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ANO VIII • Nº 33 • janeiro/março de 2008

Conjuntura

Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ArtigoS Os cortes no orçamento de 2008

Max Leno

Reforma tributária: urgente e necessária

Reduzir gastos públicos. É possível? Quais? Como? James Giacomoni

A Legislação ambiental e o desenvolvimento do setor elétrico no Brasil Nivalde J. de Castro Victor José Ferreira Gomes

O Brasil e a crise financeira internacional Carlos Eduardo de Freitas

A reforma tributária de 2008 José Fernando Cosentino Tavares

O IPTU no Distrito Federal: um tributo que precisa ser melhor administrado Paulo Luiz Figueirêdo de Oliveira

ISSN 1677-0668

ENTREVISTA Vito Tanzi, doutor em Economia pela Universidade de Harvard, em entrevista, aborda a necessidade de uma reforma tributária que, segundo ele, se faz necessária há duas décadas

A alta carga tributária, o excesso de burocracia e os juros elevados levam muitos especialistas a crer na urgência de uma reforma no sistema tributário do País


Projetos Avaliações Análises de risco Oportunidades de negócio Assessoria e consultoria econômica

Entidades associadas: Corecon/DF – Conselho Regional de Economia do Distrito Federal • Sindecon/DF –Sindicato dos Economistas do Distrito Federal • ACDF – Associação Comercial do Distrito Federal • Dieese/DF – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos •Fecomércio – Federação das Indústrias do Distrito Federal •CUT/DF – Cental Única dos Trabalhadores do DF • Sebrae/DF – Serviço de Apoio às Pequenas e Médias Empresas do Distrito Federal • IEL/DF – Instituto Euvaldo Lodi • Fibra – Federação das Indústrias de Brasília • UnB – Universidade de Brasília • UCB – Universidade Católica de Brasília • UniDF – Centro Universitário do Distrito Federal • Cesubra – Centro de Ensino Superior de Brasília • Faculdade Euro-Americana

(61) 3964.8364


ecidnÍ

Nesta edição

Conjuntura Revista de

6

Os cortes no orçamento de 2008

Max Leno

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ANO VIII • Nº 33 • janeiro/março de 2008

12

Reduzir gastos públicos. É possível? Quais? Como?

James Giacomoni

16

A Legislação ambiental e o desenvolvimento do setor elétrico no Brasil

Nivalde J. de Castro Victor José Ferreira Gomes

19

2 editorial 3 entrevista Vito Tanzi

26 capa Reforma tributária a necessidade de mudanças

O Brasil e a crise financeira internacional

Carlos Eduardo de Freitas

29

A reforma tributária de 2008

José Fernando Cosentino Tavares

40

O IPTU no Distrito Federal: um tributo que precisa ser melhor administrado

Paulo Luiz Figueirêdo de Oliveira

A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contactando o Corecon/DF. O valor da assinatura é de R$ 70,00 anuais, o que equivale a quatro edições da revista.


Conjuntura

Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

Editor Responsável Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Conselho Editorial André Nunes Humberto Vendelino Richter José Fernando Cosentino Tavares José Luiz Pagnussat Júlio Flávio Gameiro Miragaya Maurício Barata de Paula Pinto Mônica Beraldo Fabrício da Silva Jornalista Responsável Daniela Lima (Reg. DRT/DF: 4926) Redação Daniela Lima Revisão Marluce Moreira Editoração Eletrônica www.arsventura.com.br Tiragem: 4.000 Periodicidade: trimestral As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF Presidente Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Vice-Presidente José Luiz Pagnussat Conselheiros Efetivos Evilásio da Silva Salvador Homero Gustavo Regionaldo Lima José Luiz Pagnussat Júlio Flávio Gameiro Miragaya Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Maurício Barata de Paula Pinto Max Leno de Almeida Mônica Beraldo Fabrício da Silva Roberto Bocaccio Piscitelli Conselheiros Suplentes André Nunes Érton Birk Teixeira Guilherme Costa Delgado Junia Rodrigues de Alencar Newton Ferreira da Silva Marques Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira Ronalde Silva Lins Victor José Hohl Equipe do Corecon Angeilton Francisco Lima Faleiro Iraci da Costa Lopes Ismar Marques Teixeira Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares Estagiários Mayara Bruno Ferreira (ensino médio) Rodrigo Nascente de Oliveira (Economia) End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília/DF Tel: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo)

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Editorial

Esta edição da Revista de Conjuntura traz como destaque dois temas importantes da agenda atual: a proposta de reforma tributária encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional e a questão dos ajustes no Orçamento 2008. A proposta de reforma tributária foi o tema do artigo do professor José Fernando Cosentino Tavares, da matéria da jornalista Daniela Lima e da entrevista com Vito Tanzi, doutor em Economia pela Universidade de Harvard e ex-diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional (FMI). As análises apresentadas reforçam a necessidade e a urgência da reforma, em especial em relação às principais questões que precisam ser enfrentadas na área tributária, entre elas pode-se destacar: a necessidade de modernização do sistema tributário com uma grande simplificação e eliminação da excessiva burocracia tributária, que representa um custo elevado para as empresas e inibe a formalização; a redução da carga tributária dos setores estratégicos, dos produtos essenciais (alimentos e remédios) e a desoneração da folha de pagamento, que tem reflexo direto na geração de empregos; a eliminação de distorções no sistema tributário que estão prejudicando o crescimento econômico e a competitividade dos produtos brasileiros no exterior; o fim da guerra fiscal e a ampliação do montante de recursos destinados às regiões menos desenvolvidas, de forma que possibilite explorar o potencial socioeconômico que possuem. O professor Vito Tanzi é mais incisivo no sentido da necessidade de redução da carga tributária global do País, mas alerta que isso só será possível com a redução dos gastos públicos. Este é o tema do artigo do professor James Giacomoni, que indica caminhos importantes para a melhoria da qualidade do gasto público e destaca alguns problemas e aspectos que precisam ser considerados, como o caráter repetitivo e incremental dos orçamentos públicos e a necessidade de melhoria na microgestão do gasto governamental. O ajuste no Orçamento de 2008, com o fim da CPMF, foi um indicador das dificuldades para se reduzir os gastos públicos. Sobre esse assunto recomenda-se a leitura do artigo de Max Leno que analisa “os cortes no Orçamento 2008”. Outro tema de destaque da Revista é a crise internacional e o seu impacto no Brasil, objeto de análise do excelente artigo do professor Carlos Eduardo de Freitas, que esclarece as razões da crise e os possíveis efeitos sobre o Brasil. Recomenda-se, ainda, a leitura do artigo “legislação ambiental e o desenvolvimento do setor elétrico no Brasil”, dos professores da UFRJ Nivalde José de Castro e Victor José Ferreira Gomes; e do artigo “o IPTU no Distrito Federal: um tributo que precisa ser melhor administrado”, de Paulo Luiz Figueirêdo de Oliveira.


A urgência de uma

reforma tributária Vito Tanzi, doutor em Economia pela Universidade de Harvard, especialista em Finanças Públicas, dirigiu durante anos o Departament of Fiscal Affairs do Fundo Monetário Internacional (FMI). Leccionou na George Washington University e na American University, em Washington, e foi presidente do International Institute of Public Finance, entre 1990 e 1994. Em entrevista para a Revista de Conjuntura Econômica do Corecon/DF aborda a necessidade de uma reforma tributária que, segundo ele, se faz necessária há duas décadas.

janeiro / março / 2008

Entrevista


Revista de

Conjuntura

Conjuntura – O senhor sempre alertou sobre as conseqüências da elevada carga tributária brasileira. Como reduzir a carga tributária do país, considerando o elevado endividamento e a necessidade de superávits nas contas públicas e da política monetária restritiva com a manutenção de juros elevados para conter a inflação? Vito Tanzi – Não é possível reduzir a carga tributária sem reduzir o gasto público. No Brasil, esse gasto cresceu enormemente nas duas últimas décadas. Alcança hoje níveis europeus, embora a renda per capita do país seja muito mais baixa. Parte desse gasto é essencial e útil. Outra parte dele é supérflua, desperdício. Basta ver quanto o Brasil gastava há duas ou três décadas. O governo brasileiro precisa fazer uma dieta rigorosa e perder o excesso de peso. Alguns países (Canadá, Finlândia, etc.) fizeram isso. O gasto público no Brasil está bem acima do de qualquer outro país latino-americano, daí porque deve haver muito para cortar. Os obstáculos serão políticos, nunca econômicos. Conjuntura – Antigos problemas como o elevado número de impostos, excessiva burocracia, juros elevados prejudicam bastante o empreendedorismo no país. O senhor acredita na urgência de uma reforma tributária no Brasil? Quais seriam as questões mais necessárias para esta reforma?

Vito Tanzi – Todos os problemas citados são sérios. Esse quadro vem piorando com os anos devido ao crescimento da carga tributária. Uma reforma tributária ampla já se fazia necessária há duas décadas. Agora é ainda mais urgente. As principais questões a serem abordadas nessa reforma são (a) a eliminação das guerras fiscais entre os Estados (b) uma profunda reforma dos tributos sobre o valor agregado, para reduzir os problemas que eles criam hoje, e (c) uma grande simplificação do sistema tributário, para reduzir os custos do cumprimento das obrigações, que se tornaram um dos principais problemas para as empresas. Conjuntura – Existe algum modelo de sistema tributário eficaz? Vito Tanzi – Existe uma vasta literatura a respeito das características que o bom sistema tributário deve ter. Eu mesmo, em alguns dos trabalhos que escrevi, as enumero. No entanto, não existe um modelo simples porque os países diferem entre si e, tendo em conta o nível de seus gastos públicos, necessitam de cargas impositivas distintas. Conjuntura – Quais impostos o Brasil deveria apostar? Vito Tanzi – Em regra, os tributos mais rentáveis nos vários países são os impostos sobre o valor agregado


janeiro / março / 2008

e os impostos sobre a renda dos indivíduos. O Brasil se vale muito dos primeiros, mas muito pouco dos segundos. Os rendimentos das pessoas, e não só os salários, poderiam contribuir mais para a arrecadação, tornando possível a diminuição de outros impostos. Conjuntura – A proposta do governo de criar o IVA-F (Imposto sobre o Valor Agregado Federal), em substituição de contribuições (seriam extintas a Cofins, a Contribuição para o PIS, a CIDE-Combustíveis e a Contribuição sobre folha para o Salário-Educação); e manter o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), é adequada? Vito Tanzi – Eu não examinei detalhadamente a proposta do governo. Mas a impressão geral é a de que ela vai no sentido que muitos especialistas em tributação vêm recomendando há muitos anos. É inevitável que haja problemas de implementação porque, em matéria tributária, o diabo mora nos detalhes. Conjuntura – O senhor acredita que a descentralização tributária dificulta uma possível reforma tributária? VitoTanzi – Estou firmemente convicto de que a descentra­ lização fiscal sempre gera obstáculos para uma boa reforma tributária. A experiência de muitos países (Índia, Argentina, México e outros) claramente apóia essa conclusão. Conjuntura – O senhor sempre recomendou ao Brasil corte nos gastos para resolver o problema fiscal do País. Esta seria a solução do problema? Por quê?

‘‘

Vito Tanzi – Cobra-se imposto para pagar as despesas públicas. Se o gasto público é baixo, a carga tributária de que se precisa é pequena. Se o gasto público é elevado, são necessários impostos mais altos. Se o Brasil não é capaz (por razões políticas) de reduzir suas despesas, deve continuar a ter impostos altos e arcar com todas as conseqüências negativas da tributação elevada. Não há outro caminho.

As principais questões a serem abordadas nessa reforma são: a eliminação das guerras fiscais entre os Estados, uma profunda reforma dos tributos sobre o valor agregado, para reduzir os problemas que eles criam hoje, e uma grande simplificação do sistema tributário, para reduzir os custos do cumprimento das obrigações, que se tornaram um dos principais problemas para as empresas. Vito Tanzi


Artigo Os cortes no orçamento de 2008 Max Leno O relator do Orçamento Geral da União, deputado José Pimentel (PT-CE), apresentou os cortes previstos para o orçamento de 2008 por conta da perda de receita da CPMF. Sem o volume de recursos previsto (R$ 39,29 bilhões), a relatoria optou por algumas premissas para efetuar as recomposições das programações de caráter obrigatório ou indispensáveis ao funcionamento dos órgãos antes financiadas com os recursos da contribuição, sendo eles: • Cumprimento da meta de superávit primário prevista na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) 2008; • Alocação de recursos para assegurar a correção do salário mínimo pelo INPC, de forma a elevá-lo de R$ 407,33, previsto no projeto, para R$ 412,40; • Preservação do montante financeiro relativo ao Projeto Piloto de Investimentos Públicos – PPI, ao Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE e à segurança pública; • Cumprimento do mínimo de aplicação na Saúde, nos termos definidos na Emenda Constitucional nº 29/2000;

• Cancelamento de despesas com custeio administrativo, investimentos, inversões financeiras classificadas como discricionárias ou obrigatórias, em percentuais diferenciados em órgãos, funções ou programações orçamentárias; • Reexame das autorizações para contratação de pessoal ou reestruturação de carreiras constantes do Anexo V do PLOA/2008 com ajuste nas programações constantes do projeto de lei; • Redução dos recursos destinados ao início de novos investimentos. Nesse aspecto, foram efetuadas adequações bem como sugeridas emendas pelo relator geral ao PLOA/2008 em conseqüência da extinção da CPMF (PEC nº 56/2007). As principais alterações que possibilitaram redefinir a programação orçamentária na maioria dos órgãos se deu a partir dos seguintes elementos: ganho de receita com medidas relativas ao IOF e CSLL; aumento do superávit primário das estatais; cortes nas emendas coletivas e cortes no orçamento dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. (ver Tabela 1)

Tabela 1 – Demonstrativo da Compensação da frustração da CPMF

Revista de

Conjuntura

Discriminação

Valores (em R$ bilhões)

Ganho de receita com medidas relativas ao IOF e CSLL

10,45

Aumento do superávit primário das estatais

2,82

Cortes nas emendas coletivas

13,80

Cortes no orçamento dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário

12,22

Frustração da receita de CPMF prevista no PLOA/2008

39,29

Fonte: Relatório geral – Projeto de Lei Orçamentária para 2008 (PL nº 30, de 2007 – CN).


Tabela 2 – Cortes previstos para 2008 – Por Poderes Poder

Tamanho dos cortes em 2008

Executivo

R$ 11,35 bilhões

Legislativo

R$ 310 milhões

Judiciário

R$ 740 milhões

Ministério Público

R$ 70 milhões

TOTAL

Pessoal (R$ 3,48 bilhões) e, por fim, os Investimentos que terão redução de R$ 1,97 bilhão. (ver Tabela 3). Tabela 3 – Discriminação dos cortes no orçamento dos Poderes por categoria de despesa Categoria de despesa

Tamanho dos cortes em 2008 (em bilhões R$)

Custeio

6,77

Pessoal

3,48

Investimento

1,97

TOTAL

12,22

Fonte: Relatório geral – Projeto de Lei Orçamentária para 2008 (PL nº 30, de 2007 – CN).

R$ 12,22 bilhões

Fonte: Correio Braziliense de 20/02/2008 – Pág.4 – “Cortes em concursos”.

Dessa maneira, para compensar o fim da CPMF, o relator-geral do Orçamento decidiu, em relação ao orçamento dos Poderes, cortar R$ 12,22 bilhões da previsão inicial encaminhada pelo governo no ano passado. Percebe-se, pela proposta em discussão, que o relator não poupou nenhum dos três Poderes. Além disso, todas as categorias de despesa serão afetadas, sendo que o maior corte atingiu os recursos destinados à área de custeio (R$ 6,77 bilhões), seguido pela contenção nas despesas­ de

No tocante às Despesas de Pessoal, vale lembrar que a proposta orçamentária apresentada em 2007 pelo Executivo ao Legislativo trazia, em seu anexo V, autorizações específicas de que trata o Art. 169, § 1º, inciso II da Constituição, relativas às Despesas de Pessoal e Encargos Sociais. No referido anexo, constavam as pretensões do governo quanto à criação e/ou provimento de cargos, empregos e funções, bem como admissão ou contratação de pessoal a qualquer título. Além do mais, estavam incluídas as eventuais alterações de estrutura de carreiras e aumento de remuneração dos três Poderes. No total, a previsão de gasto, no exercício de 2008, era de R$ 5,9 bilhões para atender aos dois itens, sofrendo redução de mais de R$ 1,3 bilhão com a nova proposta apresentada. (ver Tabela 4).

Tabela 4 – Autorizações específicas relativas a despesas de pessoal e encargos sociais em 2008 e segundo a nova Proposta Orçamentária – No exercício de 2008 (em milhões R$) Despesa no exercício de 2008 (*)

Nova Proposta Orçamentária para 2008

Diferença

Criação e/ou provimento de cargos, empregos e funções, bem como contratação de pessoal

1.897,06

948,53

948,53

Alteração de estrutura de carreiras e aumento de remuneração

4.030,33

3.645,64

384,69

TOTAL

5.927,39

4.594,17

1.333,22

Discriminação

Fonte: Anexo V do Projeto de Lei Orçamentária 2008 enviada pelo Executivo. Autorizações específicas de que trata o Art. 169, § 1º, inciso II da Constituição, relativas a Despesas de Pessoal e Encargos Sociais e anexo V – substitutivo do novo Projeto de Lei Orçamentária 2008. OBS: (*) Proposta encaminhada pelo Executivo em 2007.

janeiro / março / 2008

Em relação aos cortes no orçamento dos Poderes, segundo os cálculos apresentados, a previsão é de que no Executivo, que fica com 90,9% do orçamento, o corte será de R$ 11,35 bilhões; já no Legislativo, que tem 2,5% do orçamento, a contenção de recursos será de R$ 310 milhões enquanto no Judiciário, que detém cerca de 6% do orçamento, o corte será de R$ 740 milhões. No Ministério Público, que tem uma fatia de 0,6%, o corte será de R$ 70 milhões. (ver Tabela 2)


Tabela 5 – Autorizações específicas relativas a despesas de pessoal e encargos sociais em 2008 e segundo a nova Proposta Orçamentária – valores anualizados (em milhões R$) Despesa anualizada (*)

Nova Proposta Orçamentária anualizada

Diferença

Criação e/ou provimento de cargos, empregos e funções, bem como contratação de pessoal

3.498,45

3.498,45

-

Alteração de estrutura de carreiras e aumento de remuneração

7.734,70

7.593,01

141,69

11.233,15

11.091,46

141,69

Discriminação

TOTAL

Fonte: Anexo V do Projeto de Lei Orçamentária 2008 enviada pelo Executivo. Autorizações específicas de que trata o Art. 169, § 1º, inciso II da Constituição, relativas a Despesas de Pessoal e Encargos Sociais e anexo V – substitutivo do novo Projeto de Lei Orçamentária 2008. OBS: (*) Proposta encaminhada pelo Executivo em 2007.

É válido notar que as LDOs (Leis de Diretrizes ­ rçamentárias) têm criado, progressivamente, proceO dimentos que visam dar transparência e confiabilidade às informações relativas às despesas com pessoal. No tocante ao já referido Anexo V do texto da lei, que trata das autorizações para alterações nos gastos com pessoal, nos termos do art. 169, § 1º, II, da Constituição, nota-se avanço com relação a exercícios anteriores. A LDO/2008, art. 89, inovou em termos do conteúdo e apresentação do Anexo V. O §2º do art. 89 determina que sejam considerados, de forma segregada, o provimento da criação de cargos, funções e empregos e seja acompanhado dos valores relativos à despesa anualizada1, bem como das demais especificações necessárias à verificação do cumprimento da Lei Complementar nº 101, de 2000 (a LRF). (ver Tabela 5)

Observa-se que as disposições acima foram cumpridas pelos Poderes Legislativo e Judiciário e Ministério Público da União, ainda que, quanto a esses dois últimos, estejam ausentes o impacto em 2008 das Leis n° 11.416/2006 e 11.415/06, relativas respectivamente à reestruturação das carreiras de seus servidores. O mesmo não pode ser dito quanto ao Poder Executivo, já que suas autorizações caracterizam-se pela falta de detalhamento dos fundamentos que justifiquem a autorização pretendida, ausentes, principalmente, na parte relativa à reestruturação de carreiras. Nesse caso, no que tange à alteração de estrutura de carreiras e aumento de remuneração, o valor previsto no exercício de 2008 passou a ser de R$ 3,461 bilhões e a despesa anualizada perfaz o total de R$ 7,409 ­bilhões.

