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Revista Editada pelo CORECON/DF - ANO V - nº 18 - ABR/JUN DE 2004

EDITORIAL .............................................................................................................................................. 4

ENTREVISTA

LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO ............................................................. 5

ARTIGOS JOÃO SICSÚ A Alternativa ao Regime de Metas não é a sua Flexibilização ...................................... 9

FERNANDO MOUTINHO RAMALHO BITTENCOURT Primeiras notas sobre controle profissional em Economia ........................................... 14

HUMBERTO VENDELINO RICHTER Situação de emprego do aluno de graduação em Brasília: um estudo de caso ......... 31

RICARDO FÉLIX SANTANA E JOSÉ AROUDO MOTA O valor de existência dos parques nacionais: o caso do Parque Nacional do Jaú (Amazonas) ............................................................................. 40

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EXPEDIENTE

EDITORIAL

Órgão Oficial do CORECON-DF Diretor Responsável: Roberto Bocaccio Piscitelli Conselho Editorial: Roberto Bocaccio Piscitelli, Humberto Vendelino Richter, José Aroudo Mota, Mônica Beraldo Fabrício da Silva, Maurício Barata de Paula Pinto, José Roberto Novaes de Almeida e Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Jornalista Responsável: Mariane Andrade - Reg. DRT/MS 127 Redação: Mariane Andrade Editoração Eletrônica: om,Loducca (Tércio Caldas) (61) 328-8697 Impressão: Bárbara Bela Gráfica Tiragem: 4.000 Periodicidade: Trimestral As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição das entidades. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO – DF Presidente: Roberto Bocaccio Piscitelli Vice-Presidente: Humberto Vendelino Richter Conselheiros Efetivos: Roberto Bocaccio Piscitelli, Humberto Vendelino Richter, André Luiz Ferro de Oliveira, Irma Cavalcante Sátiro, Maurício Barata de Paula Pinto, Guidborgongne Carneiro Nunes da Silva, José Aroudo Mota, Victor José Hohl e Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira. Conselheiros Suplentes: Ronalde Silva Lins, Miguel Rendy, Iliana Alves Canoff, Newton Ferreira da Silva Marques, Max Leno de Almeida, Evilásio da Silva Salvador, Maria Cristina de Araújo, Homero Gustavo Reginaldo Lima e José Luiz Xavier. Equipe do CORECON: Iraídes Godinho de Sales, Ismar Marques Teixeira, Michele Cantuária Soares, Jamildo Cezário Gomes e Angeilton Francisco Lima Faleiro. End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília –DF Tels: (61) 225-9242 / 223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de Funcionamento: das 8:00 as 18:00 horas (sem intervalo)

Não há mais dúvida de que o País voltou a crescer em 2004. Todos os indicadores de produção e de vendas são reveladores do melhor desempenho da economia, mas também é indiscutível que pairam muitas desconfianças e incertezas. Não há, por exemplo, sinais claros de que os empresários estejam dispostos ou decididos a realizar novos investimentos, que aumentem a capacidade instalada. Como o nível de utilização dessa capacidade vem aumentando e, em alguns segmentos, já atingindo quase o limite de produção, resta uma incógnita sobre o comportamento dos preços se a demanda continuar aumentando. Por outro lado, é justamente o comportamento dos preços – entre eles, em particular, os administrados, o petróleo, mas também os preços “livres”, como alimentos, vestuário, planos de saúde, construção civil etc. – que tem justificado a manutenção da taxa SELIC em 16% anuais nos últimos meses, até com ameaça de alta, mas, de qualquer modo, muito acima do previsto e, sobretudo, do desejado, sem perspectiva de maiores quedas até o fim do ano. Este fator reforçaria a tendência a um certo imobilismo, à expectativa de algum fato novo por parte dos investidores potenciais. Aliás, os investidores estrangeiros tampouco estão muito animados. O que vem assegurando os saldos positivos na balança de pagamentos é essencialmente o superávit comercial, não obstante os freqüentes percalços protecionistas e defensivos de importantes parceiros. Afinal, ninguém gosta de exportar empregos nem de acumular saldos comerciais negativos. Além disso, os próximos meses prenunciam algumas turbulências ou, ao menos, incertezas, senão pelo ambiente interno, no front externo: preços recordes do petróleo e permanência de instabilidade no Oriente Médio, eleições americanas, grande probabilidade de aumento da taxa de juros americana. O consumo, é bem verdade, foi impulsionado por maior acessibilidade ao crédito, mas as taxas ainda são muito elevadas, e há um tímido sinal de melhoria da renda dos trabalhadores, a despeito de as pessoas se disporem a trabalhar a qualquer preço. É, mesmo, possível, que parte do impulso recente do consumo se tenha dado em função de expectativas mais favoráveis, discurso muito apregoado pelo marketing oficial, que tenderia a tornar as pessoas mais propensas a se endividarem. Deste modo, é fácil entender por que os empresários continuam preferindo contratar mais horas extras que mais empregados, operação mais difícil e onerosa de desfazer. Neste sentido, a experiência parece demonstrar que primeiro vem o acréscimo da jornada de trabalho, só numa segunda etapa o aumento do emprego e, por fim, a melhoria da renda. Também o aumento carga tributária funciona como um freio, um obstáculo. Mantida a tendência dos primeiros meses do ano, poderemos chegar a algo em torno de 40% do PIB em 2004, participação escandalosamente elevada para países com nosso patamar de desenvolvimento e o nosso padrão de serviços públicos. No mais, não há sinais de flexibilização das políticas monetária e fiscal. A União produziu, no primeiro semestre, um superávit primário de R$ 46,2 bilhões, superior em 41,7% à meta com o próprio FMI. Há uma melhoria, ainda que relativamente pequena, na relação dívida/PIB. Afinal, só no primeiro semestre, as despesas com juros atingiram R$ 61,8 bilhões, 7,71% do PIB, e o governo federal promoveu um recorde histórico de aperto: 5,76% do PIB. Mas este não parece ser um problema passível de resolução pelas vias ortodoxas. A questão é saber qual será o nosso limite, pois o dos bancos não dá mostras de existir: as dez maiores instituições financeiras.brasileiras detêm 77,5% do mercado de crédito do País e 86,3% de todos os recursos disponíveis em conta corrente e aplicados nas mais diversas modalidades de investimentos. O quadro está, portanto, assim traçado. As próximas eleições estarão sendo influenciadas por esse movimento e, ao mesmo tempo, os resultados condicionarão o comportamento da economia pelo menos nos próximos dois anos. Revista de conjuntura

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ENTREVISTA

Uma política de desenvolvimento regional Uma política voltada para a redução das desigualdades regionais e para a ativação das potencialidades de desenvolvimento das regiões brasileiras. Com este objetivo, o Ministério da Integração Nacional põe em pauta uma proposta para o desenvolvimento do Brasil. Trata-se da Política Nacional de Desenvolvimento Regional, que tem como estratégia valorizar a diversidade regional brasileira e nela encontrar caminhos para o crescimento do País. Nesta entrevista, o secretário de Políticas de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração, Antônio Carlos Galvão, expõe a proposta do governo Luís Inácio Lula da Silva para promoção do desenvolvimento das cinco regiões do Brasil, que pode ser acessada pelo site www.integracao.gov.br . O secretário fala também sobre o retorno das Superintendências de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Amazônia (Sudam), e a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco). Segundo Antônio Carlos Galvão, realizar a política de desenvolvimento regional não será uma tarefa fácil, e o desafio é estabelecer um plano inclusivo e democrático, capaz de enfrentar as desigualdades regionais de forma objetiva. Confira a entrevista.

Foto: Adalberto Marques/Integração Nacional

Como o governo federal vai enfrentar o desafio da promoção do crescimento do País

Entrevista: Mariane Andrade Colaboração: Roberto Bocaccio Piscitelli

Conjuntura – Na sua opinião, o Brasil entrou numa rota de crescimento, sem altos e baixos? Galvão – O País viveu um momento delicado na transição de governo. No início, o Governo Lula precisava ganhar fôlego, “arrumar a casa”, para poder voltar a funcionar num ritmo aceitável. Na macroeconomia recente, há sinais positivos na direção do crescimento econômico. Conjuntura – Nesse contexto, qual o papel da política de desenvolvimento regional? Galvão – O Brasil não tinha uma política nacional de desenvolvimento regional há pelo menos duas décadas.

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Alerto que há certa confusão entre o que é uma política nacional de desenvolvimento regional e outras políticas voltadas para se especular sobre a dimensão espacial do desenvolvimento brasileiro. A estratégia de implantação de eixos nacionais de integração e desenvolvimento do governo anterior é exemplo deste segundo tipo de concepção. Uma coisa é olhar, desde o ponto de vista territorial, as janelas de inserção competitiva internacional e proporcionar infra-estruturas para desenvolver as logísticas correspondentes. Outra é apontar a natureza objetiva das desigualdades regionais e estruturar iniciativas que permitam sua reversão, na direção da promoção de uma maior inclusão social e coesão territorial do País. Ficar apenas na primeira dimensão – que é também importante - não configura a existência de uma política de desenvolvimento regional no sentido da tradição teórica e empírica da questão. Política de desenvolvimento regional envolve enfrentamento das gritantes desigualdades regionais que o País acumulou em sua trajetória de crescimento no último século. Trata-se de uma ma-

“O papel do Estado é propiciar as condições satisfatórias para que as sociedades e economias regionais possam organizar-se e explorar seus potenciais de desenvolvimento”.

neira de ver as mesmas desigualdades que se observam entre os indivíduos, que agora são expressas territorialmente. A desigualdade se intensifica em alguns pontos do território. A ação para reduzir as desigualdades pessoais recai preferencialmente na transferência de renda aos grupos sociais menos aquinhoados, enquanto que, para reduzir as desigualdades regionais, demandam-se esforços para ampliar as dotações de infra-estrutura e melhorar a organização produtiva dos conjuntos sócio-econômicos produtivos regionais. Conjuntura – Mas a questão social fica de fora? Galvão - A desigualdade social é o principal problema brasileiro. E, como vimos, tem uma dimensão territorial nítida, que precisa ser enfrentada com determinação. As políticas regionais constituem uma maneira específica de combater esse fenômeno adverso. Elas assinalam um dado olhar sobre as desigualdades, voltando-se para instigar dinâmicas produtivas no território. Não temos a pretensão de dizer que a política regional responda por toda ação do governo no território ... pelo menos por enquanto. Isso é uma construção futura, mais complexa. Por enquanto, estamos explorando alguns objetivos especializados. O problema da Política Nacional de Desenvolvimento Regional, por exemplo, não é a pobreza, que está sendo enfrentada com políticas sociais – há tanta pobreza no semi-árido nordestino quanto na periferia das grandes regiões metropolitanas. Nossa política de desenvolvimento regional não

privilegia territórios que já se encontram em situação de alta renda média, onde se tem muita pobreza, mas também muita riqueza, como na Região Metropolitana de São Paulo. Conjuntura – Então que papel cabe ao Estado nessa ação? Galvão – O papel do Estado é propiciar as condições satisfatórias para que as sociedades e economias regionais possam organizar-se e explorar seus potenciais de desenvolvimento. Isso aponta sobretudo para os investimentos em infra-estrutura e inovação. Mas se não exercermos o papel constitutivo da instância federal, de regular o desenvolvimento no território nacional, tenderemos, apenas guiados pelas leis do mercado, a reconcentrar recursos e benefícios em determinadas áreas territoriais e, assim, a reproduzir movimentos sociais indesejados, como a migração desenfreada de população nos anos 50 para São Paulo. Exemplo disso é a tragédia regional em gestação já há mais de uma década no Entorno de Brasília. A unidade da Federação de maior nível de produto por habitante do País, o Distrito Federal, convive com uma área circundante onde se acumulam problemas sociais e carências numa velocidade acelerada, com uma população massiva, que tem dificuldade de encontrar oportunidades de emprego e renda. O Estado precisa cuidar dessa crescente falta de coesão e solidariedade territorial. Conjuntura – De que forma a Secretaria de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração Nacional pre-

“É necessária a atuação em nível federal, estadual e municipal. Sem Revista de conjuntura abr/jun de 2004 6


Conjuntura - Temos, então, uma política para atuar sobre uma situação de desigualdade de renda entre indivíduos em um território. De que modo? Galvão – Com uma agenda que não foca apenas o indivíduo, mas sim a organização produtiva. Nossa ação de desenvolvimento regional é estruturada em programas mesorregionais, que permitem melhor articulação dos elementos que interessam a uma agenda de apoio à transformação das realidades sócio-produtivas regionais. Quando dizemos organização produtiva, falamos desse tecido sócio-econômico em que instrumentos como crédito ao setor produtivo, apoio à infraestrutura de média escala, apoio à instituição e aprimoramento de arranjos produtivos locais, capacitação de recursos humanos e apoio à inovação em sentido amplo buscam aprimorar.

Conjuntura – Para a execução da política regional pretende-se estabelecer parcerias? Galvão – Sem dúvida. É necessária a atuação das três instâncias da Federação, a federal, a estadual e a municipal. Sem elas, juntas, não há política nacional de desenvolvimento regional, nem programas mesorregionais. É preciso que esses poderes federados possam conveniar-se e desenvolver uma política, em cada região, que se afine com suas características singulares. Conjuntura – De que maneira o Ministério da Integração Nacional pretende executar a política de desenvolvimento regional, considerando-se os poucos recursos de que dispõe? Galvão – O Ministério vem lutando para repor recursos e criar fundos de financiamento e investimento, necessários para apoiar suas ações. De um modo geral, o crédito não é rigorosamente um problema significativo, embora haja questões relacionadas ao crédito a resolver. Dispomos hoje dos Fundos Constitucionais, que financiam as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste com as taxas mais favoráveis que se encontram no País. Eles juntos somam R$ 3,5 bilhões ao ano. Lutamos muito para instituir um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que chegou a ser proposto na PEC 41. Mas a barganha da Reforma Tributária carreou seus recursos para o caixa dos tesouros estaduais. A maior carência incide sobre o funding dos investimentos não reembolsáveis necessários na infra-estrutura e nos programas.

Foto: Adalberto Marques/Integração Nacional

tende proceder para diminuir essas diferenças? Galvão – O Ministério da Integração Nacional vem estruturando uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional que possui a objetividade e a clareza necessárias para estabelecer um debate dentro do governo e com a sociedade em geral. Criamos, de início, uma política até certo ponto especializada, focando duas problemáticas principais: a redução das desigualdades regionais e a ativação dos potenciais regionais de desenvolvimento. As ações são organizadas preferencialmente em escala sub-regional. A Política, no entanto, articula-se em múltiplas escalas, reconhecendo que o capitalismo estrutura-se desde a escala planetária até a local em simultâneo.

Conjuntura - Qual a configuração do problema regional brasileiro? Galvão - É fato que a maior parte dos problemas concentramse nas regiões Norte e Nordeste, mas existem também áreas problemáticas no Centro-Sul do País. Não podemos permitir que a política seja voltada apenas para a resolução de problemas periféricos, pois sairia da agenda principal de desenvolvimento. Conjuntura – Que problemas, afinal, seriam tratados na Política Nacional de Desenvolvimento Regional? Galvão - Reconheço que não vamos resolver todos os problemas apenas olhando para a problemática regional. Temos que levar em consideração a questão ambiental, a inserção competitiva nacional, as exportações etc., que respondem por objetivos que devem ser considerados nas grandes decisões do governo. Para isso, é preciso estabelecer um diálogo com todas as demais políticas dos governos, federal, estaduais e municipais, de tal sorte a inocular outras políticas com os “germes” da preocupação sobre o desenvolvimento regional. Conjuntura – O que é a Câmara de Políticas de Integração Nacional de Desenvolvimento Regional? Galvão – A Câmara foi instalada há pouco mais de um mês

eles, juntos, não há política nacional deabr/jundesenvolvimento regional”. Revista de conjuntura de 2004 7


“Aquela visão, da década de 80, de que a globalização era perfeita já não mais sobrevive no debate internacional. E isso pode reabrir caminhos novos para a Política Nacional de Desenvolvimento Regional”. e vai funcionar como um fórum de discussão, em que os dezenove Ministros de Estado representados irão debater o que fazer em suas respectivas áreas para obter resultados favoráveis no desenvolvimento regional. A Câmara já está gerando parcerias e acordos bilaterais, como o programa Luz Para Todos, em que o Ministério das Minas e Energia vai priorizar a ação nas áreas que fazem parte daquelas preferenciais para a política regional. Programas como o devotado ao desenvolvimento da agricultura familiar, a cargo do Ministério do Desenvolvimento Agrário, estão sendo articulados com os programas das mesorregionais do Ministério da Integração Nacional. Dessa forma, inúmeras iniciativas governamentais em curso estão sendo consideradas para que se crie uma ação mais eficaz do governo no território. Além da Câmara de Políticas de Integração Nacional de Desenvolvimento Regional, com suas reuniões periódicas de Ministros, existe um grupo executivo composto por secretáriosexecutivos e/ou secretários nacionais, que vai atuar de modo operacional. Há também grupos temáticos, três dos quais já constituídos: os GTs das Regiões Me-

tropolitanas, das Mesorregiões Diferenciadas e o da Faixa de Fronteira, que pavimentam o terreno para um moderno planejamento territorial. Conjuntura – Por que o retorno da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam)? Galvão – Para gerar uma nova institucionalidade da Política nos dois territórios. As agências compreendem a braços executivos da Política. Seu papel é de definidoras de estratégias gerais e articuladoras das ações. Isto significa propiciar melhor interlocução e maior diálogo com as forças sociais relevantes, na base da sociedade. Brasília não tem condições de dialogar direta e conseqüentemente com os atores sociais numa escala territorial tão fina. A tarefa, na extensão continental que o Brasil possui, reclama o envolvimento de mediadores. Se os maiores problemas estão no Norte e no Nordeste, preciso, então, de interlocutores habilitados por lá. No Plano Amazônia Sustentável, por exemplo, temos um plano de vôo, que não é operacional, mas sim estratégico, que diz como atuar na Região. Qual o papel da União? É criar critérios objetivos e parâmetros para o desenvolvimento regional de todo o território nacional. As agências, em complementação, ajudam a definir a visão estratégica geral a ser considerada em cada região, que deve balizar a elaboração dos planos mesorregionais, de cunho operacional. Conjuntura – Qual a importância da criação da Superin-

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tendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco)? Galvão – A região CentroOeste é um caso sui generis. É a área hoje mais dinâmica do Brasil, onde as coisas estão acontecendo e os problemas tendem a ser muito semelhantes aos das regiões Sul e Sudeste. Do ponto de vista do desenvolvimento regional, o Centro-Oeste não é um problema na escala macro, embora tenha problemas. A idéia é que a Sudeco seja uma agência fomentadora de investimentos e estratégias para a Região, articulando a interlocução entre os governos federal, estaduais e municipais e a sociedade, para o estabelecimento de ações de desenvolvimento regional. Conjuntura – Estabelecer e realizar uma política de desenvolvimento regional no Brasil é uma batalha, uma guerra? Galvão – É, sem dúvida ... é sobretudo uma guerra contra o passado da Política e as mazelas atuais do mundo da globalização; mas tenho esperança. Acredito que o mundo da globalização já esteja em reversão, com as orientações antes inquestionadas sendo expostas crescentemente à análise pública. Aquela visão, da década de 80, de que a globalização era perfeita, já não mais sobrevive no debate internacional. E isso pode reabrir caminhos novos para a Política Nacional de Desenvolvimento Regional. Com a Política Nacional de Desenvolvimento Regional vamos recuperar algo que, no Brasil, nunca foi muito bem desenvolvido: o planejamento territorial. O desafio é construir uma política adequada, que seja capaz de enfrentar as desigualdades regionais de forma objetiva.


A R T I G O

A Alternativa ao Regime de Metas não é a sua Flexibilização Uma contribuição aos críticos da política econômica do Governo Lula João Sicsú *

Um grupo de 15 deputados federais do PT (doravante, G-15) divulgou no dia 07 de abril dois documentos intitulados “Antes que seja tarde – Mudança já” e ‘Declaração de Páscoa” (disponíveis em www.ivanvalente.com.br, em 11/04/2004), que reivindicam do núcleo central do seu Partido mudanças no modelo de política econômica adotado pelo Governo. O diagnóstico apresentado nos documentos do G-15 sobre a situação econômica do País, a grosso modo, é correto. As propostas apresentadas, em linhas gerais, demonstram um elevado grau de consistência. Não são propostas rupturistas, são reformistas e factíveis, isto é, objetivam tão somente produzir crescimento econômico com geração de empregos e melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores – objetivos que podem ser alcançados através de uma ação consciente e responsável por parte do setor público. Muitos detalhes (alguns importantes) não foram mencionados, mas este não era o propósito dos documentos e nem é tarefa de deputados federais discutir minúcias do modelo econômico. Há, contudo, uma falha no conjunto de propostas do G-15.

