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ISSN 1677-0668 Revista Editada pelo CORECON/DF ANO VI - Nº 24 - OUT/DEZ de 2005

ARTIGOS Economia política do emprego, produtividade e bem-estar na Ilha de Cuba George de Cerqueira Leite Zarur

PÁGINA: 8 Crise política e a taxa de juros João Paulo de Almeida Magalhães

PÁGINA: 20

Os efeitos da taxa de câmbio sobre as exportações e importações

Cerca de R$ 46 bi devem entrar na economia com o pagamento do 13º salário Dieese

PÁGINA: 30 A importância da previdência social para as finanças públicas brasileiras Marcelo Abi-Ramia Caetano

PÁGINA: 35

O doutor em economia pela Universidade de Campinas (UNICAMP), Antônio Correa de Lacerda, em entrevista para a Revista de Conjuntura do CoreconDF, falou sobre os efeitos da taxa de câmbio na economia brasileira e citou produtos e serviços mais afetados com a sobrevalorização cambial. Veja entrevista

PÁGINAS: 5, 6 e 7



Revista Editada pelo CORECON/DF - ANO VI - nº 24 - OUT/DEZ DE 2005

Editorial ...........................................................................................................................................4 entrevista Antônio Correa de Lacerda Os efeitos da taxa de câmbio sobre as exportações e importações........................................5

ARTIGOS George de Cerqueira Leite Zarur Economia política do emprego, produtividade e bem-estar na Ilha de Cuba...................................8 João Paulo de Almeida Magalhães Crise política e a taxa de juros ............................................................................................20 Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos - DIEESE Cerca de R$ 46 bi devem entrar na economia com o pagamento do 13º salário . ..............30 Marcelo Abi - Ramia Caetano A importância da previdência social para as finanças públicas brasileiras . ...............................35

A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contactando o CORECON-DF. O valor da assinatura é de R$ 70,00 anuais, o que equivale a quatro edições da revista.

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EXPEDIENTE

Editorial

Órgão Oficial do CORECON-DF Editor Responsável: Roberto Bocaccio Piscitelli Conselho Editorial: Mônica Beraldo Fabrício da Silva, Roberto Bocaccio Piscitelli, Humberto Vendelino Richter, Maurício Barata de Paula Pinto, Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo, José Roberto Novaes de Almeida e José Aroudo Mota. Jornalista Responsável: Daniela Lima - Reg. DRT/DF: 4926 Redação: Daniela Lima Editoração Eletrônica: Ars Ventura Imagem & Comunicação (61) 3273-1114 Tiragem: 4.000 Periodicidade: Trimestral As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição das entidades. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO – DF Presidente: Mônica Beraldo Fabrício da Silva Vice-Presidente: Roberto Bocaccio Piscitelli Conselheiros Efetivos: Mônica Beraldo Fabrício da Silva, Roberto Bocaccio Piscitelli, Maurício Barata de Paula Pinto, Guidborgongne Carneiro N. da Silva, José Aroudo Mota, Victor José Hohl, Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira, Humberto Vendelino Richter e Maria Cristina de Araújo Conselheiros Suplentes: Newton Ferreira da Silva Marques, Max Leno de Almeida, Evilásio da Silva Salvador, Homero Gustavo Reginaldo Lima, José Luiz Xavier, José Luiz Pagnussat, Jusçanio Umbelino de Souza e Gilson Duarte dos Santos Equipe do CORECON: Iraídes Godinho de Sales, Ismar Marques Teixeira, Michele Cantuária Soares, Jamildo Cezário Gomes e Angeilton Francisco Lima Faleiro. End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília –DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de Funcionamento: das 8:00 as 18:00 horas (sem intervalo)

O orçamento da União para 2006 promete ser uma grande batalha. Depois de vários anos, volta a ser aprovado somente já em pleno exercício financeiro de sua aplicação, o que é um mau começo. Além disso, costuma-se fazer comparações entre a lei orçamentária vigente e o proposto do ano seguinte, quando, na realidade, a primeira comparação a ser feita deveria ser entre o programado e o executado, dada a desfiguração do orçamento público, sob diferentes aspectos: contingenciamento de dotações, retenções financeiras, alterações substanciais – principalmente ao final do exercício -, profusão de créditos impropriamente extraordinários – mediante Medidas Provisórias – e assim por diante. Nestas semanas, para variar, trava-se uma grande discussão envolvendo o “comprimento do cobertor”, isto é, como compatibilizar o aumento do salário mínimo, a correção da tabela do Imposto de Renda, o reajuste do funcionalismo, a compensação aos Estados do ICMS sobre as exportações, entre outras reivindicações. Na prática, o que se tem visto é que o cobertor sempre fica mais curto do mesmo lado. Se por um lado o governo tem sido generoso com o capital, abrindo mão de expressivos recursos tributários, o tratamento com os trabalhadores, servidores, assalariados de um modo geral tem sido rigoroso, implacável mesmo. Basta ver, por exemplo, o apoio que ganhou a duplicação do limite de enquadramento no SIMPLES, em confronto com a resistência com a correção parcial da tabela do Imposto de Renda. Conforme estudos não contestados do UNAFISCO, se houvesse a intenção e a possibilidade de eliminar a defasagem acumulada desde 1996 pelos valores da tabela progressiva, o percentual a ser aplicado seria de 57,12%. Se fosse considerado somente o período do atual governo, esse número seria de 12,61%. Entretanto, o Relator da proposta orçamentária acena com um percentual de 7%. Diz-se que 10% de reajuste acarretaria uma “perda” de R$ 1,3 bilhão, o que também poderia ser traduzido como o ganho que os trabalhadores transferem para o Estado pelo congelamento dos valores. Também é muito curioso utilizar esse tipo de argumentação, quando se sabe que – dados o volume e a composição da dívida mobiliária pública interna, 0,5% de redução na SELIC reduz os encargos de juros da União – anualmente – em R$ 2,6 bilhões! Quanto ao salário mínimo, a discussão também é acirrada. Um aumento para R$ 350,00 acarretaria um impacto de R$ 4,6 bilhões no orçamento. Para variar, alega-se que, além do mais, a previdência e muitos Municípios “quebrariam”. Ora, evidentemente, da forma contábil como se convencionou demonstrar as contas da previdência, artificialmente segregadas e infladas, a questão nunca terá solução. Do ponto de vista dos Municípios, o argumento parece ter adquirido a condição de uma espécie de freio. A partir de um trabalho elaborado pelo DIEESE, com base em dados da RAIS, verificou-se que apenas 9,06% dos servidores municipais recebem até 1 salário mínimo e 39,35%, entre 1 e 2 salários mínimos. Caso o salário fosse dobrado, o impacto seria de cerca de R$ 5 bilhões anuais aos cofres municipais. Por outro lado – convenhamos -, se não conseguimos melhorar a dignidade do piso salarial, há que se admitir que o País está carecendo de reformas urgentes e profundas, muito diferentes das que têm sido aprovadas nos últimos anos. Talvez se deva refletir, inclusive, sobre a viabilidade dessas instâncias político-administrativas, ou, então, sobre a repartição dos recursos e encargos entre as três esferas – União, Estados, Municípios. Continua a haver, ao que tudo indica, uma enorme dificuldade para perceber a importância da valorização do salário mínimo – a começar pela necessidade de uma política para o piso salarial – como fator essencial para a amenização da concentração e das desigualdades de renda no País, e para a eliminação da miséria e a redução da pobreza. É preciso notar que esse acréscimo de renda para as pessoas e famílias beneficiadas seria destinado quase que exclusivamente ao consumo, preponderantemente à alimentação, retornando parte desses recursos, ao Tesouro, via tributação. Em face do nível atual da atividade econômica, tais aumentos na renda pessoal disponível tendem a criar um círculo virtuoso, com aumento da produção, do emprego e da renda. Por fim, os economistas precisam convencer-se de que as decisões mais relevantes nesta área não são de caráter estritamente técnico, e, sim, de natureza essencialmente política.

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ENTREVISTA

Os efeitos da taxa de câmbio sobre as exportações e importações A Revista de Conjuntura do Corecon-DF entrevistou Antônio Correa de Lacerda, doutor em Economia pela UNICAMP, professordoutor do Departamento de Economia da FEA/ PUC-SP e ex-presidente do Conselho Federal de Economia. Lacerda abordou os efeitos da taxa de câmbio na economia brasileira. Citou produtos e serviços mais afetados com a sobrevalorização cambial e falou sobre os ganhos de produtividade gerando compensações para os exportadores. O economista publicou vários livros, sendo o mais recente “Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil”, da Editora Saraiva. Entrevista: Daniela Lima Colaboração: Roberto Bocaccio Piscitelli

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“Diante de uma taxa de câmbio desfavorável, no curto prazo as empresas tendem a manter contratos. Mas, com a perda de rentabilidade, desistem de exportar, enquanto outras desistem de produzir, para importar. Infelizmente é um filme já visto no passado recente da nossa economia”.

Conjuntura - Quais são os efeitos mais diretos e imediatos da queda continuada na taxa de câmbio so­bre as balanças comercial e de serviços? Antônio Correa de Lacerda Uma taxa de câmbio baixa distorce a estrutura de preços relativos da economia. Fica mais barato importar do que produzir localmente. Da mesma forma, prejudica a competitividade de todos os produtos de alto valor agregado. Ambos os fatores impactam não somente a balança comercial e de serviços, mas também o nível de atividades, de investimentos, de emprego e ren­da. Na balança de serviços tende a provocar a aceleração de remessas de lucros e dividendos das empresas transna-

cionais, assim como prejudica a receita de turismo internacional e favorece o turismo de brasileiros no exterior. Conjuntura - Quais têm sido os produtos e serviços mais afetados com essa sobrevalorização cambial? Antônio Correa de Lacerda - Os menos afetados têm sido as commodities agrícolas e metálicas, na medida em que houve aumentos de preços no mercado internacional. Mas esse é um efeito passageiro e, no futuro, os preços das commodities poderão voltar a cair. Isso vai depender da demanda, principalmente da China, e também do fato de que os preços elevados tendem a ampliar

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a oferta, porque mais paises ficarão interessados em exportar esses produtos. Os setores mais prejudicados são justamente aqueles que geram maior valor agregado local. Conjuntura - Na sua opinião, como a tendência observada na taxa cambial repercute em relação aos contratos de médio e longo prazo com o exterior e no ânimo das negociações em curso? Antônio Correa de Lacerda - Diante de uma taxa de câmbio desfavorável, no curto prazo as empresas tendem a manter contratos. Mas, com a perda de rentabilidade, desistem de exportar, enquanto outras desistem de produzir, para importar. Infelizmente é um filme já visto no passado recente da nossa economia (período 1994-1998) a que – esperava – não voltaríamos a assistir tão cedo, tal a gravidade do erro. Isso enfraquece o País em qualquer negociação internacional. O fato de estarmos com o câmbio defasado já nos coloca, por si só, em desvantagem com outros países que praticam justamente o contrário, como China, Índia e Rússia, por exemplo. Conjuntura - Os ganhos de produtividade podem gerar compensações para os exportadores? Fatores de natureza tributária e financeira têm atuado em sentido tão relevante quanto a taxa de câmbio? Antônio Correa de Lacerda - São fatores que têm agravado


a competitividade das empresas. Além de o juro, do câmbio e dos impostos não serem favoráveis, os fatores de competitividade sistêmica com logística, burocracia e infra-estrutura são péssimos. Tudo isso junto, a meu ver, explica por que um país como o Brasil, que é a nona economia mundial, medida pelo PIB por paridade de poder de compra, detém apenas pouco mais de 1% das exportações mundiais. Estamos comemorando o fato de exportarmos este ano menos de US$ 120 bilhões, mas a média do desempenho dos países em desenvolvimento do nosso porte é de, pelo menos, o dobro disso.

Conjuntura - Há riscos de uma deterioração significativa nos saldos de transações correntes? Os eventuais efeitos da atual política se manifestam em que prazos possíveis? Antônio Correa de Lacerda - Tudo depende do que se deseja para o País. Qual o projeto? Nossa trajetória de crescimento e desenvolvimento tem sido, infelizmente, medíocre. O Brasil há vinte e cinco anos cresce apenas 2,5% ao ano. É o lanterninha entre os países em desenvolvimento em termos de crescimento.

Deveríamos solidificar o setor externo, para que a economia pudesse crescer mais sustentadamente. Mas, a meu ver, isso está longe dos atuais objetivos da política macroeconômica, excessivamente centrada nas “metas de inflação”. Nós temos um déficit estrutural na balança de serviços, da ordem de US$ 27 bilhões ao ano. Temos um expressivo passivo externo de 50% do PIB. Não podemos dar-nos o luxo de abrir mão de um sólido superávit comercial e reservas liquidas bem superiores aos US$ 50 bi atuais.

Conjuntura - Na sua opinião, o governo deveria interferir com vistas a neutralizar ou amenizar os efeitos da valorização cambial? Sendo o caso, quais seriam as formas mais indicadas de intervenção? Antônio Correa de Lacerda - Câmbio flutuante puro é uma abstração não presente no mundo real. A imensa maioria dos países pratica uma política de câmbio flutuante administrado ou sujo. Ou seja, o câmbio é livre, mas dentro de determinados limites. Logicamente, o fato de o Brasil ter praticado nos últimos seis meses uma taxa de juros reais de 14% ao ano é um fator determinante para a apreciação cambial. Mas poderia haver maior proatividade do BC para evitar a sobrevalorização, com os vários instrumentos possíveis.

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ARTIGO

Economia política do emprego, produtividade e bem-estar na Ilha de Cuba1 George de Cerqueira Leite Zarur *

I - Contexto histórico e Conjuntura Econômica Prevalece no pensamento econômico a idéia de que racionalidade se confunde com a otimização no emprego dos fatores, visando à produtividade máxima. A discussão do caso da economia socialista cubana demonstra que a eficiência, definida pela otimização no emprego dos fatores, não é o objetivo mais importante desse tipo de sistema. A economia cubana busca, em primeiro lugar, o emprego de toda a população economicamente ativa e a distribuição por igual dos salários, com diferenças mínimas de valor, mesmo que, para tanto, seja sacrificada a produtividade. Por isto, o estudo de Cuba, uma das poucas economias socialistas ainda existentes, reveste-se de grande relevância para o pensamento e para a teoria econômica. Cuba produz cana, tabaco, açú­ car, charutos, níquel, aço, cimento, petróleo, máquinas agrícolas, ma1 2

teriais de construção e possui alguma indústria voltada para a produção de bens de consumo, mas é um país pequeno, que importa metade do petróleo que consome. O Produto Nacional (pela paridade do poder de compra) estava na casa dos U$ 33,94 bilhões (fonte, CIA World Fact Book) em 2004 e o per capita, em U$ 3.000 2. A economia cubana volta a crescer: a previsão para 2005 é de um avanço de 9% do Produto Nacional. O índice de Desenvolvimento Humano do PNUD, de 2001, era o quinto da América Latina, apenas atrás da Argentina, Uruguai, Costa Rica e Chile. Os Estados Unidos, situados a apenas 90 milhas das praias cubanas, têm, desde 1961, utilizado o bloqueio econômico para tentar destruir o sistema político do País. Além disto, durante o governo Clinton foi aprovada a lei HelmsBurton, que proíbe as empresas norte-americanas de realizar qualquer transação com Cuba.

