Revista de Conjuntura, n. 45

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Revista de Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal ANO XII • Nº 45 • abril/junho de 2011

ARTIGOS O BC e a inflação Carlos Eduardo de Freitas

Inflação e estabilização: opção gradualista

Dinâmica inflacionária e crescimento no Brasil Thiago Sevilhano Martinez Os ares do mundo e a expectativa de uma estratégia brasileira de desenvolvimento Álen Rodrigues de Oliveira e Everaldo Leite da Silva Dinâmica dos mercados agropecuários: por que o produtor dificilmente lucra? Antônio Elias Silva O processo de desenvolvimento de Brasília e a formação de sua área metropolitana Júlio Miragaya Desalinhamento cambial, contas externas e desindustrialização: elementos para o debate a respeito da mudança na política cambial brasileira José Luis Oreiro

ISSN 1677-0668

ENTREVISTA

Guido Mantega, ministro da Fazenda, comenta a alta da inflação, desenvolvimento econômico e avalia os cinco anos à frente de uma pasta decisiva para o governo

O Grupo de Conjuntura do Corecon-DF avaliou as decisões do Banco Central para conter a inflação que chegou a 6,71% em junho (acumulado dos últimos 12 meses), ultrapassando o teto da meta (6,50%)


Nesta edição

ecidnÍ

07 O BC e a inflação Carlos Eduardo de Freitas

15 Dinâmica inflacionária e crescimento no Brasil Thiago Sevilhano Martinez

23 Os ares do mundo e a expectativa de uma estratégia brasileira de desenvolvimento Álen Rodrigues de Oliveira e Everaldo Leite da Silva

Conjuntura Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ANO XI • Nº 45 • abril/junho de 2011

2 editorial 3 entrevista Guido Mantega

29 matéria de capa Inflação e estabilização: opção gradualista

32 Dinâmica dos mercados agropecuários: por que o produtor dificilmente lucra? Antônio Elias Silva

40 O processo de desenvolvimento de Brasília e a formação de sua área metropolitana Júlio Miragaya

44 A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contatando o Corecon/DF.

Tãmnia

Desalinhamento cambial, contas externas e desindustrialização: elementos para o debate a respeito da mudança na política cambial brasileira José Luis Oreiro


lairotidE

Revista de

Conjuntura

Editorial

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal Editor responsável José Luiz Pagnussat Conselho editorial Carlos Eduardo de Freitas Elder Linton Alves de Ataújo José Fernando Cosentino Tavares José Roberto Novaes de Almeida Humberto Vendelino Richter Maurício Barata de Paula Pinto Newton Ferreira da Silva Marques Oscar Henrinque Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira Júlio Miragaya Jornalista responsável Camila Fiorese (Reg. DRT/DF: 7851) Redação e editoração eletrônica Camila Fiorese Revisão Letícia Sallorenzo Tiragem: 4.000 Periodicidade: trimestral As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF Presidente Jusçanio Umbelino de Souza Vice-presidente Humberto Vendelino Richter

No editorial da primeira edição da Revista de Conjuntura do Corecon-DF, em março de 2000, registramos a proposta de a revista ser um “contraponto ao pensamento único”, ao “pensamento oficial, hegemônico, dominante”. O diagnóstico era que “o debate ficou pobre, previsível. A opinião virou doutrinação. O “fatalismo”, o determinismo tomaram conta do meio acadêmico e, no âmbito das formulações, teorias se converteram em doutrinas, e doutrinas se transvestiram em teorias. Esquecemos o princípio da pluralidade, abandonamos a busca das experiências históricas, ignoramos o respeito ao contraditório.” Mantivemos, ao longo dos anos, a orientação da pluralidade, “não há preconceitos ideológicos ou doutrinários: os autores são responsáveis pelo que afirmam e defendem.” Procuramos “provocar maiores discussões e debates, estimular os que se dedicam à reflexão e à pesquisa.” Hoje, a Revista de Conjuntura do Corecon-DF é uma referência nacional. Recebemos artigos de economistas de todo o país e de professores das principais universidades brasileiras, sejam eles ortodoxos ou pós-keynesianos. Nas últimas edições, com o intuito de direcionar o debate, adotamos como referência para Revista o tema em análise pelo grupo de conjuntura do Conselho. Nesta edição, o assunto é a estratégia “gradualista” de combate à inflação, adotada pelo Banco Central a partir de dezembro de 2010 com as medidas “macroprudencias”. A matéria de capa sintetiza a controvérsia sobre o tema entre os diversos economistas participantes do Grupo de Conjuntura. A entrevista com o ministro da Fazenda esclarece os fundamentos da política atual de comba-

Conselheiros efetivos Jusçanio Umbelino de Souza Humberto Vendelino Richter José Luiz Pagnussat Carlos Eduardo de Freitas Oscar Henrique Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira Gilson Duarte Ferreira dos Santos Carlito Roberto Zanetti Paulo Roberto Amorim Loureriro

te à inflação. Para Guido Mantega, “as modernas teorias de economia monetária mostram que os

Conselheiros suplentes Érton Birk Teixeira Diones Alves Cerqueira Ronalde Silva Lins Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira Miguel Rendy Elder Linton Alves de Araujo Bento de Matos Félix Jucemar José Imperatori César Augusto Moreira Bergo

O artigo do professor Carlos Eduardo de Freitas nos brinda com uma aula magistral sobre o

Conselheiros federais efetivos pelo DF Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Júlio Miragaya Roberto Bocaccio Piscitelli Conselheiros federais suplentes pelo DF Maria Cristina de Araújo Newton Ferreira da Silva Marques Max Leno de Almeida Gerente executivo Ronaldo Galloti Schroeder Equipe do Corecon-DF Andréia Carvalho Angeilton Francisco Lima Faleiro Camila Fiorese Iraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares Estagiário José Luiz Cordeiro Cruz End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília/DF Tel: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo)

governos devem dispor de vários instrumentos em simultâneo para o combate à inflação. A ênfase entre eles é que pode variar, a depender da circunstância do momento. No caso do Brasil, o Banco Central tem adotado – como já vinha adotando antes – tanto a política tradicional de juros como as medidas macroprudenciais”.

tema, em seu artigo, onde sintetiza os componentes básicos da inflação (Inflação autônoma, ou exógena; realimentação inflacionária, ou inércia; e pressões de demanda); as propostas de políticas dos economistas de linha keynesiana ou desenvolvimentista e os ortodoxos; apresenta dados do comportamento da demanda e constata que o crescimento do PIB está acima da taxa de crescimento trimestral de longo prazo, utilizada como proxy da taxa potencial de crescimento da economia brasileira na conjuntura atual; e, com base nos fundamentos apresentados e as alternativas de políticas em discussão, constroi três cenários para a inflação no ano de 2011. O economista e Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, Thiago Sevilhano Martinez, em excelente artigo, analisa a dinâmica inflacionária sob perspectiva mais ampla. Ele decompõe o IPCA em quatro grandes agrupamentos: alimentos e bebidas, monitorados, serviços e industrializados. Os dados mostram o comportamento diferenciado dos preços de cada grupo, desde 2000, com grande instabilidade dos preços dos alimentos, que nos anos recentes se mantêm muito acima da meta. Os preços dos serviços vêm pressionando de forma crescente a inflação, enquanto os preços dos produtos industrializados têm ficado, nos últimos anos, abaixo do centro da meta. Em síntese, traz uma análise mais consistente do comportamento da inflação e das políticas recomendadas para seu enfrentamento. A Revista traz ainda outros artigos, entre eles o texto de Antônio Elias Silva, que analisa a “Dinâmica dos mercados agropecuários: por que o produtor dificilmente lucra?”; e o excelente artigo do professor do Departamento de Economia da UnB, José Luis Oreiro, “Desalinhamento cambial, contas externas e desindustrialização: elementos para o debate a respeito da mudança na política cambial brasileira”.


ENTREVISTA

Foto: Marcelo Klotz

Ministro da Fazenda fala sobre a alta da inflação e sobre desenvolvimento econômico Conjuntura - Desde o final de 2010, observa-se uma mudança na política de combate à inflação. O Banco Central passou a dar maior ênfase em medidas macroprudenciais em relação ao aumento da taxa Selic. Como o senhor justifica essa mudança e qual a eficiência esperada das medidas de contenção monetária e do crédito? Guido Mantega – As modernas teorias de economia monetária mostram que os governos devem dispor de vários instrumentos em simultâneo para o combate à inflação. A ênfase entre eles é que pode variar, a depender da circunstância do momento. No caso do Brasil, o Banco Central tem adotado – como já vinha Nascido na Itália, Guido Mantega, é economista formado na Universidade de São Paulo, com doutorado e espe-

antes adotando – tanto a política tradicional de juros como as medidas macroprudenciais.

cialização em Sociologia do Desenvolvimento. Foi ministro

É verdade, contudo, que, desde o final de 2010, es-

da Fazenda e ministro do Planejamento, Orçamento e

tamos alertando para o forte peso das commodities

Gestão no Governo Lula e é o atual ministro da Fazenda do

na inflação observada no Brasil (e no mundo todo).

Governo Dilma. Foi também, durante o Governo Lula, presi-

É, sem dúvida, um choque de oferta – embora outros

dente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

elementos, como a inércia inflacionária e a inflação de

Social (BNDES). Foi considerado pela Revista Época um dos 100 brasileiros mais influentes de 2009. É autor dos livros: “Acumulação Monopolista e Crises no Brasil”, Editora Paz e Terra, 1981; “A Economia Política Brasileira”, Vozes, 1984; “Custo Brasil - Mito ou Realidade”, Vozes, 1997; “Conversas com Economistas Brasileiros II”, Editora 34, 1999, entre outros.

serviços, também estejam presentes. A eficácia das medidas de contenção monetária e financeira é evidente. Basta observar o arrefecimento na expansão do crédito, que passou de taxas anualizadas da casa de 27%, em novembro de 2010, para 17%, em abril último.

Em entrevista à Revista de Conjuntura do Corecon-DF

O objetivo é chegarmos ao crescimento na casa

o ministro da Fazenda, Guido Mantega, falou sobre as ati-

dos 10% a 15% - e creio que já o atingimos, os pró-

tudes do Banco Central para conter a alta da inflação, a

ximos dados irão mostrar. Mas, enfim, é a própria de-

política de crescimento da economia e desenvolvimento

saceleração das taxas de inflação que corroboram o

econômico brasileiro.

sucesso das medidas do Governo.

abril / junho / 2011

Guido Mantega

3


Conjuntura - Qual a importância que os choques de oferta deverão ter na taxa de inflação de 2011? E que peso o Sr. atribui à realimentação inflacionária (inércia, ou indexação) no Brasil, hoje? Guido Mantega – Nos primeiros meses de 2011, a importância da evolução dos preços das commodities na inflação brasileira foi bastante significativa. Recentemente, tem havido um arrefecimento dos preços de alguns produtos de base, mas a evolução ainda é claramente inflacionária. Em média, os preços em dólares das commodities subiram cerca de 40% nos últimos doze meses. É inevitável que as taxas domésticas de inflação respondam a esse fenômeno.

Revista de

Conjuntura

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É um fenômeno mundial. Na Rússia, a inflação acumulada em doze meses passou de 6,1%, em abril de 2010, para 9,6%, em abril último. Na zona do euro, subiu de 1,6% para 2,8%. Na China, de 2,8% para 5,3%. Assim, quando verificamos que, no Brasil, o IPCA acumulado em doze meses passou de 5,3% para 6,5%, observamos que o Brasil não está mal posicionado. A inércia inflacionária ainda é um problema no Brasil. Evidentemente, muito menor do que há 20 anos, mas ainda é um problema. Conjuntura - O que o governo pensa em fazer para conter a queda do câmbio? Guido Mantega – O regime adotado pelo Brasil é o de câmbio flutuante. Não há meta de taxa de câmbio estipulada pelo governo. A taxa flutua ao sabor da oferta e da demanda do mercado.