Tabela 6 – Criação e/ou provimento de cargos, empregos e funções bem como contratação de pessoal em 2008 Discriminação

Revista de

Conjuntura

Criação de cargos, empregos e funções (quantidade) (*)

Provimento, admissão ou contratação (quantidade) (*)

Despesa no exercício de 2008 (em milhões R$)

Poder Legislativo

179

1.417

106,84

Poder Judiciário

19.415

12.604

647,18

-

2.295

111,31

Ministério Público da União Poder Executivo

13.375

40.032

1.031,73

TOTAL

32.969

56.348

1.897,06

Fonte: Anexo V do Projeto de Lei Orçamentária 2008 enviada pelo Executivo. Autorizações específicas de que trata o Art. 169, § 1º, inciso II da Constituição, relativas a Despesas de Pessoal e Encargos Sociais. OBS: (*) Proposta encaminhada pelo Executivo em 2007. Por conta de os gastos relativos à despesa de pessoal, não ocorrerem necessariamente a partir de janeiro, mas sim a partir de outros meses no decorrer do ano, o cálculo anualizado consiste em demonstrar as despesas como se ocorressem a partir de janeiro do ano de 2008. 1


de 2008 no sentido de contemplar as alterações de estrutura de carreiras e aumento de remuneração. Nesse caso, o valor total previsto para atender a todos os poderes era superior a R$ 4 bilhões, sendo que a maior parte, seria direcionada ao Poder Executivo. Já na nova proposta, com exceção do Legislativo, todos os demais Poderes tiveram diminuídas suas respectivas despesas relativas à alteração de estrutura de carreiras e aumento de remuneração, passando a ser não mais o valor de R$ 4 bilhões e, sim, um total de R$ 3,645 bilhões, vindo assim a representar uma redução superior a R$ 380 milhões no exercício de 2008. (Ver tabela 7) Constata-se, portanto, que o setor mais atingido em relação aos cortes nesse item foi o Poder Executivo, já que a nova proposta teve redução superior a R$ 240 milhões. Adicionalmente, não se pode esquecer o fato de que inúmeras carreiras discutiram com o governo, em 2007, a possibilidade de modificações em suas respectivas estruturas salariais com o compromisso de que estariam contempladas já no orçamento de 2008. Em relação a tal fato, as sinalizações são de que só estão assegurados reajustes para as categorias que já vinham recebendo aumento escalonado desde 2006, como é o caso da Polícia Federal. Dessa forma, uma possível interpretação é de que novos projetos de lei terão de ser encaminhados ao Congresso para assegurar aumentos a categorias que tentaram, por meio de um anexo do Orçamento, o reajuste salarial. Garantidos mesmo somente os reajustes das carreiras que já tiveram projeto aprovado ou, ainda, que as correções estejam previstas em leis.

Tabela 7 – Alteração de estrutura de carreiras e aumento de remuneração em 2008 (em milhões R$) Despesa no exercício de 2008 (*)

Nova Proposta Orçamentária para 2008

Poder Legislativo

-

1,41

Poder Judiciário

221,64

129,43

92,21

Ministério Público da União

104,32

53,43

50,89

Poder Executivo

3.704,37

3.461,37

243,00

TOTAL

4.030,33

3.645,64

384,69

Discriminação

Diferença -

Fonte: Anexo V do Projeto de Lei Orçamentária 2008 enviada pelo Executivo. Autorizações específicas de que trata o Art. 169, §1º, inciso II da Constituição, relativas a Despesas de Pessoal e Encargos Sociais e anexo V – substitutivo do novo Projeto de Lei Orçamentária 2008. OBS: (*) Proposta encaminhada pelo Executivo em 2007.

janeiro / março / 2008

Em relação à criação e/ou provimento de cargos, empregos e funções, bem como admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, a despesa anteriormente prevista era de R$ 1,8 bilhão, conforme observa-se, com o propósito de que pudesse ocorrer o provimento, admissão ou contratação de mais de 56 mil novos servidores, bem como a criação de cerca de 32 mil novos cargos, empregos e funções. (Ver tabela 6) Já na nova proposta orçamentária, a estimativa é de que haja uma redução de 50% na reserva para contratação de novos servidores em todos os Poderes. Segundo a nova proposta, apenas foi preservada a dotação para substituição de terceirizados. Apesar disso, o relator salientou que os concursos podem continuar normalmente. O que muda é o fluxo de admissão de pessoal, pois os órgãos terão que reduzir o número de contratações, ou adiá-las, para reduzir o impacto em 2008. Nota-se, dessa forma, que o montante de R$ 1,8 bilhão inicialmente previsto e que estavam, de certa forma, reservados para novos contratados, foi reduzido ao valor de R$ 948,53 milhões. Ainda assim caberá ao governo federal decidir se mantém ou não os concursos, bem como as nomeações para este ano. É possível nomear todos os aprovados, desde que ocorra a partir do segundo semestre. Sendo assim, segundo o relator, os concursos poderão ser realizados, sendo que as nomeações poderão sofrer alterações, já que só há reserva de 50% do Orçamento para novas contratações. Em se tratando dos reajustes previstos para o ano de 2008, o anexo V, apesar de se constituir apenas em sinalizações de reajustes, detalhava as despesas para o ­exercício


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Apesar de permanecer, de certo modo, ainda bastante genérico quanto às demais carreiras a serem contempladas com recursos, o novo relatório assegurou o montante de R$ 350 milhões a ser destinado ao aumento da remuneração dos servidores integrantes do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo – PGPE.

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Revista de

Conjuntura

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No entanto, segundo a nova proposta orçamentária da União para 2008, efetuando-se a leitura do anexo V (substitutivo) percebe-se que tal instrumento revisto detalha de forma mais clara as alterações de estruturas de carreiras e aumento de remuneração do Poder Executivo. No anexo anterior, a discriminação dos reajustes ao Poder Executivo era: “Reestruturação da remuneração de cargos, funções e carreiras no âmbito do Poder Executivo, inclusive militares das Forças Armadas”, passando a ter a seguinte abrangência: “Reestruturação da remuneração de cargos, funções e carreiras no âmbito do Poder Executivo, inclusive servidores integrantes do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo - PGPE, instituído pela Lei nº 11.357, de 2006, e militares das Forças Armadas”. Sendo assim, apesar de permanecer, de certo modo, ainda bastante genérico quanto às demais carreiras a serem contempladas com recursos, o novo relatório assegurou o montante de R$ 350 milhões a ser destinado ao aumento da remuneração dos servidores integrantes do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo – PGPE. Mesmo diante do anúncio dos cortes, o novo Projeto de Lei Orçamentária para 2008 incluiu em seu texto

mais recente dispositivo que faculta ao Poder Executivo promover adequações no Anexo V, com vistas a minorar os efeitos dos cortes efetuados. Tal prerrogativa está contida no substitutivo ao Projeto de Lei nº 30, de 2007-CN em seu artigo 4º, parágrafo 3º, com a seguinte redação: § 3º Em decorrência da recomposição autorizada no inciso XXIV deste artigo, o Anexo V desta Lei poderá ser ampliado até os montantes constantes do projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional, para despesas com efeitos financeiros a partir de 2008. O substitutivo apresentado à Comissão Mista de Orçamento prevê, adicionalmente, recursos para pagar, já este ano, um possível reajuste do subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal, bem como os efeitos dessa alteração no Poder Judiciário da União. Segundo o relator do Orçamento, esse efeito ocorre porque o subsídio dos ministros serve de teto salarial para os servidores federais. a premissa adotada é um reajuste de 4,46% sobre o valor que foi proposto pelo STF no fim de 2006 para vigorar em 2007 (R$ 25,75 mil), mas que não chegou a ser aprovado pelo Congresso. Isso permite elevar o teto dos atuais R$ 24,5 mil para cerca de R$ 26,9 mil. Outro detalhe importante é que a avaliação das verbas constantes do PLOA/2008 levou à constatação de que o projeto de lei não contempla dotação específica para a revisão geral da remuneração dos servidores, prevista no inciso X do art. 37 da Constituição e regulamentada pela Lei nº 10.331, de 2001. Cabe lembrar que, os últimos anos em que tal dispositivo constitucional veio a ser observado ocorreram em 2002 e 2003, onde os índices, respectivamente, foram de 3,5% (três vírgula cinco por cento) e 1% (um por cento). Vale mencionar também que, em recente reunião ocorrida no Ministério do Planejamento, foi informado oficialmente à Condsef que os R$ 350 milhões já mencionados anteriormente estão reservados no Orçamento da União para os mais de 290 mil servidores do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo (PGPE). Apesar disso, o montante foi considerado insuficiente pela entidade que solicitou ao Planejamento a revisão do valor. O PGPE está entre as categorias que tiveram suas


20% em programações primárias discricionárias. As áreas de Saúde, Educação, Segurança Pública e Justiça Eleitoral foram protegidas, enquanto as áreas de Defesa Nacional, Assistência Social, Previdência e Ciência e Tecnologia sofreram redução de até 10% de suas programações, sendo que, até o Bolsa Família poderá sofrer redução. Mas o relator alertou para a possibilidade de se proceder rearranjos internos em cada órgão para não comprometer programas considerados prioritários. Em relação aos projetos de investimentos com início previsto para 2008, foram reduzidos em até 20%, enquanto as áreas de Defesa Nacional, Assistência Social, Previdência, Ciência e Tecnologia e os demais Investimentos em execução foram abatidos em até 10%. Excluíram-se dos cortes as áreas de Saúde, Educação e Segurança Pública3, como também as obras referentes ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Outro detalhe é que foram excluídos do cancelamento, tanto do custeio quanto do investimento, as programações orçamentárias de valor inferior a R$ 3 milhões. Em relação à questão dos prazos de tramitação, a Comissão Mista de Orçamento espera aprovar o texto final no Congresso até o dia 28 de fevereiro. Finalmente, apesar de todos os cortes previstos na nova proposta orçamentária que resultou no significativo corte de mais de R$ 12 bilhões no orçamento enviado ao Congresso no ano passado pelo Executivo, um pequeno alento foi o fato de que o relator ao menos manteve o valor do salário mínimo em R$ 412,404, conforme estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano de 2008 e que foi fruto de intensas negociações ocorridas em 2007 envolvendo o governo e as centrais sindicais.

Max Leno Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE

Para maiores detalhes, verificar estudo:“Propostas em discussão envolvendo as carreiras que fazem parte da base da Condsef e o Governo Federal” – janeiro/2008. 2

Ainda falta a definição quanto aos cortes do Judiciário e do Ministério Público, setores esses que pretendem ser contemplados com os mesmos critérios estabelecidos para as Forças Armadas. 3

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Superior aos R$ 407,33 previstos no PLOA/2008.

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negociações de reajuste interrompidas no final do ano passado com o anúncio do fim da CPMF. Com a afirmação do governo de que as negociações continuam, a Condsef espera chegar a um acordo que garanta um reajuste para a categoria que possui uma das piores situações salariais da União. O Planejamento vai promover mais estudos referentes ao reajuste para este ano e agendou uma nova reunião para o dia 18 de março. Registra-se que todo o processo de negociação ocorrido entre a Condsef e o governo até aqui foi debatido neste final de semana quando a entidade realizou, nos dias 23 e 24 de fevereiro, sua Plenária Nacional. Depois de dois dias reunidos, mais de 200 representantes de servidores de 27 Estados brasileiros definiram uma agenda de mobilização da Condsef que dura todo o mês de março. Neste momento, a categoria optou por não apontar um indicativo de greve. A ordem é que as entidades filiadas à Confederação realizem assembléias com o objetivo de preparar a categoria para uma possível paralisação, caso o governo recue da decisão de cumprir acordos e compromissos firmados, ao longo de 2007, com 28 categorias2 que continuam sem respostas. A Condsef busca também unificar a luta com outras entidades do setor público. Para isso, foi agendada uma marcha à Brasília no dia 26 de março que terá o apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Com a atividade, os servidores pretendem conseguir uma audiência com o ministro Paulo Bernardo. O resultado deste encontro seria determinante para definir uma possível greve em abril. Quanto aos cortes previstos em Investimento e custeio, praticamente todos os três Poderes sofrerão redução de aproximadamente 20% nos recursos destinados a tais categorias de despesa. A intenção é efetuar diminuições na ordem de R$ 6,8 bilhões e R$ 2 bilhões, respectivamente, segundo já foi salientado anteriormente. Para implementar os cortes de custeio, adotou-se como critério básico a aplicação de percentual de até

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Artigo Reduzir gastos públicos. É possível? Quais? Como? James Giacomoni

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Nos últimos dez anos, as metas de política fiscal do governo federal estiveram representadas na manutenção de superávits primários e de déficits nominais decrescentes. O cumprimento dessas metas possibilitou alcançar o maior objetivo da política fiscal, que é a redução da dívida pública calculada como proporção do Produto Interno Bruno. Tendo em vista que no período foram praticadas altas taxas de juros, a viabilização dos resultados fiscais foi possível principalmente por meio da elevação, ano a ano, da carga tributária. Na comparação com países desenvolvidos – os da OCDE, por exemplo – a carga tributária brasileira é menor, mas é significativamente superior a dos países emergentes, com PIB per capita similares ao do Brasil, como China, Chile, Argentina e México. Considerada a pressão tributária brasileira, os indicadores de desenvolvimento do País deveriam ser melhores. O Índice de Desenvolvimento Humano – IDH do Brasil, inferior a 0,8, é bem menor que o de 0,95 da Austrália e do Canadá, países com carga tributária semelhante à brasileira. São inúmeras as razões que determinaram, ao longo do tempo, as características e o volume de imposição tributária no Brasil. De um lado, esteve a preferência por tributos de menor resistência – contribuições e impostos indiretos, por exemplo – e, de outro, a mais importante, a necessidade de financiar despesas governamentais sempre crescentes. Esgotado o ciclo do crescimento da carga tributária, com o que parece concordar a opinião generalizada,

abre-se espaço para a discussão sobre as despesas públicas, em especial sobre a qualidade, a eficiência e a efetividades delas. O tema chegou a fazer parte da última campanha eleitoral para a Presidência da República. A diminuição do número de ministérios era apontada por um dos candidatos como exemplo de medidas necessárias para a redução das despesas administrativas do governo. Gastos menores permitiriam até mesmo a redução da carga tributária, providência geralmente apontada como indispensável para que a economia do País entre num ciclo vigoroso de crescimento. É conhecida a pouca margem de manobra na gestão financeira do governo federal. Proporção por volta de 85% da despesa primária – a que não considera os juros e o pagamento da dívida – é de execução obrigatória, pois decorre de disposições da própria Constituição ou de leis. Os encargos restantes configuram despesas discricionárias que, entretanto, em boa parte, são essenciais para o funcionamento da administração pública. Conhecedor dessa realidade, o candidato/presidente Lula minimizou as teses alarmistas sobre o crescimento das despesas e negou, sistematicamente, a necessidade de enxugamento da máquina administrativa. Em campanhas eleitorais, os políticos sabem que argumentar sobre a necessidade de diminuir despesas é sempre um grande risco, pois o eleitor tenderá a supor que os cortes serão realizados exatamente nos


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das despesas correntes e, depois, onde for possível, na redução delas. O desafio da diminuição das despesas públicas tende a ser percebido de duas maneiras distintas. A primeira diz respeito à macroeconomia ou macrogestão do gasto público, isto é, valorizam-se os grandes números e, assim, há poucas ilusões de que sejam viáveis mudanças importantes na atual composição do gasto. As dificuldades políticas para mudar a legislação são enormes e resultados pequenos são vistos com indiferença diante do quadro de dificuldades fiscais. A macrogestão do gasto prefere apostar no crescimento da economia com o que crescerá a receita orçamentária.

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Os agregados fiscais têm a sua importância, mas isso só não basta. Há um enorme espaço para uma agenda que considere medidas voltadas à incorporação de maior eficiência microeconômica do gasto, a adoção de indicadores de gestão, ao cálculo de custos, dentre outras.

A outra percepção leva em conta a necessidade de boas práticas gerenciais em cada entidade governamental. Os agregados fiscais têm a sua importância, mas isso só não basta. Há um enorme espaço para uma agenda que considere medidas voltadas à incorporação de maior eficiência microeconômica do gasto, a adoção de indicadores de gestão, ao cálculo de custos, dentre outras. Redução de juros e encargos incidentes sobre o refinanciamento da dívida pública e reforma da previdência social são exemplos de medidas defendidas no âmbito da macrogestão do gasto, onde se valoriza o alcance de resultados importantes mais rapidamente. A simples defesa da diminuição de despesas correntes visando viabilizar maiores investimentos é igualmente uma tese voltada à macrogestão. A realização dos serviços públicos dá-se, principalmente, por meio de despesas correntes, a maior parte delas, indispensáveis. De outro lado, nem todo o investimento é realmente necessário e justificável do ponto de vista econômico-social.

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programas e projetos de seu interesse. Os funcionários públicos temerão pelos futuros reajustes salariais; os beneficiários da saúde pública imaginarão serviços ainda mais deficientes; o programa Bolsa-Família poderá sofrer descontinuidade, e assim por diante. Passada a eleição, imprensa, empresários, políticos, economistas de dentro e de fora do governo têm mantido o tema na ordem do dia. Autoridades oficiais não fogem mais do assunto e medidas de redução de despesas no âmbito da União passam a ser cogitadas, particularmente a partir da não renovação da CPMF. Não é difícil entender os dados da questão. O crescimento da economia depende principalmente dos investimentos em capital fixo, em especial a realização de obras e a aquisição de equipamentos visando ao aumento da produção de bens e serviços. Numa economia de mercado, a maior parte dos investimentos está a cargo do setor privado. Os investimentos sob a responsabilidade do setor público, principalmente a infra-estrutura de transportes e energia, ainda que em montante menor, tem enorme importância por seu caráter estratégico. Contabilizando déficits há bastante tempo, ou seja, sem praticamente nenhuma poupança, o governo federal investe, com recursos orçamentários, volume muito aquém das necessidades. De acordo com o Ministério da Fazenda, em 2005 a taxa de investimento com recursos orçamentários foi de 0,88% do PIB. O Ipea calcula que a taxa, naquele exercício, não passou de 0,60% do PIB. Já que é impossível financiar os necessários investimentos com o aumento da carga tributária, a solução está, no primeiro momento, em estancar o crescimento

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A microgestão do gasto governamental volta-se para os inúmeros processos onde se exercitam os atos da administração pública que produzem despesas e custos. Nos níveis centrais da política e da administração pública, tende-se a dar pouco crédito a esta alternativa, já que os esforços exigidos são grandes e os resultados demoram a aparecer. Uma parte das medidas iniciais tomadas pelos governadores que tomaram posse em janeiro de 2007 estão na linha da segunda orientação: extinção de cargos de livre provimento; extinção e fusão de secretarias e unidades; adoção de metas de redução de despesas de custeio; revisão de contratos de terceirização; etc. Certamente espera-se que tais medidas apresentem resultados. Serão suficientes? A experiência mostra que, com o passar do tempo, diminui o empenho dos gestores públicos principais em manter a redução de gastos como política e prática­

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A experiência mostra que com o passar do tempo diminui o empenho dos gestores públicos principais em manter a redução de gastos como política e prática de governo. A cobrança por parte da sociedade por mais e melhores serviços públicos e a necessidade de mostrar uma agenda de realizações, que significa maiores gastos, atropela qualquer outra medida voltada à diminuição das despesas.

de governo. A cobrança por parte da sociedade por mais e melhores serviços públicos e a necessidade de mostrar uma agenda de realizações, que significa maiores gastos, atropela qualquer outra medida voltada à diminuição das despesas. É necessário que políticos e administradores acreditem que é possível reduzir gastos e, ao mesmo tempo, manter o nível de atendimento dos serviços e até mesmo expandi-lo. Para tanto, devem aceitar que há, em medida não desprezível, desperdícios e ineficiência no uso de recursos. O desafio é colocar em prática sistemas e modelos de gestão que identifiquem e neutralizem esses focos. Extinção de unidades aqui e ali com o objetivo de diminuir o tamanho da máquina administrativa produzirá resultados positivos, mas não reduzirão os eventuais desperdícios nos demais setores não atingidos pelo enxugamento. Outro ponto importante: quem deve encarregar-se da elaboração de diagnósticos sobre disfunções e desperdícios e da apresentação de propostas corretivas? É duvidoso que consultoria externa possa conhecer com profundidade as rotinas administrativas e de serviços e aí identificar alternativas que representem menores dispêndios. Melhores resultados serão obtidos se os próprios servidores de cada unidade forem envolvidos nos processos reformistas, motivados a identificar os desperdícios e encarregados de implantar as sugestões e as melhores práticas. No desenvolvimento de processos de redução de despesas e custos, a principal oportunidade para a realização de diagnósticos ocorre com a elaboração do orçamento anual. Já que apenas as despesas autorizadas na lei orçamentária poderão ser realizadas, o momento da preparação da proposta deve ser integralmente aproveitado para a efetiva avaliação de quais recursos são realmente necessários para o desenvolvimento do trabalho e alcance dos resultados pretendidos. Se, nessa fase sensível e crítica, as avaliações de necessidades são realizadas de maneira superficial, a tendência será reproduzir, nos exercícios futuros, os orçamentos do passado. A cada ano, em meados do exercício, todos os setores governamentais envolvem-se em detalhados procedimentos de preparação da proposta orçamentária para o ano seguinte. O Poder Executivo consolida


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Parece bastante claro que é necessário revisar os valores da base, retirando o seu caráter histórico. É certo que existirão dificuldades para tanto, já que nenhum gestor aceitará contribuir com um processo de reforma orçamentária em que o seu orçamento venha a ser simplesmente reduzido.

