídos e garantir a continuidade da produção de valores de uso3 necessários à sobrevivência. No interior do “político”, o conflito é entre o formalismo da representatividade eleitoral e a falta de autoridade e de legitimidade

dos poderes constituídos, abrindo espaço para outras formas de poder, nem sempre lícitas (a máfia, o dinheiro, o crime). No espaço “doméstico”, desarticulase a família patrimonialista e patriarcal tradicional, e novos critérios são permanentemente adotados para constituição das novas famílias, que podem, inclusive, abrigar pessoas do mesmo sexo. Embora haja uma enorme incerteza, uma grande diversidade de opiniões, uma extensa multiplicidade de ações divergentes e convergentes, relativas à trajetória da transição paradigmática, é possível já entrever as idéiasforça, os valores e o eixo moral e ético que deverão prevalecer no caso de estarmos, efetivamente, no limiar de um novo momento civilizatório4. São essas idéias e valores que permitem prever a

2 Com a erosão da fé iluminista em uma modernidade capaz de integrar a sociedade a partir de uma trajetória ascendente da História, desfaz-se a crença de que as potencialidades humanas possam ser liberadas por sociedade amplamente industrializadas [PSES/Canteiro Trabalho, Emprego e Atividade, projeto de síntese encaminhado à reunião de Findhorn/junho de 2001] 3 (...) No século XVI, a massa e o valor monetário envolvidos no comércio interior de Portugal eram superiores ao comércio de pimenta, especiarias e drogas. Mas este comércio interior fazia-se, em geral, nos moldes da troca e dos valores de uso. F.BRAUDEL . La dynamique du capitalisme. Ed. Flammarion, Paris, 1985. 4 Não se trata somente de conduzir uma situação de crise; o que ocorre atualmente é uma mudança total no interior da sociedade, que não quer mais admitir desigualdades sociais negativas tão radicais, nem um comportamento absolutamente irresponsável com relação à natureza. - [PSES/ Canteiro sobre Consumo Ético, projeto de síntese encaminhado à reunião de Findhorn/ junho de 2001]

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No campo do poder estatal, crescem as desconfianças quanto à natureza democrática dos governos ocidentais . direção e os horizontes de novas configurações sociais. Destaca-se, em primeiro lugar, o anseio pela emancipação da sociedade civil, a vontade de romper com o jugo oriundo dos dois pólos de poder que caracterizaram a modernidade: o Capital e o Estado. Esta idéia de emancipação deverá romper a famosa Lei de Bronze, percebida por Ricardo e atualizada pelo neoliberalismo sob a denominação de flexibilização das condições de trabalho e de desarticulação do Estado-providência. Erguem-se, nas bandeiras reivindicatórias, duas demandas: a do pleno emprego e a de uma renda mínima. A primeira ficando nitidamente no campo conservador, de luta pelo restabelecimento dos valores da modernidade ocidental, submetidos - é verdade - à necessidade de evitar o caos social e de preservar a ordem tradicional. A demanda de renda mínima é revolucionária, pois permite distinguir entre trabalho e emprego, entre emprego e sobrevivência, entre rendimento e mercado; rompe também com a ne-

cessária comercialização da força de trabalho e com o mito de que é possível vender a capacidade produtiva individual sem vender-se a si próprio. No campo do poder estatal, crescem as desconfianças quanto à natureza democrática dos governos ocidentais. Naquela que é a nação mais rica do mundo e que se arvora como portavoz dos ideais democráticos da modernidade, o desinteresse crescente pela política e a prática institucional do voto facultativo conduzem ao Poder Executivo pessoas cuja aceitação eleitoral pode não chegar a 20% da população habilitada para o voto, o que contribui para deslegitimar os eleitos do ponto de vista de sua representatividade. Amplia-se igualmente a percepção de que os eleitos pelo voto, tanto no Poder Executivo quanto no Legislativo, procuram orientar suas decisões para o cumprimento de compromissos não explicitados publicamente, realizados, em geral, em ambientes fechados com os detentores do poder econômico nacional e internacional. O resul-

tado desses, e de muitos outros eventos e constatações que figuram cotidianamente na mídia, é a perda de legitimidade das autoridades públicas5 e a sua incapacidade de delinear políticas públicas voltadas para a melhoria das condições de vida da população. O caráter social da ação estatal, marca efetiva dos Trinta Anos Gloriosos, está sendo confrontado, à direita, por “ações sociais” da empresa privada, sobretudo nos setores da educação, saúde, assistência social e cultura. Em geral, trata-se mais de uma disputa pelo controle e manipulação de aparatos ideológicos, visando homogeneizar princípios éticos e morais, do que uma preocupação real com a melhoria do bem-estar social por parte de empresas privadas voltadas para a maximização do lucro, mesmo à custa de um imenso desemprego e da redução do poder de compra dos trabalhadores. À esquerda, o Governo enfrenta o desafio do “terceiro setor”, denominação bastante ampla para abrigar ONGs, cooperativas e associações de natureza bastante diversa e com práticas muito variadas, fazendo com que esse grupo represente um campo de atividade onde, efetivamente, há uma pluralidade cultural rica e promissora. Fica difícil debater aqui o sentido histórico desse terceiro setor, à medida que sua trajetória de expansão não é linear nem previsível, esperando-se, contudo, que ela se faça de acor-

5 A perda de legitimidade decorre de vários fatores, dentre os quais precisamos destacar, em particular, o caráter autoritário das decisões do Poder Executivo. Fernando Henrique Cardoso (presidente do Brasil) assinou (de 1995 até 6 de setembro de 2001) 5.295 Medidas Provisórias. No primeiro mandato, janeiro de 95 a dezembro de 98, as 2.609 assinadas representaram emissão de 2,5 Medidas Provisórias a cada dia útil. No segundo mandato, de janeiro de 99 até 6 de setembro último - e considerando-se o expediente normal de dias úteis -, Fernando Henrique emitia uma Medida Provisória a cada 160 minutos [in Jânio de Freitas: As leis no lixo , Folha de São Paulo-A5, de 9-09-2001).

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do com características estruturais das sociedades onde atua. As entidades públicas nãoestatais que compõem o terceiro setor podem atuar em parceria tanto com as autoridades governamentais quanto com unidades empresariais. Podem autofinanciar-se ou depender de doações de outras entidades nacionais ou estrangeiras, públicas ou privadas. Podem ou não visar a taxas modestas de lucros. Podem utilizar mão-de-obra assalariada ou voluntária. Podem inserir-se em uma cadeia produtiva ou atuar de forma autônoma. Essas e muitas outras alternativas é que deverão determinar o papel social que o terceiro setor irá efetivamente desempenhar na formatação de um novo mundo, de uma nova sociedade. Mas o que se espera delas é que atuem no sentido de restabelecer um equilíbrio mínimo entre a produção material e as necessidades sociais, e entre o arbítrio de governos elitizados e os anseios de participação popular ou de democracia ampliada. 3 - Iniciativas e Inovações Há uma ampla e variada gama de iniciativas que tentam minimizar os efeitos perversos da globalização neoliberal. Selecionamos apenas aquelas que ocorrem no campo das políticas macroeconômicas – monetária e fiscal –, interferindo nos regimes tributáriofinanceiros da ordem política [B.

Théret, 1992], e priorizamos as iniciativas que denotam rebeldia, resistência, às diretrizes do neoliberalismo e do pensamento único (excluindo, portanto, iniciativas tomadas pelo grande capital, como os fundos de pensão, o sistema colonial de “currency board” implantado na Argentina e a tentativa do FMI de privatizar a arrecadação de impostos na Argentina). A moeda social Contrariamente a previsões de correntes de pensamento social desenvolvidas nos Estados Unidos (como os textos de Gary Becker, que possuem muitos adeptos naquele e em outros países), que pregam a monetização generalizada de todas as relações sociais (incluindo o afeto), as moedas sociais são uma antimoeda do ponto de vista institucional dominante. (Uma das principais exigências da visão dominante é que a moeda em circulação sob forma de papel-moeda ou de moeda escritural tenha um lastro sólido, regras definidas e instituições responsáveis, enqua-

drando-se em sistemas e/ou regimes monetários.) Moeda absolutamente sem lastro, a(s) moeda(s) social(is) é(são) restrita(s) a ambientes onde são voluntariamente aceita(s) pela comunidade, passando assim a exercer, também, um papel de “coesão comunitária”. A razão de troca que se exprime em uma moeda social é determinada por negociação na comunidade à qual ela se destina, podendo estar fundamentada em um “mercado fictício” ou, simplesmente, simbolizar tempos de trabalho com ou sem diferenciação do grau de qualificação daquele que o exerce. Existem muitas interpretações acerca do significado presente e futuro das moedas sociais6. Um exemplo recente, de grande dimensão política, pode ser encontrado na Argentina. Há poucos meses, o governo da província de Buenos Aires foi levado a emitir uma nova moeda, sem lastro – os patacones –7, destinada ao pagamento de funcionários e de fornecedores do governo. À rejeição inicial, compreensível, seguiu-se o anúncio, pela Associação de Ban-

Espera-se que o terceiro setor atue no sentido de restabelecer um equilíbrio mínimo entre a produção material e as necessidades sociais .

6 Existem hoje múltiplas experiências de moedas complementares que constituem, efetivamente, instrumentos eficazes de troca e que, por aí mesmo, permitem enfrentar a escassez ou a ausência de dinheiro . [PSES/ Canteiro sobre Moeda Social. Projeto de Síntese .] 7 Papel-moeda emitido pelo governo da província de Buenos Aires, utilizado para pagamento dos salários de funcionários da Província e de faturas dos fornecedores.