Há pelo menos um ano, contudo, os fluxos de capitais para os países emergentes aumentaram enormemente. O Institute of International Finance, por exemplo, estima que os fluxos para os emergentes serão da ordem de US$ 1 trilhão em 2011. O Brasil é o segundo maior receptor, só perdendo para a China. O diferencial de crescimento entre os países ricos e os emergentes, somado a políticas monetárias altamente expansivas pelos EUA, tem ocasionado um enorme deslocamento de capitais. Como administrar isso? No final de maio, o Ministério da Fazenda e o FMI organizaram um importante seminário, no Rio de Janeiro, sobre este tema. Lá estavam grandes nomes da teoria econômica: Olivier Blanchard, José Antonio Ocampo, Roberto Frenkel, Jagdish Bhagwati. E a conclusão foi: você tem que administrar os fluxos de capitais, você tem que ter mecanismos de controle para evitar a sobrevalorização da taxa de câmbio e a formação de bolhas de ativos. O Brasil foi muito elogiado por isso. É claro que os governos não podem deixar de fazer a lição de casa. As políticas monetárias e fiscais têm de ser a base para evitar o problema. No Brasil, estamos cumprindo uma meta fiscal bastante ambiciosa. O setor público fez um superávit primário de R$ 57,3 bilhões nos primeiros quatro meses do ano. Isso corresponde a 4,5% do PIB, quase a metade da meta de todo o ano de 2011. Com a casa em ordem, e se os fluxos de entrada de capitais continuarem excessivos, não deixaremos de adotar medidas de controle. Conjuntura - Quais as medidas que o governo vem adotando, ou pretende adotar, para proteger a indústria do risco da desindustrialização determinada pela queda no câmbio? Guido Mantega – O termo “desindustrialização” pode designar fenômenos distintos. Uma coisa é a perda, digamos, “natural” do peso da indústria, conforme amadurecemos o desenvolvimento. O problema é quando a indústria de um país perde importância por fatores conjunturais, associados à sua competitividade. Não creio que isso seja evidente no Brasil, ao menos por enquanto. Embora a participação percentual dos resultados da indústria no PIB tenha caído de 41,6%, em 1992,


Não podemos, entretanto, esperar taxas de crescimento similares às de países como China e Índia. A renda per capita do Brasil é quase três vezes a da China e oito vezes a da Índia. Estamos em outra etapa do desenvolvimento econômico e social. E crescemos com distribuição de renda e avanço da democracia, é sempre bom lembrar. De qualquer forma, o Governo tem adotado uma série de medidas para estimular o crescimento: investimentos em infra-estrutura (PAC), melhorias na educação, redução das taxas de juros no longo prazo, solidez fiscal. Conjuntura - O ministro da Fazenda coordena o Eixo do Desenvolvimento Econômico, que pretende organizar as ações do governo Dilma e vem orientando a elaboração do PPA 2012-2015. Quais são as estratégias que o Ministério da Fazenda está pensando para promover o desenvolvimento econômico? Guido Mantega – Nesse Fórum, presidido por mim e que tem participação de titulares de 12 ministérios

Conjuntura - Qual a expectativa do Ministério da Fazenda sobre a política de crescimento da economia e quais as medidas que permitem ampliar o produto potencial para se aproximar das taxas de crescimento dos demais países do chamado Bric? Guido Mantega – A economia brasileira mudou muito entre o início da década de 2000 e hoje. Entre 2000 e 2003, por exemplo, o PIB brasileiro cresceu, em média, 2,4%, bem abaixo dos países emergentes dinâmicos. Entre 2007 e 2010, por outro lado, essa média passou para 4,6% - lembrando que esse é o período da maior crise econômica internacional desde os anos 1930. O Brasil, portanto, passou a integrar o rol dos países dinâmicos, que lideram a economia global. Somente a China e a Índia, hoje, superam o Brasil em termos de contribuição ao crescimento mundial. Isso era inimaginável há dez anos. Hoje, temos todas as condições para manter o crescimento econômico dentro de uma faixa sustentável, entre 4% e 5,5% ao ano. Temos solidez fiscal, reservas internacionais abundantes, capacidade de inovação, investimentos crescentes.

e representantes dos bancos públicos, vamos discutir medidas econômicas de repercussão abrangente, como a segunda versão da Política de Desenvolvimento Produtivo. As ações serão direcionadas a alguns setores, focadas em inovação tecnológica e dependem, entre outros acertos, das novas condições de financiamento das linhas ofertadas pelo BNDES. O Fórum debaterá também medidas de desoneração tributária, a exemplo da desoneração dos encargos incidentes sobre a folha de pagamento das empresas, e ações relacionadas à competitividade empresarial, como estímulo às exportações. Quero ressaltar a importância de o investimento no Brasil continuar crescendo mais do que o PIB e do que o consumo, como ocorreu no ano passado. Este ano, estamos com uma projeção de crescimento do investimento em torno de 10% para um PIB de 4,5% e consumo das famílias expandindo-se a 5,6%. Seguiremos com o Programa de Aceleração do Crescimento 1 e 2. Os investimentos do PAC 2 em infraestrutura e logística, entre outros, estão estimados em R$ 1 trilhão entre 2011 e 2014.

abril / junho / 2011

para 24,5%, em 2009, o setor voltou a crescer de forma sustentável, estimulado principalmente pelo aumento da demanda interna. Em 2010, a indústria cresceu 10,1%, e a indústria de transformação, 9,7%. No primeiro trimestre de 2011, a indústria voltou a crescer acima do PIB (2,2% contra 1,3%, quando comparados ao último trimestre de 2010). Além disso, é preciso lembrar que presenciamos, hoje, uma crise de demanda por produtos manufaturados. Há uma grande disputa por mercados consumidores, sobretudo em função da estagnação dos países avançados. Estamos monitorando a atividade industrial de perto, aprimorando os mecanismos de defesa comercial, impedindo a sobrevalorização do real, cortando gastos correntes, incentivando investimentos. Veja o programa de qualificação de mão-de-obra, o Pronatec. Vamos atender mais de 600 mil estudantes. Há toda uma gama de medidas pró-industriais neste governo, que acredita inteiramente na importância estratégica da indústria para a economia nacional.

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‘‘

Nessas condições, ele não é contraditório com o

O Brasil, portanto, passou a integrar o rol dos países dinâmicos, que lideram a economia global. Somente a China e a Índia, hoje, superam o Brasil em termos de contribuição ao crescimento mundial. Isso era inimaginável há dez anos.

‘‘

Conjuntura - O modelo de consumo de massa ain-

históricos e a demanda doméstica cresceu quase sempre acima de 5% ao ano. Ora, nesse mesmo período, tivemos os melhores resultados históricos das transações correntes: cinco anos de superávit e quatro anos de déficit abaixo de 2,5% do PIB. As reservas internacionais saltaram de US$ 50 bilhões para US$ 330 bilhões. Conjuntura - Qual a avaliação que o senhor faz do seu trabalho à frente do Ministério da Fazenda nesses cinco anos? Guido Mantega – Antes de mais nada, é preciso notar que os avanços obtidos nesse período, inclusive no campo econômico, foram fruto de toda a sociedade brasileira, e não apenas do governo. Além disso, a liderança foi do presidente Lula, até o ano passado, e da presidenta Dilma, a partir de janeiro.

rando o ritmo de crescimento do consumo das famí-

Mas me sinto orgulhoso de participar desse mo-

lias, dado que a expansão de 2010, de 7%, não é sus-

mento de transformação da sociedade e da economia.

tentável.

Acredito que lançamos as bases para um novo ciclo

Foi um fenômeno relacionado à crise internacio-

de crescimento no país.

nal do ano anterior. Mas o consumo continuará a se

Este novo ciclo difere dos anteriores em dois as-

expandir acima de 5%. O importante é que o investi-

pectos. Primeiro, porque é sustentável no longo pra-

mento cresça ainda mais rapidamente.

zo. Não há aumento da vulnerabilidade externa, por

O modelo de consumo de massa só é sustentável se apoiado na ampliação da formação bruta de capital fixo, das exportações e na inovação.

Conjuntura

população, o desemprego atingiu índices mínimos

brasileiro? é a nossa “galinha dos ovos de ouro”. Estamos mode-

Revista de

de 2003, a classe média passou de 37% para 50% da

da é a estratégia de desenvolvimento econômico Guido Mantega – Tenho dito que o mercado interno

6

equilíbrio externo da economia. Basta notar que, des-

‘‘

exemplo. Nem desequiílibrios fiscais. Segundo, porque é um crescimento inclusivo, com distribuição de renda.

Tenho dito que o mercado interno é a nossa galinha dos ovos de ouro. Estamos moderando o ritmo de crescimento do consumo das famílias, dado que a expansão de 2010, de 7%, não é sustentável. Guido Mantega


Carlos Eduardo de Freitas Com a divulgação do IPCA de maio, a inflação oficial acumulada nos cinco primeiros meses do ano alcançou 3,71% - o maior aumento acumulado de preços observado para este período desde 2004. Além do mais, a inflação em 12 meses alcançará a marca dos 6,55%, superando o teto da meta de 6,5%. Provavelmente as taxas de 12 meses continuarão acima de 6,5% até agosto, quiçá setembro, ou mesmo depois. Embora as previsões de consultorias de referência e

mestre de alta inflação − média mensal de 0,80% de janeiro a abril. Tal queda vinha sendo antecipada pelo número do IPCA-15, pela entrada da safra de cana de açúcar, e outros choques deflacionistas, além de corresponder a um movimento sazonal caracterizado. Mas, além disso, registra-se também a sensação de que o mercado teria efetuado uma releitura da política macroeconômica de curto prazo do governo,que teria trocado o gradualismo lento por uma ortodoxia moderada.

instituições financeiras, principalmente após a divulgação do IPCA de maio, tenham acusado significativa reviravolta, continua a não nos parecer absurdo pensar que a inflação de 2011 ultrapasse o teto da meta. Usando dados dessazonalizados, a inflação dos primeiros cinco meses do ano teria sido de 3,2%, o que poderia sugerir uma inflação anual em 2011 até acima de 7%. Para que a inflação anual coincida com o prognóstico do BC de 5,6%, conforme o Relatório de Inflação de março/2011, a média mensal de inflação de junho a dezembro deveria ficar em 0,26%, algo que se afigura difícil, mesmo considerando o comportamento sazonal de queda da inflação nos meses de maio a agosto. Para cumprir a previsão do boletim Focus do dia 3 de junho, de 6,26% de inflação para 2011, a média mensal de inflação (IPCA) de junho a dezembro teria que se conter em 0,35%. Para chegar a 7%, bastaria média mensal de 0,45% de aumento de preços. Um pouco mais razoável. De se ponderar, entretanto, que o início de junho tem assistido a uma mudança do humor dos analistas econômicos. As expectativas inflacionárias registradas nas Pesquisas Focus, divulgadas pelo BC, vêm se reduzindo desde maio, mesmo antes da divulgação da taxa de 0,47% do IPCA para o mês, depois de um quadri-

Já se ouve falar em Selic de 12,5% e até de 13% por outubro. O desembolso dos R$ 55 bilhões consignados em favor do BNDES havia sido aparentemente adiado para 2012, se não no todo, ao menos em boa parte 2. Com isso temos superávit primário genuíno do setor público consolidado, no primeiro quadrimestre, de R$ 56,5 bilhões, equivalentes a 4,47% do PIB. Isto corresponde a metade do valor previsto para o ano todo (Quadro I). Tal resultado é ainda mais expressivo quando comparado ao déficit primário ajustado de 3,40% do PIB observado nos primeiros quatro meses de 2010, isto é, descontando-se do superávit oficial o suprimento de recursos ao BNDES, de 6,90% do PIB. Ressalve-se, entretanto, que esse déficit ajustado está provavelmente superestimado. Certamente o BNDES não transformou todo o valor recebido do Tesouro – R$ 77,7 bilhões – em empréstimos no mesmo quadrimestre em que o dinheiro saiu do Tesouro para o banco. Decerto parte relevante desse valor foi aplicada de maio a dezembro. Supondo que somente 1/3 tenha sido aplicado em financiamentos no mesmo período, estaríamos falando de um superávit primário efetivo de 1,20% do PIB, contra 4,47% agora em 2011. Uma virada de 3,27 pontos de percentagem do PIB, que não é de forma alguma desprezível.

* 1 A versão original do presente artigo foi divulgada pela Agência Estado em 11/05/2011. O autor e o CORECON/DF agradecem a gentileza daquela Agência em autorizar a publicação da presente versão, atualizada e revisada. * 2 Notícia recente, entretanto, anuncia o desembolso imediato em junho de R$ 29,9 bilhões, mais da metade da verba, o que deve reduzir a virada otimista com a política antiinflacionária.

abril / junho / 2011

O BC e a inflação¹

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Quadro I Superávit primário - Jan/Abr

2011 R$ mio

2011 % PIB

2010 R$ mio

2010 % PIB

2009 R$ mio

2009 % PIB

Governo central

41.233

3,27%

25.453

2,26%

22.376

2,30%

Gov. regionais e estatais

11.082

1,28%

13.937

1,24%

8.244

0,85%

Total oficial Dedução (aumento saldos de créditos a instituições financeiras oficiais – BNDES basicamente) Total ajustado

57.315

4,54%

39.390

3,50%

30.620

3,15%

857

0,07

77.707

6,90%

17.060

1,76%

56.458

4,47%

-38.317

-3,40%

13.560

1,39%

Fonte: Banco Central, website. Elaboração do autor.

Claro que ao lado daqueles pontos favoráveis, não

nomia mundial, decorrente da ascensão da Índia e da

faltam incertezas no horizonte. O reajuste do salário

China à categoria de economias de rápido crescimento,

mínimo em janeiro próximo deve se situar entre 14

com seus dois bilhões e meio de habitantes. O choque

e 15%. O crédito do sistema bancário comercial cres-

inflacionista daí resultante nos preços das commodities

ceu no espaço aberto por certa retração do BNDES;

e produtos do agronegócio, setores nos quais o Brasil

as taxas de inflação de 12 meses em patamares ele-

detém conhecidas vantagens competitivas, trouxe-

vados estimulam a realimentação inflacionária, tanto

nos ganhos nos termos do intercâmbio. Uma conse-

de parte dos empresários defendendo suas margens,

qüência importante foi a elevação do potencial de

como dos empregados, lutando por seus salários.

expansão do PIB, comparativamente à década de 1990.

