Conjuntura
ANO IX • Nº 38 • abril/junho de 2009
Revista de
Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
ARTIGOS 13 de agosto “Dia do Economista” José Luiz Pagnussat
As medidas contracíclicas e os gastos de pessoal da União
A crise acabou?
Carlos Eduardo de Freitas
Desenvolvimentismo revisitado Luiz Fernando de Paula
As repercussões da crise internacional sobre a economia brasileira: o que foi feito e o que fazer em termos de políticas econômicas contra-cíclicas? Fernando Ferrari Filho
Apreciação cambial, crescimento de longo-prazo, controles de capitais e doença holandesa: análise e propostas para o caso brasileiro ISSN 1677-0668
José Luis Oreiro
Especialistas afirmam que o cenário econômico ainda é de incerteza, mas há sinais de uma retomada gradual da economia
BRASÍLIA50ANOS Em 2010, Brasília completará 50 anos. Para homenagear a capital federal no seu cinqüentenário o CORECON/DF lançou três projetos: • O banco de artigos, monografias e teses sobre a economia do DF; • O fórum “Brasília 50 anos”; e • A coletânea “Brasília 50 anos”, a ser publicada em abril de 2010. Para a coletânea de artigos sobre a economia do DF, o CORECON/DF selecionará trabalhos que abordem temas como: história econômica do DF; estrutura econômica; indústria e agricultura; constituição e desenvolvimento dos segmentos do setor serviços (públicos e privados); infraestrutura econômica; Brasília como pólo de desenvolvimento regional; expansão do entorno e das áreas de influência do DF; dificuldades e potencialidades da economia do DF; problemas e soluções para o transporte; ordenamento territorial; entre outros temas relacionados à economia do DF. Os trabalhos poderão ser enviados até o dia 30 de novembro de 2009 para o e-mail: brasilia50anos@corecondf.org.br Todos os trabalhos recebidos estarão disponíveis na página do CORECON/ DF, no “banco de artigos sobre a economia do DF”. Os melhores trabalhos serão publicados na coletânea “Brasília 50 anos”. A seleção dos trabalhos será realizada por comissões temáticas formada por professores, considerando a qualidade técnica do trabalho e a adequação e contribuição para a temática abordada.
Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DF SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br
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Nesta edição
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13 de agosto “Dia do Economista”
José Luiz Pagnussat
Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
ANO IX • Nº 38 • abril/junho de 2009
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As medidas contracíclicas e os gastos de pessoal da União
Carlos Eduardo de Freitas
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Desenvolvimentismo revisitado
Luiz Fernando de Paula
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22 capa A crise acabou?
As repercussões da crise internacional sobre a economia brasileira: o que foi feito e o que fazer em termos de políticas econômicas contracíclicas?
Fernando Ferrari Filho
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Apreciação cambial, crescimento de longo prazo, controles de capitais e doença holandesa: análise e propostas para o caso brasileiro
José Luis Oreiro
A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contactando o Corecon/DF. O valor da assinatura é de R$ 80,00 anual, o que equivale a quatro edições da revista.
Conjuntura
Revista de
Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
Editor responsável José Luiz Pagnussat Conselho editorial Humberto Vendelino Richter José Fernando Cosentino Tavares José Roberto Novaes de Almeida Júlio Flávio Gameiro Miragaya Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Maurício Barata de Paula Pinto Jornalista responsável Daniela Lima (Reg. DRT/DF: 4926) Redação Daniela Lima Editoração eletrônica www.arsventura.com.br Tiragem: 4.000 Periodicidade: trimestral As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF Presidente José Luiz Pagnussat Vice-presidente Jusçanio Umbelino de Souza Conselheiros efetivos Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Roberto Bocaccio Piscitelli Max Leno de Almeida Mônica Beraldo Fabrício da Silva Maurício Barata de Paula Pinto Homero Gustavo Reginaldo Lima José Luiz Pagnussat Jusçanio Umbelino de Souza Humberto Vendelino Richter Conselheiros suplentes Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira Miguel Rendy Andre Nunes Guilherme Costa Delgado Newton Ferreira da Silva Marques Victor José Hohl Érton Birk Teixeira Diones Alves Cerqueira Ronalde Silva Lins Conselheiro Federal pelo DF Júlio Miragaya Gerente Executivo Ismar Marques Teixeira Equipe do Corecon Angeilton Francisco Lima Faleiro Iraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares Estagiário Tyago Belarmino de Lira (ensino médio) End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília/DF Tel: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo)
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Editorial
O dia 13 de agosto é o “DIA DO ECONOMISTA”, data comemorativa da regulamentação da profissão pela lei n° 1.411, de 13 de agosto de 1951. Nessa data foi criada legalmente a profissão de economista no Brasil e definida as prerrogativas inerentes ao desenvolvimento das nossas atividades profissionais, deveres e direitos. A lei 1.411, que foi regulamentada pelo Decreto - Federal n° 31.794 de 17 de novembro de 1952, estabeleceu que a designação profissional de economista é privativa dos bacharéis em Ciências Econômicas, registrados nos Conselhos de Economia. Definiu, ainda, a organização das entidades fiscalizadoras da profissão: o Conselho Federal de Economia – Cofecon e os Conselhos Regionais de Economia – Corecons. Os Conselhos são autarquias federais especiais, dotadas de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira e constituem serviço público federal. Estão sujeitas, portanto, à todas as regras de gestão definidas para o setor público, como concurso público, licitações etc. O exercício da profissão de economista é restrito aos profissionais registrados nos Corecons pelos quais é expedida a carteira profissional, que constitui prova de identidade para todos os efeitos legais. Cabe aos Corecons fiscalizar o exercício profissional do Economista no sentido da defesa da sociedade, que tem o direito de receber serviços adequados e de qualidade, frente aos profissionais que exercem atividades inerentes aos economistas. A preocupação do Conselho é com o exercício ilegal da profissão, decorrente, principalmente, da invasão de outros profissionais nas atividades privativas dos economistas, e da adequação da qualificação profissional para a atividade exercida. O Conselho fiscaliza, ainda, o atendimento ao “Código de Ética do Economista”, que disciplina o exercício da profissão e define valores, princípios, ideais e regras de conduta - obrigações ou proibições aplicáveis às várias situações e problemas encontrados no exercício da profissão. O nosso Código de Ética inclui entre as condutas que violam valores éticos: a baixa qualidade técnica do trabalho, a violação de sigilo, não evitar situações de conflito de interesses, parcialidade, enriquecimento ilícito etc. Para os economistas que atuam no Setor Público, o Código de Ética prevê, ainda, como condutas que violam valores éticos: o uso indevido do cargo público; o recebimento de presente; uso de bens públicos em atividade privada; uso de servidores públicos em atividade particular; abuso de autoridade; tráfico de influência; uso indevido de informação privilegiada; prestação de assessoria a entidade privada; e atividade paralela à do serviço público. Neste sentido, convocamos todos os economistas para colaborarem com o Conselho na fiscalização da nossa profissão. Vamos lutar juntos pela melhoria de nossa categoria, pela superação das desigualdades econômico-sociais, pelo bem comum e o desenvolvimento sustentável do Brasil. O Corecon/DF, em comemoração ao dia 13 de agosto, durante a “Semana do Economista”, programou vários eventos nas universidades e no “Espaço do Economista”,para os quais estão convidados. Economistas participem do Conselho, que é de todos nós, e parabéns pelo seu dia.
13 de agosto “Dia do Economista”
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Artigo
3 José Luiz Pagnussat
O dia 13 de agosto foi consagrado como o “Dia do Economista” em razão da data da promulgação da lei nº 1.411, em 13 de agosto de 1951, que regulamentou a profissão de economista no Brasil e estabeleceu as normas de sua organização. Esta lei definiu que a designação profissional de economista é privativa dos bacharéis em Ciências Econômicas, diplomados no Brasil. Reconheceu, ainda, os profissionais de notório saber que atuavam como economistas na época, mas não normatizou sobre a pós - graduação strictu sensu (mestrado e doutorado). Nos últimos anos houve várias tentativas frustradas de aprovar o reconhecimento dos mestres e doutores em economia como economistas. Vários projetos de lei tramitaram no Congresso Nacional desde o final dos anos 80 com esse objetivo, sem sucesso. A lei nº 1.411, de autoria do deputado gaúcho Fernando Ferrari, criou, juntamente com a regulamentação da profissão, o Conselho Federal de Economia (Cofecon) e os Conselhos Regionais de Economia (Corecon), que são Autarquias Federais com a finalidade de fiscalizar o exercício da profissão. Para exercer a profissão de economista os bacharéis deverão ser registrados nos Conselhos Regionais de Economia – Corecon, que fornece carteira de identidade profissional com validade em todo o Território Nacional. Este artigo analisa alguns marcos históricos da origem da profissão de economista no Brasil, a estrutura atual dos cursos de economia, o símbolo do economista e o cenário atual do ensino e profissão.
Breve histórico Vários autores relatam a história da profissão do economista e do ensino de Economia no Brasil, com destaque para os estudos do professor Nivalde José de Castro da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para este autor (CASTRO, 1991) embora as origens do ensino de economia datem do início do século XIX, sua constituição formal, com a criação do primeiro curso superior só ocorreu na década de 30 do Século XX. O embrião dos cursos de economia no Brasil está nas cadeiras de economia criadas nos cursos de Direito e Engenharia e, em especial, no ensino técnico comercial. Estes cursos de comércio não formavam bacharéis, eram essencialmente práticos e pretendiam formar profissionais com conhecimentos de contabilidade, direito mercantil e noções de economia política aplicada ao comércio e indústria. Os primeiros cursos superiores de economia resultaram da evolução desses cursos de comércio criados no século XIX. A gestação do ensino comercial e de economia no Brasil foi lançada no século XIX, com a vinda da Família Real Portuguesa, em 1808. O marco inicial da evolução do ensino de economia foi a instituição formal das “Aulas de Comércio”. Mas o ensino de economia passou a ser mais valorizado depois da chegada do Visconde de Cairú (José da Silva Lisboa). Em novembro de 1808 foi criada uma cadeira de “Aula Pública de Ciências Econômicas” no Rio de Janeiro (23/11/1808), atribuída ao Visconde de Cairú,
considerado, por alguns historiadores, o primeiro economista brasileiro, por ser o introdutor da economia política e do liberalismo econômico no Brasil. Os estudos do comércio tiveram seus passos iniciais na obra de Visconde de Cairú. Em 1801, publicou, em Lisboa, sua obra “Princípios de Direito Mercantil”, primeira obra publicada em nossa língua, sobre economia política. Em 1804, segundo Castro (1991), publicou sua obra “Princípios de Economia Política”. Alguns historiadores também lhe atribuem a autoria da idéia de abertura dos portos brasileiros, em 1808. Consta que ele teria participado do édito liberal de 28/1/1808 que abriu os portos brasileiros às nações amigas. A criação da referida cadeira, e de sua atribuição a Cairú, foi a primeira manifestação concreta de ensino de Economia no Brasil. Entretanto, ela não ocorreu, pois ele não pôde aceitar tendo em vista sua promoção ao
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Em 1809, foram criadas as Aulas de Comércio, iniciando-se oficialmente o ensino comercial no Brasil. Essas formas de ensino foram usadas durante o Império e atendiam aos negócios públicos e privados. Refletia à preocupação da Coroa Portuguesa em modernizar esse setor da economia.
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emprego de deputado do Superior Tribunal da Junta do Comércio, dedicando-se doravante às atividades políticas e de historiador (CASTRO, 1991). Alguns autores da área de contabilidade relatam que “Cairú jamais lecionou uma aula sequer”. Em 1809, foram criadas as Aulas de Comércio, intituladas “aulas práticas”, por meio da promulgação do Alvará de 15 de julho, iniciando-se oficialmente o ensino comercial no Brasil. Essas formas de ensino foram usadas durante o Império e atendiam aos negócios públicos e privados. Refletia à preocupação da Coroa Portuguesa em modernizar esse setor da economia. Em Portugal, a Aula de Comércio, fundada por iniciativa de Pombal, já havia produzido resultados, formando jovens em assuntos mercantis, com conhecimento comercial, econômico e financeiro. Há indicações de Aulas de Comércio e aulas de Ciências Econômicas no Rio de Janeiro e na Província do Maranhão, no início do século XIX. No caso do Maranhão, os estudos não são conclusivos, mas consideram que a partir de 1811 havia as condições de realização das primeiras Aulas de Comércio, suspensas pelo Governo Imperial na década de 1820 e retomadas na década de 1830, com o Decreto sem número, de 2/08/1831, que restabeleceu a Aula de Comércio na, então, cidade do Maranhão1. A partir da década de 1830, o governo imperial, por meio de decretos, aprovou, estabeleceu e modificou as condições de oferta dessas Aulas. Em 1846, ocorreu a inclusão de uma disciplina de economia política nas Aulas de Comércio2. A reforma do ensino comercial de 1856 incluiu na estrutura curricular as disciplinas de direito mercantil, economia política com aplicação ao comércio e à indústria e estatística comercial3. O Decreto de 1856 instituiu o Instituto Comercial do Rio de Janeiro precursor da Academia de Comércio4. Para Castro (1999), esse decreto deve ser considerado como o da criação do ensino superior de Comércio, culminando,
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Decreto s/nº de 2.08.1831. Estabelece uma aula de comércio na cidade do Maranhão.
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Decreto nº. 456, de 6.07.1846. Manda executar o regulamento da aula do comércio da cidade do Rio de Janeiro.
Decreto nº. 769, de 9.08.1854. Autoriza o governo para reformar a aula do comércio desta Corte, e a elevar até a quantia de vinte mil réis a contribuição dos alunos.
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Decreto nº. 1763, de 14.05.1856. Dá novos estatutos à aula do comércio da Côrte.
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Somente em 1919 foi criada, sem respaldo oficial, a primeira faculdade de economia no Brasil: a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro. Mas só em 1926, foi homologado o reconhecimento formal do título de graduado em Ciências Econômicas e Comerciais. Porém, o aluno formado não recebia o título de Bacharel, reservado aos que concluíam os cursos de Medicina, Engenharia e Direito.
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foi homologado o reconhecimento formal do título de graduado em Ciências Econômicas e Comerciais. Porém, o aluno formado não recebia o título de Bacharel, reservado aos que concluíam os cursos de Medicina, Engenharia e Direito. A primeira norma que trata efetivamente do currículo de formação do economista é o Decreto 20.158, de 30/06/1931. Sob o título genérico de Administração e Finanças é dominado por disciplinas de caráter jurídico, financeiro, contábil e administrativo. É com esse
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Decreto nº. 2741, de 9.02.1861. Dá nova organização ao Instituto Comercial do Rio de Janeiro.
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Decreto nº. 7679, de 28.02.1880. Altera os estatutos do Instituto Comercial do Rio de Janeiro, que baixaram com o Decreto nº. 3058, de 11.03.1863.
Decreto nº. 1339, de 9/01/1905. Declara instituições de utilidade pública a Academia de Comércio do Rio de Janeiro, reconhece os diplomas por ela conferidos, como de caráter oficial; e dá outras providências.
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Decreto nº. 4724A, de 23/08/1923. Equipara os diplomas da Academia de Ciências Comerciais de Alagoas e de outras instituições, aos da Academia Comercial do Rio de Janeiro e dá outras providências.
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Decreto nº. 17329, de 28/05/1926. Aprova, o regulamento para os estabelecimentos de ensino técnico comercial reconhecidos oficialmente pelo governo federal.
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mais tarde, com os primeiros diplomados em Ciência Econômica. Em 1861, foi realizada a terceira reforma no ensino comercial, ampliando-se no curso profissional o leque de disciplinas relacionadas com Economia (matemática; escrituração mercantil e legislação de fazenda; geografia e estatística comercial; direito comercial e economia política)5. Em 1880, o Decreto 7.679 estabeleceu que o ensino comercial deveria conter 25% das disciplinas totais em cada uma das áreas de Contabilidade, Economia Política, Geografia Econômica (comércio exterior) e Ciências Jurídicas (ênfase em Direito Comercial)6. No século XIX, merece destaque ainda as disciplinas de economia que eram ministradas nos cursos de Direito e Engenharia. Segundo Castro (1991), citando o Decreto de 9/01/1825, a disciplina de economia política era obrigatória nos cursos de Direito criados em São Paulo e Olinda nos primeiros anos após a independência do Brasil. A ementa indicava as obras de Smith, Malthus, Ricardo, Sismondi e outros. Nos cursos de Engenharia, constituídos formalmente em 1873, havia disciplinas relacionadas com economia, voltadas fundamentalmente à aspectos instrumentais, no campo das finanças e organização industrial. Destas duas profissões surgiram os primeiros economistas brasileiros. Em 1905, foi promulgado o Decreto7 que reconhecia como sendo oficiais os diplomados da Academia de Comércio do Rio de Janeiro, fundada em 1902, destinados a formação superior de comércio. Em 1923, outro Decreto equipara os diplomas da Academia de Ciências Comerciais de Alagoas e de outras instituições aos da Academia Comercial do Rio de Janeiro8. Somente em 1919 foi criada, sem respaldo oficial, a primeira faculdade de economia no Brasil: a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro. Mas só em 1926, com o Decreto9 de maio de 1926
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O Decreto-Lei, de 1945, transforma a antiga Faculdade Nacional de Política e Economia, criada em 1937, na Faculdade Nacional de Ciências Econômicas, e extingue o curso superior de Administração e Finanças e de Ciências Atuariais. Esse decreto modificou totalmente o currículo de 1931 e incorporou definitivamente a Ciência Econômica ao sistema universitário brasileiro.