Foi proposta a “flexibilização, com responsabilidade, das metas inflacionárias”. Essa tal flexibilização é o ponto fraco do conjunto de propostas. Aliás, não é à toa que foi esse o ponto débil que a equipe econômica orientou o Ministro Palocci a atacar. Disse o Ministro: “o governo aceitar ter mais inflação para garantir mais crescimento econômico beira o lamentável … tendo uma inflação baixa, propor uma inflação alta, nunca vi isso em nenhum livro de Economia…” (O Globo Online – 09/ 04/2004). É inegável a habilidade retórica do Ministro; entretanto, esta sua qualidade específica não é capaz de esconder a sua ignorância econômica. O Ministro está correto, não há sentido em se propor ou dizer que poderia aceitar-se uma inflação mais alta, mas ele revela toda a sua ignorância ao dizer que não conhece livros de Economia que ensinam essa idéia. É nos livros e artigos de Prêmios Nobel, como, por exemplo, Milton Friedman e Robert Lucas, que orientam teórica e ideologicamente grande parte da equipe da Fazenda e do Banco Central, que se ensina que se pode reduzir Revista de conjuntura

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o desemprego gerando inflação. Esse é um ensinamento básico da teoria econômica monetarista. Segundo essa teoria, existe uma escolha a ser feita pelo Governo no curto prazo: reduzido desemprego com inflação mais elevada, ou estabilidade de preços com desemprego maior. Diante dessas possibilidades únicas, optam, sem pestanejar, pela última. A História já mostrou que essa idéia está errada. Quando os Estados Unidos iniciaram, nos anos 1990, o seu exuberante processo de crescimento, muitos economistas conservadores sugeriam uma elevação da taxa de juros quando a taxa de desemprego fosse reduzida para um patamar inferior a 6%. O diagnóstico era: a exuberância do crescimento e a felicidade daqueles que encontraram trabalho gerariam inflação. Resumo da ópera: o desemprego caiu para menos que 6%, a taxa de juros americana não foi elevada, o país continuou crescendo, não houve inflação significativa e os economistas monetaristas continuam acreditando naquilo que não vêem. A idéia que possivelmente sustenta a proposta do G-15 é que com metas mais elevadas de

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“Os três pilares que sustentam o atual modelo econômico são: mega-superávits fiscais primários, liberalização financeira internacional com regime de câmbio flutuante e regime de metas de inflação”. inflação, a taxa de juros poderia ser menor, o que facilitaria o crescimento econômico. O G-15 critica o Banco Central por buscar o centro da meta (tal crítica aparece no documento “Antes que seja tarde – mudança já”). Contudo, não está absolutamente claro se o que desejam são metas mais elevadas de inflação ou se avaliam que o Banco Central poderia fazer uma política monetária menos contracionista se usasse as bandas das metas já estabelecidas, no lugar de perseguir o centro. Se é a segunda possibilidade, é preciso lembrar ao G-15 que, nos últimos três anos, o Banco Central deixou a inflação ultrapassar as bandas estabelecidas, isto é, nos últimos três anos a inflação foi superior ao limite máximo preestabelecido, e nem por isso foram praticadas reduzidas taxas de juros e, em conseqüência, o país cresceu. Muito pelo contrário. Em 2001, o centro da meta era 4%, o limite máximo era 6%, a inflação efetiva foi de 7,7% e a economia cresceu apenas 1,31%. Em 2002, o centro da meta era 3,5%, o limite máximo era 5,5%, a inflação efetiva foi de 12,5% e a economia cresceu 1,93%. Em 2003, aqui sim, a diretoria do Banco Central foi muito flexível em

relação ao que estava estabelecido. A meta central para 2003 era 4%, com teto máximo de 6,5%. Mas a meta de 4% (com limite superior de 6,5%) estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional não foi respeitada. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, em carta aberta, solicitou ao Ministro da Fazenda a flexibilização ou elevação da meta para 8,5% (que ficou conhecida como meta ajustada). A inflação efetiva de 2003 foi 9,3% e a economia encolheu 0,22%. Pode-se concluir, então, que utilizar as bandas predeterminadas ou aceitar que sejam superadas não implica reduzidas taxas de juros e, muito menos, crescimento econômico. Se o G-15 aposta na outra possibilidade, ou seja, metas mais elevadas de inflação (e não simplesmente a utilização das bandas já estabelecidas), poderia fazer uma análise retrospectiva elementar: indicar para cada ano passado em que as taxas de juros foram consideradas elevadas, quais seriam as metas de inflação que seriam propostas. Por exemplo, qual a meta que teria sido proposta para o ano de 2002, em que a inflação efetiva foi 12,5% e a menor taxa de juros estabelecida pelo Banco Central foi de 18% ao ano. Qual teria sido a meta de inflação proposta?

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15%? 20%? Qual teria sido a redução possível de juros para se alcançar estas metas? Esta redução da taxa de juros teria sido suficiente para estimular o crescimento? É preciso dizer quanto seria aceito a mais de inflação e quanto se ganharia em termos de redução de juros e, principalmente, crescimento econômico, de forma retrospectiva e para os próximos anos. Os três pilares que sustentam o atual modelo econômico são: (1) -mega-superávits fiscais primários, (2) -liberalização financeira internacional com regime de câmbio flutuante e (3) -regime de metas de inflação. O conjunto de idéias do G-15 é coerente ao atacar esses pilares. Atacam a concepção que transforma o orçamento do governo, através da geração de mega-superávits fiscais, em uma peça quase que exclusiva de arrecadação de recursos para o pagamento de juros e em instrumento de sinalização da continuidade da capacidade de o Governo de honrar suas dívidas no futuro. O G-15 afirma categoricamente a necessidade de o Governo retomar a sua capacidade de fazer investimentos em infra-estrutura e de realizar gastos pujantes em programas sociais universalizantes. São coerentes também ao propor a substituição da livre movimentação de capitais pelo controle/regulação do fluxo internacional de capitais, visando à recuperação da autonomia do Governo para fazer políticas econômicas. Em relação ao regime de metas, entretanto, parece que o G15 não discorda da concepção monetarista, já que não faz nenhuma crítica frontal ou apre-


senta qualquer proposta alternativa. Os 15 deputados somente não concordam com a intensidade de utilização do regime monetário sustentado pelo Governo.1 Em verdade, mais do que concordância com as idéias monetaristas, possivelmente há algum grau de desconhecimento sobre o tema. Contudo, não pode ser alegado pelo G-15 que a opção pela “flexibilização” é uma hábil tática política para evitar um movimento de oposição frontal a um dos pilares do tripé convencional, já que abertamente fazem críticas e apresentam propostas alternativas para os outros dois pilares. Aliás, hierarquicamente, a liberalização financeira internacional e a geração de superávits primários fiscais são mais relevantes para a ortodoxia monetarista do que o regime de metas de inflação. Sendo assim, se atacam as principais fortalezas, então qual o motivo para não atacar uma fortaleza secundária?2 É preciso ser dito abertamente que não se aceita a concepção de controle da inflação proposto pelo regime de metas. Não se deve aceitar a idéia de que a taxa juros é um instrumento de manutenção da estabilidade de preços. Juros elevados, principalmente quando associados a megas superávits primários fiscais, podem ser eficazes para reduzir a inflação, tal como ocorreu em 1

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2003. Mas ainda assim, apesar da sua eficácia, a taxa de juros não pode ser utilizada para este fim, exatamente pelo efeito que provoca: aumento do desemprego. Embora o contrário não seja necessariamente verdadeiro, taxas de juros elevadas impedem o crescimento e a redução da taxa de desemprego. O método que utiliza a taxa de juros como instrumento antiinflacionário somente ataca os sintomas da inflação – e não as suas causas. A elevação da taxa de juros dificulta a passagem de aumentos de custos aos preços (o sintoma). Mas não resolve o problema de elevação de custos (a causa da inflação). Não há qualquer dúvida de que a elevação antiinflacionária dos juros poderá ser bem sucedida na medida em que reforça o pessimismo empresarial, reduz o nível de investimentos privados e, de forma multiplicada, resfria toda a economia - aumentando o desemprego. Com a queda da demanda por bens e serviços por

parte da sociedade, dificulta-se a passagem de custos que se elevaram aos preços e, portanto, quebra-se a tendência inflacionária potencial. A passagem de uma elevação de custos aos preços é dificultada porque cada empresa em particular não encontra facilidades para realizar suas vendas aos preços correntes – então, muito mais difícil seria vender com preços reajustados. Inicialmente, a elevação da taxa de juros provoca a compressão de margens de lucro e mantém os preços sob controle. Posteriormente, os empresários tentam recuperar parte das suas margens reduzindo custos – o que na prática significa demissão de trabalhadores, práticas ilegais (horas extras de trabalho não pagas, sonegação de impostos etc.), redução de salários pela via da rotatividade (demissão de trabalhadores experientes e contratação de jovens) e redução de gastos com a mão-de-obra por intermédio da sua precarização (redução de direitos legais dos

“A elevação da taxa de juros dificulta a passagem de aumentos de custos aos preços (o sintoma). Mas não resolve o problema de elevação de custos (a causa da inflação)”.

Embora façam uma proposta de “diminuição do superávit primário” fiscal - e não a sua anulação (o que não é aceitável em um receituário não-rupturista) -, por exemplo, uma redução de 4,25% do PIB para 3% (o superávit primário aceito pelo FMI no acordo com a Argentina); isto não configuraria a concordância com concepção financista de administração do orçamento. Pelo contrário, neste caso, mudar o percentual muda a concepção de política fiscal, porque a redução do superávit primário implica a retenção de recursos para que o Governo possa praticar uma política fiscal anticíclica com responsabilidade social (combate ao desemprego) e responsabilidade financeira (liquidando os compromissos que devem ser honrados após uma auditoria da dívida pública, tal como é sugerido pelo G-15). A liberalização financeira internacional com regime de câmbio flutuante é a principal fortaleza do tripé monetarista. A ortodoxia econômica avalia que se os capitais estão livres para se movimentar e o câmbio está livre para flutuar, então, se o governo não gera superávits primários fiscais que sinalizam o compromisso de honrar suas dívidas ou se não fazem um arranjo monetário via taxa de juros capaz de conter a inflação, será punido pela ação dos mercados financeiros doméstico e internacional com a emergência de uma crise cambial.

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trabalhadores através da troca de relações formais por informais).3 A política antiinflacionária de elevação da taxa de juros não possui um mecanismo de diferenciação entre as empresas que estão gerando a inflação e aquelas que estão tendo um comportamento compatível com a estabilidade de preços. Muitas empresas inocentes (isto é, aquelas que não realizaram aumentos de preços) não resistem aos elevados custos financeiros e à fraca demanda por suas mercadorias e entram em processo de perda de mercado ou, até mesmo, entram em processo de falência, demitindo muitos trabalhadores; outras deixam de realizar os investimentos planejados e não absorvem, assim, os trabalhadores que estão desempregados. A política de elevação dos juros utiliza-se da tática de provocar um resfriamento geral da economia, impondo às empresas uma política restritiva de reajustes de preços, ou seja, somente podem passar uma elevação de custos aos preços de forma bastante lenta. Caso contrário, perdem mais parcelas de mercado, além daquelas que a elevação da taxa de juros já dragou pela queda de demanda que causou. Por mais que os empresários sejam habilidosos para recuperar as suas margens de lucro em um 3

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ambiente de desaquecimento econômico, é inegável que perdem tanto margem quanto volume de vendas. Então, quando há a recuperação da economia, aqueles que sobreviveram buscam recuperar o tempo perdido (isto é, volume de vendas e margem de lucro) e voltam a elevar preços. Então, o método de manutenção da estabilidade de preços do regime de metas de inflação impõe à economia a situação em que a recuperação econômica estará sempre associada à elevação de preços. Diante da ameaça de aceleração da inflação, o ciclo recomeça com a elevação da taxa de juros por parte do Banco Central. Dessa forma, o regime de metas colocou a economia brasileira diante do Scylla da inflação ou do Charybdis do desemprego.4 A política antiinflacionária de elevação da taxa de juros é eficaz. Entretanto, condenou a economia ao controle de preços com desemprego ou ao crescimento com inflação - já que em situações mais favoráveis, de crescimento econômico, empresários e trabalhadores tentarão recuperar o rendimento (lucros e salários) perdido na fase de desaceleração econômica. A inflação brasileira é fundamentalmente uma inflação de custos. É inconcebível qualquer diagnóstico que identifique a in-

flação brasileira como uma inflação de demanda. Entretanto, é incorreta a afirmação de que a política antiinflacionária do Governo – de elevação dos juros – é equivocada porque o que o País possui é uma inflação de custos. A política oficial antiinflacionária é eficaz para derrubar qualquer tipo de inflação (de custos ou de demanda). O problema central da política antiinflacionária oficial é que ela combate apenas os sintomas da inflação e, principalmente, causa um efeito prévio devastador, o aumento do desemprego e falências empresariais.5 Portanto, políticas alternativas devem buscar atacar as causas da inflação (a elevação de custos) e jamais causar desemprego. Existem várias causas para a inflação, isto é, existem vários tipos de inflação: inflação de salários e lucros, inflação de custo de commodities, inflação importada etc. Para cada tipo de inflação deve-se ter uma política antiinflacionária adequada e específica.6 Boa parte da inflação brasileira de 2001 e 2002 foi basicamente causada pela elevação do preço do dólar e pelo aumento dos preços monitorados e administrados; e boa parte da inflação de 2003 foi causada basicamente pela elevação de preços monitorados e administrados. Nesse sentido, as

O regime de metas de inflação introduz na economia, além dessa série de problemas, uma distorção grave na relação entre preços livres e preços administrados. Na medida em que a taxa de juros somente é capaz de conter os primeiros, o resultado tem sido que a variação de preços administrados ao longo dos últimos anos tem sido muito maior que a variação dos preços livres. Sylla e Charybdis são figuras da mitologia grega. São monstros que vivem no mar e que devoram embarções. Charybdis mora numa caverna em frente a caverna onde habita Scylla. Logo, quando se tenta evitar um dos monstros, encontra-se com o outro de frente. Portanto, a expressão é utilizada quando a tentativa de evitar um situação perigosa leva a outra também perigosa. Muitos têm afirmado que a elevação da taxa de juros contém a inflação, mas provoca um efeito colateral perverso e lamentável, o desemprego. O termo colateral é usado, neste caso, de forma totalmente imprecisa. Efeito colateral é aquele que surge em paralelo ou ligeiramente depois de determinado resultado, em geral, positivo. A taxa de juros não derruba os preços diretamente e provoca, simultaneamente ou em decorrência, o aumento da taxa de desemprego. Em verdade, o efeito negativo, neste caso, é prévio: para que a taxa de juros possa conter a inflação, previamente deve provocar o aumento da taxa de desemprego. Para aqueles interessados em aprofundar uma discussão teórica sobre o tema, sugere-se o artigo de Sicsú intitulado “Políticas não-monetárias de controle da inflação”, publicado na revista Análise Econômica (do Departamento de Economia da UFRGS), ano 2003, mês de março. Para aqueles interessados em aprofundar a discussão sobre o controle da inflação no Brasil, sugere-se a leitura do capítulo 2 do livro “Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços”, de autoria de Sicsú com Castro de Oliveira, publicado pela editora Manole, de São Paulo, em 2003.

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propostas feitas pelo G-15, de “controle dos preços administrados (tarifas públicas)”, é necessária e correta. É também uma proposta antiinflacionária, feita pelo G-15, o controle sobre o fluxo de capitais internacionais, já que tal controle reduz a volatilidade cambial, que, por sua vez, causa elevação do preço do dólar – o que pode ser estatisticamente comprovado.7 Segundo cálculos do Banco Central do Brasil, o aumento dos preços administrados ou monitorados explica 1,7% da inflação de 7,7% de 2001, explica 1,85% da inflação de 12,5% de 2002 (neste ano, a causa mais importante da inflação foi a variação cambial) e explica 1,7% da inflação de 9,3% de 2003. Ainda segundo cálculos do Banco Central, a variação cambial explica 2,9% da inflação de 2001 e 5,85% da inflação de 2002. Então, se as propostas do G-15 fossem adotadas, provavelmente a inflação estaria sob controle, estaria em patamares aceitáveis. A proposta de “redução substantiva da taxa de juros real”, feita pelo G-15, é necessária, mas no lugar das âncoras (superávit primário fiscal elevado e juros lunáticos) que impedem a economia de crescer para manter os preços sob controle, outros instrumentos antiinflacionários mais sólidos e permanentes devem ser erguidos – tais como os dois já citados. Não se deve trocar juros mais baixos por inflação mais alta (esta é a lógica do regi7

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me monetarista de metas de inflação), tal como sugere a proposta de “flexibilização, com responsabilidade das metas inflacionárias”, feita pelo G-15.8 Cabe, por último, ser mencionado que um ambiente favorável para a manutenção da estabilidade de preços é aquele em que a sociedade está comprometida com o controle da inflação. Um ambiente favorável é um ambiente de busca do consenso: o ideal é a emergência de um pacto antiinflacionário. Em estruturas econômicas e sociais diferenciadas, determinados grupos de interesse são mais ou menos capazes de influenciar os resultados de uma arquitetura antiinflacionária. Sendo assim, é muito importante existir cooperação entre eles visando ao consenso. Regras de estabilidade de preços devem ser erguidas para substituir o discricionarismo do Banco Central, que ameaça mudar a taxa de juros quase todos os meses, causando incerteza e inibindo decisões empresariais de investimento. O resultado de qualquer conjunto de regras de estabilidade de preços depende fortemente de cooperação e, se possível, de consenso entre o governo, o Legislativo, o Judiciário, os trabalhadores, os empresários, as donas de casa e os aposentados.

Dessa forma, a sociedade, através de seus organismos (sindicatos, associações e câmaras setoriais de controle de preços, que poderiam ser criadas), deveria comprometer-se também com controle da inflação. Portando, a estabilidade dos preços (assim como outros objetivos econômicos e sociais) não deveria ser um objetivo somente do Governo e muito menos (apenas!) de um de seus organismos, o Banco Central, que utiliza um instrumento totalmente inadequado para cumprir uma tarefa que não deveria ser somente sua. O problema do regime de metas não é a sua a rigidez, mas sua incompatibilidade com o objetivo do crescimento econômico com geração de empregos, tais como são incompatíveis também os outros dois outros pilares do modelo econômico conservador (superávits primários fiscais elevados e liberalização financeira internacional), adotados pelos governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. As taxas de crescimento e desemprego já comprovaram a inadequação deste modelo econômico, mas os economistas e políticos conservadores se negam a enxergar a realidade, os números, os fatos.

* João Sicsú Professor-doutor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Um exercício gráfico e estatístico é feito para comprovar tal relação entre volatilidade cambial e valor do dólar no artigo de Sicsú intitulado “Flutuação Cambial e Taxa de Juros no Brasil”, publicado na Revista de Economia Política de julho-setembro de 2002. Não está muito claro qual o significado e utilidade da qualificação “com responsabilidade”, adicionada à proposta de “flexibilização” feita pelo G-15. Afinal, qualquer proposta deve ser implementada com responsabilidade, inclusive a redução do superávit primário, o controle sobre o fluxo de capitais etc. Aliás, no documento “Antes que seja tarde – mudança já”, é sugerida a mudança de indexador das tarifas públicas, o que é um erro fatal. Tarifas públicas devem ter seus preços reajustados de acordo com um programa que leve em conta aumentos de custos, ganhos de produtividade, programas de investimento etc. Nenhum preço deve ser indexado na economia, nem tarifas, nem aluguéis, nem mensalidades escolares e muito menos salários. A indexação de tarifas dificulta o controle da inflação, e somente por coincidência o índice escolhido será o mais adequado para que seja mantida a qualidade dos serviços públicos.