Após o período revolucionário inicial, que trouxe uma grande desorganização e reorganização na economia, o PIB do País passou a crescer, durante 15 anos, a uma taxa anual de cerca de 5% ao ano. Até 1989, o bloqueio norte-americano (iniciado em 1961) não tinha grande impacto, devido ao abastecimento da ilha pelo bloco soviético. Em 1989, o fim da União Soviética representou uma verdadeira catástrofe nacional para Cuba. Sua economia era absolutamente dependente da soviética, cujos subsídios ao País variavam de quatro a seis bilhões de dólares anuais (algo como 20 a 40% do PIB), o que fazia da ilha um fornecedor especializado de açúcar para os países da Europa do Leste. Havia alguma industrialização com base em insumos importados dos demais países socialistas, e a maior parte dos alimentos vinha do bloco soviético. Cessou a produção industrial, quase toda dependente de bens importados. A maior fábrica de têxteis

Este trabalho resulta de um período de pesquisa de um mês, realizado em Cuba, pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO). Dadas as características da economia cubana, não tem sentido o uso de indicadores como PIB ou PNB desvinculados do poder de compra.

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das Américas, por exemplo, hoje desativada em Santiago de Cuba, funcionava no processamento de algodão importado da ex-União Soviética e empregava nada menos do que 14.000 pessoas. O país viu-se sem energia, a indústria sem matérias primas e as pessoas sem comida em casa. A falta de água e os “apagões” tornaram-se parte do cotidiano. De 1989 a 1994, Cuba atravessou o chamado “período especial”, caracterizado pela crise aguda na economia. As estimativas apontam para uma queda súbita de, pelo menos, 40% do PIB. O bloqueio econômico norte-americano, ao qual se associava a maior parte dos demais países latino-americanos, impedia a importação de bens indispensáveis à vida cotidiana, que, de resto, Cuba não tinha como comprar por falta de divisas. A resposta cubana deu-se em diferentes frentes: a primeira foi a liberação da remessa de dólares pelos cubanos de Miami para os seus parentes e amigos que vivem na ilha. Outra medida foi a reativação do turismo como principal vocação econômica do país. Para tanto, foi necessária alguma flexibilização na economia, que permitisse a associação com capitais europeus. Hoje, os hotéis são de exclusiva propriedade do estado cubano ou de propriedade e administração compartilhada com grandes redes européias. A prestação internacional de serviços representa outro fator relevante na economia cubana. O país conquistou importantes avanços na área de pesquisa médica e possui a liderança mundial em setores como o da produção de algumas vacinas, subcampos da der-

“Em 2004, o comércio bilateral chegou a um bilhão de dólares. Nos termos do tratado da ALBA, Cuba importará cerca de U$ 400 milhões a mais da Venezuela, por ano, a metade dos quais em bens de consumo e a outra metade em produtos intermediários para suas indústrias”. matologia, tratamento para viciados em drogas e medicina social. Esta última, organizada ao redor do “médico de família”, destaca-se na América Latina. Atualmente, há 15.000 médicos cubanos na Venezuela, cujos serviços são trocados pelo petróleo, tão necessário à vida de Cuba. Deverão ser treinados dez mil médicos de família venezuelanos nas universidades cubanas. Com os atuais preços internacionais do petróleo, a situação do País estaria, ainda, mais difícil, não fosse a relação com a Venezuela. Cuba e Venezuela fundaram a “ALBA”, Associação Bolivariana de Livre Comércio, como reação à ALCA. Em 2004, o comércio bilateral chegou a um bilhão de dólares. Nos termos do tratado da ALBA, Cuba importará cerca de U$ 400 milhões a mais da Venezuela, por ano, a metade dos quais em bens de consumo e a outra me-

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tade em produtos intermediários para suas indústrias. A Venezuela oferecerá linhas de crédito para a exportação de seus produtos. Para Cuba é um negócio de proporções elevadas. Para a Venezuela representa a possibilidade de exportar algo mais do que petróleo, criando oportunidades em diferentes setores produtivos. Há alguns outros desenvolvimentos recentes, como a exploração conjunta com a China das grandes reservas de níquel da Ilha, que devem situá-la como o mais importante fornecedor internacional desta matéria-prima. Supõe-se que, em dois anos, a exploração de níquel deve superar o turismo como principal fonte de divisas para o país. O investimento anunciado chinês é de U$ 500 milhões Cuba poderá converter-se em um importante ator econômico setorial no mercado de níquel, como

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faz, por exemplo, o Chile, no mercado de cobre. Existem, também, indícios promissores na prospecção de petróleo descoberto por companhias canadenses no litoral cubano. A paisagem do interior do país em abril de 2005 era de rios secos, vegetação amarelada, animais magros e lavouras perdidas, lembrando imagens do Nordeste brasileiro. Em mais da metade do território cubano não chove há, aproximadamente, dois anos. A cultura de cana de açúcar, o principal produto histórico de exportação da Ilha, está extraordinariamente prejudicada. Aproveitando-se deste desastre climático, o governo optou por acelerar ações, já há algum tempo em curso, para erradicar a cana de

açúcar. Fala-se na desativação de 70 usinas de açúcar. Em voltando as chuvas, a cana será parcialmente substituída pela produção de alimentos. Esta alteração é justificada pelos depreciados preços do açúcar ao longo de uma séria histórica mais extensa, em que pese os bons preços recentes do produto no mercado internacional. Contam, ainda, para a decisão, a demanda por alimentos dos cubanos e dos turistas, e a necessidade de “segurança alimentar” para o país. II – Emprego, Produtividade e Bem-Estar Em Cuba não são estatizados, somente, alguns poucos negócios, como restaurantes para turistas

“A economia socialista cubana tem como premissa maior o bemestar e a distribuição da riqueza. Por isto, o emprego é um direito essencial para os cubanos. Como o desemprego não deve existir, há que se inventar no que as pessoas devem trabalhar”.

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instalados em residências, pequenos aluguéis, alguns meios de transporte de passageiros, como os caminhões adaptados da cidade de Santiago, operados pelos próprios proprietários. Existem, ainda, as associações do Estado com empresas estrangeiras, pequenos produtores agrícolas organizados em cooperativas e a economia informal, esta, por definição, fora do controle estatal. Entretanto, até os cavalos e as carruagens para turistas em Havana e Varadero pertencem a “centros eqüinos” estatais. A economia socialista cubana tem como premissa maior o bemestar e a distribuição da riqueza. Por isto, o emprego é um direito essencial para os cubanos. Como o desemprego não deve existir, há que se inventar no que as pessoas devem trabalhar. Visto que a economia não tem condições de oferecer trabalho para todos a partir de uma lógica voltada para a otimização do emprego dos fatores, há um aumento do setor serviços, além do nível requerido para o seu funcionamento ótimo3; algo como o enterrar e desenterrar de garrafas da política anticíclica, porém sem quaisquer outras conseqüências na demanda do que sua concentração em bens de consumo de massa essenciais e pouco sofisticados, bem como no decorrente direcionamento da oferta neste sentido. Devido à escassez de capital e de insumos, o resultado desta forma especial de busca de emprego não amplia o volume da demanda global, mas incide na distribuição de renda, pois equaliza o emprego pela média. Como os salários têm

Segundo o World Fact Book da CIA, em 2004 estavam na agricultura 6.6% da população, na indústria, 25.5% e nos serviços, 67.9% (2004 est.).

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variações muito pequenas de valor, embora não haja desemprego a não ser residual (a taxa é de 2,5%), o nível salarial é muito baixo e, por vezes, também, o desempenho individual requerido, o que é contrabalançado pelo elevado nível de educação da população e seus previsíveis efeitos na produtividade. Outro problema é que, a partir de certo ponto, unidades marginais de mão-de-obra não apenas se tornam desnecessárias, como ainda podem levar a um quadro clássico de rendimentos decrescentes. Assim, na lógica da economia cubana, ao invés de se alocar o emprego a partir das necessidades produtivas, faz-se em termos de necessidades sociais. Não há uma relação entre emprego, produtividade e mercado, como ocorreria em uma economia capitalista. O emprego existe em função do bemestar médio da população, como um direito, e se a base produtiva é baixa, assim serão, também, todos os salários, sem grandes diferenças entre os mais altos e mais baixos. A política do governo é a de possuir várias empresas no mesmo setor, avaliadas pelo seu desempenho financeiro e social. No caso daquelas voltadas à prestação de serviços para a população cubana, prevalece o critério social, ficando o lucro em segundo plano. Nas empresas voltadas ao turismo e à exportação, a lucratividade é mais importante e há uma aproximação maior aos critérios de mercado. A avaliação do desempenho das empresas é realizada pela comparação entre aquelas do mesmo ramo. Caso uma empresa apresente resultados considerados inadequados, é reorganizada e, se após algum tempo não reage, pode ser

“Na lógica da economia cubana, ao invés de se alocar o emprego a partir das necessidades produtivas, fazse em termos de necessidades sociais. Não há uma relação entre emprego, produtividade e mercado, como ocorreria em uma economia capitalista”.

fechada e seus funcionários, retreinados e realocados em outros postos de trabalho. Devido à pressão por emprego, a taxa de mortalidade das empresas e instituições governamentais é baixa e a taxa de natalidade, muito alta. Em um quadro como o atual, de recuperação econômica, é fácil fundar uma instituição na área cultural, o que encontra um mercado em expansão no turismo. Algumas das mansões semidestruídas de Havana ou Santiago podem ser recuperadas para abrigar a nova instituição, e não há custos adicionais de salário, que já seriam, de qualquer maneira, pagos pelo Estado às mesmas pessoas em qualquer outro lugar. Por isto, chama a atenção o nú-

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mero de museus especializados, que, além de possuírem pequenas equipes de pesquisa, complementam os salários dos guardas com gorjetas. Podem se manter pela cobrança dos ingressos, que variam de dois a cinco dólares norte-americanos. Cuba é uma economia dual, onde circulam pesos, a moeda nacional de uso normal dos cubanos, e pesos convertibles, dinheiro adquirido pelos turistas e cubanos que os trocam por dólares, euros ou outras moedas estrangeiras. O peso convertible substitui o dólar, moeda forte de livre circulação até 2004. Há hotéis, restaurantes e lojas que só operam com pesos convertibles e outros que o fazem, apenas, com pesos normais. Em

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“Hoje o salário mínimo é de cerca de U$ 9,00 por mês, ou algo como 225 pesos mensais. A política é de progressiva valorização do peso normal, até que, ao longo dos anos, atinja o nível dos pesos convertibles”.

maio de 2005 o peso convertible estava valorizado em cerca de 10% acima do dólar e o euro cotado a 1,15 pesos convertibles. O dólar ainda era penalizado com uma taxa extra de 10%, o que diminui o impacto na diferenciação de renda decorrente das remessas financeiras provenientes dos Estados Unidos, recebidas apenas pelos que têm família em Miami. Estima-se que a implantação desse sistema tenha rendido cerca de 1,5 bilhão de dólares de reservas adicionais ao País. Durante os anos oitenta, de crescimento acelerado da economia cubana, eram assegurados salários razoáveis para todos. Em 1994, no “período especial”, o peso caiu a 150 por dólar e desde então vem sendo valorizado, 4

chegando a cerca de 25 por dólar, recentemente. Hoje o salário mínimo é de cerca de U$ 9,00 por mês, ou algo como 225 pesos mensais. A política é de progressiva valorização do peso normal, até que, ao longo dos anos, atinja o nível dos pesos convertibles. Os baixos salários devem ser relativizados. Todo cubano tem direito a uma cesta básica mensal, que inclui cerca de 3 kg de arroz, 1,5 kg de açúcar branco, 3kg de açúcar mascavo, uma lata de óleo, 0,5 kg de frango, 0,5 kg de peixe, um pacote de macarrão ou biscoitos, uma barra de sabão de banho, além de charutos e um pouco de café. Ao trimestre, recebe um vidro de detergente líquido. Crianças e velhos recebem um litro de leite por dia4. O restante dos alimentos

São cestas básicas individuais, e não familiares, como as brasileiras.

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necessários para um padrão aceitável de alimentação deve ser adquirido nos chamados “mercados agropecuários”, onde produtores rurais associados em cooperativas vendem seus produtos. Vários itens de vestuário, sapatos, produtos de higiene etc. podem ser demasiadamente caros e devem ser adquiridos em lojas próprias, que só vendem em pesos convertibles. O governo aumentou seu gasto social entre 1997 e 2002, superando os 30% do Produto Interno Bruto (PIB), ou cerca de US$ 1600 por habitante. É o maior gasto social de todos os países da América Latina e do Caribe. O Panamá, o segundo maior gasto social, aplica US$ 1300 por habitante, ou 25% do PIB. No Brasil, o gasto social em 2002 ficou próximo a US$ 950 por habitante, o que representa menos de 20% do PIB (Fonte: pesquisa conjunta de 2004, da CEPAL, PNUD e do Instituto Nacional de Pesquisas Econômicas de Cuba). Tais gastos refletem-se, por exemplo, na educação. Impressionam o preparo e a informação do cubano médio nas ruas das principais cidades do País. A educação é gratuita e de excelente qualidade, devido à decisão política do governo, facilitada pela elevada disponibilidade de pessoal a ser alocado ao setor serviços. Hoje, não há salas de aula, no ensino elementar, com mais de 20 alunos. Os primeiros quatro anos de estudos são de oito horas, período durante o qual as crianças recebem uma boa alimentação. A pré-escola é eficaz e amplamente disseminada. Pelas mesmas razões, quase 70% da população


chega à universidade, o que representa mais uma forma de “emprego”. Para esse grande número de profissionais de nível superior, a economia não tem, entretanto, condições de oferecer atividade compatível com o treinamento profissional recebido. Também a assistência de saúde é boa e gratuita, merecendo destaque o sistema de médicos de família. Cada um desses profissionais atende cerca de 90 famílias. O Estado procura cobrir todas as necessidades médicas da população. Os indicadores de saúde são dos mais elevados: a taxa de mortalidade infantil de Washington é quase o dobro da de Havana. Já a esperança de vida, em 2005, chegava a 74,94 anos para os homens e 79.65 para as mulheres, com uma média de 77,4 anos. Já no Brasil, a média é de 71,41 anos. A esperança de vida em Cuba é, portanto, praticamente a mesma da norte-americana, situada, para os homens, na casa de 74,89 anos e, para as mulheres, na de 80,67 anos (fonte: indexmundi, Internet). A moradia é um problema grave no país. A Revolução deixou as pessoas nas casas em que moravam, mas a maior parte dos membros da elite pré-revolucionária abandonou as suas e mudou-se para Miami. Surgiu, então, uma ampla disponibilidade de mansões e residências confortáveis, que passaram a ser de propriedade estatal. Foram alugadas para diplomatas ou transformadas em prédios de uso público, como residências estudantis, museus, centros comunitários. Até 1989, início do “período especial”, houve investimentos significativos em habitação, descontinuados desde então. O resultado da interrupção foi a

atual falta de espaço para o abrigo de famílias em crescimento e para o surgimento de novas famílias, o que resulta em um excesso de pessoas convivendo sob o mesmo teto. Como os imóveis são privados, sua conservação é de responsabilidade de seus proprietários. Dada a renda média baixa, é normal que imóveis residenciais não recebam a mais elementar conservação. Em Havana, há bairros inteiros em perigo de desabamento, incluindo muitas casas habitadas. A maioria das pessoas vive em imóveis de suas famílias ou alugados por um preço muito baixo, o que representa outra forma de salário indireto. É precário o transporte urbano, sobretudo nas duas maiores cidades, Havana e Santiago. Não houve investimentos na renovação da frota, e a incerteza no abastecimento de gasolina levou ao surgimento de meios de transporte alternativos, como, por exemplo, o “bicitaxi”, uma bicicleta-táxi. Carros america-

nos dos anos quarenta e cinqüenta decoram as ruas de Havana. Em cidades planas, como Cinfuegos, circulam carruagens-ônibus de oito lugares, puxados por cavalo. Em Santiago, o maior volume de transporte público é realizado por pequenos caminhões particulares superlotados. Em Havana, trafegam carretas, transformadas em ônibus, em geral, também, superlotados. O transporte público nas cidades cubanas tem, por via de regra, preços baixíssimos ou simbólicos, compatíveis com a renda de seus usuários e com o serviço oferecido. Em Cuba, a segurança pública é excelente. São raros os crimes de maior gravidade. Embora, a educação e a saúde sejam, em larga medida, gratuitos, e os preços de aluguéis e transportes públicos sejam quase simbólicos, calcula-se que o mínimo para uma família de duas pessoas viver com simplicidade seja algo em torno de 1200 pesos cubanos por

“A moradia é um problema grave no país. A Revolução deixou as pessoas nas casas em que moravam, mas a maior parte dos membros da elite pré-revolucionária abandonou as suas e mudou-se para Miami. Surgiu, então, uma ampla disponibilidade de mansões e residências confortáveis, que passaram a ser de propriedade estatal”.