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currículo que se forma a primeira turma da Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo. Dela, 22 bacharéis participam, em 1935, da assembléia de fundação da Ordem dos Economistas do Brasil – OEB. Esse decreto surge no bojo da reforma educacional denominada Francisco Campos. Essa reforma contou com uma série de decretos: o Decreto nº. 19.850 de 11/04/1931 que criava o Conselho Nacional de Educação (CNE); os Decretos nº. 19.851, 19.852, de 11/04/1931 que instituíram o Estatuto das Universidades Brasileiras; o Decreto 19.852 que reorganizou a Universidade do Rio de Janeiro; além do referido Decreto nº. 20.158 de 30/06/1931, que organizou o ensino comercial nos níveis médio e superior. A reforma Francisco Campos de 1931 previa, ainda, que deveria ser criada faculdade de ciências políticas e econômicas, como componente da nova universidade. A Faculdade seria objeto de pressões, interesses e motivações de vários tipos, levando finalmente à criação da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da 10
Universidade do Brasil, em 1945. A intenção de criação da Faculdade de Economia estava prevista no Decreto nº 19.852, de 11 de abril de 1931, que organizava a Universidade do Rio de Janeiro. Em 1933 a Universidade do Rio de Janeiro forma uma comissão composta por Luís Betim Paes Leme, Cândido Mendes de Almeida e Valdemar Falcão para elaborar o projeto de uma faculdade de ciências políticas e econômicas. Na verdade a Faculdade Nacional de Política e Economia chega a ser criada oficialmente em 1937, pela lei nº 452 de 5 de julho de 1937, mas não é implantada, para frustração dos já formados em cursos afins, e principalmente, frustrando a idéia de elevar ao grau universitário um curso único, em que se enquadrem as especializações de economia, administração e finanças. Finalmente, o Decreto-Lei nº 7.988, de 22 de setembro de 1945, transforma a antiga Faculdade Nacional de Política e Economia, criada em 1937, na Faculdade Nacional de Ciências Econômicas, e extingue o curso superior de Administração e Finanças e de Ciências Atuariais. Esse decreto modificou totalmente o currículo de 1931 e incorporou definitivamente a Ciência Econômica ao sistema universitário brasileiro. O novo currículo tomou por base a sugestão de um novo projeto de curso superior de Ciências Econômicas elaborado por uma comissão formada por Eugênio Gudin, Maurice Byé e Otávio Gouveia de Bulhões, em 1941. Registra-se, ainda, que em agosto de 1944, após a Conferência de Bretton Woods, Eugênio Gudin visita a Faculdade de Economia da Universidade de Harvard, em companhia de Otávio Gouveia de Bulhões, onde discute o projeto da Faculdade de Economia do Rio de Janeiro (SCHWARTZMAN, BOMENY e COSTA, 2000). O resultado da visita, segundo esses autores, é relatado em carta ao ministro da Educação10, enviada de Chicago: “Escrevi na pedra o programa e o projeto de currículo que lhe recomendamos, para submetê-lo à critica de todos e para receber as sugestões dos mestres. Tenho a satisfação de comunicar-lhe que depois de fazerem várias perguntas e de pedirem esclarecimentos, todos os professores de Harvard acharam o programa excelente, dizendo que nada havia a modificar.” Existia, no entanto, uma objeção: “Perguntamos-lhes também sobre a conveniência ou
Schwartzman, Bomeny e Costa (2000) registra a Carta de Eugênio Gudin a Capanema, 21 de agosto de 1944. GC 38.09.17, doc. 22, série g.
matérias caracteristicamente econômicas e as acessórias. A duração do curso foi fixada em quatro anos e a carga horária mínima foi regulamentada em 1965 pelo Ministério da Educação (Portaria nº 159/65). Esse currículo mínimo vigorou até 1984, quando surge o Parecer 375/84 e a Resolução 11/84, do Conselho Federal de Educação, que aprova um novo currículo mínimo de economia, que consolida os debates do conjunto da comunidade acadêmica brasileira sobre as características que deveria ter o curso de economia no Brasil. As Novas Diretrizes Curriculares de Economia mantêm a estrutura básica, os princípios e diretrizes da Resolução 11/84 e do Parecer 375/84 do professor Armando Dias Mendes11, então relator do Currículo de Economia do CFE.
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Apesar do currículo de 1931 ser geralmente considerado o primeiro currículo mínimo de economia, seria mais adequado considerar o currículo de 1945. Caracterizado por um elevado peso das áreas jurídicas, de administração e de contabilidade, mas, observa-se, entretanto, que esse currículo tinha um grande número de disciplinas econômicas, que são ainda hoje obrigatórias no ensino de economia, embora com nomes distintos.
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Autor do Parecer nº 375/84, que deu origem à Resolução 11/84 do Conselho Federal de Economia, definindo o Currículo Mínimo de Economia vigente no País a partir de 1985.
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não de separar, as duas faculdades, a de economia e a de administração. Eles nos levaram à janela para mostrarnos, do outro lado do rio, a faculdade de administração, admiravelmente instalada, e nos recomendaram que se não tivéssemos um rio, abríssemos um canal (...) para separar as duas faculdades.” O resto da carta é dedicado às possibilidades de participação de professores americanos na faculdade de economia, que pareciam promissoras para os anos de pós-guerra. Apesar do currículo de 1931 ser geralmente considerado o primeiro currículo mínimo de economia, seria mais adequado considerar o currículo de 1945. O currículo de 1931 era tomado, em sua maior parte por matérias ou disciplinas de caráter jurídico, financeiro, contábil e administrativo, havendo uma disciplina de “Economia Política”, outra de “Geografia Econômica” e uma de “História Econômica e “Fontes da Riqueza Nacional” entre o total de dezessete. O currículo de 1945 ainda caracterizava-se por um elevado peso das áreas jurídicas, de administração e de contabilidade, mas, observa-se, entretanto, que esse currículo tinha um grande número de disciplinas econômicas, que são ainda hoje obrigatórias no ensino de economia, embora com nomes distintos. O fato é que o ensino de economia ainda não tinha se desvinculado integralmente de suas origens, nem das profissões afins de contador e administrador. Era comum haver uma predominância de técnicos comerciais de ensino médio entre os alunos das primeiras turmas do curso de economia. Por outro lado, a origem de parte considerável dos professores era de bacharéis em direito e engenheiros. A partir de 1962 se concretiza a separação entre economia, contabilidade e atuária, mediante pareceres e resoluções específicas do Conselho Federal de Educação, já na vigência da Lei de Diretrizes e Bases. Foram criados os três cursos, disciplinados pelo Parecer 397/62, e quatro anos depois surge o Curso Técnico em Administração, com o Parecer 307/66. Entre as características relevantes do currículo mínimo de 1962 está a separação de um ciclo básico e um ciclo de formação profissional, e a divisão entre as
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Novas Diretrizes Curriculares de Economia A estrutura atual dos cursos de economia foi definida pelas Novas Diretrizes Curriculares de Economia aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) pela Resolução nº 4/2007, de 13 de julho de 2007. Essa Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Ciências Econômicas, bacharelado, a serem observadas pelas Instituições de Educação Superior em sua organização curricular. Outra Resolução do CNE (Resolução nº 2/2007) definiu a carga horária mínima de 3.000 horas aula e a duração de quatro anos como limite mínimo para integralização do currículo. Com a aprovação das Novas Diretrizes Curriculares de Economia chegou ao fim um dos capítulos de uma novela que já se arrastava no CNE por cerca de dez anos. Nesse período houve uma queda de braço entre os membros do CNE e as entidades representativas da comunidade dos economistas (Conselhos Federal e
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As Novas Diretrizes propiciaram a flexibilização do currículo, reservando parte da carga horária (50%) para o currículo mínimo, que garante a formação do perfil profissional comum do economista, que caracteriza o “economista nacional”, referendando os conteúdos curriculares estabelecidos na Resolução 11/84; e reservando 50% da carga horária para o perfil específico, de livre escolha da IES.
Regionais de Economia – Cofecon e Corecon -; ANGE - Associação dos Cursos de Graduação em Economia; Fenecon – Federação Nacional dos Economistas; e ANPEC – Associação Nacional dos Cursos de Pós-graduação em Economia). As entidades defendiam a proposta de Diretrizes Curriculares sistematizada pela Comissão de Especialistas em Economia nomeada pela Secretaria de Ensino Superior do MEC (SESU/MEC). Enquanto, sucessivos pareceres do CNE propunham alterações na proposta da Comissão, com a eliminação da monografia como componente curricular obrigatória e a redução da duração do curso para menos de quatro anos. Prevaleceu a proposta da Comissão e a manutenção dos princípios e diretrizes que orientaram o currículo de 1984, com os ajustes acordados nos eventos das entidades e no sentido de atender a LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei nº. 9.394 de dezembro de 1996). As Novas Diretrizes propiciaram a flexibilização do currículo, reservando parte da carga horária (50%) para o currículo mínimo, que garante a formação do perfil profissional comum do economista, que caracteriza o “economista nacional”, referendando os conteúdos curriculares estabelecidos na Resolução 11/84; e reservando 50% da carga horária para o perfil específico, de livre escolha da IES. Com isso cada curso de economia pode ter um perfil específico, de forma a atender as peculiaridades regionais e a vocação e interesse dos corpos docentes e discentes de cada IES. As novas diretrizes estabeleceram como princípios, que deverão nortear os projetos pedagógicos dos cursos de economia: estar comprometido com o estudo da realidade brasileira, sem prejuízo de uma sólida formação teórica, histórica e instrumental; caracterizar-se pelo pluralismo metodológico, em coerência com o caráter plural das ciências econômicas formadas por correntes de pensamento e paradigmas diversos; enfatizar as inter-relações dos fenômenos econômicos com o todo social em que se insere; e ênfase na formação de atitudes, do senso ético para o exercício profissional e para a responsabilidade social, indispensável ao exercício futuro da profissão. A estrutura curricular dos cursos de graduação em Ciências Econômicas deverá contemplar, em seus projetos pedagógicos e em sua organização curricular:
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Pelas novas Diretrizes Curriculares o curso de graduação em Ciências Econômicas deve ensejar, como perfil desejado do formando, capacitação e aptidão para compreender as questões científicas, técnicas, sociais e políticas relacionadas com a economia, revelando assimilação e domínio de novas informações, flexibilidade intelectual e adaptabilidade, bem como sólida consciência social.
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sociais, contextualizadas, na sociedade brasileira e no conjunto das funções econômicas mundiais. O Bacharel em Ciências Econômicas deve apresentar um perfil centrado em sólida formação geral e com domínio técnico dos estudos relacionados com a formação teórico-quantitativa e teórico-prática, peculiares ao curso, além da visão histórica do pensamento econômico aplicado à realidade brasileira e ao contexto mundial, exigidos os seguintes pressupostos: I - uma base cultural ampla, que possibilite o entendimento das questões econômicas no seu contexto histórico-social; II - capacidade de tomada de decisões e de resolução de problemas numa realidade diversificada e em constante transformação; III - capacidade analítica, visão crítica e competência para adquirir novos conhecimentos; e IV - domínio das habilidades relativas à efetiva comunicação e expressão oral e escrita.
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I - Conteúdos de Formação Geral, que têm por objetivo introduzir o aluno ao conhecimento da ciência econômica e de outras ciências sociais, abrangendo também aspectos da filosofia e da ética (geral e profissional), da sociologia, da ciência política e dos estudos básicos e propedêuticos da administração, do direito, da contabilidade, da matemática e da estatística econômica; II - Conteúdos de Formação Teórico-Quantitativa, que se direcionam à formação profissional propriamente dita, englobando tópicos de estudos mais avançados da matemática, da estatística, da econometria, da contabilidade social, da macroeconomia, da microeconomia, da economia internacional, da economia política, da economia do setor público, da economia monetária e do desenvolvimento socioeconômico; III - Conteúdos de Formação Histórica, que possibilitem ao aluno construir uma base cultural indispensável à expressão de um posicionamento reflexivo, crítico e comparativo, englobando a história do pensamento econômico, a história econômica geral, a formação econômica do Brasil e a economia brasileira contemporânea; e IV - Conteúdos Teórico-Práticos, abordando questões práticas necessárias à preparação do graduando, compatíveis com o perfil desejado do formando, incluindo atividades complementares, Monografia, técnicas de pesquisa em economia e, se for o caso, estágio curricular supervisionado. Estes conteúdos deverão ter assegurado, no mínimo, o percentual de 50% da carga horária total do curso, a ser distribuído: para a Formação Geral (10%), Formação Teórico-Quantitativa (20%), Formação Histórica (10%) e Trabalho de Curso e as atividades acadêmicas de formação em Metodologia e Técnicas da Pesquisa em Economia (10%). Pelas novas Diretrizes Curriculares o curso de graduação em Ciências Econômicas deve ensejar, como perfil desejado do formando, capacitação e aptidão para compreender as questões científicas, técnicas, sociais e políticas relacionadas com a economia, revelando assimilação e domínio de novas informações, flexibilidade intelectual e adaptabilidade, bem como sólida consciência social indispensável ao enfrentamento de situações e transformações político-econômicas e
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Em síntese, os projetos pedagógicos dos cursos de economia podem definir um perfil específico que caracteriza e diferencia o seu curso, mas devem, também, garantir base técnico-científica comum que garante a identidade do economista brasileiro (perfil comum). Em síntese, o economista brasileiro atende o perfil indicado por John Maynard Keynes. Ele (o economista) deve ser matemático, historiador, estadista, filósofo (...) deve entender os símbolos e falar com palavras. Deve contemplar o particular nos termos do genérico, e tocar o abstrato e o concreto na mesma revoada do pensamento, Deve estudar o presente à luz do passado com objetivos futuros. Nenhuma parte da natureza humana ou das suas instituições deve ficar completamente fora do alcance da sua visão. Ele deve ser decidido e desinteressado com a mesma disposição; tão distante e incorruptível quanto um artista, e ainda assim algumas vezes tão perto da terra quanto um político. (John Maynard Keynes, in: Essays in biography)12.
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O símbolo do economista O símbolo do economista é composto por dois conjuntos: o primeiro conjunto possui dois elementos - a folha de acanto, símbolo universal de perfeição artística e índice de inteireza de carater e perfeição moral, e o globo que representa o universo, o mundo; o segundo possui também dois elementos - a cornucópia (palavra de origem latina, que se refere ao corno mitológico, atributo da abundância e símbolo da agricultura e do comércio), que representa a fortuna, riqueza e economia (no sentido de pecúlio), e a roda dentada simbolizando a indústria, estágio mais adiantado da civilização contemporânea. O primeiro conjunto como unidade (folha de acanto mais globo) significa a ciência universal; o segundo (cornucópia mais roda dentada), a indústria como geradora de riquezas e economia dos povos, em outras palavras, a abundância decorrente do trabalho em escala industrial. A união dos dois
Citado por Armando Dias Mendes em texto apresentado ao IV Encontro de Economistas de Língua Portuguesa - EELP (2 a 4 de outubro de 2001), realizado em Évora, Portugal.
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Louro ou acanto
A folha de acanto foi destacada na página do Cofecon com os seguintes dizeres:“Posto que acoimada de ser planta exótica, lembra, entretanto, uma época de
notável fulgor histórico - a arte helênica. A beleza de seu limbo conferiu-lhe o poder da imortalidade, através do censo estético de Calimico.” Na história, folha de Acanto foi intensamente utilizada na construção de templos e monumentos sacros, passou com o tempo, a ser associada às virtudes de pureza e honestidade. Mas, para os economistas, a origem da simbologia da folha de Acanto está na História da Intendência Militar. É o símbolo do Serviço de Intendência. Consta que na Guerra de Tróia, assim como os Assírios, Caldeus, Medos e Persas utilizaram a folha de Acanto, porque secavam com facilidade com uma tonalidade ligeiramente amarela-dourada, pendurando-as nas entradas das barracas, de oficiais de alta patente, com honras de magistrados, aos quais estava incumbida a guarda e a gestão dos fundos destinados aos pagamentos dos soldados e das demais despesas “in-loco”, decorrentes da campanha militar. Assim, em situações emergenciais, eram facilmente localizados dentro de seus acampamentos. Consta da História da Intendência Militar que foram justamente os magistrados das finanças militares das tropas de Agamenon, lendário rei de Micenas e herói das pugnas troianas (relato de Homero na Ilíada) que, pela primeira vez, elegeram a folha de Acanto para seu símbolo distintivo, não como adorno de uniforme, mas como meio prático de se fazerem localizar, com facilidade, dentro dos acampamentos. Consta, ainda, que esse simbolismo permaneceu nas legiões guerreiras de Roma. Os magistrados nomeados para cuidar das finanças militares autenticavam documentos com um sinete que tinha as características da folha do Acanto. Esse distintivo do intendente militar que nasceu a cerca de cinco milênios, no entrevero das batalhas, é o mesmo distintivo dos Intendentes das Forças Armadas do Brasil e elemento do símbolo do economista. O Globo completa o primeiro conjunto do símbolo do economista, representa a economia mundial. A administração universal. A Ciência da Administração, abrangendo a todo o mundo – a Ciência Universal. Não há controvérsia, alguns conselhos, sindicatos e universidades colocam que é o símbolo representativo do “Universo, o Mundo”.