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A R T I G O

Primeiras notas sobre controle profissional em Economia Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt * “A minha alucinação é suportar o dia-a-dia E meu delírio é a experiência com coisas reais.” Belchior A prática cotidiana do controle profissional exercido pelos Conselhos Regionais de Economia oferece uma fascinante coleção de desafios. A enorme variedade de casos que se apresentam nas ações de fiscalização e registro oferece a oportunidade de estudar - e o risco de decidir - temas muitas vezes polêmicos (seja por sua complexidade teórica, seja pelo caráter socialmente conflitivo de que se revestem). Estas notas contêm um despretensioso inventário de situações que já tivemos que abordar na ação do CORECON/MG. Embora todo o esforço tenha sido feito para tratar cada tópico com o maior grau de generalidade possível (permitindo que os raciocínios sejam aplicáveis para qualquer entidade de regulação profissional), o trabalho encontra-se inevitavelmente influenciado pe-

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las circunstâncias específicas da profissão de economista. O saber que aqui se contém é essencialmente aplicado e de caráter interdisciplinar, fazendo dialogar em cada instante a técnica econômica, o conhecimento jurídico e o senso administrativo. Opção que soa um pouco exótica no sofisticado ambiente de modelização e abstração da vanguarda teórica dos economistas. Mas amparada – esperamos – em uma certa legitimidade. Primeiro, pela tradição da praxis segundo a qual a teoria existe no e para o mundo, lição inesquecível da Economia Política. Segundo, por reconhecer como legítimo o contexto presente da vida real de tantos e tantas colegas: No segundo caso, ao contrário, são as demandas concretas, incluindo as de pura conjuntura do merca-

do profissional, que ditam os variados formatos de ecônomos e da sua formação. A resposta pragmática a atividades bem pragmáticas dispensa maiores vôos filosóficos, votos científicos e vetos morais1. O objetivo a alcançar (se não for demasiado, vem Pessoa lembrar que “a alma é divina e a obra é imperfeita”) é duplo: primeiro, prático, dotar de pequenos pontos de apoio reflexivos aqueles que encaram na lida diária temas como esses. Mais importante, e não menos prático, ao falar de casos comuns e correntes, que poderiam suceder a qualquer um, esperamos convidar aquele economista-ecônomo leitor, mergulhado e isolado no mundo pragmático, a pensar em suas dificuldades como partilhadas por muitos, e a pensar a si próprio

Mendes, Armando Dias. O Economista e o ornitorrinco – ensaios sobre a formação e a profissão dos economistas. Brasília:Coronário Editora Gráfica, 2001. p. 13. Uma vez mais, constata-se que é impossível falar da profissão de economista no Brasil sem recorrer, ainda que de passagem, ao pensamento do Prof. Armando Mendes.

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como merecedor da atenção e do cuidado da coletividade profissional e de suas organizações. 1 – Economistas ocupando cargos “genéricos” É muito comum a ocorrência de pedidos de cancelamento de registro formulados por economistas que ocupam postos na administração pública ou na empresa privada que não tenham, como exigência formal do empregador para assumir o cargo ou emprego, o registro no Conselho. Só há fundamento legal para o cancelamento de registro, nestes casos, se ficar comprovado o não exercício da profissão de economista (art. 21 da Resolução COFECON 1537/85). Compete ao CORECON, no exercício da sua missão legal de fiscalizar o exercício profissional (art. 10, alínea “b”, da Lei 1411/51), verificar os contornos concretos dessa norma, ou seja, o enquadramento da realidade fática com a hipótese prevista no ordenamento legal e regulamentar. E esta verificação só pode ser realizada a contento se se comparam as tarefas concretas que o requerente de cancelamento exerce em seu posto de trabalho (o conteúdo ocupacional do cargo ou emprego) com aquelas tarefas listadas como pertencentes ao campo profissional do economista nas distintas Resoluções do Conselho Federal de Economia que tratam do tema (basicamente, as Resoluções 860/74 e 1612/95). Isto porque o que é regulamentado e fiscalizado, em benefício da sociedade, é o exercício da profissão, não a denominação, os aspectos formais de um cargo. Aliás, este exercício da

profissão faz-se “liberalmente ou não”, e, no caso de vínculo empregatício, em “cargos técnicos de economia e finanças”, “providos a qualquer título no Serviço Público”. Esta interpretação, amplamente discutida e confirmada pelo CORECONMG em inúmeras ocasiões, conduz a que atua como economista aquele que exerce em seu labor profissional atividades típicas de economista. Outro não poderia ser o sentido da lei: a fiscalização profissional, como limitação ao princípio constitucional da liberdade de trabalho (art.5º, inciso XIII), só encontra sua justificação na defesa do interesse da sociedade de que trabalhos específicos sejam exercidos por profissionais habilitados, para preservação da qualidade e da segurança dos resultados dos citados trabalhos. A esse respeito, em nada importam as condições formais extrínsecas da relação jurídica pela qual tais serviços são prestados, seja o vínculo empregatício ou meramente contratual/mercantil, seja o título do cargo, ou sejam outras condições da rela-

ção empregatícia do exercente da atividade. Na prática da elaboração de um parecer ou relatório em casos como o presente, o agente (conselheiro relator, técnico parecerista) deve inicialmente obter do interessado a descrição concreta das tarefas que exerce em seu cargo. Esta descrição pode estar definida em lei, no caso de cargo público, ou ser declarada pelo empregador; no caso de servidores públicos, ainda que haja uma declaração da repartição, é conveniente que o agente procure localizar os atos normativos – leis, decretos, portarias – que definem esse conteúdo ocupacional do cargo. Em seguida, deve buscar comparar cada uma das tarefas do cargo ou emprego com aquelas enumeradas nas Resoluções do COFECON, que são a (única) referência formal do que venha a ser a área de atuação reservada, pela lei, aos economistas. Caso haja similaridade entre ambos, o cargo deve ser, por força da lei regedora da profissão, ocupado por economista registrado, o que impede a concessão do cancelamento do

“A fiscalização profissional, como limitação ao princípio constitucional da liberdade de trabalho, só encontra sua justificação na defesa do interesse da sociedade de que trabalhos específicos sejam exercidos por profissionais habilitados”. Revista de conjuntura

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“Instituições que criam cargos “genéricos” abertos a qualquer graduado em curso superior têm contabilidade própria. Pois bem, quem irá responsabilizar-se por essa contabilidade?”. registro. Caso não haja coincidência entre as tarefas do cargo ou emprego e aquelas explicitadas pela legislação profissional, o cargo não é típico da profissão e o cancelamento deve ser deferido. Não ignoro que a posição que expresso aqui representa inversão de cento e oitenta graus em relação a uma certa posição que muitas vezes é manifestada nos debates no âmbito do Sistema COFECON/CORECONs. Tratase do argumento segundo o qual não se pode inserir um cargo público dentro do campo profissional do economista se este não for denominado de economista ou se no edital do concurso respectivo ou na sua lei de criação não for exigida a condição de economista registrado no Conselho. Tal argumento é totalmente equivocado. Isto porque as leis que criaram os cargos públicos e definiram as condições para o seu preenchimento não tratam, em absoluto, da regulamentação de profissões. Limitam-se a definir os aspectos da relação do ente público com o seu quadro funcional. Pretender que uma lei que estabelece um quadro de carreira ou cargo isolado (como a Medida Provisória 1971-13, de que aqui se tratou) elimine as exigências espe-

cíficas para o exercício de profissões significaria supor que a mesma revogaria tacitamente a Lei 1411/51 (bem como, alias, todas as outras leis regulamentadoras de profissões), permitindo que qualquer ocupante do cargo exerça qualquer atividade dentro dele (nem nos referimos aqui, por absurdo, à hipótese de que um ato administrativo tal como um Edital ou uma Portaria possa sobreporse à lei em sentido formal e afastar sua incidência). Ora, esta não é uma tese juridicamente razoável, pois uma lei só revoga (ainda que tacitamente) outra anterior quando trata da mesma matéria, o que, como vimos, não é o caso. No caso de cargos públicos, a Lei 1411/52 prevê, genericamente, exigência da habilitação e registro para “cargos técnicos de economia e finanças” (art. 3º). Esse dispositivo é mais explicitamente desenvolvido, na forma regulamentar, pela Resolução COFECON 860/ 74, que prevê o exercício da profissão em caráter privativo através “de cargos e funções relativas ao campo profissional do Economista, de provimento a qualquer título” (art. 3º inciso I). Ou seja, antes de pressupor uma antinomia entre a legislação da profissão e a lei de criação

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do cargo, sem quaisquer elementos para se chegar a essa conclusão, há que se considerar a coexistência de ambas de forma articulada e consistente. Tal consistência é perfeitamente possível, sendo, aliás, o mais verossímil: a lei de criação regula o provimento do cargo (a constituição e manutenção da relação servidor-Estado), da forma como bem entenda, enquanto que o exercício, dentro do cargo, das atividades inerentes à profissão atrai a incidência da lei regulamentadora da profissão, o que impõe a obrigatoriedade do registro. Em defesa desta interpretação jurídica (que nos cabe fazer, como entidade fiscalizadora, no exercício da interpretação administrativa da lei), vêm os fatos relativos a outras profissões. Instituições que criam cargos “genéricos” abertos a qualquer graduado em curso superior (a exemplo do Banco Central e do Ministério da Fazenda) têm contabilidade própria. Pois bem, quem irá responsabilizar-se por essa contabilidade? Naturalmente, um servidor do seu próprio quadro, um ocupante desses mesmos cargos “genéricos”, como um Analista do Banco Central ou um Analista de Finanças e Controle . Porém, os documentos contábeis firmados por ele só terão valor se se tratar de um contabilista inscrito no respectivo Conselho de Classe -, ainda que a lei de criação do respectivo cargo assim não o exija. É porque se impõe, na atividade concreta daquele servidor (execução da contabilidade) a lei regulamentadora da respectiva profissão. O mesmo valerá para outras atividades regulamentadas, como os serviços de engenharia, de assessoria jurídica ou de atendimento médico que a entidade


pública mantenha através de seu quadro de cargos “genéricos”. Em síntese, o deferimento do cancelamento deve estar condicionado a que o profissional demonstre inequivocamente no processo quais são as atividades que concretamente exerce no cargo e lotação atuais, a partir do que o Conselho poderá aferir se se enquadram ou não dentre aquelas atribuídas pela lei ao economista. Ainda nesse sentido, trata-se unicamente de assegurar que o serviço prestado no cargo seja realizado por um profissional habilitado (o que o requerente comprovadamente é) e sob a disciplina exigida por lei para a profissão (que impõe o registro). Não nos move, evidentemente, uma postura meramente fiscalista, consistente em tentar manter, a qualquer custo, o maior número de filiados ao Conselho. O próprio Conselho Federal de Economia já o define claramente: É necessário reafirmar que a fiscalização do exercício profissional não é um ato de cobrança, porém uma ação que se objetiva em termos de uma técnica específica (o saber econômico), de uma ética profissional (a responsabilização pela utilização da técnica econômica para fins indevidos) e de uma responsabilidade social 2. A preocupação de atrair filiados e contribuições deve ser exercida pelos Conselhos, prestando serviços que tragam benefícios e reciprocidade aos filiados. O ponto central da proposta pelo 2

indeferimento é o exercício do indeclinável poder-dever de fiscalizar a profissão, em defesa da sociedade. Como exercentes do poder de polícia administrativa por delegação da União, não resta discricionariedade ao Conselho nas decisões sobre registro ou fiscalização. Não atendidos os pressupostos legais para sua dispensa (no caso, o não-exercício das atividades típicas de economista, a qualquer título), é imposição legal a obrigatoriedade do registro. Assim, e só assim, pode o Conselho desincumbir-se de sua missão legal. Desta maneira, duas situações podem ocorrer, em que o economista saia dos quadros do CORECON original, e ainda assim esta exigência fundamental continue atendida. Uma delas é a hipótese de o profissional exercer sua função pública ou privada em outro Estado, o que permitiria a transferência do registro para outro CORECON (arts. 16 a 19 da Resolução 1537/85, COFECON). Outra hipótese é a de que o interessado possua outra qualificação profissional regulamentada, cuja lei específica abranja as atividades efetivamente exercidas pelo profissional no cargo. Neste caso, demonstradas quais as atividades desempenhadas e o registro em

outro Conselho profissional, e presente a manifestação daquele similar de que as atividades também estão abrangidas pela legislação respectiva, poderia o Conselho deferir o cancelamento, pois a condição fundamental acima exposta estaria atendida. 2 – Enquadramento de pessoas jurídicas com objeto social genérico De forma análoga às pessoas físicas, são comuns casos em que pessoas jurídicas constituídas na Junta Comercial (empresas mercantis) ou nos Cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas (sociedades civis) apresentam objetos sociais genéricos ou imprecisos. A título de exemplo, mencionamos alguns desses objetos sociais, extraídos literalmente de casos reais examinados no CORECON/MG: • “serviços de assessoramento e consultoria empresarial”; • “serviços de consultoria e assessoria a empresas em geral, para assuntos relacionados ao meio ambiente”; • “serviços de consultoria e assessoria nas áreas de planejamento empresarial, estudos e pesquisas de mão-de-obra e planejamento estratégico organizacional”; • “serviços de consultoria na área

“A preocupação de atrair filiados e contribuições deve ser exercida pelos Conselhos, prestando serviços que tragam benefícios e reciprocidade aos filiados”.

Anexo À Resolução COFECON 1536/85, Seção III, parágrafo 1

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de gestão empresarial e administração de bens próprios”; • “serviços de auditoria, execução, treinamento, assessoria e consultoria contábil, financeira e previdenciária, bem como os serviços de cálculo atuarial e estudos de viabilização econômica de planos de saúde”; • “serviço de gerenciamento, assessoria e consultoria, a ser executado fora do endereço da sede empresarial”; • “serviços a empresas, em assessoria em gestão empresarial”. Em todos os casos, trata-se de redação vaga e ambígua, que pode significar virtualmente qualquer coisa. Portanto, incluem as de economista. Neste caso, se a empresa pretende exercer atividades sem limitação por seu objeto social, deve evidentemente submeter-se à regulamentação de todas as profissões que se enquadrem em sua vastíssima área de atuação. Entre estas, claro, a de economista, inclusive porque serviços como estes (de organização econômica, gestão empresarial, consultoria) estão entre os poucos aplicáveis a qualquer tipo de empresa. Se o conteúdo vago fosse excludente da regulação e discipli-

na profissional, bastaria então a uma empresa redigir seus objetivos com o grau adequado de ambigüidade que escaparia a qualquer tipo de fiscalização, fosse qual fosse sua atividade. Uma possibilidade é que as atividades genéricas sejam também parte de outra profissão regulamentada. Isto, porém, quando ocorrer poderá ser demonstrado pela própria empresa com os dados da sua filiação a outro conselho profissional. Em síntese, o mesmo rigor no exame do conteúdo concreto das atividades desempenhadas pelos profissionais deve ser aplicado na avaliação da exigibilidade do registro de empresas, quaisquer outros tipos de sociedades que atuam na área dos economistas. 3 – Análises de laudos periciais Há casos menos comuns, mas em número crescente, de solicitações dos economistas atuando como peritos em processos judiciais, no sentido de que o CORECON emita manifestação sobre a habilitação legal do economista para produzir tal ou qual laudo ou trabalho escrito.

“O mesmo rigor no exame do conteúdo concreto das atividades desempenhadas pelos profissionais deve ser aplicado na avaliação da exigibilidade do registro de empresas”. 3

Chegam a existir casos em que o solicitante apresenta o próprio laudo que apresentou no âmbito do Judiciário, pedindo que o Conselho se manifeste sobre ele. Acreditamos que isto é reflexo da expansão da atividade pericial como espaço de trabalho que vem sendo conquistado pelos economistas, o que suscita algumas dúvidas entre profissionais da área jurídica e também algumas reações contrárias de outros profissionais que até então tinham o campo pericial como espaço exclusivo de suas respectivas habilitações. Desde logo, há que deixar claro que a atividade pericial, no ramo de conhecimento específico, é explicitamente atribuída ao economista, em caráter geral, pelo art. 3o do Decreto 31.794/52: A atividade profissional privativa do economista exercita-se, liberalmente ou não, por estudos, pesquisas, análises, relatórios, pareceres, perícias, arbitragens, laudos, esquemas ou certificados sobre os assuntos compreendidos no seu campo profissional, inclusive por meio de planejamento, implantação, orientação, supervisão ou assistência dos trabalhos relativos às atividades econômicas ou financeiras, em empreendimentos públicos, privados ou mistos, ou por quaisquer outros meios que objetivem, técnica ou cientificamente, o aumento ou a conservação do rendimento econômico. Nestes casos, é necessário agir com cuidado: neles, não é função do Conselho analisar o laudo em si, ou seja, se ele foi feito corretamente3. Mas é sua

A análise da qualidade ou da correção de um trabalho de Economia pode até ser atribuição do Conselho em algum caso específico de processo disciplinar, como, por exemplo, uma denúncia contra um economista por imperícia ou negligência. Mas não é este o caso de que se trata.

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missão, e importantíssima, defender as prerrogativas da profissão, declarando se as questões que são objeto do laudo estão entre aquelas permitidas aos economistas pela lei de regência da profissão. A metodologia para a definição do conteúdo técnico do laudo examinado e seu enquadramento é um procedimento simples, e bastante análoga ao caso dos cargos genéricos analisados na primeira seção deste artigo. O conteúdo técnico inerente a um laudo pericial solicitado no curso de um processo judicial como o presente está contido nos quesitos formulados, que são a veiculação do conhecimento técnico que do perito se exige pelo juiz e pelas partes (arts. 276, 278, 421, 425, 435 do Código de Processo Civil). Destarte, a via mais precisa e objetiva de verificação do enquadramento é alinhar os quesitos apresentados ao perito pelo juiz e pelas partes do processo, seguidos do item específico da regulamentação profissional que ampara a atuação do economista na matéria e outras considerações pertinentes. Caso exista conformidade entre os quesitos e as atividades previstas na legislação profissional, é possível responder afirmativamente às consultas dos interessados, tomando cuidado com a forma da manifestação do Conselho, que deve declarar nesses casos que o laudo pericial que foi examinado insere-se integralmente dentro da habilitação legal definida para o profissional economista pela Lei 1411/51, regula4 5

“A via mais precisa e objetiva de verificação do enquadramento é alinhar os quesitos apresentados ao perito pelo juiz e pelas partes do processo, seguidos do item específico da regulamentação profissional que ampara a atuação do economista na matéria e outras considerações pertinentes”. mentada pelo Decreto 31.794/52 e pela Resolução 860/744 do Conselho Federal de Economia, inclusive para produzir efeitos em processos judiciais. 4 – Não-exigibilidade de registro de empresas de factoring São freqüentes as polêmicas suscitadas pelos pedidos de cancelamento de empresas de factoring. Antes de tudo, é preciso definir bem os termos de que se trata. Factoring, tal como definido na doutrina5, inclui três modalidades em que a atividade envolvida é tão somente a compra de ativos mediante uso de capital próprio do empreendedor, sob diferentes condições de divisão do risco e áreas de mercado (modalidades convencional, maturity e exportação). Inclui ainda uma modalidade mais com-

plexa, trustee, em que se trata da “gestão financeira e de negócios da empresa cliente da sociedade de fomento mercantil. Administra todas as contas do cliente que passa a trabalhar com o caixa zero, otimizando sua capacidade financeira, na realidade o trustee compreende a administração de contas a pagar e receber de seus clientes.” Na maioria dos casos apresentados ao exame dos Conselhos para cancelamento , não há evidências da ocorrência dessa modalidade sofisticada nas empresas solicitantes, que via de regra propõem-se à atividade convencional do fomento mercantil, consistindo apenas de compra e venda de ativos. Juridicamente, está em vigor a Deliberação COFECON 1563/B, de 16/12/93, em que, por provocação de consulta deste Regional, o Conselho Federal resolveu “manter a exigibilidade de registro das

Acrescentar outras Resoluções que porventura sejam aplicáveis em algum outro caso concreto. "O Factoring - um apoio financeiro às pequenas e médias empresas e seus efeitos no capital circulante” - trabalho apresentado ao Congresso Brasileiro de Contabilidade 2001 - http://www.cfc.org.br, p. 3

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“O papel do relator e do Conselho, nos autos de um processo administrativo como o de cancelamento, é o de aplicar a lei e sua regulamentação infralegal, e por conseguinte interpretá-la como etapa prévia à sua aplicação”. empresas de “factoring” nos Conselhos Regionais de Economia”. No entanto, a despeito das intenções do COFECON, o dado objetivo representado pelo objeto da maioria das empresas não resiste à análise mais simples: não ocorre, na maioria absoluta dos caso , atividade típica da profissão. Ademais, é pacífico o entendimento judicial a respeito da não-exigibilidade de registro para a simples operação de factoring6. O papel do relator e do Conselho, nos autos de um processo administrativo como o de cancelamento, é o de aplicar a lei e sua regulamentação infralegal, e por conseguinte interpretá-la como etapa prévia à sua aplicação. No caso, existe uma deliberação pontual do COFECON (aliás, de caráter não normativo, como seria uma Resolução) interpretando a Lei 1411/51 de uma forma favorável ao registro das factorings. No entanto, a interpretação judicial da mesma lei (a qual, em última instância, prevalecerá se corresponder à prática recorrente do Judiciário na matéria) fornece interpretação contrária. Assim, cabe ao