A grande dúvida hoje se refere ao grau de restrição

Por outro lado, incluiu-se a crise econômica e finan-

de demanda necessário para que a inflação recue ao

ceira de 2008. Entre outubro de 2008 e março de 2009,

centro da meta e nele permaneça. Mais do que isso, qual

o PIB caiu 6,25%, ou 12,1% em termos anualizados.

seria de fato a vontade e a força política do governo para restringir aumentos de despesas na esfera federal, se e

Assim, o período escolhido para estimar o PIB

quando a exuberância da arrecadação perder fôlego

potencial combinou impulsos externos de nature-

face à própria desaceleração da atividade econômica?

za expansionista e contracionista, de tal sorte que a

Verificamos o comportamento do PIB relativamen-

rência às potencialidades da economia brasileira. O coeficiente angular – 0,01− da equação da reta

num período de 19 trimestres (do primeiro trimestre

de tendência, em vermelho no Gráfico I, representa a

de 2002 ao primeiro trimestre de 2011), conforme Grá-

taxa de crescimento trimestral de longo prazo do PIB

8

fico I. A figura sugere que, embora em desaceleração,

(1%), equivalente a uma taxa anual de 4,06%, que cor-

o PIB do primeiro trimestre de 2011 ainda se encontra

responderia a uma proxy da taxa potencial de cresci-

um pouco acima do potencial. Sem dúvida o método

mento da economia brasileira na conjuntura atual.

utilizado é excessivamente simples, simplista mesmo,

Observam-se valores de PIB acima do potencial co-

mas seu resultado básico de que a taxa de crescimen-

meçando no 1º trimestre de 2007 e indo até o 3º trimes-

Revista de

traçada a partir dos dados efetivamente observados

Conjuntura

te ao seu potencial, medido pela reta de tendência

resultante foi uma trajetória do PIB com maior ade-

to potencial do PIB brasileiro situa-se hoje em torno de 4% a.a. não é rejeitado pela opinião dominante.

tre de 2008. Depois vêm os dois trimestres seguidos de queda do PIB – a crise – e o início da recuperação no 2º

O período escolhido inicia-se concomitantemente à

trimestre de 2009. Entretanto, o PIB só vai ultrapassar o

eclosão do processo de mudança de estrutura da eco-

seu potencial um ano depois, no 2º trimestre de 2010.


abril / junho / 2011

Gráfico I Logaritmo neperiano dos índices do PIB trimestral com ajuste sazonal

9

Fonte: IBGE – website. Elaboração do autor.

A partir daí vai desacelerando, mas ainda se encontraria discretamente acima do potencial − Gráfico II – onde se indicam os excessos ou insuficiências de demanda agregada conforme a linha azul esteja, respectivamente, acima ou abaixo do eixo das abscissas. No primeiro trimestre de 2011 o PIB cresceu 1,3% em relação ao 4º trimestre de 2010, e 4,06% comparativamente ao 1º trimestre de 2010. Para que o PIB se acomodasse ao seu potencial de expansão ao redor de 4% a.a., as taxas de crescimento trimestrais no restante

de 2011 deveriam situar-se no máximo em 1%. Seria eventualmente possível ao Governo conjugar uma inflação entre 5,5 e 6% com crescimento do PIB ao redor de 4%, se o superávit primário se mantivesse no mesmo diapasão observado de janeiro a abril, se a taxa de juros SELIC de fato chegasse aos 13% em outubro, se os R$ 55 bilhões do BNDES continuassem retidos, se os preços das commodities se acomodassem internacionalmente e não houvesse nenhum fato que provocasse volatilidade cambial.

Gráfico II Excessos (+) ou insuficiências (-) de demanda agregada em percentagem do PIB potencial

Fonte: IBGE - Elaboração própria


O presidente do BC insiste na necessidade de desacelerar a economia, embora depreenda-se implicitamente do seu discurso que tal desaceleração significa trazê-la ao seu potencial, sem pretender chegar a uma crise de ajustamento, com restrições de demanda mais fortes. Este potencial por hipótese corresponde à expansão econômica máxima compatível com estabilidade monetária, na ausência de choques inflacionistas exógenos e sem considerar a realimentação ou inércia. Os economistas de linha keynesiana ou desenvolvimentista concordam. Os ortodoxos, não: gostariam de políticas monetárias e fiscais mais restritivas, de tal sorte que uma crise de ajuste não só eliminasse o excesso de demanda como também reduzisse o coeficiente de inércia. Nossa leitura da estratégia do Presidente do BC sugere uma abordagem gradualista, e se fundamenta na constatação de que a economia não está excessivamente acelerada, isto é, se estiver operando acima do seu potencial, será pouco acima. A inflação que se acelerou no final de 2010 e agora nos primeiros meses de 2011 não adviria precipuamente de pressões excessivas de demanda. O objetivo do Presidente do BC seria um pequeno ajuste na velocidade do crescimento econômico de modo a conformá-lo ao potencial da economia brasileira neste momento.

Arcabouço conceitual A inflação tem três componentes básicos3:

Revista de

Conjuntura

10

1) Inflação autônoma, ou exógena, isto é, que não está ligada nem à demanda, nem à inflação passada. São os choques de oferta, tais como frustrações de safras ou, no sentido oposto, colheitas superabundantes, variações de preços internacionais de exportações e de importações, volatilidades cambiais, ou cataclismos que danificam a infra-estrutura econômica. Podem-se ter choques nos dois sentidos, ou seja, choques inflacionistas ou deflacionistas. Os que preocupam são os choques inflacionistas.

2) Realimentação inflacionária, ou inércia, que é uma função da inflação passada. Traduz a luta dos diversos segmentos da sociedade para defender sua fatia na distribuição do produto social4 em meio à turbulência provocada por um nível geral de preços em ascensão e pela volatilidade crescente dos preços relativos. Trata-se da dinâmica do conflito distributivo que transforma um choque inicial de oferta ou de demanda em um processo de aumento continuado de preços. Sem a inércia, tais choques ficariam encapsulados sob a forma de aumentos de preços de uma vez por todas e mudanças permanentes de preços relativos. 3) Pressões de demanda, em geral derivadas de expansão dos gastos do governo sem a devida contrapartida do aumento da arrecadação tributária. Essas pressões, dependendo da intensidade, conduzem a crescimento do Produto Interno Bruto acima da taxa potencial, definida como a taxa de crescimento neutra, isto é, aquela que é compatível com a estabilidade de preços e com o equilíbrio do Balanço de Pagamentos. A estratégia gradualista se diferencia da sua oposta, a abordagem ortodoxa5, pela visão que se tenha da crise de ajustamento. Esta crise ocorre quando o governo decide calibrar os instrumentos de política monetária (taxa de juros) e fiscal (despesa e tributação) de forma que a taxa de crescimento efetiva do PIB se situe por algum tempo abaixo da taxa potencial. O objetivo é frustrar a realimentação inflacionária. O enfraquecimento da demanda dificulta os reajustes de preços e salários, ao submeter os atores econômicos à penalidade da eventual decepção de mercado. Paralelamente, os aumentos de juros, combinados com reduções de despesas fiscais e elevação dos superávits primários, corrigem excessos de expansão do PIB acima do potencial. Para os gradualistas, a regulagem da demanda deve se limitar ao absolutamente necessário para cortar os excessos de crescimento do PIB, isto é, fazer com que

* 3 Ver Mário Henrique Simonsen, Inflação: Gradualismo X Tratamento de Choque. APEC EDITORA S/A, Rio – 1970, Cap. VI, p. 125 e seguintes. * 4 Que pode ser entendido como o Produto Interno Bruto (PIB). * 5 Antigamente a estratégia gradualista era a rival do tratamento de choque da inflação. A referência a tratamento de choque provavelmente derivava da constatação de que uma redução rápida da inflação implicaria, uma crise recessiva de ajustamento muito forte face aos patamares elevados da taxa de inflação (ao redor de 20% a.a.) no início da década de 1970 quando esta controvérsia esteve em discussão.


O objetivo do presidente do BC seria um pequeno ajuste na velocidade do crescimento econômico de modo a conformálo ao potencial da economia brasileira neste momento.

para atender aos objetivos do governo, isto é, convirja à meta, e a inércia se reduza aos níveis desejados. Os gradualistas crêem que essa crise de ajustamento é dispensável e acarreta perdas irrecuperáveis de renda e bem estar. Os ortodoxos a entendem como necessária para trazer a inflação de forma rápida a patamares baixos. Segundo eles, os benefícios de uma estabilização monetária de verdade se farão sentir a médio e longo prazo produzindo retorno econômico largamente compensador à crise transitória de ajustamento. A preocupação central do gradualismo seria manter a inflação sob controle. Não permitir que ela suba exageradamente. A queda dependerá dos choques e

‘‘

ele se contenha no potencial. Em outras palavras, con-

de uma inércia fraca. Os ortodoxos ambicionam um re-

trapor-se apenas aos choques de demanda. Para estes,

gime de estabilidade monetária sustentada. São mais

a política anti-inflacionária não precisa incorporar tran-

afeitos ao regime de metas de inflação, com toda a sua

sições recessivas. Basta evitar os excessos.

rigidez e requerimentos de disciplina. Suas metas são baixas, e enxergam um BC com foco na inflação.

Em última análise, o gradualismo pressupõe que os choques de oferta sejam transitórios com impactos so-

Os gradualistas, menos confortáveis num regime de

bre a inflação obedecendo a uma distribuição normal

metas de inflação, tenderão a manifestar preferência

de média zero, ou seja, que os movimentos autônomos

por metas mais elevadas e por um BC distribuindo suas

inflacionistas se compensem com os deflacionistas. Se

atenções entre crescimento e inflação. Pode-se resumir

a inércia ficar abaixo de 100%, o que é razoável para

o arcabouço conceitual acima numa única equação6:

mento de preços deverá convergir para patamares

• •p Π t = a + b × Π t −1 + c ×  y t − y t  ― EQUAÇÃO  simplificada poderíaDE INFLAÇÃO ― onde, de maneira

mais reduzidos.

mos dizer que.

níveis não muito elevados de inflação, o ritmo do au-

Isto acontecerá tanto mais rapidamente quanto mais benignos forem os choques de oferta e quanto

1) Π t , Π t −1 : São, respectivamente, as taxas de infla-

mais baixa for a realimentação inflacionária.

ção no ano t e no ano (t-1), como, por exemplo, em

Para os ortodoxos, além de podar os excessos de

abril / junho / 2011

‘‘

manece até que a taxa de inflação baixe o suficiente

2011 e em 2010.

demanda, as políticas monetárias e fiscais também

2)a: Representa a inflação autônoma, isto é, os cho-

devem punir a indexação. Isto implica um período de

ques de oferta, incluindo variações de alíquotas e

transição em que o crescimento do PIB será inferior ao

de incidências tributárias, reajustes salariais desco-

potencial, o que acarretará uma crise de ajustamento.

nectados de aumentos de produtividade, safras in-

A produção, o consumo e o investimento ficarão abai-

suficientes ou abundantes, preços internacionais de

xo das potencialidades do país, e o desemprego mais

commodities agropecuárias e minerais, volatilidades

elevado do que poderia ser. Esse quadro recessivo per-

cambiais, e assim por diante.

* 6 Cf. Mário Henrique Simonsen, op. cit., p.128. Cientes de que as interpretações algébricas e econométricas são extremamente mais complicadas, vamos nos ater à compreensão dos conceitos fundamentais.

11


3) b: Representa o fator de realimentação, ou a inércia inflacionária. Em países com forte memória inflacionária o b pode alcançar valores mais elevados, inclusive superiores a 0,8, ou seja, mais de 80% da inflação do ano passado se transmitem à inflação do ano presente. Dito de outra forma, se a inflação de 2010 foi de 6% (5,91% para sermos exatos), então, independentemente de qualquer choque de oferta ou de demanda, isto é, supondo teoricamente que • • p na EQUAÇÃO DE INFLAÇÃO acima a=0 e [ y t − y t ] = 0 , a inflação em 2011 já seria de 4,8%. 4) No Brasil, a inércia é ainda forte. Não só cerca de 30% do IPCA corresponde a preços administrados, ligados a indexadores diversos, como a lembrança ainda vívida no subconsciente nacional dos tempos não muito distantes de hiperinflação faz com que a ignição dos mecanismos formais e informais de correção monetária possa apresentar grande agilidade vis-à-vis uma inflação mais elevada e renitente. •

5) [ y t − y ] : Componente representativo das pressões de demanda (regulagem de demanda, conforme Simonsen, op.cit., idem), equivalente à diferença entre a taxa de crescimento efetiva do PIB • no ano t, y t e•a taxa de crescimento potencial para p aquele ano, y t . Esse componente • define um ex• p cesso de demanda quando y t − y t >•0 , ou • uma p insuficiência de demanda quando y t − y t < 0 . Este é o componente da inflação que estaria mais diretamente sob controle do governo, embora seja muito difícil na prática estimar-se com algum grau de precisão qual seria a taxa de crescimento potencial do PIB7. p t

Revista de

Conjuntura

12

6) Finalmente, o parâmetro c representa a relação entre o excesso ou insuficiência de demanda e a inflação. A título de exercício, suponha-se que c=1. Nesse caso, se a taxa de crescimento potencial fosse de 4% a.a., mas os instrumentos fiscais e monetários levassem a um crescimento de 5%, a componente

Aplicação ao caso brasileiro Não obstante simplificada em excesso e atropelando o rigor teórico, a apresentação técnica acima facilita o entendimento do processo inflacionário e a interpretação das estratégias do governo para lidar com a questão. Portanto, auxilia na formação de opiniões sobre as chances de sucesso dos cursos de ação adotados. Não se trata de algoritmo que permita prognósticos exatos sobre a inflação futura, mas apenas conjecturas das respectivas ordens de grandeza, e cenários plausíveis. Vamos examinar três cenários e ver como a inflação poderia se comportar no futuro imediato considerando a opção do Governo pelo gradualismo no trato da problemática inflacionária.