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conjuntos representa, é claro, a Ciência Econômica. Cada um dos símbolos estão comentados nas páginas dos Conselhos, Sindicados e Cursos de Economia. A única controvérsia ocorre em relação à folha de acanto, pois o Conselho Regional de Economia de São Paulo indica a folha de louro e não de acanto, destacando que a folha de louro é “a mais nobre das folhas vegetais, simboliza valor, custódia e boa forma”. Na verdade, a maioria das entidades e escolas indica a folha de acanto e não de louro. Tanto o Conselho Federal de Economia como a Federação Nacional dos Economistas apresentam em suas páginas a folha de acanto. Sem entrar na controvérsia, tanto a folha de louro como a de acanto tem simbolismo histórico muito rico. Alguns autores comentam que o loureiro era a árvore consagrada à Apolo - Deus grego da profecia, poesia e cura. As sacerdotisas transmitiam suas profecias após, entre outros rituais, comer uma folha de louro. Na antiguidade greco-romana era símbolo de glória, com as coroas feitas das folhas de louro. Ainda hoje as coroas confeccionadas com ramos de louro são o símbolo da vitória e são utilizados em diversas atividades esportivas, inclusive para os atletas dos jogos olímpicos. Muitos mitos se formaram em torno do louro no mundo antigo dos romanos e gregos, que não é possível aqui relatar. Registra-se ainda que no início do Cristianismo, os mortos eram cobertos de louro em suas sepulturas para simbolizar a vida eterna, porque a planta permanece sempre verde. Em relação à educação consta que o louro, companheiro da glória e do sucesso, símbolo da poesia, é amigo das letras. A palavra “bacharelato” vem do latim bacca laureus, o “formando coberto de louros”.
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economista (Cornucópia mais roda dentada) representa a indústria como geradora da riqueza para a economia dos povos. A abundância decorrente do trabalho industrial. O processo indefinido da máquina como processo civilizador e propulsor do progresso. Globo
A Cornucópia é o símbolo da “fortuna, riqueza, economia, fartura, abundância” (Cofecon).“Ícone mitológico, atributo de abundância, fortuna e símbolo da agricultura e do comércio” (Corecon/SP). Esta imagem, no formato de uma corneta, ou amplificador, é apresentada no ombro de Artemisa, deusa da fartura na mitologia grega. Na entrada principal do Museu do Prado, em Madrid, Espanha, há uma estátua dessa deusa, em tamanho natural, junto com todas as demais divindades da Grécia antiga. Na mitologia era um vaso em forma de chifre, com frutas e flores que dele saíam em abundância frutas e flores. Conta a lenda que é o chifre da Cabra Amaltéia que Zeus (Júpiter) deu às ninfas que dele cuidaram quando criança. Tinha a virtude de se encher com tudo que o possuidor desejasse. Era atributo da deusa da Ambundância, divindade alegórica representada como uma bela mulher coroada de flores, tendo na destra um corno repleto de flores e frutos. Hoje, simboliza a agricultura e o comércio. No símbolo do economista no lugar da frutas e flores que saem da Cornucópia é a moeda, o ouro, melhor representativo da abundância e riqueza.
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Cornucópía
A roda dentada representa “a Indústria, estágio mais adiantado da civilização contemporânea” (Cofecon). É o “símbolo do labor e da fortuna. Indústria (terra, capital e trabalho)” (Corecon/SP). O significado do segundo conjunto do símbolo do
Roda dentada
Considerações finais Para finalizar, cabe ainda registrar alguns pontos que estão na agenda de preocupações e discussões das entidades da categoria e cursos de economia. No campo da profissão de economista o fato que se destaca é a proposta de atualização da legislação, com a ampliação e reconhecimento de novos campos de atuação dos economistas; a questão do reconhecimento dos “tecnólogos” em economia; das profissões afins, como Relações Internacionais e Ciência Política, que estão em processo de incorporação pelos Conselhos de Economia, passando a compor uma grande área de economia, fiscalizada e normatizada pelo sistema Cofecon/Corecons. Nesse mesmo debate estão os mestres e doutores em economia, que hoje não são reconhecidos como economistas pelos Conselhos, mas que em muitos casos são consagrados como “grandes economistas”. O cenário atual da profissão de economista é de estabilização do número de economistas e de cursos de economia, enquanto que os cursos afins se mantêm em elevado crescimento. A questão da redução da demanda pelos cursos é outra preocupação das entidades. O número de cursos de economia apresentou, nos últimos anos, redução substancial, com o fechamento, inclusive, de cursos tradicionais, em razão da redução da demanda. Este é um fenômeno mundial.
Bibliografia consultada CASTRO, Nivalde José de. O processo de profissionalização do economista no Brasil. Texto de Debate nº 15. Rio de Janeiro: UFRJ/FEA, 1991. CASTRO, Nivalde José de. O economista: a história da profissão no Brasil. Rio de Janeiro: Cofecon; Corecon/ RJ e Corecon/SP, 2001. 120p.
LOUREIRO, Maria Rita. Os economistas no governo. Gestão econômica e democracia. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1997. 201 páginas. MENDES, Armando Dias. Currículo Mínimo de Economia. Cadernos ANGE de Orientação Acadêmica, Nº 1, 1993. SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena Maria Bousquet; e COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema, 1ª edição: Editora da Universidade de São Paulo e Editora Paz e Terra, 1984 - 2ª edição, Fundação Getúio Vargas e Editora Paz e Terra, 2000.
José Luiz Pagnussat Presidente do Corecon/DF e ex-presidente do Conselho Federal de Economia (1996) e da Associação Nacional dos Cursos de Graduação de Economia (1999-2001). Foi professor da Universidade Católica de Brasília de 1985 a 2004 e é professor da Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, desde 1988.
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Um sinal positivo, entretanto, é a proliferação de cursos de pós-graduação strictu sensu em economia (mestrado e doutorado). Em Brasília existem dez cursos de pós-graduação contra apenas três em nível de graduação, em pleno funcionamento. Talvez estejamos passando por uma nova evolução do curso de economia, como ocorreu no passado, em que o curso evoluiu do nível técnico para a graduação e o bacharelato. O novo economista seria pós-graduado. Na verdade, pesquisa realizada pelo Cofecon entre os economistas registrados constatou que a grande maioria dos profissionais já possui pós-graduação latu sensu, e que uma boa parcela possui mestrado ou doutorado. Outro sinal positivo tem sido os bons resultados dos cursos que fizeram os ajustes do seu currículo e diferenciaram os seus cursos com perfis específicos. Por exemplo, certamente em Brasília há espaço para um curso de Economia da Regulação, em nível de gradua ção, dada a grande demanda por esses profissionais com as agências de regulação. Ou ainda um curso de Economia do Setor Público, Economia Ambiental etc, além dos cursos ecléticos já existentes. Quanto ao desempenho profissional, os economistas têm se destacado com o melhor desempenho nos concursos públicos, obtendo elevados índices de aprovação. Tem o melhor índice de permanência no emprego e estão entre os melhores remunerados, segundo dados de pesquisa do Cofecon. Outro destaque é o prestígio desses profissionais junto à sociedade. Os economistas no Brasil, e no mundo, estão entre os profissionais que recebem maior espaço na mídia. Toda a sociedade, desde o mais humilde ao mais abastado, quer saber o que pensam os economistas.
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Artigo As medidas contracíclicas e os gastos de pessoal da União Carlos Eduardo de Freitas
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A Medida Provisória 431, de 14.05.08, convertida na lei 11.784, de 22.09.08, instituiu um amplo reajuste salarial no serviço público da União, abrangendo grande número de carreiras. O impacto caixa no Tesouro se deu em novembro de 2008, correspondente à folha de competência outubro. A mídia, setores da academia e lideranças empresariais reagiram com veemência contra aquela reestruturação, alegando que ela representava um aumento permanente de gasto com risco de comprometimento do equilíbrio fiscal num horizonte de dois a três anos. Além disso, as críticas têm associado os gastos de pessoal aos gastos correntes, considerados secundários, quando a prioridade deveria ser dada às despesas de investimentos. Nessa linha de raciocínio, censuram também o governo por suas políticas anticíclicas que, em vez de privilegiarem um ciclo de novos investimentos públicos – despesas reversíveis – teriam enfatizado gastos correntes que são perenes. Esta preocupação com os gastos do governo de maneira geral, e de salários, em particular, é de todo pertinente. O Estado não tem competidores; por conseguinte, precisa de limites institucionais e da vigilância da sociedade sobre suas despesas. Os pacotes anticíclicos Nada obstante às críticas. As medidas anticíclicas do governo constaram basicamente de reduções
temporárias de impostos, alongamento do período de concessão do seguro desemprego, dilação de prazos para recolhimentos de tributos, disponibilização de R$ 100 bilhões para novos financiamentos do BNDES, reduções de recolhimentos compulsórios dos bancos, criação de fundos de avais, autorização para que o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) refinanciasse empréstimos de bancos médios e pequenos e de um ambicioso programa na área da construção civil com recursos privados e públicos, envolvendo o FGTS e subsídios do próprio Tesouro Nacional. Todas essas são medidas reversíveis, e, mais do que isso, com ênfase na formação de capital fixo da economia. Com exceção o reajuste de 12% do salário mínimo, antecipado em 2009 para fevereiro (em 2008 entrou em vigor no mês de março). O percentual de 12% foi mais do dobro da variação do IPCA nos 11 meses de março/2008 a fevereiro/2009, que ficou em 5,4%. A variação do PIB em 2008 atingiu 5,1%, porém no último trimestre o PIB caiu 3,6% em relação ao 3º trimestre, e caiu outra vez no 1º trimestre de 2009. Ou seja, o reajuste onerou empresas, prefeituras etc, num ano recessivo. Além disso, o aumento do desemprego desfalcou as receitas da Previdência, e o aumento do salário mínimo de 12% aumentou os gastos previdenciários. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que agrupa os investimentos governamentais prioritários continuou sua marcha, enfrentando as vicissitudes inerentes aos problemas ambientais, às restrições decorrentes de reclamações de etnias indígenas e aos
Lei 8.666 e seguintes da primeira metade da década de 90.
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A proposta de um conjunto de investimentos novos do governo como medida anticíclica embute, portanto, complicações e parece de certa forma, ingênua. Não é coisa trivial como procuram dar a entender as críticas, quer da mídia, quer da academia ou das lideranças empresarias. Investimentos do governo requerem estudos de viabilidade técnicoeconômica, tanto mais complexos na medida em que se refiram à infraestrutura.
dos projetos, adaptando-os às exigências do Brasil do século XXI. Entretanto, os resultados ainda são modestos. O governo não consegue empenhar, liquidar e pagar os valores consignados no orçamento de investimentos ano após ano, mesmo no quinto exercício fiscal de esforço concentrado, em que a própria Casa Civil passou a coordenar esse processo. Por conseguinte, seria de fato inócuo tentar acrescentar projetos ao PAC. Melhor e mais realista será manter a ênfase no Programa, e estimular os investimentos privados, como atestam os recursos direcionados ao BNDES, ao programa “Minha Casa Minha Vida”,e as reduções temporárias de carga tributária sobre veículos automotores e outros bens duráveis e de capital, material de construção etc. Deve - se lembrar ainda que em providência acertada e que, aliás, se justificava
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vais-vens das questões licitatórias, ademais das exigências do Tribunal de Contas da União (TCU). Os pontos acima fazem parte da agenda nova do Brasil, pós-abertura democrática, Constituição de 88, nova Lei de Licitações1, sem falar da conscientização mundial em torno da problemática do clima. Não se trata de culpar essa nova moldura, à qual os projetos de investimentos governamentais têm que se adaptar, pela lentidão com que vêem se desenvolvendo. O volume dos investimentos públicos caiu após a crise da dívida externa de 1982 e só começaram a ser retomados com mais ênfase depois do Projeto Piloto de Investimentos (PPI) do governo federal de 2004. Além do mais o arcabouço institucional que tocava os projetos foi totalmente reformado – a Rede Ferroviária Federal, a Portobrás, o DNER e o GEIPOT foram extintos. Criou-se o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), a Secretaria Especial de Portos e as agências reguladoras. Vieram as Parcerias Público-Privadas, generalizaram-se as concessões de rodovias, privatizaram-se ferrovias e portos. Em resumo, mudou o modelo. Não que o modelo novo seja pior que o antigo. Possivelmente será até melhor. O problema é que tudo isso leva tempo para entrar em fase e ganhar velocidade de cruzeiro. Ainda mais na presença das novidades listadas acima, que não faziam parte da experiência até então acumulada pelas equipes técnicas envolvidas com os projetos de investimentos públicos. A proposta de um conjunto de investimentos novos do governo como medida anticíclica embute, portanto, complicações e parece de certa forma, ingênua. Não é coisa trivial como procuram dar a entender as críticas, quer da mídia, quer da academia ou das lideranças empresarias. Investimentos do governo requerem estudos de viabilidade técnico-econômica, tanto mais complexos na medida em que se refiram à infraestrutura. Demandam processos licitatórios demorados e trabalhosos. Em suma, até que pudessem ter início, os seus eventuais objetivos anticíclicos estariam superados. O governo vem ajustando o foco na problemática do investimento público desde o PPI em 2004, com o objetivo de recuperar a eficiência e a velocidade de execução
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de há muito, o governo excluiu a Petrobrás da apuração das necessidades de financiamento do setor público, liberando-a da camisa de força das metas de superávit primário para organizar seu programa de investimentos conforme a sua própria capacidade econômico-financeira enquanto empresa. Gastos correntes versus investimentos Em segundo lugar, gastos correntes não são secundários em relação às despesas de investimento. Na categoria de investimentos estão os dispêndios relativos ao capital físico, basicamente infraestrutura econômica – rodovias, ferrovias, portos, aeroportos etc. – e bens de capital em geral – prédios, instalações, veículos, aeronaves, embarcações etc. Os gastos correntes compreendem as demais despesas do governo, como os investimentos no capital humano da nação – educação e saúde – as despesas com polícia, forças armadas, justiça,
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Na categoria investimentos estão os dispêndios relativos ao capital físico, basicamente infraestrutura econômica e bens de capital. Os gastos correntes compreendem as despesas do governo, como os investimentos no capital humano da nação – educação e saúde – as despesas com polícia, forças armadas, justiça, preservação do meio ambiente, administração tributária, gestão da moeda e do crédito, relações internacionais, política comercial.
preservação do meio ambiente, administração tributária, gestão da moeda e do crédito, relações internacionais, política comercial, e assim por diante. Também se costuma englobar nos gastos correntes os pagamentos de transferência, como os programas de seguridade a cargo do Ministério da Previdência Social e os assistenciais a cargo do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. São assim denominados porque transferem renda diretamente de determinados segmentos da população para outros. Trata-se de subsídios que poderiam ser entendidos como uma espécie de Imposto de Renda negativo. Ao contrário de outras áreas – saúde e educação, por exemplo – onde o consumo das pessoas, ou, neste caso, o investimento das pessoas em seu capital humano se materializa por intermédio de despesas correntes do governo. Elas, as pessoas, como regra geral não recebem recursos dos cofres públicos, mas usam gratuitamente serviços de escolas, universidades, médicos, ambulatórios e hospitais públicos. Todas as despesas alinhavadas acima são divulgadas sob a rubrica de consumo do governo, ou gastos correntes. São secundários? Dispensáveis? Porque o investimento no capital humano teria hierarquia inferior ao investimento no capital físico? Ambos são fundamentais para a expansão da capacidade produtiva e da eficiência da economia. Eles se completam – um precisa do outro para produzir seus efeitos. Porque as despesas para melhorar a qualidade dos serviços de polícia ou para aumentar a eficácia e eficiência do Judiciário seriam de segunda categoria? Inclusive com aumento dos contingentes. Ou a gestão da moeda e do crédito e da supervisão do sistema financeiro, ou a diplomacia? Em suma, a hierarquização do gasto fiscal não obedece à dicotomia simplista “investimentos” versus “gastos correntes”. As prioridades precisam ser discutidas com uma visão de conjunto das despesas públicas. Atividades classificadas como despesas correntes disputam as prioridades em igualdade de condições com gastos classificados como investimentos. E tem mais: os investimentos na ampliação do capital físico puxam fluxos novos de despesas correntes. Por exemplo, a construção de um prédio para funcionamento de um hospital público vai exigir aumento do número de médicos, enfermeiros, auxiliares, serviços de
As críticas também associam os aumentos dos gastos com pessoal a uma expansão de gastos correntes. Isso é verdade, embora os investimentos públicos exijam um razoável aparato de funcionários nas áreas setoriais do governo, além do planejamento e controle financeiro. As obras em si são contratadas com terceiros, mas o governo tem que planejá-las, licitá-las, acompanhá-las e fiscalizá-las. O setor público é antes de tudo um provedor de serviços, e como tal, grande empregador. Assim, são equivocadas as críticas que apontam os gastos com pessoal como puro e simples desperdício de dinheiro. Os salários são pagamentos pelos serviços de professores, de médicos nos hospitais públicos, de delegados de polícia, juízes, procuradores de justiça, mas também de enfermeiros, auxiliares, funcionários administrativos das universidades e escolas, engenheiros, economistas, gestores, diplomatas etc. Todos prestando serviços à população. Então como discutir o gasto fiscal? Como analisá-lo ou criticá-lo? O governo é o primeiro a dificultar essa discussão dada a forma como divide as despesas: investimentos, custeio e pessoal. O problema é que assim colocada a questão, parece que o gasto com pessoal seria uma despesa em si. Não é. Despende-se com pessoal em polícia, em justiça, em defesa do meio ambiente, em saúde, em educação, em acompanhamento e fiscalização das obras de infraestrutura e assim por diante. A classificação da despesa pública por função facilitaria a análise crítica da gestão governamental. Poder-se-ia saber, por exemplo, quanto e como o governo gastou recursos públicos em infraestrutura rodoviária, com implantações de rodovias, adequações, manutenções,
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A relevância dos gastos com pessoal
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Então como discutir o gasto fiscal? Como analisá-lo ou criticá-lo? O governo é o primeiro a dificultar essa discussão dada a forma como divide as despesas: investimentos, custeio e pessoal. O problema é que assim colocada a questão, parece que o gasto com pessoal seria uma despesa em si. Não é. Despende-se com pessoal em polícia, em justiça, em defesa do meio ambiente, em saúde, em educação, etc.
e administração; dentro disso, quanto pagou de serviços de terceiros, de pessoal e de material de consumo: quanto investiu em edificações, equipamentos para fiscalização e policiamento das rodovias; e, dentro da preocupação com salários dos servidores, qual o custo do pessoal ligado diretamente às obras; do pessoal administrativo no DNIT e ANTT; dos integrantes da Polícia Rodoviária Federal e assim por diante. O debate ficaria mais claro e objetivo. A discussão da eficiência Assim, é explicado que: O pacote anticíclico do governo não trouxe despesas perenes, com a exceção do aumento do salário mínimo, já comentado; O chamado gasto corrente não tem hierarquia econômica inferior aos gastos classificados como investimentos;
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limpeza, faxina, vigilância, administração, aquisição de medicamentos, e assim por diante, tudo isso classificado como despesa de custeio. O mesmo ocorre com um novo prédio para uma escola e assim por diante. O gasto corrente tem realmente caráter perene. Mas, excetuando-se o reajuste do salário mínimo (muito elevado), o governo não contemplou, até onde foi possível verificar, gastos correntes de caráter perene em seu pacote anticíclico.