Regional posicionar-se entre duas interpretações contraditórias entre si, descartada de plano uma eventual aplicação “automática” ou mandatória da posição do COFECON. Mandatório, ao contrário, é o dever de interpretar e atuar em conformidade com a Lei de regência da profissão. No mérito, não posso senão endossar a posição manifestada pelo Judiciário. A atividade envolvida é de compra e venda de ativos, sem se constituir em serviço técnico prestado a terceiros (ressalva feita à modalidade de trustee, já detalhada, se vier a ser detectada na empresa requerente). Não se pode enquadrar esse tema entre aqueles enfeixados na Resolução COFECON 860/74 e posteriores. Ademais, se existe o reiterado e contemporâneo entendimento judicial no sentido da não-exigibilidade, creio que a presunção de veracidade milita objetivamente em favor dessa última interpretação. A redação do inciso II do art. 37 da Resolução COFECON 1537/85 parece indicar que só seria possível aceitar a não-obrigatoriedade do registro quando

houvesse sentença judicial transitada em julgado em favor da empresa requerente. Este entendimento, no entanto, é incompatível com o Estado de Direito, no qual incumbe a toda a Administração Pública a subordinação ativa à lei. Relembrando o caráter difuso do dever de interpretação e aplicação motivada da lei: E, mesmo quando não haja feito ou causa em tribunal e o cidadão tenha que afivelar a máscara de administrado, nem por isso são de menor valia os princípios do Estado de direito democrático a observar nos procedimentos administrativos. Deve-se exigir a observância dos princípios da igualdade, da imparcialidade da justiça nos comportamentos da administração.7 Assim, não cabe senão concluir não ser exigível o registro nos Conselhos de Economia para o exercício da atividade de factoring. É necessário, ainda, reiterar que a Deliberação COFECON 1563/B, de 16/12/93, ainda não revogada, choca-se com qualquer interpretação coerente que se faça do ordenamento da profissão, bem como com reiterada jurisprudência em contrário da Justiça Federal. 5 – Pedidos de cancelamento de registro feitos por pessoas físicas e jurídicas inadimplentes com as anuidades É comum também ocorrerem pedidos de cancelamento de re-

Para não alongarmos a citação, baste o entendimento já sumulado do TRF 1a Região - precedentes AC-1998.01.00.077164-0/MG 3a TS, DJ 22/08/2002; AC-96.01.08428-2/MG 4a T, DJ 17/06/1996; AC-96.01.36503-6/MG, 3a T, DJ: 17/11-1999. 7 Canotilho, J.J. Estado de direito. Lisboa, Ed. Gradiva, 1999. p. 71 6

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gistro formulados por economistas ou empresas que têm anuidades em atraso. Nestes casos, é necessário responder primeiro à seguinte pergunta: a inadimplência das anuidades impede o cancelamento do registro? Sobre isto, existe mais uma Resolução do COFECON, a de nº 1537/85 (redação alterada pela Res. 1653/98), que exige em seu art. 37, inc. IV, que o pedido de cancelamento seja acompanhado de “Prova de quitação das anuidades anteriores ao deferimento do pedido de cancelamento ou compromisso firmado pelo representante legal da requerente, em termo de parcelamento de dívidas, e pagamento dos emolumentos referentes à certidão de cancelamento.” Assim, mais uma vez o pedido aparentaria impossibilidade, diante de uma norma administrativa. Porém, e dentro do mesmo raciocínio da seção 2 deste artigo, temos que afastar a aplicação desse dispositivo regulamentar. Isto porque o ato de exigir registro compulsoriamente, com todas as conseqüências que acarreta, é um ato estritamente de poder de polícia, ou seja, de restrição ao direito individual em nome do interesse coletivo preservado pela instituição estatal. Essa restrição advém da lei, e apenas a lei pode impor critérios para que alguém tenha que permanecer nos quadros do CORECON (art. 5º, inciso II, da Constituição Federal), não podendo o ato administrativo senão regulamentar o estrito cumprimento da mens legis (sem que lhe seja facultado impor novas obrigações ao administrado).

Pois bem, neste caso, o que diz a lei? Dispõe o estatuto da profissão (Lei 1411/51): Art. 14. Só poderão exercer a profissão de economista os profissionais devidamente registrados nos CORECONs pelos quais será expedida a carteira profissional. Parágrafo único. Serão também registrados no mesmo órgão as empresas, entidades e escritórios que explorem, sob qualquer forma, atividades técnicas de Economia e Finanças. Art. 18. A falta do competente registro torna ilegal e punível o exercício da profissão de economista. A redação é inequívoca: o registro é função do exercício efetivo ou potencial da profissão. Outras questões, inclusive de natureza legal, como a regularidade tributária, não estão incluídas no motivo ensejador do registro. Não se discute neste ponto se o tributo em atraso é exigível (sem dúvida o é - este ponto é analisado mais adiante) ou não, se o profissional é inadimplente ou não, não se pode denegar o cancelamento senão por uma razão: o requerente exercer, real ou potencialmente, a pro-

fissão (como pessoa física ou jurídica, conforme o caso). Qualquer outro motivo é irrelevante, pois a lei não o exige. Também numa interpretação teleológica do ato administrativo, só existe interesse da sociedade em que o Conselho retenha a pessoa ou instituição nos seus quadros se esta exercer ou pretender exercer a profissão, como forma de disciplinar-lhe o exercício e verificar-lhe os pressupostos também fixados em lei para o ingresso na profissão. Outras pendências (como a anuidade) terão, também, os seus caminhos legais de tratamento, mas não através do condicionamento da concessão do cancelamento à sua solução. De fato, os demais incisos do citado artigo 37 da Resolução COFECON 1537/85 incluem tão somente exigências de comprovação material da condição legal, isto é, de que a pessoa jurídica não mais exerce a atividade regulamentada (mantendo-se, aí, rigorosamente dentro do legítimo poder regulamentar do ato administrativo). Tratam, portanto, das circunstâncias concretas da ocorrência da hipótese legal. O inciso IV, posteriormente acrescentado, extrapola esse poder regulamentar e impõe uma nova hipótese

“Também numa interpretação teleológica do ato administrativo, só existe interesse da sociedade em que o Conselho retenha a pessoa ou instituição nos seus quadros se esta exercer ou pretender exercer a profissão”. Revista de conjuntura

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para a possibilidade de cancelamento - não mais o não-exercício, mas também a regularidade fiscal. Não podemos, portanto, endossar esse dispositivo e darlhe cumprimento, uma vez que a presunção de legitimidade da Resolução, como de todo ato administrativo, é juris tantum, e pode ser elidida pela comprovação posterior de seu choque com outros componentes do ordenamento jurídico. Essa adequação obrigatória da atividade administrativa à lei, corolário maior do princípio da legalidade, impõe que o ato concreto de concessão do cancelamento observe em primeiro lugar a legalidade, sobrepassando o literal de uma instrução operacional que a ela não se ajusta. Portanto, entendo que há que se conceder o cancelamento, sem maiores condições, simplesmente a partir da constatação de que, para a atividade da empresa, não se exige o registro. E – uma vez mais - deixar assente nossa posição de que o artigo 37, inciso IV, da Resolução COFECON 1537/85 (redação alterada pela

Res. 1653/98) exorbita do poder regulamentar conferido ao Conselho Federal de Economia, pois impõe exigência não prevista nos arts. 14 e 18 da Lei 1411/51 para o cancelamento do registro de empresas ou profissionais, sendo portanto ilegal a sua imposição aos jurisdicionados (até porque os débitos porventura inadimplidos têm a via própria da execução fiscal para serem exigidos ao requerente do cancelamento). 6 - Natureza jurídica da filiação aos conselhos profissionais Alguns interessados no cancelamento ou na remissão de débitos alegam que as anuidades devidas pelos economistas ao CORECON representariam exclusivamente a contraprestação por “benefícios e vantagens” que a entidade prestaria aos filiados, como se fosse algo parecido a um clube, e uma vez que não recebem os benefícios de que gostariam, estariam eximidos do seu pagamento. É afirmação que também não pode ser acolhida. Sua pre-

“A natureza do pagamento das anuidades do CORECON não é contratual. Trata-se, rigorosamente, de contribuição de natureza tributária, amparada no art. 149 da Constituição Federal, na Lei 6994/82 e na própria Lei 1411/51”.

missa maior é rigorosamente falsa: a natureza do pagamento das anuidades do CORECON não é contratual. Trata-se, rigorosamente, de contribuição de natureza tributária, amparada no art. 149 da Constituição Federal, na Lei 6994/82 e na própria Lei 1411/51: A doutrina e a jurisprudência que se firmaram após a Constituição Federal de 1988 atribuem natureza jurídica tributária às anuidades devidas aos conselhos de fiscalização pelos profissionais sujeitos à inscrição em seus quadros. Com efeito, tais anuidades são prestações pecuniárias compulsórias, instituídas especificamente por algumas leis de criação de conselho ou, de maneira geral, pela Lei n. 6994, de 1982 (ver item 5.5 deste capítulo). Não constituem sanção por ato ilícito, mas são devidas em razão da simples sujeição à inscrição nos conselhos de fiscalização do exercício profissional. Por outro lado, sua cobrança, considerada a natureza jurídica autárquica dos conselhos, é realizada por pessoa jurídica de direito público mediante atividade administrativa vinculada8. Pacífico é também o entendimento jurisprudencial sobre a matéria. Além dos julgados de Tribunais Regionais Federais mencionados na obra acima transcrita9, não se pode olvidar as repetidas manifestações do Supremo Tribunal Federal10. Assim, esse tipo de alegação não tem fundamento, e é impossí-

Freitas et alii. Conselhos de fiscalização profissional - doutrina e jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, , 2001. p. 119. Freitas et alii, op. cit., pp. 131-132. 10 MS 21.797/RJ, Relator Min. Carlos Velloso; RE 138.284-CE, Relator Min. Carlos Velloso; ADIn 1717-6-DF, Relator Min. Sidney Sanches. 8 9

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vel deferir pedidos de remissão de débitos nele baseados. 7 – Fato gerador da exigibilidade das contribuições dos conselhos O encaminhamento da questão anterior (natureza tributária da Contribuição aos Conselhos) permite responder a outra pergunta, freqüentemente ventilada nos pedidos de cancelamento: a não-exigibilidade do registro atual afasta a exigibilidade do tributo referente aos exercícios em que a empresa esteve registrada? Em outras palavras, se a atividade da empresa não exige registro, é possível e obrigatório exigir-lhe as anuidades referentes aos períodos em que esteve registrada? Entendemos que sim, basicamente porque o fato gerador das anuidades é a manutenção do registro ativo nos Conselhos. Vejamos por que: Na seção anterior, já foi demonstrado que as anuidades e demais contribuições têm natureza de obrigação tributária. Em sendo tributo, portanto prestação pecuniária compulsória, a Contribuição é devida exclusivamente em função do fato gerador, e não em função de algum serviço específico e divisível prestado diretamente ao sujeito passivo (arts. 3o e 4o do Código Tributário Nacional). E o fato gerador da Contribuição aos Conselhos é o exercício da profissão (tanto o efetivo quanto o presumido, que ocorre quando o profissional mantém ativo o seu registro): Aliás, a exigência dessas anuidades não está ligada a

“Se a atividade da empresa não exige registro, é possível e obrigatório exigir-lhe as anuidades referentes aos períodos em que esteve registrada?”. qualquer atividade estatal a justificar a classificação da espécie como taxa. O fato gerador das anuidades é, sim, como consta nas várias leis de instituição dos conselhos, o exercício, por pessoa obrigada à inscrição (pessoa física habilitada ou pessoa jurídica, mediante contratação de profissional habilitado), da atividade profissional regulamentada, o qual, entretanto, é presumido quando a pessoa, apesar de não exercer a profissão, mantém seu registro no conselho competente.11 No mesmo sentido, jurisprudência específica da Justiça Federal: Irrelevante que se comprove a desativação da empresa o que não ocorreu - pois uma vez registrada a pessoa jurídica no órgão de classe, não requisitada sua baixa, torna-se obrigatória a quitação das obrigações legais, sob pena de sujeição às penalidades cabíveis. Precedente: AC Reg n. 92.03.14913-9, j. 50-08-92, v.u.; DOESP 26-10-92, cad. 1, p. 167, Rela. Juíza Lúcia Figueiredo (CREA) (TRF-

Ac. Apel. Cív. N. 83.736-SP, 09-06-1993, Rela. Juíza Lúcia Figueiredo) 12 Posta a questão em tese, não resta dúvida - pelas razões expostas acima – de que a anuidade dos exercícios em que a empresa ou o profissional permaneceram registrados é exigível (e sendo um tributo exigível, não há hipótese legal de o CORECON deixar de cobrá-lo), pois o seu fato gerador é o registro (que foi pedido pela empresa e cuja baixa não foi solicitada senão na data do pedido de cancelamento, não podendo ser feita de ofício pelo CORECON em caso - como o presente - de empresa que permanece em funcionamento). Teleologicamente, a empresa pôde - por sua própria opção, ao não cancelar o registro - exercer qualquer das atividades próprias da profissão durante todo esse período. Se não fez a opção de explorar esse campo de atividade, podendo fazê-lo, é matéria de ordem interna que não cabe ao CORECON examinar. Não ignoramos que, na prática, existe mais uma vez um grande receio no âmbito do sistema COFECON/CORECON´s de que casos da espécie redundem em derrotas judiciais, citando-se, ge-

(Freitas et alii. Conselhos de fiscalização profissional - doutrina e jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, , 2001. p. 119) Apud Watanabe, Ippo & Pigatti Jr,. Luiz. Dicionário de decisões tributárias federais. São Paulo: Ed. Oliveira Mendes, 1998. p. 365.

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“As anuidades independem do exercício efetivo da profissão, bastando a existência de inscrição no conselho fiscalizador para que se possa cobrar as anuidades dos inscritos no órgão”. nericamente, exemplos anteriores. Há, sim, precedentes de litígio (em relação a empresas de factoring). Por solicitação nossa, a Secretaria e a Assessoria Jurídica do CORECON/MG forneceram exemplos de peças processuais mais significativas da Justiça Federal em que o Regional de Minas Gerais esteve envolvido. E o que nos revela esse levantamento? Curiosamente, a “unanimidade judicial” não é tão unânime assim sequer na primeira instância. O processo 1998.16663-213 declara a improcedência de execução de anuidades “por não estar a embargante sujeita a registro junto ao embargado”. No entanto, toda a fundamentação da sentença versa sobre a não-exigibilidade de registro , nada tratando a respeito do fato gerador da anuidade. O mesmo faz o processo 1998.38.00.030413-20 . No mesmo sentido, o processo 1996.35183-0 julga improcedente a execução, “tendo em vista a ausência de vínculo entre a embargante e o Conselho Regional de Economia”. Nada, ainda, a respeito da natureza do fato gerador da obrigação tributária. Já o processo 93.0000706-8 contém sentença de primeira instância rechaçando os embargos da

factoring, mas por considerá-la sujeita ao registro (sentença reformada por acórdão do TRF, que, porém, se limita no dispositivo, a reafirmar a não-exigibilidade de registro, sem explicitar decisão a respeito das anuidades). Por fim, no processo 98.02940000 o Judiciário explicitamente reconhece que, embora não estando sujeita ao registro, “tendo em vista que a suplicante requereu espontaneamente sua inscrição no CORECON, deve a mesma formular pedido de cancelamento do referido registro junto ao órgão fiscalizador”, sucumbindo a embargante no pedido de cancelamento de anuidades. Contraditória, portanto, a jurisprudência que nos é dada a conhecer. E - mais importante em nenhum momento as decisões colocam em questão, nas razões de decidir, a questão de quando surge a obrigação tributária, limitando-se a discutir a exigibilidade ou não do registro para o exercício comercial do factoring (salvo indiretamente no último processo citado, exatamente para dar razão à posição do Conselho). Mas seria muito menosprezar a Justiça Federal acreditar que, diante de questionamentos dessa natureza, não houvesse examina-

do com rigor os fundamentos tributários da matéria. E uma pesquisa simples na jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1a Região mostra um claro e copioso acolhimento da tese que aqui sustentamos (grifos nossos): ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL ANUIDADES. NATUREZA TRIBUTÁRIA. EXECUÇÃO DE DÍVIDA ATIVA. - As anuidades devidas aos conselhos de fiscalização profissional constituem-se em contribuições parafiscais e, portanto, têm natureza tributária. Independem do exercício efetivo da profissão, bastando a existência de inscrição no conselho fiscalizador para que se possa cobrar as anuidades dos inscritos no órgão. - Remessa oficial improvida. TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR - REO 1997.01.00.032470-7 /BA DJ 03 /09 /2001 P.139 ADMINISTRATIVO. ANUIDADE DE CONSELHO PROFISSIONAL. INEXISTÊNCIA DE PROVA DO PEDIDO DE BAIXA DE INSCRIÇÃO. ARGÜIÇÃO DE SUCESSÃO DE PESSOA JURÍDICA NÃO COMPROVADA. I. Para fins de exclusão das anuidades dos conselhos profissionais, não é suficiente a prova de que o profissional deixou de exercer a atividade res-

Todos os processos tramitaram na Seção Judiciária de Minas Gerais da Justiça Federal e no Tribunal Regional Federal da 1a Região (acesso online às ementas: www.trf1.gov.br)

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pectiva, impõe-se a comprovação do pedido de baixa de inscrição. II. A argüição da ocorrência de sucessão de empresas, não comprovada nos autos, é insuficiente para afastar a exigibilidade do débito da devedora. III. Recurso improvido. QUARTA TURMA - AC 1998.01.00.073895-0 /MG DJ 23 /11 /2000 P.98 PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. LEF, ART. 17, PARÁGRAFO ÚNICO. I. Para a caracterização de cerceamento de defesa não basta que a dilação probatória tenha sido obstruída, impõe-se, a mais, que seja necessária ao deslinde da causa. II. Para fins de exclusão das anuidades dos conselhos profissionais, não é suficiente a comprovação de que o profissional deixou de exercer a atividade respectiva, impõese a comprovação do pedido de baixa de inscrição. III. Apelo improvido. QUARTA TURMA - AC 96.01.20635-3 /GO - DJ 17 / 03 /2000 P.197 EXECUÇÃO FISCAL ANUIDADES EXIGIDAS PELOS CONSELHOS FISCALIZADORES DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS - EXIGIBILIDADE MESMO SEM O EXERCICIO DA PROFISSÃO, CASO SUBSISTENTE O REGISTRO. 1 - MESMO QUE NÃO MAIS EXERÇA A PROFISSÃO PARA A QUAL

ERA NECESSÁRIO O REGISTRO NO ÓRGÃO FISCALIZADOR PRÓPRIO, SUBSISTEM AS OBRIGAÇÕES RELATIVAS AO PAGAMENTO DE ANUIDADE E DE COMPARECIMENTO ÀS ELEIÇÕES, CASO O PROFISSIONAL NÃO TENHA REQUERIDO BAIXA DE SUA INSCRIÇÃO. 2 - APELAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. TERCEIRA TURMA - AC 94.01.13035-3 /GO - DJ 20 / 04 /1995 P.22607 Para nossa surpresa (diante do temor ainda prevalecente no âmbito de nossas instituições), o próprio CORECON/MG já teve causa em que essa tese, precisamente, fundamentou o seu sucesso na lide: EMBARGOS DO DEVEDOR - CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA - COBRANÇA DE ANUIDADE - ARGÜIÇÃO DE NÃO EXERCER A PROFISSÃO COMO EXCLUDENTE DO PAGAMENTO - DESCABIMENTO - CONSTITUCIONALIDADE DA EXAÇÃO. 1 - A inscrição no conselho profissional faz surgir a obrigação de pagar a respectiva anui-

dade, independentemente do efetivo exercício da atividade. 2 - Não é inconstitucional a exigência de anuidade por conselho profissional, em vista do disposto no artigo 149, da Lei Maior. 3 - Apelação desprovida.. TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR - AC 1997.01.00.014738-6/MG - DJ 29 /04 /2002 P.503 Nada mais permite hesitar: a anuidade é devida em relação aos períodos em que a empresa ou o profissional manteve o seu registro, sem solicitar-lhe a baixa. Outra não poderia ser a posição por nós defendida. Impossível, portanto, por falta de qualquer amparo legal, a remissão de débitos requerida nestes casos. 8 - Liberdade negativa de associação em relação aos conselhos profissionais Um dos temas mais difíceis que podem emergir de um processo de registro ou fiscalização é o da liberdade negativa de associação. É um sutil argumento de interpretação constitucional, que envolve matéria de enorme potencial polêmico e que, se não abordado adequadamente no âmbito dos conselhos, pode en-

“Para fins de exclusão das anuidades dos conselhos profissionais, não é suficiente a comprovação de que o profissional deixou de exercer a atividade respectiva, impõe-se a comprovação do pedido de baixa de inscrição”. Revista de conjuntura

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sejar gravíssimas conseqüências para a profissão como um todo. Trata-se da questão sobre se a obrigatoriedade de inscrição e manutenção do registro no CORECON, com os encargos correspondentes, violaria a liberdade negativa de associação consagrada na Constituição. Nos termos em que coloca a questão um dos interessados em cancelamento de registro no CORECON/MG: “a associação ou não a órgão de classe é uma garantia constitucional do indivíduo, não podendo este ser privado do seu direito de exclusão quando não lhe interessar mais integrar seu quadro de filiados”. Vejamos, inicialmente, a fonte constitucional dessa garantia do indivíduo. O art. 5º da Constituição Federal consagra diversos incisos ao direito de associação: XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; Verificamos, portanto, que a inquestionável garantia de permanecer ou não associado (inciso XX), segundo sua própria decisão, é plena em relação às associações, sobre as quais versam os dispositivos citados. Pois bem, o

“O dispositivo constitucional que poderia ser levantado em favor da aplicabilidade da liberdade negativa de associação não se aplica ao caso concreto da filiação aos Conselhos Profissionais, pois dirige-se, explicitamente, a outro tipo de associação”.