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As moedas sociais apresentam-se como uma reação da sociedade à ditadura do capital financeiro exercida pelos grandes bancos e pelo capital financeiro internacional . cos da Argentina, de que seus associados “estão dispostos a aceitar os patacones para o pagamento de parcelas de empréstimos pessoais, hipotecas e prendários” (Gazeta Mercantil 24/26 de agosto de 2001). Este caso é uma situação extrema, que ocorre em um país estrangulado monetariamente pelo sistema denominado “currency board” 8. Na Argentina, o regime de “currency board” reconstituiu uma situação de extrema vulnerabilidade externa, com altíssimo endividamento interno e externo – em dólar –, e insuficiência da base monetária interna frente às necessidades dos mercados nacionais. Efetivando-se a circulação oficial dos “patacones”, a Argentina estará ingressando, oficialmente, no regime trimetálico (dólar, peso e patacones). Para o sentido desse trabalho, o que interessa destacar é que as moedas sociais apresentam-se como uma reação da sociedade à ditadura do capital financeiro exercida pelos grandes bancos e pelo capital financeiro internacional, cuja presença é trágica nos países periféricos, às

voltas não apenas com a escassez de meio circulante, mas também com taxas de juros que ultrapassam, de longe, a usura condenada pela Igreja Católica em tempos passados. As diferentes formas de moeda social em utilização no Canadá, no Japão, no Brasil e/ou na Argentina constituem ainda uma forma objetiva e explícita de negação do monopólio constitucional de emissão do papel-moeda (pelos governos e bancos centrais) e de emissão da moeda bancária pelos bancos comerciais. Algumas indagações podem e devem ser feitas com relação à expansão de moedas ou créditos sociais. Para os regulacionistas franceses, por exemplo, a moeda sinaliza para a existência de um coletivo exterior aos agentes econômicos, para um conjunto de crenças coletivas (confiança, reputação, legitimidade), representando uma verdadeira instituição de mediação social (meio de pagamento) dotada de um poder simbólico (a criação social de riqueza). Ela é também “um bem comum da sociedade, como a linguagem. (...) Ela

é um bem comum por excelência.” [M. Aglietta : 437]. Por esta ótica regulacionista, cabe a pergunta: representarão os patacones mais um elemento de fragmentação da nação argentina? Em segundo lugar, poderíamos observar o significado financeiro dessa moeda social no interior das finanças públicas. É evidente que não só os pagamentos do governo passam a ser feitos em patacones, mas suas arrecadação também, deduzindo-se daí que a economia pública provincial de Buenos Aires poderá desarticular-se progressivamente do sistema econômico nacional (movido a pesos ou a dólares), movendo-se para uma “situação de tudo ou nada”: autonomia total/ autarquização absoluta ou aniquilamento completo. Bastaria um pronunciamento do FMI, via governo central argentino, para que todos os órgãos provinciais sejam extintos, passando ao Banco Mundial a responsabilidade de quitar, via crédito externo, as dívidas para com o setor privado! Este cenário futuro não pode ser descartado, pensamos. Enfim, poderíamos indagar, em um cenário positivo de ampliação das moedas sociais, como pagar a dívida externa com moedas não conversíveis em dólar? Isso nos permitiria vincular o futuro das moedas sociais à exportação de bens e serviços por ela facilitados. No quadro atual de recessão mundial, esta alternativa parece pouco provável.

8 Regime monetário implantado na Argentina nos anos 1990, consistindo na paridade fixa entre o dólar e o peso argentino, e na variação da base monetária segundo a disponibilidade de reservas internacionais. As reservas internacionais passaram de US$ 67 bilhões, em fins de 1965, para US$ 150 bilhões em 1973, alcançando US$ 1 trilhão ao final da década de 1980, sendo predominante a participação do dólar norte-americano

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Na verdade, para avaliar o significado histórico dos créditos sociais, moedas distintas dos padrões monetários oficiais, é necessário “pensar para além do sistema de economia de mercado, produtor de mercadorias, e de seu maquinário de utilização econômica abstrata (juntamente com as formas políticas correspondentes). ... é preciso fazer alguma coisa diferente e nova, algo que até agora não existiu.” [R.Kurz: 192 e 195]. Na perspectiva que nos anima, as moedas sociais constituem, intrinsecamente, embriões da nova sociedade não-mercantil, não-capitalista. O Orçamento Participativo Trata-se de um instrumento de compartilhamento da autoridade em matéria de alocação de recursos públicos. Tradicionalmente, o gasto público tem sido decidido pelo Congresso ou pelo Poder Executivo, nos países ocidentais. A deterioração das condições éticas de exercício do poder político – no interior do qual se insere a competência para promulgar a lei do orçamento – e as denúncias constantes de corrupção na manipulação dos recursos financeiros estatais, juntamente com a oligarquização do estamento governamental, são elementos que vêm atuando no sentido de ampliar a desconfiança com relação à capacidade de o governo exercer as funções de alocação de recursos em prol do bem-estar coletivo. Mais ainda, no passado recente aumentaram as divergências entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo em matéria de gasto público. Os parlamentares procuram atender a seus interes-

ses pessoais (individuais ou coletivos) na votação do orçamento, enquanto a burocracia ministerial tem sido conduzida a uma postura tecnocrática que procura impingir, sem maior aprofundamento, critérios empresariais a decisões que são - ou deveriam ser eminentemente sociais. O Orçamento Participativo, cuja marca histórica é o governo do Partido dos Trabalhadores, em Porto Alegre (Rio Grande do Sul), Ipatinga (Minas Gerais) e em outros municípios do Brasil, é uma forma de socializar a decisão em matéria orçamentária, de ampliar a transparência da ação governamental e de deslocar o ambiente onde se resolvem os conflitos entre Executivo e Legislativo para fins de decisão alocativa. Sobretudo quando se trata de investimentos sociais (educação e saúde, mas também urbanização, segurança pública, iluminação etc.), a participação da comunidade na seleção dos projetos financiados por recursos públicos tem sido vista não só como um elemento que favorece e amplia a participação democrática da população, mas também como um instrumento que facilita a elevação dos níveis de eficiência e de produtividade do gasto público. É a inovação mais bem sucedida, em matéria de política fis-

cal nos últimos 20 anos. Por isso, espera-se que sua prática se generalize em outros Estados do Brasil e em outros países. É desejável também que o debate comunitário seja estendido ao sistema tributário, propiciando uma transparência sobre a incidência da carga tributária (quem paga os impostos? o capital, o trabalho, as empresas, os consumidores?). As entidades oficiais também entenderam o alcance político do orçamento participativo e querem, já, integrá-lo a suas atividades. É provável que o Banco Mundial ofereça recursos para a disseminação das práticas de orçamento participativo não só na América do Sul mas também na África. No Brasil, o governo acaba de lançar uma campanha de “alfabetização tributária”, utilizando os fiscais das Receitas Federal e Estaduais para um programa de educação tributária em escolas e em associações da sociedade civil, voltada para destacar o caráter social do imposto, isto é, sua capacidade de gerar serviços sociais para os mais pobres. Fica difícil julgar seus prováveis desdobramentos, pois a campanha ainda não começou, tendo apenas sido anunciada pela televisão.

O Orçamento Participativo é uma forma de socializar a decisão em matéria orçamentária, de ampliar a transparência da ação governamental . Revista de conjuntura

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A Economia Solidária – ES Abrange o conjunto de atividades organizadas segundo critérios e regras fundamentalmente distintos da empresa capitalista típica: propriedade privada do capital, busca do lucro máximo, acumulação individual da riqueza gerada e da mais valia, produção de valores de troca divorciados das necessidades sociais e coletivas. Também é absolutamente distinta das empresas estatais, no que concerne à origem dos recursos e regras de atuação e decisão. Artigos de Alain Lipietz e de Edith Archambault, publicados em “Problèmes Economiques N. 2712”, sob os títulos “Associations et lucrativité”, e “L’originalité du modèle français”, esclarecem que as unidades que integram a Economia Social, na França, possuem uma característica comum, a nãolucratividade, imposta e aceita historicamente em razão da desconfiança para com o Fisco e para com o setor privado, pois naquele país as associações nasceram de um processo de autoafirmação popular, em combate permanente contra o Estado e contra a empresa. As unidades que integram a economia social são classificadas

em três grupos: as cooperativas, as associações e as entidades de assistência recíproca (“mutuelles”), estimuladas por uma lei centenária, de 1901, que permitiu a autoorganização da sociedade civil, sem consentimento prévio do Governo. Por isto, ela é vista como uma lei de liberdade, de autonomia, de iniciativa cidadã. Para Gide e Jaurès, as associações francesas foram precursoras do Estado-providência até a “liberação”, tornando-se depois subcontratadas do Estado. Um conjunto de regras: o princípio de direção – uma pessoa, uma voz; o princípio de indivisibilidade das reservas; a lucratividade limitada. Esse conjunto de regras permite situar as unidades da economia social como empreendimentos comerciais não orientados pelos critérios de lucro. Uma pessoa, uma voz, um voto: princípio de gestão – a regulação do poder vincula-se à adesão de pessoas, e não à participação no capital (que, este, é o princípio das SAs). É um princípio considerado democrático. A unidade social dispõe de um capital próprio que não é apropriável pelos associados, é coletivo e

A Economia Solidária abrange o conjunto de atividades organizadas segundo critérios e regras fundamentalmente distintos da empresa capitalista típica . Revista de conjuntura