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O governo poderia ter negociado com os servidores uma revisão das datas de pagamento das parcelas subseqüentes do reajuste, evitando ampliar o fosso entre as situações dos funcionários públicos e dos empregados do setor privado. Se quisesse compensar, do ponto de vista da crise, poderia ampliar o alcance das medidas anticíclicas de desoneração tributária e aumentar ainda mais o período de concessão do benefício do seguro-desemprego.
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A eleição das prioridades públicas deve ser conduzida em torno do conjunto de todas as despesas consideradas próprias de Estado, independente de sua classificação contábil; O governo, ao não divulgar uma abertura mais completa da despesa fiscal por funções dificulta análises criteriosas e abre espaço para críticas muitas vezes equivocadas e que confundem a opinião pública; Pagamento de salários de servidores públicos não é sinônimo de desperdício de recursos; o governo é essencialmente um mega provedor de serviços, e, como tal, grande empregador de mão-de-obra, com destaque da mão-de-obra de maior qualificação. Passemos à substância, ao que efetivamente estaria por trás da indignação das lideranças empresariais, de alguns segmentos da academia e da mídia. Trata-se da reestruturação salarial do final de 2008, cuja coincidência perversa com o momento
mais agudo da crise econômica norte-americana e mundial, gerou dois efeitos: A impressão de que o reajuste salarial dos servidores poderia ser parte do pacote anticíclico; O contraste de servidores, estáveis em seus empregos, recebendo aumentos salariais enquanto o desemprego grassava no setor privado, atingindo inclusive pessoal de elevada qualificação. A reestruturação salarial não tinha nada a ver com a crise e com as providências do governo para atenuar seus efeitos sobre o Brasil. Vinha sendo negociada anteriormente, decidida e aprovada no Congresso Nacional e colocada em prática ainda sob a égide das perspectivas de desenvolvimento econômico que fluíam do clima de prosperidade mundial que vinha do início da década, isto é, num contexto exatamente oposto ao da crise. Entretanto, militava no sentido contracíclico, e como o governo não cogitou de reprogramar as parcelas do reajuste ainda devidas, estabeleceu-se, não sem motivo, a confusão. O governo poderia ter negociado com os servidores uma revisão das datas de pagamento das parcelas subseqüentes do reajuste, evitando ampliar o fosso entre as situações dos funcionários públicos e dos empregados do setor privado. Se quisesse compensar, do ponto de vista da crise, poderia ampliar o alcance das medidas anticíclicas de desoneração tributária e aumentar ainda mais o período de concessão do benefício do seguro-desemprego. Uma atitude nessa linha teria apoio da opinião pública e talvez evitasse a discussão desnecessária sobre gastos correntes e de investimento, sobre a natureza do gasto com pessoal e da não sustentabilidade fiscal em horizontes de dois a três anos. Mas, em resumo, o debate fiscal se situa em três esferas: a) A primeira questão diz respeito ao tamanho do Estado; que funções lhe devem ser atribuídas; b) A segunda esfera de discussão refere-se à eleição de prioridades; acordado certo tamanho do Estado, quais deveriam ser os focos primários e quais os secundários? c) A terceira consiste no debate sobre eficiência, ou seja, conhecido o tamanho do Estado desejado pela sociedade, e eleitas as prioridades, como alcançar os objetivos das ações de governo da forma mais econômica possível.
Mas o reajuste dos servidores federais foi correto ou incorreto? Era necessário para manter ou elevar a qualidade dos serviços públicos? Obedeceu aos princípios de estímulo ao trabalho, à dedicação funcional, ao aperfeiçoamento técnico? Não se colocou ainda no Brasil uma discussão aberta sobre os critérios mais adequados para nortear a fixação dos salários do serviço público. Em tese, deveriam obedecer, os vencimentos dos servidores, a um princípio de compatibilidade com o setor privado. Não significaria que devessem ser iguais. Mas sim observar uma equivalência, levando em conta características específicas de cada setor. Na esfera privada os bônus de desempenho são comuns, porém parecem mais complicados no setor público3. Já os funcionários públicos gozam de estabilidade no emprego, o que não se aplica ao setor privado. O estatuto da estabilidade deveria ser avaliado em termos financeiros e parametrizado para que se
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Não se colocou ainda no Brasil uma discussão aberta sobre os critérios mais adequados para nortear a fixação dos salários do serviço público. Em tese, deveriam obedecer, os vencimentos dos servidores, a um princípio de compatibilidade com o setor privado. Não significaria que devessem ser iguais. Mas sim observar uma equivalência, levando em conta características específicas de cada setor.
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Conclusões
fosse estabelecendo a compatibilidade objetivada. Mas o reajuste foi razoável? Justificavam-se à luz da evolução dos rendimentos dos servidores públicos federais nos últimos anos? É claro que a resposta a essa pergunta só pode ser dada mediante análise da reestruturação salarial, carreira por carreira. Porém, uma verificação com base em grandes números, sem pretensões à exatidão, poderia dar algumas pistas. Foi o que se fez. Observou-se que entre 20014 e 2008 o crescimento real dos proventos médios dos servidores
Na verdade a pregação pelas reformas vai além da Constituição de 88. Por exemplo, um dos objetivos seria reverter a própria legislação trabalhista.
Há algumas tentativas de replicar esta prática no governo, como um projeto de lei que transita na Câmara dos Deputados de instituir uma gratificação de desempenho para os funcionários do DNIT como prêmio por um aumento da velocidade de execução dos projetos de investimento na infraestrutura de transportes. Há outras experiências mais antigas, cujo grau de sucesso conviria pesquisar.
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A análise a partir de 2001 justifica-se porque só estavam imediatamente disponíveis para os rendimentos dos empregados do setor privado dados a partir de 2001 no site do Banco Central, utilizado como fonte.
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Embora as críticas venham mesclando as três esferas de discussão, o foco estaria no item “c”. Percebem-se nos mesmos críticos preferências por um Estado menor, embora o tamanho que o Estado brasileiro atingiu decorra fundamentalmente de decisões da Constituinte de 1988 no âmbito da seguridade social. Dessa forma, as censuras ao governo são no sentido de que ele não estaria a liderar a continuidade do programa de reformas, cujo objetivo é justamente reverter a Constituição de 19882 neste capítulo. No tocante às prioridades parece que os críticos prefeririam investimentos no capital físico a investimentos no capital humano. Fora disso não são claros. Apregoam a necessidade de substituir despesas correntes por investimentos em capital físico, sem indicar quais os chamados gastos correntes que deveriam ceder lugar para os investimentos.
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públicos federais ativos, isto é, excluindo aposentados e pensionistas, cresceu à razão de 2,01% a.a. Se incluídos os aposentados e pensionistas a taxa de crescimento de 2001 a 2008 dos rendimentos médios dos servidores públicos e seus pensionistas seria de 2,26% a.a. Números do setor privado indicam que a evolução do rendimento médio do setor privado pode ter sido semelhante. O rendimento real médio anual das pessoas ocupadas do setor privado cresceu a uma taxa de 2,04% a.a. entre 20015 e 2008, portanto ligeiramente acima da remuneração média dos servidores públicos ativos. Os grandes números sugerem, portanto, que os rendimentos médios evoluíram de forma muito próxima, embora com uma pequena vantagem para o setor privado. Haveria razão para um reajuste tão elevado e abrangente como o que foi definido pela Medida Provisória 431 de 14.05.08? Pelos dados globais, em princípio, não. Entretanto, situações específicas de determinadas carreiras poderiam justificar algumas reestruturações nos planos de cargos e salários. Essa discussão, entretanto, exige o detalhamento da reforma administrativa e a análise individualizada das diferentes situações das diversas carreiras, inclusive com a indispensável compatibilização com as remunerações vigentes no setor privado. Finalmente, do ponto de vista macroeconômico é relevante estimar-se o impacto do reajuste salarial sobre as despesas do governo federal. Ressalve-se que os cálculos foram elaborados com base nos dados disponíveis publicamente e em valores globais, de modo que podem não ser totalmente precisos. O item 128 da Exposição de Motivos da Medida Provisória 431 informa os impactos financeiros do reajuste salarial dos servidores públicos distribuídos pelos cinco anos em que foram divididos os aumentos, como segue:
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Conjuntura
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2008 – R$ 3.533.227.727,00 2009 – R$ 11.027.002.965,00 2010 – R$ 15.338.852.113,00 2011 – R$ 18.948.898.538,00 2012 – R$ 19.608.034.109,00
Embora a redação desse item 128 seja confusa, entende-se que os valores são cumulativos e os impactos líquidos a cada ano corresponderiam ao montante acumulado até o ano, subtraído do montante correspondente ao acumulado até o ano anterior. Foi isso o que fizemos, de modo que os efeitos líquidos de cada exercício que se somariam aos acumulados dos anos anteriores seriam os seguintes: 2008 – R$ 3.533 milhões 2009 – R$ 7.494 milhões 2010 – R$ 4.312 milhões 2011 – R$ 3.610 milhões 2012 – R$ 659 milhões Supôs-se ainda que o valor de 2008 tivesse tido efeito caixa em dois meses (novembro e dezembro), ou seja, R$ 1.766,5 milhões em cada mês. De 2009 em diante esse valor estaria refletido nos doze meses do ano, ao qual se somariam os impactos correspondentes ao ano. Admitiu-se que nos exercícios de 2009 a 2012 os reajustes salariais ocorreriam no segundo semestre, isto é, de julho a dezembro. O impacto mensal foi então calculado pela divisão do impacto líquido do exercício divido por seis. Assim, por exemplo, as folhas de novembro e dezembro de 2008 teriam sido aumentadas, cada uma, por R$ 1.766,5 milhões (os excessos em relação a esse valor poderiam ser entendidos como pagamentos de atrasados). As de janeiro a junho de 2009 estariam afetadas pelo mesmo valor, isto é, somou-se aos valores dos mesmos meses de 2008, R$ 1.766,5 a cada um deles. A partir de julho e até dezembro adicionou-se o impacto do ano, R$ 7.494 milhões. Procedendo-se dessa forma sucessivamente, estimaram-se os valores básicos das folhas de salários de cada ano. Acrescentou-se a cada ano um adicional de 1,34% correspondente à taxa média de crescimento observada do número total de funcionários ativos, de aposentados e de instituidores de pensões entre 1998 e 2008. O resultado final foi a projeção das despesas com pessoal da União no quadriênio 2009/2012, conforme o Quadro I.
5 Para 2001 o rendimento médio anual correspondeu à média dos últimos quatro meses do ano. A série histórica retrocede apenas até setembro de 2001.
PIB R$ milhões Preços correntes
Despesas c/pessoal União Total Geral Preços Correntes
Participação Desp c/ pessoal/PIB
R$ milhões
R$ milhões
%
Col .(1)
Col. (2)
Col .(3)=(2)/(1)
1998
979.276
47.955
4,90%
1999
1.065.000
49.181
4,62%
2000
1.179.482
57.969
4,91%
2001
1.302.136
66.679
5,12%
2002
1.477.822
74.582
5,05%
2003
1.699.948
78.972
4,65%
2004
1.941.498
89.421
4,61%
2005
2.147.239
94.066
4,38%
2006
2.369.797
115.010
4,85%
2007
2.597.611
125.569
4,83%
2008
2.889.719
144.485
5,00%
2009
3.010.697
173.888
5,78%
2010
3.260.384
186.628
5,72%
2011
3.517.492
194.656
5,53%
2012
3.794.874
198.982
5,24%
Fonte: site do Banco Central e estimativas do autor.
A projeção do PIB considerou as previsões para 2009 e 2010 do Boletim Focus (Banco Central) de 17/07/09, respectivamente, -0,3% e 3,63%. Para 2011 e 2012 assumiu-se a taxa de crescimento de 3,24% a.a. correspondente à taxa de crescimento potencial do PIB derivada do comportamento observado de 1998 a 20086. O Quadro I mostra o crescimento das despesas com pessoal que passa da média de 4,79% do PIB entre 1998 e 2007 para 5% em 2008, já sob a influência do reajuste salarial, mas também sentido a queda do PIB no último trimestre. Para o quadriênio 2009/2012 a média da
participação da folha de salários da União atinge novo patamar – 5,57% – representando um crescimento equivalente a 0,76% do PIB com os gastos com pessoal em comparação com o período 1998/2008, cuja média alcançou 4,81% do PIB. Ainda que se supusesse um crescimento do PIB mais robusto, de 4,5% nos exercícios de 2011 e 2012, a média da folha em relação ao PIB seria de 5,52% no período 2009/2012, com crescimento da despesa correspondente de 0,71% do PIB comparativamente aos 4,81% dos onze anos de 1998 a 2008. Sem dúvida, o governo federal deve uma explicação mais detalhada sobre o reajuste salarial de 2008.
Carlos Eduardo de Freitas Economista formado pela Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ), com mestrado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). É consultor de Assuntos Econômicos em Brasília, prestando serviços à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) na área de análise econômico-fiscal de investimentos governamentais. Além disso, elabora estudos e pareceres econômicos para clientes privados e participa do Grupo de Conjuntura do Corecon/DF. Ocupou a Presidência do Conselho de Curadores da Centrus – Fundação Banco Central de Previdência Privada. Foi coordenador do Núcleo de Brasília da Escola de Pós Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (EPGE/FGV), voltado para cursos de especialização e aperfeiçoamento. De 2003 a 2005 foi membro do Conselho de Administração da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira. Entre os anos de 1990 e 1991, foi economista do Banco Central do Brasil e também assessor especial da ministra da Economia. Nesta mesma época, participou ativamente do processo de renegociação da dívida externa brasileira, em particular, junto aos bancos privados e FMI.
Para o detalhamento da metodologia utilizada nessa estimativa ver Carlos Eduardo de Freitas,“Brasil 2007 – Ciclo de crescimento ou bolha?”, Revista de Conjuntura - Corecon/DF, Ano VII, nº 31, julho/setembro de 2007, pp. 37 e seguintes.
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Quadro I
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por Daniela Lima
Especialistas afirmam que o cenário econômico ainda é de incerteza, mas há sinais de uma retomada gradual da economia.