CORECON não é uma espécie do gênero “associação”, de livre criação (incisos XVII e XVIII acima citados), nascida da iniciativa de particulares. Ao contrário, trata-se de uma figura de direito público, criada por lei, cuja abrangência a todo exercente da profissão é definida ex lege (pela Lei 1411/51). Trata-se de autarquia, figura criada pelo vetusto Decreto-lei 200/67, consoante farta jurisprudência14. Tal interpretação vem de ser ostensivamente reiterada pelo Supremo Tribunal Federal, quando se ampara na Constituição para manter como autarquias os Conselhos frente à tentativa de retirar-lhes tal natureza, contida no art. 58 da Lei 9649/98, fulminada por inconstitucional pelo julgamento da ADIn 1717/6-DF. Portanto, de um ponto de vista formal, o dispositivo constitucional que poderia ser levantado em favor da aplicabilidade da liberdade negativa de associação não se aplica ao caso concreto da filiação aos Conselhos Profissionais, pois dirige-se, explicitamente, a outro tipo de associação. É necessário, porém, seguir além da interpretação literal e discutir o sentido teleológico da filiação obrigatória. Qual o sentido último de sua imposição no ordenamento jurídico? Desconhecemos estudos específicos sobre este tema no Direito Brasileiro, mas não surpreende que tal modelo e tal filiação em inúmeras categorias profissionais seja imposto nas mais variadas tradições jurídicas documentadamente, Alemanha, Itália Espanha, Portugal, Áustria, Holanda e Suíça, regime público e

Vide, por exemplo, TRF 5a Região, 1a Turma, relator Juiz Orlando Rebouças, AI 00501216-5/9, DJ 18.01.1991, p. 25.957; STF, Tribunal Pleno, MS 22.643-9/ SC, relator Ministro Moreira Alves, DJU 04.12.1998; STF, Tribunal Pleno, MS 10.272/DF, relator Ministro Victor Nunes Leal, DJU 11.07.1963, p. 53; todos citados em Freitas et alii. Conselhos de fiscalização profissional : doutrina e jurisprudência. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. pp. 72-73.

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filiação obrigatória; França, regime publicístico ou privado indefinido e filiação também obrigatória15. E é nesta tradição quase universal da auto-regulamentação profissional que vamos encontrar a referência aos fundamentos da interpretação teleológica que nos é exigida. Em particular, o enfrentamento do tema pelo Tribunal Constitucional espanhol, num marco institucional das organizações profissionais bastante análogo ao brasileiro, fornece-nos a chave: ainda que constituídas pelos profissionais, as corporações de fiscalização são espécie distinta de associações (em sentido lato), e os fins públicos que têm a si encomendados exigem um regime distinto do das associações privadas. Literalmente: Los Colegios, dice el Tribunal, no son asociaciones o al menos sólo lo son en parte; antes al contrario, están configurados por su Ley reguladora como Corporaciones públicas que no dependen sólo de la voluntad de sus asociados sino también del propio Estado. Pues bien, como no son asociaciones, quedan excluidos del art. 22 CE (*), por lo que en ningún caso la adscripción forzosa al Colegio profesional podrá vulnerar la vertiente negativa del derecho de asociación: “aunque siendo en cierto modo asociaciones, constituyen una especial o peculiar clase de ellas con

reglas propias (art. 36) distintas de las asociaciones de naturaleza jurídicoprivada, es claro que no puede serles aplicable el régimen de éstas. (...) Es lógico que una conjunción de fines públicos y privados no deben siempre verse como restricciones o limitaciones injustificadas de la libertad de asociación, sino justamente como garantía de que unos fines y otros puedan ser satisfechos (...). Y es que al cumplirse por los Colegios Profesionales otros fines específicos, determinados por la profesión titulada, de indudable interés público (disciplina profesional, normas deontológicas, sanciones penales y administrativas, recursos procesales), ello justifica innegablemente la opción diferida al legislador para regular aquellos colegios y para configurarlos como hace la Ley 2/1974 que en nada vulneran el contenido de la norma constitucional habilitante, ni tampoco el artículo 22”.16 (*) Art. 22 da Constituição espanhola: “1. Se reconoce el derecho de asociación. 2. Las asociaciones que persigan fines o utilicen medios tipificados como delito son ilegales. 3. Las asociaciones constituídas al amparo de este artículo deberán inscribirse en un

registro a los solos efectos de publicidad.. 4. Las asociaciones sólo podrán ser disueltas o suspendidas en sus actividades en virtud de resolución judicial motivada. 5. Se prohíben las asociaciones secretas y las de carácter paramilitar.” Art. 36 da Constituição espanhola: “La ley regulará las peculiaridades propias del régimen jurídico de los Colegios profesionales y el ejercicio de las profesiones tituladas, La estructura interna y el funcionamiento de los Colegios deberán ser democráticos.” 17 Há ainda outro argumento, de maior sutileza. Caso o direito do profissional registrado nos Conselhos de deles afastar-se fosse ilimitado ou potestativo, bastaria o seu desejo de excluir-se para que pudesse subtrair-se às obrigações de disciplina profissional que a lei impõe (tendo o Conselho como seu instrumento). Se assim fosse, todo o arcabouço jurídico da regulação e fiscalização profissional através das autarquias conformadas como Conselhos ou Ordens seria rigorosamente inútil, uma vez que qualquer um poderia eximir-se da regulação estabelecida pela lei e igualmente prosseguir no exercício da profissão, o que seria um absurdo lógico e social. Desnecessário dizer que os Conselhos (com finalidade própria e privativa, definida taxativamente pelas respectivas leis de regência da profissão) não se confundem nem se substiutuem a qualquer

Moreira, Vital. Auto-regulamentação profissional e administração pública. Coimbra, Almedina, 1997. p. 272. Saz, Silvia. Los colegios profesionales. Madrid: Marcial Pons/Colegio de Abogados de Madrid, 1996. pp. 69-70 17 Constitución Española. Madrid: Editorial Civitas, 1998. pp. 26 e 29, respectivamente. 15 16

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outra associação, voluntária ou não, não afetando no mais mínimo a liberdade constitucional de associação. Esta constatação é mais claramente abordada na doutrina: Tema incontornável na abordagem doutrinal das corporações profissionais é o de sua compatibilidade e das suas relações com as associações sindicais e outras associações profissionais para a mesma profissão. O princípio é o de que a existência da ordem não preclude a liberdade sindical dos respectivos membros, nem a liberdade de associação profissional em geral, podendo eles estar simultaneamente filiados na ordem, num sindicato e numa associação profissional privada18. Por mais complexa que seja, esta não é uma questão menor: o tratamento equivocado deste argumento por parte das autarquias corporativas poderia ensejar gravíssimas conseqüências, desorientando os julgamentos dos conselheiros e gerando precedentes judiciais fundamentados em raciocínios inválidos, especialmente quando ainda existem respeitáveis opiniões em contrário19. Diante disto, é necessário levantar mais este tema para ampla discussão e conhecimento. 9 – Ausência completa de regulamentação das atividades referentes à economia ambiental O ramo da Economia do meio ambiente e suas inúmeras ramificações práticas (por exemplo, a elaboração de estudos de impacto e controle EIA/RIMA e PCA/ RCA, as auditorias e as perícias 18 19

ambientais) é florescente em todo o País, e tem um marcado corte interdisciplinar. Corajosamente, muitos economistas avançam nessa direção de tanta importância para a profissão e para a sociedade. E nesse ramo, por mais exuberante que seja do ponto de vista técnico e profissional, não dispomos de qualquer regulamentação do COFECON, no desdobramento da lei regulamentadora da profissão. Por mais que tentemos estender, por analogia, os dispositivos das Resoluções existentes, não há qualquer brecha para tipificar o campo da Economia Ambiental entre aqueles regulamentados para a profissão (não obstante a gritante constatação da técnica e da prática: há economistas atuando no ramo ambiental, desenvolvendo-o, e muito bem). Assim, à míngua de qualquer instrumento normativo, não é possível aplicar qualquer iniciativa de fiscalização no ramo ambientalpor absurda que seja essa situação. Assim, qualquer processo suscitado nos CORECONs (de fiscalização ou denúncia, por exemplo) tem por ora de ser arquivado, nos termos do art. 5º da Resolução 1533/85 (não porque sejam atendidas eventuais exigências feitas pelo CORECON, mas porque este não dispõe do instrumento normativo que o habilite a fazer exigências). Mais importante, entendo ser indispensável tentar preencher essa absurda lacuna normativa, fruto de longos anos de descaso do Sistema COFECON/ CORECON´s para com suas atividades finalísticas e que deixam

ao desamparo o profissional economista que, pioneiramente, lavra o campo da Economia Ambiental. Uma vez mais, reiterando neste artigo exortação que já fizemos ao COFECON, nos autos de processos de fiscalização, é necessário denunciar que não existe no sistema normativo da profissão de economista qualquer tratamento regulamentador da área profissional de economia do meio-ambiente e dos recursos naturais, constituindo grave omissão das entidades de fiscalização dos economistas para com a sociedade que devem proteger e deixando ao completo desamparo os integrantes da Categoria que dividem a área com outros profissionais. Impõe-se, portanto, com a máxima urgência, a elaboração de Resolução regulamentando a matéria (ainda à luz da Lei 1411/51). 10 – Enquadramento das atividades de publicação e editoração em economia Outro setor empresarial de grande vitalidade, que ocasionalmente é visitado pela atividade de fiscalização dos CORECONs, é o de comercialização e editoração de relatórios, boletins, resenhas, periódicos, livros, informes sobre empresas e setores de atividades, ativos financeiros, projeções e previsões de indicadores macroeconômicos. Enfim, as publicações especializadas em Economia. Diante de uma empresa desse mercado, como deve situar-se o Conselho fiscalizador? Entendo que, uma vez caracterizado que o ramo de mercado atendido pela empresa é estrita-

Moreira, Vital. Auto-regulamentação profissional e administração pública. Coimbra, Almedina, 1997. p. 272. Listadas em Freitas et alii. Conselhos de fiscalização profissional : doutrina e jurisprudência. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. pp. 155-157 e 203-204.

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mente o de imprensa, através da edição de publicações de natureza técnica, não se trata de entidade inserida na profissão de economista. Se este for o objetivo social (formalmente e na prática), a empresa não será senão uma editora, tendo por produto livros ou revistas destinadas ao público em geral. Ainda que intervenham economistas como articulistas ou colaboradores, a empresa se limita a veicular em suas páginas os conteúdos informativos gerais sobre algum tema. Convém lembrar que o art. 1º da Lei 6389/80 trata especificamente dessa situação, quando determina que “O registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros”. Diferente será, no entanto, se a atividade envolver estudo ou aconselhamento direto a clientes individuais, pessoas físicas ou jurídicas, nas diferentes modalidades previstas na Resolução 860/74, art. 1º (“estudos, pesquisas, análises, relatórios, pareceres, perícias, arbitragens, laudos, certificados, ou por quaisquer outros atos, de natureza econômica ou financeira, inclusive por meio de planejamento, implantação, orientação, supervisão ou assistência dos trabalhos relativos às atividades econômicas ou financeiras, em empreendimentos públicos, privados ou mistos”), quando então deixará a simples

editoração jornalística para ingressar na aplicação prática do saber econômico em problemas concretos, incidindo de pleno na área de atuação própria de uma empresa de serviços profissionais de Economia (atividade técnica de economia e finanças), nos termos do art. 14, parágrafo único, da Lei 1411/51, quando então ser-lhe-á exigível, nessa nova situação, o registro. 11 – Conclusões provisórias – uma agenda de trabalho As discussões travadas nesse empreendimento, e os resultados já produzidos pelas decisões dos colegiados da profissão, são um patrimônio da Categoria que é necessário organizar e transformar em ferramenta de reflexão e ação. A ação miúda, o varejo do dia-a-dia de cada processo de fiscalização ou registro, representa a essência da missão das entidades de economistas: ninguém mais pode cumprir esse papel, e a falta de mais e melhores ações miúdas tem deixado fragilizados, há muito tempo, os economistas enquanto profissionais. O Conselho Federal de Economia vem de adotar, em época muito recente, iniciativas para sistematizar conhecimentos sobre os principais tópicos que surgem nesse tipo de ação. Iniciativa

importantíssima, que tem que ganhar dinâmica própria e manter continuidade. Que tem que ter complemento em ações de disseminação, debates, oficinas de trabalho, aproveitando todos os momentos em que se encontrem os conselheiros e funcionários dos Conselhos que lutam a cada dia para defender a instituição, a profissão e a sociedade a que a profissão serve20. Estas notas procuram oferecer pequenas contribuições pontuais a esta tão sonhada arrancada, e sobretudo fixar no debate público entre os profissionais, com toda a intensidade que puderem alcançar, a imagem de uma agenda de trabalho ainda por cumprir, extensa e crucial para a profissão. Porque o desafio diante de todos não permite mais esperar: Presume-se, pois, ou constata-se, continuar existindo um mercado de trabalho próprio do economista. Mas é um mercado, também ele, mutante, uma constante fervet opus. Mutante por dinamismo e méritos próprios, mutante em razão de mudanças externas no mundo social, e mutante como reação categorial a ações de antropofagia e canibalização de que se diz vítima, com ou sem razão21.

* Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt Analista do Tribunal de Contas da União e Conselheiro do CORECON/MG

Neste sentido, os Simpósios Nacionais dos Conselhos de Economia (SINCE), eventos bianuais da Categoria voltados para as questões de interesse especificamente corporativo, são oportunidades inestimáveis para manter discussão permanente sobre essa matéria (aprofundando o conteúdo dos temas e democratizando o conhecimento entre todos os caminheiros dessa jornada). 21 Mendes, Armando Dias. O Economista e o ornitorrinco – ensaios sobre a formação e a profissão dos economistas. Brasília:Coronário Editora Gráfica, 2001. p. 55. 20

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Mais informações no site: www.corecondf.org.br


A R T I G O

Situação de emprego do aluno de graduação em Brasília: um estudo de caso Humberto Vendelino Richter * Resumo

1. Introdução

Levantamento do perfil, situação de emprego, nível econômico e conscientização de dois grupos de alunos de graduação dos cursos de Administração, Economia, Direito, Farmácia, Fonoaudiologia e Processamento de Dados, sendo o primeiro, de estudantes matriculados no primeiro período,em 2000 e 2001, na UNIP/DF e CESUBRA/ DF, em Brasília, e o segundo, de alunos formandos matriculados em 2003. O perfil predominante dos alunos pesquisados é de adultos oriundos do Centro-Oeste, Distrito Federal e Entorno, com predominância do sexo masculino (62%). A maioria é solteira, proveniente de famílias pequenas, fazendo seu primeiro curso superior, e vem do segundo grau formal. A metade estudou na rede pública escolar. Quanto à situação de emprego e desemprego, bem como nível econômico e grau de conscientização desses estudantes em relação ao seu curso e à situação geral econômica e social , este estudo apresenta as principais diferenças entre os dois grupos.

Um dos principais efeitos da globalização tem sido o crescente nível de desemprego nas grandes capitais do País, em especial em Brasília. O desemprego no Distrito Federal e Entorno é um dos mais elevados do País, sendo cerca de 21% da PEA em 2001 e 23% em 2003. Esse desemprego apresenta características do tipo estrutural, causado principalmente por fatores tais como declínio crescente do emprego público, crescente automatização das atividades produtivas, aumento das exigências das empresas quanto à qualificação e escolaridade dos trabalhadores, recessão econômica, com diminuição da atividade empresarial, e migração intensa. Segundo os últimos dados da CODEPLAN/DF e do DIEESE/ DF, mesmo entre os trabalhadores com 3ºgrau completo, o desemprego cresceu, em dois anos, de 2,4% para 4,8%. Por outro lado, a proporção de alunos matriculados em cursos superiores vem crescendo contiRevista de conjuntura

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nuamente nos últimos anos. Segundo dados do MEC, o crescimento tem sido superior a 40% ao ano nestes dois últimos períodos escolares. Na Sessão Especial a respeito da “Discussão sobre diretrizes curriculares do curso de Economia”, levada a efeito no XV Congresso Brasileiro de Economistas, realizado de 10 a 13 de setembro último em Brasília, ressaltou-se, durante as apresentações e discussões, que o aumento da demanda por cursos superiores tem por motivo principal a conquista de oportunidades de trabalho e/ou emprego, uma vez que a maioria dos jovens que terminam o segundo grau estão encontrando um estreito e declinante mercado de trabalho. Já existem diversos estudos sobre a evolução do desemprego, bem como de suas possíveis causas, entre elas um destaque para o processo de globalização. SOARES (2001) procurou relacionar o processo de liberalização comercial e financeira com o mercado de trabalho brasileiro no período de 1990/99. Analisando diversos trabalhos de ou-

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“O desemprego está muito mais relacionado com a estreiteza do mercado de trabalho do que com o nível de educação”. tros autores, bem como dados de MAIA, chegou à conclusão de que “houve perda considerável de empregos em virtude da abertura comercial”. As principais causas foram a entrada de bens de consumo intermediário e de capital (importações) e aumento da produtividade direta do trabalho de 5,3%. O aumento dessa produtividade do trabalho diminuiu o emprego de trabalhadores menos qualificados em 7%, e aumentou o emprego de trabalhadores qualificados em 16%, segundo dados de BARROS e CORSEUIL (2001). A possível causa para isso parecem ser mudanças na tecnologia da produção que têm favorecido o aumento no rendimento relativo dos trabalhadores com nível universitário. Como foi enfatizado por BARROS (1997), existem poucas análises sobre a estrutura do desemprego. Há diversas pesquisas, como o PNAD, o PME e a PED, com uma grande riqueza de informações e de dados, que, no entanto, não têm merecido muitas análises, com poucas exceções, como os textos de CORSEUIL (1994, 1996) e de AMADEO (1994). Sobre a estrutura do desemprego ao nível dos estudantes universitários, não encontramos quase nenhuma análise. No seu estu-

do, BARROS analisou a estrutura do desemprego em São Paulo e Recife para o período 1982/83, com base em informações contidas no PME. Em relação ao nível educacional geral, ele verificou que a variabilidade da taxa de desemprego educacional não é monotônica. E mais ainda, que a educação superior “tende a reduzir a possibilidade de um trabalhador ficar desempregado, apesar de tender a elevar a duração do desemprego caso este venha a ocorrer”. Parece que o desemprego está muito mais relacionado com a estreiteza do mercado de trabalho do que com o nível de educação. Como já foi dito em outros textos, estudar não garante emprego, mas não estudar resulta em desemprego certo. Uma hipótese é a de que a demanda por determinados cursos superiores está relacionada diretamente com a expectativa da amplitude do mercado de trabalho. Para testar essa hipótese, é necessário conhecer a estrutura do desemprego de estudantes universitários, bem como as suas aspirações em termos de mercado de trabalho. 2 – Objetivo O objetivo deste trabalho é o de comparar a situação de emprego e desemprego de alunos em início de curso e alunos for-