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ser posta em prática visando obter a adesão e o apoio dos participantes. Exemplo de medida de convencimento, no caso da reforma do orçamento, é a garantia, por parte do órgão central, de que eventuais economias obtidas não irão beneficiar outras unidades, ficando na própria instituição para que ela possa realizar certos tipos de despesas, para as quais, invariavelmente, não são autorizados recursos. Tal estratégia será ainda mais eficaz se for possível agregar alguma modalidade de premiação, na forma de recursos adicionais a serem atribuídos, proporcionalmente, às economias realizadas na base.

James Giacomoni Economista, consultor de orçamentos do Senado Federal (aposentado) e professor da Universidade de Brasília.

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todos esses levantamentos na forma de projeto de lei que é, então, encaminhado ao Poder Legislativo para apreciação. Geralmente aceita-se que o modelo que melhor descreve a forma e a prática da elaboração orçamentária é o incrementalismo que, mesmo baseado na experiência norte-americana, pode ser transportado para outras realidades, inclusive a brasileira. De acordo com o modelo, um orçamento diferencia-se muito pouco daquele praticado no ano anterior; cada novo orçamento incorporará, aqui e ali, alguns incrementos, enquanto a base, que é a maior parte, continuará a mesma. No diagnóstico de Aaron Wildavsky, principal formulador do modelo incremental, o processo orçamentário é histórico, seqüencial e repetitivo, ou seja, as mesmas ações e valores autorizados e executados num exercício serão autorizados para o ano seguinte e assim por diante. Tal prática repetitiva não enseja a oportunidade para certas indagações como: serão realmente necessárias no novo exercício todas as despesas realizadas no ano anterior? Será possível alcançar os mesmos resultados sem realizar necessariamente todos esses gastos? A tendência de os gestores agilizarem medidas no final de ano para a execução integral de seus orçamentos é um subproduto distorcido do orçamento repetitivo. Todo o responsável sabe que se não executar os valores autorizados em seu orçamento, há o risco concreto de que o futuro orçamento venha a ser diminuído. Despesas que talvez não sejam realmente necessárias acabam sendo realizadas apenas com o intuito de manter o orçamento em determinado patamar. O que pode ser feito para atenuar, ainda que em parte, o caráter repetitivo e incremental dos orçamentos públicos? Parece bastante claro que é necessário revisar os valores da base, retirando o seu caráter histórico. É certo que existirão dificuldades para tanto, já que nenhum gestor aceitará contribuir com um processo de reforma orçamentária em que o seu orçamento venha a ser simplesmente reduzido. Todo o projeto de mudança nos métodos e práticas tradicionais de trabalho sofre resistências que precisarão ser contornadas. Uma estratégia de convencimento das vantagens e dos benefícios das mudanças deverá

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Artigo A Legislação ambiental

e o desenvolvimento do setor elétrico no Brasil1 Nivalde J. de Castro Victor José Ferreira Gomes

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No ano de 2001 o Brasil sofreu um forte desequilíbrio entre a oferta e demanda de energia elétrica, que ficou conhecido por Crise do Apagão. A causa estrutural e principal desta crise está diretamente associada ao processo de privatização do setor elétrico brasileiro iniciado em 1990 com o Plano Nacional de Desestatização. A partir deste programa de privatização, o setor elétrico brasileiro – SEB – perdeu capacidade de investimento e planejamento da expansão. Como resultado, a Crise do Apagão impôs a todas as classes de consumo um racionamento equivalente a 20% do volume médio de demanda de energia elétrica. Ao final de 2001 o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi de apenas 1,3%, muito baixo se comparado ao do ano 2000, com crescimento de 4,3%. (IBGE, 2007). Para entender a dinâmica do setor elétrico, o equilíbrio entre a oferta e demanda no Brasil depende, de forma estrutural, do aproveitamento do potencial hidrológico estimado em mais de 150.000 MW. Este valor correspondente a cerca de 200% da atual capacidade geradora instalada e está localizada basicamente na região da Amazônia. O aproveitamento deste potencial, possivelmente um dos maiores do mundo, vem enfrentado problemas e restrições diante da legislação ambiental mais especificamente na questão dos licenciamentos. O presente artigo pretende analisar esta questão. Atualmente, alguns analistas têm assinalado a possibilidade de uma crise de oferta de energia elétrica no curto prazo, tendo por base as previsões para o crescimento

Publicado no IFE nº 2165 de 27 de novembro de 2007.

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do PIB e da demanda por energia elétrica. Três seriam os fatores que poderiam ser responsáveis pela ocorrência deste desequilíbrio: precipitações pluviométricas abaixo das médias históricas, incapacidade de direcionar gás natural do consumo industrial e veicular para o despacho das termelétricas e as restrições provenientes da legislação ambiental. Para se ter uma dimensão do problema, com base nas estimativas de expansão média do PIB, a EPE projetou uma necessidade de expansão da capacidade de geração estimada em cerca de 3.000 a 3.500 MW médios anuais nos próximos 10 anos, o que representa um aumento entre 5% a 5,5% de oferta de energia elétrica. (MME/EPE, 2007, p. 148 e 164). A partir da dura e cara experiência obtida com a Crise do Apagão, tornou-se imprescindível recuperar as condições de planejamento e estímulo à expansão da oferta de energia elétrica. Neste sentido, o governo buscou um aprimoramento da regulação do setor, a partir de 2003. De acordo com Castro (2007), esta reestruturação do setor elétrico, associada com outros fatores, em especial com a melhoria significativa dos fundamentos macroeconômicos do Brasil e da economia mundial, possibilitou a solução de vários problemas que impediam a expansão da oferta de geração verificada no período de 1990 até 2002. Entretanto, persiste um entrave para o aumento da oferta. Trata-se da questão dos licenciamentos ambientais e, por conseguinte, da necessidade de aprimoramento e ajustes na legislação pertinente ao tema (CASTRO, 2007, p. 70). Como o modelo de


Etapa 2: Licenciamento de Instalação (LI) – obtida antes da realização da licitação para construção do empreendimento; e Etapa 3: Licenciamento de Operação (LO) – obtida antes do fechamento da barragem. Para o Ibama (2007), o licenciamento ambiental possui como uma de suas mais expressivas características a participação social na tomada de decisão, por meio da realização de Audiências Públicas como parte do processo. No nível federal, o Ibama durante o processo de licenciamento ouve os Órgãos Ambientais (OEMAs) envolvidos no licenciamento e os Órgãos Federais de gestão do Patrimônio Histórico (Iphan), das Comunidades Indígenas (Funai), de Comunidades Quilombolas (Fundação Palmares), de controle de endemias (Funasa), entre outros. A exigência de três licenças, a ausência de critérios objetivos e técnicos para o licenciamento e o grande número de órgãos envolvidos determinam a possibilidade concreta de uma grande quantidade de exigências administrativas que acabam por burocratizar e dificultar o processo de licenciamento, gerando indefinições e atrasos na aprovação dos pedidos. Para os agentes econômicos envolvidos com a construção das UHE, as incertezas determinam uma impossibilidade de determinar, ex ante,

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Etapa 1: Licenciamento Prévio (LP) – requerida no início do estudo de viabilidade da Usina;

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Para os agentes econômicos envolvidos com a construção das UHE, as incertezas determinam uma impossibilidade de determinar, ex ante, ou seja, até o momento da realização dos leilões o custo ambiental total associado à construção da UHE.

ou seja, até o momento da realização dos leilões o custo ambiental total associado à construção da UHE. Esta incerteza na definição concreta de uma rubrica da estrutura de custos cria sérios riscos econômicos para o empreendimento, dificultando e afastando investidores na medida em que o preço que a energia elétrica, que será vendida no futuro, é definida no leilão. Assim a receita é definida no leilão, seu valor é fixo e corrigido anualmente pelo IPCA a partir do início da operação da UH. Mas o custo da construção não é definido na sua integridade. Este descompasso entre despesa (custos ambientais) e receita cria um risco para os novos e necessários investimentos. Desta forma, há a necessidade de um aprimoramento na legislação pertinente ao tema e nos critérios dos órgãos executores do licenciamento. Uma alternativa seria a adoção do mecanismo fast-track (tramitação rápida) existente em países como Inglaterra e Estados Unidos e sugerido por Calou (2007). Outra necessidade seria o fiel cumprimento dos prazos para o deferimento ou indeferimento das licenças pelos órgãos responsáveis. De acordo com Calou, o tempo médio observado na emissão da LP pelo Ibama referente aos 63 empreendimentos entre 1997 e 2006 foi de 1.188 dias ante o prazo legal de 270

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privatização percebido entre 1990 e 2002 não induzia novos investimentos, o aparato legal de licenciamentos derivado da Lei nº 6.938/81 (lei que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente) e da Constituição Federal de 1988, que se aplicará á construção das novas usinas, ainda não foi devidamente “testado” e assimilado. Implica assinalar que as exigências ambientais não criaram uma experiência acumulada, ou seja, uma massa crítica de conhecimentos que podem servir de base para a construção das novas usinas hidroelétricas. É um problema de aprendizado social em relação ao meio ambiente. De acordo com a Resolução 006/87 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), o procedimento de licenciamento ambiental possui três etapas distintas para as usinas hidrelétricas (UHE), respeitadas as peculiaridades de cada caso:

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dias estabelecidos pelo art. 17 da Instrução Normativa 65/2005 do Ibama. Cabe ressaltar que, de acordo com dados do Balanço Energético Nacional de 2007, a energia hidráulica responde por 75,9% do total da capacidade de oferta de energia elétrica no Brasil (EPE, 2007). Com as dificuldades na obtenção de licenças ambientais, esta fonte de energia limpa e renovável tende a perder espaço na matriz energética brasileira. De acordo com Castro (2007, p.73), “não há experiência no mundo, que garanta no curto e médio prazo, uma conversão radical na matriz energética em favor de fontes alternativas”, o que sustenta a necessidade e prioridade da fonte hidrelétrica para o crescimento econômico brasileiro, mantendo-se minimamente os mesmos padrões de poluição ambiental. Nos últimos anos (entre 1999 e 2006), houve um crescimento do número de licenças prévia bem menor que o número total de licenças, sinalizando problemas sérios na oferta de novos empreendimentos de geração nos leilões de energia nova (CASTRO, 2007). Como ilustração da dificuldade da obtenção das licenças ambientais para empreendimentos hidrelétricos, pode-se mencionar os pedidos sucessivos por parte das empresas interessadas pelo adiamento do leilão das usinas do Rio Madeira, derivado de dificuldades no processo de obtenção das licenças ambientais. Deve-se assinalar que uma UHE só é ofertada em leilão com o licenciamento prévio obtido pela EPE. Os sucessivos atrasos na obtenção do licenciamento prévio da UHE de Santo Antônio no Rio Madeira são um exemplo concreto deste tipo de problema que pode comprometer o equilíbrio entre oferta e demanda de energia elétrica. A outorga da licença prévia permitiu a fixação da data do leilão, mas o consórcio vencedor terá que “vencer” ainda duas etapas de licenciamento e cumprir o prazo de início de operação das primeiras turbinas em 2012-2013. Nestes termos e a título de conclusão, pode-se afirmar que existe um risco potencial de desequilíbrio de oferta de energia elétrica no Brasil, derivado de uma baixa adequação da legislação ambiental à realidade e necessidade de energia fundamental. A reestruturação do setor elétrico iniciada em 2003 tem conseguido superar os problemas institucionais da crise de energia elétrica e com isto minimizar as incertezas e garantir o retorno dos investimentos. Assim, ao consolidar o marco regulatório e

criar, via leilões de energia nova, contratos de longo prazo para os novos empreendimentos, foi possível construir um novo padrão de financiamento baseado nas linhas de financiamento do BNDES, acesso ao mercado de capitais e capital próprio. Desta forma, para que o risco potencial de crise não se configure e fique em patamares mínimos e aceitáveis associados à matriz de hidroeletricidade, é necessário um aprimoramento da legislação ambiental que, em síntese, permita uma desburocratização do procedimento de licenciamento ambiental para as novas usinas hidrelétricas capaz de permitir, ex-ante, a precificação dos custos inerentes à preservação ambiental. Bibliografia BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução 006/87. Dispõe sobre o licenciamento ambiental de obras do setor de geração de energia elétrica. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, 22 out. 1987. Seção I, p. 17.499. CALOU, Sílvia. Desenvolvimento Energético e Licenciamento Ambiental. In: Anais do 8º Encontro de Energia. 2007, São Paulo, 45p. CASTRO, Nivalde José de. O destravamento ambiental do setor elétrico brasileiro. Revista Custo Brasil, Rio de Janeiro, ano 2, n. 8, p. 68-73, abr./maio 2007. Ibama. Licenciamento. Disponível em: <http://www.Ibama. gov.br/licenciamento/> Acesso em: 25 out. 2007. IBGE. Dados Consolidados 2002. Disponível em: <http:// www.ibge.gov.br/home/#sub_indicadores>. Acesso em: 20 nov. 2007. MME/EPE. Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica 2007/2016 [em Consulta Pública]. Brasília: MME/EPE, 2007.

Nivalde J. de Castro Professor do Instituto de Economia da UFRJ e Coordenador do GESEL – Grupo de estudos do Setor Elétrico

Victor José Ferreira Gomes Assistente de pesquisa do Grupo de Estudos do Setor Elétrico GESEL-IE-UFRJ


O Brasil e a crise financeira internacional Carlos Eduardo de Freitas

Dimensões da crise A presente crise financeira se origina de uma bolha imobiliária localizada nos Estados Unidos, decorrente de excessos nos empréstimos concedidos a pessoas de baixa capacidade econômica, os mutuários chamados pejorativamente de ninjas – “no income, no jobs, no assets”. Trata-se, portanto, de uma crise financeira originada nas unidades familiares e explicitada no início do segundo semestre de 2007. Conforme informações divulgadas pela imprensa especializada, a questão é séria – as perdas imediatas do sistema financeiro americano poderiam potencialmente alcançar cifras da ordem de 15% a 20% do PIB, e até mais. Justificam plenamente as preocupações demonstradas pelo Presidente do FED (Federal Reserve Bank, o Banco Central americano), pelo Secretário do Tesouro (equivalente ao Ministro da Fazenda) e pelo próprio Presidente da República, além dos principais atores dos mercados financeiros internacionais. Isto nada obstante, a solução do problema estaria, em princípio, ao alcance do Governo dos Estados Unidos, que dispõe de solvência e credibilidade suficientes para tal. O custo político de colocar dinheiro público na solução do embroglio pode, entretanto, ser grande. Aparentemente as autoridades estão no caminho certo, embora existam riscos de que não consigam no

final evitar o espraiamento da crise numa cadeia incontrolável de insolvências de conseqüências imprevisíveis. Daí as tensões nos mercados. Segundo dados compilados pelo Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco1, relativos ao final de 2007, a riqueza líquida das famílias americanas monta a US$ 57,7 trilhões, o que equivale a 5,58 vezes a renda disponível (US$ 10,3 trilhões). Os imóveis, avaliados em US$ 22,5 trilhões, correspondem a 39% daquela riqueza líquida ou 31% dos ativos brutos das famílias. Estimativas citadas pelo mesmo estudo do Bradesco indicam que a razão entre a riqueza das famílias e sua renda líquida deverá cair para algo em torno de 4,8, o que implica uma deflação da ordem de 14% da riqueza líquida total, com o valor dos imóveis caindo 20% (US$ 4,5 trilhões) e dos demais ativos, exclusive os depósitos bancários, 11,6% (US$ 3,6). Estas reduções abruptas de valor nos ativos das famílias implicam num efeito riqueza negativo da ordem de US$ 8,1 trilhões equivalentes a quase 60% do PIB anual, de US$ 13,8 trilhões. Suponha-se, para efeito de raciocínio, que metade da perda de valor dos imóveis se transforme em ­prejuízos bancários, com base no fato de que as hipotecas correspondem a praticamente metade do valor dos imóveis. Adicionalmente, admita-se que 10% da deflação

BRADESCO, Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (DEPEC) Destaque Diário, 17.03.2008.

1

janeiro / março / 2008

Artigo

19


Balanço das Famílias (inclui ISFLSF)2 US$ trilhões Ativo

Passivo

Ativo Fixo

26,5

Passivo Exigível

14,4

Imóveis

22,5

Crédito Imobiliário

10,5

Crédito ao Consumidor

2,6

Bens Duráveis

4,0

Ativos Financeiros

44,5

Outras Obrigações

1,3

Depósitos Bancários

13,3

Patrimônio Líquido (Riqueza Líquida)

57,7

Ações (aplic. diretas)

6,2

Fundos de investimentos

4,5

Fundos de pensão

12,3

Empresas não incorporadas

7,3

Outros Ativos

1,1

Total do Ativo

72,1

Total do Passivo

72,1

Fonte: BRADESCO, Departamento de Estudos e Pesquisas Econômicas (DEPEC), Destaque Diário, 17.03.2008.

Revista de

Conjuntura

20

de preços dos demais ativos também repercutissem no sistema financeiro, considerando, na mesma linha de raciocínio, isto é, que 8,4% desses outros ­ativos teriam contrapartida, ainda que não numa relação biunívoca, em créditos do sistema financeiro (crédito ao consumidor). Esses outros ativos corresponderiam aos bens duráveis (US$ 4,0 trilhões) e aos ativos financeiros, excluindo os depósitos bancários diretos (US$ 13,3 trilhões) e indiretos, sob a hipótese de que 25% das aplicações dos fundos de investimento e fundos de pensão estejam em depósitos bancários – US$ 4,2 trilhões. Com base nas duas hipóteses acima, chega-se a perdas potenciais do sistema financeiro americano da ordem de US$ 2,6 trilhões, sendo US$ 2,25 trilhões do setor imobiliário e US$ 0,36 trilhões decorrentes da deflação dos demais ativos. Isto significa possíveis pre-

juízos do sistema financeiro de19% do PIB. Admitamos que metade desse valor fosse absorvida em termos de mercado, isto é, por novas chamadas de capital ou por fusões e aquisições. E que a outra metade, digamos, o equivalente a 10% do PIB, tivesse que ser assumida direta ou indiretamente pelo Governo. Isto elevaria a dívida pública americana para 73% do PIB, com um custo adicional anual de 0,35% do PIB, à taxa de juros atual de 3,48% a.a.3. Não é de forma alguma matéria trivial, até pelas repercussões políticas do uso de dinheiro público; mas parece exeqüível do ponto de vista econômico, considerando que o déficit fiscal americano encontra-se em 2,4% do PIB4. Assim, se o Governo assumisse perdas do sistema bancário de 10% do PIB – US$ 1,4 bilhões – o seu déficit aumentaria Coeteris Paribus para 2,75% do PIB, nível perfeitamente gerenciável.