1º Cenário i)

A atividade econômica se desacelera em 2011,

e o crescimento do PIB tenderia ao potencial (na faixa de 4%), desaparecendo • eventual excesso de • demanda de 2011: inflação.

ii)

 p   y t − y t  = 0 na equação de  

O coeficiente de realimentação inflacionária

seria de 80%:

→ 4,73% de

inflação em 2011decorrente da inércia.

iii)

Choques de oferta se limitariam ao carry over

de 2010; segundo o BC ⅓ do choque de commodities ocorrido entre o segundo semestre de 2010 e o início de 2011, estimado pelo próprio BC em 2,5 pontos de percentagem de inflação, chegaria aos preços em 2011. Logo, aos 4,73% de inércia, se acrescentaria 0,8 pontos8 (⅓ de 2,5).

iv)

O resultado final seria inflação de 5,53% em

2011 (4,73%+0,8%=5,53%), basicamente o número indicado pelo BC no Relatório de Inflação de março último9 , 5,6%, que já vimos ser improvável dado o

de demanda geraria por si só uma inflação de 1% no

ocorrido até maio, pois exigiria 0,26% de inflação

ano.

mensal na média de junho a dezembro.

* 7 O professor Delfim Netto sustenta que essa determinação é impossível. * 8 Valor Econômico, 31/03/2011, p. A3. * 9 Idem, idem.


abril / junho / 2011

2º Cenário i)

É sabidamente complicada a arte de acertar o ponto do crescimento potencial do PIB, pois não se dispõem de avaliações precisas de qual seria esse potencial. Assim, e com receio de forçar a mão para baixo, o governo pode acabar com uma expansão do PIB um pouco acima do potencial – algo como 0,5 • pontos de percentagem, por exemplo:  • p   y t − y t  = 0,5 . Admitindo c=1 na Equação de  ação, oexcesso de demanda contribuiria com o Infl mesmo meio ponto de percentagem para a inflação de 2011.

13

ii)

Com a economia girando em maior velocidade e a inflação ainda alta, seria razoável supor um coeficiente de realimentação de 85%, um pouco mais elevado que no primeiro cenário.

iii)

Independentemente do carry over referido no primeiro cenário, as commodities provavelmente continuarão a subir de preços nos mercados internacionais . Vamos admitir mais meio ponto de percentagem de choque de preços, lembrando, inclusive, que o BC pode insistir na sua política de compra de dólares para compensar o impacto da melhoria dos termos de troca sobre a taxa de câmbio, o que exacerba o impacto dos preços internacionais sobre a inflação doméstica.

iv)

A Equação de Inflação teria a forma seguinte:

= taxa de inflação em 2011.

v)

Admitamos, para efeito de raciocínio, que a partir de 2012 o governo mantenha o crescimento do PIB dentro do potencial, manejando juros e controlando as contas fiscais, e que os choques inflacionistas e deflacionistas se compensem, de modo que teremos a=o na Equação de Inflação. Ainda assim a taxa de inflação levaria 2,5 anos para convergir à meta de 4,5%.

3º Cenário i)

Vamos manter no terceiro cenário o mesmo meio ponto de percentagem do PIB de excesso de demanda, mas subindo o coeficiente de inércia de 85% para 90%, considerando a possibilidade de memória inflacionária mais forte.

ii)

Colocaremos também uma pitada a mais de pessimismo ou de realismo, segundo alguns, nos efeitos dos choques adversos, supondo um acréscimo equivalente a 0,75 pontos de percentagem sobre o carry over do primeiro cenário.

iii) O resultado final em termos de inflação em 2011 seria: = taxa de inflação em 2011.

iv)

Nesse caso, mesmo nas condições extremamente otimistas para 2012, mencionadas no item (v) do segundo cenário – excesso de demanda zero e nenhum impacto de choques adversos – a taxa de inflação levaria cerca de 4 anos e meio para convergir à meta de 4,5%.

* 10 Estamos falando de uma taxa de expansão do PIB de 4 a 4,5%. * 11 Na primeira semana de maio o Índice Bloomberg/CMCI teve queda abrupta de 7,38%. Considerando o IC-Br Composto, Índice de Preços de Commodities do Banco Central calculado em R$, que engloba as commodities agropecuárias, metálicas e de energia mais relevantes para o Brasil, os preços desses produtos nos mercados internacionais, em dez/2010, eram 35% mais altos que a média de 2009, e em abril de 2011, estavam 30% acima da média de 2010. De fato em maio o IC-Br Composto caiu 4,5% em relação a abril (média contra média), mas o nível de preços em maio ainda era 24% mais elevado que a média de 2010. Mantivemos em nossos 2º e 3º Cenários a possibilidade de que esses preços internacionais continuassem a ter efeitos inflacionários no Brasil.


Conclusões Os dois últimos cenários são compatíveis com a inflação observada até maio, embora mais pessimistas do que as expectativas registradas na Pesquisa Focus de 3 de junho: inflação projetada para 2011 de 6,82% no segundo cenário e de 7,37% no terceiro, contra 6,26% na Focus. E mais ainda divergem das mudanças recentes de humor dos mercados. O mais importante, contudo, é que evidenciam o grande problema do gradualismo, que é a lentidão na convergência. Mesmo supondo excesso de demanda zero, o que é igualmente uma condição mínima do cenário ortodoxo, imaginar ausência de impactos adversos de choques exógenos durante períodos longos é uma hipótese forte. Como as taxas de inflação no gradualismo tendem a ser mais altas, qualquer choque as pode alçar a patamares indesejáveis, os quais já começam a prejudicar o cálculo econômico das empresas e dos indivíduos de tal forma que a institucionalização da correção monetária eventualmente se tornará inevitável.

ganhar vida própria e ir paulatinamente saindo de controle, até que a estabilização exija um complicado programa de desindexação. Admitimos que o gradualismo possa manter a inflação sob controle, girando entre 6 e 8% a.a. durante algum tempo, e sustentar um crescimento real do PIB entre 4 e 4,5%, mais ou menos equivalente ao potencial. Mas a inflação concentra renda, prejudica os financiamentos de longo prazo, aumenta a dependência do BNDES com a velha conta-movimento ressuscitada e desestimula a poupança. Será que o benefício de sustentar crescimento do PIB naquela faixa de 4 a 4,5% a.a., no curto prazo, compensa os riscos de médio prazo? Ainda estamos longe de situações de impasse caracterizadas por taxas de inflação de fato elevadas. Não seria o caso de enfrentar uma crise de ajustamento agora, não muito severa, e garantir os benefícios e a segurança da estabilidade monetária?

Nesse ponto a crise de ajustamento requerida para puxar a inflação a níveis de 3 ou 4% a.a. será muito grande. Basta imaginar um exercício, usando a nossa equação de inflação, partindo de uma inflação de 9% a.a., com coeficiente de realimentação (inércia) de 95%, uma taxa de crescimento potencial de 4,5%, e um objetivo de baixar a inflação anual também para 4,5%. Sem considerar a possibilidade de choques perversos, precisaríamos de algo como dois anos com crescimento em torno da metade do potencial para reverter a inflação ao patamar desejado, e possivelmente mais um ano para consolidar uma inércia baixa (nesse terceiro ano de ajuste o crescimento já poderia se situar em torno de ¾ do potencial).

Revista de

Conjuntura

14

No nosso caso específico, dado o engessamento dos Orçamentos Fiscais, isso só seria possível num período mais longo, se é que de todo seria possível. Os políticos achariam, aliás, com razão, ser preferível contemporizar com a inflação a conviver com um programa ortodoxo de ajustamento. Esse é o grande perigo do gradualismo. Sua lentidão característica pode, via acidentes de percurso, elevar os patamares inflacionários, chegando até um ponto de não-reversão. A partir daí corre-se o risco de a inflação

Carlos Eduardo de Freitas carlos.freitas@corecondf.org.br Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1966) com mestrado em Economia pela EPGE/FGV (1970). Foi Diretor do Banco Central (Área Externa - 1985 a 1988 / Área de Liquidações e Desestatização - 1999 a 2003) e Secretário de Política Econômica (1993). Conselheiro do Corecon-DF


abril / junho / 2011

Dinâmica inflacionária e crescimento no Brasil

15 Thiago Sevilhano Martinez

O Plano Real, instituído em 1995, foi um marco na

Ipeadata). O aspecto mais admirável desse aumento no

história brasileira por ter debelado um dos grandes

ritmo de crescimento é que ele não comprometeu a

males econômicos que assolavam nossa sociedade: a

estabilidade inflacionária e seus frutos foram colhidos

inflação descontrolada. Contudo, nos dez anos seguin-

pelos mais pobres e pela classe trabalhadora.

tes, o crescimento do PIB continuou baixo e volátil, mantendo o padrão observado desde os anos 1980.

As metas de inflação foram cumpridas em todos os anos desde 2004. Indicadores de desenvolvimento

Só a partir de meados dos anos 2000 a situação co-

social e mercado de trabalho, extraídos da Pesquisa Na-

meçou a se modificar. De 1995 a 2003 a taxa de cresci-

cional por Amostras Domiciliares (PNAD) e da Pesquisa

mento média do PIB real foi de 2,18% ao ano, e de 2004

Mensal de Emprego (PME), apresentaram melhoras sig-

a 2010 o crescimento médio subiu para 4,42% (fonte:

nificativas (Gráfico 1).

Gráfico 1: Pobreza, desigualdade de renda e mercado de trabalho 1a. Pobreza


1b. Desigualdade de renda

1c. Taxa de desemprego

1d. Grau de informalidade

Revista de

Conjuntura

16

Fonte: a, b, d. IBGE (PNAD); b. IBGE (PNAD e PME). Para a PME, dados de dezembro do ano


abril / junho / 2011

Embora a variação do IPCA tenha ficado dentro da meta nos últimos anos, recentemente a inflação acumulada em 12 meses ultrapassou o teto da meta, o que gerou discussões intensas sobre os rumos da política monetária e a sustentabilidade das configurações atuais da economia brasileira. Esse texto tece uma breve discussão sobre a inflação como uma restrição ao atual padrão de crescimento a partir da decomposição da di-

17

nâmica recente do IPCA.

1. O padrão de crescimento brasileiro Embora essa retomada do crescimento ainda seja recente, é possível identificar algumas transformações estruturais e novas políticas adotadas que podem ex-

rial. O governo também ampliou a oferta de crédito às

plicar tal resultado. Amitrano (2010) sugere que há um

empresas, com imponentes transferências de recursos

novo regime de crescimento na economia brasileira,

ao BNDES e reorientação de bancos públicos. Os inves-

baseado na forte demanda do mercado interno, ga-

timentos governamentais em infraestrutura e outros

nhos de produtividade e alívio da restrição externa.

setores, com destaque para o Programa de Aceleração

O mercado interno é a força motora do novo regi-

do Crescimento (PAC) e a atuação da Petrobrás, foram

me, alimentado pela melhora na distribuição de renda

decisivos para expandir a produtividade e a capacida-

e redução da pobreza, expansão do crédito e recupera-

de de oferta da economia.

ção da renda do trabalho. A recomposição paulatina do valor real do salário mínimo já estava em curso desde 1995, mas a partir de 2004 ocorre de forma mais intensa e em 2007 é adotada uma regra formal de indexação para garantir ganhos reais. A política de combate à pobreza, capitaneada pelo programa governamental Bol-

Por fim, os ganhos de divisas com a ascensão dos preços de commodities e os capitais externos atraídos pela boa fase da economia brasileira e pela taxa de juros alta para padrões internacionais concederam um relaxamento da restrição externa. Essa abundância de

sa Família, teve êxito ao reduzir de 35% para quase 20%

divisas foi aproveitada em uma política de acúmulo de

a proporção de pobres na população brasileira (Gráfico

reservas, e isso formou uma proteção que foi decisiva

1a). O crédito ao consumo e habitacional foi incenti-

para a passagem rápida da crise de 2009. Ainda assim, a

vado de forma intensa, o que possibilitou a ampliação

entrada de recursos foi tamanha que resultou em forte

do mercado de massas. Por fim, o mercado de trabalho

apreciação, que por sua vez ajudou a conter a inflação

respondeu com redução do desemprego, aumento da

e barateou o custo da importação de bens de capital

formalização de postos de trabalho e ganhos da renda

para investir.

salarial. A capacidade de oferta da economia também se ex-

2. Decomposição da inflação

pandiu em parte por seguir a demanda, em parte por

As mudanças estruturais que afetaram o padrão de

políticas governamentais adotadas para esse fim. Com

crescimento brasileiro também refletiram sobre a di-

a continuidade nos fundamentos da política macroe-

nâmica inflacionária. A composição do IPCA é analisa-

conômica – o tripé macroeconômico metas de inflação,

da com mais detalhes em Martinez e Cerqueira (2010)

câmbio flutuante e metas de superávit primário – e

para o período de 2000 a 2009 e em outro corte em

sinais de que a dinamização do mercado interno seria

Martinez (2011) no período de 2007 até os primeiros

duradoura, o crescimento dos investimentos privados

meses de 2011. A seguir são sumarizados os principais

foi estimulado pelo aumento da confiança empresa-

pontos desses estudos.