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indivisível, decorrendo daí sua autonomia “existencial” com relação aos fundadores e seus sucessores. Seu objetivo é um projeto social que não se confunde com os benefícios e ganhos particulares dos associados. A interpretação atual de não-lucratividade (conceito que excluiria as cooperativas) sinaliza que, em havendo excedente, ele deve ser reinvestido no projeto social. Em vários países da Europa a Economia Solidária está presente e atinge dimensões consideráveis em termos de pessoas ocupadas. No Brasil, “entre 1990 e 1998, a taxa de crescimento do número de cooperativas foi de 44%, e a taxa de crescimento do número de cooperados atingiu 53%” [N.Tadashi Oda: 95], estimando-se em aproximadamente 5 milhões o número de cooperados brasileiros (mais ou menos 5% da população em idade economicamente ativa). Há também um PSES-Pólo de Sócio-economia Solidária, constituído pelos PACS – Programas Alternativos do Cone Sul, pela FPH – Fundação Charles Léopold Meyer para o Progresso do Homem e pela ADSP –Agência de Desenvolvimento de Serviços de Vizinhança, que procura recolher, analisar, facilitar, debater as experiências mundiais em curso de empreendimentos vinculados à Economia Solidária. É importante destacar que a Economia Solidária prioriza os valores de uso sobre os de troca, fundamentando-se na livre associação de pessoas em torno de um projeto coletivo, e com ênfase nos valores de coesão e de solidarie-

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dade, propiciando uma reaproximação entre a Economia e a Ètica. Enfim, consideramos que as iniciativas atuais que se desenvolvem em torno da economia solidária podem ser vistas como uma resposta de adaptação da sociedade ao neoliberalismo e às dificuldades da vida material que atingem a maioria das populações, apesar da crescente diversidade e multiplicidade de objetivos de um conjunto específico constituído pelas ONGs. Precisamos de pesquisas sobre esse terceiro setor, e, particularmente, sobre as unidades que poderíamos incluir na nossa Economia Solidária. 4 - Proposições Das exposições anteriores, destacam-se as medidas a seguir, consideradas prioritárias no quadro de uma política fiscal voltada para o bem estar coletivo: 1- luta pela introdução da renda mínima universal; 2- respaldo integral às práticas de Orçamento Participativo e à multiplicação de experiências com moedas sociais; 3- denúncia permanente dos princípios elaborados pelo pensamento único para gestão da política fiscal, em especial os PAS – planos de ajuste estrutural elaborados pelo FMI e Banco Mundial e sua atualização mais recente – o déficit zero; 4- oposição sistemática aos mecanismos opacos de endividamento externo e interno, defesa de uma auditoria da dívida nos termos propostos pela Campanha do Jubileu 2000 e de limites para o seu pagamen-

Eu diria que o valor central a solidariedade é uma herança que ainda persiste em muitos de nossos países . to, conforme a capacidade econômica da nação e as exigências de resgate da dívida social; 5- apoio aos segmentos de atividade que integram a economia solidária, em cada país; 6- defesa sem tréguas do sistema de seguridade social com base na repartição e na solidariedade intergeracional. Cumpre reconhecer que é difícil, em momentos de transição paradigmática como o atual, fazer propostas sobre uma nova política fiscal para uma nova sociedade, solidária e plural, sociedade que imaginamos, embora desconhecendo-a. Mas a imagem que dela fazemos pode ser construída com base na arqueologia histórica e na antropologia cultural. Eu diria que o valor central – a solidariedade – é uma herança que ainda persiste em muitos de nossos países. Na América Latina, por exemplo, a tradição indígena é repleta de valores e de práticas comunitárias, solidárias. Braudel nos ensinou que a produção de valores de uso era bastante corrente em Portugal, na época dos descobrimentos (ver item 2 sobre “novo paradigma”). Mesmo hoje, muitos autores assumem que a sobrevivência em comunidades pobres, no Brasil, implica necessariamente em atitudes solidárias Revista de conjuntura

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e na troca de serviços sem a intermediação da moeda e do mercado capitalista. Penso ainda que, ao proceder desta forma, não me afasto demais das propostas apresentadas e consensualmente aceitas na reunião do Rio de Janeiro, em abril último. A verdade é que, até aquela data, nossas sugestões ficavam bastante próximas de um Estado-providência ideal, de formatação keynesiana e sócio-democrata, onde todas as necessidades básicas estariam cobertas, impostos diretos e indiretos teriam alíquotas progressivas vinculadas à renda, ao patrimônio e ao grau de necessidade dos produtos. Além disso, ficou claro, naquela reunião, que, para os países do Sul, existia uma condição preliminar ao exercício pleno dos instrumentos fiscais: anular parcialmente e renegociar a dívida externa, confrontando, ao mesmo tempo, os programas de ajuste estrutural elaborados pelo FMI, Banco Mundial e G-7. No entanto, a perspectiva por mim introduzida (com base nos textos do PSES e na obra de autores como B.Santos e B. Theret) de que estamos vivenciando um período de transição para um novo paradigma, e que podemos optar por vias que nos conduzirão

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A lógica privada, que é quase sempre a lógica do lucro, combinada com a ausência de controle democrático, não pode deixar de agravar as desigualdades sociais e políticas . a um “outro mundo”, no qual os princípios da modernidade ocidental serão substituídos por uma nova ética fundamentada na solidariedade, no compartilhamento da autoridade e na oferta abundante de valores de uso - levoume a atualizar aquelas propostas, compatibilizando-as com o que poderá vir a ser “a nossa utopia”. Acredito, como Boaventura Santos [pg 174], que “a dicotomia Estado-sociedade civil desencadeou uma relação dinâmica entre os dois conceitos, que, em termos gerais, pode ser caracterizada como uma absorção recíproca e constante de um pelo outro. (...) [implicando] dois processos diferentes: a reprodução da sociedade civil na forma de Estado, e a reprodução do Estado na forma de sociedade civil. (...) Assim se explica que a maior parte das recentes propostas para conferir poder à sociedade civil redunde em desarme social e político para a maioria dos cidadãos: o poder que aparentemente se retira ao Estado para o dar à sociedade civil continua a ser, de fato, exercido sob a tutela última do Estado, apenas substituindo, na execução direta, a administração pública

pela administração privada e, conseqüentemente, dispensando o controle democrático a que a administração pública está sujeita. A lógica privada, que é quase sempre a lógica do lucro, combinada com a ausência de controle democrático, não pode deixar de agravar as desigualdades sociais e políticas.” [in A crítica da razão indolente.] Em outras palavras: de nada adianta privatizar, nem “ONGar” o Estado; as reformas políticas devem ser mais profundas e combinadas a uma nova ética e a uma nova organização social da produção, da qual estarão excluídos, necessariamente, os valores de troca, as mercadorias, e com elas a “lex mercatoria”. Sem a produção de mercadorias, é muito provável que seja possível abolir os impostos sobre produção e consumo no interior de uma nação. Por outro lado, se as trocas forem realizadas com base nos custos de produção, zerando-se os lucros, tampouco haverá necessidade de imposto sobre pessoa jurídica. Em uma sociedade solidária, apenas dois impostos são necessários: um imposto sobre rendimentos e

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sobre o patrimônio, de arrecadação universal, segundo critérios de justiça social, e impostos sobre o comércio exterior, de forma a facilitar as trocas internacionais sem prejudicar a economia de cada nação. O imposto de renda é um fundamento essencial da plena cidadania, da igualdade política. É a contrapartida tributária de um processo de compartilhamento da autoridade, da multiplicidade de polos de poder. Foi B. Théret quem nos ensinou que o imposto é a produção transformada em poder político! Sua progressividade vai depender das condições de como se distribuem o produto e a renda nacional. Em sociedades igualitárias não há necessidade de progressividade do imposto. Os gastos com a produção de bens coletivos, de responsabilidade do Estado, das comunidades, deverão ser objeto de decisão coletiva, mediante o estabelecimento de regras fixadas por consenso ou majoritariamente. Nas palavras do Sindicato Nacional de Impostos da França, o montante da despesa pública deverá ser decidido com base nas necessidades sociais e coletivas. E é o montante da despesa que deverá determinar o montante necessário dos impostos a recolher. As duas proposições acima convergem para a necessidade, imediata, de fortalecer instituições e procedimentos vinculados ao orçamento participativo, ampliando o debate democrático para o campo tributário, para a análise da incidência fiscal.

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No tocante à proteção social e às instituições de seguridade, o primeiro cuidado é o de denunciar, a todo instante, os mecanismos perversos e concentradores de renda embutidos nos fundos de pensão, instrumentos colocados à disposição das elites ricas e alimentados por mecanismos especulativos (nos mercados imobiliários e de títulos financeiros, incluindo-se aí a dívida pública). Por enquanto, o melhor sistema de seguridade social é o de repartição, com recursos públicos, de abrangência generalizada e universal, em níveis compatíveis com as necessidades mínimas de sobrevivência digna. Contrariamente ao que está estabelecido nos dogmas neoliberais, a moeda não é uma mercadoria como outra qualquer, devendo eliminar-se todos os mecanismos que permitem especular em ativos monetários, como também fixar um teto para as taxas de juros reais, jamais superior a 6% ao ano. Essas duas restrições permitirão uma utilização saudável de um sistema monetário voltado para a facilitação das trocas, prioritária, senão exclusivamente. Resgatar o papel da moeda, como instrumento de trocas, significa também abrir possibilidades para a formação de um fundo de resgate da dívida social, alimentado pelos direitos de senhoriagem (transferidos do Estado para a sociedade) e por acréscimos decorrentes do aumento da produção nacional. Mais do que atender a gastos correntes, esse fundo deverá estar destinado à construção de

um patrimônio mínimo para cada cidadão, para a garantia de uma moradia própria e para assegurar a todos a posse dos bens de capital necessários à produção em sociedade. Essas são, no momento, as propostas que me parecem compatíveis com os princípios de uma nova sociedade, onde o principal vínculo de coesão social seja a ética solidária. 5 - Estratégia e atores Atores na construção da nova sociedade são todos aqueles que escolherem a vida, ou, parafraseando Victor Hugo, “Ceux qui vivent, ce sont ceux qui luttent; ce sont Ceux dont un dessein ferme emplit l’âme et le front, Ceux qui d’un haut destin gravissent l’âpre cime, Ceux qui marchent pensifs, épris d’un but sublime, Ayant devant les yeux sans cesse, nuit et jour, Ou quelque saint labeur ou quelque grand amour. (...) Ceux-là vivent, Seigneur ! les autres, je les plains,

