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Revista Editada pelo CORECON/DF - ANO VI - nº 21 - JAN/MAR DE 2005

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EDITORIAL ..........

ENTREVISTA

JOÃO SICSÚ .....................................................................................................................5

ARTIGOS ANTONIO DELFIM NETTO Reações retardadas... ...........................................................................................................9 LÍLIAN ARRUDA MARQUES E ANTONIO IBARRA O mercado de trabalho no DF de 1992 a 2004 ................................................................... 11 CONSTANTINO CRONEMBERGER MENDES Desigualdades regionais e desenvolvimento .....................................................................17 GILBERTO MARINGONI Alencar denuncia juros, privatizações, endividamento público e censura ao debate econômico ..........................................................................................................29 CECI VIEIRA JURUÁ Perdas e danos: a lei das parcerias público-privadas .......................................................34

MANIFESTOS Parceria Público - Privada ..................................................................................................44

“E Nada mudou” .................................................................................................................47

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EXPEDIENTE

EDITORIAL

Órgão Oficial do CORECON-DF Diretor Responsável: Roberto Bocaccio Piscitelli Conselho Editorial: Mônica Beraldo Fabrício da Silva, Roberto Bocaccio Piscitelli, Humberto Vendelino Richter, Maurício Barata de Paula Pinto, Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo, José Roberto Novaes de Almeida e José Aroudo Mota. Jornalista Responsável: Daniela Lima - Reg. DRT/DF: 4926 Redação: Daniela Lima Editoração Eletrônica: om,Loducca (Tércio Caldas) (61) 425-1090 Impressão: Gráfica Plano Piloto Tiragem: 3.800 Periodicidade: Bimestral As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição das entidades. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO – DF Presidente: Mônica Beraldo Fabrício da Silva Vice-Presidente: Roberto Bocaccio Piscitelli Conselheiros Efetivos: Mônica Beraldo Fabrício da Silva, Roberto Bocaccio Piscitelli, Maurício Barata de Paula Pinto, Guidborgongne Carneiro N. da Silva, José Aroudo Mota, Victor José Hohl, Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira, Humberto Vendelino Richter e Maria Cristina de Araújo Conselheiros Suplentes: Newton Ferreira da Silva Marques, Max Leno de Almeida, Evilásio da Silva Salvador, Homero Gustavo Reginaldo Lima, José Luiz Xavier, José Luiz Pagnussat, Jusçanio Umbelino de Souza e Gilson Duarte dos Santos Equipe do CORECON: Iraídes Godinho de Sales, Ismar Marques Teixeira, Michele Cantuária Soares, Jamildo Cezário Gomes e Angeilton Francisco Lima Faleiro. End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília –DF Tels: (61) 225-9242 / 223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de Funcionamento: das 8:00 as 18:00 horas (sem intervalo)

Foi divulgado, com certa euforia, que 54,7% dos 658 acordos salariais analisados na pesquisa do DIEESE, em 2004, resultaram em aumentos acima da inflação. Outros 26,1% lograram repor a inflação, e apenas 19,1% ficaram abaixo dela. Também foi dito que se trata do melhor resultado desde 1996. As melhores proporções foram observadas na indústria, depois, no comércio e, enfim, em serviços. É verdade, também, que tivemos 5,2% de crescimento do PIB, redução do desemprego, inflação moderada e taxas de juros menores, até a retomada das altas, em setembro. Agora, vamos examinar o outro lado da notícia. O levantamento, obviamente, se refere às categorias mais organizadas, que podem negociar; há muita gente da indústria, do Sudeste e com data-base no 1º semestre, o que corresponde aos melhores acordos. Os resultados, portanto, não valem para a maioria, os não-organizados ou mal organizados e os informais. Segundo ponto: o índice que serve de base para a pesquisa é o INPC, um índice de preços ao consumidor, é verdade, até 8 salários mínimos de renda, que registrou apenas 6,13% em 2004. É interessante lembrar que o IPCA, índice oficial de inflação, para famílias com renda até 40 salários mínimos, foi de 7,6%, e os IGPs foram ainda maiores. A análise do aumento da carga tributária, por exemplo, sempre é feita com base no IPCA ou no IGP-DI. Mesmo ignorando esses fatos, entretanto, e sem considerar os acordos pífios dos últimos anos, veja-se a distribuição desses acordos por faixa de reajuste. Dos 360 que ficaram acima do INPC, 156 (mais de 43%) ficaram até 1% acima da inflação, mais 96 (quase 27%) até 2%, mais 52 (mais de 14%) até 3%. Só 1 (UM), acima de 5%. Também os que ficaram abaixo do INPC - 126 acordos - se concentraram até 3% (mais de 90%) abaixo da inflação. Em outros termos, o desvio-padrão foi muito pequeno, ficou tudo muito próximo. Mesmo num ano de tão favoráveis indicadores macroeconômicos o que se conseguiu de aumento real só deu uma pequena sensação de alívio, num País em que, a cada ano, se renova um terço da força de trabalho, o que permite uma substituição contínua das maiores pelas menores remunerações. Para 2005, a grande maioria dos analistas espera um ano menos favorável. Há sinais de aumento do desemprego, os juros não param de subir. Os próprios técnicos responsáveis pela pesquisa admitem que o rendimento do trabalhador chegou ao mais baixo patamar dos últimos 20 anos. Não há dúvida de que não se constrói um sólido capitalismo e uma sociedade verdadeiramente democrática e solidária praticando níveis salariais tão baixos e não reconhecendo o valor do trabalho.

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ENTREVISTA

As novas regras cambiais: mais mudanças na liberalização do dólar A revista de Conjuntura entrevista o economista João Sicsú, que fala sobre as novas regras cambiais formuladas pela diretoria de assuntos internacionais do Banco Central e aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional - CMN

Entrevista: Daniela Lima Colaboração: Roberto Bocaccio Piscitelli

Conjuntura - Quais são as vantagens da extinção das contas CC-5? A nova sistemática é benéfica para a economia brasileira? João Sicsú - O sentido de extinguir é, neste caso, essencialmente liberalizante. O CMN unificou os mercados (livre e flutuante) e, paralelamente, extinguiu as contas do tipo CC5 das instituições financeiras, permitindo que recursos sejam enviados ao exterior diretamente, sem intermediários - que eram as instituições financeiras estrangeiras com contas CC5 abertas nas instituições financeiras brasileiras. Argumenta-se que estas mudanças nas normas cambiais podem “legalizar” as operações de envio de recursos para o exterior. Formalmente, as operações de remessas de recursos que ocorriam através das contas CC5 das instituições financeiras eram legais; entretanto, a opinião pública tendeu a julgá-las como

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Foto: Divulgação

Conjuntura - Na sua opinião, além de facilitar as transações cambiais e simplificar os procedimentos operacionais, as novas regras cambiais têm outras finalidades menos explícitas? João Sicsú - O objetivo maior dessas novas normas cambiais brasileiras é consolidar o estágio atual de liberalização e aprofundá-lo, iniciando, através de medidas, ainda que aparentemente tênues, o fim da cobertura cambial nas exportações. O fim da cobertura cambial é uma proposta estratégica do processo de liberalização.

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“O resultado do fim dessa cobertura cambial é que exportadores poderão não trazer os recursos para o Brasil, embora o País tenha realizado exportações. Isso é extremamente negativo, porque precisamos importar, pagar a dívida privada externa, pagar a dívida pública externa, precisamos que o Banco Central acumule dólares, forme reservas”.

algo no mínimo suspeito de alguma forma de ilegalidade. A nova sistemática não muda nada para a economia; os recursos vão continuar sendo mandados ao exterior. Conjuntura - Em matéria de controle da circulação de divisas, há diferenças relevantes entre a situação anterior e a atual? João Sicsú - Não, o nível de liberalização cambial da economia é avançado e o processo liberalizante continua em curso. E as dificuldades ou facilidades para o estabelecimento de controles do movimento de capitais ainda são as mesmas. A única questão é que o alongamento do prazo para cobertura cambial começa a avançar para um ca-

minho perigoso, que é o próprio fim da cobertura cambial nas exportações. Conjuntura - No caso dos exportadores, a extensão do prazo para internalização das divisas e a dispensa do período de 20 dias para convertê-las podem ser vistas como iniciativas meritórias do ponto de vista do comércio exterior e do fortalecimento das posições cambiais do Brasil? João Sicsú - O resultado do fim dessa cobertura cambial é que exportadores poderão não trazer os recursos para o Brasil, embora o País tenha realizado exportações. Isso é extremamente negativo, porque precisamos importar, pagar a dívida privada externa, pagar a dívida pública externa, precisamos que o Banco Central acumule dólares, forme reservas. Neste caso, a formação de reservas por parte do Banco Central e todas as outras atividades estariam com dificuldades de realização por falta de dólares. Os exportadores poderão não internalizar na economia brasileira suas receitas integralmente; então, o fim da cobertura cambial é extremamente perigoso e danoso para a economia. A partir de então, os fluxos comerciais vão entrar ou deixar de entrar no País de acordo com a mesma lógica dos fluxos financeiros; logo as crises cambiais estarão potencializadas pelos próprios ganhos dos expor-

tadores. Conjuntura - Com as novas medidas, o País se torna menos vulnerável diante de eventuais crises ou choques especulativos? João Sicsú – Não, o País não se torna menos vulnerável. A entrada de dólares no País resultante do saldo comercial, que é uma variável bastante previsível e estável, torna-se um fluxo movido agora por cálculos especulativos. Exportadores terão que se especializar na atividade especulativa de cálculo do momento ótimo para internalização de dólares; em momentos críticos, empresários poderão adiar a entrada, esperando uma maior desvalorização, ou, diante de uma valorização, poderão acentuar a tendência, na expectativa de que a situação poderá ser pior ainda para a internalização quando o prazo de 210 dias terminar. Os fluxos comerciais de entrada tendem a ficar, portanto, assemelhados aos fluxos financeiros internacionais, com movimentos mais imprevisíveis, transformado-se, então, em mais uma variável capaz de instabilizar o cenário macroeconômico. Os fluxos comerciais serão internalizados de acordo com as mesmas variáveis que influenciam a entrada de capitais financeiros no País: diferencial de juros internos e externos, expectativa de desvalorização cambial e risco de défault.

“O alongamento do prazo para cobertura cambial começa a avançar para um caminho perigoso, que é o Revista próprio fim da cobertura cambial nas exportações”. jan/mar de 2005 de conjuntura 6


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Mais informações no site: www.corecondf.org.br


A R T I G O

Reações retardadas... Antonio Delfim Netto* O Brasil cresceu 5,3% em 2004, com inflação de 7,4% e superávit em conta corrente. Foi o melhor resultado da economia nos últimos doze anos e, portanto, deve ser comemorado. Pelo andar da carruagem nestes primeiros meses de 2005, provavelmente vamos ter uma inflação ligeiramente menor, mas deixando escapar a oportunidade de um crescimento mais robusto do Produto. Se tivermos sorte e se a política monetária for abençoada com um choque de lucidez, terminamos o ano com algo entre 4.5% e 5% de crescimento. A agricultura não vai repetir a excelente performance dos últimos anos devido a três fatores: clima desfavorável, por artes de El Niño - ele já começou o ano com uma seca arrasadora no sul; queda nos preços agrícolas, iniciada no ano passado e sem sinais de recuperação no horizonte próximo; cortes e atrasos no financiamento dos implementos agrícolas da parte dos órgãos de fomento do governo em 2004, interrompendo o processo de melhoria da produtividade e modernização da agroindústria. A renda da agricultura vai cair este ano e os agricultores voltam a con-

viver com o velho problema do endividamento. A sorte do setor é que hoje ele pode contar com um ministério da agricultura que aumentou muito a eficiência e com um ministro atento e do ramo, o que deve amortecer a trombada . O setor industrial mantém o crescimento, mas já sem a mesma motivação, devido à ressurreição da política de juros altos e sem muita esperança de ver avançar rapidamente o processo de desoneração tributária. Esse estado de espírito já começa a se refletir nas decisões de investimentos, notadamente naqueles projetos voltados para a expansão de exportações. Ele atinge com mais profundidade um segmento especialmente dinâmico, as empresas de médio e pequeno porte que apostaram no crescimento do comércio exterior e que hoje vêem seus investimentos ameaçados pelo “efeito tesoura” da taxa de câmbio valorizada e da taxa de juros, que voltou este mês ao topo das mais elevadas do mundo. O desânimo do setor exportador é o problema mais grave para o crescimento da economia, numa perspectiva de méRevista de conjuntura

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dio e longo prazo. O Brasil só venceu a estagnação destes últimos doze anos, crescendo mais de 5% em 2004, por causa da expansão das exportações, um movimento que começou lentamente quando se abandonou a âncora cambial em janeiro de 1999 e se acelerou com a forte desvalorização do real no período de transição da Presidência. A partir de 2002, a flutuação cambial, combinada com a expansão de crédito a juros decentes (em função da natureza e das garantias das operações), permitiu a recuperação em cheio do setor exportador brasileiro e, com ele, de nossa capacidade de crescimento. Os dois anos seguintes assistiram ao renascimento de um setor que fora sistematicamente desarticulado em duas décadas de políticas cambiais espasmódicas. Não é por acaso que este tenha sido o período de menor crescimento da economia do País e da renda dos brasileiros. No segundo semestre de 2003 começou a ficar evidente que se abriam novas oportunidades de investimento pela expansão das demandas interna e externa, que garantiriam a sustentabilidade do crescimento,

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reduzindo rapidamente nossa vulnerabilidade externa. Os resultados dessa mudan-

ça estão registrados no quadro abaixo:

A questão mais importante é saber como dar continuidade ao esforço exportador. Não é possí-

2001

2002

2003

2004

1.Crescimento do PIB(%)

1,3

1,9

0,5

5,3

2. Taxa de inflação (%)

7,7

12,5

9,3

7,4

3. Exportação (bi US$)

58,2

60,4

73,1

96,5

4. Saldo em c/corrente/PIB

-4,5

-1,7

0,8

1,6

Fonte: IBGE, Banco Central

vel aceitar pacificamente a “previsão” de um aumento para 108 bilhões de dólares em 2005. É preciso dar ao Ministro Furlan a “meta” de 115 bilhões de dólares e fornecer-lhe os instrumentos e meios para atingi-la. As duas “previsões” valem a mesma coisa do ponto de vista objetivo, pois são produtos de avaliações subjetivas, mas o estabelecimento de uma “meta” sugere que, se perdermos a batalha (que há de ser diária, semanal e mensal), teremos o conforto de tê-la perdido com honra. Isso nos leva diretamente ao comportamento da taxa de câmbio, que não é independente da taxa de juro real (que está acima de 13% ! ), exigida pela crença de que o Brasil não pode crescer mais do que 3,5% sem graves riscos inflacionários. O maior erro da autoridade monetária é não querer admitir que o real valorizado , que inibe os investimentos no setor exportador, é sustentado pela maior taxa de juros do mundo. As grandes corporações têm meios de se defender das projeções absurdas do COPOM, mas as pequenas e médias empresas ( que são as peças mais dinâmicas do mosaico exportador ) estão retardando as decisões de cres-

cimento da produção, alertadas pelo sinistro aviso do COPOM: “não invistam, porque não vai ter demanda amanhã nem no mercado interno (que não pode crescer além de 3,5%) nem para exportar ( com o câmbio algemado à maior taxa de juros do mundo) ...” A economia brasileira tem sido vítima de reações retardadas de seus estadistas e economistas, quando se trata de convencê-los de que o crescimento não se sustenta sem uma contínua e robusta expansão do comércio exterior . Se tivéssemos estudado um pouco mais a história dos povos (dos fenícios à “moderna” China ) , não teríamos penalizado nossas exportações valorizando o câmbio tantas vezes e por tanto tempo. Há vinte e cinco anos crescíamos a taxas iguais às do Japão e mais do que a China e a Coréia ; exportávamos tanto quanto a

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China e mais do que a Coréia . Seus economistas vinham visitar-nos para conferir a taxa de 15%, até 20% de crescimento anual das exportações. Nas duas últimas décadas do século, congelamos o câmbio meia dúzia de vezes: as exportações murcharam e a economia entrou em estagnação . Hoje, a China (que não permite a valorização cambial) exporta cinco vezes mais do que o Brasil, e sua taxa de crescimento do PIB é o dobro, e a pequena Coréia vende três vezes mais do que nós e sustenta taxas robustas de crescimento. Em 2004 começamos a reagir, mas receio que estejamos novamente diante da síndrome da reação retardada...