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mês, o equivalente a cerca de U$ 50,00. A grande maioria da população está em uma situação que, no Brasil, denominaríamos de “pobreza digna”, ou seja, não chega a passar fome, mas vive com pouco mais do que o suficiente para o essencial. É estatisticamente desprezível o número de indigentes, mas a população considerada pobre é de 14%, contrastando com os 32% do Brasil. Há, uma faixa que não consegue garantir a subsistência só com o salário5. Existe, por esta razão, alguma migração para Havana, a partir das províncias orientais, onde há poucas alternativas de complemento da renda do salário. Esses migrantes largam seus empregos, em sua localidade de origem, em busca de melhores oportunidades na capital do país. O abandono do emprego lançaos em uma espécie de “limbo” da

cidadania, pois representa a desistência da participação formal na economia e na sociedade política. Hoje, existe na cidade de Havana pelo menos um bairro inteiro habitado por pessoas vivendo nesta situação, após o abandono de seus empregos na região de origem e, às vezes, na própria capital. Por isto, não têm salário ou cestas básicas. A escola das crianças, porém, é garantida e têm acesso ao médico de família do bairro vizinho. Ingressam na economia informal do turismo, vendendo rum e charutos falsificados, realizando pequenos furtos, oferecendo seus serviços como guias turísticos não-oficiais, pedindo esmolas ou atuando na prostituição. No outro extremo, há a exceção de um grupo mínimo de grandes artistas e atletas de renome internacional (talvez algo como 0,1% da população), que recebem seus

“A escola das crianças, porém, é garantida e têm acesso ao médico de família do bairro vizinho. Ingressam na economia informal do turismo, vendendo rum e charutos falsificados, realizando pequenos furtos, oferecendo seus serviços como guias turísticos não-oficiais, pedindo esmolas ou atuando na prostituição”. 5

A desnutrição, que não se confunde com a fome, chegava a 13%, em 2001, segundo o PNUD.

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estipêndios em dólares, sendo-lhes garantido um nível muito elevado de vida. A política de distribuir o sacrifício por igual reduz a carência absoluta (“indigência”) a quase zero e generaliza a carência média. Por isto, a maior parte dos cubanos pensa em complementar seus rendimentos de salário. Há três formas principais de se obter acréscimos de renda: 1º - atividades relacionadas ao turismo: oferecem a possibilidade de ganhos absolutamente extraordinários, devido às gorjetas, consideradas um direito e solicitadas sem maiores inibições. Os ganhos com gorjetas podem ir de U$ 50,00 a U$ 1000,00 mensais, perfazendo uma diferença de, eventualmente, mais de cem vezes no orçamento doméstico. Por isto, empregos formais no setor turístico, de forma especial os de interação direta com o turista, como carregador de mala de hotel, porteiro, garçom, camareira e motorista de táxi são extremamente disputados; 2º - remessas do exterior. Hoje as remessas do exterior, principalmente dos Estados Unidos, representam uma importante fonte de renda para a maior parte dos países latino-americanos, e Cuba não foge à regra. Calculam-se em cerca de novecentos milhões de dólares as remessas para a Ilha em 2004. Valores considerados pequenos nos Estados Unidos, de U$100,00 ou U$ 200,00, podem significar uma multiplicação de dez ou vinte vezes na renda familiar. Por isto, muitos dos migrantes para os Estados Unidos são, efetivamente, migrantes econômicos, que partem em busca do sustento de suas famílias residentes em Cuba;


3º - corrupção: mesmo Fidel Castro, na televisão pública, tem reconhecido a gravidade do problema da corrupção no país. Esta é rara nos escalões superiores, mas comum nos pequenos negócios. Os milhares de gerentes de lojas, restaurantes e prestadores de serviços, freqüentemente, encontram uma maneira de desviar parte dos recursos que administram para sua conta particular e se “associar” ao proprietário do estabelecimento, o Estado. Recente levantamento da Procuradoria do Estado atingiu a cifra de 16.000 casos de corrupção. Sem dúvida, o Estado pode e deve, também no capitalismo, participar de empresas em setores estratégicos e, especialmente, naqueles que os economistas clássicos denominaram “monopólios naturais”. Exemplos de empresas estatais bem sucedidas no Brasil são Banco do Brasil, Petrobrás, Vale do Rio do Doce, as empresas geradoras e distribuidoras de energia, as de telefonia e muitas outras. Em situações como a da telefonia brasileira, a recente melhoria no sistema seria facilmente obtida por meio de uma simples quebra de monopólio, sem a necessidade de privatização gravosa do patrimônio público. Essas empresas estatais têm ou tinham como razão de sua eficiência, uma clara estrutura de carreira, dotada de expressivas diferenças salariais associadas ao comprometimento de seus empregados com o sucesso da firma. Na campanha difamatória de imprensa a serviço de sua privatização, durante a década de 90, esta valorização do corpo de empregados, essencial para o sucesso de qualquer empresa, foi chamada de “corporativismo”, expressão impregnada de conotações depreciativas.

“É verdade que, em países como o Brasil atual, a punição do trabalhador sem qualquer motivo relacionado ao seu desempenho, por meio do desemprego ou de salários baixos, é muito mais freqüente do que a recompensa, devido à estagnação da economia, às altas taxas de desemprego e à oferta abundante de trabalho”.

Em Cuba, a ineficiência devido aos baixos estímulos salariais pode tornar-se um problema grave. Por exemplo, nos restaurantes para turistas administrados pelo Estado, os garçons são prestativos e eficientes, na expectativa de gorjetas que podem multiplicar os salários. Já o produto da cozinha desses mesmos restaurantes é, freqüentemente, lamentável, pois cozinheiros não recebem gorjetas. Uma vez que o volume de gorjetas depende da quantidade de fregueses, o melhor para todos (incluindo os turistas) seria um acordo entre garçons e cozinheiros para a partilha das gorjetas recebidas pelos primeiros. Uma estrutura bem definida de carreira em empresas privadas ou estatais resulta em um sistema de recompensas e punições para todas as pessoas, tais como a possibilidade de ganhar um bom rendimen-

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to ou o risco de perder o emprego. É verdade que, em países como o Brasil atual, a punição do trabalhador sem qualquer motivo relacionado ao seu desempenho, por meio do desemprego ou de salários baixos, é muito mais freqüente do que a recompensa, devido à estagnação da economia, às altas taxas de desemprego e à oferta abundante de trabalho. Mesmo assim, a recompensa está no horizonte do possível, como condição intrínseca e premissa lógica do sistema econômico. A demissão de empregados pouco empenhados ou ineficientes tende a ocorrer apenas em casos extremos, pois poderá representar um problema ainda maior para os gerentes e para o sistema cubano como um todo. Assim, é quase inexistente um sistema eficaz de sanções, positivas ou negativas, em toda a hierarquia do sistema produtivo.

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“A necessidade de recompensas na atividade econômica, em busca de alguma produtividade, é, portanto, reconhecida pelo próprio governo cubano, que procura substituir incentivos salariais por prêmios”. Quando a lógica não é a produtividade, mas o emprego, não importa muito um sistema de sanções, pois o próprio conceito de “eficiência”, central à economia capitalista, muda de sentido. Assim, o sistema econômico cubano é muito eficaz para atingir seu maior objetivo, o emprego. Obviamente, há um limite à troca da produtividade por emprego. Após certo ponto, vigora o prosaico paradoxo de que só com o emprego da força de trabalho, sem o concurso dos demais fatores, não há produção e sem produção não há emprego nem força de trabalho. Pode-se pensar em sistemas produtivos pesadamente intensivos em mão-de-obra, como aconteceu na China socialista dos anos sessenta, onde, na construção de barragens, substituíam-se máquinas de terraplanagem por milhares de trabalhadores carregando terra 6 7

em cestas de vime. Havia a substituição de capital por trabalho. No entanto, mesmo as cestas de vime são os equipamentos utilizados por esses trabalhadores, isto é, o “fator capital” utilizado no empreendimento6, e a própria barragem construída desse modo passa a agregar capital à economia. Posto de outro forma, é logicamente absurda a relação entre emprego maior do que zero com produtividade zero, pois produtividade zero significa produção e renda iguais a zero, o que implica emprego zero. O inverso, emprego zero associado a qualquer nível de produção superior a zero, seria possível, tão somente, nas utopias tecnológicas que prevêem uma economia inteiramente gerida por máquinas, sem qualquer interferência humana. A necessidade de recompensas na atividade econômica, em

busca de alguma produtividade, é, portanto, reconhecida pelo próprio governo cubano, que procura substituir incentivos salariais por prêmios, como fins de semana para as famílias dos trabalhadores em hotéis estatais ou a aquisição de determinados eletrodomésticos, como aparelhos de som, por preços mais baixos. Nos tempos da União Soviética abria-se a possibilidade de se conseguir automóveis russos Moskovitch. 7 A falta de incentivos individuais mais efetivos relaciona-se à falta de espaço para iniciativa e inovação nas economias ultraplanejadas. O planejamento centralizado impõe restrições à iniciativa em decisões frente a situações novas ou imprevistas. Como o imprevisto é muito mais comum do que o contrário, a descentralização decisória é um importante elemento para o bom funcionamento da economia. Por exemplo, se o caminhão quebrar não se atrasará todo o processo produtivo até que o chefe do chefe do chefe seja consultado, pois, simplesmente, se contrata outro caminhão na esquina mais próxima. No planejamento centralizado a inovação torna-se mais difícil, uma vez que pressupõe métodos produtivos rotinizados. Tais arranjos podem funcionar para determinados itens de produção em massa, visto que a ênfase na rotinização é compatível com o fordismo e com as fases iniciais da implantação de uma indústria voltada para a produção em escala. Porém, o sistema econômico perde dinamismo em fases históricas subseqüentes, que

É o mesmo caso de arcos, flechas e machados de pedra, nas economias tribais. As medidas contra gerentes que não correspondiam às expectativas faziam-se sentir, em momentos da União Soviética stalinista, por meio da ameaça policial. Era preferível trabalhar no planejamento. Trabalhar na produção era arriscado, pois nesta área estava sempre presente a possível acusação de “traição ao socialismo”, quando as metas de produção não eram atingidas, o que contribuía para a colonização da Sibéria.

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superam o fordismo e passam a valorizar a inovação permanente. Na raiz do problema situa-se a premissa do planejamento, na sua vertente ultra-racionalista centralizada, de que a realidade econômica e social pode ser tratada da mesma forma pela qual a Engenharia projeta uma ponte. Como o número de variáveis é inacreditavelmente maior entre seres humanos dotados de vontade e emoção do que entre blocos de concreto, este modelo só pode funcionar mal 8. Essas razões parecem ter contribuído para o insucesso da antiga União Soviética. As limitações à produtividade representam o preço para se distribuir por igual o bem estar. A econo­ mia cubana consegue pagá-lo devido ao excelente nível de educação popular e seus reflexos favoráveis na produtividade. III – Expectativas e a Percepção do Sistema Econômico Os baixos salários tornam-se fontes de insatisfação quando o trabalhador não consegue o suficiente para garantir um padrão de conforto adequado para sua família; ou quando vê o turista estrangeiro gastar vinte ou quarenta vezes, em um único dia, o que ele, cubano, ganha em um ou dois meses de trabalho; ou, ainda, quando sabe que o visitante estrangeiro possui, em casa, objetos de comodidade, prestígio e prazer inacessíveis para a maior parte da população da Ilha. Muito além do consumismo estilo nor8

te-americano, caracterizado pe­la­ visita compulsiva ao shopping e pela aquisição frenética de novidades induzidas pela propaganda, há a questão de uma alimentação diversificada, do conforto obtido por meio da tecnologia e da legítima e universal vontade humana de se adornar, com roupas, sapatos, cocares, uniformes, cosméticos, pin­­tu­ras corporais e de possuir bens dotados de valor simbólico ou estético. Esse contraste entre o padrão de consumo dos cubanos e dos turistas é tolerado principalmente pelos mais velhos, que se lembram do período pré-revolucionário, onde campeavam a fome e a indigência. Recordam que a educação era para poucos, pois em 1959 o número de analfabetos era de 65% e hoje é de

1%; a saúde era para poucos, pois o número total de médicos, que era de 3000, hoje é de 60.000; o sistema de aposentadorias e pensões, hoje, abrange cerca de 1.500.000 pessoas, com salários, por vezes, maiores do que os do pessoal da ativa; sabem que seu país tem um dos melhores índices de segurança pública e nele se pode, sem maior risco, a qualquer hora, andar em qualquer lugar. Entre os jovens não há a aceitação fácil do contraste entre seu padrão de vida e o nível de renda e consumo exibido pelos turistas. Não existe a memória do período anterior à Revolução; os benefícios como educação, saúde, garantia de emprego e segurança social são considerados como uma espécie de bem natural.

“Em 1959, o número de analfabetos era de 65% e hoje é de 1%; a saúde era para poucos, pois o número total de médicos, que era de 3000, hoje é de 60.000; o sistema de aposentadorias e pensões, hoje, abrange cerca de 1.500.000 pessoas, com salários, por vezes, maiores do que os do pessoal da ativa”.

É irônico que, no outro extremo do espectro ideológico do pensamento econômico, o uso indiscriminado de métodos quantitativos leve ao mesmo efeito: o modelo “técnico”, com a perda da percepção das infinitas variáveis que fazem a riqueza da diversidade humana. Iludindo a realidade, o número de variáveis deve ser reduzido a umas poucas, para que a quantificação seja possível. Assim, esta crítica não passa pela ideologia, mas pela simplificação do real em nome do racionalismo em suas múltiplas expressões políticas.