A crise mundial se instalou em setembro de 2008 com a brusca contração na oferta de crédito interbancário e a desvalorização do patrimônio financeiro nos países mais desenvolvidos. Caiu junto o consumo privado. Sem consumidores e sem crédito, o investimento retraiu-se. Os países em desenvolvimento foram contagiados de imediato via baixa das cotações das commodities, escassez de financiamento externo (em parte por aversão ao risco), e redução do fluxo do comércio internacional: segundo a mais recente estimativa do FMI, o comércio mundial deve cair 11% em 2009, para aumentar discretamente em 2010. Baseados em dados da economia, alguns analistas do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon/DF) acreditam na recuperação da economia brasileira, mas alertam que o cenário ainda é de incertezas. José Fernando Cosentino, economista e consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados mostra
Revista de
Conjuntura
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alguns índices e analisa as perspectivas futuras. De acordo com ele e segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o produto mundial vai cair 1,3% em 2009, mas crescerá em 1,9% em 2010. As economias mais ricas vão encolher 3,8% em 2009, e ter crescimento nulo em 2010. Já as economias emergentes e em desenvolvimento crescerão em 2009 1,6%, e 4% em 2010. A Ásia, em particular, deverá crescer 4,8% em 2009, e 6,1% em 2010. Baseado nestas informações, o economista acredita que a saída, portanto, está à vista. Na opinião do grupo de conjuntura econômica do Corecon/DF, no qual faz análises periódicas dos temas atuais, a recuperação da economia brasileira acontece devido a resultados, como por exemplo, o desempenho do PIB, que no primeiro trimestre de 2009, caiu apenas 0,8% na margem, abaixo das projeções do mercado (entre -0,9% e -3,0%). Quando comparado ao primeiro trimestre de 2008, a queda do PIB é de 1,8%, o que
A crise
tendência de queda no câmbio, com prováveis efeitos negativos no setor exportador brasileiro. Para concluir, o grupo avalia que a economia brasileira irá manter o ritmo de recuperação, superando os próximos desdobramentos da crise com maior facilidade, e que, junto com a China e Índia, se destaque entre os melhores desempenhos da economia mundial. Já para o economista José Cosentino, os preços das commodities vêm reagindo e o crédito foi restabelecido ou substituído, prognosticando retomada lenta, porém gradual. Segundo Cosentino, a maior parte dos países, como o Brasil, vem incentivando o consumo interno, visto como a alternativa para dinamizar as economias. Ele acredita que duas ameaças estão afastadas, no consenso dos analistas: a primeira é de que assistiríamos a uma reedição da Grande Depressão
acabou?
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coloca a economia brasileira entre as com melhores respostas à crise em nível mundial. Outra observação feita pelo grupo de conjuntura foi a reativação do consumo das famílias, que teve crescimento de 0,7% neste primeiro trimestre de 2009. No último trimestre de 2008 o consumo das famílias teve uma queda de 1,8%, após 21 trimestres seguidos de crescimento. Para a retomada do crescimento econômico de forma sustentada é preciso analisar o comportamento do Consumo e do Investimento, que segundo os economistas é um fator determinante. Na opinião do grupo de conjuntura, o mercado interno é que terá que viabilizar a expansão da demanda/inversões para sustentar o crescimento da economia. Do lado da oferta, os dados da produção industrial mostram que a indústria volta a crescer, mas de forma lenta. Observa-se ainda uma preocupação em relação ao setor externo da economia, que de acordo com os analistas, a queda nas exportações e importações certamente não será revertida no curto prazo, dada a redução do crescimento da economia mundial. Para os economistas pertencentes ao grupo, soma-se a entrada maciça de capital estrangeiro direto e, também, no mercado de capitais brasileiro. A conseqüência é uma
23
de 1929. Os governos reagiram razoavelmente articulados, com estímulos monetários para encurtar o período de contração do crédito, e fiscais, para incentivar o consumo e o investimento. O segundo é que o dólar seria rejeitado como reserva de valor, arrasando a economia norte-americana e desorganizando a economia global. A China tem deixado claro que não liderará iniciativa nesse sentido. “Com relação a sinais de recuperação, parece estar havendo o tão esperado descolamento, mesmo que a custos fiscais imprevistos. Países emergentes cujas instituições e regras fiscais e monetárias cujos fundamentos estavam sólidos foram capazes de responder prontamente aos desafios da crise e sairão na frente na recuperação. O reaquecimento da Bovespa e o volume de investimento direto estrangeiro no Brasil são indícios desse fenômeno”, afirma Cosentino. Na opinião do economista, dificilmente o Brasil terá novamente, neste ciclo, taxas negativas de crescimento, como aconteceu em dois trimestres consecutivos até março.“O mundo deverá se comportar da mesma forma, com as economias asiáticas puxando a recuperação. A China vai crescer mais de 7% em 2009 e até maio, segundo pesquisa recente do Ipea, enquanto as exportações brasileiras totais caíram 23%, as para a China aumentaram 34%, concentradas em produtos primários.
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Conjuntura
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“Nada garante para o Brasil, no entanto, crescimento expressivo já em 2010, diferentemente do que dizem prever as autoridades da área econômica (4% ou mais), ou mesmo o mercado (3,5%). As medidas monetárias, de crédito e fiscais puderam presumivelmente suavizar as oscilações do PIB, antecipando o consumo interno em 2009, mas não reproduzem as condições econômicas excepcionais do ano passado, nem impedirão que a economia continue morna em 2010. A exceção seria caso o governo federal de fato implementasse um eficaz programa de investimentos, por ser anunciado junto com o próximo orçamento, cujas despesas estão fora do controle das metas primárias, e contribuísse direta ou indiretamente na formação bruta de capital”, afirma Cosentino. Com a crise econômica, o Brasil sofreu alguns impactos e continuará a sentir pelo menos até 2010 ou 2011, é o que avaliam os analistas econômicos. A queda das exportações e importações, na opinião do economista Dércio Munhoz é um dos problemas sofridos nesta crise financeira. Além de dificuldades na renovação da linha de financiamento externo e de recursos externos no setor real da economia, a queda no emprego e na demanda interna e externa. De acordo com ele, a economia está sendo sustentada neste momento por incentivos fiscais, compras de bens etc. Para Cosentino, o Brasil foi atingido pela crise em situação muito boa, segundo ele, até o terceiro trimestre de 2008, o PIB vinha crescendo a 6,3% ao ano e sua vulnerabilidade externa estava extremamente reduzida (reservas cambiais de mais de US$ 200 bilhões). “A situação fiscal foi excepcionalmente positiva em 2008, o governo federal pode gastar mais, destinar mais de R$ 14 bilhões para o Fundo Soberano do Brasil, e a ainda atingir com folga sua meta primária”. O economista avalia que a economia brasileira continuará a sentir por mais um ou dois anos os efeitos da crise, com menor produção e emprego. “Se os governos mundiais falharem na aplicação das políticas monetária e fiscal, o que é pouco provável pode haver nova queda de atividade global. As exportações vão continuar fracas, pelo baixo nível de atividade das economias centrais, e a demanda externa continuará afetada também pela nova onda protecionista mundial. A apreciação do real, motivada pela queda do dólar frente a todas as
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moedas como também pela entrada de capitais externos, continuará prejudicando o setor exportador e os investimentos para a exportação”. E analisa que alguns desequilíbrios se corrigem mais rapidamente. “O déficit em transações correntes do balanço de pagamentos está em queda. Mesmo com o dólar desvalorizado na crise, a balança comercial brasileira deverá ser amplamente superavitária em 2009, pois as importações estão caindo mais rapidamente que as exportações. Neste primeiro semestre, o saldo positivo foi quase 25% mais alto que no mesmo período de 2008”. Entretanto, depois que toda essa crise financeira passar, qual a experiência que resta às economias do mundo, e especialmente do Brasil? Muitos analistas acreditam que os mercados não podem se auto-regular, e afirmam que o mercado financeiro tem que ser ativamente regulamentado e supervisionado pelos governos segundo regras comuns, incluindo as transações internacionais, e para o Brasil, as conclusões são as mesmas.
O cenário futuro da economia A crise econômica mundial não acabou, mas o Brasil já está em processo de reativação do crescimento econômico de forma sustentada. O cenário de médio prazo é de retomada do ciclo de crescimento econômico iniciado em 2004 e interrompido com a crise no último trimestre de 2008, quando atingia um ritmo acelerado de crescimento que superava a 6%. O Brasil pode, ainda em 2009, apresentar crescimento positivo do PIB e retomar o ciclo de prosperidade a partir de 2010. Para tanto é necessário a atuação forte do governo na economia e a atenção microeconômica para as ondas de percalços que, ainda, devem afetar setores da economia brasileira, mas de forma cada vez mais fracos.
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A retomada gradual do crescimento, com perda relativa de importância das economias centrais como motores. Uma questão ainda por equacionar é como será a substituição dos Estados Unidos no papel de consumidor endividado e deficitário no balanço de pagamentos, que não poderá caber à Europa. No Brasil, o menor rigor com o controle das contas públicas deixará um dívida ser paga adiante, sem que isso seja pecado capital, pois ainda assim nossa situação fiscal é incomparavelmente melhor que a de muitos países centrais ou periféricos à crise. Eventualmente, ficará demonstrado que nossa taxa de juros pode ser menor que se acreditava, o que se refletirá em vantagens duradouras do ponto de vista das finanças públicas e do investimento produtivo.
José Luiz Pagnussat
José Fernando Cosentino Tavares
Presidente do Corecon-DF
Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados
Artigo Desenvolvimentismo revisitado Luiz Fernando de Paula
Neste artigo discutiremos conceitos e proposições relacionados a uma nova estratégia de desenvolvimento nacional para países em desenvolvimento, em particular para uma economia de médio porte, como a brasileira. O ponto de partida é, por um lado, a constatação do fracasso de políticas implementadas, inspiradas do Consenso de Washington, e, de outro, a constatação de que o “velho desenvolvimentismo” tem que ser renovado, em função de uma nova realidade: economias relativamente maduras ainda que desiguais socialmente, no contexto de uma economia globalizada. Para tanto, um conjunto de questões é aqui analisada: qual a estratégia nacional de desenvolvimento deve ser adotada? Qual a sua diferença em relação ao “velho desenvolvimentismo”? Qual o papel do Estado? Quais políticas econômicas e setoriais devem ser adotadas?
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Do “velho” desenvolvimentismo ao Consenso de Washington O Brasil teve do período do pós-2ª Guerra Mundial até o início dos anos 1980 um crescimento econômico vigoroso, com uma taxa de expansão média do PIB real de 7,1% em 1947/1980, e com um dinamismo expansivo puxado em boa medida pelo setor industrial (8,5%), com destaque para a indústria de transformação. Acompanhando este forte dinamismo, houve profundas mudanças estruturais na economia brasileira: deslocamento do eixo dinâmico da economia do setor agroexportador para o setor industrial voltado
para o mercado interno, aumento da população economicamente ativa no setor secundário, ampliação das desigualdades sociais e preservação de grandes margens de pobreza absoluta, entre outras. Por detrás deste processo, havia uma explícita estratégia nacional de desenvolvimento – conhecida como nacionaldesenvolvimentista – que tinha como elemento central o impulso à industrialização do país, dos ramos mais leves aos ramos mais pesados, baseado no processo de substituição de importações e numa participação estatal, atuando o Estado como agente planificador, financiador e produtor direto (insumos básicos e infraestrutura), coadjuvado pelas empresas multinacionais que se situaram nos segmentos mais dinâmicos da indústria de transformação. Esta estratégia – que teve no Brasil possivelmente o seu maior sucesso – foi objeto de várias críticas relacionadas principalmente ao caráter “trunco” da industrialização: investimentos industriais capital-intensivos realizados em uma sociedade fortemente heterogênea e com um passado de economia agroexportadora, que contribui para a exclusão de parte da população do processo de modernização; falta de um “núcleo endógeno de industrialização”, dado o papel secundário da empresa privada nacional na formação do tripé econômico; condições de financiamento inadequadas, principalmente quanto ao financiamento de longo prazo; desequilíbrios setoriais na indústria de transformação, em particular o atraso relativo do setor de bens
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Ao final de 1980 e no início de 1990, surgiu um conjunto de proposições que visavam prover uma nova estratégia de crescimento econômico para América Latina, após uma década de estagnação. Proposta inicialmente por John Williamson, economista do Banco Mundial, o conjunto de proposições rapidamente se tornou no denominador comum das proposições e aconselhamento político das instituições para os países latino-americanos, e outros países em desenvolvimento.
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aspectos, decepcionantes, em particular no que se refere ao crescimento econômico, sendo a Argentina, até então o exemplo a ser seguido, o caso lapidar do fracasso das políticas inspiradas no Consenso de Washington, sob o estímulo das instituições multilaterais. Vários aspectos foram criticados: a liberalização financeira causou, em vários países crises bancárias; a liberalização da conta de capital estimulou a especulação e crises cambiais, com efeitos negativos sobre variáveis reais (produto e emprego); a privatização
Eram dez as proposições originais de Williamson: (a) disciplina fiscal; (b) redirecionamento dos gastos públicos para áreas de retorno econômico e potencial de distribuição de renda; (c) reforma tributária; (d) liberalização da taxa de juros doméstica; (e) taxa de câmbio competitiva; (f ) liberalização comercial; (g) liberalização dos fluxos de investimento direto estrangeiro; (h) privatização; (i) desregulamentação dos mercados; (j) assegurar os direitos de propriedade.
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de capital; uma indústria defasada tecnologicamente e com baixos níveis de produtividade, em função da existência de um protecionismo indiscriminado e sem tempo de terminar. Este modelo – fortemente influenciado pelo pensamento cepalino dos anos 1950 – entrou em crise nos anos 1980, por ocasião dos impactos da crise da dívida externa, que contribuiu sobremaneira tanto para a deterioração financeira do setor público, que teve suas condições de financiamento fortemente fragilizadas, quanto para aceleração da inflação, por conta dos choques causados pelas maxidesvalorizações cambiais em um contexto de uma economia crescentemente indexada. Foi neste contexto, que, ao final da década de 1980 e no início da década de 1990, que surgiu um conjunto de proposições que visavam prover uma nova estratégia de crescimento econômico para América Latina, após uma década de estagnação. Proposta inicialmente por John Williamson (1990), economista do Banco Mundial, o conjunto de proposições rapidamente se tornou no denominador comum das proposições e aconselhamento político das instituições baseadas em Washington (Banco Mundial e FMI) para os países latino-americanos, e mesmo para outros países em desenvolvimento. Tais proposições1 objetivam estimular o crescimento econômico através de um conjunto de políticas e reformas de natureza liberalizante, que visavam a disciplina macroeconômica (entendida como estabilidade de preços), abertura comercial e políticas microeconômicas de mercado. A recomendação de abertura da conta de capital, que não constava das proposições originais de Williamson, foi acrescentada ao receituário pelas instituições multilaterais, constituindo o que alguns denominaram de “Consenso de Washington II”. Tal consenso foi a base das reformas liberalizantes que, em maior ou menor grau, foram aplicadas em vários países da América Latina, incluindo Argentina, Brasil e México, ao longo da década de 1990. Contudo, o resultado de tal estratégia foi, em vários
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proposições e implicações do consenso sobre os países em desenvolvimento.
A estratégia desenvolvimentista dos anos 1950 na América Latina, foi fortemente influenciada pelo chamado ‘pensamento cepalino’, que desenvolveu, ‘uma proposição política para países subdesenvolvidos, ou seja, a de industrializar, como meio de superar a pobreza ou de reduzir a diferença entre eles e os países ricos, e de atingir independência política e econômica através de um crescimento econômico autosustentado’.
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resultou em fracasso em alguns países ao não serem acompanhadas de políticas de promoção de competição; a fixação demasiada com o objetivo de controle de inflação foi em alguns casos prejudicial ao crescimento. Frente a esses resultados, as instituições multilaterais (FMI e Banco Mundial) fizeram parcialmente uma “mea culpa”, sugerindo que o marco regulatório deveria ser fortalecido concomitamente com a implantação das reformas, a liberalização de conta de capitais deveria ser feita gradualmente, o Estado deveria adotar as políticas de rendas compensatórias etc. Mais ainda: no meio acadêmico, economistas renomados como Stiglitz e Dani Rodrik têm questionado seriamente as
Velho e Novo Desenvolvimentismo2 Como assinalado acima, a estratégia desenvolvimentista dos anos 1950 na América Latina, foi fortemente influenciada pelo chamado “pensamento cepalino”, que desenvolveu, “uma proposição política para países subdesenvolvidos, ou seja, a de industrializar, como meio de superar a pobreza ou de reduzir a diferença entre eles e os países ricos, e de atingir independência política e econômica através de um crescimento econômico autosustentado”3. A Cepal, ao efetuar uma crítica à doutrina dominante do livre comércio, a partir da análise da deterioração dos termos de troca e do desenvolvimento desigual na propagação do progresso técnico, defendia que a industrialização era o único meio que os países latino-americanos dispunham para captar os frutos do progresso técnico e elevar progressivamente o nível de vida da população. O aprofundamento da industrialização, contudo, requeria a ação do Estado, em particular o planejamento estatal e medidas protecionistas, visando aprofundar o processo de substituição de importações. A estratégia desenvolvimentista, que implementou a industrialização pesada no Brasil, a partir dos anos 1950, foi fortemente influenciada por tais proposições. Em um certo sentido, o Brasil foi o caso mais bem sucedido de industrialização, baseada na estratégia nacional-desenvolvimentista, ao lograr êxito no seu processo de industrialização pesada. O Estado, como planejador, sustentador financeiro dos grandes blocos de investimento e produtor direto de insumos básicos e infraestrutura, e as empresas transnacionais, concentrando-se nos segmentos mais dinâmicos da indústria de transformação, foram os protagonistas deste processo. A empresa privada nacional teve um papel complementar, se constituindo na realidade no sócio menor do chamado “tripé econômico”. A ausência de
A expressão “novo desenvolvimentismo” foi primeiro proposta por Bresser-Pereira (2003, cap. 20), e posteriormente desenvolvida em Sicsú, Paula e Michel (2005).