* Antonio Delfim Netto Deputado Federal (PP/SP)

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A R T I G O

O mercado de trabalho no DF de 1992 a 2004 Comentários com base na PED/DF

Lílian Arruda Marques* Antonio Ibarra** A Pesquisa de Emprego e Desemprego - PED, implantada no Distrito Federal em dezembro de 1991 e divulgada a partir de fevereiro de 1992, tem por objetivo conhecer e acompanhar a situação do mercado de trabalho regional. A pesquisa utiliza metodologia criada e desenvolvida pelo DIEESE e Fundação SEADE de São Paulo e, no Distrito Federal, é realizada em convênio com a Secretaria de Trabalho do GDF. A PED-DF utiliza metodologia já aplicada em pesquisas idênticas nas áreas metropolitanas de São Paulo (desde 1985), Porto Alegre (desde 1992), Belo Horizonte (desde 1994), Salvador (reativada em 1996) e Recife (em 1997). Em termos conceituais e metodológicos, a PED se diferencia de outras pesquisas dessa natureza por ampliar o conceito de desemprego,

tornando-o assim mais adequado à realidade de países como o Brasil, onde a inserção da população no mercado de trabalho é marcada por grande heterogeneidade. Assim sendo, a PED possibilita captar, além do desemprego aberto, formas de desemprego que são comuns e importantes no mercado de trabalho brasileiro, tais como o desemprego oculto pelo trabalho precário e pelo desalento1, permitindo, com isso, fazer avaliações mais fidedignas de trabalho e de vida da população. São pesquisados cerca de 2.500 domicílios mensalmente nas 19 regiões administrativas. Todos os moradores são entrevistados, havendo um formulário específico para as pessoas de 10 anos e mais. Os dados divulgados resultam da média trimestral móvel, no intuito de garantir uma maior representatividade às informações levantadas e

de analisar as grandes tendências no mercado de trabalho local, ao invés de focar em acentuadas variações mensais. Assim, a pesquisa permite que tenhamos uma visão ampla do mercado de trabalho no Distrito Federal, cujos dados serão apresentados a seguir, analisando as médias anuais de 1992, 2003 e 2004. O crescimento da PEA Ao longo desses treze anos de pesquisa, o mercado de trabalho no Distrito Federal passou por grandes transformações. A participação da mulher aumentou significativamente, principalmente das chefes de família, e, apesar do significativo incremento na ocupação, o DF apresentou um crescimento da taxa média anual de desemprego nos últimos anos.

A) Desemprego aberto:Đ últimos sete (7) dias; B) Desemprego Oculto pelo Trabalho Precário: pessoas que realizam de forma irregular algum trabalho remunerado (ou não - remunerado, em ajuda a negócios de parentes) e que procuraram efetivamente trabalho nos trinta (30) dias anteriores ao da entrevista ou nos últimos (12) meses; C) Desemprego Oculto pelo Desalento: Pessoas que não possuem trabalho e nem procuraram nos últimos trinta (30) dias, por desestímulo do mercado de trabalho ou por circunstâncias fortuitas, mas apresentaram procura efetiva de trabalho nos últimos doze (12) meses. 1

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Essa tendência foi revertida em 2004, o que sinaliza que, em 2005, a taxa de desemprego pode continuar recuando. A População Economicamente Ativa – PEA – apresentou uma variação positiva, em 2004, de 3,3%, e nos treze anos (1992/2004), 58,7% (Tabela 1). Anualmente, é comum que mais pessoas ingressem no mercado de trabalho principalmente devido a fatores demográficos (a população no DF e no Brasil, em geral, está envelhecendo), educacionais (muitos jovens se formam e vão para o mercado de trabalho) e pessoais (busca de novas oportunidades profissionais), entre outros. Porém, com o baixo crescimento econômico verificado nos últimos anos e com a acentuada queda do rendimento familiar, várias pessoas, destacando entre elas jovens, mulheres e idosos, se viram compelidos a buscarem novas ocupações, mesmo precárias, pois a complementação da renda tornou-se fundamental para garantir a mínima qualidade de

vida. O principal crescimento se deu entre as mulheres, que, de 1992 a 2004, variou de 326,8 mil para 573,3 mil, ou 75,4%, enquanto os homens apresentaram um incremento de 45,2% nesses treze anos. A taxa de participação global reforça esse dado, uma vez que, de todas as pessoas acima de 10 anos que compunham a população do Distrito Federal em 1992, 60% delas estavam no mercado de trabalho, sejam empregadas sejam desempregadas. Em 2004, a taxa de participação global já havia subido para 64,5%, sendo impulsionada pelas mulheres, cuja variação foi de 17,2%, enquanto nos homens a taxa de participação se manteve estável. A maior participação das mulheres no mercado de trabalho pode estar ligada a vários fatores, entre eles a queda do rendimento familiar nos últimos anos. Também influi o perfil do mercado de trabalho do Distrito Federal, com pouca participação

da indústria de transformação e da construção civil, que se torna mais atrativo às mulheres, além da maior escolaridade da mão - de - obra feminina em relação a outras metrópoles. Além disso, essa abertura de mercado às mulheres estaria proporcionando a possibilidade de realizações de seus projetos profissionais. Por faixa etária, a maior participação na PEA está localizada entre os 25 e 55 anos. A faixa etária acima dos 55 anos, embora menor em termos numéricos, apresentou a maior taxa de crescimento, 67,2%, sinalizando que a queda da renda familiar também forçou esse segmento a entrar no mercado de trabalho. A ocupação e o desemprego O fato de mais pessoas ingressarem no mercado de trabalho não representa necessariamente que as mesmas conseguiram uma ocupação. Enquanto a PEA variou 58,7% em treze anos (Tabela 1), o contingente de pessoas ocupadas cresceu 48,3% (Tabela

Tabela 1 – Principais Indicadores do Distrito Federal Indicadores

1992

2003

2004

População Economicamente Ativa (PEA)(em mil)

733,2

1.126,2

Homens

406,4

Mulheres

Variação % 04/03

04/92

1.163,5

3,3

58,7

576,0

590,2

2,5

45,2

326,8

550,2

573,3

4,2

75,4

60,0

64,5

64,5

0,0

7,5

Homens

71,5

72,0

71,4

-0,8

-0,1

Mulheres

50,0

58,1

58,6

0,9

17,2

10 a 15

21,5

10,7

12,7

18,7

-40,9

16 a 24

217,1

313,9

314,5

0,2

44,9

25 a 55

466,4

750,5

779,6

3,9

67,2

28,2

51,1

56,7

11,0

101,1

Taxa de Participação Global (PEA/PIA)( %)

PEA, segundo Faixa Etária (em mil)

56 e mais Fonte: PED/DF (Convênio: STb/GDF, DIEESE e SEADE/SP).

Revista de conjuntura

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Tabela 2 – Distribuição da População Ocupada no Distrito Federal: 1992,2003 e 2004 População Ocupada) (em mil)

1992

2003

2004

Ocupados

620,5

868,6

Homens

351,4

Mulheres

Variação % 04/03

04/92

920,2

5,9

48,3

459,7

484,7

5,4

37,9

269,1

409,0

435,5

6,5

61,8

289,7

414,6

437,3

5,5

50,9

Homens

240,5

314,7

330,0

4,9

37,2

Mulheres

49,2

99,9

107,3

7,4

118,1

29,8

15,6

15,6

0,0

-47,7

Até 1º grau completo

298,4

300,0

318,4

6,1

6,7

Até 2º grau completo

173,4

334,9

353,8

5,6

104,0

Superior completo e incompleto

110,5

216,4

230,6

6,6

108,7

Chefes de Família Ocupados

Ocupados, segundo Grau de Escolaridade Analfabetos

Fonte: PED/DF (Convênio: STb/GDF, DIEESE e SEADE/SP).

2) e o de desempregadas, 115,8% (Tabela 3). Ou seja, muitas pessoas que buscaram o mercado de trabalho não encontraram ocupação. Como as mulheres tiveram um crescimento significativo no mercado de trabalho, também é significativa sua participação entre os ocupados e os desempregados. Entre os ocupados, enquanto a variação da participação dos homens foi de 37,9%, entre

as mulheres atingiu 61,8%. Entre os desempregados, enquanto a variação na participação dos homens foi de 91,3%, as mulheres tiveram uma variação de 139,2%. Em 2004, por exemplo, enquanto a taxa de desemprego total ficou em 20,9%, os homens apresentaram uma taxa de 17,8% e as mulheres, 24,0%. Interessante também observar que o mesmo movimento ocorre entre os chefes de família: tanto

entre os ocupados e desempregados, o maior crescimento se dá entre as mulheres. Quando analisamos a ocupação por escolaridade, observamos que, em 2004, essa expansão foi muito semelhante entre os diferentes níveis, exceto para os analfabetos, que permaneceu estável. Porém, quando comparamos os dados de 2004 com 1992, observamos o incremento no nível ocupacional, principalmente,

Tabela 3 – Distribuição da População Desempregada no Distrito Federal: 1992,2003 e 2004 População Desempregada) (em mil)

1992

2003

2004

Desempregados

112,7

257,4

Homens

55,1

Mulheres

Variação % 04/03

04/92

243,2

-5,5

115,8

116,3

105,4

-9,4

91,3

57,6

141,1

137,8

-2,3

139,2

73,3

165,7

151,6

-8,5

106,8

Homens

34,1

68,0

59,6

-12,4

74,8

Mulheres

39,2

97,7

92,0

-5,8

134,7

5,4

(1)

(1)

(1)

(1)

Até 1º grau completo

71,3

114,5

103,6

-9,5

45,4

Até 2º grau completo

29,3

114,3

110,9

-3,0

279,5

6,7

24,1

24,7

2,5

268,7

Chefes de Família Desempregados

Desempregados, segundo Grau de Escolaridade Analfabetos

Superior completo e incompleto

Fonte: PED/DF (Convênio: STb/GDF, DIEESE e SEADE/SP).(1) Sem consistência estatística.

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entre os de maior escolaridade. Essa exigência tornou-se comum mesmo para funções onde não é necessária muita qualificação; mas, com o processo de reestruturação produtiva, a introdução de novas tecnologias e novas formas de gestão, a qualificação tornou-se uma questão decisiva principalmente para as ocupações melhor remuneradas. Já entre os desempregados também cresceu, em ritmo superior ao da ocupação, o número de pessoas com maior escolaridade, sinalizando um aumento significativo na média de escolaridade da população no Distrito Federal. Apesar da queda significativa dos desempregados com até primeiro grau completo, ao longo dos treze anos a variação foi de 45,4%. Em relação a 2003, a variação negativa de 9,5% entre os desempregados com até o primeiro grau completo e a variação positiva entre os ocupados com o mesmo grau de escolaridade demonstram que muitos postos foram criados numa faixa de onde se concentra um grande número de desempregados; isso é positivo, porém, com baixos salários e, muitas vezes, com relações precárias de emprego.

Nesse sentido, é importante o estabelecimento de políticas públicas na área educacional para esse público, pois, com a continuidade do crescimento econômico e novos investimentos em tecnologia, muitos serão excluídos do mercado de trabalho a médio ou longo prazo. Esses dados demonstram que só o fato de a pessoa ter maior escolaridade não garante que a mesma irá conseguir uma ocupação. Apesar do número de pessoas desempregadas com nível superior completo e incompleto ser baixo, o crescimento foi muito significativo, 2,5% em 2004 - um ano com queda nas taxas de desemprego e saldo positivo de novas ocupações – e de 268,7% de 1992 a 2004. Quanto aos analfabetos, é importante observar que a ocupação dessas pessoas vem caindo e que o número de desempregados é tão pequeno que não tem consistência estatística. Talvez dois fatores sejam importantes nesse caso: a baixa presença de analfabetos na população de Brasília e a ida para a inatividade das pessoas nessas condições exatamente pela falta de oportunidades num mercado cada dia mais exigente.

População ocupada por setor de atividade econômica O mercado de trabalho no DF possui características bem diferentes de outras regiões, principalmente pela baixa participação no PIB local da indústria de transformação e da construção civil, além da marcante presença da administração pública. As mais altas remunerações oriundas dos servidores públicos estimulam outros setores de atividade, principalmente aqueles relacionados aos serviços. Assim, aproximadamente 10% dos ocupados no Distrito Federal são empregados domésticos, taxa mais alta entre as regiões metropolitanas pesquisadas pelo DIEESE e Fundação SEADE. A Tabela 4 apresenta resultados positivos em todos os setores para 2004, com destaque para o setor de serviços, que, além de ser o que mais emprega, também é que mais cresce ao longo dos anos. Em 2004, esse setor já empregava 56,17% do total de ocupados no Distrito Federal. A Administração Publica (federal e do DF) apresentou uma variação de 38,8% ao longo dos

Tabela 4 – Distribuição da População Ocupada no Distrito Federal, segundo Setor de Atividade Econômica: 1992,2003 e 2004 Setor de Atividade Econômica (em mil)

1992

2003

2004

Indústria de Transformação

26,6

31,5

Construção Civil

34,2

Comércio

Variação % 04/03

04/92

33,3

5,7

25,2

30,6

32,3

5,6

-5,6

93,4

137,1

145,7

6,3

56,0

Serviços

325,6

484,7

516,9

6,6

58,8

Administração Pública

132,1

176,4

183,3

3,9

38,8

8,6

8,3

8,7

4,8

1,2

620,5

868,6

920,2

5,9

48,3

Outros Setores Total Fonte: PED/DF (Convênio: STb/GDF, DIEESE e SEADE/SP).

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treze anos, menor que a variação total dos ocupados, de 48,3%, diminuindo assim sua participação no total dos ocupados ao longo dos anos. O comércio, o terceiro maior setor que emprega no Distrito Federal, apresentou uma variação positiva de 56,0%, muito significativa para o período. Rendimentos O rendimento médio real teve uma queda significativa entre 1992 e 2004. Para o total dos ocupados, a queda do rendimento foi de 14,2% nesse período e 1,2% em 2004 (Tabela 5). Quando o dado é desagregado para as diferentes posições na ocupação, é possível observar onde a perda

do poder aquisitivo foi mais significativa: entre os assalariados do setor privado com carteira de trabalho assinada houve uma queda real de 22,1%. Para os assalariados do setor privado sem carteira de trabalho assinada houve uma queda de 7,4% em 2004, mas um crescimento real de 19,9% em treze anos de análise. A diferença nas remunerações entre os assalariados com carteira de trabalho assinada e os sem carteira diminuiu ao longo dos anos, principalmente em função do recuo nos rendimentos dos assalariados com carteira de trabalho assinada. Em relação a 2003, o setor público apresentou um crescimento no rendimento médio real (4,3%), auxiliando a estabiliza-

ção da remuneração média dos assalariados, uma vez que o setor privado apresentou comportamento negativo (1,4%). O Gráfico 1 apresenta a diferença entre as remunerações das mulheres e dos homens. Essa diferença vem caindo nos últimos treze anos, mas esse fato deve ser explicado pela queda na remuneração dos homens e não pelo crescimento da renda das mulheres. O gráfico demonstra que, entre os anos extremos, houve uma relativa estabilidade nas remunerações das mulheres, enquanto as remunerações masculinas despencam principalmente após 1999, ano da desvalorização do Real. Em 2004, apesar da diminuição na brecha entre homens e mulheres, as mulheres ainda ga-

Tabela 5 – Rendimento Médio Real da População Ocupada no Distrito Federal, segundo Posição na Ocupação: 1992,2003 e 2004(em R$) Posição na Ocupação

1992

2003

2004

Ocupados

1.422

1.235

Assalariados

1.654

Setor Privado

Variação % 04/03

04/92

1.220

-1,2

-14,2

1.388

1.398

0,7

-15,5

907

765

754

-1,4

-16,9

Com Carteira de Trabalho Assinada

1.014

792

790

-0,3

-22,1

Sem Carteira de Trabalho Assinada

498

645

597

-7,4

19,9

2.451

2.397

2.499

4,3

2,0

Setor Público Fonte: PED/DF (Convênio: STb/GDF, DIEESE e SEADE/SP).

Gráfico 1 – Rendimento Médio Real no Distrito Federal, segundo Sexo.

Fonte: PED/DF (Convênio: STb/GDF, DIEESE e SEADE/SP Nota: valores em R$ a preços de dezembro de 2004.

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nham, em média, 70,8% do que os homens auferem. Taxa de Desemprego Total no DF e Regiões Metropolitanas Em convênio entre o Fundo de Amparo ao Trabalhador do Ministério do Trabalho (FAT/ MTE), o DIEESE e a Fundação SEADE/SP, a pesquisa de emprego e desemprego também abrange regiões metropolitanas além do Distrito Federal. Devido à diferença nas datas de implantação, somente a partir de 1998 os

dados das seis localidades podem ser comparados. O Distrito Federal apresentou, em 2004, uma queda significativa de dois pontos percentuais na taxa de desemprego total. Essa expressiva queda só não foi maior do que a região metropolitana de Salvador, onde o recuo foi de dois e meio pontos percentuais. Entre os anos extremos na mesma tabela, nota-se o acentuado crescimento (3,4 pontos percentuais) na taxa de desemprego total da região metropolitana de Belo Horizonte. Dentre as regiões

onde mais aumentou a taxa de desemprego seguem Recife (1,5 p.p.) e Distrito Federal (1,2 p.p.). Além disso, destacamos a relativa estabilidade, entre os anos extremos, nas região metropolitanas de São Paulo e de Porto Alegre. Também ressaltamos que, comparando os anos de 1999 e 2003, anos em que o crescimento da economia brasileira foi baixo, o último ano apresentou taxas de desemprego total nas regiões metropolitanas mais elevadas do que em 1999, com exceção de Porto Alegre.