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“O apoio ao socialismo em Cuba decorre da radical distribuição de renda após a Revolução e do reconhecimento de que antes da Revolução o país era um terreiro da máfia, onde os norte-americanos se liberavam de sua formação puritana”.

Devido à situação de Havana como destino turístico, é nesta cidade que se encontra a maior quantidade de jovens com esta visão do mundo. Em outros locais turísticos, como Varadero e nas demais praias, os cubanos lá estão, principalmente, para trabalhar, vivendo acima da média do país, em função das gorjetas que recebem dos turistas. Cria-se aí outro problema, pois as melhores praias e hotéis do país não são freqüentados por cubanos. Paradoxalmente, a excelente educação que todos recebem é fonte de insatisfação. A boa educação desperta aspirações, levando as pessoas a almejarem algum 9

tipo de conquista, nas artes, nas ciências ou nos negócios. É extremamente frustrante, após décadas de estudos e um diploma universitário9, que a melhor colocação a ser conquistada seja a de motorista de táxi ou carregador de malas. Logo, a insatisfação em Cuba está mais concentrada nas proximidades de Havana e entre os jovens, embora se dissemine por outros locais e setores. Porém, a maior parte dos “balseiros”, que arriscam sua vida em embarcações precárias em busca da costa da Flórida, é composta por pessoas de todas as idades, que não conseguem sobreviver adequadamente apenas com o seu salário.

A maioria da população da Ilha, entretanto, tem confiança em que o País deverá superar os problemas econômicos e sente, na própria idéia de eqüidade subjacente ao sistema socialista, um motivo de afirmação da identidade nacional. Esta percepção decorre, em larga medida, da escola, onde se associam História e Socialismo, e é reforçada pela forte influência das freqüentes exposições e análises de Fidel Castro, transmitidas pela imprensa. Fidel entra na casa das pessoas pela TV, é ouvido e forma a opinião pública. O apoio ao socialismo em Cuba decorre da radical distribuição de renda após a Revolução e do reconhecimento de que antes da Revolução o país era um terreiro da máfia, onde os norteamericanos se liberavam de sua formação puritana. O povo cubano era uma folclórica expressão da América Latina, usada para o exercício do racismo. O Estado era dominado por ditadores com uniformes brilhantes, apoiados pelos Estados Unidos, de onde era controlada a maior parte da atividade econômica. Nas primeiras décadas do século XX, a Constituição Cubana incluía a chamada “emenda Platt”, que concedia aos Estados Unidos o direito de intervenção na Ilha, fim para o qual foi construída a base de Guantánamo. A emenda foi formalmente revogada na década de 30, mas continuou operando de fato. É muito forte a memória de um passado recente de humilhação nacional. As relações com os Estados Unidos no período pós-revolucio-

Ao contrário dos diplomas emitidos por muitas universidades brasileiras, os diplomas cubanos atestam, efetivamente, o conhecimento presumido após a conclusão do curso superior.

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nário são lembradas, em contraponto, pelo bloqueio econômico, invasão de mercenários, ameaça militar permanente, tentativas de assassinato de Fidel Castro, atos terroristas contra o país e uma campanha de difamação sem tréguas. A pressão norte-americana é, por isto, percebida como uma tentativa de retorno à situação prérevolucionária. Afinal, a recente lei Helms-Burton (sancionada no período Clinton), que proíbe o comércio de firmas norte-americanas com Cuba, é justificada pelo que é considerado o “roubo” de propriedades norte-americanas pelo governo cubano, donde se supõe que os Estados Unidos pretendem recuperar o que “perderam”. O socialismo, ameaçado pelo inimigo externo, está no cerne do orgulho e da afirmação nacional do povo cubano. O nacionalismo ajuda a explicar a resistência do sistema político e econômico. A resistência política impede possíveis mudanças no sistema econômico, pois o ideal seria combinar bem-estar com maior produtividade. Paradoxalmente, o desequilíbrio a favor do primeiro, por meio do sacrifício da produtividade, pode prejudicar o próprio nível de bem-estar. Uma fórmula equilibrada entre os dois objetivos, implementada à medida que a economia fosse crescendo, acarretaria um maior nível de renda, que, bem distribuída, representaria um melhor nível de bem estar. Esta fórmula passaria pelos seguintes fatores, pelo lado da produtividade: maiores estímulos expressos em diferenças salariais; maior liberdade de iniciativa na

criação de pequenas e médias empresas privadas; substituição do planejamento centralizado por um modelo mais flexível. E pelo lado do bem-estar: substituição do emprego universal pela renda mínima para toda a população, empregada ou não; manutenção dos gastos sociais, pelo menos nos níveis atuais; e, por fim, continuidade do rígido controle da moeda para evitar situações como a brasileira, onde a política monetária é o primeiro fator conjuntural, levando à fragilidade macroeconômica, à má distribuição de renda e à pobreza da população.

A liberdade é um valor fundamental para o bom desempenho da economia e para a felicidade das pessoas. Mas a liberdade pessoal só faz sentido como corolário da liberdade coletiva do povo e da soberania da nação, para que a democracia não se avilte em discurso legitimador da pobreza de muitos e dos privilégios de elites internacionalizadas. Qualquer ensaio de liberalização do sistema político e da economia cubana só terá viabilidade e legitimidade se os Estados Unidos abandonarem o bloqueio econômico, a ameaça armada e a pretensão de restabelecer relações imperiais.

* George de Cerqueira Leite Zarur

Ph. D pela Universidade da Florida, ex-pesquisador visitante da Harvard University, Professor Internacional da FLACSO, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados.

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ARTIGO

Crise política e a taxa de juros João Paulo de Almeida Magalhães *

1 - O Brasil registra a mais alta taxa de juros do mundo, sendo que, freqüentemente, seu nível tem-se revelado duas vezes superior ao do segundo colocado. As conseqüências óbvias, e extremamente graves, desse fato são o desencorajamento de aplicações em atividades produtivas, o despropositado inchamento dos lucros no setor financeiro e a sobrevalorização cambial, decorrente de grandes entradas de capital estrangeiro especulativo. A recente crise política, ligada a denúncias do uso de “caixa dois” pelo partido oficial e do pagamento do “mensalão” para garantir votos no Congresso, pode levar a mudança nesse estado de coisas. Isso porque a crise teve reflexos negativos sobre o Presidente da República, tornando mais difícil sua reeleição. A forma de contornar esse estado de coisas consiste em melhorar a imagem do Governo através de grandes investimentos públicos no ano eleitoral de 2006. E para conseguir esse resultado sem que a inflação se acelere outros gastos devem ser reduzidos; a candidata natural ao

corte é a despesa com os juros da dívida pública. Estes podem chegar, no próximo ano, a 150 bilhões de reais. Se a taxa básica oficial for reduzida, digamos, para um terço do nível atual (e ainda assim continuará a ser elevada relativamente às do resto do mundo), teremos economia de 100 bilhões de reais, que poderia ser aplicada em investimentos, como os de infraestrutura. Estes, além de benefício direto para as populações locais, são capazes de gerar número significativo de empregos, com o conseqüente impacto favorável à candidatura oficial. Tal parece ser a causa principal da posição defendida pela ministra Dilma Rousseff. 2 – Em sentido oposto, temos a tese dos que afirmam ser desnecessário o acréscimo de investimentos ( e, portanto, a redução da taxa de juros), dado que o efeito negativo da crise política sobre a candidatura Lula é neutralizado pelo fato de a economia ir bem. Apesar da crise, a inflação continua sob controle, a dívida pública não está aumentando e exportações e superávit comercial

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crescem rapidamente. Essa tese tem sido amplamente aceita pelos formadores de opinião do País. Assim, importante analista política de jornal de circulação nacional (Teresa Kruvinel) discute, em artigo recente, até que ponto o fato de a economia ir bem poderá ajudar a candidatura Lula. Lembra que Fernando Henrique foi eleito pelo sucesso do Plano Real, assinalando, porém, que em outros casos os bons resultados econômicos não tiveram contrapartida semelhante nas eleições. Bem mais importantes, todavia, foram os fatos registrados durante o primeiro depoimento do Ministro Palocci em comissão do Congresso. A oposição declarou, de início, que não discutiria o aspecto ético dos ataques ao Ministro, concentrando-se no exame do seu desempenho como responsável pela condução da política econômica. Personalidades de primeiro nível e incontestada liderança intelectual e política, como os senadores Arthur Virgílio e Jeferson Perez, elogiaram a ação do inquerido, ou seja, consagraram a tese de que a economia vai bem. Em


alguns casos os oradores manifestaram, inclusive formalmente, sua discordância com as posições da Ministra Dilma. 3 – A prevalecer esta segunda posição, que pelo menos até o momento parece ser a dominante, não é de se esperar qualquer mudança na política de juros. É importante, todavia, examinar a tese básica em que ela se apóia, ou seja, de que a economia vai bem. Há bases econômicas sólidas, ou sua colocação é intrinsecamente débil, viabilizando futura mudança? O mínimo que se pode dizer é que a afirmação de que tudo vai bem na economia brasileira toca as raias do absurdo. Em qualquer análise minimamente responsável, o critério para avaliar o desempenho de economia subdesenvolvida é o ritmo de incremento do PIB. Este deve ser suficiente para colocar o país em processo de eliminação do atraso econômico. A China e a Índia são hoje unanimemente elogiadas, por estarem crescendo em ritmo que varia de 7% a 95% ao ano, o que acontece igualmente na maior parte dos países do Leste da Ásia e até na vizinha Argentina. O mesmo aconteceu no Brasil durante cerca de trinta anos da segunda metade do século passado. Ninguém se preocupa muito com os níveis de equilíbrio fiscal, monetário e cambial registrados na China e Índia. Quando esse aspecto é considerado, indaga-se apenas até que ponto podem ajudar ou comprometer o sucesso registrado em termos de incremento do PIB. O surrealismo da tese de que a economia vai bem pode ser sublinhado com um fato concreto. A opinião pública brasileira tem-se revelado chocada com noticiário sobre a prisão de brasileiros que

“O mínimo que se pode dizer é que a afirmação de que tudo vai bem na economia brasileira toca as raias do absurdo. Em qualquer análise minimamente responsável, o critério para avaliar o desempenho de economia subdesenvolvida é o ritmo de incremento do PIB”. tentam ingressar clandestinamente nos Estados Unidos através da fronteira mexicana (inclusive aceitando freqüentemente risco de morte) e sobre a prisão e expulsão de brasileiros residindo ilegalmente naquele país. Recentemente, o Governo divulgou informação de que se acha residindo nos Estados Unidos um milhão e meio de brasileiros, na maior parte clandestinos, e, portanto, sem direito a atendimento médico, aposentadoria e direitos trabalhistas em geral. Existe, inclusive, no Ministério das Relações Exteriores, funcionário em nível de embaixador, encarregado de zelar pelo interesse desses emigrantes. Ora, como a economia americana vai mal – com altíssimos (e possivelmente explosivos) déficits cambial e fiscal – e a nossa economia vai bem, graças ao senhor Palocci, como explicar essa evasão ? Não seria o caso de o embaixador encarregado do problema convocar os clandestinos brasileiros para informá – los de que estão redondamente

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enganados, pois quem vai bem é o Brasil, e não os Estados Unidos, e nosso Governo se acha até preocupado com a potencial invasão do país por clandestinos americanos. Essa é, sem dúvida, proposta absurda. Não mais absurda, porém, do que o fato de representantes da elite intelectual e política brasileira declararem que nossa economia vai bem, quando ela não consegue sequer crescer aos 4% anuais necessários para empregar a mãode-obra nova que se apresenta anualmente ao mercado. E talvez não seja demais sublinhar que o principal ganho amplamente proclamado pelos gestores de nossa política econômica , ou seja, de as exportações terem chegado ao nível de 100 bilhões de dólares e o superávit comercial, ao montante de 40 bilhões de dólares é , pelo menos, altamente discutível. Esses resultados foram obtidos com a colocação de “commodities” agrícolas e industriais no mercado externo. Ora, a literatura especializada atribui o lento

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crescimento da América Latina exatamente à especialização de suas exportações em “commodities”, setor de baixo valor adicionado por trabalhador, mercado de lento crescimento e altamente competitivo. Ou seja, sob a perspectiva de prazos médio e longo, é lícito afirmar que os bons resultados obtidos no comércio exterior não são suficientes para garantir a retomada de crescimento acelerado na economia brasileira. Pelo contrário, eles acarretam o risco de desencorajarem a adoção de nova estratégia econômica que leve o Brasil a abandonar o neoliberalismo (com seu corolário de altos juros), que,durante duas décadas e meia, condenou o País à semiestagnação. A economia brasileira não vai, além disso, bem porque estimativas isentas prevêem para os quatro anos de Governo do PT taxa anual média de incremento do PIB inferior a 3%, resultado não diferente do que vem sendo registrado

nos últimos vinte cinco anos. E outra coisa não se poderia esperar, dado que a atual administração do País manteve a mesma política econômica que comandou a nossa economia nas últimas duas décadas e meia. Em suma, a Ministra Dilma está certa e o Ministro Palocci, errado. Cumpre, todavia, não exagerar os méritos da Senhora Ministra. O Brasil precisa é de nova estratégia, que sucateie o receituário neoliberal do Consenso de Washington. A posição da Senhora Ministra é claramente de curto prazo: para ela é preciso investir mais em 2006, a fim de garantir a reeleição do atual Presidente. Para obter os recursos necessários, despesas devem ser reduzidas e o candidato natural para o corte é o gasto com as taxas de juros. O importante do ponto de vista da presente análise é que o predomínio da visão distorcida de que a economia vai bem exclui, nas condições presentes, a possi-

“A crise política que adentrou a área econômica, através do conflito Dilma – Palocci, colocou em dúvida a política oficial que tem nas altíssimas taxas de juros um dos seus pontos básicos”.