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3
Cf R. Bielschowsky. Pensamento Econômico Brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo, Rio de Janeiro: Ipea, 1988.
os problemas dos países em desenvolvimento a partir de uma ótica da problemática específica desses países (e não procurando copiar estratégias importadas dos países desenvolvidos). Na visão novo-desenvolvimentista não faz mais sentido, como no atual estágio de desenvolvimento produtivo brasileiro, a existência de um Estadoempresário e de um protecionismo do mercado interno nos moldes do passado. O novo desenvolvimentismo não propõe a redução do Estado, mas a sua
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Além da falta de uma política estatal mais efetiva e de longo prazo que favorecesse a empresa privada nacional no processo de desenvolvimento industrial, o “protecionismo tarifário generalizado e sem tempo determinado para acabar” não estimulou o processo de aprendizagem das empresas nacionais. Isto ocorreu porque não foi acompanhado de um processo concomitante de geração de exportações e de desenvolvimento tecnológico doméstico.
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Diferentemente do caso brasileiro, a estratégia nacional de desenvolvimento da Coréia do Sul buscou justamente estimular a criação de um empresariado nacional forte e competitivo.
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5
Cf Suzigan, W (1988). Estado e industrialização no Brasil. Revista de Economia Política, v. 8, n. 4, pp. 5-16, out./dez.
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uma burguesia nacional forte é um dos aspectos críticos no estabelecimento de uma estratégia nacional de desenvolvimento no Brasil4. A história mundial mostra que não há capitalismo forte sem um empresariado nacional forte. Em outras palavras, sem a consolidação de um “núcleo endógeno” da industrialização – constituído de um empresariado nacional forte e competitivo - o desenvolvimento torna-se frágil, pois não se criam grupos empresariais capazes de participar em igualdade de condições do pesado jogo de competição internacional de comércio e investimentos. Além da falta de uma política estatal mais efetiva e de longo prazo que favorecesse a empresa privada nacional no processo de desenvolvimento industrial, o “protecionismo tarifário generalizado e sem tempo determinado para acabar” não estimulou o processo de aprendizagem das empresas nacionais. Isto ocorreu porque não foi acompanhado de um processo concomitante de geração de exportações e de desenvolvimento tecnológico doméstico. Em outras palavras, o processo de substituição de importações no Brasil não requereu a absorção e o desenvolvimento tecnológico, contribuindo para incutir no empresariado industrial brasileiro uma mentalidade protecionista, que encarava o protecionismo com um fim e não como um meio para que, num determinado horizonte de tempo, se implantasse uma indústria eficiente e competitiva, voltada tanto para o mercado interno quanto para o mercado internacional5. A estratégia novo-desenvolvimentista, embora tenha suas origens no “velho desenvolvimentismo”, ainda que com um olhar crítico em alguns aspectos desta estratégia, busca adequar a estratégia desenvolvimentista aos novos tempos e à realidade específica de cada país. De comum entre as duas estratégias está a visão crítica às políticas de “laissez-faire”, a necessidade de se implementar uma estratégia nacional de desenvolvimento que busque uma complementaridade entre Estado e mercado (ainda que no momento atual em moldes diversos), e a importância de se pensar
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reconstrução, tornando-o mais forte, e mais capaz no plano político, regulatório e administrativo, além de financeiramente sólido. Propõe, ademais, uma estratégia nacional de desenvolvimento que promova políticas voltadas ao progresso técnico e a introdução de novas técnicas de produção, o desenvolvimento de mecanismos nacionais de financiamento do investimento com poupança doméstica, políticas econômicas redutoras de incertezas inerentes ao mundo financeiramente globalizado e o desenvolvimento de instituições específicas adequadas ao desenvolvimento (como o desenvolvimento do capital humano através da educação pública). Tampouco faz sentido a manutenção de um protecionismo indiscriminado à indústria no atual estágio de desenvolvimento de economias “semimaduras”, como a brasileira: o comércio internacional – como fonte de crescimento econômico – deve ser intensificado, o que torna desejável a liberalização da conta de transações correntes (incluindo comércio), embora esta abertura deva ser feita de uma forma inteligente, cautelosa e
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O Estado deve, ademais, possuir um sistema tributário progressivo, para reduzir as desigualdades de renda e de riqueza que são exageradas. Em que pese a maior interdependência entre as nações. Estados são estratégicos como instrumento de ação coletiva que as nações dispõem para serem competitivas internacionalmente.
negociada para que reciprocidades que interessem às exportações brasileiras sejam conquistadas. A alternativa novo desenvolvimentista defende a constituição de um Estado capaz de regular a economia – que deve ser constituída por um mercado forte e um sistema financeiro funcional – isto é, que seja voltado para o financiamento da atividade produtiva e não para a atividade especulativa. Para tanto, é necessário não só buscar formas inteligentes de ação estatal, complementares à ação privada, como também proporcionar condições para que o Estado possa desempenhar de forma mais eficaz sua ação – para o que pode ser necessário uma “reforma da gestão pública”. Trata-se de adotar uma forma de gestão que aproxime as práticas dos gerentes públicos às dos privados, tornando-os ao mesmo tempo mais autônomos e responsáveis perante a sociedade. Tal reforma requer não somente uma maior profissionalização da gestão pública como também um certo grau de descentralização do Estado, com a transferência de determinadas funções específicas do Estado a agências (semi)autônomas e a transferência de serviços sociais e científicos a organizações de serviço públicos, semi ou não estatais. Note-se, contudo, que isto não significa que as decisões mais importantes relativas às políticas públicas a serem implementadas devam ser igualmente descentralizadas, pois cabe às esferas governamentais, eleitas democraticamente, a definição destas. Na concepção novo desenvolvimentista, o Estado deve ser forte para permitir ao governo a implementação de políticas macroeconômicas “defensivas” e pró-crescimento. Políticas de caráter defensivo são, por exemplo, aquelas que reduzem a sensibilidade do país a crises cambiais; e, políticas pró-crescimento referemse àquelas medidas de promoção do pleno emprego, sobretudo em contextos recessivos. Políticas industrial e de comércio exterior – usadas de forma inteligente e criativa – podem e devem ser utilizadas para estimular a competitividade da indústria e melhorar a inserção do país no comércio internacional. O Estado deve, ademais, possuir um sistema tributário progressivo, para reduzir as desigualdades de renda e de riqueza que são exageradas. Em que pese a maior interdependência entre as nações. Estados são estratégicos como instrumento de ação coletiva que as nações dispõem para serem competitivas internacionalmente.
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Em outras palavras, a política econômica deve procurar afetar o investimento privado global, criando um ambiente seguro que estimule escolhas mais arriscadas – mas que rendam lucros e geram empregos – no lugar da simples acumulação de ativos líquidos - isto é, a boa política é aquela que induz os agentes a investirem em ativos de capital, dando origem a investimento novo.
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A política econômica, na perspectiva aqui proposta, relaciona-se à adoção de um conjunto de medidas que visa aumentar o nível de demanda agregada, de modo a criar um ambiente estável que estimule os empresários a realizar novos investimentos - uma vez que os níveis de emprego e utilização da capacidade produtiva dependem, em boa medida, dos determinantes da demanda agregada, principalmente da decisão de investimento dos empresários. Em outras palavras, a política econômica deve procurar afetar o investimento privado global, criando um ambiente seguro que estimule escolhas mais arriscadas – mas que rendam lucros e geram empregos – no lugar da simples acumulação de ativos líquidos - isto é, a boa política é aquela que induz os agentes a investirem em ativos de capital, dando origem a investimento novo. Contudo, o objetivo da política econômica deve ser amplo: deve estar voltada para a estabilidade macroeconômica, um conceito mais amplo do que o de mera estabilidade de preços, ou seja, deve procurar também reduzir as incertezas relativas à demanda futura que são inerentes aos negócios na economia. Nesta perspectiva, controle de inflação é importante, na medida em que a inflação persistente, e elevada gera distorções na economia (torna mais imprevisível o horizonte de decisões de mais longo termo), mas não deve ser exagerado, sob o perigo de colocar em risco os objetivos de estabilidade e crescimento do produto e do emprego. Assim, o objetivo da política econômica deve incluir o maior crescimento do produto e emprego, buscando minimizar ou evitar maiores contrações econômicas, devido aos altos custos econômico-sociais das desacelerações. Estabilidade de preços e aumento do produto e emprego são compatíveis dentro dessa visão e, para tanto, o governo deve fazer uso de um instrumental de política econômica com objetivos múltiplos – e não somente utilizar a política monetária voltada exclusivamente para o controle da inflação. A perspectiva novo desenvolvimentista sustenta que para se atingir os objetivos múltiplos de política – como crescimento econômico e estabilidade de preços – é necessária uma maior coordenação de políticas (fiscal, monetária, cambial,
salarial etc): devem-se avaliar os impactos conjuntos da adoção das políticas sobre os objetivos como um todo. Assim, a coordenação de políticas é fundamental para se atingir a estabilidade macroeconômica. Igualmente importante é manter uma taxa de câmbio competitiva (ou seja, desvalorizada), como mostra a experiência de vários países que tiveram crescimento acelerado no pós-guerra, de modo a garantir condições de sustentabilidade do balanço de pagamentos através da geração de superávits em conta corrente (com consequente aumento nas reservas internacionais) e arrefecer a contratação de empréstimos externos (reduzindo, assim, a vulnerabilidade externa do país). A forma de financiamento do balanço de pagamentos também é importante, devendo-se evitar fluxos de capital de portfólio e dívida de curto prazo que podem gerar custos associados a alta volatilidade dos fluxos de capitais, sem gerar benefícios de difusão de conhecimento. Portanto, uma estratégia novo desenvolvimentista deve
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Embora a capacidade dos países de se inserir de forma mais efetiva nos mercados internacionais dependa, em parte, de sua capacidade de acompanhar as tendências tecnológicas internacionais, para muitos países que não estão na fronteira tecnológica, os retornos associados com a facilidade de transferência da tecnologia podem ser maiores do que os retornos de desenvolverem de forma pioneira pesquisa e desenvolvimento.
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buscar formas de reduzir a vulnerabilidade externa da economia, de modo a evitar os efeitos de choques externos – causados por mudanças nos sentimentos do mercado, inclusive decorrentes de “comportamento de manada” - sobre a taxa de câmbio. Afinal, vários estudos têm mostrado os efeitos nefastos que a excessiva volatilidade da taxa de câmbio, em países em desenvolvimento, têm sobre decisões de investimento, inflação, dívida pública etc. Nos países em desenvolvimento, a volatilidade cambial em geral é bem maior do que nos países desenvolvidos, possuidores de moedas fortes e conversíveis, devido ao reduzido tamanho dos mercados financeiros desses países com relação aos fluxos de capitais de curto prazo que ingressam nos mesmos. Competitividade do setor industrial Uma das características do processo de industrialização latino-americano – incluindo o Brasil – é a assimetria
entre um elevado componente de imitação (fase prévia de aprendizagem) e um componente marginal de inovação econômico-social. Ademais, nenhum país da região logrou simultaneamente crescimento e equidade social. Economias bem-sucedidas em termos de crescimento e equidade compartilham uma característica básica, que é a incorporação do progresso técnico e elevação da produtividade. Neste contexto, em função das insuficiên cias no âmbito da equidade e da baixa incorporação do progresso técnico em setores-chaves da indústria, o crescimento econômico e a competitividade apresentaram um comportamento claramente espasmódico na América Latina. A competitividade do setor industrial contribui positivamente para o crescimento econômico, já que o comércio internacional de manufaturas é o que normalmente mais se expande no comércio mundial, e, ao mesmo tempo, o crescimento contribui para estimular a introdução de progresso técnico e, consequentemente, aprimorar a competitividade. Embora a capacidade dos países de se inserir de forma mais efetiva nos mercados internacionais dependa, em parte, de sua capacidade de acompanhar as tendências tecnológicas internacionais, para muitos países que não estão na fronteira tecnológica, os retornos associados com a facilidade de transferência da tecnologia podem ser maiores do que os retornos de desenvolverem de forma pioneira pesquisa e desenvolvimento. Por isso, políticas públicas que facilitem a transferência da tecnologia – assim como a sua absorção pelo aparelho produtivo - são cruciais para o desenvolvimento. Portanto, nos países latino-americanos, como o Brasil, é fundamental a realização de uma transformação produtiva que resulte na elevação da produtividade da mão-de-obra que dê sustentação a uma competitividade internacional autêntica apoiada na incorporação de progresso técnico e em práticas gerenciais inovadoras. Para tanto, uma política abrangente deve ser adotada, incluindo o fortalecimento da base empresarial do país, adoção de uma política industrial voltada para a melhoria da competitividade das exportações de maior valor agregado, desenvolvimento de uma infraestrutura voltada para a competitividade sistêmica (incluindo o desenvolvimento de um sistema nacional de inovação), melhorias do nível de qualificação da mão-de-obra etc.
Inserção internacional e redução da vulnerabilidade externa A literatura empírica sobre liberalização financeira e desempenho econômico é inconclusa em estabelecer uma relação robusta entre essas duas variáveis, enfraquecendo um dos pontos básicos do Consenso de Washington, na versão das agências multilaterais. De fato, há uma vasta literatura que buscou aferir a existência de uma relação positiva entre liberalização financeira (ou controles de capitais) e crescimento econômico, sendo difícil estabelecer uma relação causal robusta entre integração financeira e desempenho do crescimento do produto. Estabilidade macroeconômica e desenvolvimento de longo prazo requerem a existência de mercados financeiros saudáveis. Daí a necessidade de se redesenhar o sistema regulatório do sistema financeiro: o fortalecimento da regulação e supervisão financeira é fundamental para assegurar a estabilidade do sistema financeiro. Igualmente importante é o estabelecimento de políticas que permita o governo enfrentar os problemas relacionados à volatilidade dos fluxos de capitais em mercados financeiros/cambiais pouco densos, podendo incluir medidas de redução da vulnerabilidade externa, política de formação de reservas cambiais, regulamentação de fluxos de capitais etc. Acrescente-se, ainda, que o uso da poupança externa como suporte a uma estratégia de crescimento deve ser limitado, uma vez que as evidências recentes de países em desenvolvimento mostram que a longo prazo não há uma correlação clara entre poupança externa e aumento na taxa de investimento, já que a maior parte da poupança externa é canalizada para consumo, não resultando num aumento da capacidade produtiva em
setores tradables. Como resultado, os países em desenvolvimento passam a enfrentar uma restrição externa ao crescimento, como atesta, por exemplo, uma elevada relação exportações/dívida externa e na dívida externa/ PIB, no que resulta na manutenção de um ambiente de instabilidade macroeconômica derivada da fragilidade financeira do setor externo. Portanto, no longo termo os saldos em conta corrente devem estar em equilíbrio, uma vez que um país não pode tomar empréstimos indefinidamente, dado a restrição de insolvência. O equilíbrio no balanço de pagamentos requer a manutenção de um superávit significativo na balança comercial, para o que é necessária – como já assinalado anteriormente - a manutenção de uma taxa de câmbio subvalorizada, isto é, orientada sempre que possível para o ajustamento da conta corrente e para a diminuição da dependência dos capitais externos, acompanhada por políticas industriais ativas voltadas para estimular exportações e a substituição de importações de insumos que tenham peso na pauta de importações do país de modo a reduzir os efeitos do câmbio sobre o nível de preços domésticos. Tais políticas são particularmente importantes em função da necessidade de se realizar uma mudança estrutural na base produtiva do País, com vistas a alterar a pauta das exportações brasileiras na direção de produtos de maior elasticidade-renda. Por sua vez, a substituição de importações em alguns segmentos mais dinâmicos da indústria pode se tornar necessária devido à alta elasticidade-renda das importações do País, o que faz com que estas cresçam significativamente em períodos de crescimento econômico continuado. Papel do Estado na área social Na perspectiva novo desenvolvimentista o crescimento econômico é condição necessária mas não suficiente para resolver o problema da miséria e da desigualdade social que marca a sociedade brasileira. Maior crescimento econômico permite gerar mais empregos e ao mesmo tempo elevar a arrecadação tributária que pode ser utilizada na implementação de programas sociais universalizantes (em particular em educação e saúde) e programas mais focalizados (como programa de renda mínima). Políticas sociais e educacionais – entendidas como instrumentos para a inclusão formal
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A aprendizagem tecnológica e o fortalecimento da competitividade internacional requerem instituições públicas dotadas de capacidade de articulação dos diversos agentes produtivos, laborais, educativos, de pesquisa e de financiamento. Como já assinalado, de acordo com a visão novo desenvolvimentista, o Estado necessário para impulsionar uma transformação produtiva dessa natureza é diferente daquele que fomentou a industrialização precedente.