Em Martinez e Cerqueira (2010), o IPCA foi decomclassificação bens comercializáveis / não comercializá-

A Tabela 1 aplica o corte adotado no segundo texto, que decompõe o IPCA em quatro grandes agrupamentos, no período de 2000 a março de 2011. A primeira co-

veis, / monitorados com os nove grupos do IPCA (ali-

luna da tabela mostra o peso médio entre 2000 e 2010

mentação e bebidas, habitação, artigos de residência,

de cada agrupamento no IPCA. Sob o rótulo “variação

vestuário, transportes, saúde e cuidados pessoais, des-

%” estão as variações percentuais do IPCA acumuladas

pesas pessoais, educação e comunicação). É apresenta-

em 12 meses para os anos de 2000 a 2010, além do mês

do um novo método para medir a contribuição de cada

de março de 2011. As células destacadas em vermelho

bem ou agrupamento de bens aos desvios da inflação

correspondem aos anos em que a taxa de variação do

em relação à meta, o Índice de Pressão sobre a Meta de

agrupamento em questão ficou acima da banda supe-

Inflação (IPMI).

rior da meta de inflação e os destaques em cinza se re-

posto em 22 segmentos a partir de um cruzamento da

Notou-se que as pressões inflacionárias são mais concentradas em alguns agrupamentos de preços,

ferem a taxas de variação entre um ponto percentual acima do centro da meta e o teto da meta.

cujas taxas de variação são sistematicamente superio-

A primeira metade da década de 2000 foi marca-

res ao centro da meta de inflação, e que em 2006 há

da por uma crise cambial prolongada que impediu o

uma mudança na dinâmica inflacionária. Ademais, uma

cumprimento da meta de inflação nos anos de 2001 a

investigação econométrica apontou os determinantes

2003 (Gráfico 2). Seus efeitos foram sentidos em todos

macroeconômicos das taxas de variação dos segmen-

os grupos de preços, em uns mais que nos outros. Entre

tos. Adota-se um corte que separa mais adequada-

2000 e 2005, os preços monitorados ou administrados

mente os grupos segundo sua dinâmica em Martinez

foram a maior fonte de pressões inflacionárias da eco-

(2011). Uma descrição detalhada da composição do

nomia brasileira. Sua taxa de variação média foi igual a

IPCA de 2007 aos primeiros meses de 2011 aponta

11,1%, muito acima da banda superior da meta de in-

como o novo padrão de crescimento condiciona e é

flação em todo o período. Parte dessa pressão elevada

condicionado pela inflação.

é explicada pela indexação dos contratos de serviços

Tabela 1 Composição da inflação medida pelo IPCA, 2000 a março de 2011 Peso médio no IPCA e variação percentual de preços acumulada em 12 meses. Agrupamentos

Revista de

Conjuntura

18

Variação % Peso médio 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011:3

Alimentos e bebidas

22,3

4,9

11,1

20,7

8,5

4,7

2,8

1,7

10,8

11,1

3,2

10,4

8,8

Serviços

23,0

3,2

4,9

5,5

7,2

5,5

6,8

5,5

5,2

5,5

5,5

7,6

8,5

Monitorados

31,5

11,1

9,5

14,7

13,0

9,8

8,6

4,2

1,7

3,2

4,9

3,1

4,7

Industrializados

23,1

2,1

6,2

9,6

8,0

9,0

4,2

1,4

2,1

4,1

2,8

3,5

3,6

IPCA

100

5,97

7,67

12,53

9,30

7,60

5,67

3,13

4,46

5,90

4,31

5,91

6,30

centro

6,0

4,0

3,5

4,0

5,5

4,5

4,5

4,5

4,5

4,5

4,5

4,5

banda

±2

±2

±2

±2,5

±2,5

±2,5

±2

±2

±2

±2

±2

±2

Meta de inflação

Fonte: IBGE e Banco Central do Brasil. Elaboração própria. Para 2003, não foi considerada a mudança da meta feita no mesmo ano como ajuste à crise cambial.


abril / junho / 2011

Gráfico 2: Taxa de câmbio real

19

Fonte: Ipeadata.

públicos ao Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), muito afetado pelo câmbio. Entretanto, o câmbio não explica tudo, já que os aumentos de preços do grupo foram intensos mesmo nos anos 2000, 2004 e 2005. A seguir, os alimentos e bebidas foram o grupo mais influente, especialmente porque seus preços foram muito afetados pela crise cambial. Os produtos industrializados também se mostraram sensíveis ao câmbio. Já a taxa de variação dos serviços ficou acima do centro da meta em todos os anos a partir de 2001, mas nesse período apenas em 2002 ultrapassou a banda superior. Entre 2006 e 2007, a dinâmica inflacionária se alterou. O fato mais notável foi a sensível redução das taxas de variação dos monitorados. Conforme detalhamento em Martinez e Cerqueira (2010), isso é explicado por mudanças regulatórias nos setores de telefonia e energia elétrica e políticas para os combustíveis. Na telefonia, o IGP-DI foi substituído como indexador por um índice que reflete os custos do setor, o Índice de Atualização de Tarifas (IST), e a Anatel alterou a fórmula para repasse de ganhos de produtividade, que anteriormente eram subestimados. Ademais, a ascensão dos telefo-

nes celulares contribuiu para conter os preços. No setor de energia elétrica, novos leilões de energia trocaram o IPG-M pelo IPCA como indexador e as regras para repasse de custos também foram aprimoradas. É necessário frisar que essas mudanças regulatórias nos dois setores foram tomadas no momento do vencimento de contratos, ou seja, não houve quebra de compromissos assumidos pelo governo. No setor de combustíveis, ao menos desde 2005 a Petrobrás tem repassado internamente com menos frequência as oscilações do preço do petróleo; o governo passou a alterar a tarifa da Cide na gasolina e diesel em sentido contrário às flutuações dos preços dos combustíveis, e a difusão dos carros flex tornou o etanol um substituto de fato à gasolina. A partir de então, os monitorados em geral passaram a contribuir para segurar a inflação abaixo da meta. A mudança na dinâmica inflacionária também refletiu os condicionantes e resultados do novo modelo de crescimento brasileiro. A partir de 2007, a alta dos preços de commodities passou a se refletir nos preços internos dos alimentos. Embora o movimento de elevação dos preços de commodities já estivesse em curso desde 2003 (Gráfico 3), até então o repasse para pre-


Gráfico 3: Preços de commodities

Fonte: Ipeadata

Revista de

Conjuntura

20

ços internos era fraco em razão da apreciação cambial

2006 a 2008. Em 2009, ano de crise, a variação dos servi-

(Gráfico 2). Em 2007, os preços de commodities passam

ços ainda foi acima da meta, o que é mais um indício de

a crescer exponencialmente e a política de acúmulo de

que se trata de uma mudança de preços relativos e não

reservas dissipa parte da pressão para apreciação cam-

apenas de um aquecimento conjuntural da deman-

bial, com isso o repasse a preços internos se torna forte.

da. Mas para o ano de 2010 há indícios mais claros de

Com exceção do ano de 2009, em que a crise interna-

pressões inflacionárias no setor de serviços resultan-

cional derrubou os preços das commodities, em 2007,

tes do aquecimento da economia, pois vários serviços

2008 e 2010 o preço dos alimentos subiu mais de 10%

cresceram mais que em anos anteriores: serviços pes-

ao ano.

soais (peso no IPCA 5,3%, cresceram 9,2% contra 7,3%

Os serviços foram a outra fonte de pressões infla-

na média de 2007 a 2009), serviços de educação (peso

cionárias no período. Em todos os anos sua taxa de

6,1%, cresceram 6,7% contra média 5,3%), aluguel e

variação foi superior ao centro da meta. Tal fato prova-

condomínio (peso 4,8%, 10,6% em 2010, média 8,1%),

velmente tem ligação com o processo de melhora da

recreação (peso 2,0%, 8,8% em 2010, média 4,8%).

distribuição de renda, redução do desemprego e for-

Por fim, assim como os monitorados, os produtos

talecimento do mercado interno, que tanto aumenta

industrializados também passaram a ter uma evolu-

o custo dos serviços quanto amplia a demanda. Isso é

ção mais favorável ao controle da inflação. Seus preços

mais visível em alguns serviços diretamente vinculados

foram contidos pela apreciação do câmbio (Gráfico 2),

à política de valorização do salário mínimo, como é o

mas também por ganhos de produtividade na indústria

caso do subitem empregado doméstico, cujo preço cres-

de bens de consumo duráveis, especialmente na auto-

ceu em média 10% ao ano de 2007 a 2010. Ainda assim,

mobilística. Esses ganhos de produtividade foram pro-

a pressão inflacionária dos serviços como um todo foi

piciados pelo próprio crescimento do mercado interno,

em geral pequena comparando com os alimentos de

em especial pelo aumento do crédito ao consumidor.


da em 12 meses cresceu puxada pelos monitorados e os serviços. Sobre os monitorados influenciaram a recomposição de tarifas de transporte habitual após ano de eleições e a alta dos combustíveis, em razão da escassez de etanol com a ascensão do preço internacional do açúcar. Já os serviços continuam se acelerando e no momento dividem igualmente com os alimentos a responsabilidade pela variação do IPCA acima da meta. Os preços dos alimentos arrefeceram um pouco, mas continuam crescendo a taxas muito elevadas. Os industrializados, por sua vez, são o único grupo com taxas de variação abaixo da meta. Dados mais recentes dão sinais de queda na atividade industrial e preços dos alimentos em acomodação. Tais fatos indicam que as pressões inflacionárias devem se atenuar nos próximos meses. Analisando a dinâmica inflacionária sob perspectiva mais ampla, nota-se que o controle da inflação dentro

‘‘

Analisando a dinâmica inflacionária sob perspectiva mais ampla, nota-se que o controle da inflação dentro das metas estabelecidas é de forma geral compatível com o atual padrão de crescimento da economia brasileira. A ascensão dos preços de commodities afrouxou a restrição externa, mas também causa impacto na inflação.

‘‘

No primeiro trimestre de 2011, a inflação acumula-

das metas estabelecidas é de forma geral compatível com o atual padrão de crescimento da economia brasileira. A ascensão dos preços de commodities afrouxou

apreciação cambial no contexto de abertura a capitais

a restrição externa, mas também causa impacto na in-

externos e alta de preços dos alimentos são inócuas. Se

flação. A dinamização do mercado interno com a redis-

a cotação do câmbio nominal é preservada, tipicamen-

tribuição de renda pressiona a inflação, especialmente

te as pressões inflacionárias provocam a elevação da

pelos serviços, mas também estimula o investimento e

taxa de juros pelo Banco Central e com isso o câmbio

expansão da capacidade de oferta, com ganhos de pro-

nominal volta a se apreciar. Caso o Banco Central não

dutividade na indústria automobilística e outros bens de consumo duráveis. Os alimentos têm sido a principal fonte direta de pressões inflacionárias da economia, puxados pela alta das commodities nos mercados internacionais. Mas como o Brasil é um grande exportador desses produ-

responda com a taxa de juros, a inflação cresce e o câmbio real se aprecia. Do lado dos serviços, o processo intenso de redistribuição de renda e fortalecimento do mercado de trabalho tem pressionado a inflação para cima, mas

tos, a alta das commodities nos mercados internacio-

em geral de forma menos intensa que os alimentos. O

nais eleva a entrada de divisas e causa apreciação do

aumento desses preços foi excessivo apenas em 2010,

câmbio. Com isso, as pressões inflacionárias são atenu-

porque o crescimento da demanda foi muito intenso.

adas em outros setores, como os industrializados e mo-

Nos outros anos, a variação acima da meta foi mais que

nitorados. Assim, indiretamente os efeitos da alta dos

compensada pelos preços monitorados e pelos produ-

alimentos são contidos pela apreciação do câmbio.

tos industrializados.

O problema com esse mecanismo é a redução da

Nos últimos anos, mesmo com o maior crescimento

competitividade de outros setores comercializáveis,

do PIB, a taxa de juros real pôde entrar em trajetória de

como a indústria de maior valor agregado. Tentativas

queda. Há indícios de que as mudanças regulatórias na

de intervenção no mercado de divisas para conter a

telefonia e energia elétrica, além das políticas governa-

abril / junho / 2011

3. Implicações para o controle da inflação

21


mentais para combustíveis, foram decisivas para que isso ocorresse, já que os monitorados eram a principal fonte de pressões inflacionárias da economia. As elevações da taxa de juros nesse período acompanharam picos dos preços internacionais de alimentos. Em 2011, a elevação da taxa Selic tem ocorrido por esse motivo e porque o aquecimento da economia em 2010 foi demasiado, o que causou uma disparada dos preços de serviços, à qual se soma a indexação dos monitorados à inflação alta de 2010. Para que a trajetória de redução dos juros possa ser retomada sem perigos para o controle da inflação, é necessário evitar episódios de crescimento muito acelerado da demanda, como ocorreu em 2010, e empregar políticas de controle da inflação alternativas à taxa de juros. O exemplo das intervenções sobre os monitorados é emblemático. O próprio Banco Central vem agindo nessa direção com a adoção de medidas de controle do crédito. Há que se avançar na agenda de políticas alternativas de controle da inflação que não interfiram no funcionamento do regime de metas – em especial no setor agrícola, para tentar reduzir a trans-

Thiago Sevilhano Martinez

missão da alta das commodities aos preços internos.

thiago.martinez@ipea.gov.br

Referências bibliográficas AMITRANO, C. O regime de crescimento econômico brasileiro: uma apreciação sobre o período 1995-2009. In: Brasil em desenvolvimento 2010: Estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: Ipea, 2010. MARTINEZ, T. S.; CERQUEIRA, V. S. Estrutura da inflação brasileira: determinantes e desagregação do IPCA. Rio de Janeiro: Ipea, 2010 (Seminários DIMAC, n. 363. Versão Texto para Discussão no prelo).