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bilidade de baixa da taxa de juros nas proporções supra referidas. Tal situação só se modificará se importante deterioração no prestígio do atual Presidente levar à conclusão de que, embora a economia vá bem, significativo aumento dos investimentos públicos revela-se eleitoralmente necessário. Nesse caso, os juros poderão baixar. 4 – A crise política que adentrou a área econômica, através do conflito Dilma – Paloci, colocou em dúvida a política oficial que tem nas altíssimas taxas de juros um dos seus pontos básicos. Dentro do panorama presente não parece provável qualquer mudança. Na verdade, porém, o enfraquecimento da atual administração, resultante da crise política, pode, a prazo mais longo, ter impacto sobre a política de juros. Há, de fato, poucas dúvidas de que, se reeleito, Lula manterá a atual política econômica, à qual ele sempre ofereceu decidido apoio. A crise política aumentou, todavia, as chances de vitória de candidatura alternativa e, portanto, de mudança da política econômica. A indagação é, assim, sobre a probabilidade de surgir candidato com visão desenvolvimentista, dentro da qual são absolutamente inadmissíveis taxas de juros do nível hoje vigente no Brasil. O grande obstáculo ao surgimento de candidato com esse perfil é a visão curtoprazista dominante no País, visão que valoriza os equilíbrios cambial, fiscal e monetário, deixando de lado o objetivo básico do desenvolvimento ou da eliminação do atraso econômico. E o mais grave é que esse tipo de distorção se acha firmemente implantado na própria concepção de política econômica


de importante segmento de economistas brasileiros, conforme se mostra a seguir. A CEPAL e o IPEA realizaram, em 2002, pesquisa cujo objetivo era determinar o que pensam os economistas brasileiros sobre meios e modos de o Brasil retomar o crescimento. Foram realizadas 38 entrevistas com especialistas do melhor nível nacional e solicitados seis artigos. A conclusão dos organizadores foi a que segue: “Desde as primeira entrevistas ficou claro que o crescimento não tem ocupado parte central das preocupações e reflexões da maioria dos economistas brasileiros De fato, o campo temático mostrou-se pouco propício a grandes aprofundamentos por parte dos entrevistados e tornou-se – evidente, durante a pesquisa, que se tratava de um regresso ao tema”. E continuam: “Há como se mencionar uma extrema preocupação com o curto prazo. Em especial com a política de estabilização, a qual vem afogando e desfocando a visão de longo prazo” (pg. 34). Ou seja, o economista brasileiro (ou pelo menos parcela significativa dos mesmos) perdeu a capacidade de analisar o longo prazo, com a conseqüente incapacidade de formular, ou defender, estratégias alternativas à presente política econômica (na qual as altíssimas taxas de juros têm papel fundamental), cujo resultado foi levar o Brasil a 25 anos de semi-estagnação. E as raízes do problema são facilmente identificáveis. Como todo cientista de país subdesenvolvido, o economista brasileiro não cria paradigmas analíticos, mas os importa dos países desenvolvidos. Nas ciências exatas isso não acarreta maiores problemas. Quando

“O economista brasileiro (ou pelo menos parcela significativa dos mesmos) perdeu a capacidade de analisar o longo prazo, com a conseqüente incapacidade de formular, ou defender, estratégias alternativas à presente política econômica”. for descoberta a cura do câncer no Hemisfério Norte, ela valerá igualmente para o Hemisfério Sul. O mesmo não acontece nas ciências sociais. Países desenvolvidos não têm atraso econômico a eliminar. O importante para eles é garantir os equilíbrios fundamentais (cambial, fiscal e monetário). Política econômica que os garanta, como a elevada taxa de juros para conter a inflação, constitui o objetivo fundamental de sua ação. Foi ao importar essa visão que o economista brasileiro se instalou no “curtoprazismo” denunciado na pesquisa CEPAL – IPEA. Esse problema inexistia no passado, porque os especialistas em Economia do Desenvolvimento, instalados nos países desenvolvidos, reconheciam a importância da eliminação do atraso econômico e a especificidade do crescimento retardatário. Isso durou enquanto se acreditou na possibilidade do desenvolvimento em escala planetária. Com o fracasso das Décadas do Desenvolvimento, lançadas

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pelas Nações Unidas logo após a Segunda Guerra Mundial, a situação se modificou. Os países ricos perceberam a impossibilidade do desenvolvimento em escala planetária ou, pelo menos, que a tentativa de levá-lo adiante resultaria em pesados ônus para eles, com regras mais rígidas de proteção ambiental e maiores preços dos recursos naturais não-renováveis, a exemplo do sucedido com o petróleo. Com isso, cessaram os financiamentos para o estudo do atraso econômico, estiolando-se a Economia do Desenvolvimento. Mais grave, porém, foi que se montou “barreira ideológica” cujo objetivo é colocar obstáculos à pretensão dos países subdesenvolvidos de atingir o nível de vida das economias maduras. Essa tentativa viu-se recentemente denunciada pelo professor da Universidade de Cambridge, H.J. Chang, no seu livro que leva o nome significativo de “Kicking Away the Ladder” (traduzido na versão portuguesa como “Chutando a Escada”). A tese básica do autor é a de que os

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“A hiperinflação brasileira foi processo isolado resultante de erro de política econômica. Diferentemente de outros países, o Brasil recusou–se a adotar as medidas requeridas para ajustar sua economia à multiplicação dos preços do petróleo de 1974 e 1980”.

países desenvolvidos, após terem alcançado elevados padrões de vida, procuram impedir que os demais façam o mesmo. Em síntese, embora a crise política, ao envolver a discussão da atual estratégia econômica, crie a possibilidade de mudança, a visão curtoprazista dominante torna difícil que, mesmo a prazo mais longo, estratégia alternativa seja implantada e, portanto, que taxas de juros de nível civilizado sejam adotadas. 5 – Essa situação tem encontrado diversas explicações, a saber: os juros brasileiros são altos, seja por ser necessário atrair o capital estrangeiro, seja para permitir a rolagem da substancial dívida pública interna, seja ainda para manter a inflação sob controle. Na

prática, porém, a COPOM vem justificando as elevadíssimas taxas de juros como forma de conter a inflação. Tudo começou quando, em 2002, o aumento da preços registrado pelo INPC chegou a quase 15%. O Governo que assumiu no ano seguinte declarou que se estava delineando no País a volta do processo hiperinflacionário, com a necessidade da adoção de medidas radicais para neutralizá-lo. Era essa uma colocação claramente falsa. Estava-se apenas diante de uma “bolha”, de duração limitada, resultante da provável eleição de candidato de esquerda, do qual se temia o lançamento de medidas econômicas radicais. A tese de que se estava à beira de uma explosão de preços

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nada tinha a ver com os fatos. Em função da traumática experiência hiperinflacionária brasileira e da sobrevalorização eleitoreira do sucesso do Plano Real, difundiuse no País a tese de que qualquer espiral de preços tende inexoravelmente a se acelerar. Em comparação largamente divulgada, afirmou-se que a inflação seria uma gravidez cujo resultado final seria, inevitavelmente, o parto hiperinflacionário. Semelhante tese não é, de forma alguma, confirmada pela História Econômica. Após a Segunda Guerra Mundial o Brasil registrou 30 anos de inflação anual média de 20%, sem que esta jamais houvesse escapado de controle. Durante os anos 1970 –80, marcados pelos dois “choques do petróleo”, a Coréia do Sul registrou inflação anual média de 20%. Na década seguinte essa percentagem caiu para 5% sem que essa transição fosse precedida de explosão de preços. Experiência do mesmo tipo ocorreu nos outros países do Leste da Ásia. A hiperinflação brasileira foi processo isolado resultante de erro de política econômica. Diferentemente de outros países, o Brasil recusou-se a adotar as medidas requeridas para ajustar sua economia à multiplicação dos preços do petróleo de 1974 e 1980. Enquanto outros países adotavam medidas de inevitáveis corolários recessivos, o Brasil preferiu manter-se, nas palavras do Presidente Geisel, “uma ilha de prosperidade num mar de recessão”. O resultado foi o que se viu, mas nada indica que ele venha a ser repetido diante de qualquer aumento do desequilíbrio monetário. Como conseqüência dessa


errada percepção, a atual administração do País passou a considerar de vital importância adotar metas de inflação zero, ou de nível não superior ao registrado no países da OCDE, adotando a taxa de juros como instrumento principal para alcançar tal resultado. A gravidade desse erro pode ser avaliada não só por ser falsa a alegação de que qualquer surto inflacionário, por menor que seja, tende a se acelerar, como pelo fato de a unanimidade prática dos especialistas em Economia do Desenvolvimento considerar, em economias retardatárias, inflação moderada e sob controle favorável ao crescimento. Vejamos alguns depoimentos. No que se refere à relação entre desenvolvimento e elevação de preços, começaremos por citar Carliner (1995). Exprimindo o que considerava a opinião dominante entre especialistas, diz o seguinte: ”Muitos economistas recomendam que a inflação nos países em desenvolvimento não deveria ser maior que na OCDE. No entanto, ambos, Japão e Coréia, tiveram inflação anual bem acima de 10% durante seus anos de elevado crescimento. E a Índia (...) tinha a baixa inflação do túmulo. As lições parecem ser que uma baixa inflação, por si só, não é, claro, suficiente para se alcançar elevado crescimento, enquanto inflação extremamente alta, por exemplo, de 500% anualmente, é tão distorcedora que inibe fortemente o crescimento. No entanto, não há consenso sobre as conseqüências de uma taxa de inflação entre dez e trinta por cento nos países em desenvolvimento“ (pg. 33). Escrevendo posteriormente, Yusuf e Stiglitz (2001), (este último Prêmio Nobel de Economia,

resumem a opinião dominante entre especialistas sobre as relações entre inflação e desenvolvimento. Segundo eles, “As descobertas iniciais eram equívocas: em países como o Brasil e a República da Coréia a inflação não parece ter prejudicado o crescimento, mas a experiência de outros países com inflação moderada ou alta revelou conseqüências negativas (...)” Mais adiante, mostra a visão atual:” Pelo início dos anos 90 havia um amplo consenso de que taxas baixas e estáveis de inflação eram objetivo desejável nos países em desenvolvimento. Embora taxas moderadas de inflação de até 40 % ao ano não serem necessariamente

prejudiciais ao crescimento” (pg. 229). A posição dos especialistas na Economia do Desenvolvimento sobre a inflação é igualmente resumida em Buira (2004). Segundo ele, “Inflação elevada é, evidentemente, má. Ela tem custos, provoca distorções e assim por diante, mas não é verdade que uma vez comece a se elevar, a inflação tenha tendência a se acelerar. Como Stiglitz notou, não há evidência para isso; é apenas uma hipótese. E não é verdade que inflação elevada tenha altos custos para ser revertida. Essas teses foram testadas empiricamente, e há abundante evidência em sentido contrário.

“Uma baixa inflação, por si só, não é, claro, suficiente para se alcançar elevado crescimento, enquanto inflação extremamente alta, por exemplo, de 500% anualmente ,é tão distorcedora que inibe fortemente o crescimento”.

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“A opinião dominante entre os especialista em Economia do Desenvolvimento autoriza, portanto, a tese de que a inflação nas economias retardatárias tem significado diferente do observado nas economias maduras”. Bruno e Easterly ( diretor administrativo adjunto do FMI na ocasião) Mohsi Kahn ( que era chefe adjunto de pesquisa no Departamento do Oriente Médio do FMI) todos não conseguiram encontrar evidência de que a inflação é custosa. Se você tem uma inflação de 15 ou 20% [ ao ano]ela não parece ter altos custos em termos de crescimento. De fato, Akerlof, Dickens e Perry e outros sustentam que taxa moderada de inflação até melhora o desempenho econômico” ( pg. 46). Igualmente significativa é a opinião de H.J.Chang, que ganhou recentemente grande projeção entre os especialistas em Economia do Desenvolvimento com seu livro “Kicking Away the Ladder“, em entrevista concedida à Revista Isto É, em 13 de abril de 2005), na qual comenta a política econômica em curso no Brasil, afirma :” Francamente em nenhum país a indústria de manufaturados ou qualquer outra obtém lucros acima de 7%. Se elas pagam 13% de juros reais

como podem sobreviver?” E mais adiante: “Se o Governo brasileiro quer mesmo investir no país tem que repensar sua macroeconomia e abandonar esse objetivo de inflação de um dígito. Nos anos sessenta países como a Coréia do Sul e Japão cresceram com inflação de 20% [ ao ano]” (pg. 76). A opinião dominante entre os especialistas em Economia do Desenvolvimento autoriza, portanto, a tese de que a inflação nas economias retardatárias tem significado diferente do observado nas economias maduras. E muito especialmente desmente o mito (que constitui uma das justificações da política atual) de que qualquer inflação, por menor que seja, tende inexoravelmente a se acelerar. 6 - O fato é, portanto, que a crise política não deverá, no curto prazo, alterar a política de altíssimos juros que vem marcando a administração econômica do País. Tal situação não deve modificar-se, a menos, é claro, que ocorra deterioração bastante maior da imagem pública do Presidente, o que

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forçaria a baixa dos juros a fim de elevar os recursos disponíveis para investimento. A prazo mais longo, a visão curtoprazista dificulta a definição de estratégia alternativa ao presente neoliberalismo, estratégia na qual os juros baixos constituirão aspecto fundamental. Não há dúvida de que no momento presente certa visão de longo prazo começa a se afirmar, segundo deflui de obras coletivas organizadas por João Sicsú, Ana Célia Castro e Fábio Giambiagi. Na verdade, porém, elas não vêm recebendo, seja o nível de especialistas, seja da opinião pública, a atenção que merecem. Trata-se da imposição pelos meios de comunicação (imprensa, organismos públicos de pesquisa, entidades econômicas internacionais etc.) do que se tem chamado de “pensamento único”. A esperança de modificação nesse estado de coisas é proporcionada pelas eleições presidenciais de 2006. Um candidato de visão desenvolvimentista, como o atual Vice – Presidente da República, não poderá ser ignorado nem pelos meios de comunicação de massa, nem pelo estamento técnico. Esse é um aspecto a ser sublinhado. No XVI Congresso dos economistas, realizado em novembro do presente ano, em Santa Catarina, foi unanimemente aprovada a Carta de Florianópolis, cujo ponto focal é a denúncia do curtoprazismo da política econômica no Brasil. Se fosse tomada de posição de candidato à Presidência da República desencadearia grande debate nacional, o que não aconteceu com a Carta de Florianópolis. Infelizmente, as pesquisas de opinião têm revelado até o momento como principal alternativa o


senhor José Serra, oriundo do Governo passado, tão neoliberal como presente. Nova esperança surgiu quando lideranças mineiras (Aécio Neves, Itamar Franco e José Alencar), não comprometidas com a visão neoliberal, denunciaram o controle da política brasileira pelo PT de São Paulo e pelo PSDB do mesmo Estado, afirmando que mudança de rumos se faz necessária. Comentando essa tomada de posição, o que se pode dizer é que São Paulo não tem, de fato, sido muito feliz nos Presidentes da República que proporcionou ao País. No Governo passado tivemos paulista, de alta classe média e apontado como o chefe de Governo mais preparado do País. Presentemente temos outro paulista, oriundo da militância sindicalista, e que

se orgulha de ter alcançado sua posição sem sequer completar os estudos secundários. Ambos são firmes aderentes ao Consenso de Washington e, portanto, responsáveis por fatia significativa das chamadas décadas perdidas em que mergulhou o País. No passado, dentro de critério econômico, existe largo reconhecimento de que os dois melhores Presidente da República foram Getúlio Vargas, gaúcho, e Juscelino Kubitschek, mineiro. E entre os candidatos a pior comandante da economia brasileira temos o paulista Campos Salles, que, aliás,

também entregou a orientação da economia a um médico. Na verdade, contudo, o critério geográfico não tem maior importância. O necessário é se encontrar candidato que adote para o País metas de desenvolvimento em vez de metas de inflação. Isto nos leva à paradoxal conclusão de que, em 2006, os economistas devem colocar em segundo plano seus trabalhos técnicos para, entrando na política, ajudarem a escolher candidato à Presidência que evite para o Brasil uma terceira “ década perdida”.