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mandos, bem como seu perfil, nível econômico e grau de conscientização em relação a seu curso e à situação do País. 3 – Metodologia 3.1. O levantamento Para levantamento desses dados foi elaborado um formulário de duas páginas a ser respondido pelo aluno. Foi planejada uma primeira fase, pesquisando inicialmente o primeiro grupo dos que estão matriculados nos dois primeiros anos nos cursos de Economia, Direito, Administração, Farmácia, Processamentos de Dados e Fonoaudiologia do CESUBRA e UNIB no Distrito Federal. Na primeira fase, os formulários foram aplicados por professores nas turmas de alunos e se obteve a informação de 577 respondentes, o que equivale a 45% desse universo de alunos em sala de aula. Na segunda fase, foram aplicados os mesmos formulários, tendo-se o cuidado de não permitir que algum estudante do primeiro grupo participasse desta segunda fase. Assim, foram selecionados 242 de um total de 280 formulários, sendo o universo de formandos composto de 395 alunos. Assim, cerca de 61% dos formandos foram analisados. Este grupo de pesquisa compreende os alunos formandos dos cursos de Administração, Ciências Jurídicas, Fonoaudiologia, Farmácia, e Computação (Processamento de Dados). Não foram incluídos os alunos de Ciências Econômicas, porque já haviam sido pesquisados no grupo anterior. Isto porque o curso de Economia foi reestruturado para qua-


tro anos, atingindo todos os alunos do Curso, de forma que os atuais formandos fariam parte do mesmo grupo nas duas fases desta pesquisa. No primeiro levantamento, verificou-se que o conceito de emprego é bastante abrangente para os pesquisados, misturando trabalho informal com trabalho formal. Qualquer atividade remunerada ou que obtenha rendimentos, desde vender doces até uma função de estágio, é considerada como atividade de trabalho e fonte de receita necessária para manter os estudos. Em alguns casos, o rendimento é inferior ao valor da mensalidade, exigindo auxílio financeiro dos pais, principalmente. Assim, para esse dado de atividade pode haver mais de uma opção. Para poder comparar os dois grupos, foi feita uma recodificação dos dados iniciais e sua nova tabulação. Os novos dados tabulados foram analisados a partir do final do 2º semestre de 2002. Uma vez analisadas todas as informações, estão sendo feitos os testes estatísticos necessários para determinar a significância das possíveis diferenças e poder fazer a comparação entre os dois grupos. 3.2 O modelo Neste estudo, as dimensões utilizadas para caracterizar a estrutura do emprego e desemprego foram as seguintes: a) sexo; b) nível educacional; c) curso; d) idade; e) estado civil; f) nível econômico;

g) tamanho da família; h) origem; i) posição no domicílio; j) setor de atividade atual; k) posição na ocupação atual; l) nível salarial atual; m) situação de dependência; n) situação de desemprego; o) opinião sobre o curso, sobre a instituição e sobre o governo; p) nível salarial anterior; q) aspirações após a graduação. A população neste estudo é considerada como a quantidade de alunos em sala de aula dos cursos de Direito, Administração, Economia, Computação e Computação-Processamento de Dados, Farmácia e Fonoaudiologia. A amostra é não probabilística, ou seja, foi feita amostragem por julgamento. Segundo MORETTIN (2001) e STEVENSON (1986), essa amostragem não permite a avaliação do erro amostral. Os resultados permitem um raciocínio dedutivo sobre as variáveis dos grupos de estudantes pesquisados, mas não há certeza de que essas características permitam que se façam inferências sobre as características de todos os alunos da UNIP/DF e CESUBRA/DF (raciocínio indutivo). Contudo, os dados obtidos proporcionam uma base para a elaboração de um plano de amostragem aleatória para validar os resultados. A dificuldade é que a população total de alunos das duas instituições está em contínua expansão, ano a ano,e a variabilidade existente na própria população é muito grande. No caso de variáveis não numéricas, ou quantitativas, foi elaborado um escore numérico reRevista de conjuntura

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presentativo ou proporcional que permita calcular as diferenças. As variáveis a calcular são: D: média da amostra das diferenças µD: valor das diferenças entre médias das populações a ser testado, sendo que: µD: µ1 - µ2 = 0

SD: desvio padrão da amostra das diferenças n:

tamanho da amostra das diferenças

Calculam-se, então, a média D e a variância S²D das diferenças D. Calcula-se, após, o t observado:

Uma vez definido o nível desejado de significância a, em geral de 0,05, realiza-se o teste de hipóteses: Ho:µD = 0 H1:µD ≠ 0 Para a comparação entre os dois grupos de formandos vai se usar o teste de hipóteses para populações com variâncias desiguais e desconhecidas (MORETTIN 2001): Ho:µB1 = µB2 H1:µB1 ≠ µB2 E a estatística a ser usada será:

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4. Comparação entre o grupo de alunos em início de curso e o grupo de formandos O primeiro grupo estudado, de 577 alunos, pertencia a um universo de 1280 matriculados no ano de 2000. O segundo grupo era bem menor, de cerca de 320 alunos, dos quais apenas 280 estavam regularmente matriculados. Desses 280 matriculados, foi possível obter respostas de 256, sendo que, após crítica dos formulários, foram aproveitados 234. Essa diferença se deve ao fato de que o campus de Brasília da UNIP é recente e está em grande expansão de cursos e turmas nos dois últimos anos, e a maioria dos seus cursos e os do CESUBRA estão formando as primeiras turmas em 2003.

Para o ano de 2003, devido ao grande aumento de quantidade de turmas e de novos alunos, o universo de matriculados nas fases iniciais dos cursos em estudo deve ultrapassar a marca dos 3000 alunos. Quanto a formandos, a estimativa é de cerca de 500 neste ano, sendo que, só em Direito, são 125 formandos. A seguir, é feita uma comparação das características dos dois grupos. 4.1 Características gerais de escolaridade Na Tabela abaixo são apresentados o perfil dos dois grupos e sua escolaridade. Os dados mostram que em algumas características não há diferença estatisticamente

significante. Assim, observa-se que a maioria dos entrevistados dos dois grupos são adultos solteiros, oriundos do Distrito Federal, Entorno e de cidades da região Centro-Oeste, e moram no DF há mais de 10 anos. Apenas 1/3 mora no Plano Piloto e arredores. Para a maioria (entre 88 e 90%) é o seu primeiro curso de graduação, sendo que, ao redor da metade fez o segundo grau em escola pública. As maiores diferenças são de que os alunos do primeiro grupo são de famílias menores e mais de um terço vêm de escolas técnicas. Portanto, em termos de características pessoais gerais e escolaridade, os dois grupos são muito semelhantes.

Tabela 1 – Características pessoais gerais e de escolaridade de dois grupos de alunos de Economia, Direito, Administração, Farmácia, Processamento de Dados e Fonoaudiologia do CESUBRA e UNIP, no Distrito Federal, anos 2000 a 2002, em porcentagem. Estudantes em fase inicial de curso (%)

Características IDADE Até 20 anos De 21 a 40 anos Mais de 40 anos SEXO Masculino Feminino ESTADO CIVIL Solteiro Não-solteiro ESTADO DE ORIGEM Distrito Federal e Entorno Centro-Oeste Norte e Nordeste Sul e Sudeste TEMPO DE RESIDÊNCIA NO DF Até 5 anos De 5,1 a 10 anos Mais de 10 anos LOCAL DE RESIDÊNCIA Plano Piloto e Núcleos Residenciais Cidades Circunvizinhas TAMANHO DA FAMÍLIA ADULTOS Até 3 adultos Mais de 3 adultos MENORES Nenhum menor Um menor Mais de um menor ESCOLARIDADE Primeiro curso de graduação Segundo grau em escola pública Segundo grau em escola privada Segundo grau em escola técnica

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Estudantes em fase final de curso (%)

34,4 62,0 3,6

35,3 62,0 2,7

62,0 38,0

55,0 45,0

68,0 32,0

55,0 45,0

56,1 11,0 14,7 18,2

57,9 13,9 13,0 15,2

15,2 7,2 77,6

12,2 9,1 78,2

33,3 66,7

33,0 67,0

55,1 44,9

51,4 49,6

47,2 27,4 25,4

58,5 22,6 18,9

88,0 50,5 49,5 36,0

90,0 45,0 55,0 26,0

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4.2 Situação de emprego e desemprego As diferenças estatisticamente significantes aparecem na situação de emprego. Enquanto que apenas 64,5% dos alunos do 1º grupo trabalhavam, os de final de curso já apresentavam 81% ativos no mercado de trabalho. Assim, a proporção de desempregados entre os alunos de início de curso (19%) é quase o dobro (35%) em relação aos formandos, mas o tempo de desemprego é maior entre os desempregados em fim de curso. A proporção de

dependentes, que era de 32% no primeiro grupo, cai para 4,5% entre os formandos. Portanto, mais de 95% dos formandos se auto-sustentam. Também a exigência de escolaridade é maior para os formandos: 48,1% deles informaram que estão exigindolhes curso superior, enquanto que apenas 29 % dos alunos de início de curso registraram essa demanda. Finalmente, a proporção de sócios e/ou proprietários, que era de 7,6% entre os alunos do primeiro grupo, cresce para 12,2% entre os formandos.

No restante das características, os dois grupos são semelhantes, tanto em tempo de atividade como em função (acima de 65% trabalham como subalternos). Quase metade deles estavam ativos há mais de 4 anos, com carteira assinada, e com uma remuneração mensal entre 2 e 6 salários mínimos, sendo que quase dois terços trabalhando em atividade privada. Menos de um terço trabalha em atividade pública. Na Tabela 2, a seguir, estão registrados esses dados.

Tabela 2 – Situação de emprego e desemprego de dois grupos de alunos de Economia, Direito, Administração, Farmácia, Processamento de Dados e Fonoaudiologia do CESUBRA e UNIP, no Distrito Federal, anos 2000 a 2002, em %. Estudantes em fase inicial de curso (%)

Características ATIVIDADE PRODUTIVA Trabalham Não trabalham Dependentes TEMPO DE ATIVIDADE Até 2 anos 2,1 a 4 anos Mais de 4 anos ATIVIDADE ATUAL FUNÇÃO PÚBLICA ATIVIDADE PRIVADA Com carteira assinada Sem carteira assinada SÓCIO OU PROPRIETÁRIO FUNÇÃO NA ATIVIDADE Dirigente Chefia intermediária Subalterno ESCOLARIDADE EXIGIDA 2º Grau completo Curso superior (em andamento ou completo) REMUNERAÇÃO ATUAL 1 Salário mínimo De 2 a 6 salários mínimos Mais de 6 salários mínimos DESEMPREGADOS TEMPO DE DESEMPREGO Até 1 ano De 1 a 2 anos Mais de 2 anos REMUNERAÇÃO 1 Salário mínimo De 2 a 6 salários mínimos Mais de 6 salários mínimos

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Estudantes em fase final de curso (%)

64,5 35,5 32,0

81,0 19,0 4,5

38,8 16,7 45,5

32,7 20,6 48,7

29,3 72,7 48,9 14,2 7,6

26,6 73,4 42,0 19,2 12,2

4,0 26,1 69,9

1,6 32,0 66,4

45,0 29,0

47,6 48,1

2,1 49,9 48,0 35,5

4,6 50,0 45,4 19,0

56,7 28,3 15,0

50,0 26,9 23,1

26,7 38,3 35,0

5,3 73,7 21,0

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4.3 Situação econômica O índice construído para medir o nível econômico mostra que 61% dos alunos do início do curso são de um nível econômico “médio alto”, e do final de curso, apenas 58%.

Para os dependentes dos dois grupos, o maior apoio financeiro (acima de 81%) vem dos pais, sendo que o FIES atendeu apenas 2% dos alunos da fase inicial

do curso e 7% dos formandos. Para quase metade dos entrevistados nos dois grupos, o custo do curso pesa acima de 30% no orçamento familiar.

Tabela 3 – Situação econômica de dois grupos de alunos de Economia, Direito, Administração, Farmácia, Processamento de Dados e Fonoaudiologia do CESUBRA e UNIP, no Distrito Federal, anos 2000 a 2002, em porcentagem. Estudantes em fase inicial de curso (%)

Características

Estudantes em fase final de curso (%)

MORADIA Própria ou da família

74,4

70,8

Alugada

15,2

22,0

Veículo próprio ou da família

61,2

66,6

Transporte coletivo e outros

38,8

33,4

”Pobre”

20,8

19,1

”Médio baixo”

17,8

23,0

”Médio alto”

61,4

57,9

De 5 a 10%

16,7

20,2

De 10 a 30%

34,7

32,4

Acima de 30%

48,6

47,4

87,8

82,4

4,2

17,6

72,1

77,0

Irmãos e Parentes

5,5

11,5

FIES

2,0

7,7

20,4

3,8

TRANSPORTE PARA A ESCOLA

NÍVEL ECONÔMICO

PESO DO CURSO SOBRE A RENDA FAMILIAR

APOIO FINANCEIRO AOS DEPENDENTES Dos Pais Dos Irmãos e Parentes QUEM PAGA A MENSALIDADE Pais

Bolsas ou Auxílios

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4.4 Grau de conscientização A visão crítica e o grau de conscientização dos estudantes entrevistados estão registrados na Tabela 4. O grau de conscientização em relação ao nível do curso é relativamente baixo nos dois grupos. Parece que a qualidade do curso não preocupa tanto os estudantes como o valor da mensalidade, pois a maioria (mais de

65%) acha seu curso mais caro do que o de outras instituições. Embora os alunos dos dois grupos sejam otimistas quanto ao seu futuro desempenho no “Provão”, já em relação a possível melhoria do nível do seu curso existe diferença de opinião entre eles. Enquanto que 66,1% dos alunos iniciantes acreditam que o seu curso vai melhorar antes que se graduem, os forman-

dos são mais céticos, pois apenas 45,7 % acreditam nessa melhoria antes de sua graduação. Os formandos são mais otimistas em relação ao desempenho do governo do que os alunos do primeiro grupo. Não se sabe se é porque houve mudança de governo ou porque os formandos são mais envolvidos na visão político-administrativa da administração pública.

Tabela 4 – Grau de conscientização de dois grupos de alunos de Economia, Direito, Administração, Farmácia, Processamento de Dados e Fonoaudiologia do CESUBRA e UNIP, no Distrito Federal, anos 2000 a 2002, em porcentagem. Estudantes em fase inicial de curso (%)

Características

Estudantes em fase final de curso (%)

AVALIAÇÃO DO CURSO EM RELAÇÃO ÀS CONGÊNERES Nível melhor ou igual

39,7

37,8

Nível pior

20,6

25,8

Não sabe comparar

39,7

36,4

AVALIAÇÃO DO VALOR DA MENSALIDADE EM RELAÇÃO AO DAS CONGÊNERES Valor igual ou mais baixo

22,9

26,0

Valor maior

71,5

65,8

5,6

8,2

Conceito A ou B

28,9

30,4

Conceito C

23,5

22,8

Conceitos D e E

26,5

19,6

Não sabe

24,1

27,2

Antes do término do curso

66,1

45,7

Em alguns anos

27,3

49,5

6,6

4,8

0,0

0,5

Bom/Muito bom

11,0

22,5

Razoável

30,5

35,1

Ruim

25,3

22,0

Muito ruim e péssimo

30,2

19,4

3,0

0,5

Não sabe PERSPECTIVA DO CONCEITO DO CURSO NO “PROVÃO”

PRESPECTIVA DE MELHORIA DO SEU CURSO

Nunca AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DO GOVERNO Ótimo

Não sabe

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4.5 Nível de aspiração profissional Na Tabela 5 pode-se observar a aspiração dos alunos dos dois grupos.

Não há grande diferença nas aspirações dos alunos dos dois grupos. Cerca de 70% deles aspiram trabalhar na ini-

ciativa privada. E quase metade não quer ter “patrão”. Menos de 1/3 deseja trabalhar no Serviço Público.

Tabela 5 – Nível de aspiração profissional de dois grupos de alunos de Economia, Direito, Administração, Farmácia, Processamento de Dados e Fonoaudiologia do CESUBRA e UNIP, no Distrito Federal, anos 2000 a 2002, em porcentagem. Estudantes em fase inicial de curso (%)

Características

Estudantes em fase final de curso (%)

ATUAÇÃO PROFISSIONAL APÓS A FORMATURA Autônomo ou empresário

29,1

31,8

Profissional liberal

14,2

21,5

Empregado em empresa privada

28,4

14,0

Funcionário público

28,3

32,7

2,0

1,0

De 5,1 a 10 salários mínimos

21,3

23,9

De 10,1 a 20 salários mínimos

30,0

29,3

Mais de 20 salários mínimos

46,7

45,8

ASPIRAÇÃO DE RENDA APÓS A FORMATURA Até 5 salários mínimos

5. Resumo dos resultados e conclusões Além de o universo de estudantes em fase final de curso ser menor do que o do grupo inicial, observou-se que a quantidade de solteiros caiu em 20% e que menos de 30% eram oriundos de curso técnico de segundo grau. Os dois grupos estudados são independentes, mas apresentam muitas similaridades, principalmente quanto às suas características pessoais gerais e de escolaridade. Em relação à situação de

atividade no mercado de trabalho e dependência financeira, há algumas diferenças estatisticamente significantes, conforme se observa nos diagramas do Gráfico 1. A proporção dos ativos no mercado de trabalho cresceu acima de 25%, chegando a 81%, e 4,5% dos alunos deste segundo grupo eram totalmente dependentes econômicos. Para todos os respondentes o custo do curso é considerado muito alto, ultrapassando 30 % da renda familiar. Por isto, cerca de 88,5% ainda pagam as mensalidades do

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curso com recurso dos pais ou parentes, e apenas 11,5% têm como fonte de pagamento FIES, bolsas e auxílios. Assim como os estudantes do primeiro grupo, mais da metade dos possíveis formandos pertence à classe de nível “médio”. A maioria dos pesquisados considera seu curso bom e está satisfeita com a sua instituição de ensino. A principal aspiração dos alunos dos dois grupos é a de trabalharem como autônomos ou empresários, mas prestando serviços ao governo.


Gráfico1 – Situação de emprego e dependência financeira 1 - Grupo de estudantes em início do curso 2 - Grupo de formandos Ativos no mercado de trabalho

Dependência financeira

Com carteira assinada 50

81

32

Na função pública 30

48,9

29,5 48

29,3

29

64,5

28,5

46

28 27,5

44

42 42

4,5

27

26,6

26,5 26

40

25,5 25

38 1

2

1

1

2

2

1

2

6 – Bibliografia consultada AMADEO, E. J., ESTEVÃO, M. A teoria econômica do desemprego. São Paulo: Hucitec, 1994. BARROS, R, P., et allii. A estrutura do desemprego no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, mai, 1997 (Série Textos para discussão nº 478). BRESSER PEREIRA, L. C. Economia Brasileira. São Paulo: Ed. 34, 1993. CONJUNTURA ECONÔMICA (Vários números). Brasília, DF. CORSEUIL, C. H. L. Desemprego: aspectos teóricos e o caso brasileiro. Rio de Janeiro: IPEA, abr. 1994 (Série Seminários, 4/94). GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. “Pesquisa de Emprego e Desemprego no Distrito Federal” (Vários números). Brasília, DF. LAVILLE, C., DIONNE, Jean. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. P. Alegre: Edit. Artes Médicas Sul Ltda. B. Horizonte: Edit. UFMG, 1999. MATTOSO, Jorge. O Brasil desempregado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999. NORT, Egon. Brasil rumo ao primeiro mundo. Florianópolis: Ed. do autor, 1997. RAMOS,Lauro. Emprego no Brasil nos anos 90, IPEA. Brasília, DF (n.º 468). RICHTER H. V.Emprego e Desemprego ao Nível de Estudantes Universitários - Um Estudo de Caso.São Paulo, UNIP, 2001 (Série Docente). SOARES, Sergei,SERVO, Luciana M. S., e ARBACHE,Jorge S. O que (não) sabemos sobre a relação entre abertura comercial e mercado de trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, nov., 2001 (Série Textos para discussão nº 843).

* Humberto Vendelino Richter PhD em Economia e coordenador do curso de Economia do Centro de Ensino Superior de Brasília (Cesubra).

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A R T I G O

O valor de existência dos parques nacionais: o caso do Parque Nacional do Jaú (Amazonas)1 Ricardo Félix Santana* José Aroudo Mota*

1

Sinopse

Abstract

Nas últimas décadas, a discussão sobre a utilização do Valor de Existência (VE) na composição do Valor Econômico Total (VET) tem acentuado a necessidade da sua aplicação na formulação de políticas públicas ambientais. O seu uso compreende a avaliação de programas e projetos que incluem a busca do desenvolvimento sustentável. Políticas ambientais resultam em benefícios para alguns e em custos para outros. Freqüentemente, os custos de um programa na área ambiental são custos para a sociedade envolvida no programa. No caso das Unidades de Conservação (UC) de uso indireto dos recursos, tem sido difícil a quantificação dos benefícios sociais que essas áreas geram, em razão dos diversos valores nelas existentes. Nesses casos, faz-se a avaliação de valores indiretos das funções dos ecossistemas. No presente estudo, foi empregado o Método de Valoração Contingente (MVC), por intermédio da aplicação de um questionário (survey) por meio eletrônico (e-mail). Como contexto, foi utilizado o Parque Nacional do Jaú (PNJ), e a população amostrada foi constituída da totalidade dos bolsistas em Produtividade em Pesquisa (PQ), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), os quais declararam uma Disposição a Pagar média no valor de R$ 2,12. Também foram avaliadas questões sobre percepção ambiental, conhecimento sobre os Parques Nacionais e dados sócio-econômicos.