2

Instituições sem fins lucrativos a serviço das famílias.

3

Government Bonds de 10 anos cf. The Economist, March 15th – 21st 2008, p.118.

4

The Economist, March 15th – 21st 2008, p.118.


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Os bancos trabalham fortemente alavancados, como é de sua natureza de intermediários financeiros. Por esta razão, uma crise bancária que venha a se generalizar conduz a falências sucessivas e contamina todo o sistema econômico.

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Falências em cadeia, como ocorreram em 1929, quando o estouro da bolha na bolsa de valores foi seguido de uma crise bancária, causaram a profunda depressão econômica da década de 1930. As suas conseqüências políticas desastrosas, por demais conhecidas, dispensam comentários. Os bancos trabalham fortemente alavancados, como é de sua natureza de intermediários financeiros. Por esta razão, uma crise bancária que venha a se generalizar conduz a falências sucessivas e contamina todo o sistema econômico. Como diz Martim Wolf5, o sistema bancário, em última análise, é uma subsidiária do Estado e o Governo não pode deixá-lo à deriva:“Um governo solvente pode e deve organizar uma operação de salvamento”. Se aqueles valores potenciais se concretizassem, sem dúvida estar-se-ia diante de uma tormenta econômica talvez mais catastrófica do que a de 1929. Vários analistas da cena econômica internacional têm explicitado receios nesse sentido. O valor estimado acima para os prejuízos potenciais do sistema bancário, de US$ 2,6 trilhões, encontra-se dentro dos montantes que têm sido referidos na imprensa especializada. Martim Wolf6 cita: Ben ­Bernanke, Presidente do Federal Reserve, sugeriu US$ 100 bilhões, para começar, apenas em julho de 2007; o Goldman Sachs falou em US$ 500 bilhões; Nouriel ­ Roubini, da Escola da Administração de Empresas Stern da Universidade de Nova York mencionou U$ 1 a US$ 2 trilhões, e, mais recentemente, chegou a US$ 3 trilhões, dizendo que pode até ser pior, dependendo de uma espiral de inadimplências combinadas a estrangulamento do crédito bancário. O Federal Reserve tem procurado enfrentar o problema com reduções agressivas da taxa de juros básica, o que proporciona um efeito riqueza positivo ao sistema econômico em geral e ao sistema bancário, em particular. Além disso, abriu linhas especiais de

­redesconto, aceitando, inclusive, hipotecas como las-

tro e financiou parcialmente a compra do Bear Stearns pelo J. P. Morgan. Todas essas medidas procuram evitar quebras bancárias, compensar, ainda que parcialmente, o choque negativo da destruição de riqueza e não permitir o colapso do crédito. Se elas serão suficientes é uma pergunta sem resposta no momento. E, se for necessário aprofundar as medidas, até que ponto o governo americano estaria preparado para levar adiante as providências? A questão fundamental é a seguinte: como se trata de um problema de solvência, não de liquidez, o Governo Americano teria amparo legal e coragem política para assumir explicitamente as perdas, se e quando isso se tornasse inevitável, mesmo sob o risco de ser acusado de estar salvando banqueiros quebrados? Não se pode esquecer o drama brasileiro da crise bancária pós-eliminação da hiperinflação, quando o Governo Fernando Henrique, por intermédio do Proer7, evitou um colapso bancário sem proporcionar nem um

5

Martim Wolf, Fingir que nada aconteceu é um erro. Valor, 27.02.2008.

6

Martim Wolf, Quem dá mais? Valor, 12.03.2008.

7

PROER: Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional.

janeiro / março / 2008

Os riscos do colapso

21


centavo aos banqueiros, donos das instituições quebradas. Entretanto, não conseguiu livrar-se da pecha de ter usado dinheiro público para ajudar banqueiros falidos. Os riscos das medidas de salvaguarda O que pode sair errado? Em primeiro lugar, embora pouco provável, as medidas para evitar a espiral deflacionista poderiam acabar revertendo a tendência de contenção de despesas das famílias, voltando-se ao ritmo anterior de absorção doméstica (poupança + investimento). Nesse caso, a economia americana estaria a salvo do colapso, mas o retorno ao diapasão pretérito de consumo pessoal, com o conseqüente impacto sobre a demanda agregada, significaria que os Estados Unidos continuariam a requerer elevado volume de financiamento externo. O déficit do balanço de pagamentos em transações correntes americano é de 4,7% do PIB, embora em descenso. Chegou a estar acima de 6% do PIB. A taxa de juros muito baixa poderia dificultar o financiamento. Nessa hipótese a desvalorização do dólar se acentuaria com eventuais reflexos inflacionários. Se isso

‘‘ Conjuntura Revista de

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22

Em primeiro lugar, embora pouco provável, as medidas para evitar a espiral deflacionista poderiam acabar revertendo a tendência de contenção de despesas das famílias, voltando-se ao ritmo anterior de absorção doméstica (poupança + investimento).

­ocorresse com a taxa de juros baixa como está, a demanda por ativos financeiros em dólares poderia despencar e ele até perderia o seu status de moeda de reserva. Este cenário de fuga do dólar é explosivo. Entre 70% e 75% das transações internacionais ainda são denominadas em dólares. Além de principal reserva de valor, o dólar é o grande meio de pagamento e denominador comum de valores da economia mundial. Não tem substituto a vista e não existe ainda um banco central mundial que emita uma moeda internacional. Como se sabe, a idéia do bancor lançada por Keynes em 1944, na Conferência de Bretton Woods, fracassou. Nesse encontro em que foi criado o Fundo Monetário Internacional (FMI), prevaleceu a proposta americana do sistema “câmbio-ouro” com o dólar no papel de moeda central do sistema financeiro internacional. O bancor seria uma moeda internacional emitida pela novel instituição – o FMI – e, portanto, desvinculada dos problemas de política interna envolvidos na condução da política monetária de um país em ­particular. A outra possibilidade é que as medidas não alcancem o objetivo de evitar o desdobramento da crise num círculo vicioso deflacionista, de inadimplências, estrangulamento do crédito bancário, falências, desemprego e depressão econômica – 1929 à vista. Por que isso ocorreria? Por hesitação do governo americano e insuficiência das providências para lidar com uma crise séria de insolvência das unidades familiares. Note-se que os resultados são potencialmente muito semelhantes, tanto num quadro de excesso como de insuficiência das medidas. É isso que faz a arte da política econômica tão fascinante e complexa. Não há modelo exato, nem receita para ser aplicada. É o ajuste fino, onde a maturidade profissional se faz preciosa. Seria absurdo o governo oferecer segurança aos donos e acionistas dos bancos de que sairiam ilesos do estouro da bolha. Significaria tornar-se cúmplice de más práticas bancárias, aceitando implicitamente a chantagem de que o sistema bancário não pode quebrar. Mas ao mesmo tempo não pode haver prejuízos dos depositantes. Em 1984 o Federal Reserve conduziu-se com particular brilhantismo na crise do Continental Illinois, um grande banco de Chicago. Nacionalizou o banco, diluiu completamente os acionistas, capitalizou-o e posteriormente­


Os grandes culpados dessas crises, a meu ver, são os bancos centrais. Essas instituições foram criadas justamente para controlar o crédito bancário e evitar que prosperem as bolhas. No entanto, têm freqüentemente fracassado. Uma corrente importante de economistas prega a independência dos bancos centrais, no sentido de que disponham de autonomia operacional em relação aos governantes de plantão. Entretanto, o Federal Reserve Bank é tido como instituição independente nesse sentido e assistiu passivamente ao desenvolvimento da bolha imobiliária nos Estados Unidos até o seu estouro. A questão é que os bancos centrais podem ser independentes dos governos, mas não são independentes da sociedade, esta representada pelas diferentes correntes de opinião pública, setores empresariais, acadêmicos, políticos, associações de classe, etc.. Os dirigentes dos bancos centrais não operam numa cápsula isolada do mundo. Eles são partes da dinâmica social. Parece-me ilusória a autonomia formal em relação aos governos. Independentes, os dirigentes têm que ser. Os cargos de direção nos bancos centrais são incompatíveis com agendas paralelas e ambições outras. E por quê? Porque o banco central é o desmancha prazer social por excelência. Esta é a sua função. Quando tudo parece ir bem, pessoas mais pobres estão ascendendo economicamente, expandindo seus gastos de consumo e seu investimento em bens duráveis; a frota de automóveis cresce exponencialmente; a classe média faz turismo, adquire seus imóveis e seus filhos encontram boas oportunidades de emprego; os industriais e comerciantes estão felizes; os negócios prosperando; a popularidade do governo “bombando”; nesse momento, o Banco Central entra em cena para anunciar que a expansão do crédito é excessiva, que há indícios de tensões

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Culpados

Os grandes culpados dessas crises, a meu ver, são os bancos centrais. Essas instituições foram criadas justamente para controlar o crédito bancário e evitar que prosperem as bolhas. No entanto, têm freqüentemente fracassado. Uma corrente importante de economistas prega a independência dos bancos centrais, no sentido de que disponham de autonomia operacional em relação aos governantes de plantão.

inflacionárias, que o superávit primário deve aumentar. Como dizia um amigo que foi colega de Diretoria no Banco Central: no melhor da festa, aparece um sujeito avisando que o uísque e o vinho serão substituídos por água mineral e refrigerantes; e que, além disso, a música vai dar um intervalo. Esse desmancha prazer tem o nome de banco central. A sua missão institucional é a de ser o núcleo de racionalidade econômica dentro do governo. A crise afeta o Brasil? Claro que sim. Os Estados Unidos respondem por 29% da economia mundial, considerando os dados de renda nacional de 2005 do Banco Mundial9.

PROES: Programa de Incentivo à Redução da Participação do Setor Público Estadual na Atividade Financeira Bancária, lançado em agosto de 1996, por intermédio de Medida Provisória. 8

9

Atlas of Global Development, The World Bank, Washington, D.C., 2007, p. 126.

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o privatizou. Uma solução de todo semelhante à aplicada pelo Banco Central do Brasil no caso do Banespa e de outros bancos estaduais com o PROES8.

23


Como visto acima, os riscos de desdobramentos mais pessimistas estão presentes. Evitá-los cabe à habilidade do Federal Reserve, do Office of the Comptroller­ of the Currency e do Departamento do Tesouro dos ­Estados Unidos em dosar as medidas de maneira a não permitir que a destruição de riqueza das famílias originada do desmantelamento da bolha imobiliária se propague em ondas e contamine todo o sistema econômico. Manter o PIB crescendo próximo a 3%a.a.10 como nos últimos anos é impossível. Evitar a débâcle, não. O cenário mais provável é que os Estados Unidos enfrentem uma fase de atividade econômica reduzida, e mesmo de semi-estagnação devido ao inevitável freio do consumo das famílias, responsável por 70% da demanda agregada naquele país. O quadro ideal seria que este consumo fosse substituído por exportações, o que, aliás, já começou a acontecer. Importante também seria que os estrangeiros detentores de ativos financeiros denominados em dólares os convertessem em investimentos diretos, reduzindo a necessidade de intervenção governamental direta para equilibrar o sistema bancário. O fundo soberano chinês chegou a oferecer US$ 1 bilhão pelo Bear Stearns, há coisa de 1 mês. A negociação não prosperou (os chineses recuaram?). O quadro ideal, contudo, exige coordenação internacional para que países como a China, a Índia, Japão, etc., aceitem aumentar a absorção (consumo e investimento interno), reduzindo as exportações. O Brasil, por exemplo, vem aumentando suas importações de forma significativa, e já vai apresentar déficit no balanço

Revista de

Conjuntura

24

Do ponto de vista brasileiro, é igualmente preciso ficar claro que os Estados Unidos nos anos vindouros não deverão ser um lugar tão bom como tem sido para vender, mas melhor do que têm sido para comprar. O que fazer? O Brasil tem uma posição privilegiada no caso presente, porque não está em excesso de velocidade (ainda), porque sua dívida pública foi desvinculada do dólar e o país é, hoje, credor líquido no exterior. Conforme os dados de dezembro de 2007, o Brasil era credor líquido do resto do mundo em US$ 11 bilhões. Entretanto, não há milagres. A economia líder foi ferida pelo estouro de uma bolha. Dificilmente o Brasil vai continuar na trajetória de prosperidade dos últimos anos, que se acelerou agora em 2007. Provavelmente o crescimento econômico retornará a um padrão de 3% a 4%a.a. É preciso ficar claro que manter esta velocidade de crescimento seria, olhando-se a conjuntura econômica internacional hoje, um resultado já muito bom. Para isso, é necessário que o Banco Central tome desde logo as medidas necessárias de aumento de juros e restrições à expansão do crédito. Ajudaria muito se o Ministério da Fazenda elevasse o objetivo de superávit primário.

Carlos Eduardo de Freitas Economista do Corecon/DF

de pagamentos em transações correntes em 2008. Também requer baixo nível de atrito e de desconfianças políticas, de forma que os investimentos externos de árabes, chineses, japoneses, e de outros países possam fluir com desenvoltura aos Estados Unidos. De certa forma e não obstante o recuo chinês no caso do Bear Stearns, este processo pode estar em curso. Exemplo: a venda pela Ford à Tata Motors, indiana, das indústrias de automóveis Jaguar e Land Rover.

O PIB americano cresceu 2,86%a.a. em média no qüinqüênio 2003-2007, conforme dados do Banco Central (site do Banco Central, Séries Históricas). 10


XV PRÊMIO CORECON-DF DE ECONOMIA Monografias

2008

Serão premiadas as três melhores monografias aprovadas nos Cursos de Graduação do DF

1º Lugar: R$ 5.000,00 2º Lugar: R$ 3.000,00 3º Lugar: R$ 2.000,00 Até três monografias selecionadas em cada Faculdade, deverão ser encaminhadas pelos respectivos Departamentos de Economia, até 01/09/2008, desde que aprovadas nos doze meses anteriores à inscrição. Poderá haver, também, inscrição de monografias diretamente pelo autor, desde que tenha recomendação escrita do orientador.

INFORMAÇÕES: (61) 3964-8366, 3964-8368 e 3223-1429 www.corecondf.org.br Apoio: Conselho Federal de Economia – COFECON


Reforma tributária: urgente e necessária por Daniela Lima

Revista de

Conjuntura

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Nos 19 anos da Constituição de 1988 a carga tributária aumentou 16,07 pontos percentuais, correspondendo a um crescimento de 80%, conforme informa o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário - IBPT, e quem sofre com esta alta carga tributária no Brasil é o contribuinte. No ano passado, a carga tributária atingiu o índice de 36,08% e teve o crescimento de 1,02% em relação ao ano de 2006, que foi de 35,06% do PIB. De acordo com informações dadas pelo Jornal Nacional, veiculado no dia 27 de março de 2008, o Banco Mundial comparou empresas de 177 países, e o Brasil é o primeiro da lista dos países com as maiores burocracias em impostos. Uma empresa brasileira gasta 2,6 mil horas por ano para organizar o pagamento de impostos. Uma canadense, 119h. Uma suíça, 63h. Por estes motivos a alta carga tributária, o excesso de burocracia e os juros elevados que prejudicam o empreendedorismo no Brasil fazem com que muitos economistas acreditem na urgência de uma reforma tributária. Segundo o IBPT, em 2007 foram arrecadados R$ 2,53 bilhões por dia, contra R$ 2,24 bi diários em 2006. Por segundo, foram arrecadados R$ 29.275,65 em 2007, contra R$ 25.936,78 em 2006. Cada brasileiro pagou de tributos em média R$ 4.943,15 em 2007 (36,5%), contra R$ 4.379,39 em 2006, representando um aumento de R$ 563,76 por habitante. Para o professor da Escola Brasileira de Administração Pública de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Fernando Rezende, a reforma tributária é mais do que urgente, é essencial. Já o consultor econômico, Raul Velloso, acredita que o sistema de impostos sempre tem problemas e precisa ser permanentemente

aperfeiçoado. “Só não sei se as mudanças devem ser tão ambiciosas como normalmente aparecem nas chamadas ‘reformas tributárias’. Acredito mais em mudanças incrementais que vão ajustando o sistema de forma mais viável politicamente, conforme os problemas sejam detectados”, explica. “O problema de reformas muito ambiciosas é que, como se tem visto na prática, acabam morrendo no processo de tramitação, pois os conflitos de interesse são sempre muito fortes. Basta tomar dois temas sempre presentes em reformas tributárias: pacto federativo e vinculações de receita, em que todos se insurgem contra quaisquer mudanças”, afirma Velloso. Fernando Rezende também acredita neste clima de desconfiança entre as partes envolvidas no processo de reforma tributária, e fala ainda da necessidade de discutir uma reforma mais abrangente para se construir um modelo de federalismo fiscal. Assim como o economista Amir Khair, que sustenta a simplificação do sistema tributário e principalmente redução da tributação sobre o consumo e ampliá-la sobre a renda e o patrimônio para tornar o sistema menos regressivo também são questões prioritárias. Para muitos não existe um modelo de reforma único e ideal, aplicável para todas as situações, o que se deve levar em conta é a característica de cada país e sua trajetória econômica, explica Fernando Rezende. “No caso do Brasil, o modelo tributário ideal é aquele que desonere integralmente os investimentos e importações. Transfira o ônus da tributação para o consumo e adote uma maneira mais justa de aumentar a capacidade contributiva da sociedade”, disse Rezende.


“Imposto bom é imposto velho”. Raul Velloso defende essa máxima quando diz que os impostos que estão aí existem, em geral, por algum motivo relevante. “A Contribuição sobre o Lucro foi criada para não partilhar entre os membros da federação um adicional do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica que poderia ter sido criado em seu lugar. Só vale a pena mexer nela se estiver sendo refeito o pacto federativo. O problema, nesse caso, é que é muito difícil mexer em pactos desse tipo, a não ser em momentos de ruptura política”, explica. Outros impostos, defendidos por Khair, devem continuar a valer no Brasil, como o Imposto de Renda, Imposto sobre o Valor Adicionado e Imposto sobre o Patrimônio, além dos regulatórios: imposto de importação, exportação e operações financeiras. Descentralização tributária Para muitos especialistas, seja ele jurista, economista,­ advogado, contador, a descentralização tributária não

dificulta a possibilidade de uma reforma no sistema tributário do País. O professor Fernando Rezende afirma que a descentralização tributária é o caminho da modernidade. “Os países avançam no caminho de aumentar o poder de atuação dos governos locais – esses são os governantes que estão mais próximos do cidadão. Isso torna a reforma mais complexa, mas não é isso que a torna mais difícil, e sim a ausência dessa dispensável desconfiança entre as partes que discutem a reforma tributária”, diz o economista. Raul Velloso destaca que governadores e prefeitos vão sempre resistir às tentativas de recentralizar o sistema de cobrança de tributos, ainda que, como se dá no caso do ICMS, a cobrança unificada pela União pudesse resolver vários problemas, inclusive de eficiência econômica. “Qualquer reforma tributária envolve conflitos agudos de interesse, pelas perdas e ganhos que enseja. É por isso que, desde 1988, não se consegue fazer nenhuma reforma de vulto. Seria preciso um outro ponto de descontinuidade política, capaz de desarmar espíritos (por bem ou à força), e de viabilizar as mudanças requeridas”, conclui Velloso.