*João Paulo de Almeida Magalhães

Economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Referências Bibliográficas Bielschowsky,R e Mussi (2002) ( orgs ) Políticas para a Retomada do Crescimento, IPEA, Brasília Carliner ,Geoffrey comentário a Anne O. Krueger , (1995), East Asia Experience and Endogenous Growth Theory em Takatoshi Ito e Anne O. Kruege (orgs ), Growth Theories in Light of the East Asian Experience ,National Bureau of Economic Research , University of Chicago Press, Chicago, Castro, AC. e Outros (orgs) Brasil em Desenvolvimento, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro 2005 Buira, A (2004) The Dogmatism of Washinton Consensus em JJTeunissen e A. Akkerman (orgs) Diversity in Development, Fondad , Haia Chang H.J. (2002) Kicking Away the Ladder, Anthem Press, Londres Giambiagi, F. e A Villela ( orgs) Economia Brasileira Contemporânea . Elsevier, Rio de Janeiro 2005 Sicsú J. e Outros, ( 2005) Novo Desenvolvimentismo,um projeto nacional de crescimento com igualdade social, Manole, Barueri –São Paulo Yusuf S e Stiglitz J E Development Issues:Settled and Open em Gerald Meier e Joseph Stiglitz( orgs) Frontiers of Development Economics, Banco Mundial Washington As teses e idéias defendidas no presente texto são apresentadas de maneira mais aprofundada e sistemática em Nova Estratégia de Desenvolvimento para o Brasil, um enfoque de Longo Prazo, recentemente lançado pela editora Paz e Terra.

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• Hotel Kubitschek Plaza SHN Quadra 02 Bloco “E” - Setor Hoteleiro Norte/Asa Norte. Fone: (61) 3319-3543 e Fax: (61) 3328- 9366 (Kubitschek Plaza Hotel).

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SITE: www.kubitschek.com.br . E-MAIL: reservas@kubitschek.com.br . Vantagens: 54% de desconto de 2ª a 6ª-feiras sobre a tarifa-balcão e 62% de 6ª a 2ª-feiras sobre a tarifa-balcão para os economistas de todo o Brasil registrados e em dia com suas obrigações, bastando para tal benefício apresentar sua carteira profissional.

• Cambirela Hotel Av. Max Schramm, 2199 - Florianópolis/ SC. Fone: (48) 281-3100. SITE: www.cambirela.com.br . E-MAIL: cambirela@amauri.com.br . Vantagens: desconto: 30% sobre o valor da diária de balcão vigente, com apresentação da carteira de identidade profissional.

• Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) Vantagens: as publicações encontram-se à disposição no CORECON-DF, com 30% de desconto para economistas em dia.

29

Coral Plaza Hotel Rua Felipe Schmidt, 1320 - Florianópolis/SC. Fone: (49) 225.6002. SITE: www.coralplaza.com.br. E-MAIL: coralplaza@westcoral.com.br . Vantagens: desconto de 40% sobre o valor da diária, com apresentação da carteira de identidade profissional.

Hotel Carlton SHS Quadra 05, Bloco “G” - Setor Hoteleiro Sul. Asa Sul. Tel: (61) 3224-8819 e Fax: (61) 3226-8109 (Carlton Hotel Brasília). SITE: www.carltonhotelbrasilia.com.br . E-MAIL: carlton@carltonhotel.com.br . Vantagens: desconto de 50% sobre as tarifas de hospedagembalcão de 2ª a 5ª-feiras e desconto de 60% sobre as tarifas de hospedagem-balcão de 6ª-feiras a domingos, com a apresentação da carteira de identidade profissional. Observação: sobre todas as tarifas acrescentar 10% de taxa de serviço.

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Mais informações no site: www.corecondf.org.br


ARTIGO

Cerca de R$ 46 bi devem entrar na economia com o pagamento do 13º salário Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-econômicos - DIEESE

Cerca de R$ 46 bilhões deverão ser injetados na economia brasileira até o final de 2005, com o pagamento do 13º salário. O montante, em torno de 2,4% do produto interno bruto (PIB) do País, inclui todos os trabalhadores do mercado formal, inclusive os empregados domésticos, e beneficiários da Previdência Social. Aproximadamente 56,4 milhões de brasileiros devem ser beneficiados. A estimativa é do DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos. Pelos cálculos da Instituição, os R$ 45,9 bilhões devem ser pagos a 56.456.635 pessoas. Para chegar a esses números, foram utilizados dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), ambos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), da PNAD 2003, do IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios)

e informações do Ministério da Previdência e Assistência Social. No caso da Rais, o DIEESE considerou todos os assalariados com carteira assinada, ocupados no mercado formal, nos setores público (celetistas ou estatutários) e privado, que trabalhavam em dezembro de 2003. Como o MTE não divulgou ainda os dados da Rais referentes a 2004, para realizar esta estimativa, ao total de 2003 foi acrescido o saldo do Caged de 2004. Da PNAD, foi utilizado o contingente de empregados domésticos com registro em carteira. Também foram considerados os beneficiários – aposentados e pensionistas – que, em setembro de 2005, recebiam seus proventos do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Com relação aos valores, para a estimativa do montante a ser pago aos beneficiários do INSS foi utilizado o total referente a setembro deste ano. Para

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os assalariados, o rendimento foi atualizado pela variação da massa salarial nominal média de janeiro a junho de 2004 e de janeiro a junho de 2005, apurada pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada pelo DIEESE e a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade, de São Paulo), na Grande São Paulo, e em parceria com governos e instituições locais nas regiões metropolitanas de Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador e Recife e no Distrito Federal. O cálculo não considera os autônomos e assalariados sem carteira, que, eventualmente, recebem algum tipo de abono de fim de ano, nem os valores envolvidos nesses abonos, uma vez que essa informação é difícil de ser mensurada. Ao mesmo tempo, considerou-se como se todas as pessoas estivessem aptas a receber o décimo-terceiro integralmente, ou seja, tivessem


no mínimo um ano no mesmo emprego ou de aposentadoria. Além disso, não é levado em consideração por este estudo o adiantamento da primeira parcela do 13º salário ao longo do ano, concedido por muitas empresas quando os funcionários tiram férias ou por definição, por exemplo, de Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) ou Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), quando se trata de categoria profissional. Assim, os dados apresentados constituem uma projeção do montante que entra na economia ao longo do ano e não necessariamente nos dois últimos meses. Entretanto, estima-se que a maior parte, em torno de 70% do total dos valores referentes ao 13º, seja paga no final do ano. Dos cerca de 56,4 milhões de brasileiros que devem ser beneficiados pelo pagamento do 13º salário, 23.655.307, ou 41,9% do total, referem-se a beneficiários da Previdência Social, como aposentados ou pensionistas. Empregados formais correspondem a 31.068.203 ou 55,0% do total, e são contribuintes da

“Dos cerca de 56,4 milhões de brasileiros que devem ser beneficiados pelo pagamento do 13° salário, 23.655.307, ou 41,9% do total, referem-se a beneficiários da Previdência Social, como aposentados ou pensionistas. Empregados formais correspondem a 31.068.203 ou 55,0% do total, e são contribuintes da previdência. Os 3,1% restantes são empregados domésticos com carteira de trabalho assinada”. previdência. Os 3,1% restantes são empregados domésticos com carteira de trabalho assinada. No que diz respeito ao montante a ser pago a título de 13º, observa-se a seguinte distribuição: cerca de 24,6% dos R$ 45,9 bilhões – aproximadamente R$ 11,3 bilhões – serão pagos aos

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beneficiários do INSS, R$ 33,9 bilhões, ou 74,0% do total, irão para os empregados formalizados e, por fim, aos empregados domésticos serão destinados em torno de R$ 634,3 milhões, o que representa algo ao redor de 1,4% de todo o montante. (Ver Tabela 1.)

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O total de pessoas que receberá o 13º salário em 2005 não é necessariamente comparável com o de 2004, exceto no caso dos beneficiários do INSS (que cresceu cerca de 4,9%), devido ao fato de a Rais 2004 não estar disponível. O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao montante do 13º. Ainda assim, estima-se que 2,625 milhões de pessoas (sem contar os empregados domésticos) passaram a receber o benefício, por terem requerido aposentadoria ou pensão, ou ainda se terem incorporado ao mercado de trabalho ou formalizado o vínculo empregatício. Também é possível estimar que o volume

de dinheiro a ser injetado na economia é, nominalmente, cerca de 14% maior. Distribuição por região Assim como a estrutura econômica, a estrutura salarial não foge à regra no tocante à distribuição geográfica dos recursos do décimo-terceiro. A maior parcela dos R$ 45,9 bilhões – ou seja, 57,0% -- devem ficar nos Estados da região Sudeste, que concentra também a maior parte dos trabalhadores, aposentados e pensionistas e empregados domésticos. A região Sul ficará com 16,9% do total do bene-

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fício; ao Nordeste, caberão 14,1%. Para as regiões CentroOeste e Norte irão, respectivamente, 8,0% e 3,9%. O valor médio nacional a ser pago a título de décimo terceiro foi estimado em R$ 812,72. Em termos dos proventos da Previdência, o valor médio nacional a ser pago é de R$ 478,07. Os empregados do mercado formal receberão em média R$ 1.092,44. Cada trabalhador doméstico com carteira assinada terá direito a um valor médio de R$ 366,00. O maior valor médio para o 13º deve ser pago em Brasília - R$ 1.664,85 – e o menor, no Piauí - R$ 464,17.


Dados do Distrito Federal O DIEESE calculou em cerca de R$ 1,88 bilhão o valor que deverá ser pago a 1.129.403 pessoas no Distrito Federal em dezembro de 2005. Desse total de pessoas, 254.655 referem-se a beneficiários da Previdência Social – como aposentados ou pensionistas. Outros 836.316 são empregados do mercado formal, incluídos aí servidores públicos estatutários e celetistas, segundo dados da relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Tra-

balho, e 38.432 são empregados domésticos (PNAD-2003). Como esses dados não computam o mercado informal, onde muitos podem receber o 13º salário, abono ou descontar antecipações concedidas, estima-se que mais de 70% do 13º é pago no final do ano. Como exemplo, apresentamos alguns dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada no DF, onde o setor privado sem carteira de trabalho assinada envolvia cerca de 91,3 mil pessoas em setembro de 2005, com rendimento

médio de R$ 625,00 em agosto de 2005. Apesar de esses trabalhadores não serem registrados, muitos recebem o 13º salário. O mesmo ocorre com o emprego doméstico, onde boa parte das empregadas são mensalistas, não-formais, mas que recebem o 13º salário. Apesar de os números não serem precisos, não resta dúvida de que o pagamento do 13º salário representa uma grande injeção de recursos adicionais na mão dos consumidores, que podem, em boa parte, dirigir seus gastos para o consumo de final de ano.

“Apesar de os números não serem precisos, não resta dúvida de que o pagamento do 13° salário representa uma grande injeção de recursos adicionais na mão dos consumidores, que podem, em boa parte, dirigir seus gastos para o consumo de final de ano”.

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Quem tem informação tem poder Revista de Conjuntura, o melhor panorama sobre tudo que anda acontecendo.


ARTIGO

A importância da previdência social para as finanças públicas brasileiras Marcelo Abi - Ramia Caetano *

A importância da previdência social para as finanças públicas brasileiras é inquestionável: no ano de 2004, o gasto com benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) estaduais e federal totalizou 10,9% do PIB brasileiro e suas necessidades de financiamento somaram 4,2%. Neste contexto, é natural que a previdência exerça papel relevante no debate sobre a sustentabilidade fiscal do país. Este texto tem o objetivo de identificar os fatores que influenciam o custo de um plano previdenciário e sua sustentabilidade. Há razões relacionadas à demografia, ao mercado de trabalho e

ao próprio desenho do plano de previdência. Para melhor compreensão dos argumentos que se colocarão na seqüência, será apresentado um modelo matemático simplificado do equilíbrio financeiro de curto prazo da previdência. A generalização por meio da ampliação da abordagem para um âmbito de equilíbrio dinâmico, e não estático, não altera as conclusões fundamentais expostas no modelo básico1. A álgebra elementar da previdência social no curto prazo. Pode-se afirmar que um plano de previdência apresenta equilíbrio financeiro de curto de prazo quando o total arrecadado supera ou se iguala ao montante pago

de benefícios. Sintetiza-se a oração anterior mediante a seguinte equação matemática 2:

τWt Lt ≥ Bt At (1) Onde:

τ = alíquota média de contribuição previdenciária;

Wt = salário médio de contribuição para a previdência no intervalo de tempo t3; Lt = quantidade média de contribuintes da previdência no intervalo de tempo t4; Bt = valor médio do benefício da previdência no intervalo de tempo t; At = quantidade total média de beneficiários da previdência no intervalo de tempo t.

1

A equação de Zelenka generaliza a formulação matemática para um contexto de equilíbrio dinâmico e com força de generalidade para os diversos regimes de financiamento. 2 Neste artigo, preferiu-se incluir o superávit na definição de equilíbrio. Essa definição mais ampla é compatível com sua finalidade de esboçar os elementos determinantes da sustentabilidade da previdência. O único aspecto não contemplado pela equação diz respeito às formas de financiamento. A bem da verdade, a equação (1) representa o equilíbrio para um regime financeiro de RS. 3 t pode ser um intervalo de tempo qualquer; o uso mais usual é anual, mas nada impede que represente períodos mensais, semanais, bimestrais etc. 4 A noção de média para as variáveis de estoque quantidade de contribuintes e de beneficiários representa uma média ponderada pelo período em que o indivíduo se apresentou como contribuinte ou beneficiário. Por exemplo, se o intervalo de tempo é anual, um individuo que contribui durante o ano todo tem exposição igual a um. Aqueles que contribuíram somente durante seis meses teriam fator de ponderação correspondente a ½, já as pessoas que fizeram apenas uma contribuição durante todo o ano seriam computadas na média com peso equivalente a 1/12.

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“Os efeitos da dinâmica populacional sobre a previdência já são bastante discutidos e claros. O aumento da razão de dependência (RD) demográfica dos idosos tende a aumentar a quociente entre beneficiários e contribuintes”. Novas interpretações surgem ao reescrever a equação (1).

τ

Wt At ≥ (2) Bt Lt

Onde:

Bt = Taxa de reposição do regiWt me previdenciário; At = Razão de dependência preLt videnciária. De (2) se observam três determinantes da sustentabilidade de um plano de previdência: alíquotas cobradas, razão de dependência previdenciária (RDP) e taxa de reposição (TR). Define-se a RDP como o quociente entre o total de beneficiários e o total de

contribuintes e a TR como o valor médio do benefício em dado intervalo de tempo dividido pelo salário médio de contribuição no mesmo intervalo de tempo5. No contexto das equações (1) e (2) acima, os impactos das alíquotas de contribuição sobre a sustentabilidade previdenciária são bastante claros e simplistas. Maiores alíquotas de contribuição, dentro da perspectiva simplificada de (1) e (2), aumentarão o recolhimento para previdência e tornam o regime mais sustentável. Abordagens mais amplas não devem circunscrever a análise da alíquota previdenciária a este aspecto. Há uma pletora de repercussões distributivas, alocativas e até mesmo com conseqüências negativas sobre a estabilização. Porém, as outras duas variáveis

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desde já fazem jus à análise mais aprofundada. A RDP como determinante da sustentabilidade. Esta variável sofre influência de questões demográficas, de aspectos conjunturais e estruturais do mercado de trabalho, tal como flutuações de curto prazo da taxa de desemprego e do aumento da participação feminina no mercado laboral e, por fim, do próprio desenho do plano previdenciário, mais especificamente, as condições de qualificação aos benefícios. Os efeitos da dinâmica populacional sobre a previdência já são bastante discutidos e claros. O aumento da razão de dependência (RD) demográfica dos idosos tende a aumentar a quociente entre beneficiários e contribuintes, ou seja, a RDP, pelo simples fato que as pessoas usualmente recebem seus benefícios quando mais velhas e são ativas em idades menores6. Os avanços da medicina e da saúde pública permitiram redução das taxas de mortalidade em idades avançadas o que eleva a expectativa de vida e por conseqüência o tempo de recebimento de benefício previdenciário. Por outro lado, a quantidade média de filhos por mulher se reduz ao longo das últimas décadas e traz como

Há três definições distintas para taxa de reposição. Em comum, todas representam relação entre benefícios e salários de contribuição. Na definição presente neste TD, toma-se o ponto de vista da coletividade e se divide o beneficio médio recebido por um conjunto de indivíduos pelo salário médio de contribuição de outras pessoas. Noutros contextos a perspectiva é individual e pode assumir forma estática ou dinâmica. Na forma estática, compara-se o valor inicial do benefício com o salário final ou com os últimos salários. Numa configuração dinâmica, representa o quociente entre a soma de todos benefícios a receber e o total dos salários ao longo da vida. 6 Razão de dependência demográfica para idosos e razão de dependência previdenciária são conceitos distintos. O limite etário para que um indivíduo seja considerado como idoso não coincide com a idade em que o mesmo esteja apto à aposentadoria. Tampouco a pessoa em idade ativa é necessariamente contribuinte da previdência. Porém, a razão de dependência demográfica para idosos constitui um dos elementos chaves, em conjunto com mercado de trabalho e desenho do plano, para a determinação da razão de dependência demográfica.