Tabela 6 – Taxa de Desemprego Total, segundo Regiões Metropolitanas e o Distrito Federal: 1998-2004 (em %) Região Metropolitana

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

Belo Horizonte

15,9

17,9

17,8

18,3

18,1

20,0

19,3

Distrito Federal

19,7

22,1

20,2

20,5

20,7

22,9

20,9

São Paulo

18,2

19,3

17,6

17,6

19,0

19,9

18,7

Porto Alegre

15,9

19,0

16,6

14,9

15,3

16,7

15,9

Recife

21,6

22,1

20,7

21,1

20,3

23,2

23,1

Salvador

24,9

27,7

26,6

27,5

27,3

28,0

25,5

Fonte: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e convênios regionais. PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego.

* Lílian Arruda Marques Supervisora Regional DIEESE/DF.

** Antonio Ibarra Coordenador PED-DF pelo DIEESE.

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A R T I G O

Desigualdades regionais e desenvolvimento Uma releitura das contribuições de Celso Furtado

Constantino Cronemberger Mendes* 1. Introdução A transformação do Brasil de uma economia primário-exportadora para industrial deve ser avaliada considerando a incapacidade de o País superar, até hoje, as graves desigualdades econômicas e sociais existentes. Esses desequilíbrios estão intimamente vinculados com diferenças regionais, limitadoras da expansão do mercado interno e do crescimento econômico e desenvolvimento nacional. Celso Furtado é o autor que primeiro abordou de maneira efetiva a questão estrutural limitadora do desenvolvimento brasileiro, considerando os papéis das desigualdades regionais e do mercado interno. Sua importância não se restringe ao aspecto teórico, com seu método próprio de análise, mas também em termos práticos, em função de suas várias passagens por cargos no governo central.

Mesmo no contexto atual, as idéias de Furtado continuam válidas em certos aspectos, ao considerar o problema das desigualdades regionais e o papel do mercado interno como questões fundamentais ao crescimento e ao desenvolvimento econômico do País. Assim, este artigo procura fazer uma releitura da obra de Furtado por meio de uma avaliação dividida em três seções, além desta introdução e das conclusões. Na primeira, são consideradas suas principais contribuições teóricas e avaliados os aspectos considerados fundamentais, o mercado interno e a questão regional, revelando uma nova leitura metodológica ao incorporar o aspecto regional como central na sua análise. Na seção seguinte, é apresentada uma síntese do período 1940-1980, em que prevalece o modelo de desenvolvimento de substituição de importações, e suas ligações com a abordagem

de Furtado. Na última seção, é discutida a ruptura, nos anos 1990, do modelo anterior, por meio da adoção de políticas de cunho liberal, e apresentada uma releitura dos aspectos centrais enfatizados (questão regional e mercado interno) no debate recente, mostrando suas interfaces com a discussão original de Furtado. 2. Contribuições teóricas de Celso Furtado As contribuições teóricas mais significativas de Furtado cobrem o período conhecido como a “Era de Ouro”, marcado por forte crescimento econômico e transformação social no mundo. Ele interpreta as influências da readaptação sofrida pelo capitalismo no pós-Segunda Guerra Mundial. Trata-se, porém, de uma construção teórica não usual da Economia – não apenas por sua insistência por adotar elementos multidisciplinares, como por

Obs.: este artigo é uma versão modificada dos Textos para Discussão publicados pela UnB (Dept. de Economia/nº 390) e pelo Ipea (nº1501), em co-autoria com o Prof. Joanílio Teixeira, da UnB.

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“As principais contribuições de Furtado à abordagem estruturalista são consideradas em três aspectos principais: a inclusão da dimensão histórica; a análise das relações entre crescimento e distribuição de renda; e a ênfase do sistema cultural como característica específica do subdesenvolvimento das economias periféricas”. incluir delimitações analíticas em termos de espaço (geografia) e tempo (história), noções ausentes na ortodoxia econômica. Cabe observar, ainda, o fato de Furtado atuar como policy maker em certas ocasiões, o que serviu para readaptar sua análise teórica original, constituindo sua motivação política aliada ao tratamento teórico do subdesenvolvimento. Furtado utiliza um método analítico próprio (apesar de todas as influências que podem ser conectadas a ele),1 denominado de “histórico-estrutural” (Bielschowsky, 2000, p. 34). Porém, respaldada pela afirmação de Pasinetti (1993) sobre o uso do termo “mudança estrutural”, adotado por Perroux2 e incorporado na abordagem “institucional-histórico-descritiva” dos estruturalistas

e, em particular, por Furtado, entende-se que sua abordagem compreende uma visão “histórico-regional-estruturalista” do subdesenvolvimento brasileiro. Na mesma direção, Mallorquin (2000) considera a preocupação com a questão de espaço (geografia) e tempo (história) na sua análise estruturalista do subdesenvolvimento. Tratamento semelhante é encontrado, ainda, em Oliveira (2003), que observa a trajetória intelectual de Furtado ligada à questão regional, em especial ao Nordeste brasileiro. Sua abordagem teórica pode ser avaliada em três etapas: a primeira, construída a partir da década 1940, analisa o subdesenvolvimento de um ponto de vista mais teórico; a segunda, dos anos 50 aos 70, considera aspectos

sócio-econômicos e políticos, influenciados por suas experiências políticas; e a terceira, nos anos 80, com sua transição para a problemática do subdesenvolvimento no plano cultural. O estruturalismo como sistema analítico, concebido originalmente por Prebisch (1949 e 1951) no período inicial da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), tem por base a caracterização das economias periféricas (subdesenvolvidas) em contraste com as economias centrais (desenvolvidas). Os aspectos principais (Bielschowsky, 2000) nesse contraste referem-se a: baixa diversidade produtiva; reduzida integração horizontal e vertical; insuficiente infraestrutura; especialização em bens primários; heterogeneidade tecnológica; oferta ilimitada de mão-de-obra desqualificada; e estrutura institucional incompatível com a acumulação de capital e progresso técnico. A partir dessa contextualização, realizase a análise da forma de inserção das economias subdesenvolvidas no ambiente internacional e das condições para a superação das situações adversas das economias periféricas, por meio de um processo de industrialização conduzido por um planejamento estratégico, tendo o Estado como agente principal. As principais contribuições de Furtado à abordagem estruturalista são consideradas em três aspectos principais: a inclusão da dimensão histórica; a análise

1. Entre as principais influências estão: Keynes, Friedrich List, Marx, Mannheim, Schumpeter, Kaldor, Kalecki, Joan Robinson, Perroux, Myrdal, Nurkse, Prebisch e Gilberto Freyre. 2. Perroux (1950) defineĐ (história).

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e

das relações entre crescimento e distribuição de renda; e a ênfase do sistema cultural como característica específica do subdesenvolvimento das economias periféricas. Considera-se aqui como mais uma contribuição teórica de Furtado o destaque dado ao aspecto regional como limitante de um projeto nacional integrado de desenvolvimento. Furtado faz sua leitura do País incorporando um fator geográfico na dimensão analítica “histórico-estrutural”. Ao inserir no debate sobre o subdesenvolvimento a questão das desigualdades (sociais e de renda), o caráter regional é considerado como elemento central de análise, enfatizado também do ponto de vista político, de maneira mais direta na região Nordeste. 2.1. A questão regional e o (sub)desenvolvimento Não obstante a aceitação das contribuições teóricas mencionadas anteriormente, observa-se que as leituras sobre a obra de Furtado não dão a devida relevância à questão regional no arcabouço metodológico do autor. Assim, procura-se destacar como aspecto diferencial na análise das contribuições teóricas de Furtado a sua leitura regional na interpretação histórico-estruturalista da relação desenvolvimento/subdesenvolvimento associada ao caso brasileiro. As leituras do seu livro mais conhecido (Formação Econômica do Brasil) não consideram a questão regional como a mais importante, tendo em vista a prevalência da leitura “históricoestruturalista” que consolidou o seu método original de análise. O tema regional é considerado

apenas como parte das questões distributivas, ou seja, no contexto espacial das desigualdades, a ser tratado adiante. Contudo, já na própria composição dos capítulos daquele livro é possível perceber o interesse do autor em diferenciar regionalmente a formação “histórico-estrutural” econômica do Brasil. Assim, pode-se encontrar um capítulo (XI) que trata da formação do complexo econômico nordestino e outro (XVI) sobre o Maranhão (que, ao lado do Pará, é tratado como centro autônomo no Norte, porém articulado com a região açucareira, no Nordeste, e com a economia mineira, abordada na terceira parte do livro). Finalmente, o capítulo XXXII trata do deslocamento do centro dinâmico para o Sudeste (com o café e, posteriormente, a indústria). No que diz respeito ao complexo nordestino, Furtado (op. cit. p. 61) observa que as formas que assumem os dois sistemas da economia nordestina – o açucareiro e o criatório – no lento processo de decadência que se inicia na segunda metade do século XVII, consti-

tuem elementos fundamentais na formação do que no século XX viria a ser a economia brasileira. Na mudança do centro dinâmico da economia para o Sudeste, ele observa que (...) o desenvolvimento da primeira metade do século XX apresenta-se basicamente como um processo de articulação das distintas regiões do país em um sistema com um mínimo de integração. Se, por um lado, o rápido crescimento da economia cafeeira entre 1880 e 1930 criou fortes discrepâncias regionais de níveis de renda per capita, por outro dotou o Brasil de um sólido núcleo em torno do qual as demais regiões tiveram necessariamente de articular-se (op. cit. p. 238). Essa análise compreende, portanto, uma abordagem histórico-estruturalista (centro versus periferia) não apenas no contexto internacional, mas também do ponto de vista interno (regional) no caso específico do Brasil. Assim, entende-se que o autor faz uma leitura regional a fim de enfatizá-la como elemento central na evolução do processo

“Procura-se destacar como aspecto diferencial na análise das contribuições teóricas de Furtado a sua leitura regional na interpretação histórico-estruturalista da relação desenvolvimento/subdesenvolvimento associada ao caso brasileiro”. Revista de conjuntura

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de industrialização e da implantação do modelo de substituição de importações no País. Segundo ele (idem, ibidem): (...) o processo de industrialização começou no Brasil concomitantemente em quase todas as regiões (...). Entretanto, superada a primeira etapa de ensaios, o processo de industrialização tendeu naturalmente a concentrar-se numa região (Sudeste). A etapa decisiva de concentração ocorreu, aparentemente, durante a primeira guerra mundial, época em que teve lugar a primeira fase de aceleração do desenvolvimento industrial (...). Os dados de renda nacional parecem indicar que esse processo de concentração se intensificou no após-II guerra mundial. A conseqüência tem sido uma disparidade crescente nos níveis de renda per capita entre as diversas regiões. Dessa forma, o autor prenuncia (p. 240-242) que “essa disparidade de níveis de vida, que se acentua atualmente entre os principais grupos da população do País, poderá dar origem a séries tensões regionais. A solução desse problema constituirá, muito provavelmente, uma das

preocupações centrais da política econômica no correr dos próximos anos”. Furtado continua prevendo que o processo de integração econômica dos próximos decênios, por um lado, exigirá a ruptura de formas arcaicas de aproveitamento de recursos em certas regiões e, por outro, requererá uma visão de conjunto do aproveitamento de recursos e fatores no País. Nesse momento, ele considera a relação entre integração regional e crescimento: “É de supor que, caso progrida essa integração, a taxa média de crescimento da economia tenderá a elevar-se”. Portanto, a visão regional se impõe como tema fundamental, senão central, de análise da questão da distribuição de renda, relacionada ao problema de propriedade fundiária ou aos conflitos sociais advindos do caráter inerente ao processo produtivo capitalista. A preocupação com a unidade, a integração nacional, a “visão conjunta do aproveitamento de recursos e fatores”, associada ao receio de conflitos regionais, comprova que a questão regional constitui-se em tema

“A visão regional se impõe como tema fundamental, senão central, de análise da questão da distribuição de renda, relacionada ao problema de propriedade fundiária ou aos conflitos sociais advindos do caráter inerente ao processo produtivo capitalista”. Revista de conjuntura

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singular de avaliação e compreende uma das bases da conformação estrutural heterogênea do país. As questões de propriedade da terra e de conflitos sociais assumem, assim, contornos regionais específicos, em decorrência da evolução histórica diferenciada das diversas regiões do País, definindo estruturas econômicas regionais distintas (elas próprias heterogêneas). 3. Contribuições políticas de Celso Furtado Quando se observa a distribuição das escolas de pensamento econômico nacionais que atuaram no debate da década de 1950, Bielschowsky (1988) mostra que a maioria absoluta compartilhava a crença no papel fundamental da ação reguladora estatal. Esse contexto de adesão sobre a importância do Estado para se alcançar o desenvolvimento auxilia a análise de Furtado, embora assimilado sob uma ótica particular. As diferenças surgem no seu entendimento da evolução do capitalismo em países em condições estruturais desiguais. Enquanto nos países desenvolvidos, onde surgiu a social-democracia, a diversificação das funções do Estado viria manter o crescimento e ampliar o bem-estar social via regulação de direitos trabalhistas, leis assistenciais etc., nos países subdesenvolvidos o aumento da ação do Estado tornava-o agente direto responsável pelo incentivo ao desenvolvimento. O caráter de bem-estar social não foi preponderante no Brasil porque, segundo a visão geral dominante ainda hoje, a distribuição da riqueza ocorreria

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posteriormente à implantação do modelo de crescimento (noção do “crescer primeiro para repartir depois”). Assim, o papel do planejamento, do Estado e da burocracia estatal tem de ser visto dentro de projetos políticos distintos. A polêmica entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen, a criação da Cepal e o debate desenvolvimentista, no pós-Segunda Grande Guerra, produzem um corpo teórico que fundamenta e consolida o projeto industrial no Brasil. O desenvolvimento industrial passa a ser pré-requisito do desenvolvimento nacional. Os fatores provenientes desse ambiente acabam refletindo um conflito ideológico interno que se traduz numa forte disputa pelo controle do aparelho de Estado. Furtado interpreta esse fenômeno como um processo de ruptura que ocorre quando o desenvolvimento das atividades industriais colide frontalmente com a anterior inserção do país na divisão internacional do comércio, tendo em vista que a industrialização via substituição de importações volta sua atenção para o mercado interno em franco crescimento (da população e do padrão de vida). Celso Furtado define as alternativas que se abrem à economia nacional como uma “internalização dos centros de decisão”. Esse aspecto é importante do ponto de vista da criação de sentimento de nacionalidade, como atributo distinto de outros defensores do desenvolvimentismo com apoio do capital externo. A perspectiva da vinculação entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento do conjunto da

“A perspectiva da vinculação entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento do conjunto da estrutura social constitui produto da análise furtadiana”. estrutura social constitui produto da análise furtadiana. A idéia de substituição de importações e da possibilidade de aprofundar o processo até o estágio de implantação da indústria pesada no País combina três elementos presentes na teoria cepalina: a diversificação da estrutura produtiva, o tamanho do mercado interno e a capacidade para importar. A novidade nessa primeira fase é a adoção do consumo, priorizando a renda auferida pelos trabalhadores, como centro do processo de expansão sem conflitos do capitalismo. A partir desse quadro mundial e nacional, surge a questão do planejamento regional, que teve a contribuição e a participação diretas de Furtado quando ele se desligou definitivamente da Cepal e assumiu uma diretoria do BNDE, no período de setembro de 1958 a julho de 1959. Foi nomeado interventor no Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), cujo estudo final, Uma política de desenvolvimento para o Nordeste, é marco da criação, em 1959, da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), primeiro órgão de desenvolvimento regional do País Revista de conjuntura

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e considerada uma experiência original no mundo. Furtado seria o seu primeiro superintendente. Em documento da Sudene de 1962, Ianni (op. cit. p. 161) salienta o diagnóstico de que a deficiência estrutural da economia nordestina, baseada em agricultura de subsistência, e a pressão demográfica crescente agravariam problemas sociais e políticos, comprometendo a unidade e a segurança internas. Conforme Oliveira (2000, p. 109), “antecipando uma teorização que somente veio a produzir-se nos anos 1970, Furtado propôs uma reformulação da Federação nos moldes de um federalismo regional cooperativo”. Ao contrário da afirmação corrente, no sentido de que o problema do Nordeste era a seca, Furtado afirma que o problema provém da reconfiguração do desenvolvimento brasileiro e da forma como essa região está inserida na mesma. A causa (Bacelar, 2000, p. 168-169) “era a estrutura sócio-econômica e política montada há séculos na região. A explicação estava na nossa formação histórica.” Esse diagnóstico regional semelhante ao nacional, no arcabouço “histórico-estruturalista”, possibilita