Evolução da carga tributária brasileira em relação ao PIB (atual e antiga metodologia do IBGE) Arrecadação tributária geral (em R$ milhões)

PIB

PIB

Tributos

Tributos

Tributos

Total

Carga trib./PIB

Carga trib./ PIB

ANO

Metodologia anterior

Nova metodologia

Federais

Estaduais

Municipais

Arrecadação

Anterior

Nova

1996

778.887

843.966

139.484

62.980

10.116

212.580

27,29%

25,19%

1997

870.743

939.147

158.566

69.320

11.305

239.191

27,47%

25,47%

1998

914.188

979.276

181.828

72.070

14.219

268.117

29,33%

27,38%

1999

973.846

1.065.000

210.691

79.154

15.096

304.941

31,64%

28,63%

2000

1.101.255

1.179.482

250.302

95.383

16.011

361.696

32,84%

30,67%

2001

1.198.736

1.302.136

278.599

108.262

16.884

403.745

33,68%

31,01%

2002

1.346.028

1.477.822

341.510

122.234

18.742

482.486

35,84%

32,65%

2003

1.556.182

1.699.948

391.052

139.137

22.990

553.179

35,54%

32,54%

2004

1.766.621

1.941.498

454.313

166.117

29.705

650.135

36,80%

33,49%

2005

1.937.598

2.147.943

514.417

187.873

30.574

732.864

37,82%

34,12%

2006

2.100.946

2.332.936

570.789

211.956

35.193

817.938

38,80%

35,06%

2.558.821

650.997

233.416

38.832

923.924

2007

*Diferenças nas somatórias devem-se a arredondamentos. **Novos valores correntes do PIB divulgados pelo IBGE em 28/03/2007. Fonte: IBPT

36,08%

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Impostos

27


Curiosidades tributárias • Pela antiga metodologia de cálculo do PIB (IBGE), a carga tributária estaria em 39,92%; • Os tributos federais cresceram 0,97 ponto percentual, os estaduais 0,04 p.p. e os municipais 0,01 p.p.; • Em valores nominais os tributos federais tiveram crescimento de R$ 80,19 bilhões, os estaduais R$ 21,47 bi e os municipais R$ 3,63 bi, totalizando um aumento de arrecadação de R$ 105,29 bilhões; • Percentualmente, os tributos federais cresceram 14,05%, os estaduais 10,13% e os municipais 10,32%, sendo que o aumento de arrecadação nominal foi de 12,87%; • Em valores nominais os tributos que mais tiveram crescimento foram Imposto de Renda, INSS e ICMS; • Percentualmente, os tributos que mais cresceram foram CSLL, Imposto de Importação e IPI; • Enquanto o PIB “per capita” cresceu 4% em termos reais, cada brasileiro pagou 7,2% a mais de tributos em 2007; • Se não houvesse aumento da carga tributária em 2007, cada brasileiro teria um acréscimo de renda de R$ 141,00; Fonte: IBPT

Evolução da carga tributária por Presidente da República Arrecadação tributária geral: em US$ milhões (1986 a 1991)/ R$ milhões (1992 em diante)

Revista de

Conjuntura

28

Ano

PIB

Tributos federais

% s/ PIB

Tributos estaduais

% s/ PIB

Tributos municipais

% s/ PIB

Total arrecadação

% s/ PIB

Crescimento carga tribut. ano anterior (%)

1986

337.832

56.386

16,69

17.160

5,08

2.095

0,62

75.641

22,39

1987

360.810

55.048

15,26

16.015

4,44

2.093

0,58

73.156

20,28

- 2,11

1988

371.999

55.542

14,93

16.656

4,48

2.232

0,60

74.430

20,01

-0,27

1989

399.647

58.544

14,65

27.613

6,91

2.398

0,60

88.555

22,16

2,15

1990

398.747

79.352

19,90

36.219

9,08

3.684

0,92

119.255

29,91

7,75

1991

405.679

65.386

16,12

29.686

7,32

4.781

1,18

99.853

24,61

-5,3

1992

355.453

60.437

17,00

26.297

7,40

3.480

0,98

90.214

25,38

0,77

1993

429.968

79.510

18,49

25.398

5,91

2.971

0,69

107.879

25,09

-0,29

1994

477.920

98.199

20,55

34.334

7,18

4.200

0,88

136.733

28,61

3,52

1995

646.192

124.695

19,30

53.139

8,22

9.024

1,40

186.858

28,92

0,31

1996

843.966

139.484

16,53

62.980

7,46

10.116

1,20

212.581

25,19

-3,73

1997

939.147

158.566

16,88

69.320

7,38

11.305

1,20

239.191

25,47

0,28

1998

979.276

181.828

18,57

72.070

7,36

14.219

1,45

268.117

27,38

1,91

1999

1.065.000

210.691

19,78

79.154

7,43

15.096

1,42

304.941

28,63

1,25

2000

1.179.482

250.302

21,22

95.383

8,09

16.011

1,36

361.696

30,67

2,03

2001

1.302.136

278.599

21,40

108.262

8,31

16.884

1,30

403.745

31,01

0,34

2002

1.477.822

341.510

23,11

122.234

8,27

18.742

1,27

482.486

32,65

1,64

2003

1.699.948

391.052

23,00

139.137

8,18

22.990

1,35

553.179

32,54

-0,11

2004

1.941.498

454.313

23,40

166.117

8,56

29.705

1,53

650.135

33,49

0,95

2005

2.147.944

514.417

23,95

187.873

8,75

30.574

1,42

732.864

34,12

0,63

2006

2.332.936

570.789

24,47

211.956

9,09

35.193

1,51

817.938

35,06

0,94

2007

2.558.821

650.997

25,44

233.416

9,12

38.832

1,52

923.924

36,08

1,02 P

Fonte: IBPT *Diferenças nas somatórias devem-se a arredondamentos ** Valores do PIB de 1996 a 2006 revistos pelo IBGE em 28/3/2007.

Governo Sarney: 1985 - 1990

Governo FHC 1: 1995 - 1998

Governo Collor : 1990 - 1992

Governo FHC 2: 1999 - 2002

Governo Itamar: 1992 - 1994

Governo Lula: 2003 - 2007


A reforma tributária de 2008

janeiro / março / 2008

Artigo José Fernando Cosentino Tavares

29

A proposta de Emenda Constitucional 233, de 2008 Está no Congresso desde 28 de fevereiro nova proposta do governo de reforma tributária. Ela é resultado de duas décadas de debate político e técnico acerca dos problemas do sistema impositivo brasileiro, envolvendo União, Estados e municípios. A última iniciativa de reforma tributária data de 2003 (PEC 41), que, depois de fatiada e aprovados seus dispositivos inadiáveis, estacionou na forma de duas novas PEC. A principal, PEC 285/04, que trata preponderantemente da unificação e cobrança do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no destino, não prosperou porque se tornou difícil a aprovação de um texto eivado de tantas exceções e ressalvas. Dadas as peculiaridades da distribuição vertical das competências e receitas tributárias do federalismo brasileiro, acabam predominando no debate, em lugar de argumentos técnicos, instâncias burocráticas e políticas. A PEC 233/08 retoma o processo cinco anos mais tarde. Segundo a argumentação oficial, trata-se da reforma possível, para resolver questões que se colocam no plano constitucional. A PEC incorpora alguns avanços textuais obtidos anteriormente, mas evita constitucionalizar o que pode ser regulado por outros instrumentos (leis complementares, e mesmo ordinárias). Histórico e iniciativas anteriores Mudança radical na estrutura tributária como a que houve em 1965 foi possível porque à época o regime político era autoritário. A Constituição de 1988

produziu­ movimento na direção oposta à ordem anterior, descentralizando a receita e aumentando a autonomia legislativa dos Estados e municípios. Mais intensamente a partir de 1992, instalou-se a competição entre Estados via incentivos tributários e financeiros no campo do ICMS, pela localização de empreendimentos privados, a chamada “guerra fiscal”. De outro lado, a redistribuição, em 1988, das receitas disponíveis desequilibrou as finanças federais, levando a União a buscar, nos anos seguintes – em particular após a queda acentuada da inflação –, financiamento crescente mediante a criação e sucessivos aumentos de alíquotas de contribuições (Contribuição para o Programa de Integração Social/Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – PIS/Cofins, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF, Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – Combustíveis – CIDE...), quase todas vinculadas à seguridade social, não partilhadas com as demais esferas, indiretas e cumulativas. Já se reconhecia a necessidade de reforma tributária na primeira metade da década de 90, mas praticamente nada prosperou. Missão de assistência técnica do FMI chefiada pelo diretor do Departamento de Assuntos Fiscais, em 1992, recomendou mudanças que influenciaram ou coincidiram com as propostas de revisão constitucional de 1993; a principal tentativa seguinte, de iniciativa do Executivo (PEC 175, de 1995, discutida durante 8 anos); e a PEC 293/04, que resultou do fatiamento da PEC 41/03, na sua volta do Senado para a Câmara.


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Esse novo IVA teria poucas alíquotas, incidentes sobre categorias de mercadorias e serviços estabelecidos nacionalmente. A competência tributária dos Estados se resumiria à fixação de sobretaxas acima do alíquota-piso nacional das várias categorias. A alíquota interestadual seria a menor das alíquotas e única, implicando que as preocupações redistributivas viessem a ser atendidas por outros instrumentos.

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Revista de

Conjuntura

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Vito Tanzi e sua equipe atribuíram prioridade à reforma do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do ICMS e do Imposto sobre Serviços (ISS), e preconizaram, para esses três tributos, num primeiro momento, (1) a transformação do IPI em Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA)1 do tipo consumo aplicado à indústria, com alíquota única, eliminando-se o efeito cascata remanescente, i.e., admitindo-se também créditos financeiros pela aquisição de bens de capital e bens de uso e con-

sumo do estabelecimento); (2) a criação de impostos seletivos sobre o consumo (droits d’accise) de tabaco, bebidas e automóveis, energia, gazes de efeito estufa e, eventualmente, outros bens de luxo; (3) em relação ao ICMS, pelas mesmas razões acima, a permissão para o crédito nas compras de bens para integrar o ativo fixo e para uso e consumo, e ainda a aplicação do princípio do destino nas exportações, ressarcindo-se os Estados exportadores-perdedores a partir de um fundo financiado com ICMS sobre importações cobrado pela União. Recomendaram ainda que, numa segunda fase da reforma do ICMS, o ISS e todos os serviços se incorporariam à base. A mudança nos dois tributos e na articulação entre os Estados seria aprovada pelo Congresso. Esse novo IVA teria poucas alíquotas, incidentes sobre categorias de mercadorias e serviços estabelecidos nacionalmente. A competência tributária dos Estados se resumiria à fixação de sobretaxas acima do alíquota-piso nacional das várias categorias. A alíquota interestadual seria a menor das alíquotas e única, implicando que as preocupações redistributivas viessem a ser atendidas por outros instrumentos. Já a cobrança se faria na origem. A expectativa é de que as sobretaxas fossem sendo gradualmente eliminadas, e que o ICMS acabasse se transformando em um IVA nacional, com alíquotas uniformes. Por fim, o IPI se somaria ao novo ICMS em um único tributo sobre o valor adicionado, simplificando o sistema e facilitando a inserção do Brasil no Mercosul, que começava a se fortalecer à época. Principais avanços conseguidos As distorções do ICMS foram o foco das sucessivas iniciativas de reforma, porque o principal tributo estadual onerava exportações de bens semi-elaborados e primários e bens de capital. Isso resolveu-se, no caso das exportações, primeiro com a Lei Complementar 87,

Nessa forma de tributação, a cobrança é feita ao longo da cadeia produtiva, deduzindo a cada etapa os valores de tributo já recolhidos em etapas anteriores. Dessa forma, diminui o risco de perda da receita por sonegação na ponta final do varejo, e cada contribuinte tem interesse em fiscalizar a emissão da nota fiscal pelo seu fornecedor, assegurando-se a utilização dos créditos do imposto. Um IVA moderno deve ser neutro, sua carga deve ser repassada para o consumidor, para não gerar distorções econômicas. A neutralidade impositiva é um atributo cada vez mais importante em um mundo interdependente e competitivo. É o contraponto da incidência cumulativa, ou em cascata. Aqui não se sabe quanto paga de tributo o consumidor final, não se consegue desonerar diretamente as exportações, nem o investimento, e o produto importado é favorecido, pois circula menos. O IVA tornou-se a principal forma de tributação do consumo e é comum a países grandes e pequenos. Esse tipo de tributo expandiu-se rapidamente nos últimos cinqüenta anos. Quase desconhecido em 1960, hoje mais de cento e quarenta países já têm o IVA ou similar, entre elas nove das dez principais economias (os Estados Unidos da América são exceção), arrecada globalmente cerca de 20% das receitas tributárias e compõe o cardápio de reformas na maioria dos países em desenvolvimento. 1


O governo acredita que este é um bom momento para a aprovação de mudanças no sistema tributário. As expectativas de crescimento permanecem favoráveis, a economia está estável, as contas públicas, em ordem, e os setores produtivos procuram inserção internacional. Evidências dessa solidez são os recordes sucessivos de arrecadação federal neste primeiro trimestre, apesar do fim da CPMF. Crescimento e melhora nos métodos de cobrança parecem responder pela elasticidade das receitas. Tudo isso permite supor concessões das partes interessadas, em particular da União, mesmo que na PEC as compensações propostas aos Estados ainda sejam acanhadas. Muito mais precisará ser oferecido por lei complementar. Eventualmente a reforma não se concretizará em 2008, por ser ano eleitoral e por haver muito a esclarecer a respeito da PEC. Mas é do interesse mútuo do governo atual e da oposição, ambos com probabilidade igual de deter o poder de 2011 a 2014, promover a reforma em 2009. Esse impasse poderá estar superado antes das

Conteúdo da proposta e justificativas Problemas do Sistema Tributário Brasileiro Há inúmeras razões para reforma, dado que nosso sistema é complexo e ineficiente. Parte dessa complexidade resulta da autonomia tributária dos governos subnacionais e da vinculação e critérios de repartição das receitas previstos na Constituição. A reforma, mesmo que não seja completa, parece estar indo na direção certa: 1) simplificar: são 6 os tributos indiretos sobre bens e serviços, em parte cumulativos, e 2 impostos sobre lucros; 2) desburocratizar: no caso do ICMS, 27 Estados legislam; a vasta legislação tributária brasileira é alterada com demasiada freqüência. De acordo com pesquisa de 2008 do Banco Mundial e PricewaterhouseCoopers2, a empresa-padrão brasileira é, dentre 178 países pesquisados, a que gasta o maior número de horas anuais com o cumprimento das obrigações relativas aos impostos (2.600 horas, em 137º lugar); 3) aumentar

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A reforma não se concretizará em 2008 por ser ano eleitoral e por haver muito a esclarecer a respeito da PEC. Mas é do interesse mútuo do governo atual e da oposição, ambos com probabilidade igual de deter o poder de 2011 a 2014, promover a reforma em 2009.

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Oportunidade da atual reforma

eleições­ majoritárias de 2010, preparando-se o terreno para pontos percentuais a mais de crescimento futuro.

Ver http://www.doingbusiness.org/documents/FullReport/2008/DB08_Full_Report.pdf ou http://www.doingbusiness.org/documents/Paying_ Taxes_2008.pdf. 2

janeiro / março / 2008

de 1996, e depois com a Emenda Constitucional 42, de 2003, que constitucionalizou a desoneração e o fundo de compensação correspondente, embora continue faltando a lei complementar para regulá-lo. A Lei Complementar 87/96 resolveu apenas em parte o caso de bens de capital, mas as soluções adotadas não foram consagradas na Constituição, como agora se pretende com a PEC 233/08, que ainda revoga esse fundo. Reconheciam-se outros defeitos no sistema tributário, como a cumulatividade das contribuições, em particular da Cofins e do PIS/Pasep, onerando as exportações, e sua não-incidência sobre produtos importados. Em 2002, por legislação ordinária, o PIS/Pasep tornouse não-cumulativo e deixou de incidir sobre receitas de exportação, e passou a incidir sobre importados. O mesmo ocorreu com a Cofins um ano depois. A CPMF, outro elemento de cumulatividade no sistema tributário brasileiro, acabou de ser extinta. Aprovada a reforma, o ISS será o único tributo indireto não -regulatório no sistema a incidir cumulativamente.

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Esse novo IVA absorverá o PIS, a Cofins e a Cide-Combustíveis, mas poderá ser mais amplo. Para vender a idéia e relacionar essa iniciativa com propostas anteriores, foi apelidado de Imposto sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F). O novo IVA não abrange o IPI.

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Revista de

Conjuntura

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a formalidade, do que resultaria melhor distribuição da carga tributária; (4) minimizar as distorções do sistema (p.ex. cumulatividade), desonerando os investimentos e as exportações; e (5) substituir a competição tributária predatória entre Estados, já esgotada como incentivo à localização dos negócios, por mecanismos apropriados de desenvolvimento regional. Como descrito no documento oficial de apresentação da proposta3, a solução da guerra fiscal está à vista, mediante a cobrança do ICMS na origem e a destinação da receita preponderantemente para o Estado de destino da mercadoria ou serviço. Isso se fará sem que essas mudanças impliquem maior evasão, nem perdas estaduais sem adequada compensação, nem descontrole da carga tributária, pois a implantação da nota fiscal eletrônica é condição para a reforma e constará da Constituição. O funcionamento da nota fiscal eletrônica tem sido unanimemente bem avaliado. As armas dessa guerra são benefícios negociados caso a caso, à margem do organismo que deveria exercer a coordenação do processo (o Conselho de Política 3

­Fazendária – Confaz). As iniciativas isoladas, desarticuladas, prejudicam a concorrência, pois favorecem uma empresa em detrimento de outra e geram insegurança para os investidores, que não podem antecipar quais condições virão a ser oferecidas futuramente a um concorrente. Mesmo empresas já com incentivos temem não tê-los renovados, ou perdê-los, ou mesmo ter que ressarcir os já aproveitados, por conta de decisões judiciais que julguem seus benefícios inconstitucionais. Além disso, cada vez mais Estados não estão honrando o crédito de ICMS de mercadorias cujos produtores receberam incentivos nos Estados de origem (ou seja, se apropriaram de créditos sem ter havido a cobrança do imposto) ou, sendo exportadores, recolheram o imposto no outro Estado. IVA Federal e o IPI A reforma cria um imposto “sobre operações com bens e prestações de serviços”, para unificar parte dos tributos federais que incidem sobre a produção e o consumo. Vale a comparação com outras denominações: se valesse a terminologia adotada na União Européia, seria “imposto sobre o volume de negócios” (Directiva 112/2006), ou sobre “transmissões de bens e as prestações de serviços” (IVA português). Esse novo IVA absorverá o PIS, a Cofins e a CideCombustíveis, mas poderá ser mais amplo. Para vender a idéia e relacionar essa iniciativa com propostas anteriores, foi apelidado de Imposto sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F). O novo IVA não abrange o IPI. Ainda, quanto à amplitude do IVA-F, pela Lei nº 10.833/03, a Cofins “com a incidência não-cumulativa tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil”, o total das receitas compreende a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica”, e a base de cálculo da contribuição é o valor do faturamento, conforme definido acima. No caso dos serviços, a PEC considera prestação de serviço sujeita ao IVA-F toda e qualquer operação que não constitua circulação ou transmissão de bens. Os ­serviços

Ver http://www.fazenda.gov.br/portugues/documentos/2008/fevereiro/Cartilha-Reforma-Tributaria.pdf.


Para eliminar a guerra fiscal, o objetivo da reforma em relação ao ICMS é o de unificar a legislação e transferir em sua maior parte a receita da origem (Estado

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Um aspecto do PIS/Cofins que merece atenção é a apuração do imposto devido. Débitos e créditos são calculados mediante aplicação da alíquota sobre, respectivamente, o faturamento e o valor de bens adquiridos e outros custos. Esse método presumivelmente não deverá prevalecer no IVA-F, pois, segundo a PEC, a exemplo do ICMS, o imposto integrará sua própria base de cálculo.