Car de son vague ennui le néant les énivre, Car le plus lourd fardeau, c’est d’exister sans vivre. (Châtiments, 31 de dezembro de 1844) Os versos de Victor Hugo sinalizam para uma verdadeira revolução sem exército nem armas e para o pressuposto de uma estratégia defensiva, em primeiro plano. Por estratégia defensiva queremos indicar a capacidade de resistir, material e espiritualmente, à crise econômica e social em curso, que tende a se aprofundar e a aniquilar, literalmente, massas importantes da população. Significa também subtrair-se aos ditames da filosofia individualista competitiva e do consumismo, apontado como verdadeira doença do capitalismo, por Erich Fromm, desde a década de 1960. Na realidade, a ideologia do consumismo é central na teoria econômica neoclássica e atual, chegando ao paroxismo de denominar “bens” às mercadorias objeto de troca mercantil, e de considerar que a satisfação máxima do “homo economicus” decorre ou é equivalente ao máximo consumo de bens... Na mesma linha de raciocínio, aquela teoria confunde o

Resgatar o papel da moeda, como instrumento de trocas, significa também abrir possibilidades para a formação de um fundo de resgate da dívida social . Revista de conjuntura

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bem-estar coletivo com a produção de mercadorias, sejam elas úteis ou inúteis, isto é, desprovidas de valor de uso, tornando mais uma vez equivalentes, do ponto de vista do bem-estar, a comida e os armamentos, a educação e o turismo, a palafita e o palacete, e assim por diante. [Ceci Juruá, “O vazio e a Economia”]. Não é difícil negar o consumismo, pois ele já é negado, como prática, à grande maioria da população. Necessário é destruí-lo ideologicamente, contrapondo-lhe outros valores mais condizentes com o desenvolvimento pleno das potencialidades humanas, na linha de Leonardo Boff, por exemplo. Mas é igualmente necessário formular uma estratégia construtiva e de formação de núcleos consistentes, solidários, capaz de garantir a reprodução dos meios materiais necessários à vida e à reprodução da sociedade. Mas aí estão, em todos os países, em multiplicação

crescente, as cooperativas, as associações e um conjunto bastante diversificado de entidades públicas não estatais e não lucrativas (como os sindicatos, por exemplo). São os exemplos da economia solidária que estão colocados, hoje, à disposição de todos, com a filosofia e princípios que já explicitamos no item 2, sobre visões e novo paradigma. Os campos de reflexão sobre a Economia Solidária são bastante diversificados: trabalho, produção, consumo, crédito e financiamento, e tantos outros. A estratégia de sua expansão não pode ser setorial, mas deve abranger o conjunto de atividades sistêmicas, razão pela qual fica difícil abordá-

la sob a ótica exclusiva da política fiscal. Da mesma forma, no que concerne aos atores, individuais e coletivos, cuja postura nova deverá refletir-se em todos os campos da atividade humana, ficando difícil segmentá-la. Mais do que nunca, a humanidade necessita, atualmente, de fontes de esperança, de saber para onde não ir se quiser chegar, no futuro, a algum lugar mais aprazível, que lhe garanta “uma vida decente como nos propõe Boaventura Santos, este verdadeiro apóstolo da transição paradigmática. Enfim, ratificamos a certeza de que a Economia Solidária oferece uma utopia realista ao conjunto da humanidade.

* Ceci Vieira Juruá Conselheira do CORECON-RJ, Animadora do Canteiro sobre Política Fiscal, com as observações e sugestões da revisão elaborada por Marcos Arruda, coordenador do Pólo de Sócio-economia Solidária.

Bibliografia AGLIETTA Michel. “Etat, monnaie et risque de système en Europe.” In: B. THERET (org), L’Etat, la finance et le social. Paris: Ed. La Découverte, 1995. HOBSBAWM Eric. “A falência da democracia”, in Folha de São Paulo/Caderno Mais de 09-09-2001. JURUÁ Ceci. “O vazio e a Economia: o deserto e as miragens”. In: Formas do Vazio. Ed. Via Lettera (no prelo). KURZ Robert. “Adeus à economia de mercado. Perspectivas de uma transformação diferente e não apenas na Alemanha”. In: O retorno de Potemkin: capitalismo de fachada e conflito distributivo na Alemanha. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1993. PROBLEMES ECONOMIQUES Numéro 2677, inteiramente dedicado à “Economie Solidaire et Sociale”. La Documentation Française. Paris: agosto de 2000. PSES/ Pólo de Sócio-economia Solidária – Projetos de síntese dos canteiros, apresentados à reunião de Findhorn. Junho de 2001. QUINTELA Sandra e ARRUDA Marcos. “Economia a partir do coração”. In: A Economia Solidária no Brasil. A autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo: Ed. Contexto, 2000. S. SANTOS, Boaventura – A crítica da razão indolente, vol. 1: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez Editora (3a edição), 2001. TADASHI ODA Nilson. “Sindicato e cooperativismo: os metalúrgicos do ABC e a Unisol Cooperativas”. In A Economia Solidária no Brasil [ibid] THERET Bruno - Regimes Economiques de l’Ordre Politique. Presses Universitaires de France. Paris: 1992.

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A R T I G O

O discurso liberal e a política de expansão da educação superior no Brasil Desejo agradecer à minha esposa, Sandra Beatriz Zarur, e à minha filha, Márcia Zarur, pela revisão deste artigo. George de Cerqueira Leite Zarur * Introdução A política oficial para a educação superior dos últimos anos caracterizou-se pela expressiva expansão do número de alunos, por meio do aumento da quantidade de instituições particulares de ensino e das vagas por elas ofertadas. Este crescimento resultou da produção e “marketing” de um discurso liberal, em economia e política, para a educação superior, durante o período FHC. O programa do Presidente eleito mantém a proposta de expansão do ensino superior pela iniciativa privada. A maior diferença é que pretende o congelamento da relação atual de vagas entre instituições públicas e privadas, aceitando, porém, em suas características fundamentais, o modelo implantado nos últimos anos. Não busca um decréscimo relativo do ensino superior privado. Mantida esta relação, o sistema público de educação superior fica no seu

tamanho atual, pois o sistema de ensino privado está parando de crescer, como demonstra a quantidade de vagas ociosas, hoje na casa de 20%. Este artigo critica o discurso de expansão do ensino superior pela iniciativa privada, implementado a partir de 1994. Demonstra os problemas com um modelo de política para a educação superior, assumido pelo governo que sai e mantido, em linhas gerais, pelo governo que entra, de acordo com o programa que apresentou. O quadro abaixo reflete o crescimento do ensino superior de 1994 a 2001:

As instituições federais absorvem pouco mais da metade dos alunos matriculados nas instituições públicas, e seu crescimento no período foi, apenas, ligeiramente maior do que a média das instituições públicas (que incluem, além das instituições federais, as estaduais e municipais). I - Uma política de educação de massas A política recente de expansão do ensino superior é conseqüência das seguintes premissas: 1. Haveria uma relação direta e necessária entre expansão do ensino superior e desen-

Ensino superior: matrículas na graduação TOTAL

Instituições Públicas

Instituições privadas

1994

1.661.034

690.450

970.584

2001

3.030.754

939.225

2.091.529

82%

36%

115%

Crescimento Fonte: INEP

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Não há qualquer relação necessária entre expansão do número de vagas no ensino superior, de um lado, e desenvolvimento econômico e social, de outro . volvimento econômico e social. Como “toda oferta cria sua própria demanda” (“Lei de Say”), na tradição da economia liberal, haveria, como decorrência do número de graduados na universidade, a criação concomitante de vagas e posições no mercado de trabalho, com reflexos automáticos no sistema econômico e na geração de renda. Esta foi a posição defendida, em diferentes oportunidades por Moura Castro, Schwartzman e Batista de Oliveira (ver, por exemplo, o artigo desses três autores, de 1997, “Ensino Superior: quando a exceção é a regra”, ou Moura Castro, “Higher Education in Latin American and The Caribbean: a strategy paper”). 2. O Brasil estaria em situação de atraso, não só em relação aos países mais desenvolvidos, como também em relação aos seus vizinhos da América Latina, em vista da baixa proporção de matriculados na faixa etária relevante, neste nível de ensino. Este argumento fundamenta a proposta de expansão do ensino superior.