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“As características tecnológicas mundiais (inovação gerencial e organizacional) mudaram radicalmente a base técnica da indústria e conformaram um novo padrão de desenvolvimento”. um movimento teórico-político cada vez maior em direção a uma “regionalização” do modelo de substituição de importações. Na década de 1960, Furtado elabora os dois primeiros planos de desenvolvimento para o Nordeste (Operação Nordeste), concebendo e implantando políticas de incentivos fiscais para os investimentos naquela região. Posteriormente, esse modelo foi expandido para as regiões Norte [Sudam] e Centro-Oeste [Sudeco], incentivando a descentralização da indústria em expansão no País. Sua tese, elaborada no período militar, segundo a qual regimes fechados conduziriam inevitavelmente ao estrangulamento econômico, não se confirmou. Anos mais tarde, Furtado reconsiderou suas posições, introduzindo o conceito de “modernização do subdesenvolvimento”. Porém, como já previa Furtado (1968), o crescimento apoiado no mercado interno dependia, necessariamente, da prévia distribuição de renda. Por causa do anacronismo da estrutura agrária, o crescimento provocou, em muitas regiões, o aumento relativo da renda da terra, premiando grupos parasitários. Na ausência

de uma política consciente que preservasse à ação do Estado o seu caráter social, improvisou-se em nome do desenvolvimento uma estrutura de subsídios que muitas vezes premiou os investimentos supérfluos ou aqueles que vinham permitir, dada a sua tendência monopolística, uma maior concentração de riqueza em mãos de grupos privilegiados. Os trabalhos posteriores à década de 1970 avaliam que o crescimento da economia brasileira, durante o regime militar, introduziu certos aspectos do capitalismo contemporâneo, como novos padrões de consumo, urbanização e surgimento de novos segmentos produtivos. Nos aspectos fundamentais, os padrões tecnológicos e a modernização da produção (aumento da produtividade e técnicas de capital intensivo) permaneceram defasados e sem transformações profundas, distantes dos padrões de modernidade as questões dos direitos sociais, da participação política, da função social do Estado e o problema da democracia. Na década de 1980, as fortes críticas ao modelo adotado anteriormente, bem como as condições práticas existentes no ambiente interno e externo, resul-

taram no esgotamento do modelo substitutivo de importações nos moldes então implementados. As características tecnológicas mundiais (inovação gerencial e organizacional) mudaram radicalmente a base técnica da indústria e conformaram um novo padrão de desenvolvimento. A partir da segunda metade dessa década, novos paradigmas foram colocados no debate internacional sobre crescimento econômico. O Brasil desse período, porém, foi marcado por adoções de políticas de curto prazo em razão de tentativas de estabilização econômica e de ajustamento externo que acabaram comprometendo a adoção de uma política de crescimento de longo prazo.3 No fim desse período, podese observar a existência de idéias que vão ao encontro do defendido por Furtado ao longo dos anos, tal como a tese de Barros de Castro (ver Bielschowsky, 2000, p. 50), que introduz a noção de crescimento via mercado interno de consumo de massa, produzido no efeito pósPlano Cruzado (1996) e, posteriormente, fortalecido no pósPlano Real (1995). Isso mostra a compatibilidade entre o aumento real dos salários (redistribuição de renda em prol do trabalhador) e a ampliação de bens e serviços das empresas já instaladas no País, inclusive multinacionais. 4. Releitura de furtado no período recente 4.1. Década de 1990: Ruptura do modelo anterior Muitos estudiosos consideram

3. Como ressaltado por Formiga (2000, p. 249), “desde o governo Geisel, o Brasil deixou de pensar a região e a cidade”.

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que Furtado, nas década de 1980 e 1990, passou à categoria de clássico, como um autor necessário à compreensão do desenvolvimento brasileiro e da transição da economia mercantil para a industrial. Todavia, boa parte dos economistas consideram as referências conceituais de Furtado pouco explicativas dos desafios da economia nesse novo período. Apesar da avaliação corrente nessa direção, podem-se encontrar análises de Furtado (1992) que contrariam essa interpretação, quando ele observa, no início dos anos 1990, que “a partir do momento em que o motor do crescimento deixa de ser a formação do mercado interno, para ser a integração com a economia internacional, os efeitos de sinergia gerados pela interdependência das distintas regiões do País desaparecem, enfraquecendo consideravelmente os vínculos de solidariedade entre elas”. Percebe-se a convergência das questões enfatizadas no presente trabalho quanto à limitada capacidade de superação do subdesenvolvimento nacional sem considerar a importância do mercado interno e da questão regional. Do ponto de vista político, o ano de 1990 constituiu um marco na transição para um novo modelo de crescimento e desenvolvimento para o País. A nova política industrial consubstanciada no Programa Política Industrial e de Comércio Exterior (Pice), no início do governo Collor, previa o aumento da eficiência na produção, e comercialização de bens

e serviços mediante a modernização e a reestruturação da indústria. Observa-se a predominância de instrumentos de caráter geral, com a adoção de instrumentos seletivos apenas nos casos de capacitação tecnológica e desenvolvimento de recursos humanos. O período 1995-2000 é marcado pelo sucesso na estabilização da economia, com o Plano Real adotado no fim de 1993. A política industrial, contudo, não sofreu grandes mudanças em relação àquela definida anteriormente. O documento Nova Política Industrial: desenvolvimento e competitividade (PR, 1998) traz uma discussão das diretrizes básicas e dos objetivos da política industrial vigente no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República. As reformas estruturais são consideradas importantes para favorecer a influência dos meca-

nismos de mercado nas decisões de aplicação de recursos. A liberalização do comércio exterior, a privatização, o fim dos controles de preços, o comportamento mais liberal perante o capital estrangeiro e a criação de um ambiente macroeconômico mais estável são as principais diretrizes para o alcance de maior eficiência e competitividade. Conforme Erber (2002, p. 645), a política industrial nos últimos anos4 incorporou uma atitude liberal chamada eufemisticamente de uma “política de competitividade”. Prevaleceu uma visão de desenvolvimento em que a “tripla abertura” (abertura comercial, liberdade ao investimento direto estrangeiro e privatização) compatibilizaria estabilidade e crescimento. Ele observa que, “tendo por pano de fundo as reformas institucionais preconizadas pelo Consenso de

“A partir do momento em que o motor do crescimento deixa de ser a formação do mercado interno, para ser a integração com a economia internacional, os efeitos de sinergia gerados pela interdependência das distintas regiões do País desaparecem, enfraquecendo consideravelmente os vínculos de solidariedade entre elas”.

4. O documento Brasil 1994-2002, a era do real (disponível em <http:// www.planalto.gov.br>) apresenta os fundamentos básicos da política industrial praticada nos últimos anos da década de 1990 e início do século XXI.

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Washington, uma Política Industrial não só seria dispensável como contraproducente”. Se nos anos 1990 os temas de Furtado passam a tratar da natureza e dos limites da globalização, suas preocupações persistem em tocar na questão do desenvolvimento nacional. Em texto publicado pela Revista da Cepal (Furtado, 2000), Furtado observa que a via brasileira de desenvolvimento não tem que ser uma “terceira via”, mas tem que ser uma via própria, resultado de um projeto nacional derivado das especificidades do País, recuperando o mercado interno como o centro dinâmico da economia. A maior dificuldade do Brasil, insiste ele, consiste em reverter o processo de concentração de renda refletida regionalmente. 4.2. Século XXI: Novos caminhos do desenvolvimento? Observados em retrospectiva, os trabalhos de Furtado produzidos até a década de 1970 são aqueles que provocaram maior impacto no pensamento social brasileiro e constituem o eixo da

sua abordagem teórica “histórico-regional-estruturalista”. Ao longo do tempo, seus argumentos receberam adaptações, em razão das transformações ocorridas na realidade sócio-econômica nacional, mas mantêm intactas suas teses iniciais. Nesse sentido, segundo suas avaliações recentes publicadas pela Cepal (Furtado, 2000) e pelo IBGE (IBGE, 2003), mencionadas anteriormente, a maior dificuldade do Brasil continua sendo reverter o processo de concentração de renda, cujas feições regionais são patentes, e colocar o mercado interno como centro dinâmico do crescimento nacional, aspectos estes enfatizados no presente estudo como centrais em sua obra e ainda atuais. Essa visão regional pode ser captada em entrevista recente, em que Furtado (2003, p. 11) observa que “o Brasil continua sendo uma constelação de regiões de distintos níveis de desenvolvimento, com uma grande heterogeneidade social e graves problemas sociais”. Em suma, as desigualdades econômicas e

“As associações entre o papel da distribuição de renda e do mercado interno e o crescimento econômico em sua abordagem analítica devem refletir não somente a heterogeneidade social e produtiva, mas também questões geográficas, particularmente no que diz respeito ao caso brasileiro”. Revista de conjuntura

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sociais (de produto, renda, emprego, salário, educação, saúde etc.) são, em última instância, os vários aspectos das desigualdades regionais ainda existentes no País. Portanto, as associações entre o papel da distribuição de renda e do mercado interno e o crescimento econômico em sua abordagem analítica devem refletir não somente a heterogeneidade social e produtiva, mas também questões geográficas, particularmente no que diz respeito ao caso brasileiro. Esse debate econômico ressurge no início de uma nova etapa política interna, com a eleição do presidente da República, em que se discute a adoção de uma política de crescimento mais planejada e com efetiva participação do Estado. O programa de governo do Partido dos Trabalhadores (PT), que elegeu o atual presidente da República, traz as linhas gerais de uma nova política industrial e regional para o País, as quais respaldam os argumentos aqui enfatizados e restauram os aspectos originais da análise de Furtado. Nota-se a preocupação na construção de uma política industrial “distanciada de concessões de subsídios e articulada com medidas horizontais de fortalecimento do mercado e da infraestrutura interna”. As principais linhas da nova política sugerem que ela deve ser: planejada nacionalmente a partir das potencialidades regionais; seletiva e vertical; formada a partir da explicitação de metas a serem atingidas pelas empresas como contrapartida do apoio público; e baseada na transparência dos custos envolvidos e do retorno que

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a economia do País poderá receber, entre outras. Nesse sentido, configura-se o esforço de construção de um sistema nacional e inovador de competitividade que pressupõe, entre outros fatores, “combinar as políticas horizontais voltadas ao mercado interno com as verticais e setoriais, voltadas para a capacitação tecnológica e as exportações”. O papel de destaque dado ao mercado interno, como elemento dinâmico ao crescimento nacional, um dos pilares do pensamento de Furtado, pode, então, ser visualizado ao lado da questão regional na concepção programática do novo governo. As considerações anteriores tentam demonstrar que, em vez da noção prevalecente, de que a visão regional de Furtado restringe-se ao Nordeste, sua abordagem é ampla e sua influência pode ser atestada ainda hoje, quando se encontram na agenda política de Ministérios Setoriais preocupações semelhantes, como o caso do Ministério da Integração Nacional e seus projetos de recriação de entidades regionais, Sudene (Nordeste), Sudam (Norte) e Sudeco (Centro-Oeste), ou dos programas de desenvolvimento regional incluídos no Plano Plurianual (PPA 2004-2007) do governo, que configuram modelos regionais de desenvolvimento que levam em conta as especificidades e as potencialidades particulares (históricas, culturais, produtivas, políticas etc.) das diversas regiões do País. Como síntese do momento atual, considera-se a existência de uma tendência ao amplo apoio a uma política industrial, uma vez que poucos acreditam

“O papel de destaque dado ao mercado interno, como elemento dinâmico ao crescimento nacional, um dos pilares do pensamento de Furtado, pode, então, ser visualizado ao lado da questão regional na concepção programática do novo governo ”. que mecanismos horizontais de política macroeconômica sejam suficientes. Em outras palavras, reconhece-se agora que a política industrial tem de ter forte conteúdo setorial. O avanço de posições é evidenciado por diagnósticos da balança comercial brasileira que usam o conteúdo tecnológico das importações e exportações para identificar problemas e sugerir soluções. Nesse sentido, a política industrial deveria visar, simultaneamente, ao aumento das exportações e à substituição de importações (Araújo e Teixeira, 2003). A estratégia associada a esse objetivo seria aumentar o conteúdo tecnológico da estrutura produtiva brasileira para, simultaneamente, reduzir importações e aumentar exportações. Outro objetivo da política industrial seria o de redução da desigualdade, atuando na provisão de serviços sociais básicos, um dos principais problemas da população de baixa renda: saneamento básico, saúde, educação, habitação e transporte público. Finalmente, a vertente regional enfatiza a instalação de pólos ou arranjos Revista de conjuntura

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produtivos locais. A preocupação que surge da análise apresentada é que muito provavelmente a inserção do Brasil na economia mundial globalizada tende a ser amplamente diferenciada, segundo os diversos subespaços econômicos desse amplo e heterogêneo País. Essa diferenciação tende a alimentar a ampliação das históricas e profundas desigualdades sócio-econômicas, se não forem adotadas políticas governamentais de reversão das desigualdades que explorem os potenciais endógenos da diversa base regional do Brasil, que tornam atuais as idéias de Furtado sobre a importância do mercado interno e da solução dos problemas das desigualdades regionais para o desenvolvimento sustentável do País. 5. Conclusões Ao longo dos mais de cinqüenta anos resumidos neste estudo, tomando-se em conta as contribuições de Furtado, podese perceber a extrema coerência, sujeita a críticas e autocríticas,

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“A questão regional ressurge com os projetos de recriação (em tramitação no Congresso Nacional) de entidades regionais (Sudene, Sudam e Sudeco) e propostas para uma política de integração nacional e desenvolvimento regional conduzida pelo Ministério da Integração Nacional (MI)”. e persistência do Autor em torno dos aspectos aqui enfatizados e considerados desde a origem de sua análise: o papel do mercado interno e a questão da desigualdade (regional) para a superação do subdesenvolvimento nacional. No período 1945-1985, em que predominou o modelo de substituição de importações, a agenda política predominante não necessariamente converge com as idéias defendidas por Furtado. Se no fim da década de 1950 e início da de 1960 se encontram algumas convergências em razão, particularmente, de suas próprias passagens por cargos públicos, a partir da segunda metade dos anos 1960 até meados dos anos 1980 definitivamente não podem ser vinculadas suas idéias com as políticas adotadas no País, que foram essencialmente distintas. Ao tentar fazer algumas ligações entre as questões teóricas e práticas de Furtado, referentes ao mercado interno e à questão regional, no período 1946-1963, encontram-se vários exemplos: o Plano de Metas, os Plano de Desenvolvimento do Nordeste,

a Sudene (no governo Juscelino Kubitschek) e o Plano Trienal (no governo João Goulart), de forma que alguns autores chegam a defender a idéia que este último influenciou o Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg), no início do governo militar. Nesse novo contexto, a partir da década de 1970, pode-se dizer que as questões enfatizadas neste estudo foram relegadas ao segundo plano. Não por acaso, atesta-se o aprofundamento da desigualdade de renda no País ao longo do período, enquanto se mudava a ênfase da industrialização substitutiva de importação com base no mercado interno para o mercado externo. A “modernização do subdesenvolvimento” é deixada como herança do período militar, que aprofunda as contradições de um modelo de desenvolvimento concentrador, capaz de absorver avanços tecnológicos e novos padrões de consumo ao mesmo tempo em que reduz a absorção de trabalho e aprofunda as disparidades (regionais) sócio-econômicas.