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O novo ICMS

que produz o bem) para o destino (onde é consumido). A intenção, tecnicamente correta, de incorporar ao imposto os serviços sobre os quais incide o Imposto sobre Serviços (ISS), não prosperou pela inviabilidade política de retirar competência dos municípios. Prevê a PEC que o novo ICMS seja instituído por lei complementar, em substituição da Lei Complementar 87/96. O novo ICMS será de competência conjunta dos Estados e do Distrito Federal. A iniciativa da lei caberá a um terço dos membros do Senado Federal ou a um terço dos governadores ou das assembléias legislativas, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros, desde que estejam representadas, nos casos anteriores, todas as regiões do País, e ao Presidente da República. No estabelecimento das alíquotas, as atribuições estão compartilhadas entre o Senado Federal e o ­Confaz,

janeiro / março / 2008

sujeitos ao ICMS estão listados na Constituição, e os serviços sujeitos ao ISS continuam sendo os definidos em lei complementar. Existe margem para se onerar esses mesmos serviços pelo IVA-F. Prestadores de serviços têm outro problema. Muitos desses contribuintes continuaram sujeitos ao PIS/Cofins à alíquota cumulativa de 3,65% calculados sobre o faturamento, por ser mais vantajosa. É de se supor que o IVA-F será cobrado exclusivamente de forma não-cumulativa, aumentando-lhes a carga tributária e os custos de manter registros de créditos e débitos. Um aspecto do PIS/Cofins que merece atenção é a apuração do imposto devido. Débitos e créditos são calculados mediante aplicação da alíquota sobre, respectivamente, o faturamento e o valor de bens adquiridos e outros custos. Esse método presumivelmente não deverá prevalecer no IVA-F, pois, segundo a PEC, a exemplo do ICMS, o imposto integrará sua própria base de cálculo. O saldo a recolher passará a ser apurado pelo sistema de débito e crédito de imposto. A Exposição de Motivos compromete-se com a completa e imediata desoneração dos investimentos na regulamentação do IVA-F – hoje os créditos são apropriados em 24 meses, no âmbito da Cofins – e com a apropriação de créditos pela compra de bens e serviços que não integram o produto final – o que depende apenas de lei. A apresentação afirma que não se poderá cumprir com o compromisso já em 2009, porque frustrou-se a arrecadação da CPMF. No campo federal, o IPI continuará sendo cobrado separadamente. A não-inclusão do IPI no IVA federal se justifica de três maneiras: 1) os incentivos à informática e à Zona Franca de Manaus, para serem contemplados no IVA, exigiriam multiplicidade de alíquotas; 2) a natureza seletiva do IPI propicia que seja um tributo à parte, nos termos da legislação infraconstitucional, e caso incluído no IVA-F, exigiria alíquotas extremamente elevadas para alguns produtos supérfluos; e 3) o imposto se presta a instrumentar medidas de política industrial, caso se venha a adotar tal política.

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A desoneração dos investimentos do novo ICMS estará concluída simultaneamente com transição para a tributação no destino. Em 2016 (ou em oito anos a contar da aprovação da reforma), quando a alíquota interestadual cair para 2%, a apropriação dos créditos sobre bens de capital será imediata.

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supondo-se que o primeiro zelaria para que a carga tributária não fosse aumentada com a possibilidade de alíquotas exageradas, e o segundo, para que as receitas estaduais fossem preservadas. Note-se, na descrição abaixo, a margem para ajustes suplementares com vistas a esses mesmos objetivos. A alíquota padrão e as demais alíquotas (imaginamse 4 ou 5, a partir das que existem hoje e dos debates anteriores sobre a federalização do ICMS) serão defini-

Revista de

Conjuntura

34

das por resolução do Senado Federal, de iniciativa de um terço dos senadores ou de um terço dos governadores, aprovada por três quintos do Senado. Resolução do Senado, desta vez aprovada pela maioria de seus membros, enquadrará mercadorias e serviços nas demais alíquotas, podendo apenas aprovar ou rejeitar as proposições do Confaz. Além disso, quanto às alíquotas: 1) o Confaz poderá reduzi-las e restabelecê-las; 2) lei estadual poderá aumentar ou reduzir a alíquota de mercadorias e serviços definidos em lei complementar. No caso das transações interestaduais, o imposto poderá ser cobrado na origem, onde é menor o número de contribuintes, mas será entregue em sua maior

parte ao Estado de destino. Entendeu-se que parte da receita deveria caber ao Estado de origem da mercadoria ou serviço. O raciocínio subjacente a essa decisão é de que o Estado onde será feita a cobrança do imposto merece um incentivo para fiscalizar o tributo. Outro forte argumento, menos ortodoxo, é o de que não é justo que o Estado onde está a infra-estrutura que viabiliza a produção não participe da receita. A PEC propõe, em regra geral, que o equivalente a 2% da base de cálculo do imposto pertença ao Estado de origem, embora haja pressões para que esse percentual dobre de forma a atender São Paulo e outros Estados produtores. Admite-se que parcela tão pequena do imposto não habilite nenhum Estado a manter a guerra fiscal. Ainda assim, a PEC prevê sanções para o Estado que isoladamente conceder benefício tributário no âmbito do ICMS. A transferência da receita da origem para o destino estará completa ao fim de oito anos (2016, se a PEC for aprovada este ano), preservado um percentual para o Estado de origem. Esse prazo, aparentemente longo, é o necessário para que se efetuem os devidos ajustes, pois haverá alteração significativa na distribuição dos recursos entre os Estados, em que os produtores (p. ex., São Paulo) perderão receita, e a obrigação da União de providenciar um mecanismo confiável para as devidas compensações. O prazo é igualmente necessário para que não se quebrem compromissos, nem cessem abruptamente os favores concedidos ao setor privado no âmbito da guerra fiscal, e menos ainda que a legislação unificada tenha que acomodar a pluralidade de incentivos concedidos estadualmente. A perspectiva da rápida extinção dos benefícios poderia ainda provocar o deslocamento de investimentos num horizonte relativamente curto. A desoneração dos investimentos do novo ICMS estará concluída simultaneamente com transição para a tributação no destino. Em 2016 (ou em oito anos a contar da aprovação da reforma), quando a alíquota interestadual cair para 2%, a apropriação dos créditos sobre bens de capital será imediata. As alíquotas interestaduais muito elevadas de hoje (de 7% ou 12%, conforme o grau de desenvolvimento do Estado de origem, comparadas com entre 2% e 4% que agora se discutem) propiciam o acúmulo de créditos do ICMS da parte de empresas que adquirem insumos e os créditos correspondentes em outros Estados,


A PEC contempla a incorporação da CSLL ao imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), para fins de simplificação, uma vez que ambos têm como mesma base o lucro. Isso se fará mediante a mera revogação do dispositivo constitucional que prevê a citada contribuição. De interessante, há o ajuste relacionado com a possibilidade de cobrança de adicionais do IRPJ diferenciados por setor econômico, estendendo-se ao imposto sobre o lucro, o que já é permitido para a CSLL, pela Constituição, desde 1998. Desoneração da Folha de Pagamentos Outro ponto da proposta governamental diz respeito à desoneração da folha de pagamento. As finalidades são conhecidas: reduzir a informalidade do mercado de trabalho, desonerar as exportações de um tributo que não pode ser compensado e estimular setores intensivos em mão-de-obra. A PEC acaba com a alíquota de 2,5% do salário-educação e recupera essa receita mediante ajuste, a ser calculado, na alíquota do IVA-F. Anunciou-se o propósito de, em um segundo momento, reduzir de 20% para 14% a contribuição patronal para a Previdência Social. Combinadamente, representarão desoneração equivalente a 8,5% da folha de salários, ao fim de desonerações gradativas. A redução da contribuição patronal não pode constar desta proposta porque alguns temeram que escasseassem os meios de financiamento da seguridade. Aliás, esse argumento equivocado valeria com a mesma força para a integração da Cofins ao IVA-F e da CSLL ao imposto de renda. Um outro fator a considerar, que não reforça os argumentos sindicalistas, nem deve ser impeditivo da desoneração pretendida, é que se perde definitivamente de vista qualquer noção de déficit da Previdência, já hoje tão controverso. No caso da alíquota da contribuição previdenciária, a PEC determina o encaminhamento, pelo Executivo, no

As novas vinculações e repartições de receitas Com a criação do IVA federal, tributo do orçamento fiscal, a PEC traz duas importantes alterações no quadro das vinculações e das partilhas constitucionais de receitas. A próxima tabela procura combinar e resumir os dados contidos na apresentação do Ministério da Fazenda. A PEC elimina algumas contribuições extremamente rentáveis (Cofins, sobre o faturamento, e a CSLL, sobre

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A PEC acaba com a alíquota de 2,5% do salárioeducação e recupera essa receita mediante ajuste, a ser calculado, na alíquota do IVA-F. Anunciou-se o propósito de, em um segundo momento, reduzir de 20% para 14% a contribuição patronal para a Previdência Social. Combinadamente, representarão desoneração equivalente a 8,5% da folha de salários, ao fim de desonerações gradativas.

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Incorporação da CSLL ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica

prazo de 90 dias da aprovação da reforma, de projeto de lei determinando a redução e as medidas “para compensar este impacto” (sobre o déficit da Previdência). Essa compensação não poderá se viabilizar na forma de vinculação do conjunto de receitas que formam a nova “base ampla” (IR+IPI+IVA-F), pois a reforma já terá estabelecido o percentual dela destinado à seguridade social.

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exportadoras (se geram, por conta de vendas para o mercado interno débitos insuficientes para absorver os créditos) ou não.

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o lucro das empresas) e suas vinculações a despesas da seguridade social. Esta mudança extingue o orçamento da seguridade social tal como se conhece desde 1988. Além disso, subverte a noção de que o orçamento da seguridade social é superavitário. Por essa mesma razão, passa a ser dispensável o artifício da desvinculação de receitas da União (DRU) para o propósito de evitar que o orçamento da seguridade social não financie o orçamento fiscal. A PEC foi elaborada de maneira a manter, grosso modo, tendo por referência a arrecadação realizada em 2006, os mesmos volumes de recursos dos programas de governo a que são destinados, total ou parcialmente, tributos federais que passam a integrar o IVA-F e o novo IRPJ. Nada impede que esses dados sejam revistos à luz do desempenho da arrecadação de 2007 e 2008. A EC 56/07 manteve nas disposições constitucionais transitórias a DRU, de 20% dos impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, sem afetar a repartição com Estados e municípios. As novas vinculações foram calculadas depois da desvinculação. Metodologicamente, da base ampla (IR+IPI+IVA-F),

são estabelecidos percentuais destinados à seguridade social (38,8%), para reproduzir o montante da Cofins e da CSLL incorporados, respectivamente, ao IVA-F e ao novo IRPJ; percentual destinado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e ao BNDES (6,7%), para reproduzir o montante do PIS; percentual destinado à infraestrutura de transportes e meio ambiente (2,5%), para reproduzir o montante da CIDE-Combustíveis (antes da partilha com Estados e municípios); e o percentual destinado à educação (2,3%), para reproduzir o montante do salário-educação. Deduzidos esses montantes, o saldo de recursos compõe a base da partilha federativa, que se distribui entre fundos. São preservados em milhões de reais de 2006 os fundos de participação de Estados e municípios, mas os fundos de exportação e os fundos constitucionais desaparecem, dando lugar, com valor global ligeiramente maior, ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) e ao Fundo de Equalização de Receitas (FER). O funcionamento desses fundos será disciplinado por lei complementar, atendidas algumas condições expressas na Constituição.

Receita Federal e Partilha Federativa. Simulação 2006 (R$ bilhões)

tabela cosentino

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Ao FNDR caberá 4,8% da receita da base da partilha federativa. Para o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste irão ao menos 95% dos recursos, a partir do sexto ano. Outros 5% poderão ser destinados a outras áreas menos desenvolvidas do País. No mínimo 60% serão, de acordo com a PEC, destinados a programas de financiamento do setor produtivo das regiões por meio de suas instituições financeiras regionais. Parte dos recursos do FNDR poderá ser aplicada em desenvolvimento regional diretamente pelo orçamento federal, outra parte será transferida a fundos de desenvolvimento dos Estados e DF para aplicação em gastos diretos de investimentos de infra-estrutura e incentivos ao setor produtivo. A tabela mostra que o FNDR excede os fundos constitucionais em quase 60%, em parte explicado pelo fato de incluir os valores destinados no orçamento federal aos fundos de desenvolvimento do Nordeste e da Amazônia (FDA e FDNE). Entretanto, o FNDR supera a soma desses fundos. Fundo de equalização de receitas Ao FER caberá 1,8% da base da partilha federativa, sendo 75% de seus recursos distribuídos em aos Estados e 25% aos Municípios. Esse fundo equivale aos 10% do IPI atualmente destinados ao FPEx que, na falta da lei complementar que regule o funcionamento do FER, continuarão sendo repartidos entre os Estados e o DF nos moldes atuais (participação dos Estados nas exportações). As disposições transitórias da PEC, em seu art. 5º, abrem espaço para que lei complementar defina montante adicional de recursos a serem destinados ao FER e estipule a respectiva fonte.

Críticas mais freqüentes

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Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional

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Parte dos recursos do FNDR poderá ser aplicada em desenvolvimento regional diretamente pelo orçamento federal, outra parte será transferida a fundos de desenvolvimento dos Estados e DF para aplicação em gastos diretos de investimentos de infra-estrutura e incentivos ao setor produtivo.

A PEC despertou críticas importantes, que provavelmente acompanharão sua tramitação. Avalia-se, em nove, o número de leis complementares e ordinárias que se seguiriam à aprovação da PEC, dando sentido à proposta de reforma. Em dois casos ao menos o Executivo comprometeu-se a antecipar minutas da legislação infraconstitucional, para incentivar o debate e tranqüilizar os interessados nos casos citados, ao tratarmos adiante da carga tributária e do FER. Descaracterização do orçamento da seguridade social Houve inúmeras manifestações de preocupação com as perdas das fontes exclusivas do orçamento da seguridade social. Em contraposição, o governo diz atender a críticas ao fato de a União manipular alíquotas de tributos que não são partilhados, em detrimento das esferas subnacionais. Admite o governo que a agregação do PIS/Cofins ao IVA poderia ser feito por lei

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A apresentação da PEC chama atenção para o fato de que, embora no curto prazo não se alterem substancialmente os valores dos fundos de participação dos Estados e dos municípios, a partilha federativa passa a ser definida em proporção de uma base ampla que inclui o produto da arrecadação de contribuições sociais que não são atualmente partilhadas com Estados e municípios.

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e respectivas vinculações baseiam-se no desempenho da arrecadação em 2006.

Países da dimensão econômica do Brasil ostentam cargas menores; cargas iguais à brasileira caracterizam sociedades em que o Estado provê serviços adequados e ampla cobertura assistencial. A crítica é de que a PEC não previu mecanismos para reduzir globalmente o peso dos impostos, o que, aliás, não é propósito da proposta de reforma.

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ordinária. Foi inscrito na Constituição expressamente para redefinir o atual mecanismo de financiamento da seguridade social. Outra intenção foi a de eliminar incidências sobre mesma base (lucro, faturamento ...). Regressividade do sistema tributário À esquerda do campo político, a reclamação é pela ausência de medidas que reduzam a regressividade do sistema tributário, em particular da tributação indireta, e de medidas que implementem

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plenamente os impostos sobre o patrimônio, inclusive o imposto sobre as grandes fortunas, e tornem progressivos os demais. Defendem também maior progressividade do imposto de renda das pessoas físicas, ainda que essa decisão caiba em legislação ordinária. Segundo essas manifestações, não se prioriza o que deveria ser o principal objetivo da reforma: justiça fiscal. De fato, a proposta do governo caracteriza-se exatamente por pretender a neutralidade. Todo o rearranjo de receitas federais

Falta de transparência É crescente o interesse dos contribuintes, de empresários e de parlamentares (há projetos de lei tramitando no Congresso, para que essa informação se torne disponível) em ver estampado na embalagem do produto ou na nota fiscal do consumidor o conteúdo de impostos no preço pago na transação. A PEC vai na contramão dessa tendência, pois, além de não haver qualquer dispositivo no sentido de atender ao princípio da transparência tributária – que os “consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços” (art. 150, § 5º, da Constituição), prevê-se que, a exemplo do ICMS, o IVA-F seja cobrado por dentro. Esse procedimento oculta o imposto pago pelo comprador e a alíquota efetiva. Quando se cobra 25% por dentro, a incidência efetiva é de 33,3% sobre o preço líquido de imposto. Carga tributária O aumento da carga tributária a que assistimos em vinte anos foi expressivo (era de 20% do PIB em 1988, 25% em 1992, chegou a 34% do PIB em 2006, possivelmente a 35% do PIB em 2007). Países da dimensão econômica do Brasil ostentam cargas menores; cargas iguais à brasileira caracterizam sociedades em que o Estado provê serviços adequados e ampla cobertura assistencial. A crítica é de que a PEC não previu mecanismos para reduzir globalmente o peso dos impostos, o que, aliás, não é propósito da proposta de reforma. O Executivo reconhece que mudanças na sistemática de cobrança de tributos têm redundado em aumento da carga tributária, como no caso do fim da cumulatividade do PIS e da Cofins. As primeiras manifestações do setor produtivo em relação à reforma tributária foram no sentido de exigir que as alíquotas do novo ICMS sejam discutidas em paralelo. Os Estados com saldo negativo na balança comercial interestadual, importadores líquidos, serão beneficiados pelo aumento de sua receita, com nova repartição a favor da jurisdição do consumidor. Os


Alíquota elevada Alguns comentaristas, impressionados por debates do tempo em que se previa a incorporação do IPI, do ISS e até mesmo da contribuição previdenciária em um novo IVA, retomaram a antiga questão da magnitude excessiva da alíquota que seria necessária para gerar o mesmo volume de receitas, assinalando que consistirá em estímulo à evasão. Enquanto se tratar apenas da soma de PIS/Cofins, CIDE-Combustíveis e contribuição para o salário-educação, os dados de 2006, tais como apresentados oficialmente, e a regra de 3 mostram que, supondo-se alíquota efetiva nominal do PIS/Cofins de 9,25% (deve ser menor, pois parte dos contribuintes preferiu manter-se no sistema cumulativo), serão suficientes 10,5% de IVA-F. No caso do IRPJ, a alíquota nominal passaria de 25% para 34%, sem contar as sobretaxas que a Constituição autoriza. Equalização de receitas Ponto polêmico da reforma continua sendo a compensação das perdas causadas pela transferência da cobrança do ICMS da origem para o destino, no caso de operações interestaduais. Isso acarreta fortes perdas aos Estados exportadores líquidos, como São Paulo, Amazonas e outros do Sul e do Sudeste.

A crítica se faz à insuficiência dos recursos do FER, equivalentes a 1,8% da base de partilha federativa. De outro lado, quanto aos critérios de distribuição desses parcos recursos, tanto parlamentares de oposição quanto economistas do setor público, argumentam que já houve experiências malsucedidas com fundos de compensação de impostos, como a Lei Kandir. Parece evidente que o Executivo toma posição de barganha, uma vez que não somou ao FPEx nem ao menos a dotação do orçamento da União executada em 2006, transferida a título de Lei Kandir e de compensação do ICMS a Estados por exportações. Uma possível justificativa disso é a convicção do governo que exportações devem ser desoneradas de qualquer imposto, por princípio, sem que caiba aos Estados recompensa. Na PEC, fica extinto o FPEx. Como agravante, as reivindicações dos Estados são substanciais. São Paulo referiu-se, na voz de seu Secretário de Fazenda, o ressarcimento da ordem de R$ 16 bilhões, no caso da aprovação da reforma, Minas Gerais, de R$ 4 bilhões, e o Espírito Santo, de 20% a 25% de sua arrecadação do ICMS. Reclamam as autoridades estaduais que a PEC visa constitucionalizar as perdas para os Estados, notadamente dos Estados superavitários na balança comercial interestadual, mas não constitucionaliza os mecanismos compensatórios. O segundo projeto de lei complementar a ser divulgado por antecipação pelo Executivo, atendendo aos diversos pleitos, é, portanto, o que vai definir as fontes de recursos e o funcionamento do FER, para além da vinculação constitucional.

José Fernando Cosentino Tavares Economista e Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados

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­ xportadores líquidos perderão e deverão se compene sar para o que pode ser necessário o aumento da carga tributária. A PEC admite que lei complementar estabeleça limites para a carga tributária relativa apenas aos tributos que estão sendo alterados (IVA-F, imposto de renda e ICMS), que os críticos gostariam de discutir junto com a proposta. O Executivo comprometeu-se apenas a enviar o projeto que visa evitar a elevação da carga tributária nesse caso. O texto fixaria um limite de crescimento real da receita para o ano da implementação da mudança, comparativamente à arrecadação dos tributos substituídos no último exercício em que estiveram em vigor. Os demais impostos e contribuições federais que ficam inalterados são menos rentáveis e majoritariamente têm função regulatória.