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conseqüência de médio prazo a diminuição do número de potenciais contribuintes para o regime de previdência. As repercussões da dinâmica demográfica deste início de século sobre os países de renda alta e média vêm quase sempre na direção de incremento do custo previdenciário, sua intensidade que se caracteriza como fator diferencial. O mercado de trabalho é o segundo fator determinante da RDP. Ao contrário da demografia, que exerce influência de forma estrutural, a dinâmica do mercado laboral altera a razão de dependência tanto de uma perspectiva de curto prazo quanto de longo. O desempenho conjuntural do emprego afeta diretamente o resultado previdenciário dado que a arrecadação se baseia primordialmente em folha de pagamentos. A quantidade de contribuintes tende a diminuir em períodos recessivos em função da perda de dinamismo do mercado de trabalho. Entretanto, o número de beneficiários não se reduz em decorrência de uma recessão. Ninguém perde direito a um benefício já concedido porque a atividade econômica arrefeceu. Ao contrário, desempregados que já completaram as condições para o recebimento de benefício podem requerê-lo de forma antecipada com o intuito de manutenção de renda7. As alterações dinâmicas no mercado de trabalho também modificam a RDP. Merece destaque

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a maior inserção feminina com distintas repercussões intertemporais. A curto prazo, a ampliação da cobertura previdenciária atenua a evolução da RDP. Há, nas primeiras décadas, aumento do número de contribuintes sem a respectiva elevação dos beneficiários. À proporção que as primeiras mulheres que ingressaram no mercado de trabalho envelhecem e se aposentam, a razão de dependência passa a assumir valor crescente e, em seu estado de maturidade, torna-se superior àquele de menor participação feminina no mercado de trabalho. Isso ocorre por duas razões. Em primeiro lugar, as mulheres têm expectativa de vida superior a dos homens. Em segundo lugar, as regras vigentes permitem aposentadoria feminina com condições de elegibilidade

menos restritas que as masculinas. Em outras palavras, para o sistema previdenciário como um todo, aumenta-se o tempo médio de fruição de benefícios e se reduz o de contribuição. Estes dois fatores elevam a razão de dependência previdenciária. Revela-se o especial cuidado que a política previdenciária deve tomar no que toca ao tema expansão de cobertura. Em muitas situações, a maior sustentabilidade de curto prazo que se obtém pela queda da razão de dependência se contrabalança com o custo de longo prazo do aumento da relação entre beneficiários e contribuintes. Políticas previdenciárias de curto horizonte temporal podem causar danos a sua sustentabilidade no longo prazo. Por fim, o último elemento determinante da magnitude e

“A quantidade de contribuintes tende a diminuir em períodos recessivos em função da perda de dinamismo do mercado de trabalho. Entretanto, o número de beneficiários não se reduz em decorrência de uma recessão”.

Natural que essa pessoa já tenha completado todas as condições de qualificação para pelo menos algum dos benefícios programados. No entanto, caso não estivesse desempregada poderia optar por contribuir por mais tempo com o objetivo de ter maior valor inicial de benefício.

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“A história recente da previdência e assistência social brasileiras mostra ampliação de cobertura para a população de baixa renda ao garantir benefícios sem exigência de contribuição passada”. evolução da RDP é o desenho do plano previdenciário. Há uma influência direta e outra indireta. A primeira decorre das condições de habilitação aos benefícios. Regras mais restritas implicam, ceteris paribus, menor RDP que condições de qualificação mais suaves como a brasileira. Um plano hipotético que permitisse aposentadoria somente após o segurado completar 80 anos seria, por definição, sustentável, dadas as características demográficas atuais. Por esse motivo que grande parte das reformas previdenciárias centram no item elegibilidade e buscam equilibrar o conflito entre sustentabilidade e alcance social da previdência. A influência indireta surge em função dos incentivos que os regimes previdenciários e assistenciais colocam em relação à contribuição. Muitas vezes, a RDP apresenta valor superior à RD demográfica, o que indica que a cobertura dos regimes previdenciários para benefícios supera a da contribuição. O

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Brasil exibe tal discrepância. Trabalhadores rurais são dispensados de contribuição efetiva para obtenção da aposentadoria. Necessitam somente de comprovação de exercício de atividade rural. Por outro lado, o acesso a benefícios assistenciais também prescinde de contribuição prévia e gera incentivo a que pessoas de baixa renda busquem cobertura na assistência social, e não na previdência. Incentivo ampliado pelas altas alíquotas de contribuição previdenciária. A história recente da previdência e assistência social brasileiras mostra ampliação de cobertura para a população de baixa renda ao garantir benefícios sem exigência de contribuição passada. Parte deste aumento de custo se compensou pelas regras mais rígidas que se impuseram aos segmentos médios; em particular, o fator previdenciário. Criou-se a armadilha da credibilidade. População de baixa renda não conta com maiores incentivos a contribuir porque sabe que receberá

seu benefício previdenciário ou assistencial mesmo assim. O desincentivo se repete nas camadas médias, porém por outro motivo: imaginam iminente alteração de regras previdenciárias que reduzirão seus benefícios futuros ou que as farão postergar sua aposentadoria. A credibilidade é alta para quem não contribui e baixa para aqueles com maior potencial de contribuição. Há contexto favorável para alta cobertura no que tange aos benefícios e baixa no que se refere a contribuições. A TR como determinante da sustentabilidade. A TR, ou seja, a relação entre o valor médio do benefício e o salário médio de contribuição se determina pelo desenho do plano previdenciário; em particular, a fórmula de cálculo do benefício e as regras de indexação, assim como por condições de evolução salarial do universo de contribuintes. A fórmula de cálculo especifica quanto o segurado receberá de aposentadoria, pensão ou auxílio quando fizer jus ao benefício. Há diversos tipos. No primeiro inexiste relação entre benefício a receber e histórico contributivo ou salarial do segurado. Para benefícios assistenciais e aposentadorias rurais por idade, é comum o recebimento de valor equivalente a um salário mínimo ou uma proporção do mesmo8. No segundo tipo a fórmula é bastante simples, mas apresenta relação com salário ou contri-

Para o caso brasileiro, a Constituição de 1988 estabelece em seu art. 201, parágrafo 2o que nenhum beneficio terá valor mensal inferior ao salário mínimo.

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buição. Para servidores públicos, ainda é possível, dadas as regras de transição, ter beneficio de valor idêntico ao último salário. Em outras circunstâncias, a fórmula de cálculo é mais complexa e se define em diversos passos: seleção dos salários de contribuição, indexação dos mesmos, determinação de limites máximos e mínimos de cada um dos salários de contribuição e, por fim, aplicação de fórmula específica sobre os salários de contribuição selecionados anteriormente9. O primeiro passo consiste em selecionar as contribuições ou salários de contribuição utilizados. Para as aposentadorias por tempo de contribuição do RGPS e pela regra permanente do RPPS, separam-se todos os salários de contribuição de julho de 1994 até a data de requisição de benefício. Porém, há regra de transição para o RPPS onde se considera somente o último salário. Alguns países levam em conta todo histórico contributivo do segurado, enquanto outros apenas os últimos anos. Diversos benefícios rurais não observam salário de contribuição algum, dado que o segurado receberá o salário mínimo. Neste último contexto, a previdência não busca repor renda que guarde algum tipo de relação com o histórico salarial do segurado. Há um raciocínio básico para determinar a influência deste primeiro passo sobre a TR. Via de

regra, o salário de um indivíduo cresce ao longo do tempo, seja pelo crescimento da produtividade laboral da economia como um todo, seja por mérito pessoal decorrente de sua maior experiência. Em outras palavras, os maiores salários concentram-se na fase final da vida ativa e os menores na inicial. Portanto, quanto mais longo o período de referência para a coleta dos salários de contribuição, maior será a quantidade de salários de contribuição de valor mais baixo. Espera-se, desta forma, que os regimes previdenciários cuja fórmula de cálculo de benefício contenha maior histórico salarial apresentem menor taxa de repo-

sição que os de curto histórico contributivo. O segundo passo diz respeito a como se indexam as contribuições ou os salários de contribuição10. Neste aspecto, o tratamento dado à correção se distingue entre as situações onde a fórmula de cálculo leva em consideração os salários de contribuição ou simplesmente as contribuições. Em um primeiro momento se realizará análise dos desenhos de plano cujo benefício toma como base o salário de contribuição. Posteriormente, será feito exame análogo para as contribuições. Como os salários de contribuição podem remontar a décadas passadas, faz-se necessário

“Espera-se, desta forma, que os regimes previdenciários cuja fórmula de cálculo de benefício contenha maior histórico salarial apresentem menor taxa de reposição que os de curto histórico contributivo”.

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Há desenhos de plano onde os valores de referência para a fórmula de cálculo do benefício são as contribuições vertidas, e não os salários de contribuição. Haverá notas explicativas quando as conseqüências sobre o regime de previdência se diferenciarem em função da seleção das contribuições ou dos salários de contribuição. 10 Há duas discussões distintas no que se refere ao tema da indexação em previdência. No presente parágrafo, atenção recai sobre indexação na fórmula de cálculo do benefício, ou o que também se chama de indexação antes da aposentadoria ou pensão. Outra perspectiva, que se verá mais adiante, relaciona-se à correção do valor benefício quando já em recebimento ou à indexação após a concessão da aposentadoria ou pensão.

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o uso de mecanismos que permitam sua correção para valores dos dias atuais. Há duas alternativas básicas de indexação: pela inflação de preços ou de salários. Os objetivos de cada uma delas são distintos, assim como seu impacto para a TR. A indexação dos salários de contribuição pela inflação de preços objetiva atualizá-los de forma a preservar seu valor real. Considera-se na fórmula de cálculo do benefício o salário de contribuição do passado com o poder de compra dos dias de hoje. A segunda opção de indexar à inflação de salários tem o propósito de manter a relação entre o salário de contribuição e o salário médio do mercado de

trabalho. Neste caso, a fórmula de cálculo busca repor o poder de compra do indivíduo em relação à média da sociedade. Se o salário médio cresceu ao longo do tempo, o benefício refletiria tal evolução, e não apenas reporia a mesma cesta de consumo de tempos pretéritos. Como um exemplo, pela indexação de preços, se no passado um segurado recebia o equivalente a duas cestas de bens, seu salário de contribuição atualizado terá o valor das duas cestas de bens. Pela indexação pelos salários, se a média da remuneração fosse de quatro cestas no passado; então, o segurado recebia metade do salário médio. Por esse mecanismo, se hoje o

“A indexação dos salários de contribuição pela inflação de preços objetiva atualizá-los de forma a preservar seu valor real. Considera-se na fórmula de cálculo do benefício o salário de contribuição do passado com o poder de compra dos dias de hoje”.

11

salário médio perfaz seis cestas, seu salário de contribuição atualizado corresponderia a três cestas, ou seja, metade da remuneração média atual. Em resumo, a alternativa de correção pela inflação de preços torna o benefício compatível com o poder de compra absoluto dos salários de contribuição passados, enquanto a indexação pela inflação de salários se propõe a repor o poder de compra relativo à média salarial. Formas alternativas de indexação dos salários de contribuição seriam a correção pelo salário mínimo ou por uma média ponderada entre inflação de preços e de salários. Mesmo sub ou superindexação são matematicamente factíveis ainda que não tragam em si algum objetivo explícito de política previdenciária11. De todo jeito, o desenho de plano mais comum realiza indexação plena pela inflação de preços ou de salários. A TR não é neutra à regra de indexação antes da concessão do benefício. Correção pela inflação de salários tende no longo prazo a ser mais custosa que por preços. Isso porque se observam ganhos reais de salário em séries de tempo médias e longas. Em outras palavras, em grande parte dos casos, os benefícios concedidos com base na indexação de salários tendem a ser superiores em comparação aos indexados pela inflação de preços. Constitui tendência, mas não regra inexorável. A depender das circunstâncias, o impacto sobre a TR pode ser o

Natural que haja algum objetivo por detrás destas distintas formas de correção. Usualmente, a subindexação escamoteia objetivo fiscal de redução de valor de benefícios, enquanto a superindexação beneficiaria grupos de interesse com força política ou com densidade eleitoral.

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oposto, caso, por exemplo, a sociedade sofra um longo período de queda de salários reais. Nos planos previdenciários cuja fórmula de cálculo toma por base as contribuições, e não os salários de contribuição, a discussão acerca da indexação é mais ampla. É preciso definir o indexador do ganho real das contribuições vertidas, e não somente a correção de seu valor para o momento atual. Esses planos, no que toca este aspecto em particular, buscam inspiração nos planos de CD. A cada período, aportam-se contribuições que recebem rendimentos. Algo parecido com as aplicações financeiras. Toda discussão acerca da indexação pela inflação de preços ou de salários se repete; porém, merece destaque o indexador relativo ao ganho real das contribuições passadas. Há diversas opções. Um primeiro tipo seria um ganho real fixo pré-determinado; por exemplo, seis por cento ao ano. As alternativas se referem a índices pós-fixados: taxa de juros de mercado, PIB real, PIB per capita, massa salarial, salário médio etc. O reflexo que os indexadores terão sobre a TR dependerá do comportamento dos fatores de correção ao longo do tempo. Por exemplo, em países com histórico de taxa de juros superior à taxa de crescimento do PIB, a indexação por rentabilidade das aplicações financeiras torna o

“Toda discussão acerca da indexação pela inflação de preços ou de salários se repete; porém, merece destaque o indexador relativo ao ganho real das contribuições Passadas”.

valor da TR superior à indexação por evolução do produto. Se, por outro lado, a indexação se dá por PIB per capta, o impacto sobre a TR em sociedades com declínio populacional é distinto daquelas que apresentam crescimento demográfico. O terceiro passo presente nas fórmulas de cálculo de benefício mais complexas refere-se à imposição de valores máximos e mínimos das contribuições ou dos salários de contribuição12. Para este aspecto, não há diferença de análise entre os planos que to-

mam como base as contribuições daqueles que utilizam os salários de contribuição. Com objetivo de tornar a apresentação mais simples e curta, serão esboçados apenas os casos com uso dos salários de contribuição. A fórmula mais simples desconsidera qualquer limite, seja máximo ou mínimo. No entanto, a política previdenciária intenciona não somente que o benefício de aposentadoria ou pensão reponham renda em nível similar àquela que se recebia em vida ativa. Muitas vezes, a política

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Não se deve confundir a discussão deste item com a imposição de tetos para um pilar básico. Toda argumentação centra-se no uso deste instrumento para a fórmula de cálculo do benefício. Nesse contexto, a contribuição ou o salário de contribuição são valores já efetivamente recolhidos e conhecidos. O que se discute é se a fórmula de cálculo do benefício deveria considerar seus valores na integralidade ou impor tetos e pisos para os mesmos no momento do cômputo da fórmula de cálculo. Por exemplo, ainda que o salário de contribuição de um indivíduo no passado tenha sido 1.000 U.M., discute-se se o valor considerado deveria ser inferior ou superior as 1.000 U.M.