Consta tanto na primeira versão do Plano Nacional de Educação, apresentada pela oposição, como na versão aprovada pelo Congresso Nacional, com o beneplácito do governo que sai. 3. Haveria uma forte demanda reprimida, devido ao aumento do número de concluintes do ensino médio que teriam o direito à educação superior. A educação superior é, neste discurso, considerada uma continuidade natural do ensino médio, não uma ruptura. 4. O acesso ao ensino superior seria um direito de cidadania, e sua universalização, uma decorrência da democratização da sociedade. Uma “educação universitária de massas” seria uma característica dos Estados modernos. Daí, também, a política de quotas étnicas ou para pobres. II - Crítica à política de uma educação universitária de massas Não há qualquer relação necessária entre expansão do número de vagas no ensino superior, de um lado, e desenvolvimento

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econômico e social, de outro. Casos como o da Bolívia, país dos mais pobres, citados no Plano Nacional de Educação (PNE), seriam utilizados de forma mais adequada para criticar do que para justificar a necessidade de expansão indiscriminada do ensino superior. O caso da Argentina, atualmente mergulhada em uma crise brutal, também citado na fundamentação do PNE, funciona da mesma forma, como um teste negativo da relação “crescimento do ensino superior – desenvolvimento econômico”. Por outro lado, há que se lembrar o exemplo oposto, o do Japão, que, em 2000, para uma população total de cerca 127 milhões de habitantes, tinha aproximadamente 2,7 milhões estudantes universitários, além de 300 mil, nos chamados “Junior colleges” (dados do “JIN- Japan Information Network”). Assim, o Japão, com todo o seu desenvolvimento econômico e uma população não tão menor que a brasileira, tem um número de estudantes universitários próximo ao do Brasil. Embora a educação básica represente, sempre e em qualquer circunstância, fator essencial para o desenvolvimento econômico, o ensino superior só contribuirá neste sentido à medida que integre um projeto nacional como o que faltou ao governo que se encerrou. A falta desta visão mais ampla acabou tornando a educação superior e a educação, em geral, uma espécie de panacéia para todos os problemas nacionais. A primazia absoluta que lhe foi

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concedida tornou-se uma maneira de ocultar a importância de outros aspectos, como, por exemplo, a taxa de juros, o nível de emprego, a reforma agrária etc. A educação superior tem uma relação evidente com a renda pessoal. Moura Castro, Schwartzman e Oliveira (op. cit.) a utilizam para justificar a expansão do número de vagas, pois, quanto maior o número de diplomados no ensino superior, maior sua renda. Entretanto, há muitos outros fatores que vão afetar o emprego e a remuneração dos diplomados no ensino superior. Segundo estudo do professor Márcio Pochmann, da UNICAMP, por exemplo, enquanto nos Estados Unidos e na Inglaterra há um crescimento de vagas de alta qualidade no setor serviços, o crescimento dessas vagas no Brasil, também no setor serviços, ocorre em atividades como as de segurança, limpeza, comércio, construção civil e profissões como as de cozinheiro e garçom. Pochman descobriu que as áreas técnicas são aquelas que mais desempregaram, com queda de empregos para técnicos de eletricidade, eletrônica, telecomunicações, química e mecânica, inclusive para o pessoal de nível superior. Há um saldo positivo de 1989 a 1996, segundo este mesmo estudo, de 6,9 milhões de postos de trabalho, mas concentrados nas ocupações de pior qualificação do setor serviços, como emprego doméstico, limpeza e vigilância. Por outro lado, o estudo demonstra que há um excesso de pessoal qualificado para as vagas existen-

tes. De acordo com o professor Cláudio Salm, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o que temos agora são “babás mais educadas”. Embora as pessoas portadoras de diploma de nível superior tendam a não ficar desempregadas, como demonstram essas pesquisas, muitas vão ocupar posições abaixo da sua qualificação formal. Engrossam os quadros de telefonistas, motoristas de táxi, soldados de polícia e babás com curso superior, que começam a se espalhar pelo Brasil. Por outro lado, expulsam do mercado pessoas menos preparadas formalmente, mas perfeitamente aptas a desempenharem a função exigida pelo emprego. Há, desta forma, uma curva de rendimentos decrescentes na educação superior, que acarreta um elevado custo social, e o cruel engano dos que se sacrificam para obter um diploma universitário, sem conseguir um emprego compatível com a sua formação. O crescimento do ensino superior só fará sentido – e só contribuirá para aumentar a renda média da população –no bojo de um projeto nacional voltado para a redis-

tribuição de renda e para o desenvolvimento econômico, amparado em políticas industriais, agrícolas, de ciência e tecnologia, de energia, de transporte e outras. Existe, sim, uma demanda reprimida, no que diz respeito às expectativas de acesso à universidade, decorrente do número de concluintes do segundo grau. Esta demanda reprimida, entretanto, resulta em grande parte das falsas expectativas criadas pelo próprio governo, pela imprensa e pelo “pensamento único” no imaginário popular. A imagem, divulgada pelos meios de comunicação e pelo governo, da educação superior como solução mágica para todos os problemas, cria, naturalmente, o desejo de concluir um curso superior. Não é oferecida, como na Alemanha, uma opção efetiva de conclusão do ensino médio em escolas técnicas, seguida de uma efetiva e bem remunerada colocação no mercado de trabalho. Por isto, caminha-se para uma situação em que a candidatura a qualquer emprego deverá exigir diploma universitário. A premissa da universalização da educação superior (aqui inclu-

Embora as pessoas portadoras de diploma

de nível superior tendam a não ficar desempregadas, como demonstram pesquisas, muitas vão ocupar posições abaixo da sua qualificação formal . Revista de conjuntura

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ída a política de quotas étnicas ou para carentes) resulta da incompreensão do papel da universidade, na medida em que esta é entendida como uma espécie de grupo escolar gigante ou de escola técnica avançada. A educação básica é, evidentemente, um direito central da cidadania e a base para o seu exercício, mas o mesmo não acontece com o ensino superior. A função da universidade não se esgota na formação de profissionais e não tem nada a ver, diretamente, com a distribuição de renda. A universidade existe para criar cultura, ciência e tecnologia, para atuar como consciência crítica da sociedade e para produzir as elites políticas, científicas e profissionais da Nação. Por isto, as propostas de educação universitária de massas são, na melhor das hipóteses, ingênuas, embora sempre dotadas de um forte apelo populista. Em muitos países, como nos Estados Unidos, citados como modelo de sistema educacional supostamente bem sucedido, o ensino superior exerce, em larga medida, uma função compensatória, dada a séria crise de quali-

dade atravessada pela educação básica naquele país, onde muitas das escolas superiores funcionam como uma espécie de escola técnica avançada, ensinando “artes e ofícios”. III - Expansão do ensino superior através da rede privada de ensino A expansão do ensino superior está sendo realizada pela empresa privada, seguindo as premissas e as razões abaixo, de acordo com a política governamental dos últimos anos. 1. Os recursos do Estado seriam priorizados para a educação básica, dadas as carências históricas neste nível. O Estado brasileiro não teria recursos para investir na expansão do ensino superior, o que, de resto, não seria recomendável, por ser ineficiente. Portanto, esta seria uma tarefa a ser assumida pela iniciativa privada. Daí a necessidade de reorganização da educação superior no País. Em decorrência, houve um efetivo corte de recursos para

Despesas do Tesouro com às IFES 1995 - 2002

em milhões de reais

ANO

TOTAL NOMINAL

TOTAL ATUALIZADO

1995

5.218

8.659

1996

5.219

7.719

1997

5.564

7.693

1998

5.731

7.651

1999

6.613

8.656

2000

6.785

7.412

2001

6.933

6.933

2002

6.988

6.988

Fonte: SIAFI

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as instituições federais de ensino superior. A tabela abaixo retrata o tratamento orçamentário e político por elas recebido de 1994 a 2002. 2. O controle rigoroso pelo Estado, no que diz respeito à abertura de novas instituições de ensino superior, ensejaria casos de corrupção, como os que teriam ocorrido no antigo Conselho Federal de Educação. 3. Para que fosse possível a expansão da rede privada de ensino superior na velocidade pretendida, a nova organização do ensino superior brasileira passou a fundamentar-se nos seguintes aspectos: A) criação quase livre de novas instituições e cursos para atender a dinâmica do mercado econômico, sempre buscando profissionais com novos perfis, e a demanda pelo que nos Estados Unidos é denominado “liberal arts”. Esses últimos seriam cursos de Humanidades, que serviriam para a formação ampla da personalidade, para enriquecimento cultural da pessoa e, no caso norte-americano, como pré-requisito para a continuidade dos estudos em certas carreiras; B) liberdade para a criação de novos cursos e instituições por três conjunto de ações. Pela flexibilização do conceito de universidade, para que um grande número de instituições de ensino passasse a contar com as prerrogativas da autonomia universitária, podendo assim criar, livremente, cursos e vagas. O tex-

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to da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), aprovada no Congresso Nacional, resultante de um substitutivo de iniciativa do governo, explicita em seu art. 52, os critérios para que uma instituição possa ser considerada como “universidade”. De acordo com este artigo da LDB: “Art. 52. As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: I- produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional; II - um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado; III - um terço do corpo docente em regime de tempo integral.” Entretanto, os diferentes decretos regulamentadores deste artigo, respectivamente os de nº 2.207, de 15 de abril de 1997, e nº 3.860, de 9 de julho de 2001, simplesmente se omitiram no que diz respeito ao caput e ao inciso I do referido artigo da LDB. Assim, passou-se, apenas, a exigir um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado e um terço do corpo docente em regime de tempo integral, exigências não muito difíceis de serem cumpridas, do ponto de vista burocrá-

O art. 53 da LDB inclui, dentre as prerrogativas da autonomia universitária, os direitos de criar cursos obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino . tico. O Conselho Nacional de Educação passou a classificar como “universidades” instituições as mais diversas, que preenchessem os critérios formais de número de mestres e doutores e professores em tempo integral. O art. 53 da mesma LDB inclui, dentre as prerrogativas da autonomia universitária, os direitos de criar cursos “obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino”. Adiciona, também, o direito de criação de novas vagas. Assim, as dezenas de universidades, recém-reconhecidas, passaram a poder criar cursos e vagas, livremente, pois o MEC não impôs qualquer exigência prévia mais estrita para a abertura de novos cursos superiores. Pela extensão do conceito de autonomia a instituições não classificadas como “universidades”. Reza o § 2º do art. 52 da LDB: “§ 2º. Atribuições de autonomia universitária poderão ser estendidas a instituições que comprovem alta qualificação para o ensino ou para a pesquiRevista de conjuntura

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sa, com base em avaliação realizada pelo Poder Público.” Com base neste artigo foi criada por decreto (o que é juridicamente discutível) a figura dos “centros universitários” (Decreto nº 2.306, de 19 de agosto de 1997), aos quais passaram a ser estendidas as atribuições de autonomia. Ainda, foi autorizada a grande número de instituições, avaliadas favoravelmente pelo MEC, a criação de novos cursos e vagas, sem qualquer formalidade maior. Para justificar este movimento, argumentavam o MEC e o Banco Mundial, pela comparação com outros países, que, no mundo inteiro, a pesquisa científica e tecnológica estaria concentrada em algumas poucas instituições e que, portanto, deveria haver espaço para outro tipo de instituição baseada apenas no ensino. Pela substituição dos “currículos mínimos” por “diretrizes curriculares”. A LDB, ao invés de usar a expressão “currículos mínimos”