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Nos anos 90, a ruptura do modelo prevalecente anterior de certa forma destrói, teórica e politicamente, qualquer ligação analítica com as lições de Furtado. A questão regional definitivamente passa a ter uma agenda secundária, senão inexistente, culminando com a extinção, no início dos anos 2000, dos órgãos e dos instrumentos remanescentes de política regional (Sudene, Sudam e incentivos fiscais). Ao mesmo tempo, persistem as políticas de estímulo ao comércio exterior em detrimento do mercado interno. Recentemente, a posse do presidente da República, de partido historicamente defensor do papel ativo do Estado na economia, recupera, pelo menos em termos de agenda programática, questões relevantes que podem ser associadas novamente aos pontos aqui levantados (mercado interno e questão regional), como uma atualização das idéias originais de Furtado no ambiente atual de discussão sobre uma nova etapa de crescimento e desenvolvimento do País. A questão regional ressurge com os projetos de recriação (em tramitação no Congresso Nacional) de entidades regionais (Sudene, Sudam e Sudeco) e propostas para uma política de integração nacional e desenvolvimento regional conduzida pelo Ministério da Integração Nacional (MI). Ademais, o PPA 2004-2007 contém programas que podem ser vinculados com ações regionais explícitas. Ao mesmo tempo, o momento atual resgata alguns defensores do mercado interno como fator dinâmico para uma nova etapa

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de crescimento do País, sem necessariamente perder de vista a importância complementar do mercado externo. Enfim, o presente trabalho demonstra que não apenas é importante uma releitura de Furtado do ponto de vista de um entendimento da evolução “histórico-regional-estrutural” do (sub)desenvolvimento brasileiro, como continuam sendo fundamentalmente atuais suas idéias originais, até hoje não totalmente aplicadas, no sentido de verem

resolvidas questões por ele consideradas essenciais para que o Brasil supere definitivamente o estágio de subdesenvolvimento ainda prevalecente. Fica clara, portanto, a mensagem que perpassa toda a obra de Furtado: o crescimento econômico não é condição suficiente para superar o subdesenvolvimento, o que apenas seria alcançado mediante a aplicação de reformas estruturais importantes, entre as quais a superação das desigualdades sócio-econômicas, que em última

instância estão refletidas em desigualdades regionais de renda, produto, educação, salário, saúde etc. A diminuição dessas distorções possibilitaria ao Brasil uma capacidade ampliada do mercado interno a fim de tornar-se fonte dinâmica de um desenvolvimento econômico sustentável, menos vulnerável às forças instabilizadoras externas – sejam comerciais, tecnológicas ou financeiras.

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* Constantino Cronemberger Mendes Técnico de Planejamento e Pesquisa – IPEA. Revista de conjuntura

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R E S E N H A

Alencar denuncia juros, privatizações, endividamento público e censura ao debate econômico Gilberto Maringoni* São Paulo - “Nunca houve na História do Brasil maior transferência de renda, oriunda da produção, o que vale dizer, do trabalho, em benefício do sistema financeiro, nacional e internacional. Isso acontece há quase 10 anos, ininterruptamente (...) Três itens – aumento da dívida, elevação da carga tributária e privatizações – representaram recursos da ordem de 750 bilhões de reais. No entanto, nesse período, não se realizaram, por exemplo, nem mesmo as obras indispensáveis e inadiáveis de infra-estrutura de transporte, como a construção de novas estradas de rodagem, novas ferrovias e hidrovias, onde o potencial brasileiro é imenso”. O leitor poderia ser levado a pensar que o parágrafo acima consta do manifesto de algum partido de extrema-esquerda, ou que foi proferido por uma liderança popular radical. Mas se leu o título deste artigo, já sabe que o autor é bem outro. Trata-se de José Alencar Gomes da Silva, vicepresidente da República. Essas

linhas constam do prefácio de um livro recém lançado, um petardo contra a política econômica inaugurada em 1990, no curto reinado de Collor de Mello, e vigente até hoje. Estrago O cartapácio chama-se Novo-desenvolvimentismo - um projeto nacional de crescimento com eqüidade social, e foi organizado pelos economistas cariocas João Sicsú, Luiz Fernando de Paula e Renaut Michel. Tem 450 páginas. Entre seus autores estão Paulo Nogueira Batista Jr., Carlos Eduardo Carvalho, Fernando Cardim de Carvalho, Leda Maria Paulani e até mesmo Luiz Carlos Bresser Pereira, que compunha a chamada “ala desenvolvimentista” do primeiro governo FHC. Nenhum deles propõe grandes rupturas, mas adota o que se poderia chamar de um reformismo eficiente, como maneira de desarmar os inúmeros gargalos que impedem o desenvolvimento da economia brasileira em ritmo acelerado e prolongado. Como Revista de conjuntura

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toda (boa) coletânea, o livro não é uniforme, mas apresenta um pluralismo bem coordenado. É dividido em quatro partes: “Redirecionando a macroeconomia”, “Reconquistando a soberania nacional”, “Transformando a realidade sócio-econômica” e “Reformando o sistema financeiro”. Estado forte Logo na introdução, os organizadores desfiam suas teses básicas: “1) não haverá mercado forte sem um Estado forte; 2) não haverá crescimento sustentado a taxas elevadas, sem o fortalecimento dessas duas instituições (Estado e mercado) e sem a implementação de políticas macroeconômicas adequadas; 3) mercado e Estado fortes somente serão construídos por um projeto nacional de desenvolvimento que compatibilize crescimento econômico sustentado com eqüidade social; e 4) não é possível atingir o objetivo da redução da desigualdade social sem crescimento

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a taxas elevadas e continuadas”. A visão da mundialização financeira também é implacável: “O projeto globalizante é um projeto de desintegração nacional e de enfraquecimento intelectual, econômico e cultural de todos os segmentos de uma sociedade. Os mercados de sociedades globalizadas são, portanto, tragados com facilidade pelos mercados internacionais”. Em seguida, arrematam: “Nenhum país se desenvolveu ou se mantém desenvolvido – como os Estados Unidos, a França ou a Alemanha – ou entra em rota de desenvolvimento – como alguns países asiáticos – sem um projeto claro que expresse o sentimento de nação”. Apesar de algumas áreas do governo brasileiro – entre outras, seu setor externo – esboçarem uma trajetória mais soberana e altiva, a política econômica impede que tal projeto ganhe consistência. Paulo Nogueira Batista examina a questão das negociações da Alca sob esse prisma, lembrando que o governo FHC “parecia mais ou menos acomodado com a estrutura das

negociações da Alca tal como formulada, no essencial, pelos EUA”. Em seguida, destaca: “O governo Lula alterou o enfoque de maneira significativa. Embora ainda se diga favorável à Alca, o novo governo brasileiro resolveu, logo no início de 2003, buscar maior equilíbrio na agenda de negociação”. Armadilha externa Em seu artigo, a professora da USP, Leda Paulani, constata o que veio a se tornar uma obviedade: “Para surpresa geral, o governo Lula não só continuou, como aprofundou a política econômica ortodoxa que prevaleceu no governo F.H. Cardoso. Uma das hipóteses mais aceitas foi a de que, sem alternativa no momento inicial, ante a herança maldita e o precipício à frente, o governo Lula faria, só no começo, o jogo do adversário (...) A permanência do mesmo modelo não foi uma estratégia para construir o espaço necessário para que o novo governo colocasse em prática seu próprio projeto (...) Ao contrário, tratou-se de uma opção deliberada e cons-

“A visão da mundialização financeira também é implacável: “O projeto globalizante é um projeto de desintegração nacional e de enfraquecimento intelectual, econômico e cultural de todos os segmentos de uma sociedade”. Revista de conjuntura

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ciente de manter o Brasil enredado na mesma armadilha externa em que ele se encontrava”. Por que isso acontece? Respondendo indiretamente, Sicsú vislumbra um dos motivos: “O FMI e grande parte dos governos e economistas estão a serviço dos interesses das coisas financeiras. Não é à toa que, quando muitos economistas largam as suas funções nos governos, vão ocupar (ou são recompensados com) altos cargos, com altíssimos salários, no mundo das finanças. (...) Esses querem manter as coisas como estão. A alternativa é a construção de um projeto nacional pelo pleno emprego, temperado com o espírito de Bretton-Woods e com a ousadia da Malásia da década de 90”. Lembrando: durante a crise asiática de 1997, a Malásia cometeu a suprema heresia de rasgar os manuais do FMI, que recomendavam medidas ainda mais liberalizantes, e impôs controles rígidos sobre a saída de capitais, como forma de evitar a sangria que pressionava por uma abrupta desvalorização de sua moeda. Apesar das ameaças, os resultados foram extremamente positivos. Dois anos depois, sua indústria cresceu 8,9%, a inflação caiu e as reservas cambiais se recompuseram rapidamente. Alternativas Para aqueles que acusam os críticos de não apresentarem alternativas, o livro é pródigo em cartografar caminhos. Fernando Cardim de Carvalho, da UFRJ, por exemplo, aborda um dos sacrossantos tabus do debate econômico: “O sistema financeiro

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brasileiro precisa ser reformado, com vistas a aumentar sua eficiência, medida por três objetivos: canalizar recursos para a sustentação do gasto privado, com particular ênfase no investimento produtivo; diminuir o custo do capital para empresas e consumidores; e promover o acesso de grupos de renda mais baixa a serviços financeiros e a novas classes de ativos”. O livro, entretanto, não toca num elemento essencial para a viabilização de mudanças: a luta política para tornar essas idéias força social, capaz de alterar a rota definida pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central. Não é o objetivo do volume; trata-se de uma discussão nos marcos da Economia. Mas Carlos Eduardo Carvalho, da PUC-SP, alerta para os perigos da acomodação diante da senda atual. “O esquema herdado do período F. H. Cardoso é apresentado como indiscutível, como caminho único e inquestionável. O partido de oposição, eleito para mudar a política, resolveu mantê-la e radicalizá-la. É hora de abrir a discussão sobre os novos caminhos, antes que problemas inesperados gerem situações insustentáveis e conduzam a medidas improvisadas, com custos concentrados em quem paga a conta há muitos anos”. Leia na íntegra o prefácio de José Alencar. Apontando alternativas Este livro nos convida à reflexão. Foi escrito por um notável grupo de economistas, reunidos por esse grande brasileiro que é o Professor-Doutor João Sicsú,

“Na realidade, é a longa experiência empresarial que me autoriza a condenar esse despropositado regime de juros que empobrece nossa economia, levando milhares de empresários à falência e milhões de trabalhadores ao desemprego”. da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, juntamente com o Doutor Luiz Fernando de Paula, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, e com o Doutor Renaut Michel, da Universidade Candido Mendes – UCAM, e aborda praticamente todos os problemas relevantes da economia brasileira contemporânea com uma preocupação propositiva. É isso que o torna particularmente muito rico, magnífico mesmo, e muito útil para o momento por que passa a economia política do País. Depois de mais de duas décadas de baixo crescimento econômico, todas as pessoas com alguma responsabilidade política estão buscando alternativas. Esses economistas fazem mais. Apontam-nas. Não posso dizer que todas ou cada uma das alternativas sugeridas aqui devam ser seguidas ao pé da letra. Em Política, assim como nas Ciências Sociais e, particularmente, na Economia, não há certezas absolutas. O que há de relevante neste livro é que ele questiona uma sabedoria convencional que tem sido reprovada no teste da realidade. Na mesma Revista de conjuntura

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linha, não se deixa embotar pela mediocridade do pensamento único, que prevaleceu no Brasil sobretudo nos oito anos do governo passado. Há aqui um esforço genuíno para escapar das armadilhas econômicas a que fomos levados. Em várias oportunidades, tenho chamado a atenção para a insustentabilidade das taxas de juros no Brasil. Tenho falado como cidadão, como empresário e, principalmente, como político. Na realidade, é a longa experiência empresarial que me autoriza a condenar esse despropositado regime de juros que empobrece nossa economia, levando milhares de empresários à falência e milhões de trabalhadores ao desemprego. Não é preciso ser acadêmico para enxergar o que tenho dito. No entanto, os profissionais mais prestigiados no Brasil contemporâneo têm sido aqueles que aceitam e até recomendam a manutenção dessa política de juros altos, ou regime de juros, como a denomino. Os bons brasileiros que escrevem este livro têm procurado apresentar com rigor científico o que sustento embasado na experiência.

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“Todos temos o direito de criticar a elevação da carga tributária, mas não podemos esquecer que, dela, quase trinta por cento vão para cobrir o custo na rolagem da nossa dívida”. Daí também minha satisfação por ter sido convidado a fazer este prefácio. Honrado pelo convite, aproveito para, de forma sucinta, trazer uma outra preocupação que permanece presente nas reflexões de quantos se dedicam aos temas ligados à economia brasileira. É que, paralelamente aos juros e a eles ligada, há outra questão que precisa ser tratada: a carga tributária. Por que a carga tributária tem crescido tanto no Brasil? Em 1995, início do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ela girava em torno de 28% do PIB e foi elevada para 35%. Houve, portanto, um crescimento de 25%, ou de sete pontos percentuais. O PIB é estimado, hoje, em um trilhão e meio de reais. Então, sete por cento de um trilhão e meio significam cento e cinco bilhões de reais. Além disso, tivemos naquele período – de 1995 a 2002 – um crescimento notável da dívida pública, que girava em torno de 30% do PIB, e foi para 55%. Ou seja, um crescimento, em oito anos, de 83%, ou vinte e cinco pontos percentuais.

Vinte e cinco por cento do PIB, de um trilhão e meio, é igual a trezentos e setenta e cinco bilhões de reais. Quando se aumenta uma dívida, pressupõese que tenha havido a correspondente entrada do dinheiro. Quando cresce a carga tributária, o pressuposto básico é o mesmo. Temos aí: trezentos e setenta e cinco bilhões que, somados aos cento e cinco bilhões, alcançam quatrocentos e oitenta bilhões de reais, em relação a somente um ano, o ano corrente, por exemplo, comparado ao último ano anterior ao início da escalada de majoração da dívida e da carga tributária. No mesmo período, privatizaram-se várias empresas brasileiras: as siderúrgicas, o sistema nacional de telefonia, parte das companhias de eletricidade, a própria Vale do Rio Doce, que é um país. Todas essas privatizações renderam aproximadamente noventa bilhões de dólares. Esses três itens – aumento da dívida, elevação da carga tributária e privatizações – representaram recursos da ordem de setecentos e cinqüenta bilhões de reais. No entanto, nesse período, não se realizaram, por exemplo,

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nem mesmo as obras indispensáveis e inadiáveis de infra-estrutura de transporte, como a construção de novas estradas de rodagem, novas ferrovias e hidrovias, onde o potencial brasileiro é imenso. E isso continua. Por quê? Continua, porque seguimos prisioneiros de uma estranha e inexplicável armadilha macroeconômica. A verdade é que não houve nem mesmo conservação das estradas existentes. Setecentos e cinqüenta bilhões de reais. Para onde foi tanto dinheiro? Grande parte foi para o pagamento dos juros. Aliás, é bom que nos lembremos: um dos principais motivos que nos levam ao enorme crescimento da carga tributária é o despropositado custo financeiro que pesa sobre nossa dívida, levando mais de um quarto de tudo o que se arrecada em nosso país. Todos temos o direito de criticar a elevação da carga tributária, mas não podemos esquecer que, dela, quase trinta por cento vão para cobrir o custo na rolagem da nossa dívida. Alguém pode dizer: mas a rolagem da dívida é devida, os juros têm que ser pagos! É claro que os juros da dívida têm que ser pagos. Só que eles têm que ser pagos em taxas pelo menos aproximadas às praticadas pelo mercado internacional. Se analisarmos uma lista de 30 países - dados disponíveis no sítio da Global-Invest em agosto de 2004 -, inclusive o Brasil, verificamos algo surpreendente. A média geométrica da taxa de juros básica real com que esses países rolam sua dívida pública é de 0,4% ao ano. Nesse mesmo quadro, aparece o Brasil pagando 9,5% de taxa básica real de juros (prevista para os próximos 12

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meses). Se analisarmos apenas os países desenvolvidos, a taxa básica real é 0,1% ao ano. Na verdade, muitos deles pagam taxas reais negativas. E se considerarmos, daquela lista, apenas os países chamados de emergentes, onde está o Brasil, a taxa básica real é 1% ao ano. Não vejo, e acredito que jamais verei, qualquer justificativa razoável para colocar o Brasil em tão adversa, imprópria, desfavorável, inadequada e desastrosa posição. Poderão dizer: o José Alencar não tem autoridade para falar sobre isso; ele não é economista. Todos sabem da minha origem modesta, humilde. Sabem que fui criado no interior, na roça, de família pobre, nem escola havia. Estudei como autodidata. E então não sou autoridade para falar sobre isso. Mas, pela minha experiência de meio século de vida empresarial, não preciso ser economista para saber que, enquanto as atividades produtivas não puderem remunerar, com vantagem, os custos do capital, não poderá haver investimentos na escala de que o Brasil precisa e pode, dado o seu potencial. E o capital é apenas um dos fatores de produção; os outros fatores também precisam ser remunerados. Também não é preciso estudar Economia profundamente para saber que o nosso regime de juros é grandemente responsável pelo elevado risco-país: é fácil entender que os credores internacionais não podem praticar taxas de juros mais baixas para um país em que o seu próprio Banco Cen-

tral mantém taxas de juros dessa natureza. Se nossas autoridades monetárias enxergam problemas que, segundo elas, exigem a adoção dessas elevadas taxas de juros, não seria razoável esperar que os credores internacionais tivessem outro comportamento. Essa é uma das principais razões para o elevado risco-Brasil, que cairia, seguramente, a partir do momento em que caíssem os juros a patamar civilizado. Quando uma empresa leva sua duplicata a um banco, seja estatal ou privado, e paga, na melhor das hipóteses, trinta por cento de juros, ao ano, está correndo sério risco de fracasso, porque transfere, na operação, toda a sua renda para o banco. Nunca houve na História do Brasil maior transferência de renda, oriunda da produção, o que vale dizer, do trabalho, em benefício do sistema financeiro, nacional e internacional. Isso acontece há quase dez anos, ininterruptamente. Tenho falado sobre isso em várias ocasiões, mas nem sempre sou bem compreendido. Numa dessas ocasiões, na Associação Comercial do Rio de Janeiro, observei que a Constituição de 1988 acabou com a censura, exceto a censura sobre quem decide

bater nesse desastroso regime de juros. Essa continua. E tenho sido vítima dela, muitas vezes até pela distorção do que falo. Mas vou continuar na minha luta, porque os que me conhecem sabem que não ingressei na vida pública para atender a nenhuma necessidade material. Ingressei movido pelo sonho de ver um Brasil próspero e menos desigual. Para realizar esse sonho, que é de todos os brasileiros, tenho tentado oferecer alguma contribuição oriunda da minha experiência. Recomendo a leitura dos ensaios que formam este livro. Neles há sérias advertências que abrem oportunidades para a reflexão nacional, de que tanto estamos precisando. Os brasileiros preocupados com o destino do Brasil e, sobretudo, com a superação das dificuldades por que temos passado, encontrarão espaço para exercitar a inteligência, na busca de alternativas que possam consultar os elevados objetivos nacionais. Brasília, agosto de 2004