Revista de

Conjuntura

22

MARTINEZ, T. S. Inflação e regime de crescimento brasileiro: considerações a partir da desagregação do IPCA. In: Brasil em desenvolvimento 2011: Estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: Ipea, 2011 (no prelo).

Economista formado na Unicamp (2004), mestre em economia pela USP (2008). Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea. Atualmente é coordenador de Estudos em Regimes Monetário e Cambial no Ipea.


Álen Rodrigues de Oliveira e Everaldo Leite da Silva A crise americana iniciada em 2007 aos poucos vai se tornando um marco histórico, como ocorreu com a principiada em 1929. Não exclusivamente pelos desequilíbrios macroeconômicos observados tanto em países ricos e desenvolvidos como em países em desenvolvimento – efeitos óbvios –, mas visto que desnudou o jogo internacional, deixando evidenciar a pluralidade de estratégias nacionais e regionais, com especial atenção para o Leste Asiático. Também, nitidamente, porque deixou transparecer as fragilidades da lógica financista e da riqueza virtual às quais os players depositavam suas fichas, seguindo o mapa ilusório de uma “nova economia”. A crise, se por um lado gerou incertezas, por outro iluminou o palco do “xadrez internacional”1, antes encoberto por teses vazias e fé esdrúxula. Em O Mundo é Plano, um exemplo simbólico2 do pensamento novo-econômico do início deste século, Thomas L. Friedman se revela um analista pasmado e atônito frente à idéia de que apenas a convergência de tecnologia, acrescida de algumas determinações das transnacionais, permitiu à Índia, China e outros países ingressarem na cadeia global de fornecimento de serviços e produtos, definindo isso como um tipo de mola-mestra do crescimento da riqueza de suas classes médias. Quem o lê com a mesma empolgação tenderá a acreditar que algumas decisões fundamen-

tais de o que, onde e para quem produzir se tornaram libertárias para o capitalismo somente no século XXI e que, por isso, o mundo se tornou “plano”, desnacionalizado e harmônico. (Curiosamente, em sua avaliação, esta nova era está marcada pelo “dia em que o Netscape foi para a bolsa”)3. Em 2011, o que se pode perceber é algo muito diferente dessa visão “friedmaníaca”. A crise arredondou o mundo novamente e a Economia Política emergiu com a realidade, especialmente em países subdesenvolvidos, como o Brasil, obrigando-os a reavaliar seriamente suas condições e estratégias catching up. Estes passaram a compreender melhor que, mesmo num contexto de globalização, nação ainda é um conceito forte em todo o planeta e que as relações internacionais estão longe de ser harmônicas face à competição frenética vigente. Aliás, o sentimento nacional e a estratégica econômica nunca deixaram de ter grande peso nos países centrais, e mesmo os EUA, a Inglaterra e outros países ricos avidamente lançaram mão do protecionismo nacionalista nos primórdios de seu desenvolvimento. É importante lembrar também que, nesses locais, vários subsídios populistas ainda persistem, à revelia de sua própria retórica econômica4. De fato, o desenvolvimento depende diretamente desta percepção, e somente nações fortes e com estratégia clara, de longo prazo, conseguiram atingir tal objetivo.

* ¹ Discutido de forma aberta pelo sociólogo e político Fernando Henrique Cardoso (2010). * ² Esteve muitos meses na lista dos mais vendidos do The New York Times em primeiro lugar. * ³ Friedman (2005). * 4 Isso está bem evidenciado em “Maus Samaritanos”, de Ha-Joon Chang (2009).

abril / junho / 2011

Os ares do mundo e a expectativa de uma estratégia brasileira de desenvolvimento

23


Revista de

Conjuntura

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No Brasil pós-Lula, existe uma propensão ou inten-

Em oposição ao antigo desenvolvimentismo que, por

ção de se provocar políticas de inserção ativa em esco-

pertencer a um estágio inicial do desenvolvimento eco-

po catching up, o que é muito positivo. Entretanto, essa finalidade tem esbarrado em uma série de questões internas (produto potencial, investimentos, tributação e gastos governamentais, consumo, qualificação, emprego, distribuição da renda, inflação etc.) e externas (política cambial e comércio exterior) ainda não decididamente resolvidas, comprometendo a elaboração e a execução de uma agenda distinta. Além disso, perdese muito tempo com discursos anódinos que, não raramente, tendem a culpar outros países pelos nossos riscos idiossincráticos. Parte dos analistas econômicos da imprensa nacional alardeia, por exemplo, que a China representa uma complicação por ter um câmbio artificialmente desvalorizado, de certa forma imputando-lhe responsabilidade pelos nossos desequilíbrios. Ora, ainda “temos (o Brasil) um modelo econômico de pobreza: os juros mais altos do mundo, um custo exorbitante, um câmbio desfavorável”5, como assevera o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil – China, Charles Tang: “e reclamamos da China por isso?”6 O ideal seria despender energia em busca imediata a uma estratégia própria de desenvolvimento.

nômico, pressupõe um Estado-empresário que promove

Economistas como Luiz Carlos Bresser-Pereira, João Paulo de Almeida Magalhães e tantos outros autodenominados “novo-desenvolvimentistas” têm alertado nos últimos anos para o fato de que “a globalização não esvaziou as soberanias nacionais nem, portanto, a capacidade dos países subdesenvolvidos de orientarem suas políticas econômicas”7. O que ainda existe (e resiste) atualmente é uma barreira ideológica, difundida e imprimida pelos países ricos nos países subdesenvolvidos, que ficou amplamente conhecida como Consenso de Washington, e que passa agora a ser combatida teoricamente por aquela corrente de pensamento em diversas publicações. Bresser-Pereira explica que:

a poupança forçada, o novo-desenvolvimentismo exige apenas um Estado capaz e conta com mercados e com a atividade empresarial privada para alcançar o crescimento. O Estado é visto como o principal instrumento de ação coletiva da nação, capaz de organizá-la em torno de uma estratégia nacional de desenvolvimento8.

E também que: O novo-desenvolvimentismo tem, como estratégica básica de longo prazo, o crescimento com poupança interna, não com poupança externa e, no curto prazo, exige taxas de juros moderadas e taxas de câmbio competitivas ou de equilíbrio – precisamente aquilo que políticas macroeconômicas sensatas fazem nos países ricos, mas o oposto do que prega a ortodoxia convencional8.

As análises indicam que a ordem mundial pós-crise americana dilatou o peso político-econômico dos países em desenvolvimento, de maneira especial o dos chamados Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), mas com um sinocentrismo evidente. E que o padrão histórico da globalização, portanto, se transformou com maior velocidade incorporando definitivamente a China, o que provocou a fragmentação do domínio desempenhado pelas economias avançadas ocidentais9. Os chineses, desde as últimas décadas, motivaram vantagens competitivas eficazes baseadas no desenvolvimento de indústrias de tecnologia avançada, na educação e na capacitação científica, pela intervenção do Estado, sendo certo que, rapidamente, A China contará com mais engenheiros e pesquisadores científicos do que os Estados Unidos, e gastará mais em pesquisa e em desenvolvimento do que a União Européia. Atualmente, já é o maior mercado do mundo na área de circuitos integrados e o maior exportador,

* 5 DisMonteiro (2011, p. 33). * 6 Idem. * 7 Magalhães (2005, p. 152). A mesma argumentação pode ser encontrada em Bresser-Pereira (2008 e 2009), em Sicsú e Ferrari Filho (2006), em Sicsú e Miranda (2009), em Chang (2009) etc. * 8 Bresser-Pereira (2009, p. 06). * 9 De acordo com Fernando Henrique Cardoso: “Parece, não obstante, que o hegemonismo que se seguiu ao desmoronamento do bloco soviético está sendo substituído por uma fragmentação das estruturas de poder, bem espelhada pela manutenção da ONU e de suas instituições econômicas fundamentais sob forte influência norte-americana e a criação de grupos ad hoc (...) do tipo G-8, G-20, G-2, G-4 ou que número tenham” (Cardoso, 2010, p. 63)


lares, aparelhos de refrigeração e de ar-condicionado. (...) O país está empenhado em integrar as cadeias de valor e consolidar a liderança de suas empresas nacionais, ao mesmo tempo em que importa tecnologias a partir das filiais de corporações transnacionais10.

Verdadeiramente, sobram evidências de uma estratégia bem-sucedida que nada tem a ver com o ideário difundido na América Latina nos anos 1990, e que levou o Brasil a se tornar tão vulnerável economicamente. Os países asiáticos que realizam catching up ou que já atingiram o nível dos desenvolvidos adotaram ações estratégicas nacionais desenvolvimentistas assaz dinâ-

‘‘

Verdadeiramente, sobram evidências de uma estratégia bemsucedida que nada tem a ver com o ideário difundido na América Latina nos anos 1990, e que levou o Brasil a se tornar tão vulnerável economicamente.

micas e precisas: 1) selecionam determinados setores industriais, e os protegem e apoiam;

‘‘

res, câmeras de vídeo, aparelhos de TV, telefones celu-

abril / junho / 2011

com cerca de US$ 300 bilhões anuais, de computado-

a) preconizam uma ação complementar entre Estado e mercado, na qual cabe ao Estado arbitrar e estimu-

2) dirigem o crédito para esses setores, por meio de bancos próprios; 3) estabelecem empresas estatais em setores onde a iniciativa privadas não revelava inicialmente capacidade para ocupar; 4) garantem e mantêm absoluto controle sobre os recursos externos e a taxa de câmbio; 5) controlam o capital estrangeiro, recebem-no calorosamente em alguns setores e o proíbe em outros; 6) incentivam as empresas nacionais a fazerem a engenharia reversa, e fazem vista grossa para a cópia

lar a concorrência e mesmo influir na determinação das variáveis econômicas relevantes, como desemprego e distribuição de renda; b) defendem, ao contrário do que preconiza a “ideologia globalizante”, um Estado forte, capaz no plano político, regulatório e distributivo, além de financeiramente sólido; c) defendem a adoção de políticas macroeconômicas redutoras de incertezas que são inerentes ao mundo globalizado, com especial atenção ao problema da vulnerabilidade externa;

11

de tecnologias .

d) utilizam o conceito mais amplo de estabilidade

Como se verifica, essas ações, novamente, não lem-

macroeconômica, que busca compatibilizar crescimen-

bram nem de longe aquelas preconizadas pelo Fundo

to econômico com estabilidade de preços, em vez de

Monetário Internacional aos países emergentes nas dé-

mera estabilidade de preços;

cadas de 1980 e 1990.

e) defendem a necessidade de transformação pro-

No Brasil, com ligeiras adaptações à estratégia asi-

dutiva que dê sustentação a uma competitividade

ática, o modelo de política macroeconômica novo-de-

internacional autêntica, apoiada na incorporação de

senvolvimentista defendido e disseminado pelos teó-

progresso técnico e em práticas gerenciais inovadoras,

ricos dessa escola tem avançado a partir das seguintes

sendo para tanto necessários o fortalecimento da base

bases:

empresarial do país e a adoção de uma política indus-

* 10 Ferrer (2009, p. 231) * 11 Bresser-Pereira In Chang (2009)

25


trial voltada para a melhoria da competitividade das exportações de maior valor agregado12. Corretamente, os avanços nesse sentido continuam. A administração da taxa de câmbio, para uma comparação com o modelo brasileiro, revelou-se essencialmente importante nos últimos anos. Quer dizer, um possível governo novo-desenvolvimentista sustenta que, assim como é relevante regular e orientar o mercado, é importante uma taxa de câmbio competitiva. Bresser-Pereira tem chamado a atenção para o fato de existir uma real tendência de as taxas de câmbio sobrevalorizarem-se em países em desenvolvimento, o que evidencia, também, o problema da doença holandesa. Em seu modelo, essa “enfermidade” se caracteriza pela existência de dois equilíbrios da taxa de câmbio: a “taxa de câmbio de equilíbrio corrente”, que equilibra a conta corrente, e a “taxa de câmbio de equilíbrio industrial”, que torna competitivas as empresas comerciais que utilizam tecnologia de ponta. A doença holandesa resulta “da existência de recursos naturais baratos e abundantes, usados para produzir commodities cujas exportações são compatíveis com uma taxa de câmbio mais valorizada do que seria necessário para tornar competitivos os outros setores de bens comercializáveis”13. De fato, as commodities geram apreciação da taxa de câmbio pois são comercializadas com alta lucratividade a uma taxa inconciliável com aquela que seria a exigida por mercadorias que utilizam tecnologia avançada. É uma falha de mercado que implica a existência de uma diferença entre a taxa de câmbio que equilibra a conta corrente (que é a taxa de mercado) e a taxa de câmbio que equilibra a que permite a existência de se-

Revista de

Conjuntura

26

O efeito mais premente da doença holandesa são os obstáculos à industrialização ou mesmo o surgimento de um processo de desindustrialização. Estudos realizados a respeito da composição do saldo comercial brasileiro e da composição do valor adicionado da indústria brasileira oferecem indicativos preocupantes da ocorrência de “doença holandesa”, ou “de desindustrialização causada pela apreciação da taxa real de câmbio que resulta da valorização dos preços das commodities e dos recursos naturais no mercado internacional”15. A desindustrialização, em seu conceito mais recente, apresenta-se numa situação em que tanto o emprego industrial quanto o valor adicionado da indústria se reduzem como proporção do emprego total e do PIB. Para Bresser-Pereira, a neutralização da doença holandesa – e, consequentemente, do processo de desindustrialização – se dá a partir da administração da taxa de câmbio. Isto não é incompatível com uma taxa de câmbio flutuante, mas pode ser totalmente obtida pela adoção de duas medidas: ao se cobrar um imposto ou contribuição sobre a venda dos bens que lhe dão origem; e pela criação de um fundo internacional com as receitas derivadas desse imposto. Isso evita que o ingresso de receitas de impostos reaprecie a taxa de câmbio16. Magalhães (2009) acrescenta a esses expedientes o controle de ingresso de capital estrangeiro (sobretudo os de curto prazo) e taxas múltiplas de câmbio. Em diversas discussões, a questão da insuficiência de demanda também se coloca fundamental nos países em desenvolvimento, o que aponta que a própria sobrevalorização da taxa de câmbio vem sendo causada pela política de crescimento com poupança externa, ou

tores econômicos eficientes e tecnologicamente sofis-

seja, “pela insistência dos países ricos em recomendar

ticados (que é a taxa à qual a economia prevê que seto-

o crescimento com poupança externa”17. Como afirma

res eficientes serão viáveis em mercados competitivos).