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Artigo

O IPTU no Distrito Federal: um tributo que precisa ser melhor administrado Paulo Luiz Figueirêdo de Oliveira

1. Introdução

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A imprensa noticiou com grande destaque, há poucas semanas, os inúmeros problemas que marcaram a cobrança do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana)1, no Distrito Federal, neste ano de 2008. Em função de erros identificados nos carnês emitidos, milhares de contribuintes tiveram de procurar as agências da Secretaria de Fazenda para reclamar dos valores lançados, principalmente da aplicação de reajustes superiores ao limite máximo de 16,58%, que foi autorizado pela Câmara Legislativa por meio da Lei n° 4.072/08. Após certa indefinição de como enfrentar a questão, o governo finalmente decidiu encaminhar um novo projeto de lei à Câmara Legislativa explicitando que nenhum contribuinte sofreria reajuste superior ao limite fixado legalmente, exceto nas hipóteses em que houvesse alteração na destinação do imóvel ou ampliação da área construída. Além disso, o projeto de lei resgatou o desconto de 5% para aqueles contribuintes que efetuarem o pagamento do tributo em cota única. Esse desconto tinha sido aprovado pelos deputados, mas foi vetado pelo governador.

É importante registrar, no entanto, que a aprovação do mencionado projeto de lei, mesmo resolvendo os problemas pontuais que foram identificados, nem de longe corrige as graves e inaceitáveis distorções que ocorrem na administração do IPTU, no Distrito Federal, e que vêm contribuindo para transformá-lo em um tributo extremamente regressivo e injusto, que incide com maior intensidade sobre as famílias de menor nível de renda, residentes em imóveis de menor valor de mercado. Este artigo pretende fazer uma breve discussão das principais questões que afetam a administração do IPTU e de suas implicações sobre a incidência do imposto entre os diferentes grupos de contribuintes. Além disso, pretende sugerir que o Distrito Federal não tem aproveitado corretamente todo o potencial do IPTU como fonte de receita para o financiamento de importantes políticas públicas, como, por exemplo, a erradicação do trabalho infantil, o acesso à educação infantil para todas as crianças com idade inferior a seis anos e a melhoria da qualidade do atendimento nos hospitais da rede pública de saúde. Tais políticas, com certeza, contribuiriam para reduzir as enormes desigualdades características da distribuição de renda no Distrito Federal.

O IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana é um tributo de competência municipal, de acordo com o art. 156, I, da Constituição Federal. O imposto tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel, por natureza ou por acessão física, nos termos definidos na lei civil, localizado em área urbana. 1


2.1 As vantagens do IPTU A literatura especializada em finanças públicas tradicionalmente faz referência à tributação da propriedade urbana como uma importante fonte de financiamento para os governos locais (Varsano, 19773; Musgrave4, 1980; Longo5, 1987). Isso ocorre porque essa forma de tributação apresenta algumas vantagens quando comparada a outros tipos de impostos. A primeira delas seria a minimização da possibilidade de guerra fiscal entre os municípios como ocorre, por exemplo, com o ISS – Imposto sobre Serviços, em que, muitas vezes, a alíquota do tributo é reduzida com o objetivo de atrair contribuintes e assegurar o recolhimento do imposto em determinada localidade. No caso do IPTU, como os imóveis, fato gerador do tributo, estão fisicamente localizados dentro dos limites geográficos de um dado município, a rigor, não existe a possibilidade de competição pela receita dele decorrente.

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2. O IPTU como fonte de receita municipal

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Uma vantagem associada ao IPTU diz respeito à imobilidade de sua base tributária e à facilidade de identificação de seu proprietário, o que, em tese, deveria contribuir para facilitar a exigência do pagamento do tributo. Não é possível ao contribuinte querer eximir-se do pagamento do tributo transferindo-se para outro município ou omitindo do Fisco a ocorrência do fato gerador.

Uma segunda vantagem associada ao IPTU diz respeito à imobilidade de sua base tributária e à facilidade de identificação de seu proprietário, o que, em tese, deveria contribuir para facilitar a exigência do pagamento do tributo. Não é possível, por exemplo, ao contribuinte querer eximir-se do pagamento do tributo transferindo-se para outro município ou omitindo do Fisco a ocorrência do fato gerador. Deve ser mencionada, ainda, a relativa estabilidade que essa fonte de tributação oferece aos municípios na medida em que, em geral, as flutuações econômicas de

2

O Iptu no Distrito Federal: Uma Análise Sob O Ponto de Vista da Ineqüidade Administrativa. Brasília, 1991, MIMEO.

3

Varsano, Ricardo. O Imposto Predial e Territorial Urbano. Pesquisa e Planejamento Econômico, v.7, n. 3, p. 581-622, 1977.

4

Musgrave,R.; Musgrave, P. Finanças Públicas: Teoria e Prática. Ed. Campus, USP, Rio/S

Longo, Carlos A. A Distribuição dos Gastos e Receitas Públicas entre Níveis de Governo: um enfoque econômico, Revista de Finanças Públicas, n. 369, p. 16-29,1987. 5

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O presente artigo, que se baseou em parte nas idéias principais contidas na dissertação de mestrado2 apresentada pelo autor ao Departamento de Economia da Universidade, em 1991, está assim estruturado: a Seção 2 discute brevemente as vantagens e desvantagens atribuídas ao IPTU como fonte de financiamento para governos municipais; a Seção 3 discute as distorções que caracterizam a aplicação do IPTU no Distrito Federal, apontando as diferenças em relação a outras cidades e também que os problemas observados na administração do IPTU vêm contribuindo para transformá-lo em um imposto injusto e ineficiente; A Seção 4 discorre sobre a falta que o IPTU faz no financiamento de políticas públicas de inclusão social, que, muitas vezes deixam de ser executadas, segundo a justificativa oficial, por falta de recursos. A Seção 5 apresenta as conclusões do trabalho.

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curto prazo afetam menos os preços dos imóveis quando comparados aos preços de outros ativos. Em tese, isso deveria assegurar aos municípios maior estabilidade no fluxo de suas receitas e maior capacidade de planejamento de seus gastos visando ao equilíbrio das contas públicas. Em que pese as vantagens apontadas, normalmente atribuídas ao IPTU, estudos recentes (Carvalho Jr6.,2006; Simonetti7, 2007) , entretanto, parecem reforçar o entendimento de que a experiência brasileira com esse tributo, como fonte de recursos para o financiamento dos gastos municipais, tem sido pouco satisfatória. A próxima seção apontará alguns dos fatores responsáveis pela baixa produtividade do IPTU em quase todos os municípios brasileiros.

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A principal explicação apresentada por diversos estudiosos para a baixa produtividade do IPTU, e que tem sido apontada como a maior dificuldade desse imposto, é a complexa estrutura requerida para a sua adequada administração. Isso ocorreria porque essa forma de tributo exige a implantação e alimentação de um amplo cadastro imobiliário.

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2.2 As desvantagens do IPTU A principal explicação apresentada por diversos estudiosos (Varsano, 1977; Silva8, 1983; Guedes9, 1979) para a baixa produtividade do IPTU, e que tem sido apontada como a maior dificuldade desse imposto, é a complexa estrutura requerida para a sua adequada administração. Isso ocorreria porque essa forma de tributo exige a implantação e alimentação de um amplo cadastro imobiliário, que deve contar com informações sempre atualizadas a respeito de todos os imóveis situados na zona urbana do município. A experiência brasileira, no entanto, tem demonstrado que a maioria dos municípios não dispõe dos recursos materiais, humanos e financeiros necessários para a implantação e permanente atualização de tal cadastro. Com isso ficam impossibilitados de definir a planta genérica de valores imobiliários, ou seja, fixar o valor de cada imóvel para fins de lançamento e arrecadação do tributo a que fariam jus legalmente. Muitos municípios desconhecem não apenas o valor de mercado de cada um desses imóveis, como também quantos são, que destinação têm e onde estão localizados. Diante das dificuldades encontradas para manutenção dos cadastros imobiliários devidamente atualizados, muitos municípios decidem apenas corrigir, pelos índices de inflação disponíveis, anualmente, os valores dos imóveis registrados em seus territórios. Tal procedimento, a par de reduzir a base de cálculo potencial do tributo, pois, em geral, a valorização dos imóveis supera os percentuais da inflação acumulados no período considerado, introduz graves distorções na distribuição da carga tributária entre os diferentes grupos de contribuintes na medida em que nem todos os imóveis se valorizam na mesma proporção. Esse procedimento, portanto, pode afetar fortemente o grau de ineqüidade inerente ao tributo10.

6 Carvalho Jr., Pedro Humberto Bruno de. “IPTU no Brasil: progressividade, arrecadação e aspectos extrafiscais”, (Texto para Discussão n° 1251). Brasília: IPEA, 2006. 7

Simonetti, Eliana. “Imposto Concreto”. Desafios do Desenvolvimento, Ano 4, n. 32, p. 39-45, 2007.

8

Silva, Fernando A. Rezende. Finanças Públicas. São Paulo: Ed.Atlas, 1983.

9

Guedes, José Rildo M. IPTU – A Ineficácia de um Imposto. Revista de Administração Municipal, v. 26, n. 152, p. 22-39 , 1979.

Segundo alguns autores, o IPTU apresentaria uma característica intrínseca de ineqüidade por ser calculado sobre o valor venal do imóvel sem levar em consideração o nível de renda do contribuinte. 10


3. O IPTU no Distrito Federal Antes de examinar a evolução do IPTU como fonte de receita no Distrito Federal, convém apontar algumas características que diferenciam a administração do tributo, no Distrito Federal11, quando comparada à de outros municípios brasileiros. Uma primeira diferença importante ­refere-se aos tipos de alíquotas adotados, que são unifor-

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atualização de seus respectivos cadastros imobiliários conseguem obter expressivos aumentos na arrecadação do tributo, chegando, em alguns casos, a mais do que duplicar a arrecadação do IPTU. Com o objetivo de estimular os municípios a investirem na atualização de seus cadastros, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) criaram programas específicos para proporcionar apoio técnico e financeiro aos municípios, principalmente aqueles com população de até 20 mil habitantes, visando permitir-lhes fazer a correta administração do imposto. Parece claro, portanto, que, se houver vontade política por parte dos administradores e a determinação de promover os investimentos necessários visando à adequada implantação ou atualização dos cadastros imobiliários, o IPTU pode funcionar como uma importante fonte de recursos para o financiamento dos gastos públicos.

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Outro fator que contribui para a baixa produtividade do IPTU refere-se ao ônus político que a correta e rigorosa exigência do tributo impõe aos administradores municipais. O medo da impopularidade e do desgaste perante a opinião pública faz com que, muitas vezes, sejam aprovadas plantas genéricas de valores, para fins de lançamento do IPTU, que não refletem os verdadeiros valores de mercado dos imóveis.

mes, ao contrário do que ocorre em muitos outros municípios, onde prevalecem alíquotas diferenciadas não apenas em relação ao valor de mercado do imóvel, mas também em relação à localização ou ao tamanho do imóvel. De forma simplificada, as alíquotas vigentes no Distrito Federal são as seguintes: • 0,3% para imóveis de natureza residencial; • 1,0% para imóveis edificados de natureza não­residencial; • 3,0% para imóveis não edificados. Isso significa que a cobrança do IPTU no Distrito Federal, em tese, é proporcional, variando o montante do imposto pago apenas em função do valor de mercado do imóvel.

O Distrito Federal, por não ser dividido em municípios, acumula a competência para instituir os tributos que a Constituição Federal atribui a esses níveis de governo, sendo considerado como município para esse fim. 11

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Além da complexa administração, outro fator que contribui para a baixa produtividade do IPTU refere-se ao ônus político que a correta e rigorosa exigência do tributo impõe aos administradores municipais. O medo da impopularidade e do desgaste perante a opinião pública faz com que, muitas vezes, sejam aprovadas plantas genéricas de valores, para fins de lançamento do IPTU, que não refletem os verdadeiros valores de mercado dos imóveis. Com isso, há uma tendência natural para que os valores venais registrados no cadastro imobiliário passem a apresentar uma crescente defasagem em relação aos verdadeiros valores de mercado dos imóveis, fazendo com que gradativamente seja minada a produtividade do tributo. Um estudo recente (Simonetti, 2007) mostrou, no entanto, que os municípios que decidem investir na

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A alíquota efetiva média para os imóveis do Lago Sul foi estimada em apenas 0,12%, inferior, portanto, à media obtida para o conjunto dos imóveis pesquisados, que ficou em 0,16% . Isso significa que, em tese, os proprietários de imóveis residenciais localizados no Lago Sul estão pagando apenas 30% do valor do IPTU efetivamente devido.

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Os dados disponíveis, no entanto, parecem evidenciar que, na prática, tal proporcionalidade está deixando de existir e que, em muitos casos, têm prevalecido alíquotas efetivas12 decrescentes de acordo com o valor de mercado do imóvel. De fato, como se pode observar pela análise da Tabela I13, as alíquotas efetivas do IPTU para os imóveis localizados no Lago Sul, cuja população tem o maior nível de renda per capita do Distrito Federal, variam entre 0,09% e 0,15%; portanto, muito aquém da alíquota nominal prevista para imóveis residenciais, que é 0,30%. Dos seis imóveis do Lago Sul, incluídos na amostragem, sobre dois deles, que têm os maiores valores de mercado (R$ 3.500.000,00 e R$ 4.900.000,00, respectivamente) incidirão as menores alíquotas efetivas, estimada em 0,09%. A alíquota efetiva média para

os imóveis do Lago Sul foi estimada em apenas 0,12%, inferior, portanto, à media obtida para o conjunto dos imóveis pesquisados, que ficou em 0,16% . Isso significa que, em tese, os proprietários de imóveis residenciais localizados no Lago Sul estão pagando apenas 30% do valor do IPTU efetivamente devido. Por outro lado, nas demais regiões administrativas consideradas, a alíquota efetiva média foi estimada em 0,19%, que corresponde a 63,33% da alíquota correta. Como se vê, isso significa que a alíquota efetiva para esses imóveis é mais do que o dobro daquela incidente sobre os imóveis do Lago Sul. Para essas regiões administrativas, a alíquota efetiva mais baixa (0,11%) encontrada foi para um imóvel localizado no Condomínio Del Lago, no Paranoá, enquanto que a alíquota efetiva mais alta incidiu sobre um imóvel situado no Setor Leste, no Gama, que atingiu 0,34. Nesse último caso, salvo algum engano ou erro nas informações obtidas, estaria ocorrendo uma grave e flagrante injustiça na cobrança do tributo, pois o valor estimado para o IPTU superou aquele efetivamente devido. Como a Tabela II mostra também, o Lago Sul, que apresenta alíquota efetiva média de 0,12, tem não apenas a renda per capita mais elevada do Distrito Federal, mas tem também o maior valor para o IDH e o menor percentual de famílias com renda entre 2 e 5 salários mínimos. Por outro lado, Ceilândia, que tem o terceiro menor nível de renda per capita; o segundo mais baixo nível de IDH (0,784) e o maior percentual (35,6) de domicílios com renda entre 2 e 5 salários mínimos, apresenta uma alíquota efetiva média de 0,20% para o IPTU. Esses dados evidenciam de forma contundente a grave distorção que está ocorrendo na administração do IPTU no Distrito Federal. A título de ilustração, vale ressaltar que um estudo recente do Ipea (Carvalho Jr., 2006) mostrou que as despesas com o pagamento do IPTU comprometem 3,86% da renda mensal das famílias que ganham entre 2 e 5 salários mínimos, ao mesmo tempo em que absorvem apenas 0,47% da renda das famílias que ganham mais de 60 salários mínimos por mês.

Considerou-se como alíquota efetiva o produto da alíquota nominal para imóveis residencial (0,3%) pela razão entre o valor fiscal e o valor de mercado do imóvel considerado. 12

Tabela elaborada com base em informações extraídas de anúncios, selecionados aleatoriamente, de classificados e sites de imobiliárias para venda de casas. 13


observado nos imóveis mais simples. Isso aconteceria porque esses imóveis apresentam um elevado grau de diferenciação entre eles e não são comercializados com grande freqüência, deixando a administração sem referencial para a identificação de seus reais valores de mercado. Com isso, terminam sendo definidos valores para fins de cobrança do IPTU muito inferiores aos reais valores de mercado desses imóveis. Assim, os proprietários desses imóveis, normalmente situados em áreas nobres do Distrito Federal, que detêm elevados níveis de renda, terminam pagando um valor de IPTU muito inferior àquele que efetivamente deveria ser cobrado. É importante destacar que as distorções observadas na cobrança do IPTU, em decorrência de erros no processo de avaliação dos imóveis, além do impacto

suas ao consumo de tais bens e serviços. No caso específico do IPTU, no Distrito Federal, a injustiça observada na aplicação do imposto, parece decorrer principalmente dos erros cometidos no processo de avaliação dos imóveis no momento de definir os seus valores para fins de cobrança do tributo. Isso aconteceria porque a administração tributária tem uma tendência a superavaliar o valor fiscal dos imóveis mais baratos, fixando-o, em geral, muito próximo daquele que seria o seu real valor de mercado. Comportamento inverso ocorreria, entretanto, em relação aos imóveis considerados de luxo ou de alto luxo, cujos valores fiscais tenderiam a ser, sistematicamente, estabelecidos bem abaixo de seus verdadeiros valores de mercado. A maior facilidade da administração em determinar com maior exatidão o valor de mercado aproximado dos imóveis mais simples e mais baratos, geralmente localizados nas regiões administrativas em que residem as famílias com níveis de renda mais baixos, decorreria do fato de que tais imóveis são mais homogêneos entre si e comercializados com maior freqüência, o que contribuiria para que os seus verdadeiros valores de mercado fossem determinados mais facilmente. Assim, quando é aplicada a alíquota do IPTU sobre o valor do imóvel para determinar o imposto a ser pago, o governo consegue cobrar dessas famílias um valor muito próximo daquele que efetivamente deveria ser pago. Na medida, entretanto, em que o governo precisa definir o valor dos imóveis considerados de luxo ou de alto luxo, ele não consegue atingir o mesmo grau de exatidão­

negativo que exerce sobre a distribuição de renda e em termos de justiça fiscal, traz também imensos prejuízos para a população do Distrito Federal pela perda de arrecadação delas decorrentes, como será visto a seguir.

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A injustiça observada na aplicação do IPTU no DF parece decorrer principalmente dos erros cometidos no processo de avaliação dos imóveis no momento de definir os seus valores para fins de cobrança do tributo. Isso aconteceria porque a administração tributária tem uma tendência a superavaliar o valor fiscal dos imóveis mais baratos, fixandoo, em geral, muito próximo daquele que seria o seu real valor de mercado.