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“Os segurados de renda mais alta contribuem além dos salários de contribuição que se utilizarão no cálculo de seus benefícios. Por outro lado, um trabalhador rural que sequer contribui, terá aposentadoria por idade de um salário mínimo”.

previdenciária também é uma política de redistribuição. O caso brasileiro apresenta tal conjunção de fatores onde se busca concomitantemente distribuição e que o benefício guarde semelhanças com a renda média auferida em vida ativa. Trabalhadores que recebem acima do teto do RGPS recolhem contribuições limitadas ao mesmo; porém, não há teto para contribuição patronal. Em outras palavras, os segurados de renda mais alta contribuem além dos salários de contribuição que se utilizarão no cálculo de seus benefícios. Por outro lado, um trabalhador rural que sequer contribui, terá aposentadoria por idade de um salário mínimo. Em resumo, a imposição de limites aos salários de contribuição

depende dos objetivos da política previdenciária. Caso se intencione somente estreitar vínculo entre o benefício e o histórico contributivo, não há razão para o estabelecimento de tetos. Caso se pretenda que a previdência também contenha elementos redistributivos, um caminho seria a imposição de valor máximo para o salário de contribuição para as camadas de renda elevada e de um mínimo para os segmentos de menor participação na renda nacional. Os mais afluentes contribuiriam com salários superiores aos considerados na fórmula de cálculo, ao contrário do ocorrido com os mais pobres. O quarto e último passo da fórmula de cálculo se refere à função matemática que se aplica-

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rá aos salários de contribuição ou às contribuições descritas nas três etapas anteriores. Há diferenças entre o uso dos salários de contribuição ou de contribuições. Primeiro se apresentarão fórmulas de cálculo que tomam como base os salários de contribuição. A função mais simples seria a seleção de uma estatística de momento das informações selecionadas sobre o salário de contribuição: média, mediana ou moda, por exemplo. A média é o exemplo mais comum. Casos menos triviais tomam a média de parte dos salários de contribuição selecionados, e.g. os oitenta por cento maiores, e não de toda a seleção. As fórmulas mais sofisticadas introduzem elementos distributivos ou incentivam a postergação da aposentadoria. O método mais comum para inclusão de aspectos distributivos se realiza pela diferenciação de taxas de reposição por faixas de renda. Por exemplo, para os segurados que tiveram média de salários de contribuição até dois salários mínimos se reporia integralmente o salário de contribuição médio. Para aqueles com salário de contribuição médio superior a dois salários mínimos, haveria taxa de reposição de setenta por cento, a título de exemplo, sobre a parcela da média que excedesse ao limiar de dois salários mínimos. Como regra geral, esta fórmula de cálculo apresenta taxas de reposição decrescentes com a renda. Seu objetivo é reduzir o encargo sobre as contas públicas dos benefícios de maior valor e, simultaneamente, favorecer os segurados com menor poder aquisitivo.


Conciliam-se objetivos fiscais com distributivos. Em outras circunstâncias, a fórmula de cálculo tem por finalidade o adiamento da aposentadoria. Quanto mais tarde um segurado se aposenta, maior será seu benefício. Dois exemplos merecem destaque. Em primeiro lugar, pode-se estabelecer uma penalização de percentual determinado por ano de antecipação. A Emenda Constitucional (EC) 41, por exemplo, reduz em 5%, ou a depender do caso 3,5%, o valor do benefício por ano de antecipação. Em segundo lugar, tal como ocorre com o fator previdenciário, a própria fórmula de cálculo cria taxa de reposição crescente com a idade e tempo de contribuição do segurado. Em outras palavras, TR e RDP são variáveis dependentes porque há regimes de previdência que definem sua fórmula de cálculo como forma de induzir a protelação da aposentadoria e, a partir daí, reduzir a RDP. O quarto passo assume características distintas quando as contribuições, e não os salários de contribuição, são os valores tomados como base para o cálculo do benefício. Após sua correção pela inflação de preços ou salários acrescida de um indexador específico para o ganho real, obtém-se o montante acumulado pelo segurado, seja de forma efetiva ou escritural. A questão seguinte resume-se à conversão do montante acumulado em renda permanente. Diversas alternativas existem. A primeira seria considerar o plano CD na fase acumulação para se transformar em BD na fase de recebimento.

Várias hipóteses e métodos são possíveis para transformar o montante acumulado em benefício definido. Uma segunda opção seria manter o plano CD na fase de recebimento. Os parágrafos anteriores demonstraram que a fórmula de cálculo do beneficio é uma das características do desenho do plano previdenciário que contém abundância de detalhes. Cuidado especial deve tomar a política previdenciária para definição da TR que mantenha a sustentabilidade do regime de previdência. Regra geral, a maior benevolência da fórmula de cálculo do benefício implica maiores TR. Novamente, não há TR ideal, trata-se de uma questão de polí-

tica previdenciária. Um regime previdenciário sustentável, mas que não forneça aposentadorias condignas aos segurados é tão indesejável, do ponto de vista social, quanto outro magnânimo, porém insustentável. O segundo elemento que determina a TR é a regra de indexação após a concessão dos benefícios, isto é, como e em que freqüência se corrigirão os benefícios. Há duas alternativas básicas, indexação pela inflação de preços ou de salários, e um outro conjunto que promove super ou subindexação. Também apresenta relevância a periodicidade do reajuste. A fundamentação conceitual para opção por indexação pela

“Um regime previdenciário sustentável, mas que não forneça aposentadorias condignas aos segurados é tão indesejável, do ponto de vista social, quanto outro magnânimo, porém insustentável”.

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inflação de preços ou de salários é a mesma exposta anteriormente. O princípio da correção pela inflação de preços se sustenta na idéia que o poder de compra do benefício previdenciário deve se manter constante ao longo de seu período de recebimento. Por sua vez, a indexação pela variação dos salários toma como base a perspectiva que o valor do benefício deve se manter compatível com a evolução da renda dos trabalhadores na ativa. Há alternativas de indexação que fogem do padrão tradicional. O RGPS adota dois tipos distintos de indexação a depender do valor do benefício. Como o piso previdenciário é o salário mínimo, há um conjunto de benefícios indexados por este. Para os demais, cujo valor supera o piso, a indexação se dá pela infla-

ção de preços. Nos anos em que o salário mínimo recebe ganhos reais, o benefício previdenciário médio é sobreindexado à inflação de preços, porém, apenas um conjunto de beneficiários recebeu ganho real, o outro somente repôs a perda de poder compra provocada pelo aumento de preços. Tal perfil de reajustes tem duas implicações. A primeira reflete a complexidade da política previdenciária com o confronto entre objetivos distributivos e de estabilização. Parte daqueles que vêem a previdência como potencial distribuidora de renda tende a tomar postura favorável à sobreindexação do piso previdenciário pois favoreceria, a princípio, as pessoas mais necessitadas. Por sua vez, os que dão maior peso à estabilização macroeconômica assumem postura contrária à vin-

“O fim da alta inflação no Brasil a partir de meados dos anos 90 destruiu um dos mecanismos de ajuste rápido a desequilíbrios estruturais da previdência: a subindexação de benefícios em um contexto de hiperinflação”.

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culação do piso previdenciário ao salário mínimo em função de sua pressão sobre a despesa do RGPS. Nenhuma das partes está totalmente correta ou errada. Seu posicionamento revela apenas suas prioridades e preferências. A segunda implicação mostra que há arranjos institucionais que mesclam as políticas de previdência com as de mercado de trabalho. Há custos e benefícios desta opção. Como benefício esperado, os segurados se beneficiariam de políticas de mercado de trabalho. A indexação do piso previdenciário ao salário mínimo e a correção de benefícios de funcionários públicos inativos pelo mesmo percentual dos salários dos servidores ativos são dois exemplos por garantirem aos aposentados e pensionistas os ganhos auferidos no mercado de trabalho. O custo esperado desta decisão é que avanços no mercado de trabalho podem não ocorrer em função dos seus custos sobre a previdência. Por exemplo, servidores ativos podem deixar de receber aumento em decorrência do impacto da elevação de seus salários sobre a folha de inativos. Importante lembrar que o fim da alta inflação no Brasil a partir de meados dos anos 90 destruiu um dos mecanismos de ajuste rápido a desequilíbrios estruturais da previdência: a subindexação de benefícios em um contexto de hiperinflação. Em conjuntura de inflação mensal superior a dois dígitos, uma simples correção de benefícios com valores abaixo da inflação por poucos meses reduz substancialmente a TR e compensa eventuais elevações na RDP. Com o fim da alta in-


flação, o ajuste pela TR é longo. Propõem-se novas fórmulas de cálculo de benefícios que alteram o valor somente dos benefícios a conceder, e não dos já concedidos, em decorrência dos direitos adquiridos. De modo análogo, a procrastinação do reajuste dos benefícios por longos períodos é de difícil execução política. Não é à toa que as reformas previdenciárias brasileiras aconteceram justamente após o término da alta inflação. De toda a discussão acima, percebe-se que a dinâmica da TR não é neutra às regras de indexação. Das duas formas clássicas de reajuste de benefícios, se pela variação de preços ou de salários médios, a segunda fornece maior rigidez à TR porque garante ao benefício médio a mesma correção do salário médio, ou seja, numerador e denominador da TR variam praticamente na mesma proporção e, portanto, dificultase o ajuste do regime previdenciário a desequilíbrios de natureza fiscal. A indexação por preços permite redução da TR em momentos de ganhos salariais e proporciona à previdência maior sustentabilidade em períodos de crescimento econômico. Como, em conseqüência do aumento da produtividade do trabalho, espera-se que os salários reais apresentem ganhos ao longo do tempo, a indexação por preços tende a gerar TR inferior à indexação por salários. Portanto, fornece maior sustentabilidade à previdência. As indexações alternativas seguem uma regra básica para a dinâmica da TR. Quanto maior for o reajuste dos benefícios, maior será a TR. Do ponto de vista da

“De modo análogo, a procrastinação do reajuste dos benefícios por longos períodos é de difícil execução política. Não é à toa que as reformas previdenciárias brasileiras aconteceram justamente após o término da alta inflação”.

estabilização, menos sustentável fica o regime. Da perspectiva da distribuição, mais se favorecem os beneficiários com maior custo para o restante da sociedade que paga suas aposentadorias e pensões. O reajuste resultante dependerá das regras jurídicas, das restrições de natureza fiscal e do equilíbrio de forças entre os diversos segmentos políticosociais. A periodicidade do reajuste, assim como a regra de indexação, também exerce influência sobre a dinâmica da TR. O valor médio do benefício anual é função crescente da freqüência de reajustes. Por exemplo, os aposentados teriam maior valor real médio de benefício caso fossem reajustados todos os meses, e não uma vez por ano. Uma conjuntura de alta inflação exacerba esses efeitos. Reajustes trimestrais com

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taxas de inflação superiores a dois dígitos reduzem mais fortemente o salário real médio anual que reajustes mensais, ou seja, a subindexação e a diminuição da freqüência de reajustes permitiam o veloz declínio da TR. Outro estratagema eliminado pelo controle inflacionário. Conclui-se que o ajuste da sustentabilidade previdenciária pela TR com preços estáveis é mais demorado e sofisticado. O terceiro fator a determinar o comportamento intertemporal da TR são as condições do mercado de trabalho; em particular, a evolução do salário médio ao longo do ciclo econômico, o crescimento de longo prazo da produtividade do trabalho e os ganhos salariais por antiguidade. Em relação ao comportamento de curto prazo do mercado de

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trabalho, a TR sofre influência da ciclicidade do salário em contextos de indexação de benefícios pela inflação de preços, enquanto apresenta neutralidade quando se verificam reajustes pela inflação de salários. Quando se corrigem as aposentadorias e pensões pela variação de salários, a TR se mostra neutra à inflação salarial porque ganhos ou perdas ocorridas no salário real médio se repassarão aos benefícios e tornam a TR invariante a flutuações salariais ao longo do ciclo econômico. Em outras palavras, numerador e denominador da TR variam na mesma proporção o que a mantém constante. Por sua vez, TR e variação salarial têm correlação negativa com indexação de benefícios à inflação de preços. Os ganhos ou perdas reais de salário não se transmitem aos benefícios de modo que em períodos de ganhos salariais a TR cai, enquanto aumenta nas fases de perda. Um fator estrutural do mercado de trabalho com potencial efeitos sobre a TR é a evolução de longo prazo da produtividade do trabalho. Novamente, o com-

portamento da TR depende das regras de indexação. Para indexação pela inflação de salários, há neutralidade e maior rigidez; para correção dos benefícios pela variação de preços, a TR se mostra de maior variabilidade e flexibilidade. As razões são idênticas àquelas apresentadas no parágrafo anterior. Com indexação por salários, ganhos salariais por produtividade se repassam aos benefícios e, portanto, numerador e denominador da TR variam na mesma proporção. Ao contrário, a indexação pela inflação de preços não propaga os ganhos salariais aos benefícios, o que ocasiona correlação negativa entre produtividade e TR, ou seja, quanto maior a produtividade, menor será a TR. Em resumo, a indexação pela inflação de preços retira a rigidez da TR tanto conjuntural quanto estruturalmente; porém, torna a sustentabilidade da previ-

dência mais sensível ao comportamento macroeconômico. O último aspecto do mercado de trabalho a influenciar a TR é o crescimento salarial por mérito ou antiguidade. Há dois motores para evolução salarial: em primeiro lugar, o salário do trabalhador cresce porque há elevação da produtividade como um todo e, em segundo lugar, há incrementos salariais com o tempo devido a sua maior experiência, os ganhos por mérito ou antiguidade. Observa-se que o ganho meritocrático tem caráter individual, portanto, sua influência sobre a TR se dá por meio da fórmula de cálculo do benefício. Em sociedades onde a evolução salarial por mérito é mais acentuada, as fórmulas de cálculo que compreendem um maior período contributivo implicam menores TR, ao se considerar salários menores para o cômputo do benefício.

* Marcelo Abi-Ramia Caetano Economista e Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA

ERRATA A assinatura do economista Humberto V. Richter, em seu artigo “O Mercado de Trabalho para o Economista”, apareceu incorreta na edição Nº 23 da Revista de Conjuntura. Retificando – Richter é economista e conselheiro do CORECON-DF.

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