In the last decades the quarrel on the use of the Existence Value (EV) in the composition of Total Economic Value (TEV) is accenting the necessity of its application in the formularization of environment public politics. Its use goes since the evaluation of programs and projects until the search of the sustainable development. Environment politics result in benefits for some and costs for others. Frequently, the costs of one program in the environment area are costs for the involved society in the program. In the case of the Conservation Units of indirect use of the resources, it has been difficult the quantification of the social benefits that these areas generate in reason of the diverse existing values. In these cases one becomes through the evaluation of indirect values of the functions of ecosystems. In the present study Method of Contingent Valuation was used (MCV), through the one application survey for half electronic (e-mail). As context was used the National Park of Jaú (NPJ), and the showed population was constituted of the totality of the scholarship holders in Productivity in Research (PR) of the National Council for Scientific and Technological Development (CNPq). The PR scholarship holders had arrived at an average Willing to Pay-WTP the value of R$ 2,12. Also partner-economic questions on ambient perception, knowledge on the National Parks and socio-economic data had been made.

A pesquisa foi inicialmente publicada como Texto para Discussão nº 1008, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Portanto, esta versão foi resumida a partir do texto original. Agradecemos ao corpo editorial do IPEA pela permissão em publicar este trabalho.

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Introdução O paradigma da proteção dos recursos naturais passou de uma busca da conservação de amostras representativas de ecossistemas – em face do avanço da destruição do ambiente natural pelas exigências do desenvolvimento – para o enfoque principal sobre a conservação/preservação da biodiversidade. Cuidado intensivo e biotecnologia podem preservar alguma diversidade que de outro modo seria perdida. Mas a maior dimensão de tal preservação é demasiadamente pequena se comparada à que pode ou poderia ter sido sustentada em reservas naturais adequadamente projetadas e protegidas (Conway, 1997). Pode-se exemplificar o caso das florestas tropicais que vêm sendo eliminadas com altas taxas de desmatamento, como é observado na Amazônia brasileira. A sociedade deve atribuir valores sociais a essas florestas e, dessa forma, valores econômicos devem ser conferidos aos produtos madeireiros e não-madeireiros, à vida silvestre e a outros benefícios associados à existência da floresta, de forma que a análise de custo-benefício relevante possua uma base mais completa e mais precisa (Sheng, 1997). Os pesquisadores dos recursos naturais estão a cada dia mais convencidos da importância da determinação do valor de existência como uma ferramenta para a tomada de decisão sobre a alocação de recursos. Essas e outras questões da política ambiental transformam, em grande parte, a valoração de áreas naturais ou a conservação de espécies por pessoas que não têm nenhum contato direto com determinado recurso, em um fator importante nas tomadas de decisão (Larson, 1993).

A estimativa do valor de existência é uma ferramenta importante para fundamentar decisões, notadamente de políticas públicas. Existe um argumento econômico para se proteger o meio ambiente, em adição a qualquer questão ética, pois os resultados de políticas públicas ambientais resultam em benefícios para alguns grupos, e em custos, para outros (Hanemann, 1997; Nogueira e Medeiros, 1997; Pearce, 1993; e Bishop e Welsh, 1992). Para Ehrenfeld (1997), “o valor é uma parte intrínseca da diversidade; não depende das propriedades das espécies em questão, dos usos que se farão ou não de espécies em particular ou do seu alegado papel no equilíbrio dos ecossistemas globais. Para a diversidade biológica o valor existe”. No caso das Unidades de Conservação de uso indireto dos recursos, tem sido difícil a quantificação dos benefícios sociais que essas áreas geram, em razão dos diversos valores nelas existentes. Ainda assim, grandes esforços têm sido empreendidos no sentido de se medir, em termos econômicos, esses benefícios, o que tem sido feito por meio da avaliação de valores indiretos das funções dos ecossistemas, como a proteção de bacias hidrográficas, a regulação do clima e a fotossíntese e proteção de solos. Também são verificados valores intangíveis, tais como manter opções para o futuro ou conhecer e respeitar a

existência de outras espécies (Bernardes, 1999). Contextualização da pesquisa O Parque Nacional do Jaú (PNJ) é o segundo maior parque do Brasil e o terceiro da América Latina, com área de 2.272 mil hectares, correspondendo a cerca de 1,42% do Estado do Amazonas. O PNJ localiza-se a aproximadamente 200 km a noroeste de Manaus. Sua única via de acesso é pelo Rio Negro. Uma das peculiaridades mais extraordinárias do PNJ é o fato de ser a única Unidade de Conservação do Brasil que protege quase a totalidade da bacia de um rio extenso, aproximadamente 450 km do rio Jaú, preservando ecossistemas de águas pretas. O parque está situado no centro de um Corredor Ecológico, apoiado pelo Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7), o da Amazônia Central, que coincide com a Reserva da Biosfera da Amazônia Central. Esse Parque Nacional foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) como Patrimônio Mundial Brasileiro em 2001, sendo louvado como uma importante contribuição à sua lista internacional. A Unesco reconhece como Patrimônio Mundial obras e áreas de grande interesse para a História da Terra ou para a cultura da humanidade. A inclusão de um sítio na lista de Patrimônio Mundial garante sua proteção e

“A estimativa do valor de existência dos parques é uma ferramenta importante para fundamentar decisões, notadamente de políticas públicas”. Revista de conjuntura

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“Estudos de valoração de Unidades de Conservação vêm sendo incentivados no Brasil, porém o número ainda não alcançou um valor significativo de casos”.

2

prestígio nacional e internacional, com repercussão direta sobre o afluxo de turistas (Brasil, 2002). As distribuições de alguns habitats críticos para fauna e flora aquáticas também variam sistematicamente, de acordo com a área da bacia. As árvores caídas no canal do rio servem como barreiras físicas e são utilizadas como habitat por diversos organismos. Elas são um substrato importante para o crescimento de algas e de vários invertebrados, além de servirem de esconderijo para peixes e outros seres. A variação na freqüência e no tamanho de árvores submersas produz um mosaico complexo de nichos e habitats, que abriga uma comunidade diversa de flora e de fauna. A vegetação apresenta predomínio dos tipos florestais densos e abertos, com encraves (terreno encravado noutro) de formações abertas e savanóides, constituindo aquilo que se convencionou chamar de Áreas de Tensão Ecológica.

existência de UC ainda não faz parte da quantificação dos benefícios gerados pela manutenção dos serviços ambientais. Estudos de valoração de Unidades de Conservação vêm sendo incentivados no Brasil, porém o número ainda não alcançou um valor significativo de casos. Como são poucos os estudos de casos para quantificar tal valor de existência, visando à formulação e à implementação de políticas públicas ambientais, o objetivo geral desta pesquisa é avaliar a percepção dos bolsistas de PQ do CNPq no tocante aos aspectos ecológicos e de valor de existência do Parque Nacional do Jaú. De acordo com a proposição geral, dispõese a analisar os seguintes objetivos específicos: • avaliar, a partir das preferências dos bolsistas de PQ do CNPq, as suas percepções quanto à preservação do PNJ; e • estimar o valor de existência para o PNJ atribuído pelos bolsistas de PQ do CNPq.

Objetivos da pesquisa

Materiais e método

Neste estudo, pretende-se avaliar em que medida o valor de existência pode ser utilizado na formulação e na implementação de políticas públicas para a gestão de Unidades de Conservação. A internalização do valor de

A população sob amostra é constituída de pesquisadores que possuem bolsa de Produtividade em Pesquisa (PQ) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Em 2003 foram implementadas

Do latim elicere, fazer sair, expulsar, declarar a sua preferência.

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aproximadamente 7.775 bolsas de PQ em todas as áreas do conhecimento da tabela do CNPq (Brasil, 2003). A distribuição das bolsas pelos Estados brasileiros é muito desigual, refletindo a concentração da pesquisa no eixo Sudeste–Sul, com difusão do conhecimento para as regiões mais carentes – Norte, Nordeste e Centro-Oeste. No presente estudo foi adotada a técnica de amostragem aleatória simples, a qual foi estimada com 3,55% de erro e 95% de confiabilidade. Para eliciar-se2 o valor de existência médio para o PNJ, utilizou-se o Método de Valoração Contingente (MVC), com o auxílio de uma caixa de e-mails. Com o objetivo de facilitar o procedimento de envio e recebimento dos questionários foi desenvolvido um sistema que executou essas tarefas. As etapas para a coleta de dados estão inseridas em três ambientes com atores distintos: Serviço de Informática do CNPq, Respondentes (Bolsistas de PQ) e Pesquisador. O valor de existência refere-se ao quanto as pessoas valorizam os ativos naturais, independentemente de seus usos, o que está relacionado com os sentimentos de altruísmo, responsabilidade e atitude das pessoas em relação à manutenção da biodiversidade (Mota, 2003; Norton, 1997; Pearce e Turner, 1990; Randall, 1997; Marques e Comune, 1996). Além disso, quando eles analisam os verdadeiros mercados, os economistas não estão interessados nos preços em si, mas nos padrões de seleção e nos tipos de preferências que eles implicam (Hanemann, 1997). Trabalhos de valoração contingente vêm sendo feitos nos últimos 35 anos, havendo mais de dois mil artigos e estudos re-


lacionados com o tópico. Aplicações ilustrativas desse método para estimar benefícios incluem as seguintes preocupações: melhoria da qualidade do ar e da água; redução do risco de ingestão de água e contaminação de lençóis freáticos; recreação externa; proteção de mangues, áreas desertas, espécies ameaçadas e sítios de herança cultural; melhorias na educação pública e reabilitação de utilidade pública; redução do risco de alimentos e de transporte e assistência à saúde; provisão de serviços ambientais básicos, tais como água potável e disposição do lixo em países desenvolvidos. Considerações sobre o valor de uso-passivo em uma análise econômica foram feitas pelas observações embrionárias de Krutilla, em que muitas pessoas admiram o valor da natureza apenas por ela existir. Krutilla argumenta que essas pessoas obtêm utilidade por meio do prazer vicariante dessas áreas e, como resultado, têm uma disposição a pagar positiva, desde que o governo exerça boa administração sobre a área. Esse valor vem sendo chamado de valor de legado, valor de existência para observação, valor intrínseco, valor inerente, valor de uso-passivo, valor de administração ou valor de não-uso (Freeman III, 1993; Carson, 2000). Economia e valor de existência A imensa diversidade biológica brasileira manifesta-se já na extraordinária riqueza de ecossistemas. No interior de cada bioma brasileiro, entretanto, são identificadas inumeráveis subunidades biogeográficas ou fisiográficas. A diversidade brasileira é a maior do Planeta em

plantas superiores, peixes de água doce e mamíferos; a segunda em anfíbios; a terceira em aves; e a quinta em répteis. Ao lado de toda essa riqueza, os problemas são igualmente de grande magnitude. Entretanto, entre os países chamados de megadiversos, o Brasil pertence a uma minoria que se distingue pelo nível de desenvolvimento da pesquisa científica, com um sistema acadêmico e de instituições de pesquisa extenso e consolidado, embora com lacunas. Todo esse conjunto de ecossistemas desempenha os serviços ecossistêmicos, em que se incluem a ciclagem de nutrientes e materiais, a produção e a depuração da água e do ar, a existência de sítios de reprodução de estoques pesqueiros e muitos outros, reconhecidos hoje pela relevância na preservação e na conservação da natureza. Dentro desse escopo vem ocorrendo um esforço para quantificar o valor dos serviços. A necessidade de conceituar o valor econômico do meio ambiente, bem como de desenvolver técnicas para estimar esse valor, surge, basicamente, do fato incontestável de que a maioria dos bens e serviços ambientais e das funções providas ao homem pelo ambiente não é transacionada pelo mercado. Pode-se, até mesmo, ponderar que a necessidade de estimar valores para os ativos ambientais

atende às necessidades da adoção de medidas que visem à utilização sustentável do recurso. Os recursos naturais não são mercadorias. Sendo assim, não têm preços fixados pelos mercados, pois constituem ativos essenciais à preservação da vida de todos os seres. Dessa forma, fazse necessário compreender o valor que tem o meio ambiente para a sobrevivência das espécies na Terra – os recursos naturais não têm valor nos mercados convencionais. Como a maioria dos bens e serviços ambientais não é transacionada no mercado convencional, é necessário estimar o valor econômico do meio ambiente e desenvolver técnicas para realizar tal estimativa. A determinação desses valores visa a utilização sustentável dos recursos naturais. O meio ambiente, ao desempenhar funções imprescindíveis à vida humana, apresenta, em decorrência, valor econômico positivo, mesmo que não refletido diretamente pelo funcionamento do mercado. Portanto, não se pode atribuir valor zero, correndo risco de uso excessivo ou até mesmo de sua completa degradação. Um princípio básico a ser observado é que o ambiente e o sistema econômico interagem, quer por meio dos impactos que o sistema econômico provoca no ambiente, quer pelo impacto que os recursos naturais causam na economia.

“A diversidade brasileira é a maior do Planeta em plantas superiores, peixes de água doce e mamíferos; a segunda em anfíbios; a terceira em aves; e a quinta em répteis”. Revista de conjuntura

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Tem-se usado o termo valor de existência de um recurso para definir valor para um recurso natural que é motivado pela fonte interna à função de utilidade do indivíduo, além do uso pessoal. Por que consumidores valoram algo que eles não consomem pessoalmente? Por altruísmo para com parentes e amigos, ou outros que possam ser usuários, para com as futuras gerações de usuários, ou para com animais, o que pode motivar valores de existência. Alguns podem argüir que valores de existência para o obscuro e desconhecido são passíveis de ser contemplados em uma prioridade. Argumenta-se que existem razões que forçam a não-exclusão do valor de existência em alguns casos. No nível da teoria abstrata, pode-se distinguir entre preferências e informações. Quando consumidores expressam suas preferências submetidas a um orçamento, forçando as firmas a maximizar os seus lucros sobre uma dada tecnologia de produção, o conhecimento perfeito é então assumido. Uma maneira de racionalizar a escassa informação acumulada sobre recurso é ignorar o que não seja relevante para a escolha corrente. Quanto aos valores morais que as pessoas em geral atribuem às espécies, estes são bem altos. Respostas a questionários indicam que os entrevistados colocam um valor surpreendentemente alto apenas sobre o conhecimento de que algo exista, independentemente de qualquer uso que possa ocorrer com tal espécie. Economistas, usando um método chamado avaliação contingente, criaram mercados fictícios, nos quais eles podem perguntar às pessoas quanto elas estariam dispostas a pagar para proteger uma espécie,

independentemente das possibilidades de uso dessa espécie. Se valores existenciais podem ser concebidos como um rudimentar indicador de valores morais para os objetivos atuais, podemos dizer que as espécies têm um valor moral consideravelmente alto, mensurável em dólares. Resultados da pesquisa O estudo-piloto foi realizado em setembro de 2002, para 10% da totalidade dos bolsistas de Produtividade em Pesquisa (PQ), obtendo-se uma taxa de retorno de 12,34%. A etapa de aplicação do questionário final ocorreu no mês de janeiro de 2003, quando se obteve uma amostra de 9,38%, o que possibilitou grau de confiabilidade de 95% e 3,55% de margem de erro. De acordo com a amostra, 33,3% dos entrevistados estavam dispostos a pagar pela existência do PNJ, enquanto 66,7% não apresentaram tal disposição. Desses respondentes, a maior parte era bolsista PQ-2C, o que equivale a 24% dos respondentes, e o menor número de respondentes era PQ-1A (com 9,3%). A disposição a pagar atribuída pelos bolsistas de Produtividade em Pesquisa do CNPq, captada pelo método de valoração contingente, foi de R$ 2,12 per capita por bolsista/mês, o que representa, por ano, R$ 197.796, e R$ 1 milhão para todo o sistema de incentivo à pesquisa patrocinado pelo CNPq. Esses montantes representam valores de benefícios ou excedentes que os pesquisadores do CNPq se propõem a pagar periodicamente pela existência do PNJ. A escolha da disposição a pagar ou não, bem como os valores eliciados, que demonstram o com-

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portamento dos respondentes com uma margem de erro de 10%, são explicados por três variáveis: duas sócio-econômicas, compostas pela renda familiar e pela idade; e uma referente às atitudes dos respondentes em relação ao PNJ, e se compõe do nível de importância da existência do PNJ. Em outras palavras, somente essas variáveis são relevantes na explicação da variação da disposição média a pagar. Dos modelos analisados, o log duplo, ou seja, logaritmo natural nas variáveis dependentes e independentes, revelou-se mais adequado, por apresentar os testes clássicos estatísticos mais robustos. Assim, escolheu-se o modelo log-log para explicar as variações ocorridas na disposição a pagar dos bolsistas pesquisadores, o qual tem a seguinte configuração: LNDap = –2,626 + 0,195 LN (Renda) + 0,404 LN (Idade) + 0,374 LN (Existenc) ‘t’

-2,220 1,951 1,640 2,212

‘sig’ 0,027 0,051 0,102 0,027 ‘F’

4,491

‘sig’ 0,004 Onde: LNDap = Logaritmo natural da disposição a pagar; LN (Renda) = Logaritmo natural da renda familiar mensal do respondente; LN (Idade) = Logaritmo natural da idade do respondente; e LN (Existenc) = Logaritmo natural do nível de importância dado à existência do PNJ.

Como os dados foram estratificados por área do conhecimento, a predominância foi a de Ciências Biológicas, com 21,1% dos respondentes; as áreas do conhecimento menos representativas foram as de Lingüística, Letras e Artes, totalizando 1,9%. Além disso, os pesquisadores em Ciências Sociais Aplicadas


apresentaram a maior média de disposição a pagar, alcançando R$ 2,68, enquanto os pesquisadores das Engenharias apresen-

taram a menor média, R$ 1,28. Em relação à categoria/nível, encontram-se os pesquisadores 1A com a maior média de dispo-

sição a pagar, atingindo R$ 2,23, contra uma DAP média mínima de R$ 1,68 para os pesquisadores 2A (Figura 1).

8,6

11,5 2,68

1,72

Ciências Humanas

Ciências Sociais Aplicadas

Ciências Agrárias

1,84

30 27 24 21 18 15 12 9 6 3 0

Lingüística, Letras e Artes

2,53

– – – – – – – – – 1,9 – –

% de respondentes

19,6

Ciências da Saúde

Engenharias

Ciências Biológicas

13 – 12 – 11 – 21,1 10 – 9– 8– 18,8 7– 6– 13,2 2,21 5– 4– 2,47 3– 2,21 1,93 1,28 2– 1– Ciências Exatas e da Terra

DAP média (R$)

Figura 1: Disposição a pagar média por área do conhecimento e percentual de respondentes

Área do conhecimento

Fonte: Elaboração dos autores.

Como forma de captar a percepção dos respondentes sobre questões ambientais, foram aplicadas algumas questões que aborda-

vam os Parques Nacionais e, mais especificamente, o Parque Nacional do Jaú. A nota média dada ao nível de importância da existência

do PNJ foi 8,75. Essa é uma das variáveis que explicam a disposição a pagar média no modelo loglog (Figura 2).

Figura 2: Grau médio de importância pela existência do PNJ, conforme a área do conhecimento do pesquisado 1,51

Desvio-Padrão

2,06 9,12 8,73 9,6 9,56 8,95 8,23 9,07 8,88 8,98 8,78 9,00 9,23 8,67 8,53 9,46 9,38 9,26 7,90 Disposto a pagar

Não disposto a pagar

Fonte: Elaboração dos autores.