* Gilberto Maringoni Jornalista e historiador

Saiba mais: Novo-Desenvolvimentismo - Um projeto nacional de crescimento com eqüidade social Editora Manole, www.manole.com.br, Fundação Konrad Adenauer, R$ 44

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A R T I G O

Perdas e danos: a lei das parcerias público-privadas Ceci Vieira Juruá* Introdução Foi promulgada em janeiro último a lei das parcerias público-privadas (PPPs). Em linhas gerais, e guardando as devidas proporções, esta lei aparenta ser um equivalente histórico das leis garantidoras de juros sobre capitais aplicados em ferrovias, portos, engenhos e outras atividades desenvolvidas no Brasil, durante o Segundo Império e a República Velha. Assim, vale relembrar agora acontecimentos daquele tempo e as formas pelas quais os prejuízos de uns (o povo brasileiro) foram transformados em lucros de outros (altas finanças internacionais e oligarquias domésticas). Mais do que um incentivo financeiro, as leis de garantias de juros selaram uma aliança entre elites nacionais e estrangeiras, convertida progressivamente em

pacto de dominação colonial. Conviveram estas leis com a estagnação social, apesar das taxas de crescimento econômico do período, impediram uma trajetória de desenvolvimento soberano e sufocaram o surgimento de lideranças empresariais autônomas, das quais a principal expressão foi o Barão de Mauá, em meados do século XIX. Figura proeminente do Segundo Império, o Barão de Mauá encerrou as atividades de importação e exportação em meados de 1840, iniciando uma carreira de empresário, industrial e banqueiro, diplomata e político. Brasileiro, gaúcho, ele tentou formatar uma via de desenvolvimento capitalista, promovendo indústrias e moderna infra-estrutura, com tecnologias avançadas similares às dos países centrais (Inglaterra, sobretudo). Abominava a escravidão.

Defendeu uma política monetária autônoma e independente de variações cambiais. Por opção, mas também conduzido pela relação de forças vigente naquela época, esteve sempre associado a capitais britânicos. Estimulado pelas tarifas protecionistas, intencionais ou não, promulgadas pelo Secretário de Estado da Fazenda, Alves Branco (Decreto n° 376, de 12-08-1844), o Barão de Mauá implantou inicialmente uma fundição e um estaleiro em Ponta da Areia; em seguida, criou companhias de navegação e ferroviárias, e os primeiros serviços urbanos de canalização de água e de iluminação a gás. Foi derrotado pela aliança das elites agrárias com o capital financeiro e industrial britânico e faliu. (1) Uma releitura da nossa história naquela fase da “Aurora Burguesa” (Caio Prado Jr.) per-

1 Há muitas divergências, e até omissão, quanto ao papel histórico do Barão de Mauá. Assim, em “O Império do Brasil”, o nome de Mauá nem é citado na parte 6.4, que trata das “ferrovias do progresso”. Para seu biógrafo oficial, Alberto de Faria, que teve uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, Mauá foi um homem extraordinário, um precursor, um nacionalista convicto da necessária solidariedade entre o progresso da Pátria e a riqueza do cidadão, o “maior nome da América do Sul, um dos grandes do mundo, tratando de igual para igual com as melhores firmas.” [pág 511] Para Castro Rebello, professor de direito da Bahia, Mauá era um homĐ poderosos, e que, na verdadeĐ obra de Rebello sobre Mauá, Francisco de Assis Barbosa informa sobre Castro Rebello que “foi a concepção materialista da história que o fez contemporâneo dos novos tempos”!

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mitiria constatar que, por volta de 1850, iniciávamos o processo que André Gunder Frank denominou “desenvolvimento do subdesenvolvimento”. Utilizando outra expressão de sentido equivalente, Celso Furtado chamou a atenção para o fato de que, em economias subdesenvolvidas, “o excedente em mãos da classe dirigente tende a originar formas de consumo suntuário ou a filtrar-se para investimentos no exterior”. Na verdade, o fausto das oligarquias brasileiras, inaugurado pela “Aurora Burguesa”,

conviveu com a dívida pública crescente e com a subordinação dos poderes de Estado à Casa Rotschild, até a Revolução de 1930. Na tabela abaixo apresentamos dados orçamentários relativos aos anos inicial (1852) e final (1886) do primeiro ciclo ferroviário (2). São números que ilustram o peso da dívida na Despesa Geral do Império (os encargos da dívida passaram de 24% para 34% do total, mais a garantia de juros, que absorvia 5,8% da Despesa).

Vemos também que, naqueles 35 anos, pressionada pela dívida e pelos juros ferroviários, a Despesa Geral aumentou 400,7%, à taxa média anual de 11%. As receitas do Governo, dependentes do comércio exterior, não acompanharam a evolução da despesa, pois as exportações tiveram um crescimento mais lento (167,8%), com taxa média anual de 5%. Juros (lucros) garantidos constituíam, na prática, uma forma de duplicar os encargos da Nação relativamente ao capital estran-

Despesa Geral do Império, dívida e garantia de juros, e valor médio das exportações na década respectiva. Brasil, anos selecionados.

Despesa Geral (contos de réis) sendo: Dívida Externa Dívida Interna Garantia de juros Média Export. da década: em contos de réis em libras esterlinas

1851-52

1886-87

Variação (Indice) 500,7

27.482

137.606

2.847 3.700

16.759 30.465 7.925

588,7 823,4

90.000 10.000

241.000 22.000

267,8 220

Fonte: leis orçamentárias e Caio Prado Jr (1965).

geiro. Pagávamos juros sobre empréstimos externos que, uma vez internalizados, davam direito a um retorno mínimo garantido pelo Estado, sem risco cambial após 1873. Seus efeitos sobre as finanças públicas foram danosos e engendraram uma situação de déficit crônico, estrutural. Em 1886, dívida pública e garantias ferroviárias representavam mais de 40% da despesa geral do Império e anunciavam já a primeira bancarrota do Tesouro Nacional e a primeira

moratória da dívida externa, que ocorreriam em 1898. Mas, a garantia de juros aos capitais aplicados em certas atividades, a partir de 1852, não foi apenas um facilitador de investimentos estratégicos; foi também uma peça política essencial na aliança tecida entre elites agroexportadoras e altas finanças internacionais. Favoreceu sobremaneira a construção de ferrovias, elo importante de ligação entre as zonas de produção de café e

açúcar e o litoral. No entanto, um longo tempo decorreu entre a primeira lei autorizativa de privilégio de zona para concessão ferroviária, a Lei Feijó, de 1835 (privilégio acrescido da garantia de juros, em 1852), até a considerada “lei fatal” de 1873 (Lei n° 2.450, de 24 de setembro). A expressão “lei fatal” foi utilizada pelo Dr. Chrockatt de Sá, durante a 5ª Sessão Ordinária do Clube de Engenharia, em 5-1-1901, para sinalizar que, após 1873, a

2 Segundo Ana Célia CastĐ ferroviário inauguradĐ navegação e seguros. Em 1886, a EF D. Pedro II (Central do Brasil) era a ferrovia mais extensa, com 1.082 km, e fora “construída por iniciativa nacional, tendo recorrido, no entanto, a um vultoso empréstimo inglês (1.200.000 libras) em 1858.” [Ana Célia Castro, pág. 51].

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“O processo de transformação de bens públicos em mercadorias, com a intermediação do Estado, permitirá adotar critérios de rentabilidade privada para definir prioridades e para configurar tecnicamente os padrões produtivos de obtenção de tais mercadorias ”. responsabilidade do Governo Central “cresceu de 150%, sendo criada a responsabilidade do juro de 7% sobre um capital de 8,8 milhões de libras esterlinas”. Neste momento, em que, através da Lei n° 11.079/05, são reeditadas práticas de subsidiar o lucro privado, como ocorreu no século XIX, não deveríamos refletir atentamente sobre aquela lição histórica? Da análise de conseqüências já verificadas, não poderíamos retirar alguns ensinamentos que nos permitam minimizar os riscos previsíveis embutidos nas PPPs? Deixando ao leitor a resposta a estas questões, que merecem um amadurecimento progressivo, passamos à análise da Lei n° 11.079/05, Lei das PPPs. Abordaremos, previa e sucintamente, as modificações introduzidas no projeto de lei pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal (CCJ/Senado). 1-Lei n° 11.079/05 e PLC 10/04: comparação sumária

A promulgação da Lei n° 11.079/05, com apenas dois vetos do Presidente da República, representou uma vitória parcial dos movimentos sociais que combateram, ao longo do último semestre de 2004, o PLC n° 10/04, que a originou. Na verdade, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal (CCJ/Senado) realizou um bom trabalho, pois o substitutivo elaborado pelo relator da Comissão, Senador Rodolpho Tourinho, permitiu expurgar do PLC 10/04 alguns de seus traços mais perversos, que haviam sido apontados pelos movimentos sociais e por vários senadores ao longo dos sucessivos debates e audiências públicas realizados em 2004. Ao mesmo tempo, a Comissão manteve a substância central do projeto - a introdução de novas e duradouras formas de relacionamento entre o Estado brasileiro e o setor privado, através das quais o Estado utilizará recursos públicos para garantir o lucro privado. O processo de transformação de bens públicos em mercadorias,

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com a intermediação do Estado, permitirá adotar critérios de rentabilidade privada para definir prioridades e para configurar tecnicamente os padrões produtivos de obtenção de tais mercadorias. As principais modificações introduzidas pelo Senado consistiram, primeiramente, na proibição de utilização do regime de parcerias em atividades exclusivas do Estado e na fixação de um teto para os gastos públicos com PPPs, conforme veremos adiante, no item 2. A utilização da arbitragem (tribunais privados) também sofreu restrições, pois ficou estabelecida a obrigatoriedade de uso da língua portuguesa e de território nacional. Por outro lado, a Comissão do Senado ratificou a competência do Tribunal de Contas na fiscalização dos recursos públicos empregados em PPPs. e restringiu os poderes do Órgão Gestor das Parcerias (OGP). Outra alteração importante consistiu na subordinação dos efeitos decorrentes de cláusulas contratuais às leis brasileiras em vigor, especialmente às leis de licitações e de concessões e permissões de serviços públicos. De caráter também substancial, o último artigo da Lei n° 11.079/05 sujeita os parceiros privados às penalidades do Código Penal brasileiro e às outras normas legais que visam coibir o abuso na utilização de recursos públicos. Enfim, em linhas gerais, os pontos do PLC 10/04 rejeitados na CCJ/Senado coincidiram bastante com as críticas feitas pelos movimentos sociais. Mas esta vitória parcial dos que se

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opuseram à lei de parcerias, não está garantida “para todo o sempre”. O texto atual da lei das parcerias deve ser visto como provisório, pois ele representa apenas o momento inicial do longo conflito anunciado. Na versão final, ficou explícito o sentido restrito das parcerias autorizadas, conforme passamos a expor. 2-Parcerias são... simplesmente novas modalidades de concessão O texto da Lei n° 11.079/05 deixa bem claro que não se trata de um sistema de parcerias entre iguais, mas sim de uma nova modalidade de relacionamento Estado/setor privado, com direitos e obrigações distintos por parte dos contratantes. Nesta perspectiva, a nova lei pode ser considerada como um simples aditivo à antiga Lei de Concessões e Permissões de obras e de serviços públicos (Lei n° 8.987/95), pois ela autoriza o Estado a realizar duas novas formas de concessão: a concessão patrocinada e a concessão administrativa, e é delas que a Lei de parcerias trata. Permanece a modalidade anterior, praticada até aqui, que passa ser denominada de concessão comum. No texto da lei, as duas novas modalidades estão definidas, conforme indicamos a seguir. Concessão administrativa Art.2º, § 2º Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

Em tese, e a princípio, a definição acima permite conceder/ delegar ao setor privado a produção e o fornecimento de bens e serviços públicos de uso gratuito, o que significa uma área de abrangência bastante ampla: manutenção do patrimônio histórico e cultural, serviços de educação e de saúde em estabelecimentos públicos, preservação do meio ambiente, saneamento básico, funções de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico em laboratórios públicos, por exemplo, entre outras atividades. Serviços dos quais o Estado é o usuário direto, como os de Informática, também poderão ser objeto de concessão administrativa, sempre que abrangerem mais do que o simples fornecimento de mãode-obra, tiverem valor superior a R$ 20 milhões e prazo contratual superior a cinco anos (exigências gerais de todo projeto de concessão em parceria). Concessão patrocinada Art.2º, § 1º Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas

de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. Segundo a definição acima, a concessão patrocinada é aquela cuja remuneração vai decorrer de duas fontes: tarifa cobrada dos usuários dos serviços (ferrovias, correios, por exemplo) ou de obras públicas (estradas), e um adicional tarifário pago pelo Estado a título de subsídio ao usuário. Entende-se, no caso de concessão patrocinada, que o custo dos serviços (incluída a remuneração do capital investido) é incompatível com a renda dos usuários, incompatibilidade que deverá ser comprovada, a fim de justificar o subsídio com recursos do orçamento público. Os dois casos, de concessão administrativa e patrocinada, são aplicáveis às três esferas da Federação (União, Estados/DF e Municípios) e ao conjunto de entes (fundos, fundações, autarquias, empresas etc.) controlados direta ou indiretamente por um

“O texto da Lei n° 11.079/05 deixa bem claro que não se trata de um sistema de parcerias entre iguais, mas sim de uma nova modalidade de relacionamento Estado/setor privado, com direitos e obrigações distintos por parte dos contratantes”. Revista de conjuntura

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dos entes da Federação (artigo 1º). O regime de parcerias não é admitido para o desempenho das funções estatais de regulação, jurisdicionais e de poder de polícia, nem para quaisquer “outras atividades exclusivas do Estado” (artigo 4º, III). A indelegabilidade das atividades típicas de Estado, introduzida na CCJ/Senado, preserva funções estratégicas do tipo Defesa Nacional, Tributação e Relações Internacionais, atividades componentes do “núcleo duro” do poder de Estado. Estas funções são a manifestação mais imediata da soberania de um povo e o seu exercício pressupõe uma solidariedade irrestrita entre os interesses nacionais de curto e de longo prazo. A repartição de tarefas entre as partes contratantes de uma concessão em parceria será a seguinte (artigos 5º, 6º e 9º): - as sociedades de propósito específico estão incumbidas de implantar e gerir o objeto da parceria; - a administração pública é o poder concedente incumbido de delegar, supervisionar e cobrir, total ou parcialmente, os gastos realizados pelas socie-

dades de propósito específico nos contratos de parceria. Esta repartição de tarefas corresponde, na verdade, à descrição feita por Atílio Borón das “contribuições à ciência do direito” típicas do momento globalizado e imperial. Para Borón, devemos destacar duas dessas “contribuições”: por um lado, uma inovação doutrinária graças à qual, pela primeira vez na história, empresas e Estados se convertem em pessoas jurídicas que gozam exatamente do mesmo status legal. Os Estados deixam de ser representantes da soberania popular e da nação para transformar-se em simples agentes econômicos sem nenhum tipo de prerrogativas nas cortes. ...Essa conquista jurídica é um fenomenal retrocesso que violenta os avanços do direito moderno nos últimos 300 anos; levando em conta a extraordinária preocupação do governo dos USA pelo direito universal, o AMI (Agreement on Multilateral Investments), propõe a abolição do princípio da reciprocidade entre as duas partes que firmam um contrato. Se o AMI tivesse sido aprovado, o que até agora não foi possível graças à tenaz oposi-

“Agora se compreende as razões pelas quais as negociações que culminaram na redação do rascunho do AMI foram conduzidas no mais absoluto segredo e à margem de qualquer controle democrático e popular ”. Revista de conjuntura