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de segmentos da população deseducados e a margem da sociedade brasileira – são elementos centrais no enfrentamento da questão das fortes desigualdades presentes no País. Um dos grandes avanços do debate político do País nos últimos anos é que políticas sociais compensatórias vieram para ficar na agenda de política governamental, dado o seu forte e comprovado efeito positivo sobre a renda dos segmentos mais desassistidos, ensejando melhorias na distribuição de renda. Programas como bolsa-família devem ser ampliados e aprimorados, mas deve-se ter consciência que têm efeitos limitados. Ou seja, devem ser vistos como soluções emergenciais necessárias e não soluções permanentes. Embora seja correto afirmar, como dizia o sociólogo Betinho, que “a fome tem pressa e não pode esperar”, políticas sociais – como políticas de renda mínima – implementadas em um contexto de crescimento baixo podem ter sua eficácia limitada. Programas de qualificação e capacitação de mãode-obra são fundamentais no atual estágio de desenvolvimento tecnológico, mas não se deve ignorar os problemas do lado da demanda por trabalho, que depende, por sua vez, crucialmente da demanda efetiva da economia: políticas ativas de emprego só podem cumprir plenamente as funções quando existe demanda pelas atividades que promovem. Conclusão
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Buscou-se aqui discutir algumas idéias que podem compor uma estratégia nacional de desenvolvimento para países de porte médio, como o Brasil. Em termos gerais, procurou-se mostrar que uma estratégia novodesenvolvimentista deve procurar: (i) uma ação complementar entre Estado e mercado, cabendo ao Estado arbitrar e estimular a concorrência e mesmo influir na determinação das variáveis econômicas relevantes como desemprego e distribuição de renda; (ii) ter, ao contrário do que preconiza a “ideologia globalizante”, um Estado forte, capaz no plano político, regulatório e distributivo, além de financeiramente sólido; (iii) adotar políticas macroeconômicas redutoras de incertezas que são inerentes ao mundo globalizado, com especial atenção ao problema da vulnerabilidade externa; (iv) adotar o
conceito mais amplo de estabilidade macroeconômica, que busca compatibilizar crescimento econômico com estabilidade de preços, ao invés de mera estabilidade de preços; (v) realizar uma transformação produtiva que dê sustentação a uma competitividade internacional autêntica apoiada na incorporação de progresso técnico e em práticas gerenciais inovadoras, sendo, para tanto, necessária o fortalecimento da base empresarial do País e a adoção de uma política industrial voltada para a melhoria da competitividade das exportações de maior valor agregado; (vi) o Estado ter um papel ativo na área social, combinando políticas sociais abrangentes com ações focalizadas.
Luiz Fernando de Paula Professor de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE/UERJ), pesquisador do CNPq e vice-presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB).
As repercussões da crise internacional sobre a economia brasileira: o que foi feito e o que fazer em termos de políticas econômicas contracíclicas? Fernando Ferrari Filho
A atual crise financeira internacional – diga-se de passagem, originada pelas perdas causadas pelo crescente default dos empréstimos das hipotecas do mercado norte-americano de subprime e dinamizada mundialmente, uma vez que grande parte dessas hipotecas foi securitizada e distribuída a investidores do mercado global – tem afetado dramaticamente a atividade econômica, sejam das economias desenvolvidas, em maior escala, sejam das economias emergentes, pois os mercados financeiros liberalizados e integrados, como os dos dias de hoje, enfrentam um tradeoff: por um lado, eles estimulam o desenvolvimento da atividade econômica; por outro, eles aumentam as possibilidades de ganhos especulativos, convertendose, assim, em uma espécie de cassino global1. No que diz respeito às repercussões da crise financeira internacional sobre a economia brasileira, a Associação Keynesiana Brasileira, em uma publicação de outubro do ano passado intitulada “Dossiê da Crise”,
sinalizava que nossa economia não passaria incólume à crise, apesar das autoridades econômicas (AE) e o presidente Lula da Silva a terem subestimado. No corrente ano, a divulgação de alguns indicadores da atividade produtiva colocou em xeque a idéia de que o País estava “descolado do resto do mundo”, bem como mostrou que a economia brasileira se encontra em uma situação de recessão técnica: por um lado, o Produto Interno Bruto (PIB) nos dois últimos trimestres (quarto trimestre de 2008 e primeiro trimestre de 2009) acumulou uma queda de aproximadamente 4,4%; por outro, a taxa média de desemprego entre janeiro e abril de 2009 foi da ordem de 8,7%, ligeiramente superior àquela ocorrida no mesmo período de 2008 que foi de 8,4%. Os referidos resultados, por sua vez, geraram o temor de uma forte desaceleração da economia brasileira para 2009 e 2010, justamente quando a atividade econômica vinha passando por um dos seus mais longos ciclos de crescimento das duas últimas décadas2.
J.M.Keynes, em sua The General Theory, of Employment, Interest and Money, publicada em 1936, já chamava a atenção para a conexão entre os mercados financeiro e real em economias monetárias da produção ao afirmar que “[w]hen the capital development of a country becomes a byproduct of the activities of a casino, the job is likely to be ill-done” (Keynes, 1964, p.159).
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Não é demais lembrar que o Fundo Monetário Internacional (FMI), em abril passado, sinalizou um crescimento negativo de 1,3% para o PIB brasileiro e os analistas de mercado, conforme o relatório Focus de 22/06/2009, prevêem um crescimento negativo da ordem de 0,6%.
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As políticas econômicas que têm sido implementadas nos últimos meses pelos Estados Unidos, nos países da zona do euro e no Japão mostram que a crise pode ser “administrada” através da atuação de um Banco Central (BC) como prestador de última instância e da adoção de políticas fiscais contracíclicas. Em suma, as referidas AE programam medidas econômicas de expansão da demanda efetiva essencialmente keynesianas.
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As perspectivas nada auspiciosas para a economia brasileira para os próximos dois anos, em especial para 2009, decorrem, por um lado, do arrefecimento de nosso saldo comercial3 – seja pelo esmorecimento da demanda mundial, seja pela queda dos preços das commodities, agrícolas e minerais – e do desaquecimento do mercado doméstico (a formação bruta de capital fixo e o consumo privado nos dois últimos trimestres “cresceram” – 20,3% e – 1,1%, respectivamente), em grande parte causado pelo “empoçamento” da liquidez
e do crédito da economia e pela elevação da preferência pela liquidez dos agentes econômicos. Em outras palavras, a crise financeira internacional deteriorou a dinâmica do setor externo e o estado de expectativas dos consumidores, das firmas e do sistema financeiro, travando, assim, as suas decisões de gastos (consumo e investimento) e empréstimos, respectivamente. Diante desse quadro, o que fazer? A resposta à pergunta vai ao encontro do que as AE dos governos dos países desenvolvidos estão fazendo, qual seja: cientes de que a crise atual está relacionada à ausência de atuação do Estado e não à sua suposta ação ativa, as AE daqueles países têm atuado ativamente para mitigar os impactos da crise financeira internacional sobre o lado real da economia. Nesse sentido, as políticas econômicas que têm sido implementadas nos últimos meses pelos Estados Unidos, nos países da zona do euro e no Japão mostram que a crise pode ser “administrada” através da atuação de um Banco Central (BC) como prestador de última instância e da adoção de políticas fiscais contracíclicas. Em suma, as referidas AE programam medidas econômicas de expansão da demanda efetiva essencialmente keynesianas4. No Brasil, as lições das AE dos governos dos países desenvolvidos parecem ter chegado tardiamente e não foram absorvidas integralmente pelas nossas AE, em especial as monetárias. Vejamos. Inicialmente, por mais que o Ministério da Fazenda tenha reduzido algumas alíquotas de impostos (Imposto de Renda de Pessoa Física, IOF sobre operações de crédito ao consumidor e IPI para os setores automotivo e eletrodoméstico da “linha branca”, entre outras) e “ampliado” os investimentos públicos, principalmente os relacionados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), os ministros Guido Mantega e Paulo Bernardo vinham
As exportações e importações acumuladas entre janeiro e a terceira semana de junho apresentaram, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2009), uma forte desaceleração: as exportações somaram cerca de US$ 64,9 bilhões, uma queda de cerca de 22,1% em relação às exportações no mesmo período de 2008, ao passo que as importações alcançaram o montante de US$ 52,5 bilhões (28,5% menores que as importações observadas entre janeiro e a terceira semana de junho de 2008). Para o corrente ano, as expectativas do saldo da balança comercial são da ordem de US$ 16,0 bilhões, o que, caso esse resultado seja confirmado, representa uma queda de aproximadamente 34,0%, comparativamente ao saldo comercial de 2008.
3
Em linhas gerais, medidas econômicas de natureza keynesiana para enfrentar crises de demanda de efetiva são sinalizadas em Keynes (1964, capítulo 24) e H.Minsky (1986, capítulo 13).
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“O Copom considera importante ressaltar (...) [que] a avaliação de decisões alternativas de política monetária deve concentrar-se, necessariamente, na análise do cenário prospectivo para a inflação e nos riscos a ele associados (...) A despeito de haver margem residual para um processo de flexibilização, a política monetária deve manter postura cautelosa, visando assegurar a convergência da inflação para a trajetória de metas (...) O Comitê concorda que qualquer flexibilização monetária adicional deverá ser implementada de maneira mais parcimoniosa”
Diante das circunstâncias atuais em que estamos longe de encontrar uma solução para a crise financeira internacional, revertendo, assim, a recessão mundial, e as políticas contracíclicas, fiscal e monetária, do governo Lula foram articuladas tardia e cautelosamente, é muito pouco provável que a economia brasileira escape de uma recessão em 2009. Todavia, para evitarmos que o nosso PIB tenha uma performance pífia em 2010 e volte a trilhar o rumo do crescimento econômico que vinha sendo observado até o terceiro trimestre de 2008, são necessárias medidas de cunho fiscal, monetária e cambial mais ousadas. No que diz respeito à política fiscal, são fundamentais: (I) redução de impostos, principalmente aqueles incidentes sobre a cadeia produtiva, (II) maior dinamização dos investimentos públicos em infraestrutura, pois eles têm um impacto multiplicador sobre a renda e o emprego9, (III) incentivos aos investimentos privados, essencialmente aqueles geradores de emprego, tais
A referida meta de superávit incluía 0,5% destinado às obras prioritárias em infraestrututra contempladas no Projeto Piloto de Investimentos.
É importante ressaltar que os superávits primários obtidos ao longo dos últimos anos (entre 2003 e 2008, o resultado fiscal médio foi da ordem de 4,2% do PIB) geram um mecanismo de distribuição de renda perversa: o governo, em prol da austeridade fiscal, reduz os gastos públicos e seus efeitos multiplicadores sobre a renda e o emprego, gerando, em contrapartida, um volume de poupança que tem como objetivo assegurar o fluxo de rolagem da dívida pública. Em outras palavras, há uma substituição de investimentos públicos por pagamentos aos rentistas.
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As principais medidas implementadas pelo BC foram: mudanças e reduções no recolhimento de depósitos compulsórios para pequenos e médios bancos e grandes bancos, respectivamente; e criação de uma linha de crédito internacional para financiar as exportações, a partir de recursos disponibilizados pelas reservas internacionais.
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Atualmente, as taxas de juros básicas dos bancos centrais dos Estados Unidos, da Inglaterra, Europa e do Japão são, respectivamente, 0,25% ao ano, 0,5% ao ano, 1,0% ao ano e 0,1% ao ano.
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De acordo com a estimativa padrão do multiplicador keynesiano, um estímulo fiscal de $ 1,0, sob a forma de transferência, possui um impacto de $ 0,3, ao passo que um aumento de $ 1,0 nos gastos governamentais possui um impacto de $ 1,3.
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insistindo, até o início do ano, que a meta de superávit primário para 2009 deveria ser mantida em 3,75% do PIB5. Diante dos resultados do PIB do último trimestre de 2008 e das perspectivas de recessão da economia brasileira prognosticadas por analistas de mercado no início de 2009, os referidos ministros decidiram, então, reduzir, em 15 de abril passado, a meta de superávit primário para o corrente ano para 2,5% do PIB. Em nosso ponto de vista, a decisão repentina de flexibilidade do superávit primário deixa claro que a política fiscal do governo Lula mostra-se dúbia, oscilando entre as necessidades de, por um lado, expandir os gastos públicos e, por outro, de preservar a austeridade fiscal6. Em segundo lugar, o Banco Central, a despeito de algumas iniciativas pontuais para injetar liquidez na economia e reativar o mercado de crédito7, continua sendo conservador na condução da política monetária. A taxa de juros básica, Selic, hoje em 9,25%, deveria ter sido reduzida imediatamente após a constatação do agravamento da crise financeira internacional e de seus impactos sobre a economia mundial. Ao contrário dos principais bancos centrais mundiais que cortaram substancialmente as taxas de juros básicas8, o BC tomou a decisão de reduzir a Selic somente nas reuniões do Comitê de Política Monetária (COPOM) realizadas em 2009: nas primeira, terceira e quarta reuniões, a Selic foi reduzida em 1,0%, ao passo que na segunda reunião a redução foi de 1,5%. Se não bastasse tal conservadorismo, a Ata nº143 da última reunião do COPOM, realizada nos dias 9 e 10 de junho, sinaliza que o processo de redução da Selic está chegando ao fim. Algumas passagens da referida Ata deixam claro essa posição:
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como os da construção civil10 e os vinculados às pequenas e médias empresas, e (IV) ampliação dos recursos para os programas sociais de geração de renda. Em relação à política monetária e à expansão do crédito, é necessário que o BC: I) reduza abruptamente a taxa de juros básica11; II) injete mais liquidez na economia, através, por exemplo, da redução dos depósitos compulsórios e III) “induza” o sistema financeiro a converter a liquidez em crédito, condições imprescindíveis para expandir o consumo e o investimento privados. Ademais, os bancos públicos, por exemplo, BNDES e Banco do Brasil, podem ter um papel importante na expansão do crédito. Como desde o início da crise financeira internacional a taxa de câmbio tem sido muito volátil – inicialmente, ela passou por um processo de overshooting e, atualmente, voltou a apresentar uma ligeira tendência de valorização –, o que acaba gerando efeitos deletérios sobre a inflação, o balanço de pagamentos e o crescimento da economia, a operacionalização da política cambial deve estar centrada tanto na administração da taxa de câmbio, quanto na adoção de mecanismos de controle de capitais no curto prazo. É importante ressaltar que controles de capitais asseguram uma maior autonomia da política monetária, reduzem o grau de vulnerabilidade externa da economia (caso a deterioração do balanço de pagamentos recrudesça) e estabilizam a taxa de câmbio. Em suma, o que se espera das AE brasileiras é mais ousadia e rapidez na implementação de políticas fiscal e monetária contracíclicas e políticas e medidas cambiais que assegurem a estabilidade da taxa de câmbio e as posições das reservas cambiais, fundamentais para criar um ambiente institucional favorável à tomada de decisão de gastos dos agentes econômicos, sejam de consumo, sejam de investimento. Em outras palavras, é necessária a ação de um Estado-Keynesiano para orientar e ampliar as atividades econômicas voltadas para os mercados interno e externo e assegurar a estabilidade econômica.
Referências Associação Keynesiana Brasileira (2008). Dossiê da Crise. http://www.ppge.ufrgs.br/akb. Banco Central do Brasil (2009). http://www.bcb.gov.br (acessado em 23 de junho). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2009). http://www.ibge.gov.br (acessado em 23 de junho). International Monetary Fund (2009). http://www.imf. org (acessado em 23 de junho). Keynes, J.M. (1964).The General Theory, of Employment, Interest and Money. New York: HBJ Book. Minsky, H. (1986). Stabilizing an Unstable Economy. New Haven: Yale University Press. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2009). http://www.mdic.gov.br (acessado em 23 de junho).
Fernando Ferrari Filho Professor Titular do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador do CNPq. Doutor em Economia pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em Economia pela University of Tennessee. Ex-professor visitante na University of Illinois e Visiting Fellow in Economics no Centre for Brazilian Studies, University of Oxford. Autor de artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais (tais como Revista de Economia Contemporânea, Revista de Economia Política, Ensaios FEE, Nova Economia, Revista Análise Econômica, Journal of Post Keynesian Economics, Journal of Economic Issues e Investigación Económica), de capítulos de livros (editados no Brasil e no exterior) e de livros (tanto em autoria quanto em co-autoria), relacionados aos seguintes tópicos: teoria pós-keynesiana, macroeconomia aberta, políticas de estabilização e sistema monetário internacional.
O lançamento do programa “Minha Casa, Minha Vida” é uma iniciativa interessante, mas ainda muito tímida diante do déficit habitacional existente no País.
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Por mais que a redução da Selic possa não ter um efeito imediato sobre as taxas de juros de mercado e, por conseguinte, sobre a oferta e a demanda por créditos, visto que, em um contexto de expectativas adversas acerca do futuro, os agentes preferem liquidez, a sua queda é fundamental para reduzir o custo de rolagem da dívida pública, viabilizando, assim, a flexibilidade do superávit fiscal.
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Apreciação cambial, crescimento de longo prazo, controles de capitais e doença holandesa: análise e propostas para o caso brasileiro José Luis Oreiro
Em matéria publicada recentemente no jornal “O Globo” (”Ninguém segura esse dólar”, O Globo, 30/05/2009, p. 27) podemos constatar que, em 2009, o real foi a moeda que mais se valorizou frente ao dólar americano. Com efeito, o dólar se depreciou, 15.59% com respeito ao real, 10.20% com respeito ao dólar canadense, 9.77% frente a libra esterlina, 3.61%, frente ao peso mexicano e 1.13% frente ao euro. Isso significa que, ao contrário do que foi dito pelo ministro Guido Mantega, o movimento recente de apreciação do real não está restrito ao dólar americano, mas trata-se de uma apreciação face às demais moedas do mundo. Em outras palavras, a economia brasileira vem perdendo competitividade de forma acelerada nos últimos meses. A atual onda de apreciação da taxa real de câmbio está sendo motivada pela forte entrada de capitais na economia brasileira, em função da redução da aversão ao risco dos investidores internacionais, a qual tem sua origem nas boas notícias a respeito do desenrolar da crise financeira internacional. Nesse contexto, ocorre uma realocação internacional de portfólio, na qual os investidores internacionais buscam maior rentabilidade para a sua carteira de ativos por intermédio de investimentos mais arriscados em países emergentes, em particular no Brasil.