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Média Ponderada Lingüística, Letras e Artes Ciências Humanas Ciências Sociais Aplicadas Ciências Agrárias Ciências da Saúde Engenharias Ciências Biológicas Ciências Exatas e da Terra


Dos respondentes, 66,8% afirmaram que já haviam visitado um parque nacional, e a disposição a pagar média destes foi de R$ 2,46, enquanto a dos que não visitaram um parque nacional foi de R$ 1,93. Quanto às funções dos parques nacionais, 67,4% indicaram não saber responder a essa questão, enquanto 27,9% indicaram como função principal a conservação dos recursos naturais. Em relação às horas de lazer passadas em um Parque Nacional, 90,7% dos entrevistados consideram importantes e muito importantes esses momentos. No que se refere ao grau de responsabilidade pelos problemas ambientais, os resultados amostrais sinalizam que o Poder Público e a sociedade são os principais responsáveis pelo agravamento da degradação dos recursos da natureza. Quanto aos níveis de responsabilidade, os mesmos foram atribuídos aos principais problemas relacionados à degradação da natureza, cujo destaque é a expansão da fronteira agrícola, em que 60,5% dos entrevistados afirmaram que a sociedade é o principal agente de degradação ambiental. Concomitantemente, 53,1% dos entrevistados indicam que o Poder Público é o principal responsável pela desigualdade social. Deve ser ressaltada a relevância ecológica do PNJ, podendo-se afirmar que o conjunto de ambientes que compõem a área de estudo fornece uma série de serviços ambientais para as comunidades locais e regionais. Os benefícios ecológicos prestados por rios, lagos, igarapés e áreas florestais garantem as condições adequadas para a sobrevivência de todas as espécies. Sobre a exploração dos recursos naturais, 98% declararam ser necessário um con-

trole mais rígido, enquanto apenas 2% não sabem ou não consideram necessárias alterações nos controles existentes. Desse modo, quanto ao conhecimento das questões ecológicas acordadas pelo Brasil na Eco-92, Conferência realizada no Rio de Janeiro em 1992, 28,3% dos entrevistados não conhecem os termos da Agenda 21, destacandose que 15,6% ignoram as diretrizes da Política Nacional da Biodiversidade. Dos 71,7% que conhecem os termos da Agenda 21, destaca-se que 42,7% defendem ser correta a instituição de princípios e diretrizes para a Política Nacional da Biodiversidade. Conclusões e recomendações Esta pesquisa proporcionou avaliar as preferências de um grupo de pesquisadores do CNPq a partir da aplicação de questionário que objetivava eliciar valores contingentes. Esses valores referem-se às disposições a pagar pela existência do Parque Nacional do Jaú, e são traduzidos em economia ambiental como benefícios ou excedentes gerados em razão da percepção do grupo focal estudado. Os materiais e o método utilizados permitiram: a) desenhar um questionário capaz de minimizar os vieses possíveis do método de valoração contingente, levando-se em conta as recomendações do painel National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA); b) usar o correio eletrônico, o qual constitui um meio de captação de dados com baixo custo, rapidez no envio dos questionários, eficiência no retorno dos dados e sigilo das respostas dos entrevistados; c) incluir diversas questões de psicologia comportamental em

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relação à eliciação contingente, a fim de subsidiar as agendas de políticas ambientais; d) avaliar que as atitudes relacionadas a comportamentos ambientais podem ser definidas nas funções de utilidade. As atitudes captadas nos questionários ajudam a explicar por que determinados valores de disposição a pagar foram explicitados. Questões éticas e morais são incorporadas às avaliações quando levam em conta essas atitudes. Além dos resultados aqui alcançados, a eliciação de valores contingentes é útil na orientação da formulação de políticas públicas setoriais, tais como: • diferenciação de escolhas entre grupos: a taxa de respondentes, de acordo com categoria/nível da bolsa de PQ, segue a distribuição do número total de bolsas dentro de cada categoria/ nível. Quanto à área do conhecimento, a maior taxa de resposta de bolsistas foi das Ciências Biológicas, seguida pelos bolsistas de Ciências Agrárias e das Ciências Exatas e da Terra. Identificou-se maior preocupação desses pesquisadores com questões relacionadas à gestão de áreas protegidas – o que não cria um estigma -, pois deve ocorrer por influência da formação técnica e do objeto de pesquisa dos pesquisadores. Entretanto, quando se observam os valores de DAP médio de acordo com a categoria/nível e a área do conhecimento, depara-se com resultados diferentes. Considerando-se a categoria/ nível, os pesquisadores 1A apresentam a maior DAP média, o que deve ser influenciado pela idade dos respondentes; • eliciação distinta por área do conhecimento. Em relação a este aspecto, encontram-se os


pesquisadores de Ciências Agrárias e de Ciências Sociais Aplicadas com os maiores valores de DAP médio. Esse resultado dá maior destaque à importância atribuída pelos pesquisadores de Ciências Agrárias. Nota-se uma taxa elevada de respondentes que não estavam dispostos a pagar pela existência do PNJ, a qual alcançou 66,7%. Tal resultado foi influenciado pela forma de pagamento criada, que previa o desconto da bolsa de PQ. Alia-se a essa questão a percepção de que se pagam muitos impostos e de que ocorre um baixo retorno na forma de serviços públicos; • variáveis comportamentais ajudam na eliciação de valores contingentes: as questões relacionadas com a percepção ambiental dos bolsistas de PQ geraram uma das variáveis que respondem à disposição a pagar pela existência do PNJ, que é o nível de importância da existência do PNJ. O valor médio encontrado, de 8,75, demonstra o grau de compromisso dos entrevistados em relação à existência do Parque. Outras questões relacionadas com a percepção ambiental dos bolsistas de PQ também têm importância em uma avaliação qualitativa das variáveis; • percepção global quanto aos problemas ambientais: uma outra linha de perguntas sobre a percepção ambiental dos respondentes abordou pontos da atualidade e de espectro nacional. Quando se observa que a sociedade em geral e o governo federal foram apontados como os principais responsáveis pelos problemas ambientais brasileiros, isso reflete as ações de ocupação dos espaços e o uso dos re-

cursos por diversas atividades produtivas relacionadas à existência humana, bem como a descrença dos brasileiros quando se fala das instituições públicas de todas as áreas. Essa afirmação é reforçada quando se verifica que 98,47% dos respondentes acham necessário um controle mais rígido na exploração dos recursos naturais; • disseminação da informação ambiental: a abordagem de políticas públicas ambientais foi avaliada a partir de questões como a Agenda 21 e o acesso à biodiversidade. Percebeu-se que a Agenda 21 é conhecida, pelo menos em parte, pela maioria dos respondentes, a qual considera correta, em parte, a política de acesso à biodiversidade. Junte-se a esses dados a indicação do desmatamento e da desigualdade social como os principais problemas ambientais existentes no Brasil atualmente, o que demonstra a percepção que os respondentes têm em relacionar, em grande parte, problemas ambientais com problemas sociais, bem como a tendência a afirmar que a solução de um está ligada à solução do outro, em um processo indissociável; • nível da informação esperada: quanto ao perfil dos respondentes, os resultados obtidos refletem a população que foi escolhida para a amostragem, que se constitui de bolsistas de PQ do CNPq, que possuem o nível de doutorado e, em sua maioria, são professores universitários de instituições públicas. Tratase, portanto, de componentes de uma pequena minoria da população nacional que tem o acesso a informações totalmente diferenciado da grande maioria dos brasileiros. Apesar disRevista de conjuntura

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so, as suas percepções devem ser levadas em consideração em decorrência da capacidade de criar discussão e fatos que levam à inserção de temas em agendas políticas, nas diversas áreas do conhecimento; • eficiência no sistema de coleta de dados: a utilização do correio eletrônico como instrumento para a aplicação de questionários para as pesquisas de valoração contingente deve ser recomendada para futuras pesquisas de valores econômicos de ativos naturais como forma de se criar parâmetros para a formulação de políticas públicas. Os baixos custos de aplicação e a existência de sistemas de Informática nos principais órgãos do governo federal, tais como o CNPq, o Ipea, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), justificam essa recomendação; • eliciação de valores complementares: os resultados são úteis para futuras pesquisas. Por isso, recomenda-se o levantamento dos demais valores econômicos para o Parque Nacional do Jaú. O valor de uso deverá ser eliciado tanto pelo uso recreativo como pelo uso dos recursos pelas comunidades tradicionais que residem dentro dos limites do Parque. Assim, o método de valoração contingente deverá ser aplicado nas comunidades locais, como forma de complementar a composição do valor de existência e de uso. Mesmo com os resultados alcançados pela pesquisa, recomendam-se diversas observações quanto ao uso do método de valoração contingente, destacandose: i) a avaliação de vieses do

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método; ii) a análise do grupo focal a ser estudado; iii) a limitação do suposto valor estimado, o

qual restringe somente as preferências assumidas pelo grupo avaliado; e iv) o desenho de um

questionário apropriado para a eliciação das proposições da pesquisa planejada.

* Ricardo Félix Santana Analista de Ciência e Tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. * José Aroudo Mota Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília (UnB). Referências bibliográficas BERNARDES, Ângela Tresinari. Valores socioculturais de unidades de conservação: herança natural e cultural do homem. Brasília, 1999. (mimeo). BISHOP, Richard C.; WELSH, Michael P. Existence values in benefit-cost analysis and damage assessment. Land Economics, n. 68, v. 4, p. 405-417, 1992. CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO – CNPq. Dados estatísticos. Disponível em <www.cnpq.br >. Acesso em 21.02.2003. Brasília, 2003. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Biodiversidade e florestas do Brasil. Brasília: MMA/SBF, 2002. CARSON, Richard T. Contingent valuation: a user’s guide. Environmental, Science and Technology. V. 34, p. 1.413-1.418, 2000. CONWAY, William. A tecnologia pode ajudar na preservação das espécies? In: WILSON, E. O. Biodiversidade. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997. FREEMAN III, A. Myrick. Nonuse values in natural resource damage assesment. In: KOOP, Raymond J.; SMITH, V. Kerry (Eds.). Valuing natural assets: the economics of natural resource damage. Washington: Resources for the Future, 1993. HANEMANN, W. Michael. Economia e preservação da biodiversidade. In: WILSON, E. O. Biodiversidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. LARSON, Douglas M. On measuring existence value. Land Economics. n. 69, v. 4, p. 377-388, Nov. 1993. MARQUES, João Fernando, e COMUNE, Antônio Evaldo. A teoria neoclássica e a valoração ambiental. In: ROMEIRO, Ademar Ribeiro, REYDON, Bastiaan Philip, e LEONARDI, Maria Lucia Azevedo. Economia do meio ambiente: teoria, políticas e a gestão de espaços regionais. São Paulo, Unicamp, 1996. MOTA, José Aroudo. Valorização de recursos naturais: expandindo as fronteiras econômicas, restringindo as fronteiras ambientais. In: NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do, e DRUMMOND, José Augusto. Amazônia: dinamismo econômico e conservação ambiental. Rio de Janeiro, Garamond, 2003. NOGUEIRA, Jorge Madeira, e MEDEIROS, Marcelino Antonio Asano de. Quanto vale aquilo que não tem valor? Valor de existência, economia e meio ambiente. In: Anais do XXV Encontro Nacional de Economia. Recife: Anpec, v. 2, p. 861-879, 1997. NORTON, Bryan. Mercadorias, comodidade e moralidade. Os limites da quantificação na avaliação da biodiversidade. In: WILSON, E. O. Biodiversidade. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997. PEARCE, David. Economic values and the natural world. Londres, Earthscan Publication Ltda., 1993. PEARCE, David, e TURNER, R. Kerry. Economics of natural resources and the environment. Baltimore, The John Hopkins University Press, 1990. RANDALL, Alan. O que os economistas tradicionais têm a dizer sobre o valor da biodiversidade. In: WILSON, E. O. Biodiversidade. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997. SHENG, Fulai. Valores em mudança e construção de uma sociedade sustentável. In: CAVALCANTE, Clovis (Org.). Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. Recife, Fundação Joaquim Nabuco, 1997. Revista de conjuntura

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MANIFESTO

A Federação Nacional dos Economistas (FENECON) divulga sua posição diante da proposta de reforma sindical que tramita no Congresso Nacional. Abaixo, a íntegra do documento.

Por uma Reforma Sindical Democrática A sociedade brasileira acaba de conhecer as bases da futura reforma sindical que o Governo Federal pretende implantar, a prevalecer o contido no relatório da Comissão de Sistematização do Fórum Nacional do Trabalho, que, na essência, atende aos interesses das centrais sindicais e das confederações patronais, num estranhismo conluio, impensável até poucos dias atrás. Ao invés de se ter um novo modelo sindical, que fortalecesse a atual estrutura e também validasse a importância das centrais sindicais e das organizações por local de trabalho, como foi apontado durante os Fóruns Estaduais do Trabalho, a reforma pretendida não atende a esses objetivos, exceto no tocante à legalização das centrais sindicais. A partir da análise que se faz dessa proposta, durante o III Encontro Nacional de Entidades Sindicais de Economistas (III SENESE), a diretoria desta Federação, interpretando também o sentimento geral dos representantes dos Sindicatos fliliados ali presentes, considera algumas proposições extremamente danosas ao sindicalismo brasileiro, pois: 1. Não reafirma os princípios do direito do trabalho, entre os quais os de proteção e da boa-fé, preparando o caminho para maior flexibilização sem garantias mínimas de segurança ao trabalhador; 2. Admite a prevalência do negociado sobre o legislado, o que confronta com o princípio tutelar do direito do trabalho, de proteção ao trabalhador, como parte mais vulnerável das relações produtivas; 3. O atrelamento quase que obrigatório dos sindicatos às centrais sindicais (e quem não o fizer poderá ter

4.

5.

6.

7.

8.

vida curta ou encurtada), fere o princípio da autonomia sindical; A séria ameaça de desaparecimento das entidades sindicais de profissionais liberais através da eliminção da Contribuição Sindical e a não criação de outra fonte de sustentação financeira, que contemple a realidade dessas categorias, já que a Contribuição de Negociação Coletiva não é aplicável extensivamente a elas; O conceito de representatividade derivada, contido na proposta, não conduzirá ao fortalecimento do sindicalismo brasileiro, posto que o modelo apresentado se preocupa tão somente em definir percentuais de sindicalização, anunciados como únicos indicadores de legitimidade, sem qualquer preocupação quanto à forma de obtê-los, muitos menos com a participação das baes nos destinos dos sindicatos; A prevalecer esse conceito, será inevitável que as centrais sindicais se transformem em verdadeiros cartótios sindicais, de cujo carimbo dependerá a sobrevivência de milhares de entidades sindicais, a um custo financeiro nada pequeno; A proposta de reforma pretende atrela o movimento sindical ao aparelho do Estado, pela criação do Conselho Nacional de Relações do Trabalho, concebido como a grande árbitro estatal da vida sindical brasileira, num esforço de ressurreição da antiga Comissão de Enquadramento Sindical, de triste memória da época dos regimes autoritários; Mas a tutela do Estado todo poderoso não iria parar aí, pois a proposta, na prática, estipula, inclusive, a obediência a um verdadeiro estatuto-padrão, sob pena de não se obter

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reconhecimento legal, o que impedirá a uma entidade sindical de exercer, na plenitude, os atos que lhe são inerentes; 9. Não há nenhuma preocupação em reprimir as condutas anti-sindicais, já que a proposta se restringe a uma vaga referência à prevenção de tais práticas, em desacordo, portanto, com o que já vem ocorrendo em dezenas de países que procuraram fortalecer o sindicalismo; 10. A proposta, ao contemplar a criação de Fundo Solidário de Promoção Sindical, chega as raias do absurdo, ao admitir que os recursos para sua manutenção estejam desvinculados do Orçamento Geral da União, o que contraria a lei; 11. Por fim, na parte referente ao direito de greve, ao invés de conceituar, com precisão, o que é uma atividade essencial, prefere listar um rol de atividades produtivas, onde estranhamente mantém o serviço de compensação de cheques, bem ao agrado dos agentes do mercado. Por tudo que foi exposto, esta Federação, alinhada à Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), espera que haja sensibilidade dos altos escalões do Governo Fderal, não acolhendo os princípios propostos pelo Fórum Nacional do Trabalho aqui contestados, escutando também as manifestações do sistema confederativo, que deles discorda. Nossa expectativa é de que o Congresso Nacional, como expressão máxima da vontade do povo brasileiro, decida em sintonia com os interesses da população trabalhadora, definindo-se por uma verdadeira reforma sindical democrática. Londrina (PR), 23 de abril de 2004.


MANIFESTO

aprovado pela Plenária do Conselho Federal de Economia, em sua 567a Sessão Plenária – Brasília, 19 de junho de 2004.

Por uma política de crescimento e emprego A elevação das taxa de inflação ao final de 2002, provocada pela insegurança dos agentes de mercado com a possibilidade de profundas alterações de política econômica, como resultado das eleições presidenciais, levou o novo Governo a praticar uma política monetária ainda mais rígida do que vinha sendo mantida anteriormente. Embora tenha sido bem sucedida quanto à retomada da estabilidade de preços, tal política provocou uma elevação da taxa de desemprego e a queda do PIB em 2003, o que não ocorria desde 1992. Passada essa fase, observamos que as autoridades econômicas, particularmente o Banco Central, estão reticentes em implementar políticas mais agressivas de crescimento do nível de atividade e do emprego. A se manter a política atual, o crescimento previsto para o PIB (3,5% em 2004, 4% em 2005 e 4,5% em 2006), segundo a maioria dos analistas, será insuficiente para absorver o aumento da oferta de trabalho (cerca de 1.500.000 trabalhadores ao ano), e reduzir o contingente de desempregados, por volta de 10 milhões de trabalhadores. Entretanto, existem inúmeros fatores indicando que já deveria ter sido adotada, desde o início deste ano, uma postura mais ativa para a recuperação do nível de atividade e redução do desemprego. A preocupação do Governo reside na conjuntura internacional, principalmente com a provável elevação dos juros dos títulos dos Estados Unidos, e com o aumento do preço do barril de petróleo, devido à crise do Oriente Médio. Entretanto, as reiteradas declarações do presidente do Federal Reserve Bank fazem crer que não haverá um aumento muito pronunciado das taxas de juros dos Estados Unidos. Quanto à questão do petróleo, trata-se de um choque de oferta, que tende a ser temporário; se persistir, o impacto sobre a taxa de inflação no Brasil será relativamente

reduzido, dado que importamos apenas 15% do petróleo que consumimos. Por outro lado, há inúmeros fatores positivos que permitem adotar uma política macroeconômica mais agressiva de crescimento e emprego. Do lado externo, a economia mundial deve crescer este ano entre 4% e 5%, sob a liderança das economias chinesa e norte-americana, as exportações brasileiras continuam crescendo em ritmo expressivo, o capital externo continua entrando no país, embora em volumes menores. Pelo lado interno, além do crescimento do agronegócio, está ocorrendo uma certa recuperação, embora modesta, da produção industrial e da construção civil. Somos de opinião de que não mais se justifica manter uma política focada quase exclusivamente no atendimento das metas de inflação e de superávit primário. Nesse sentido, tem que ser retomada a política de redução consistente da taxa de juros, como vinha ocorrendo no início do ano. Naquela ocasião, o Banco Central, diante do aumento do preço das commodities, e posteriormente pelo caso Waldomiro, interrompeu o ciclo de baixa da SELIC, decisão que afetou negativamente as expectativas do mercado, que acreditava que o governo estava finalmente iniciando o prometido “espetáculo do crescimento”. Afinal, o risco-Brasil girava em torno de 400 pontos, a economia mundial já vinha se recuperando, a inflação estava sob controle, e o câmbio estava num patamar adequado para as exportações, que cresciam de forma acelerada. Existia ainda uma capacidade ociosa que possibilita um crescimento econômico sem prejuízo das metas de estabilização. Não podemos mais perder uma oportunidade como essa. O Banco Central não pode continuar pautando suas decisões sobre juros com base em ocorrências transitórias, de curto prazo, mas deve estabelecer uma estratégia de política monetária mais audaciosa, voltada ao Revista de conjuntura

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crescimento do produto e do emprego ainda a curto prazo. A redução mais acentuada da taxa de juros SELIC, além de estimular o nível de atividade, deve ainda proporcionar uma melhoria expressiva do quadro fiscal do país. O efeito positivo sobre a demanda agregada, via estimulo ao consumo e ao investimento, redução dos gastos de juros do governo, e conseqüente elevação do PIB e da receita tributária, pode facilitar a obtenção do superávit primário requerido para reduzir a relação dívida pública/PIB, e cumprir as metas de inflação. Além da redução dos juros, a política macroeconômica deve ser complementada com outros incentivos ao crédito e ao investimento privado. Por exemplo, no sentido de reduzir o spread bancário, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal poderiam diminuir de forma acentuada os juros cobrados em seus empréstimos, e com isso acirrar a concorrência com os bancos privados. Para estimular os investimentos em infraestrutura, a Parceria Pública Privada (PPP) que vem sendo apresentada como a panacéia para resolver o problema, necessita de cuidados especiais na sua implementação, no sentido de não prejudicar ainda mais a capacidade do investimento estatal, em razão do não compartilhamento dos riscos inerentes ao gasto capitalista. Ou seja, o marco regulatório tem que ser ! bastante eficiente, evidenciando os riscos envolvidos e sua distribuição no anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias, conforme exige a Lei de Responsabilidade Fiscal, e obedecidos os princípios e instrumentos que regulam o processo de licitação pública. A partir de uma postura mais ousada de política macroeconômica, a economia brasileira tem condições de crescer de forma sustentada acima das previsões oficiais, retomando suas taxas históricas de crescimento do produto e do emprego.

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