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ção das organizações humanitárias e dos diversos tipos de movimentos sociais, uma das duas partes de um contrato teria direitos e a outra, só obrigações... Agora se compreende as razões pelas quais as negociações que culminaram na redação do rascunho do AMI foram conduzidas no mais absoluto segredo e à margem de qualquer controle democrático e popular. [Atílio Boron, pgs. 77-78] Sendo assim, surge uma nova luz sobre as parcerias autorizadas pela Lei n° 11.079/05: seriam elas um substitutivo às exigências feitas pelos países centrais por ocasião do debate sobre o AMI- Agreement on Multilateral Investments? Sem avançar a resposta, sugerimos que se organize logo um debate sobre tal questão. 3-Estão limitados os gastos com parcerias e o capital do Fundo Garantidor de Parcerias A qualidade do trabalho desenvolvido pela CCJ/Senado (nos limites das possibilidades políticas delimitadas pelo empenho pessoal do Presidente da República a favor da Lei) manifestouse, também, na introdução de um limite de 1% da receita corrente líquida para os gastos orçamentários destinados aos pagamentos de parcerias. Assim: Art. 22. A União somente poderá contratar parceria público-privada quando a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas não tiver excedido, no ano anterior, a 1% (um por cento) da receita corrente líquida do exercício, e

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as despesas anuais dos contratos vigentes, nos 10 (dez) anos subseqüentes, não excedam a 1% (um por cento) da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios. Art. 28. A União não poderá conceder garantia e realizar transferência voluntária aos Estados, Distrito Federal e Municípios se a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas por esses entes tiver excedido, no ano anterior, a 1% (um por cento) da receita corrente líquida do exercício ou se as despesas anuais dos contratos vigentes nos 10 (dez) anos subseqüentes excederem a 1% (um por cento) da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios. Os artigos 22 e 28 acima transcritos atenuam os efeitos negativos das parcerias sobre a crise fiscal e garantem, de certa forma, a continuidade do papel do Congresso na análise e aprovação do orçamento fiscal. A ausência de limites poderia colocar os congressistas perante um fato consumado, perante um projeto “imexível” de orçamento, onde a totalidade dos recursos estivesse comprometida com gastos compulsórios, dentre os quais as despesas com parcerias. Nas cláusulas relativas ao Sistema de Garantias houve perdas e ganhos, O sistema de garantias estruturado pela Lei n° 11.079/05 inclui modalidades anteriormente previstas - vinculação de tributos e fundos especiais -, substitui o fundo fiduciário por um fundo garantidor de parcerias (FGP) e acrescenta duas novas modalida-

“O ganho maior, para os defensores de uma sociedade democrática e soberana, foi a adoção do limite global de R$ 6 bilhões nas cotas do FGP que serão subscritas pela administração pública”. des: o seguro-garantia (desde que não contratado junto a seguradoras públicas!) e uma “garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público” (artigo 8º). O ganho maior, para os defensores de uma sociedade democrática e soberana, foi a adoção do limite global de R$ 6 bilhões nas cotas do FGP que serão subscritas pela administração pública. Por enquanto, esse é um “teto máximo para eventuais estragos financeiros nas contas e no patrimônio público”. Devemos ter muita atenção para que esse teto seja mantido e respeitado. Mas este é um ganho que tem custos e ônus que poderão recair sobre as contas do Estado (contratação de avaliação dos bens e direitos transferidos ao FGP, por empresa especializada!), e uma taxa de risco representada pela possibilidade de integralizar o capital do FGP com títulos da dívida pública de valor flutuante. Art. 16. Ficam a União, suas autarquias e fundações públicas autorizadas a participar, no limite global de R$ 6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais), em Fundo Garantidor Revista de conjuntura

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de Parcerias Público-Privadas - FGP, que terá por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais em virtude das parcerias de que trata esta Lei. § 1º O FGP terá natureza privada e patrimônio próprio separado do patrimônio dos cotistas, e será sujeito a direitos e obrigações próprios. § 2º O patrimônio do Fundo será formado pelo aporte de bens e direitos realizado pelos cotistas, por meio da integralização de cotas e pelos rendimentos obtidos com sua administração. § 3º Os bens e direitos transferidos ao Fundo serão avaliados por empresa especializada, que deverá apresentar laudo fundamentado, com indicação dos critérios de avaliação adotados e instruído com os documentos relativos aos bens avaliados. § 4º A integralização das cotas poderá ser realizada em dinheiro, títulos da dívida pública, bens imóveis dominicais, bens móveis, inclusive ações de sociedade de economia mista federal excedentes ao necessário para manutenção de seu controle pela União, ou outros direitos com valor patrimonial.

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“Há poucos anos, vivenciamos em nosso País uma fase altamente produtiva em matéria de geração de idéias e de projetos, sucedida por um tempo em que prevalece o pensamento único e a convicção majoritária de que não há alternativas às decisões econômicas tomadas pelo Governo ”. § 5º O FGP responderá por suas obrigações com os bens e direitos integrantes de seu patrimônio, não respondendo os cotistas por qualquer obrigação do Fundo, salvo pela integralização das cotas que subscreverem. § 6º A integralização com bens a que se refere o § 4º será feita independentemente de licitação, mediante prévia avaliação e autorização específica do Presidente da República, por proposta do Ministro da Fazenda. § 7º O aporte de bens de uso especial ou de uso comum no FGP será condicionado a sua desafetação de forma individualizada. Art. 17. O FGP será criado, administrado, gerido e representado judicial e extrajudicialmente por instituição financeira controlada, direta ou indiretamente, pela União, com observância das normas a que se refere o inciso XXII do art. 4º da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. § 1º O estatuto e o regulamento do FGP serão aprovados em

assembléia dos cotistas. § 2º A representação da União na assembléia dos cotistas dar-se-á na forma do inciso V do art. 10 do Decreto-Lei nº 147, de 3 de fevereiro de 1967. § 3º Caberá à instituição financeira deliberar sobre a gestão e alienação dos bens e direitos do FGP, zelando pela manutenção de sua rentabilidade e liquidez. Fato curioso, e negativo, é a introdução de uma modalidade de seguro-garantia sem risco para a seguradora (privada, sem dúvida!), pois o parágrafo 2º do artigo 18 permite ao FGP “prestar contra-garantias a seguradoras, instituições financeiras e organismos internacionais que garantirem o cumprimento das obrigações pecuniárias dos cotistas em contratos de parceria público-privadas.” Vemos também que instituições financeiras e organismos internacionais poderão oferecer garantias aos contratos de parceria sem correr risco algum sempre que exigirem a contra-

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garantia do FGP. Estas cláusulas abrem a porta para similaridades constatadas no século XIX, pois permitem que os conglomerados transnacionais apliquem recursos garantidos por instituições financeiras e organismos internacionais (em moeda forte, portanto), e que essas entidades se concedam contra-garantia junto ao FGP, em títulos da dívida pública, provavelmente. Fica explícita, assim, a probabilidade de ocorrer, no futuro, e em decorrência das concessões em parceria, uma estreita vinculação entre a dívida pública externa e interna. Estaremos voltando ao tempo dos Rotschild? Conclusão: Um leque de alternativas Em toda sociedade há épocas propícias ao amplo debate de idéias e de projetos, e outras em que se verifica a ausência de debate e o vazio de idéias. Não cabe, aqui, especular sobre as razões desses ciclos; basta apontar sua ocorrência. Há poucos anos, vivenciamos em nosso País uma fase altamente produtiva em matéria de geração de idéias e de projetos (do final dos anos 70 ao início dos anos 90), sucedida por um tempo em que prevalece o pensamento único e a convicção majoritária de que não há alternativas às decisões econômicas tomadas pelo Governo. A privatização/desnacionalização dos serviços públicos da década de 1990 foi feita em tempos de pensamento único. O projeto de parcerias públicoprivadas também foi apresentado, em 2003, como a única alternativa viável para implantar

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investimentos de infra-estrutura. Inúmeras respostas foram dadas invalidando esse argumento e demonstrando que, ao contrário, vivemos em fase de abundância de liquidez, de excesso de meios de pagamento esterilizados na dívida pública e na concentração internacional de capitais. O que aparece aos olhos da opinião pública brasileira como ausência de recursos governamentais nada mais é do que “o outro lado da moeda” das políticas fiscal e monetária, dependentes do capital estrangeiro, atreladas ao objetivo de oferecer uma taxa interna de juros altíssima, esta sim, única, porque está entre as maiores do mundo. Resulta também esta visão, a única propagada pela mídia, das condicionalidades impostas ao governo brasileiro pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial, agentes articuladores dos interesses das altas finanças internacionais nas décadas recentes. Na verdade, o estudo da História demonstra que sempre existem alternativas, mas às vezes falta dar-lhes visibilidade. No caso das parcerias, duas alternativas pelo menos já foram levantadas. Uma partiu dos fundos de pensão, que declararam, publicamente, sua disposição de financiar investimentos em infra-estrutura, se tivessem garantia de retorno pouco superior a 6%, em valores reais. A outra foi feita pelo governo do Estado do Paraná, consistindo no lançamento de debêntures populares emitidas por empresas estatais, com benefícios para grandes, mas também para pequenos investidores. As duas alternativas mencio-

nadas acima não envolveriam, diretamente, o setor privado. Os recursos poderiam ser captados e aplicados por estatais, ponto que foi criticado pelos defensores do pensamento único, que “juram de pés juntos” que o setor privado é mais eficiente do que o público. Este argumento é quase imbatível, porque recorre a um dogma, uma afirmação doutrinária, sem análise das condições políticas e sociais que determinam, concretamente, o bom uso de recursos públicos. O que fazer? Uma possibilidade é recorrer, mais uma vez, à História de nosso País, à nossa História. Em visão retrospectiva, podemos afirmar que, no século XIX, a construção de ferrovias por meio do capital estrangeiro e do regime de garantia de juros não era a única alternativa, e talvez não tenha sido a melhor. Quem sabe foi até a pior alternativa? Vejamos alguns pontos específicos. Se é verdade que as ferrovias foram altamente vantajosas para as finanças inglesas e norteamericanas, para cafeicultores, senhores de engenho e usineiros, e para todos os caçadores de privilégios governamentais e de

comissões, o mesmo não se pode dizer de suas repercussões sobre as finanças públicas, como vimos anteriormente. É necessário também considerar as conseqüências negativas suportadas pelo povo nessas ocasiões em que os recursos governamentais ficaram aprisionados por interesses oligárquicos. Repercussões negativas, quando existem, manifestam-se em rebeliões, revoltas, depredações, o que não faltou ao longo do Segundo Império e da República Velha (ver Edgard Rodrigues). Se Mauá pode representar, como julgamos, um exemplo das dificuldades enfrentadas por empresários nacionais em sociedades dependentes do capital forâneo, escravidão, analfabetismo, fome e revoltas populares são a manifestação concreta da impossibilidade de construção de patamares mínimos de justiça social em sociedades desse tipo. Assim, pouco depois da lei fatal de 1873, dezenas de milhares de retirantes nordestinos no Ceará ameaçavam realizar saques e depredações em busca de comida! Em 1880, no Rio de Janeiro, outro movimento popular, com saques e depredações, explodiu

“É necessário também considerar as conseqüências negativas suportadas pelo povo nessas ocasiões em que os recursos governamentais ficaram aprisionados por interesses oligárquicos ”. Revista de conjuntura

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em reação contra o “imposto de vintém”, uma taxa sobre transportes que viria aliviar o Tesouro Imperial. Houve também o Contestado, ao sul, as mortes de milhares de trabalhadores na Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e na que ficou conhecida como a Ferrovia do Diabo, a Madeira-Mamoré. A miséria do povo convivia com a opulência de alguns. Assim, por exemplo, conta-nos Alberto de Faria que os empreiteiros ingleses contratados para construir a EF Santos/Jundiaí, começaram a empregar seus lucros na província de São Paulo comprando uma grande fazenda por 80 mil libras esterlinas! (pág. 193.) O privilégio de zona e “os privilégios para explorar a longo prazo as terras em redor de cada linha férrea criavam verdadeiros monopólios não só no ramo dos transportes, como também no da colonização de terras, agroindústrias como a da madeira, mineração e outras. A cidade de Porto Velho nasceu exatamente assim...” [Francisco F. Hardman, pág. 167] O concessionário desta ferrovia, a Madeira/Mamoré, era o norteamericano Percival Farqhuar,

que construiu um verdadeiro império particular em território brasileiro. Paul Singer entende que este personagem “representava uma forma de penetração imperialista que estava sendo superada.... os interesses da nova burguesia industrial em ascensão requeriam serviços chamados de infra-estrutura... baratos” [pág.387]. Voltando à questão das alternativas, podemos indagar se existiriam alternativas, no século XIX, ao modelo adotado para construir a infra-estrutura requerida pela expansão do comércio exterior. Hoje podemos dizer que sim, que havia pelo menos uma alternativa, de autoria do Barão de Mauá. E a alternativa de Mauá continha objetivos de eficiência, de minimização de custos empresariais e sociais. Seu projeto inicial contemplava o transporte inter e multimodal, ligando o porto do Rio de Janeiro à margem esquerda do Rio das Velhas, até o São Francisco, entroncamento próximo à atual Pirapora. Serviria também às novas zonas de cafeicultura, pois Mauá formulou o projeto de prolongar até Três Rios a EF Barão de Mauá, a fim de captar

“Em 1880, no Rio de Janeiro, movimento popular, com saques e depredações, explodiu em reação contra o “imposto de vintém”, uma taxa sobre transportes que viria aliviar o Tesouro Imperial”. Revista de conjuntura

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as cargas navegando pelo Paraíba do Sul. Em seguida, voltou-se para São Paulo e organizou a ferrovia “Inglesa”, a Santos/Jundiaí, em associação com os Rotschild, cavando aí o início de sua ruína financeira. Mauá organizou ainda as primeiras linhas de navegação fluvial, no Amazonas, evitando, por décadas, a penetração estrangeira naquela região. Na fundição de Ponta da Areia fabricou os primeiros tubos metálicos, máquinas da época (as moendas) e componentes necessários ao estaleiro contíguo. Apoiava-se nas tarifas protecionistas de Alves Branco, em auxílios governamentais representados por subvenções e por demanda garantida para seus produtos. Banqueiro, Mauá vislumbrou as vantagens de associação entre o capital bancário e o capital industrial. E se mais não pensou foi porque enfrentou desde cedo resistências poderosas e iniciativas governamentais que tolhiam os benefícios esperados de suas atividades. Se pensarmos bem, o conjunto da estratégia do Barão de Mauá não apresenta pontos de convergência com a estratégia proposta na segunda metade dos anos 1950, um século depois de Mauá? Uma indústria de bens de capital prévia à produção de bens de consumo, a infra-estrutura como vetor indutor do desenvolvimento econômico, a participação ativa do Estado em apoio ao empresariado nacional, não eram estes pontos da agenda de um projeto nacional para o Brasil em meados do século XX?

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Enfim, se Mauá foi a alternativa que a História não registrou, ou registrou de forma pálida, o mesmo não poderia estar ocorrendo agora? Não estaremos desprezando alternativas mais justas socialmente, mais corretas politicamente, do que as diretrizes contidas na Lei n° 11.079/05? Qual será o nosso futuro se as parcerias constituírem, efetivamente, um equivalente histórico do sistema de garantia de juros do século XIX?