Magalhães, “se o mercado representa a condicionante

Somente quando a doença holandesa for neutralizada,

principal do processo de desenvolvimento, é normal

o mercado estará apto a desempenhar seu papel de

que sua insuficiência se apresente como limite ao cres-

alocar eficazmente os recursos e de encorajar o investi-

cimento das economias retardatárias”18. O problema é

mento e a inovação 14.

que, no caso do Brasil, nas atuais condições, a poupan-

* 12 Paula (2008, p. 97) * 13 Bresser-Pereira (2009, p. 141) * 14 Idem (p. 143) * 15 Oreiro e Feijó (2010) * 16 Bresser-Pereira (2009) * 17 Idem (p. 174) * 18 Magalhães (2005, p. 38)


O efeito mais premente da doença holandesa são os obstáculos à industrialização ou mesmo o surgimento de um processo de desindustrialização.

‘‘

ça externa se transforma quase automaticamente em maior consumo e em maior endividamento financeiro ou patrimonial do país, “ambos implicando um pesado ônus de remessa de rendimentos ao exterior sem um aumento do investimento ou da taxa de crescimento”19. Logicamente, somente uma nova estratégia macroeconômica que ressalte a relevância da demanda agregada e a necessidade de uma taxa de câmbio competitiva assegurará a sustentabilidade dessa demanda. Como previu Magalhães, a grave crise que vitimou a economia mundial está sendo aos poucos solucionada, o que deixa o Brasil frente à “realidade bastante mais grave do seu atraso econômico”20. E os desafios do desenvolvimento aumentam a expectativa de uma estratégia de “inserção ativa” do Brasil no xadrez internacional. Sabemos que as oportunidades de integração econômica mais vantajosas não são iguais para todos os países, e depende de cada um deles trilhar caminhos diferentes, de sucesso variável. A Coréia do Sul e outras economias do Leste Asiático tiveram sucesso graças a uma integração estratégica e autônoma com a economia global e, ao contrário do que a ortodoxia quer fazer crer, a maior parte dos países em desenvolvimento após a Segunda Guerra Mundial obteve sucesso graças às suas políticas ditas nacionalistas, utilizando-se de proteção, subsídios e outras formas de intervenção governamental. * 19 Bresser-Pereira (Idem, p. 191). * 20 Magalhães (2009). * 21 Chang (2009, p. 29). * 22 Ferrer (2009, p. 239).

ria oficial. Durante o período de globalização controlada e direcionada pelas políticas nacionalistas entre as décadas de 1950 e 1970, a economia mundial, especialmente do mundo em desenvolvimento, crescia mais rápido, era mais estável e tinha distribuição de renda mais igualitária que nos últimos 25 anos de globalização neoliberal des-

abril / junho / 2011

‘‘

A verdade da globalização após 1945 é o oposto da histó-

controlada. No entanto, esse período é apresentado na história oficial como o desastre inconteste das políticas nacionalistas, especialmente nos países em desenvolvimento. Essa distorção do registro da história é propagada para mascarar as falhas das políticas neoliberais21.

Ferrer (2009) alerta que, mesmo com as piores considerações sobre a crise, não se deve esperar que as regras da globalização mudem significativamente, de forma a subordinar os interesses das grandes potências ao bem-estar geral e menos ainda para impulsionar, nas economias periféricas, toda a heterodoxia e a densidade nacional necessárias para o desenvolvimento. “Porque este foi e é, sempre e em todos os casos, um processo de construção dentro de cada país, vinculado ao mundo e afirmado, em primeiro lugar, na expansão soberana dos recursos próprios e do desenho da estratégia de acumulação e de transformação”22. Da perspectiva do Brasil, as mudanças nas relações geopolíticas lhe continuam claramente desfavoráveis, e anunciam uma nova correlação de forças que sugere o aumento dos entraves para combinar uma estratégia própria de negociação internacional. Portanto, é papel do governo atual articular um novo consenso, desta feita, novo-desenvolvimentista.

Considerações Finais O processo de inserção ativa, promovida pelo novo-desenvolvimentismo, e que leva ao catching up bem-sucedido, desta forma, não pode prescindir de um grande compromisso político, social e institucional, pois está claro que não existe uma correlação positiva entre políticas de ineficiência (ou “modelo econômico de pobreza”) e desenvolvimento.

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Referências bibliográficas CARDOSO, Fernando Henrique. Xadrez Internacional e Social-Democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2010. CHANG, Ha-Joon. Maus Samaritanos: o mito do livre-comércio e a história secreta do capitalismo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. FERRER, Aldo. História do Desenvolvimento e da Globalização. In: Celso Furtado e a formação econômica do Brasil. COELHO, Francisco da Silva e GRANZIERA, Rui Guilherme (orgs.) São Paulo: Atlas, 2009. FRIEDMAN, Thomas L. O mundo é plano: uma breve história do século XXI. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. KEKIC, Laza. O Estado do Estado. In: The Economist. O mundo em 2011. London: The Economist Newspaper Limited, 2011. MAGALHÃES, João Paulo de Almeida. Nova estratégia de desenvolvimento para o Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

Álen Rodrigues de Oliveira

economista.alen@gmail.com

Economista pela Universidade Católica de Brasília (UCB), especialização em políticas públicas, conselheiro e vice-presidente do Conselho Regional de Economia 18ª Região – Goiás, economista de carreira da Prefeitura Municipal de Goiânia na função de auditoria (controle interno), professor de Macroeconomia nas Faculdades Alfa.

MAGALHÃES, João Paulo de Almeida. O que fazer depois da crise: a contribuição do desenvolvimentismo Keynesiano. São Paulo: Contexto, 2009. MONTEIRO, Solange. Sinal de Alerta. In: Conjuntura Econômica. v.65, no. 02. Rio de Janeiro: FGV, fevereiro de 2011. OREIRO, José Luis; FEIJÓ, Carmem A. Desindustrialização: conceituação, causas, efeitos e o caso brasileiro. In: Revista de Economia Política. v. 30, no. 2 (118). 2010.

Revista de

Conjuntura

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PAULA, Luiz Fernando de. Uma Nova Política macroeconômica: algumas proposições a partir de uma visão novo-desenvolvimentista. In: Nação, câmbio e desenvolvimento. Luiz Carlos Bresser-Pereira (org.). Rio de Janeiro: FGV, 2008.

Everaldo Leite da Silva everleit@hotmail.com Economista pela PUC-GO, especialização em economia de empresas, conselheiro e ex-vice-presidente do Conselho Regional de Economia 18ª Região – Goiás (gestão 2010), economista e servidor efetivo da Câmara Municipal de Goiânia.


abril / junho / 2011

MATÉRIA DE CAPA

Inflação e estabilização: opção gradualista Camila Fiorese

Desde a última edição da Revista de Conjuntura, as discussões do Grupo de Conjuntura do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (CoreconDF) vêm sendo tema de capa de nossa publicação. Nesta edição, o tema “Inflação e estabilização: opção gradualista” foi debatido pelos economistas do grupo durante dois encontros para avaliar a opção gradualista de combate à inflação em contraponto ao tratamento ortodoxo, via aumento da taxa de juros.

‘‘

Newton Marques

O receituário clássico do sistema de metas

de inflação exige que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central utilize o manejo da taxa básica de juros (Selic), sempre que as expectativas inflacionárias mostrem desvio em relação ao centro da meta de infla-

O Grupo de Conjuntura do Corecon-DF é formado por economistas de vários órgãos públicos e privados. Seu coordenador é o conselheiro do Corecon-DF, Carlos Eduardo de Freitas. Nos dois encontros realizados para a discussão do tema, foram colocados diferentes pontos de vista que fundamentam duas correntes de opinião: a ortodoxa e a gradualista.

ção. Entretanto, existem momentos em que o

Ao longo da matéria, estarão inseridas as opiniões de alguns dos economistas que participaram das reuniões.

de complementar as medidas restritivas da

Copom pode acionar outros instrumentos de política monetária e de crédito, casos dos recolhimentos compulsórios e medidas restritivas ao crédito, como tem sido feito recentemente. Mesmo assim, existe uma corrente de economistas que passa a defender também maior participação das políticas públicas, para o caso demanda agregada. É o caso da contenção dos gastos públicos; a regularização (e até mesmo a compensação) de safras; importação de produ-

Opção gradualista

tos que pressionam o IPCA; alívio das pressões sobre preços de combustíveis; e eliminação ou

A taxa de inflação chegou a 6,71% em junho (acumulado dos últimos 12 meses). Esse índice ultrapassou o teto da meta que é de 6,50%. O próprio presidente do BC, em audiência no Senado Federal (12/05/2011), disse que a meta de inflação deverá ser alcançada somente em 2012. Agora, em nova audiência (05/07/2011), adiou esse objetivo para 2013.

minimização de indexadores de contratos que não são os índices de inflação oficial, como são os casos dos IGPs. Portanto, é necessário que seja repensada a política de controle da inflação com base no manejo da taxa Selic, buscando alternativas que não sejam as mesmas que visem o centro da meta de inflação nos casos

‘‘

Tendo em vista o centro da meta de inflação fixada pelo Conselho Monetário Nacional para 2011 em 4,5%, com uma margem de tolerância de 2 pontos porcentuais para mais ou para menos, e o fato de que a inflação tem se mostrado a cada mês elevada, os economistas têm se preocupado em qual será o índice de inflação ao final de 2011.

de choques de oferta, caso contrário empurrará

o Copom para decidir em padrões muito eleva-

dos de taxa Selic, o que vai dificultar ainda mais a recuperação da atividade econômica e a rola-

gem da dívida pública e, por tabela, provocará

ainda mais a temida valorização cambial do real.

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Levantou-se o fato de o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ter caído em maio, e vai continuar a cair mais em junho e julho. Carlos Eduardo de Freitas não acredita, com o arsenal de medidas tomadas, que será possível manter o índice em queda. A seguir, foi lembrada a questão da divergência persistente entre a inflação dos preços por atacado, mais elevada, e dos preços no varejo, mais baixa. Segundo alguns economistas, a taxa de câmbio tem explicado grande parte desse não-repasse dos preços por atacado aos preços no varejo, pela concorrência dos produtos exportáveis. Já a inflação referente aos serviços está forte porque não existe competição. Houve uma discussão sobre os preços internacionais de commodities e seus reflexos na economia brasileira. Durante essa discussão, levantou-se o ponto de que as políticas distributivas de renda contribuem para que os preços internacionais contaminem os preços internos. O argumento contrário foi a opinião de que as arbitragens de mercado equalizarão esses preços com ou sem políticas de distribuição de renda.

Revista de

Conjuntura

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Outra questão discutida referiu-se aos indicadores de inflação do mercado. Algumas interpretações sugeriram que o mercado parece enxergar inflação convergente para a meta de 4,5% a.a. Carlos Eduardo, por outro lado, não percebe convergência nas mensagens emanadas do mercado (inflação implícita nos títulos do Tesouro, Pesquisa Focus do BC e swaps Di x Pré). Na sua leitura, a história que o mercado está contando é a de que não se vê um regime de estabilidade monetária à frente, e tampouco se vê a inflação explodir.

Para o segundo semestre, a maior ameaça para a estabilidade econômica pode ser o problema da governabilidade do governo Dilma. Para o cenário mundial, o mercado financeiro acena com ajustes na volta das férias de verão em julho na Europa e EUA. Os combustíveis fósseis tendem a refletir os problemas políticos que irromperam nos países árabes e do acidente nuclear do Japão. E os alimentos continuarão sofrendo a pressão exercida pela recuperação do consumo em quase todos os países. A responsabilidade pela estabilidade econômica ainda terá que contar fortemente com os resultados do governo.