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A fiscalização a priori foi, em larga

medida, substituída pela avaliação a posteriori do desempenho de novas instituições e cursos, por intermédio de mecanismos como o Provão . utiliza a expressão “diretrizes curriculares”. Nos termos vagos da LDB, esta alteração nada significa. Porém, o MEC, por intermédio do decreto regulamentador da LDB, e o Conselho Nacional de Educação, por meio de pareceres, abandonou a grade curricular por curso, deixando a elaboração dos currículos a critério das diferentes instituições. O argumento que fundamentava esta transformação era o da necessidade de adequação dos currículos às necessidades do mercado e a da descentralização acadêmica. As instituições poderiam mudar seus currículos de acordo com a procura por profissionais com um determinado perfil, ou ainda, por pessoas que buscariam o ensino superior para seu enriquecimento cultural, sem pretender alguma melhoria de seu padrão de renda. 4. Avaliação a posteriori em substituição à fiscalização prévia. Passou-se a pouca ou nenhuma fiscalização prévia, no que diz respeito à abertura de novas instituições ou cursos no ensino superior, o que facilitou, sobremaneira, o crescimento

do número de instituições privadas. A fiscalização a priori foi, em larga medida, substituída pela avaliação a posteriori do desempenho de novas instituições e cursos, por intermédio de mecanismos como o Exame Nacional de Cursos, “o Provão”, dentre outros. A intenção declarada pelo MEC, quando da implantação desta nova sistemática, era a de fechar os cursos que fossem avaliados negativamente de forma repetitiva, e que não tivessem qualquer esperança de recuperação. IV Crítica da política de expansão da educação superior pela iniciativa privada 1. Sobre a suposta ineficiência da universidade pública brasileira A universidade pública não é ineficiente, como pretendem seus críticos. A evidência oposta tem mais consistência, se for considerado que realiza mais de 90% da pesquisa científica e tecnológica brasileira; que das instituições governamentais depende a manutenção de hospitais universitários, os quais, em muitas cidades, re-

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presentam a única possibilidade de atendimento gratuito para a população carente; que delas depende a garantia de boas bibliotecas, laboratórios, e de um corpo docente qualificado, além de formar profissionais, via de regra, melhor preparados. Por seu envolvimento com a pesquisa é da universidade pública que se origina a produção cultural, a crítica social e a busca de soluções para os grandes problemas nacionais. Um aspecto a ser considerado, quando se diz que a universidade pública é financeiramente ineficiente, é o absurdo pagamento de aposentados pelo orçamento dessas instituições. Logo, à medida que aumenta o número de aposentados, diminui a quantidade de recursos efetivamente disponíveis para o ensino, para a pesquisa e a extensão. Este problema tem se tornado crítico, nos últimos anos, devido ao grande número de aposentadorias. No que concerne a uma comparação de custos, ver o estudo de autoria de Paulo de Sena Martins, “A Guerra Estatística” (1999), que demonstra que os custos da universidade pública não são exagerados. Não obstante, o governo erigiu a idéia da ineficiência da universidade pública como um fundamento de sua política para o ensino superior. Assumiu a tese liberal de que o Estado deveria resumir-se ao velho “laissezfaire” e se retirar, até, da educação superior. A crítica à universidade pública obedecia à mesma lógica da que se fazia à participação do Estado em telecomunicações, em siderurgia, em Informática,

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em geração de energia etc. A universidade era, assim, considerada apenas produtora de um serviço econômico, e não uma instituição central à própria identidade nacional. Ao mesmo tempo, foram sendo realizadas pesquisas que demonstraram que o status econômico dos estudantes matriculados nas instituições públicas de ensino superior não seria tão elevado, ou seja, que a universidade de melhor qualidade, mantida pelo Poder Público, não era o espaço de uma minoria econômica privilegiada. Análise de dados do questionário sócioeconômico do “Provão”, realizada pelo próprio INEP, demonstra que, nas instituições federais de ensino superior, a percentagem de formados com renda familiar acima de R$ 3.021,00 é de 24,4%, enquanto nas particulares é de 31,5%. Nas instituições municipais e estaduais as percentagens são ainda menores, de 18,7 e 19,9%, respectivamente. Assim, não procede a hipótese da ineficiência do Estado, no que diz respeito à educação, sob qualquer ponto de vista, econômico, social, pedagógico, político ou cultural. 2. Sobre a suposta escassez de recursos para o ensino superior público, em vista da prioridade para o ensino básico. A formulação de políticas públicas no Brasil perdia sentido, no passado, devido à inflação. Agora perde sentido em vista da carga de juros e do uso do superávit primário para o pagamento de juros da dívida pública. A si-

tuação é, ainda, mais complexa se for considerado que os juros têm sido mantidos, no entendimento de alguns analistas, em patamar artificialmente alto. Toda e qualquer política social, inclusive na área de educação, fica, assim, comprometida por uma deformação de base, a prioridade ao pagamento da dívida pública, em detrimento do apoio a programas sociais e de desenvolvimento econômico. Assim, é falsa a dicotomia “prioridade para o ensino básico versus prioridade para a educação superior”, pois há recursos para se apoiar ambos os níveis de ensino. A real dicotomia é, de um lado, entre o pagamento e o crescimento artificial da dívida pública e, do outro, políticas sociais e de desenvolvimento. Portanto, a desproporção fica evidente considerando-se os R$ 86,4 bilhões (7,3% do PIB) pagos em 2001 em juros da dívida pública, e algo próximo a sete bilhões de reais alocados para as universidades federais, no mesmo período. Quanto à suposta primazia para o ensino básico, há que se observar que a Constituição Federal, nos termos de seu art. 211,

atribui esta prioridade aos Municípios e aos Estados. Assim, não há por que o Banco Mundial e/ou o MEC estabelecerem prioridades, que já estão previstas em nossa Lei Maior. Portanto, os recursos alocados para bolsa escola, FUNDEF e outras atividades de apoio ao ensino básico não podem ser considerados como concorrentes dos recursos alocados para as universidades federais. 3. Sobre a flexibilização dos procedimentos para abertura de novos cursos e instituições para que fosse possível a expansão do ensino superior privado. O argumento de que a avaliação prévia dos pedidos de abertura de novos cursos e instituições pelo MEC ensejaria a prática da corrupção integra o discurso maniqueísta que classifica o Estado como “o mal” e o mercado livre como “o bem”. Após sete anos de vigência da nova sistemática, consubstanciada pela transformação do antigo Conselho Federal de Educação em Conselho Nacional de Educação, o que se vê é um aumento significativo nos casos de corrupção e nos escândalos. Isto é especial-

Toda e qualquer política social,

inclusive na área de educação, fica comprometida por uma deformação de base, a prioridade ao pagamento da dívida pública . Revista de conjuntura

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mente verdadeiro, uma vez que o novo Conselho é composto, em larga medida, por representantes das próprias instituições que pretenderia fiscalizar ou controlar. As mudanças na legislação, a não aplicação da lei, em alguns casos, e as alterações nos procedimentos para a abertura de novos cursos e instituições de ensino superior significaram, na prática, uma marcante mudança de critério no que diz respeito às prerrogativas dos mais variados estabelecimentos de ensino. Assumiu-se que instituições que não associam ensino, pesquisa e extensão teriam direito à autonomia universitária, o que, para alguns, tornaria supérfluo o art. 207 da Constituição, que atribui a autonomia, apenas, às universidades. Neste caso, seria inconstitucional a extensão da autonomia, na forma prevista na LDB, levada a extremos pelo MEC. É absurdo o argumento de que uma parcela expressiva dos candidatos às vagas no ensino superior procura cursos gerais de humanidades que contribuam para sua ilustração e cultura geral, como no caso dos cursos norte-americanos de “liberal arts”. Não há dúvida de

que a maior parte dos brasileiros candidatos ao ensino superior, público ou privado, está lutando para conseguir uma profissão e, portanto, uma melhor posição no mercado de trabalho. Este fato demonstra a essencial mistificação do argumento, uma vez que é mínima, no Brasil, a quantidade de senhoras idosas, com tempo livre, ou donas de casa que procuram ilustrar-se! No último censo do ensino superior, recém divulgado, detectou-se um aumento no número de vestibulandos de mais de 50 anos, mas o seu número ainda é irrisório (menos de 70 vezes o de vestibulandos nas faixas mais jovens), em que pese a bombástica divulgação do assunto. Mesmo nos Estados Unidos, os cursos de “liberal arts” funcionam, freqüentemente, como pré-requisito para uma formação profissional (caso dos cursos de Direito, por exemplo). A não-necessidade da pesquisa para se caracterizar uma instituição ou um curso superior parte de um conceito estrito de “pesquisa científica”. Não resta dúvida de que apenas poucas instituições, em todo o mundo, contribuem sistematicamente para o

Não há dúvida de que a maior parte dos

brasileiros candidatos ao ensino superior, público ou privado, está lutando para conseguir uma profissão e, portanto, uma melhor posição no mercado de trabalho . Revista de conjuntura

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avanço do conhecimento científico. Porém, tradicionalmente, a associação pesquisa-ensino representa um princípio pedagógico, isto é, o posicionamento da investigação, por mais despretensiosa que seja, como posição de princípio assumida por professores e alunos. Neste sentido, a “pesquisa” identifica-se com o despertar de uma atitude de permanente curiosidade e questionamento, e opõe-se ao conhecimento livresco, à verdade não contestada, imposta pela cátedra. A tentativa de excluir a “pesquisa” da idéia de universidade representa, apenas, mais uma tentativa de se eliminar o controle de qualidade no ensino superior, para que se facilite a livre abertura de novas instituições. A idéia de pesquisa, como princípio pedagógico, contraria, por exemplo, o sistema de franquias, que se estende, hoje, pelo ensino privado brasileiro, multiplicando “pacotes” educacionais pré-fabricados. Outra inovação importante foi o conceito de “diretrizes curriculares”, em substituição aos antigos “currículos mínimos”. Estes compreendiam um núcleo de matérias comuns, ficando uma margem de liberdade para que as instituições colocassem matérias opcionais. As diretrizes curriculares são orientações extremamente gerais sobre as diversas áreas do conhecimento, pouco ou nada exigindo em termos de um conteúdo curricular comum para o mesmo curso superior. Assim, um curso de Economia ministrado em uma instituição pode ser completamente diferente de um curso de Economia de outra instituição.