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Certamente, as distorções apontadas na cobrança do IPTU contribuem de forma significativa para transformar Brasília na cidade que apresenta o maior nível de concentração de renda no Brasil, conforme mostraram pesquisas divulgadas há pouco tempo. Vale mencionar que o IPTU, por ser um tributo que incide sobre o patrimônio, deveria ter um caráter progressivo e ser usado como um importante instrumento na redução das desigualdades sociais e de distribuição da renda, conforme preconizado pelos estudiosos de finanças públicas. Isso serviria exatamente para neutralizar a forte incidência dos tributos indiretos do tipo ICMS e ISS, que, por serem cobrados sobre os bens e serviços adquiridos diariamente, que atingem mais diretamente as famílias mais pobres, por destinarem uma parcela maior ou quase a totalidade de

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4. A falta que o IPTU faz De fato, conforme pode ser observado pela análise da Tabela III, a participação do IPTU no conjunto dos impostos arrecadados pelo Distrito Federal vem decrescendo continuamente, passando de 5,30% , em 2003, para 4, 62% em 2007. Essa tendência é contrária àquela observada para o IPVA, que vem ampliando sistematicamente a sua participação no montante de impostos arrecadados no Distrito Federal. Era de se esperar que o IPTU apresentasse uma trajetória idêntica à do IPVA, pois tem crescido de forma significativa, nos últimos anos, o número de imóveis incluídos no cadastro imobiliário do Distrito Federal em conseqüência da ocupação de inúmeras áreas novas. Além disso, o valor de mercado dos imóveis, no Distrito Federal, quando comparado aos de outras cidades, é considerado extremamente elevado. Parece claro, portanto, que a deterioração do IPTU como fonte de receita deve ser atribuída principalmente à má administração do tributo. Os

‘‘ Conjuntura Revista de

‘‘

46

A participação do IPTU no conjunto dos impostos arrecadados pelo Distrito Federal vem decrescendo continuamente, passando de 5,30% , em 2003, para 4, 62% em 2007. Essa tendência é contrária àquela observada para o IPVA, que vem ampliando sistematicamente a sua participação no montante de impostos arrecadados no Distrito Federal.

dados apresentados permitem observar também que, no período considerado, o IPTU foi o tributo que apresentou menor crescimento real ( 22,27%), muito menor do que a média dos impostos arrecadados pelo Distrito Federal, que foi de 40,08% . Tanto o ICMS ( 26,19%), o ISS (32,56%) e o IPVA (74,81%) tiveram um desempenho muito melhor. A título de ilustração, são apresentados na Tabela IV os valores de arrecadação per capita de IPTU, em 2006, para os municípios das capitais. Nesse ranking, o Distrito Federal, com uma arrecadação aproximada de R$ 112,00; ocupa a 8ª posição, atrás de São Paulo (R$ 240,18); Florianópolis (R$ 182,00); Rio de Janeiro (R$ 170,00); Belo Horizonte (R$ 143,32); Curitiba (R$ 133,22); Goiânia (R$ 132,02) e Porto Alegre (R$ 127,31). Dessas cidades, apenas São Paulo e Rio de Janeiro, e, talvez, Belo Horizonte são maiores do que Brasília. As outras são cidades médias, de porte muito inferior ao de Brasília e, em tese, deveriam ter um menor potencial de arrecadação de IPTU. O bom desempenho que apresentam parece ser uma clara demonstração de que vêm administrando corretamente o imposto. No caso do Distrito Federal, ficou claro pelos dados apresentados que o IPTU não só vem sendo pouco explorado quanto à sua capacidade de geração de receitas públicas, como vem sendo administrado de forma injusta em relação aos contribuintes de menores níveis de renda, contribuindo para torná-lo um imposto extremamente regressivo. As distorções apontadas, no entanto, poderiam ser corrigidas a curto prazo desde que houvesse vontade política para isso. Para alcançar o objetivo pretendido, seria indispensável, no entanto, que fosse feita uma ampla e imediata atualização do Cadastro Imobiliário do Distrito Federal; com a implantação de modernas tecnologias e equipamentos de avaliação de imóveis. Seria importante, entre outras medidas, a urgente criação de um setor específico para o acompanhamento permanente e sistemático dos imóveis de luxo e de alto luxo, de forma diferenciada do método tradicional de avaliação aplicado aos demais imóveis. Uma outra medida que também precisaria ser adotada de imediato seria a ampliação do quadro de servidores da Secretaria de Fazenda, com a realização de concurso público para auditor tributário. Isso porque, apesar de a Subsecretaria da Receita, responsável pela


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O Distrito Federal deixará de arrecadar com o IPTU, em 2008, um valor aproximado entre R$ 400 milhões e R$ 450 milhões. Esse valor foi estimado considerando a receita prevista para o IPTU, para o corrente exercício (R$ 335 milhões) e aquela que poderia ser obtida (R$ 800,0 milhões) se o tributo fosse corretamente administrado.

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Federal, entretanto, esse preceito não passa de uma bonita declaração de intenção. Conforme pesquisa divulgada pelo Correio Braziliense no dia 8 de novembro de 2007, o Distrito Federal ocupa a 5ª posição no ranking nacional entre as Unidades da Federação onde crianças e adolescentes têm maiores chances de morrer assassinados. Enquanto a média nacional de jovens entre 10 e 19 anos que são assassinados é de 21,6 por 100 mil habitantes, no Distrito Federal a média é de 35,5; ou seja, um índice 64,3% superior à media nacional. Nessa triste estatística, o Distrito Federal supera o Estado de São Paulo, que tem uma população muito maior. De acordo com a pesquisadora Márcia Westphal, da Universidade de São Paulo, que é uma das autoras do estudo, a exclusão social e a falta de vínculo familiar forte são duas das principais causas que explicam a morte de jovens e adolescentes. Além disso, as estatísticas disponíveis indicam que o Distrito Federal é a unidade da Federação que apresenta o mais alto índice de criança e adolescente em conflito com a lei.

janeiro / março / 2008

administração dos tributos de competência do Distrito Federal, contar com um quadro de servidores extremamente qualificado, ele é insuficiente para acompanhar e fiscalizar adequadamente o grande e diversificado universo de contribuintes do Distrito Federal. Certamente, se forem feitos os investimentos necessários visando dotar a Secretaria de Fazenda das condições adequadas para o desenvolvimento de suas atividades, as distorções observadas na cobrança do IPTU, que são apenas as mais visíveis, mas que acontecem também em outros tributos como o ICMS, o ISS, o ITBI, o IPVA, para citar apenas alguns exemplos, poderão ser rapidamente superadas, e o Distrito Federal poderá alcançar um montante de arrecadação muito superior ao que obtém atualmente e com maior nível de justiça fiscal. Para se ter uma idéia do que isso significa, basta mencionar que, provavelmente, o Distrito Federal deixará de arrecadar com o IPTU, em 2008, um valor aproximado entre R$ 400 milhões e R$ 450 milhões. Esse valor foi estimado considerando a receita prevista para o IPTU, para o corrente exercício (R$ 335 milhões) e aquela que poderia ser obtida (R$ 800,0 milhões) se o tributo fosse corretamente administrado. Isso partindo do princípio de que atualmente o IPTU no Distrito Federal vem incidindo apenas sobre 40% do verdadeiro valor de mercado dos imóveis. Não parece exagerado, no entanto, estimar-se que, superadas todas as distorções e ineficiências que caracterizam a administração do IPTU, a sua arrecadação poderia alcançar um valor de 3 a 4 vezes superior àquela que é obtida atualmente. São recursos preciosos que, certamente, poderiam contribuir para financiar importantes políticas públicas de inclusão social nas áreas da educação, assistência social, saúde, entre outras. No caso de políticas protetivas destinadas à criança e ao adolescente, por exemplo, a Constituição Federal, no art. 227, estabelece que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. No Distrito

47


A exclusão social, no entanto, poderia ser superada por meio da implementação de políticas públicas adequadas, que focalizem a aplicação dos recursos orçamentários nos segmentos mais pobres da população, em que seja assegurado, por exemplo, o acesso à educação de qualidade, em escolas com adequadas instalações físicas, que contém com professores motivados e bem remunerados; modernos laboratórios de informática e de ciências, bibliotecas, videotecas, etc. Os dados mostram, entretanto, que também no quesito educação, o Distrito Federal deixa muito a desejar. Matéria publicada pelo Correio Braziliense14, no dia 22 de fevereiro , comentando os prejuízos causados pelas chuvas do dia anterior, em Santa Maria, mostrava que muitas mães não estavam deixando os filhos freqüentarem a escola por receio de que algo grave lhes

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Em 2006, pouco mais de 600 crianças, com idade inferior a 4 anos, conseguiram vagas em creches públicas. Esse número é absolutamente insuficiente principalmente pelo fato de que a expressiva maioria das crianças nessa faixa etária reside em algumas das regiões administrativas que apresentam os mais baixos níveis de renda per capita, como Estrutural, Itapoã, Arapoanga, Recanto das Emas, etc.

Conjuntura Revista de

14

‘‘

48

acontecesse. De acordo com a matéria, a escola encontrava-se em péssima situação, com fios desencapados, havendo registro de crianças que declararam ter recebido choque elétrico ao tocarem nas paredes. Segundo alguns depoimentos, isso seria rotina na escola em dias de chuva. Isso mostra que pouca coisa mudou de 2006 para cá. Conforme auditoria do Tribunal de Contas do Distrito Federal, no início daquele ano letivo, apenas 16,8 das escolas dispunham de instalações físicas adequadas para o desenvolvimento de suas atividades. A grande maioria das escolas estava funcionando de forma extremamente precária em instalações absolutamente inadequadas. Ressalte-se, ainda, que muitas escolas funcionam em prédios que não são próprios para o nível de ensino que oferecem. Tem escolas de ensino médio funcionando em prédios destinados ao ensino fundamental, escolas de ensino infantil funcionando em prédios próprios para outros níveis de ensino, etc. A auditoria constatou, ainda, que, sistematicamente, são incluídos recursos na lei orçamentária destinados à reforma e à construção das escolas, mas que tais recursos são remanejados para outros tipos de gastos considerados mais prioritários. Vale mencionar também que, em 2006, pouco mais de 600 crianças, com idade inferior a 4 anos, conseguiram vagas em creches públicas. Esse número é absolutamente insuficiente, principalmente pelo fato de que a expressiva maioria das crianças nessa faixa etária reside em algumas das regiões administrativas que apresentam os mais baixos níveis de renda per capita, como Estrutural, Itapoã, Arapoanga, Recanto das Emas, etc. Outro exemplo emblemático da omissão do Poder Público, no cumprimento do aludido preceito constitucional, consiste no pouco interesse efetivo na implementação de políticas destinadas à erradicação do trabalho infantil. Segundo informações divulgadas pela imprensa, existem no Distrito Federal aproximadamente 10.700 crianças submetidas ao trabalho infantil. Essas crianças, encontram-se fora da escola e sobrevivem ajudando os pais a catarem objetos recicláveis e, em alguns casos, quiçá, até mesmo sobras de alimentos­

Perigo em Escola de Santa Maria, Correio Braziliense, 22/2/08, CIDADES, pág. 24.


Localização do imóvel

Área do terreno (m²)

Área construída (m²)

Valor de Mercado

Valor Fiscal

Valor do IPTU

Alíquota Efetiva do IPTU (%)

Lago Sul – SHIS QI 25

776,0

620,0

1.700.000,00

693.635,00

2.080,91

0,12

Lago Sul – SHIS QI 09 Cj. 04

776,0

726,0

2.900.000,00

1.003.064,50

3.009,19

0,10

1.320,0

850,0

2.600.000,00

1.210.264,00

3.630,79

0,14

Lago Sul – SHIS QI 09

776,0

760,0

3.500.000,00

1.025.827,90

3.077,48

0,09

Lago Sul – SHIS QI 05

1.320,0

1.200,0

4.900.000,00

1.432.874,50

4.298,62

0,09

Lago Sul – SHIS Ql 12 Ponta de Picolé

2.700,0 -Presumida

900,0

5.400.000,00

2.795.441,00

8.386,32

0,16

Cruzeiro – SRE Qd. 04

120,0

156,0

285.000,00

221.600,42

664,80

0,23

Guará – QE 34 Cj.”M”

120,0

100,0

205.000,00

109.264,12

327,79

0,16

Guará – QI 02 Cj. “B”

200,0

260,0

430.000,00

217.657,04

652,97

0.15

Guará – QE 28 Cj .“O”

200,0

90,0

220.000,00

131.358,88

394,08

0,18

Ceilândia – QNP 19 CONJ.“B”

135,0

90,0

52.000,00

39.527,16

118,58

0.23

Ceilândia – QNP 26

135,0

100,0

67.000,00

42.311,76

126,94

0,19

Ceilândia – QNQ 05

144,0

80,0

45.000,00

24.662,54

73,99

0,16

Ceilândia – QNP 30 Cj. “C

135,0

135,0

68.000,00

52.857,86

156,17

0,23

Ceilândia – QNP 05

135,0

120,0

74.000,00

47.880,96

143,64

0,19

Riacho Fundo II – QN 14 C

80,0

150,0

70.000,00

40.214,11

120,64

0,17

Paranoá – Qd. 02

250,0

174,0

130.000,00

50.624,51

151,87

0,12

Planaltina – Qd. 09 Cj. “H” Arapoanga

700,0

194,0

65.000,00

37.574,60

112,72

0,17

Gama – Qd. 37 Setor Leste

275,0

380,0

250.000,00

225.633,59

676,90

0,27

Gama – Qd. 21 Setor Leste

275,0

580,0

280.000,00

316.215,59

948.65

0,34

0,19

Lago Sul – SHIS QI 16 Cj. 01

Valor total / Valor médio

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base em informações extraídas de anúncios publicados nos classificados do Correio Braziliense e em sites de imobiliárias, escolhidos aleatoriamente.

janeiro / março / 2008

Tabela I – Comparativo entre o valor de mercado, o valor fiscal, o valor do iptu e a alíquota efetiva do imposto, para imóveis residenciais unifamiliares, no Distrito Federal em 2008.

49


‘‘

Se a aplicação desses recursos adicionais for feita de forma absolutamente transparente, com a participação e amplo acompanhamento da população, inclusive por meio do orçamento participativo e outras alternativas similares, poderá contribuir para transformar Brasília em uma cidade de todos nós.

no Lixão da Estrutural, em condições inteiramente inadequadas, sem qualquer assistência ou proteção do Estado. Os dados do Sistema de Acompanhamento da Execução Orçamentária do Distrito Federal mostram, no entanto, que, de um valor de R$ 4,8 6 milhões autorizado na Lei Orçamentária de 2007 para o programa de erradicação do trabalho infantil, até o mês de outubro, apenas R$ 445 mil foram empenhados, mas somente R$ 339 mil foram liqüidados. Ressalte-se que a meta fixada para o ano era o atendimento de 5.020 crianças, o que corresponde apenas a 46,92% do total de crianças submetidas ao trabalho infantil. Mas nem sequer esse percentual insuficiente foi cumprido. Fica claro, portanto, que, a par de possíveis questionamentos quanto à qualidade da gestão dos recursos públicos, a correta administração do IPTU poderia contribuir, de forma significativa, para ampliar o montante de recursos públicos destinados a importantes políticas pública de inclusão social e de redução das desigualdades na distribuição de renda no Distrito Federal. Com certeza, se a aplicação desses recursos adicionais for feita de forma absolutamente transparente, com a participação e o amplo acompanhamento da população, inclusive por meio do orçamento participativo e outras alternativas similares, poderá contribuir para transformar Brasília em uma cidade de todos nós.

‘‘

Tabela II – Comparativo entre a alíquota efetiva média do IPTU a população, a renda per capita da localidade e o respectivo IDH

População

Renda per capita

Percentual de domicílios com renda entre 2 e 5 salários mínimos

Valor do IDH

Alíquota efetiva média do IPTU

Lago Sul

24.406

2.798,00

7,3

0,945

0,12

Cruzeiro

40.934

807,00

15,0

0,928

0,23

Guará

112.989

852,00

17,0

0,867

0,16

Gama

112.019

404,00

26,8

0,815

0,30

Ceilândia

332.455

323,00

35,6

0,784

0,20

Riacho Fundo II

26.093

386,00

25,9

0,826

0,17

Planaltina

141.097

200,00

25,2

0,764

0,17

Paranoá

39.630

316,00

32,8

0,785

0,12

-

0,16

Localidade

Revista de

Conjuntura

50

Média

-

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base em informações extraídas de informações divulgadas pela CODEPLAN.


Arrecadação de impostos

2003

2004

2005

2006

2007

IPTU

225.004 (5,30)

242.084 (5,06)

256.713 (5,00)

269.090 (4,71)

276.036 (4,62)

IPVA

213.414 (4,99)

250.749 (5,24)

289.501 (5,64)

332.937 (5,83)

373.059 (6,25)

ISS

473.406 (11,07)

527.798 (11,04)

604.313 (11,77)

634.883 (11,11)

627.537 (10,68)

ICMS

2.718.617 (63,57)

3.024.360 (63,24)

3.163.262 (61,61)

3.437.124 (60,22)

3.430.573 (57,44)

Outros

644.035 (15,07)

737.114 (15,42)

820.150 (15,98)

1.033.319 (18,11)

1.264.741 (21,18)

TOTAL

4.242.431 (100,00)

4.782.105 (100,00)

5.133.939 (100,00)

5.707.353 (100,00)

5.971.946 (100,00)

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base em informações produzidas pela Secretaria de Fazenda do DF. Valores atualizados pelo IPCA-MÉDIO de dezembro de 2007.

O presente estudo deixou claro que o Distrito Federal não vem administrando corretamente o IPTU, pois, de uma forma geral, os proprietários de imóveis de luxo e de alto luxo, situados em áreas nobres, vêm pagando um montante de imposto muito inferior àquele que seria efetivamente devido. Por outro lado, os proprietários de imóveis localizados em áreas menos valorizadas pagam, proporcionalmente, mais do que o dobro do IPTU cobrado daquele grupo de contribuintes mencionados anteriormente. Mostrou também que isso cria não apenas uma inaceitável distorção do ponto de vista da eqüidade, mas também uma substancial perda de arrecadação. Os recursos adicionais que a correta administração do IPTU poderia gerar, certamente, poderiam contribuir para o financiamento de importantes políticas públicas de inclusão social, necessárias para reduzir a extrema desigualdade na distribuição de renda que, segundo pesquisas divulgadas recentemente, caracterizam o Distrito Federal. As distorções observadas na administração do IPTU, no entanto, podem ser corrigidas a curto prazo, se houver vontade política nesse sentido e se forem feitos os investimentos necessários para oferecer ao Fisco condições de trabalho adequadas para o desenvolvimento de suas atividades.

‘‘

Os recursos adicionais que a correta administração do IPTU poderia gerar, certamente, poderiam contribuir para o financiamento de importantes políticas públicas de inclusão social, necessárias para reduzir a extrema desigualdade na distribuição de renda que, segundo pesquisas divulgadas recentemente, caracterizam o Distrito Federal.

‘‘

5. Conclusão

janeiro / março / 2008

Tabela III – Quadro demonstrativo da arrecadação de impostos no Distrito Federal – 2003-2007 (em R$ 1.000,00)

51


Tabela IV - Demonstrativo da receita per capita do iptu, em 2006, para os municípios das capitais População

IPTU

IPTU per capita

Aracajú

505.286

31.057.924,08

61,47

Belém

1.428.368

30.773.551,00

21,55

Belo Horizonte

2.399.920

343.976.222,90

143,33

Campo Grande

765.247

63.990.950,35

83,62

Cuiabá

542.861

15.531.214,68

28,61

Curitiba

1.788.559

238.268.164,27

133,22

406.564

73.995.454,21

182,00

Fortaleza

2.416.920

91.426.145,53

37,83

Goiânia

1.220.412

161.122.620,42

132,02

João Pessoa

672.081

19.757.941,13

29,40

Macapá

368.367

1.989.666,68

5,40

Maceió

922.458

30.828.003,50

33,42

Manaus

1.688.524

31.897.175,33

18,89

Natal

789.896

25.538.711,22

32,33

Palmas

220.889

3.469.446,53

15,71

Porto Alegre

1.440.939

183.456.474,77

127,32

Porto Velho

380.974

3.860.918,24

10,13

1.515.052

131.285.429,00

86,65

314.127

3.902.748,48

12,42

Rio de Janeiro

6.136.652

1.047.540.108,16

170,70

Salvador

2.714.018

124.486.709,31

45,87

São Luís

998.385

23.738.819,76

23,78

11.016.700

2.645.953.739,27

240,18

Teresina

801.971

12.939.154,04

16,13

Vitória

317.085

23.983.231,88

75,64

Brasília

2.300.000

276.036.000,00

112,02

Município

Florianópolis

Recife Rio Branco

São Paulo

Revista de

Conjuntura

52

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base em dados extraídos do Finanças do Brasil – Execução Orçamentárias dos Municípios das Capitais, elaborado pela Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda, exceto para Brasília, cujas informações foram inseridas pelo autor.

Paulo Luiz Figueirêdo de Oliveira Economista filiado ao Corecon-DF



Não quebre a corrente!

Não quebre a corrente! O Corecon/DF defende os interesses da categoria e trabalha pela valorização dos economistas.

Mas, para que esta luta seja bem-sucedida, é importante a participação de todos. Visite o seu Conselho. Critique. Dê sugestões.

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