Bibliografia de referência Alberto de Faria. Mauá, Irineo Evangelista de Souza, Barão e Visconde de Mauá. Companhia Editora Nacional, São Paulo/1933 (2ª edição). Ana Célia Castro. As empresas estrangeiras no Brasil, 1860-1913. Zahar Editores, Rio de Janeiro/1978. André Gunder Frank. Capitalisme et sous-développement en Amérique Latine. François Maspero, Paris/1968. Atílio Boron. Império, Imperialismo. Editora Clacso, Buenos Aires/2002 Bruno Théret Regimes Economiques de l’Ordre Politique. Presses Universitaires de France/1992. Caio Prado Jr. História Econômica do Brasil. Editora Brasiliense, São Paulo/1965 (9ª edição) Ceci Juruá.. PPPs, parcerias público-privadas. Mimeo (texto de análise de conjuntura Econômica fev-março de 2004, LPP/UERJ) “

Traços estruturantes do projeto de lei sobre parcerias público-privadas. Mimeo (palestra realizada no Instituto de Economia/Unicamp em setembro de 2004)

Celso Furtado. Dialética do Desenvolvimento. Editora. Fundo de Cultura, Rio de Janeiro/1964 Edgar Rodrigues. Trabalho e conflito. Editora Arte Moderna, Rio de Janeiro. Edgardo de Castro Rebello. Mauá e outros estudos. L. São José, Rio de Janeiro/1975 Eric Hobsbauwn. A Era do Capital. Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro/1977. “

. A Era dos Impérios. Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro/1992 (3ª edição)

Francisco F. Hardman. Trem-fantasma. A ferrovia Madeira-Mamoré e a modernidade na selva. Companhia das Letras, São Paulo/2005 (2ª edição) Odilon Nogueira de Matos. Café e ferrovias. Editora Pontes, São Paulo/1990 (4ª edição) Paul Singer. “O Brasil no contexto do capitalismo internacional, 1889-1930.” Volume . 8 da História Geral da Civilização Brasileira (dir. de Boris Fausto).BCD União de Editoras S.A, Rio de Janeiro/1997 (6ª edição)

* Ceci Vieira Juruá* Economista e pesquisadora Revista de conjuntura

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MANIFESTO - COFECON

Parceria Público – Privada Pelo Conselho Federal de Economia (COFECON) O debate em torno das parcerias público - privadas passou a ocupar, recentemente, o centro dos debates sobre a política econômica nacional. E isso representa grave distorção. O Poder Público no Brasil chegou a poupar, no passado, o equivalente a 4% do PIB, registrando hoje taxa negativa de poupança. O resultado foi a rápida deterioração da infra-estrutura econômica do País, de responsabilidade fundamentalmente governamental. Com as PPPs, recorre-se à poupança privada para compensar a insuficiência da poupança pública.E com o objetivo de atrair o investidor particular para o setor de infra-estrutura, o Governo garante lucros, assumido a totalidade, ou a parte mais substancial, dos riscos do empreendimento. Constitui uma falsa solução, porque a poupança privada é igualmente insuficiente. As poupanças totais do País, que atingiram 25% do PIB no passado, acham-se hoje bem abaixo dessa percentagem e muito longe do

mínimo de 30%, que a experiência dos países asiáticos revela indispensável às taxas aceleradas de crescimento. A solução correta não é, assim, desviar recursos do setor privado, onde também as disponibilidades para investimento são escassas. O correto é adotar providências necessárias para que a poupança nacional volte aos níveis requeridos pelo bom andamento da economia.

E a forma de obter esse resultado se acha claramente expressa na literatura recente sobre o desenvolvimento econômico, inspirada na experiência dos bem sucedidos países asiáticos. Mostra ela que, uma vez adotada estratégia correta de desenvolvimento, as poupanças crescem espontaneamente. Naqueles países, não foi a elevação de poupanças que determinou o incremento acelerado do PIB, mas estratégia correta de desenvolvimento, que resultou em maiores poupanças. No Brasil, se as poupanças se revelaram insuficientes nas últimas duas décadas e meia, foi porque persistíamos em estratégia errada de desenvolvimento. Ou seja, a verdadeira solução para corrigir as graves deficiências da infra-estrutura nacional consiste não em medidas pontuais, mas em nova política macroeconômica, que recoloque o País na trilha do crescimento acelerado. A alegação de que tal é solução de longo prazo e os problemas de infra-estrutura do País exigem medidas de caráter imediato também não pode ser aceita. Se

“O Poder Público no Brasil

chegou a poupar, no passado, o equivalente a 4% do

PIB, registrando hoje taxa negativa de poupança.

O resultado foi a rápida deterioração da infra-

estrutura econômica do

País, de responsabilidade fundamentalmente governamental”.

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bem que nova estratégia de desenvolvimento constitua requisito fundamental, ela pode e deve ser acompanhada de medidas com efeitos de curto prazo. Entre estas está a redução da elevadíssima taxa de juros vigente no País, notoriamente uma das causas básicas da debilidade financeira das três esferas de Governo, medida essa dentro da capacidade do Banco Central, desde que se disponha a adotar, caso se revele necessário, ações de emergência, como a centralização do câmbio, controle das entradas e saídas de capital, e metas mais elevadas de inflação. Em vez da adoção de medidas corretas para eliminar as deficiências de infra-estrutura, o recurso às PPPs vem-se generalizando no País. Estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Goiás se antecipam à legislação federal, anunciando a adoção de medidas destinadas a viabilizar, desde logo, a adoção das PPPs. A par disso, propostas se multiplicam no sentido de ampliar o campo de aplicação do instrumento e a aumentar sua atratividade para o investidor privado. Ou seja, as PPPs começam a se transformar numa espécie de panacéia universal para os males econômicos do País. Ora, essa generalização pode implicar em graves conseqüências de prazos médio e longo. Antes de mais nada, tende a consolidar a idéia de que investimentos em infra-estrutura representam aspecto fundamental das políticas de desenvolvimento,

“As PPPs podem e devem ser aceitas, mas fundamentalmente enquanto medida de emergência e, portanto, de uso estritamente limitado”. quando tal papel cabe aos investimentos diretamente produtivos. Estes se verão, inclusive, dificultados pelo desvio de margem substancial de poupanças para a infra-estrutura. A experiência concreta mostra, outrossim, que, a prazos longo e médio, as PPPs determinam pesados ônus sobre as finanças públicas. Problema desse tipo foi o observado na experiência brasileira no século XIX, quando o Governo garantiu níveis mínimos de lucratividade a investimentos de infra-estrutura. As responsabilidades financeiras resultantes revelaram-se de tal monta que ele se viu obrigado a assumir empreendimentos inicialmente concedidos à iniciativa privada. Dificuldades do mesmo tipo foram registradas na Inglaterra. A par disso, a garantia de lucros, ou o fato de o Governo assumir riscos, patrocina a ineficiência. O objetivo básico de se obter o máximo de resultados com o mínimo de investimentos desaparece, dado que, quanto maiores os investimentos, mais elevados os lucros. Finalmente, a generalização das PPPs constitui o primeiro passo para o que se poderia chamar de um Revista de conjuntura

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capitalismo sem riscos, contra o qual existem duas importantes objeções. Em primeiro lugar, a aceitação do risco se acha na essência do sistema capitalista. É exatamente esta que garante a procura da eficiência operacional. Em sentido contrário, falta dela é freqüentemente apontada como uma das causas do colapso da experiência socialista. Em segundo lugar, à medida que se multipliquem as oportunidades de investimento sem riscos em infra-estrutura, as aplicações em atividades diretamente produtivas serão desencorajadas, fato de extrema gravidade, porque justamente destas depende o sucesso das políticas de desenvolvimento. Nesse contexto torna-se importante definir a posição do BNDES. O papel dessa instituição financeira, de grande importância no desenvolvimento do País, é financiar investimentos em atividades diretamente produtivas, o que exclui qualquer apoio seu ao programa PPPs, orientado fundamentalmente para a infra-estrutura econômica. É, em suma, fundamental evitar erro desse tipo, cometido no passado, quando o Banco desviou

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fundos importantes para apoiar o programa de privatização. Isso não significa que se deva condenar, de forma liminar e radical, as PPPs. No contexto das graves dificuldades de infra-estrutura que vitimam o País, resultantes de 25 anos de semi-estagnação, isso seria pouco realista.

As PPPs podem e devem ser aceitas, mas fundamentalmente enquanto medida de emergência e, portanto, de uso estritamente limitado. Sistema de controle destinado a garantir que sejam usadas apenas em situações críticas ou de alta prioridade se faz, assim, necessário. As iniciativas

estaduais com relação as PPPs devem ser coibidas. A utilização do instrumento deve, finalmente, ser limitada no tempo ou, especificamente, ao período em que medidas do tipo acima referido, destinadas a garantir a retomada do desenvolvimento, não tenham produzido resultados.

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MANIFESTO DOS ECONOMISTAS

“E Nada mudou” Por uma política econômica voltada para um projeto nacional de desenvolvimento, com prioridade para a geração de empregos e a redução das desigualdades sociais. Em junho de 2003, um grupo de mais de 300 economistas brasileiros divulgou um manifesto, no qual advertia para o agravamento da crise social em face do aprofundamento, pelo Governo Lula, da política macroeconômica herdada do governo anterior. Apontamos como alternativa, fruto de um consenso mínimo, um programa de sete pontos, que configurava um compromisso com a adoção de uma política de promoção do pleno emprego, num contexto de retomada do desenvolvimento e de realização da democracia social. Passado mais de um ano, um grupo inicial de cerca de trinta economistas, signatários ou aderentes àquele manifesto, reuniu-se novamente, para fazer uma avaliação da conjuntura econômica à vista de nossas proposições anteriores e das perspectivas que se apresentam à sociedade brasileira. Nossa conclusão, enriquecida por sugestões de outros economistas que assinam o presente documento, é que a situação social se agravou de uma forma inequívoca, e que o ligeiro suspiro de crescimento que se verificou em 2004 não muda o caráter

excludente e pauperizador da política econômica. Ou seja, continuamos no rumo errado; mas há alternativa. A adoção pelo Governo Lula da mesma política econômica adotada no segundo mandato do Governo FHC – e com o objetivo de manter o modelo de economia inaugurado por Collor - demonstra que o desejo de mudança, expresso claramente pelo povo, nas eleições de 2002, foi usurpado pelo mesmo poder econômico, que quer manter a todo custo seus privilégios. É nossa convicção que, a despeito do aprofundamento da crise social, não há sinais de reversão da atual política econômica; ao contrário, o governo tem reafirmado que não quer mudar. Portanto, é nosso dever de cidadania insistir na denúncia de que esta política econômica não atende aos interesses da maioria e que aumentará cada vez mais os problemas sociais. A suposta estabilização macroeconômica, apoiada em políticas monetária e fiscal restritivas, ocorre em detrimento da estabilidade social. As taxas de desemprego e de subemprego nas principais regiões metropolitanas se elevam a um quarto da populaRevista de conjuntura

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ção ativa, o que configura, de longe, a maior crise social de nossa História, levando a uma escalada da marginalização social, da criminalidade e da insegurança. O surto do modesto crescimento econômico deste ano não deve iludir ninguém: 1 - a base de comparação utilizada é com o ano de 2003, quando houve queda do produto; 2 - o crescimento observado concentra-se nas áreas de exportação e de bens de consumo duráveis, enquanto os setores produtores de bens não - duráveis, onde se concentra o consumo das massas, apresenta um comportamento distinto, com alguns de seus segmentos estagnados ou mesmo em queda; 3 - o crescimento apurado efetivamente é ainda muito baixo para ter qualquer efeito relevante sobre a geração de emprego; 4 - a renda do trabalho cai pelo quinto ano consecutivo; 5 - esse crescimento não reduz a vulnerabilidade externa do País, que, ao contrário, tende a agravar-se diante do elevado nível de endi-

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vidamento externo, baixas reservas internacionais, crescente desnacionalização (inclusive da infra-estrutura) e regressão do sistema nacional de inovações. A política econômica do governo coloca a sociedade brasileira em uma armadilha, de tal forma que qualquer ameaça ou chantagem, externa ou interna, é enfrentada com medidas monetárias e fiscais restritivas que agravam a crise social. Além de travar a economia, o superávit primário – elevado para 4,5% do PIB – e os juros básicos de agiotagem – elevados novamente para, agora, 19,75% a.a. – são uma verdadeira máquina de transferência de renda de pobres para ricos, na medida em que implicam a tributação indireta dos pobres, e o aumento da tributação direta da classe média, para o pagamento dos juros da dívida pública aos ricos. A sociedade brasileira deve ser conscientizada de que a atual política econômica não é capaz de nos tirar desta crise e, na verdade, tende a agravá-la,

recorrentemente. E a sociedade brasileira deve ser igualmente conscientizada de que há alternativa. É com esse duplo propósito que estamos divulgando este novo manifesto. Os eixos estruturantes da retomada de um projeto nacional de desenvolvimento são a redução da vulnerabilidade externa e a promoção do pleno emprego. Nesse sentido, propõem-se as seguintes medidas imediatas: 1 - reduzir drasticamente a atual taxa de juros básica (Selic), que serve para remunerar os títulos públicos. Portanto, a taxa de juros passa a ser focada no ajuste das contas públicas; 2 - desvincular a taxa de redesconto (que remunera os empréstimos do Banco Central aos bancos) da taxa Selic, liberando o BC para a utilização ativa das taxas de redesconto, depósitos compulsórios e cobrança de IOF como formas de regulação seletiva do crédito; 3 - estabelecer mecanismos de controle no fluxo de entrada

“A política econômica do governo coloca a sociedade brasileira em uma armadilha, de tal forma que qualquer ameaça ou chantagem, externa ou interna, é enfrentada com medidas monetárias e fiscais restritivas que agravam a crise social”. Revista de conjuntura

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e saída de capitais externos do País, controlando a conta de capitais, com o objetivo de impedir a evasão externa de divisas, em face da queda da taxa de juros; 4 - interromper a captação de recursos externos pelo setor público, recompor de forma contínua as reservas internacionais do País e estabelecer critérios para o processo de endividamento externo privado; 5 - promover a redução do “spread” e dos custos dos serviços dos bancos privados, por meio da rivalidade agressiva derivada da oferta de crédito e de serviços financeiros pelos bancos públicos; 6 - realizar uma reforma fiscal que priorize os investimentos na economia interna e nos programas sociais, e inclua um sistema progressivo de tributação, capaz de acelerar a distribuição da renda e, em conseqüência, o crescimento sustentado da economia e das oportunidades de trabalho; 7 - realizar uma auditoria financeira e social da dívida externa, para dar transparência e justiça ao processo de endividamento, e para tornar efetivo o controle democrático; 8 - administrar a política cambial de maneira favorável às exportações e à substituição das importações, e compatível com o equilíbrio dos fluxos de capitais externos; 9 - reverter o processo de desnacionalização dos setores de produtos não comercializáveis internacionalmente,

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de modo a reduzir a rigidez das contas externas do País (o que implica cancelar o programa parcerias público - privadas); 10 - utilizar os recursos, ora esterilizados no superávit primário, em programas de dispêndio público voltados para a expansão e melhoria dos serviços públicos básicos, como educação, saúde, habitação popular, assim como para investimentos de infra-estrutura e apoio decisivo à agricultura familiar, reforma agrária e economia solidária. Este é um programa que busca ir às raízes de nossa crise para encontrar os elementos de sua superação. Na verdade, não estamos propondo, com este programa, nada de extraordinário no campo político. Com a mudança das políticas fiscal e monetária pretende-se aumentar, de forma sustentada, o investimento e a geração de emprego. A lógica de nossas propostas se baseia na defesa da prioridade em políticas que representem a distribuição de renda e riqueza, e soluções democráticas para os graves problemas que a imensa maioria de nosso povo enfrenta. Do ponto de vista político, é importantíssimo que o povo brasileiro tenha assegurados os direitos garantidos pela Constituição, de decidir por plebiscito e/ou consulta popular todos os temas que afetam toda sociedade, como os acordos internacionais da ALCA, OMC, Mercosul-UEE, transgênicos, entre outros. Por isso, somamo-nos à iniciativa da OAB, CNBB e MST, de iniciar

“Queremos que cada cidadão brasileiro tenha a perspectiva de encontrar trabalho remunerado, acesso democrático a todos os níveis de escolarização e com a devida proteção à saúde”. uma campanha pela regulamentação do direito ao exercício do plebiscito pelo povo, de onde todo poder emana. Queremos que cada cidadão brasileiro tenha a perspectiva de encontrar trabalho remunerado, acesso democrático a todos os níveis de escolarização e com a devida proteção à saúde. É um direito básico, republicano, de cidadania. Não nos conformamos com o fato de que, para milhares de jovens em nossas periferias metropolitanas, a perspectiva mais atraente de sobrevivência seja o aliciamento pelo tráfico de drogas. Não aceitamos que o problema da segurança em nossas cidades seja insolúvel. Não aceitamos a permanente transferência de renda para o setor financeiro e para os rentistas. Não queremos mais que os rumos do País sejam determinados por uma conjuntura internacional volátil, seja no sistema financeiro, seja no sistema mundial de comércio. Estamos convencidos de que, por meio de uma nova economia, será possível estruturar uma nova ordem social e estabelecer uma trajetória de desenvolvimento. A política econômica atual é coerente com a manutenção dos privilégios da camada mais rica Revista de conjuntura

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da população, dos setores financeiros e daqueles voltados para a exportação. A nossa proposta de política econômica é diferente. Ela se insere em um Projeto Nacional de Desenvolvimento voltado para a garantia dos interesses dos que dependem do seu trabalho, da imensa maioria do povo brasileiro. O povo brasileiro, mais de uma vez, deu demonstrações, em nossa História política, de sua capacidade de mobilização e de luta por mudanças, para atender os interesses nacionais, democráticos e populares. Esperamos que o povo se conscientize da necessidade de se mobilizar, mais uma vez, para lutar contra as políticas neoliberais e pela construção de uma ordem social mais justa. A política é o instrumento adequado para a transformação econômica e social. E é fundamental para o progresso democrático que haja ampla circulação de idéias e que a imprensa cumpra o seu papel de informar, sem cair na tentação totalitária do pensamento único. De nossa parte, continuaremos a exercer o nosso dever de criticar e de propor alternativas.

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Quem tem informação tem poder Revista de Conjuntura, o melhor panorama sobre tudo que anda acontecendo.




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