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Uma conseqüência da nova sistemática é que as instituições de ensino superior podem organizar os conteúdos curriculares dos cursos que oferecem de acordo com os professores disponíveis no momento, em uma dada localidade, o que facilita, sobremaneira, a abertura de novos cursos. Outra, é que os estudantes passam a ter dificultada a transferência entre instituições: não é raro que um estudante de último ano, ao se transferir para outra instituição, tenha que recomeçar seu curso, devido à diferença de currículos. Uma implicação séria da falta de currículos mínimos origina-se da relação que historiadores (como José Murilo de Carvalho, por exemplo) têm estabelecido entre a unidade da educação superior, no Brasil, e a própria unidade política do País. De fato, o partilhamento de valores próprios originários de um sistema acadêmico comum teria ensejado a unidade de valores da elite política e a unidade nacional brasileira. 4. Sobre a avaliação a posteriori do ensino superior A substituição da avaliação e da fiscalização prévias pela avaliação a posteriori traz problemas dos mais graves. O primeiro é a dificuldade de se fechar um curso superior em funcionamento, mesmo que este tenha um nível baixíssimo. Esta era uma conseqüência facilmente previsível, em vista dos interesses envolvidos. O autor deste estudo, por exemplo, em artigo publicado em 1999, sobre Autonomia Universitária, previu este resultado.

A substituição da avaliação e da

fiscalização prévias pela avaliação a posteriori traz problemas dos mais graves. O primeiro é a dificuldade de se fechar um curso superior em funcionamento, mesmo que este tenha um nível baixíssimo . Hoje, quando timidamente o MEC procura tomar medidas de correção de rumo de algum curso superior ou, quando após um longo processo de tergiversação, vê-se obrigado a fechá-lo, simplesmente não o consegue. Liminares e outras medidas judiciais o impedem. Esta dificuldade inviabiliza todo o modelo proposto, caracterizado pela avaliação como contrapartida à ampla liberdade das instituições, pois o Estado não é capaz, sequer, de proteger os direitos do consumidor – pois assim é considerado o aluno – de serviços que o próprio Estado classifica como de má qualidade. A quase livre abertura de novos cursos superiores, com o suposto controle pela avaliação a posteriori, possibilitou a operação de cursos não reconhecidos, ou seja, cujos diplomas não têm valor para o exercício profissional. Só em junho de 2002, o MEC tornou disponível uma lista dos cursos reconhecidos, de forma que, antes disto, desenvolveu-se um lamentável processo de propaganda enganosa, lesando estudantes, que não Revista de conjuntura

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tinham conhecimento de que os cursos em que se matricularam não possuíam a chancela do reconhecimento oficial. A avaliação a posteriori do ensino superior tem, também, problemas decorrentes da própria metodologia que emprega. O principal instrumento utilizado é Exame Nacional de Cursos, “Provão”. Em dezembro de 2001, o MEC alterou os critérios do Provão, principalmente no que diz respeito à atribuição de notas aos diversos cursos. O critério anterior seguia uma curva na qual, em todas as áreas do conhecimento, a distribuição era, sempre, a seguinte: 12% dos cursos recebiam nível A; 18% dos cursos recebiam nível B; 40% dos cursos recebiam nível C; 18% dos cursos recebiam nível D; e os restantes 12%, nível E. O novo sistema, hoje aplicado, não parte de uma curva de distribuição preestabelecida, mas atribui notas em função de sua proximidade maior ou menor às médias obtidas em cada curso. Esta distância é medida pelo desvio-padrão de cada curso

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O Provão é formulado de maneira a

esconder uma ampla faixa de cursos de má qualidade, ao invés de evidenciá-los sua função declarada . frente à média. O primeiro sistema era inteiramente absurdo, uma vez que não havia, de fato, uma comparação de cursos, mas sua distribuição por uma curva aprioristicamente estabelecida. Desta forma, ficava inteiramente comprometida a questão das diferentes situações das diversas áreas do conhecimento. Por exemplo, em uma área onde a maior parte dos cursos estivesse, de fato, próxima à média, mesmo aí, 12% seriam ungidos com o nível A e 12% seriam estigmatizados com o nível D. Já o nível C compreenderia, sempre, 40% dos cursos. Em outra situação, onde houvesse um pequeno número de cursos excelentes e uma enorme quantidade de cursos de péssima qualidade, esta variação também não seria aferida, persistindo a mesma distribuição anterior. Não havia qualquer metodologia fundamentando o modelo de distribuição, ou seja, não havia qualquer justificativa racional para que 12% dos cursos fossem nível A, 18% nível B, e assim por diante. A nova fórmula de distribuição continua absurda, pois o conjunto de cursos de uma determinada área continua a ser conside-

rado como um universo “fechado”. A comparação é entre os cursos de uma dada área do conhecimento, no conjunto das instituições brasileiras, e não desses cursos frente a um padrão ideal, que identifique o que se espera do ensino superior naquela determinada área. A nota atribuída aos cursos brasileiros continua sem espelhar se estes preparam bem ou mal aqueles que o concluem, visto que, pelo novo critério, se todos os cursos de uma determinada área forem péssimos por padrões internacionais, nem por isto a maior parte deixará de se aproximar da média e muitos receberão nível A. O correto seria estabelecer, a partir de uma ampla consulta a especialistas de cada área, uma série de conteúdos, conhecimentos e aptidões que os diversos profissionais deveriam possuir, e atribuir-se a menção ao curso em função do desempenho dos alunos no exame elaborado a partir desses conhecimentos, conteúdos e aptidões. Assim, todos os cursos de uma determinada área poderiam ser, teoricamente, de nível A ou ter nível D. Esta seria a forma direta, sem subterfúgios, para se estabelecer um ordenamento das instituições através do Provão.

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O Provão, portanto, é formulado de maneira a esconder uma ampla faixa de cursos de má qualidade, ao invés de evidenciá-los – sua função declarada. V - Conclusões 1. Política para a educação superior e projeto de Nação A primeira conseqüência da política do governo Fernando Henrique para a educação superior foi uma expressiva mudança de conceito de universidade. A universidade, cuja missão era a de produzir um projeto de Nação, compreendendo uma consciência moral, um ambiente cultural, o desenho deste mesmo projeto de Nação e preparar indivíduos para levá-lo à frente, foi reduzida de status, passando a enfatizar a produção de um serviço, o ensino, cujo objetivo principal seria o de formar profissionais para o mercado de trabalho. É verdade que, em diferentes países, existem algumas instituições voltadas para o primeiro objetivo acima, e outras voltadas para o segundo. Não há, porém, a necessidade de se destruir as primeiras para se implementar as últimas. Além disto, nem todos os empregos deveriam exigir curso superior: há países dotados de um eficiente sistema público de educação média, sem os custos que a universidade acarreta. A expansão foi, portanto, excessiva. É plausível a suposição de que, ao desistir de uma boa universidade pública de alta qualidade, o País estaria desistindo de qualquer aspiração ou intenção de se tornar uma Nação autônoma e desenvol-

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vida. Logo, a desistência e, em alguns casos, o desprestígio da universidade pública, no Brasil recente, decorre do abandono de um projeto de Nação. A formação de elites, a produção de conhecimento e o desenho de projetos políticos e econômicos não caberia a países como o Brasil. A formação das elites locais ocorreria pela participação de brasileiros, quase sempre como estudantes, em universidades do exterior, aprendendo o papel que cabe a uma despretensiosa elite periférica. Durante a Colônia, as elites brasileiras experimentaram este tipo de formação na Universidade de Coimbra. 2. A educação e o diploma como mercadorias Em países avançados, mesmo a educação profissional, na universidade ou fora dela, reveste-se de um sentido de ”missão”, não de comércio. As instituições de ensino superior têm, em geral, uma autonomia gerencial que as levam a cobrar mensalidades, investir em ações etc., mas o lucro não é seu objetivo declarado. Ao contrário, o objetivo da maior parte dessas instituições é o avanço da educação, e os bons resultados financeiros representam um meio para se atingir este objetivo. Não existe, nos países desenvolvidos, um modelo como o preconizado pelo Banco Mundial para o Brasil e outros Estados da África e da América Latina, que transfere a educação superior à iniciativa privada com fins lucrativos. Desconhecem a estranha figura brasileira da “mantenedora”, empresa cujo objetivo é o lucro

através de investimentos no ensino superior. As “mantenedoras”, em países desenvolvidos, são, geralmente, “mantenedoras” mesmo, isto é, mantêm, por meio de rendimentos obtidos em fontes diversas, instituições de ensino e pesquisa. O contrário, fazer a instituição manter a “mantenedora” é, no mínimo, uma inversão do sentido convencional do termo. No Brasil, até a implantação do atual modelo de educação superior, o ensino privado tinha essa característica de missão. Os aspectos financeiros eram meios, e não fins da educação superior. É o que ainda ocorre em algumas universidades mantidas por igrejas, em alguns estabelecimentos comunitários e em estabelecimentos privados tradicionais. A educação superior, considerada como mercadoria, produz serviços educacionais a serem vendidos no mercado econômico, por meio da formação profissional. Este seria o objetivo das instituições de ensino superior em países

como o Brasil, segundo o modelo do Banco Mundial. Como conseqüência deste modelo empresarial, foram criadas grandes oportunidades de negócios, de “big business”, sendo o ensino superior uma das áreas de maior expansão do setor serviços na economia brasileira, durante os últimos anos. Concomitantemente, surgiu uma nova classe sócio-econômica, a de proprietários de instituições de ensino superior. Hoje, em muitas das cidades mais afluentes do País, e até em escala estadual e federal, os grandes empresários do ensino superior são lembrados como das “pessoas mais ricas”, à semelhança dos grandes comerciantes, fazendeiros ou industriais. 3. O aviltamento da qualidade do ensino e da formação profissional Fosse apenas a educação a mercadoria a ser vendida no mercado econômico, a situação não seria tão grave. Porém, mais do