Essa redução da aversão global ao risco está produzindo um grande fluxo de entrada de capitais externos na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Segundo dados da Bovespa, divulgados na matéria publicada no jorna “O Globo”, durante o mês de maio (até o dia 26) entraram R$ 5,059 bilhões (saldo entre as compras e vendas de investidores estrangeiros). Em abril, as entradas de capital externo na Bovespa foram de R$ 3,778 bilhões, ao passo que em março haviam sido de R$ 1,441 bilhões. A apreciação cambial ocorrida nos últimos meses é bastante preocupante. Um dos motivos de preocupação, embora este seja o menos relevante, refere-se ao fato de que a economia brasileira encontra-se no meio de uma forte recessão, o que seria motivo suficiente para que o governo adotasse medidas de política econômica para reverter o movimento de apreciação cambial. Isso porque a apreciação da taxa real de câmbio tem forte impacto negativo sobre as exportações líquidas (uma vez dissipado o efeito da Curva J), dificultando assim a recuperação da demanda agregada, a qual é absolutamente necessária para a retomada do crescimento da economia brasileira. O problema fundamental da apreciação cambial, contudo, é o impacto que a mesma tem a longo prazo
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sobre a estrutura produtiva da economia, induzindo a especialização perversa da mesma em atividades com baixo valor adicionado e baixa elasticidade renda das exportações. Dessa forma, a apreciação da taxa real de câmbio produz uma redução permanente da taxa de crescimento que é compatível com o equilíbrio do balanço de pagamentos1, condenando assim a economia a uma situação de semiestagnação. A respeito da relação entre a taxa real de câmbio e a elasticidade renda das exportações, um estudo recente feito por Oreiro, Nakabashi e Lemos (2007) constatou a
existência de uma relação não-linear entre as variáveis em consideração. Mais precisamente, percebe-se que enquanto para os países desenvolvidos prevalece uma relação inversa entre a elasticidade renda das exportações e a taxa de câmbio real; para os países em desenvolvimento a relação entre ambas as variáveis é direta, indicando com isso que um câmbio real depreciado é um instrumento de importância fundamental para aumentar a taxa de crescimento do produto real que é compatível com o equilíbrio do balanço de pagamentos. Essa relação pode ser visualizada por intermédio da Figura 1.
FIGURA 1 - Elasticidade renda das exportações versus câmbio real (1995-2005)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IFS e da base de dados de Maddison (2007)
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O conceito de taxa de crescimento compatível com o equilíbrio do balanço de pagamentos é devido a Thirwall (1979). Na versão seminal de Thirwall, esse conceito é definido como a taxa de crescimento do produto real para a qual a taxa de crescimento das exportações é igual à taxa de crescimento das importações. No equilíbrio de longo prazo do sistema, onde a taxa real de câmbio deve permanecer constante, a taxa de crescimento das exportações é igual ao produto entre a elasticidade-renda das exportações e a taxa de crescimento da renda do resto do mundo; ao passo que a taxa de crescimento das importações é igual ao produto entre a elasticidade-renda das importações e a taxa de crescimento da renda doméstica. Dessa forma, a taxa de crescimento da renda/produto doméstico que garante o equilíbrio do balanço de pagamentos é igual à razão entre as elasticidades-renda das exportações e das importações multiplicada pela taxa de crescimento da renda do resto do mundo. Essa relação ficou conhecida na literatura como “Lei de Thirwall”. A extensão do modelo de Thirwall para o caso de uma economia com conta de capitais aberta foi feita, entre outros, por Moreno-Brid (1998-1999). O resultado fundamental do modelo de Moreno-Brid é que a inclusão dos fluxos de capitais externos não altera de forma significativa a taxa de crescimento que é compatível com o equilíbrio do balanço de pagamentos, de tal forma que a “Lei de Thirwall” pode ser considerada uma hipótese geral e robusta a respeito do crescimento de longo prazo das economias capitalistas.
1
(exportações + importações/PIB). A conclusão obtida pelos autores é que tanto o déficit em conta corrente como a apreciação da taxa real de câmbio tem efeitos negativos e estatisticamente significativos sobre o crescimento de longo prazo dos países emergentes. Dessa forma, países emergentes – como o Brasil – não devem permitir a ocorrência de déficits em conta-corrente e/ ou a apreciação da taxa real de câmbio. Os resultados obtidos a partir do modelo econométrico utilizado por Rocha e Oreiro (2009) são apresentados na Tabela 1. Para lidar com o problema posto pela apreciação cambial, o governo federal estuda a introdução de uma
Tabela 1 – Crescimento e poupança externa System-GMM estimates
(I)
(II)
(III)
(IV)
ln(PIB per capita_1)
1.006 (0.002)
1.003 (0.002)
0.996 (0.005)
0.987 (0.010)
Poupança externa
-0.614 (0.114)
-0.778 (0.205)
-0.663 (0.232)
-0.775 (0.345)
ln(competitividade externa)
… …
0.010 (0.001)
0.011 (0.003)
0.012 (0.005)
ln(investimento/PIB)
… …
… …
0.021 (0.004)
0.023 (0.006)
Dummies de Ano
…
…
…
Sim
Constante
-0.032 (0.016)
-0.009 (0.016)
-0.004 (0.044)
0.074 (0.082)
AR(1) Teste
0.000
0.000
0.000
0.000
AR(2) Teste
0.143
0.125
0.168
0.158
Hansen J Test
0.99
0.99
0.99
0.99
Difference-in-Hansen Test
0.99
0.99
0.99
0.99
Numero de observações
1195
1195
1195
1195
73
73
73
73
Número de países
* Entre parênteses, o desvio padrão das variáveis. Obs: (1) na especificação (I), Conta Corrente/GFP é variável endógena, instrumentalizadas por suas defasadas e diferenciadas; (2) na especificação (II), Conta Corrente e o Índice de Competitividade das Exportações são variáveis tratadas como endógenas, instrumentalizadas por suas defasadas e diferenciadas; (3) nas especificações (III) e (IV), a Conta Corrente/GDP, Índice de Competitividade das Exportações e o ln(Investimento/GDP) são tratadas como endógenas instrumentalizadas por suas defasadas e diferenciadas.
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A idéia de que existe uma relação inversa entre a taxa real de câmbio e a taxa de crescimento de longoprazo é corroborada por um estudo empírico recente feito por Rocha e Oreiro (2009) para países emergentes. Nesse estudo, a partir de uma amostra de 73 países emergentes no período 1980-2000, estima-se um modelo de painel dinâmico no qual o log da renda per-capita é regredido contra o valor defasado dessa variável, a formação bruta de capital fixo como proporção do PIB, a poupança externa como proporção do PIB, um índice de competitividade externa da economia (o qual depende fundamentalmente da evolução da taxa de câmbio) e o grau da abertura da economia
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Dada a característica de fungibilidade do capital, a taxação de uma forma específica das entradas de capitais no Brasil fará apenas com que o sistema financeiro brasileiro, altamente sofisticado, descubra formas de burlar os controles, disfarçando a entrada de capitais para investimento em renda fixa como operações para aplicação em renda variável.
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alíquota de IOF de 1,5% sobre as compras de títulos públicos feitas por residentes no exterior. Essa medida teria por objetivo reduzir os ganhos de arbitragem derivados do diferencial entre a taxa de juros doméstica (em 9,25% a.a) e as taxas de juros prevalecentes nos países desenvolvidos (em torno de 1% a.a). Dessa forma, o governo espera reduzir o fluxo de entrada de capitais no Brasil e assim diminuir o ritmo de apreciação da taxa nominal de câmbio, a qual já está prejudicando o esforço exportador brasileiro, ao afastar as pequenas e as médias empresas do mercado externo (761 empresas brasileiras deixaram de exportar no primeiro trimestre de 2009, das quais 449 eram pequenas e médias). No entanto, com base nos dados apresentados sobre o fluxo de capitais externos para a Bovespa, segue-se que a introdução do IOF sobre aplicações em renda fixa terá um efeito muito pequeno – se tanto – sobre o movimento atual de apreciação da taxa de câmbio. Além disso, dada a característica de fungibilidade do
capital, a taxação de uma forma específica das entradas de capitais no Brasil fará apenas com que o sistema financeiro brasileiro, altamente sofisticado, descubra formas de burlar os controles, disfarçando a entrada de capitais para investimento em renda fixa como operações para aplicação em renda variável. A única saída possível é introduzir um controle abrangente a entrada de capitais no Brasil, ou seja, devem-se controlar todas as entradas de capitais no Brasil. Uma proposta concreta nesse sentido seria aproveitar a bem sucedida experiência chilena da década de 1990 e introduzir um requerimento compulsório de depósito não remunerado pelo prazo de um ano para todas as entradas de capitais no Brasil (renda fixa, renda variável, empréstimos e IED). Esse requerimento poderia ser fixado, inicialmente, em 30%, podendo ser ajustado posteriormente, para cima ou para baixo, a depender do seu impacto sobre o saldo da conta financeira. Se esse controle for bem sucedido, então deveremos observar tanto uma interrupção do movimento de apreciação do câmbio, pelo menos no curtoprazo, como também uma redução do movimento de aumento do Ibovespa. Alguns economistas poderão dizer que este último efeito é indesejável, haja vista que o “mercado de capitais” é importante para o financiamento do investimento e, portanto, para o crescimento da economia brasileira. Dessa forma, impor controles generalizados à entrada de capitais no Brasil seria indesejável do ponto de vista do crescimento de longo prazo. Essa crítica desconsidera, no entanto, alguns elementos de fundamental importância para o caso brasileiro. Em primeiro lugar, o sistema financeiro brasileiro é predominantemente do tipo “credit-based” e não “capital market based”. Isso significa que a maior parte do financiamento do investimento em capital fixo é feito por intermédio de empréstimos do BNDES. Daqui se segue, portanto, que a cotação de mercado das ações, por intermédio do assim chamado q de Tobin, tem um efeito muito pequeno sobre o investimento em capital fixo. Em segundo lugar, uma parte considerável dos projetos de investimento em capital fixo no Brasil são voltados para o atendimento do mercado externo. Dessa forma, uma apreciação permanente da taxa de câmbio irá atuar no sentido de desestimular as
um aumento da taxa de crescimento da produção industrial deverá causar um aumento da taxa de crescimento da produtividade na indústria; III) Existência de uma forte correlação positiva entre o crescimento da produção industrial e dos serviços voltados para a indústria, e o crescimento da produtividade fora da indústria, notadamente no setor de serviços em geral, na agricultura e setores extrativistas. Isso porque tais setores estão sujeitos a rendimentos marginais decrescentes, ao passo que na indústria prevalecem rendimentos marginais constantes ou crescentes. Dessa forma, uma realocação da força de trabalho disponível da agricultura e do setor de serviços para a indústria deverá resultar num aumento da produtividade do trabalho no setor agrícola e de serviços, contribuindo assim para um aumento da produtividade do trabalho na economia como um todo. Nesse contexto, para evitar a desindustrialização da economia brasileira em função do problema causado
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A imposição de controles de capitais, ainda que de caráter abrangente, terá efeitos temporários sobre a trajetória da taxa real de câmbio no Brasil. Isso porque nos próximos anos, em função do início da exploração das reservas de petróleo do pré-sal, o Brasil deverá incorrer em superávits crescentes da conta de transações correntes do balanço de pagamentos.
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decisões de investimento. Nesse contexto, medidas que evitem a apreciação da taxa de câmbio devem produzir resultados favoráveis em termo de estímulo às decisões privadas de investimento e, portanto, sobre o crescimento de longo prazo. No entanto, a imposição de controles de capitais, ainda que de caráter abrangente, terá efeitos temporários sobre a trajetória da taxa real de câmbio no Brasil. Isso porque nos próximos anos, em função do início da exploração das reservas de petróleo do pré-sal, o Brasil deverá incorrer em superávits crescentes da conta de transações correntes do balanço de pagamentos. Dessa forma, o cenário que se pode vislumbrar para a economia brasileira num horizonte de 10 a 15 anos é de excesso estrutural de divisas, o qual deverá pressionar para baixo a taxa real de câmbio, induzindo a especialização da economia em setores intensivos em recursos naturais. Em outras palavras, o Brasil enfrentará, em breve, o problema da “doença holandesa”. Nesse contexto, a apreciação da taxa real de câmbio, motivada pelos superávits crescentes na conta de transações correntes, poderá resultar numa desindustrialização da economia brasileira, reduzindo assim o seu potencial de crescimento de longo prazo e, consequentemente, o ritmo de criação de empregos. A importância da indústria para o crescimento de longo prazo foi estabelecida por Lord Nickolas Kaldor por intermédio das assim chamadas “Leis de Kaldor”. Segundo Kaldor (1966, 1970), o crescimento de longoprazo das economias capitalistas é caracterizado pela existência das seguintes regularidades: I) Existência de uma forte correlação positiva entre o crescimento do PIB e o crescimento da produção industrial, ou seja, os países que apresentam maior taxa de crescimento econômico são precisamente aqueles nos quais a produção industrial cresce mais rápido; II) Existência de uma forte correlação entre o crescimento da produção industrial e o crescimento da produtividade na indústria, ou seja, uma aceleração do ritmo de crescimento da produção industrial está associada a um aumento da taxa de crescimento da produtividade na indústria. A presença de economias de escala, estáticas e dinâmicas, nos permite afirmar que a relação de causalidade ocorre do crescimento da produção industrial para o crescimento da produtividade, isto é,
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pela “doença holandês”, propomos a criação de um Fundo de Estabilização Cambial, com recursos fornecidos pelo Tesouro Nacional, com um aporte inicial de capital de R$ 300 bilhões (aproximadamente US$ 150 bilhões, a taxa de câmbio de junho de 2009). O Fundo de Estabilização Cambial deverá atuar como um market-maker no mercado de câmbio, adquirindo moeda estrangeira toda a vez que a taxa de câmbio se apreciar de maneira persistente com respeito ao valor estimado da taxa real de câmbio de equilíbrio; e vendendo moeda estrangeira toda vez que a taxa de câmbio se apreciar de forma persistente com respeito ao valor de equilíbrio dessa taxa. Deve-se ressaltar que não haveria nenhuma incompatibilidade entre a administração da taxa de câmbio e a obtenção das metas de inflação, uma vez que as operações de compra e venda de moeda estrangeira seriam feitas com recursos do Tesouro Nacional, não tendo nenhum impacto sobre a base monetária. Sendo assim, propomos que o regime cambial brasileiro continue sendo um regime de câmbio flutuante, mas no qual o governo possui um papel importante como demandante e/ou ofertante final de moeda estrangeira. Referências Kaldor, N. (1966). Causes of the Slow Rate of Economic Growth of The United Kingdon. Cambridge University Press: Cambridge. ---------------- (1970). The Case for Regional Policie. Scottish Journal of Political Economy, Novembro. KENNEDY, C; THIRWALL, A.P. (1979). Import Penetration, Export Performance and Horrod´s Trade Multiplier. Oxford Economic Papers, Vol. 31, N.2.
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MADDISON, A. (2007). Historical Statistics for the World Economy: 1 – 2003 AD. Disponível em: www. ggdc.net. Acesso em: 01/03/2007. MORENO-BRID, J.C. (1998-1999). On Capital Flows and the Balance of Payments Constrained Growth Model. Journal of Post Keynesian Economics, Vol. 21, N.2.
OREIRO, J.L; NAKABASHI, L; LEMOS, B.P. (2007). A Economia do Crescimento Puxado pela Demanda Agregada: Teoria e Aplicações ao Caso Brasileiro. Texto para Discussão 01/2007, Centro de Pesquisas Econômicas, Universidade Federal do Paraná. Disponível para download no sítio: http://www.economia.ufpr.br/ publica/textos/2007/texto_01_2007.pdf. ROCHA, M; OREIRO, J.L. (2009). Capital Accumulation, External Indebtedness and Macroeconomic Performance of Emerging Economies. Anais do 6th International Conference Developments in Economic Theory and Policy, Universidade do País Basco, Bilbao.
José Luis Oreiro Doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000). Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Dinâmica Macroeconômica, atuando principalmente nos seguintes temas: Acumulação de capital, crescimento econômico, autonomia de política monetária, taxa de juros e dinâmica não linear. Publicou cerca de 50 artigos em revistas cientificas no Brasil e no exterior como, por exemplo, o Journal of Post Keynesian Economics, Investigacion Economica, Revista Brasileira de Economia, Revista de Economia Política e Estudos Econômicos. É co-organizador do livro “Agenda Brasil - políticas econômicas para crescimento com estabilidade de preços” publicado pela Monole em 2003, bem como o livro “Sistema Financeiro: uma analise do setor bancário brasileiro” publicado pela Campus em 2007. Leciona as disciplinas de Evolução das Idéias Econômicas e Sociais (EVIES) e Macroeconomia do Desenvolvimento nos cursos de graduação e pós-graduação em economia da FACE/UNB. Recebeu duas vezes o Prêmio Brasil de Economia (Cofecon), em 2005, e em 2º lugar na categoria artigo, e o Prêmio SOF de Monografias 2007 (2º lugar). Está classificado entre os 20% mais produtivos economistas do Brasil segundo o critério REPEC da Universidade de Connecnicut.
Não quebre a corrente!
O Corecon/DF defende os interesses da categoria e trabalha pela valorização dos economistas. Mas, para que esta luta seja bem-sucedida, é importante a participação de todos. Visite o seu Conselho. Critique. Dê sugestões.
Participe!
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