Em países avançados, mesmo a

educação profissional, na universidade ou fora dela, reveste-se de um sentido de missão , não de comércio. No Brasil, até a implantação do atual modelo de educação superior, o ensino privado tinha essa característica de missão . Revista de conjuntura

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que um serviço educacional, muitas instituições privadas de ensino superior fazem da venda de diplomas seu objetivo principal. Isto se torna possível devido à falta de mecanismos efetivos de controle da expansão do ensino, à falta de fiscalização prévia no processo de abertura de novos cursos e instituições, aos problemas com a avaliação a posteriori e à incapacidade do MEC de tomar medidas punitivas em relação às instituições de qualidade muito fraca. A maior parte das profissões de nível superior é regulamentada no Brasil. Cada profissão exige um diploma específico e conta com um território delimitado no mercado de trabalho, garantido por lei. Assim, em muitas circunstâncias, o que vale não é o preparo, mas o diploma. Com o tempo, as empresas passam a conhecer as melhores e as piores instituições educacionais e a contratar diplomados

pelas primeiras. O grande empregador, o Estado, emprega a maior parte de seu pessoal por intermédio de concurso público. Há uma seleção por mérito, e a fraqueza de muitas instituições leva a situações como a dos concursos para Juiz de Direito, que não têm conseguido preencher as vagas disponíveis, devido ao despreparo dos candidatos. Lesado é o estudante das instituições de baixa qualidade, que, às custas de severos sacrifícios pessoais, freqüentemente estudando à noite e pagando uma pesada mensalidade, depois de formado percebe que o diploma não vai render-lhe grandes vantagens na melhoria de sua vida. Lesado é o público, em geral, que se vê atendido por profissionais liberais despreparados. Profissionais liberais estabelecem-se por conta própria e não dependem de um emprego para atuar. É dramático o exemplo do pessoal médico. A quase livre abertura de cursos médicos, como se observa

Lesado é o estudante das instituições de baixa qualidade, que, depois de formado, percebe que o diploma não vai render-lhe grandes vantagens na melhoria de sua vida. Lesado é o público, que se vê atendido por profissionais liberais despreparados . Revista de conjuntura

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atualmente, sem qualquer controle maior de qualidade, representa um crime contra a vida e a saúde da população. Devido ao excesso de diplomados, o mercado de trabalho passa a exigir educação superior para qualquer função. Para muitas dessas, como as de babá, telefonista ou soldado de polícia, este nível de qualificação seria, obviamente, desnecessário. O empregador, porém, vai preferir candidatos com diploma universitário, supostamente mais qualificados e recebendo o mesmo salário. Além disto, nos concursos públicos, há a tendência de que os candidatos com diploma universitário tenham melhores probabilidades de aprovação, mesmo que pouco tenham aprendido no correr do curso superior. Daí os casos de diplomados em curso superior fazendo concurso para gari ou ascensorista. Desta forma, um diploma de formação superior está deixando de representar um atestado de formação para o exercício de uma atividade profissional e tornando-se uma espécie de habilitação genérica para ingresso no mercado de trabalho; algo como um imposto pago a determinadas empresas educacionais, durante um certo número de anos, para que seja conquistado o direito de trabalhar. O credenciamento pelo diploma para todo e qualquer emprego e não mais, somente, para o exercício de uma profissão específica, representa uma nova e extrema forma de cartorialismo. Consiste, na prática, na concessão a empresas educacionais do privilégio de

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cobrar taxas obrigatórias para que as pessoas possam trabalhar. Os “excluídos”, mais do que os apenas pobres, são, crescentemente, os desempregados crônicos, a maioria sem uma qualificação formal mais avançada. Usando os argumentos do liberalismo, a política para o ensino superior tem tido o efeito oposto, de colocar mais um “gesso” na economia, a um custo social elevadíssimo. 4. O ataque à universidade pública O estímulo à iniciativa privada no ensino superior deu-se, em ampla medida, às custas da universidade pública, que só não foi efetivamente destruída devido ao seu peso político, sobretudo nos estados mais pobres da Federação. De fato, na maioria dos estados do Norte e do Nordeste, o papel de ensino superior privado é relativamente pequeno e a influência política da universidade pública é muito forte. No Nordeste, ao contrário do restante do País, o número de estudantes no ensino superior público é o dobro dos matriculados no ensino superior privado. O governo Fernando Henrique fez várias tentativas, a partir de 1995, para aprovar emenda constitucional definindo e explicitando a autonomia universitária. A proposta original poderia levar ao abandono das universidades federais pela União e sua transformação em organizações sociais, com as quais o compromisso orçamentário fica dependente de um contrato de gestão, a critério do próprio governo federal. Poderia, ainda, levar à privatização.

O estímulo à iniciativa privada no ensino superior deu-se às custas da universidade pública, que só não foi efetivamente destruída devido ao seu peso político . A resistência da sociedade se fez sentir no Congresso Nacional, onde a Comissão encarregada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) relativa à matéria chegou a uma proposta que preservava durante dez anos um patamar mínimo de 75% dos recursos federais vinculados à educação para a universidade pública federal, nos termos do art. 212 da Constituição. Posteriormente, texto com igual objetivo foi incluído no Plano Nacional de Educação. A PEC garantia, além disto, autonomia gerencial às instituições, para que pudessem gerir de forma mais eficiente os recursos a elas alocados e o seu patrimônio. Essa Proposta de Emenda à Constituição, apresentada pelo Poder Executivo, foi abandonada por iniciativa do próprio Executivo, uma vez que, nos termos em que foi aprovada no Congresso, preservava a universidade federal. Foi, também, vetado pelo Presidente da República o item do Plano Nacional de Educação que assegurava recursos constantes para as universidades federais. Há que se considerar, ainda, a resistência da comunidade acaRevista de conjuntura

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dêmica, principalmente dos professores, durante o período. Greves, por razões salariais, cujas conquistas se refletiram no próprio orçamento das universidades. Não resta dúvida de que os recursos financeiros alocados às universidades públicas estariam abaixo dos atuais, não fosse o crescimento dos recursos para pessoal, devido às conquistas obtidas pelas paralisações. Não obstante, as greves foram altamente prejudiciais à própria universidade pública, devido à queda na qualidade do ensino, ao desprestígio e ao desestímulo das instituições, de seus estudantes e professores. 5. Restaurando a dignidade da universidade brasileira: propostas para o ensino superior Para se corrigir o rumo da educação superior no Brasil, impõem-se as seguintes medidas, no que diz respeito ao ensino superior público: - recuperação do papel da universidade pública, como instituição essencial à identidade e à própria sobrevivência do País; - atribuição de verbas, segundo um patamar histórico, para as

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universidades públicas, para contratação de docentes e infra-estrutura; - desvinculação dos inativos do orçamento das universidades públicas; - expansão do ensino superior principalmente pelo ensino público; - reavaliação do plano da carreira docente das universidades públicas. No que diz respeito ao ensino superior privado, impõem-se as medidas abaixo: - fim do Conselho Nacional de Educação; - discussão do conceito jurídico de autonomia universitá-

ria, de forma a restringir sua aplicação quase livre, como ocorre atualmente; - substituição da avaliação a posteriori pela avaliação a priori e fiscalização intensa das instituições particulares de ensino superior; - compromisso absoluto com a qualidade, como critério essencial para autorização de funcionamento de cursos e de instituições de ensino superior; - realização de um exame obrigatório para acesso à educação superior, comum a todas as instituições, públicas ou privadas, formulado e aplicado pelo Ministério

da Educação; - fechamento de todas as instituições que não tenham condições de funcionamento com um padrão de qualidade elevado, aferido por um critério de comparação internacional e requisitos do mercado de trabalho brasileiro; - criação de algo semelhante a um “exame de ordem”, como o da OAB e do CFC, a ser ministrado pelos conselhos profissionais das diversas carreiras ou pelo MEC, como condição para a prática profissional, além do diploma.

* George de Cerqueira Leite Zarur Economista, Antropólogo e Consultor Legislativo, Ph.D pela University of Florida, Ex-pesquisador visitante da Harvard University.

Bibliografia Corbucci, Paulo Roberto. Avanços, Limites e Desafios das Políticas do MEC para a Educação Superior na Década de 1990: Ensino de Graduação. Brasília: IPEA - Texto para discussão Nº 869, março de 2002. Ministério da Educação. Fatos sobre a Educação No Brasil: 1994-2001. Brasília: MEC, S/D. Sena Martins, Paulo. A Guerra Estatística. Cadernos da Aslegis, nº 4, Janeiro-Abril, Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento da Câmara dos Deputados, 1999. Zarur, George de Cerqueira Leite. Autonomia Universitária. Humanidades, nº 43, Universidade de Brasília, 1999. “Ciência, Mito e Sofrimento: O pensamento econômico e seus efeitos no Brasil”. Revista de Conjuntura, Ano II, Nº 8, out/dez. Conselho Regional de Economia do Distrito Federal e Sindicato dos Economistas do Distrito Federal, 2001.

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