Ao fim da discussão, duas posições ficaram evidentes à mesa: a de Carlos Eduardo de Freitas, Felipe Ohana e César Bergo, de que, mantidas as políticas econômicas, a tendência inflacionária é de alta. “Ninguém falou em explosão inflacionária em 2012, mas a minha interpretação é que o BC trabalha num esquema gradualista cujo objetivo é manter a inflação sob controle, não providenciar um regime de estabilidade monetária” disse o coordenador do grupo. A outra posição é a de José Luiz Pagnussat, que vê condições de convergência de fato da inflação para a meta em prazos e horizontes mais curtos. José Roberto Novaes explicou suas dúvidas sobre preços ao produtor e preços ao consumidor. A impressão dele é a de que o mercado está errado. “Quando se fala em mercado, quer dizer a opinião

‘‘

Felipe Ohana

‘‘

Vislumbrou-se uma situação na qual o produto efetivo está ao mesmo nível do produto potencial, onde se percebem barreiras físicas ao crescimento, gargalos de recursos materiais e humanos. Isso faz com que a inflação suba paulatinamente, observado o período do primeiro trimestre de 2008 ao primeiro trimestre de 2011.

‘‘

Augusto H. Emori

‘‘

O Grupo de Conjuntura iniciou as discussões comentando a questão do produto potencial e procurando uma resposta para a seguinte pergunta: será possível fazer a inflação convergir para a meta de 4,5% num futuro previsível, já em 2012, com as atuais políticas monetária e fiscal? A conclusão preliminar foi de que NÃO.

Ajuste prolongado da inflação é o mesmo que expor meu salário a perdas inflacionárias elevadas por tempo prolongado


Suas manifestações são de grande utilidade na

vê problemas de preços por atacado e preços ao

elaboração das presentes notas. Foram eles: Jusçanio

consumidor, pois não há nenhuma indicação de que os

de Souza, Jucemar Imperatori, Euler Antônio Vespúcio, Felipe Antônio do Espírito Santo, Cairo Tavares de Souza, Victor José Hohl, Rogério Boueri, Augusto Hiromu Emori, Eloy Rodrigues César Osório Júnior, João Isidio Freitas Martins, Miguel Rendy, Ronaldo Gallotti e José Luiz Cordeiro Cruz além dos economistas citados nesta reportagem.

crescimento reduzido. O CORECON/DF agradece a todos os economistas que, embora não tenham encaminhado ao Conselho um resumo escrito de suas opiniões e intervenções, participaram ativamente das Reuniões de Conjuntura.

‘‘

César Bergo

Os indicadores econômicos e as expectativas do mercado começam a convergir para um cenário de queda dos preços no curto prazo. Mas, na visão do mercado, essa queda não mostra consistência para prazos mais longos. Tal expectativa está ancorada no fato de que, sob o novo comando, o Banco Central irá insistir na estratégia de ajustes moderados na taxa Selic em conjunto com a adoção de medidas macroprudenciais. Fica evidente que o eixo principal das discussões de política monetária migrou do BC para o Conselho Monetário Nacional (CMN), onde se funde com a política fiscal notadamente com ações do Ministério da Fazenda aumentando impostos (IOF) e do Ministério do Planejamento contendo gastos e efetuando cortes no orçamento da máquina pública. Parece que a fixação do “Quartel General” de combate à inflação no CMN faz com que a meta de inflação seja função da meta de crescimento para o PIB (5% para 2011). Ao sinalizar com medidas “macroprudenciais”, paralelamente a um menor ajuste na política monetária tradicional, o BC demonstra que, além de buscar conter a inflação com freio na atividade econômica, também tenta conter a valorização do câmbio. O BC evita elevar ainda mais os juros e, consequentemente, o diferencial de retorno das aplicações no mercado interno em relação ao externo, desestimulando o influxo de capitais estrangeiros e a consequente valorização cambial. Com a paridade Real x Dólar mantida constante, o BC não se vê obrigado a incursões para compra da moeda e, desta forma, reduz o risco de o câmbio ser um fator de aceleração da inflação e de aumento da dívida interna – ao reter dólar,

ele aumenta as reservas internacionais e irriga o mercado com reais ou com títulos públicos. Com o adiamento de ações de política monetária de maior calibre, o “xerife” do mercado financeiro alimenta a expectativa de retorno de conhecidas e indesejáveis práticas de indexação. As medidas chamadas “macroprudenciais” incorporam premissas de comportamento dos agentes econômicos próprias da microeconomia, e as ações prudenciais que deveriam combater com moderação o epicentro do abalo inflacionário provocado pela ressaca do ano eleitoral de 2010 não passam de ações paliativas, que servem apenas para acalmar um mercado que está descrente na capacidade do BC de cumprir a meta estabelecida para a inflação. Assim, as medidas que deveriam ser macroprudenciais são, na realidade, micropaliativas. Se o custo econômico com o aumento da inflação é grande, parece que o custo político também não será menor. Em recente pesquisa de opinião (junho/2011) efetuada pelo Instituto Datafolha, houve piora generalizada nas expectativas do brasileiro com relação à economia. Em março eram 41% e hoje, a maioria (51%) dos mais pobres acredita que a inflação continuará subindo e tal percepção cresceu entre aqueles que ganham até cinco salários mínimos (R$ 2.725). Trata-se da faixa da população onde a inflação provoca mais estragos, em razão do comprometimento de sua renda com despesas mensais, principalmente com alimentação. Assim, se na ótica do processo inflacionário o “órgão” mais sensível é o bolso do consumidor,

‘‘

preços das commodities irão cair ou terão seu ritmo de

cabe-nos indagar se, do ponto de vista da atual

política monetária, o “órgão” mais sensível para

que se adote as medidas necessárias será a urna.

abril / junho / 2011

predominante, que por definição é a manada”. Novaes

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Dinâmica dos mercados agropecuários: por que o produtor dificilmente lucra? Antônio Elias Silva

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Conjuntura

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Nas últimas décadas, o mundo tem sido agraciado com farta oferta de alimentos a preços baixos. Ao contrário do que muitos pensam, a volatilidade nos preços também tem sido menor do que aquelas ocorridas até o início dos anos 1980. De repente, em um intervalo de três anos, presenciamos duas fortes altas nos preços das commodities agropecuárias. No entanto, essas altas foram muito inferiores àquelas com que costumávamos lidar no passado, e os preços atuais ainda encontram-se 30% mais baixos em termos reais do que aqueles verificados até os anos 1970, mas em torno de 65% acima dos preços registrados em 2000 (ano com os preços mais baixos da história).

tanto, o fato de que todos os analistas se esquecem de que a condição central para a produção avançar é que seja garantida a renda no campo. Não adianta haver capacidade produtiva ociosa e demanda não atendida no mundo. Se o produtor não for o elo que receber a maior atenção, a produção não avançará da forma que o país precisa para gerar renda, emprego e qualidade de vida. Para que a produção brasileira avance em direção a 500 milhões de toneladas de cereais, oleaginosas e leguminosas, de forma a triplicar o PIB do agronegócio para a casa de R$ 4 trilhões (equivalente a todo o PIB do país de 2011), o produtor tem de passar a ser o centro da cadeia produtiva.

Diante de preços mais remuneradores, a maioria dos analistas não tarda em concluir que a renda no campo certamente se elevará sobremaneira. A verdade é que a melhora na cotação das commodities agropecuárias, conforme ficará claro adiante, é frequentemente acompanhada da elevação no preço dos insumos à produção, haja vista que as indústrias fornecedoras, que geralmente têm forte poder de mercado, tomam para si a maior parte do aumento de preços. Do outro lado, as indústrias compradoras de produtos in natura também capturam grande fatia da alta nos preços. Soma-se a isso o fato de que a maior parte dos insumos agrícolas é composta de derivados de petróleo (diesel, fertilizantes etc), commodity que experimentou aumento real de preços da ordem de 150% desde 2000.

A realidade de demanda e oferta mundial, em que a oferta tem de crescer no mínimo 70% até 2050, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), exige que o Brasil atinja esse patamar nas próximas décadas; portanto, cabe a nós aproveitarmos essa oportunidade.

Num quadro que se apresenta de forte pressão na demanda sobre a oferta, o Brasil, como um dos poucos países com capacidade de expandir a área plantada, tem oportunidade ímpar para tirar proveito dessa conjunção global que lhe favorece. É surpreendente, no en-

Plantação de soja, Campo Alegre de Goiás (GO)


A produção agropecuária tem a peculiaridade de ser uma das poucas atividades no mundo real que replica quase fielmente as condições de concorrência perfeita retratada pela teoria econômica. Isso porque temos produtores atomizados concorrendo entre si no mundo todo, de tal forma que o aumento de alguns centavos no preço da soja, por exemplo, faz com que os produtores da Rússia, Canadá, EUA, Austrália e outros países imediatamente aumentem a produção dessa oleaginosa. Concorrência que é agravada pela redução crescente dos custos de transportes, das barreiras tarifárias e pelo fortalecimento dos mercados de futuros agrícolas. Essa situação faz com que, a qualquer variação de preço, haja uma pronta resposta dos produtores mundo afora dado um intervalo de tempo (a oferta de produtos agrícolas é, portanto, inelástica no curto prazo e infinitamente elástica no médio e longo prazos). Mercados em concorrência perfeita têm como característica lucro econômico igual a zero; i.e., o preço somente remunera todos os fatores produtivos: capital, trabalho, terra e empreendedorismo. O Gráfico 1 a seguir ilustra o fato de que o produtor é um tomador de preços, pois a curva de oferta é horizontal, e ele não tem alternativa a não ser vender seu produto ao preço P*, já que o equilíbrio de mercado requer que opere no ponto em que o preço seja igual ao custo médio marginal e à receita marginal.

Gráfico 1: Concorrência perfeita

Então, por definição, salvo se um país for sobejamente bem dotado em recursos naturais e bem integrado ao comércio internacional, caso da Argentina na agricultura, seus produtores não experimentarão lucro econômico (auferirão, se competitivos, lucro contábil; i.e., lucro necessário para cobrir, no máximo, a remuneração dos fatores produtivos imobilizados no empreendimento). A Unidade para a Sustentabilidade Internacional (ISU, da sigla em inglês), ligada à Instituição de Caridade do Príncipe de Gales, em seu documento denominado “What price resilience? Towards sustainable and Secure food systems” (março de 2011), afirma em estudo com fazendeiros e pescadores, conduzido entre 2002 e 2009, ser impressionante que, em quase todos os sistemas de produção estudados, os fazendeiros e pescadores lutavam para obter lucro dentro da estrutura econômica prevalecente. Isso se aplica aos 350 mil produtores de milho nos EUA, que lucraram juntos somente US$ 300 milhões por ano, de uma receita total de US$ 37 bilhões. Aplica-se aos milhões de produtores de trigo indianos dos estados mais desenvolvidos de Punjab e Haryana, que lucraram US$ 200 milhões, de receitas totais de US$ 8,5 bilhões. É semelhante para os pescadores senegaleses que tiveram prejuízo de US$ 5 milhões na venda de US$ 160 milhões. Os baixos lucros privados – e em alguns casos prejuízos – refletem o fato de que a mão-de-obra e os ativos, tais como terra e barcos, frequentemente não são devidamente remunerados. A mão-de-obra familiar e os ativos efetivamente subsidiaram a produção. Em alguns casos, como na pecuária brasileira, terras desmatadas ilegalmente eram adquiridas de graça. O documento conclui que a lucratividade varia de setor para setor. No entanto, as margens apertadas durante o período estudado ajudam a explicar os baixos níveis de produtividade antes da atual crise de alimentos – agropecuária e pesca não têm sido atividades muito lucrativas. As baixas margens também ajudam a esclarecer por que produtores estavam degradando o capital natural e desconsiderando as externalidades ambientais. Lutando para sobreviver, eles frequentemente não podiam se dar ao luxo de pensar sobre questões de longo prazo ou bens públicos mais amplos.

abril / junho / 2011

Atividade em concorrência perfeita

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O excerto do jornal Diário de Cuiabá, publicado em

Do lado dos fornecedores de insumos, temos tam-

23 de abril de 2010, sob o título “Estudo do IMEA traz

bém poucas empresas supridoras, o que caracteriza um

realidade da sojicultura”, ilustra bem essa situação.

oligopólio (se cartelizado, como frequentemente é o caso, um monopólio de fato), ou, em alguns casos, uma única indústria fornecedora (monopolista). Um oligopólio se caracteriza por vender seu produto acima do seu custo médio, auferindo lucro econômico. O monopólio também, mas só que de forma mais abusiva, pois aumenta seu preço até o ponto em que a sua receita marginal seja igual ao seu custo marginal. Em outras palavras, esse é um preço bem acima de seu custo médio, o que gera lucro exorbitante.

...Um estudo feito pelo Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (IMEA), órgão vinculado à Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (FAMATO), mostra que o agricultor que colheu 45 sacas por hectare, abaixo da média de 50 sacas, no Estado, e deixou para vender toda a soja após a colheita, teve um prejuízo de R$ 170 por hectare. Na média, com produtividade de 50 sacas e venda de metade da produção, a rentabilidade ficou em R$ 35 por hectare. O presidente da Aprosoja/MT, Glauber Silveira, diz que levando em conta a área média cultivada de 1.500 hectares, o produtor do norte de Mato Grosso tem um patrimônio de R$ 12 milhões (preço da terra), gasta R$ 1,8 milhão para plantar e no fim obtém um rendimento de R$ 52 mil.

Estruturas dominantes na cadeia Diante do exposto, é fácil entender as frequentes crises da agropecuária em que, se o Estado não intervier para equilibrar o mercado, a produção se desarticula e a atividade se enfraquece. Por isso, vários esquemas de proteção à agropecuária têm sido colocados em prática nos países mais avançados, a exemplo da Política Agrícola Comunitária (PAC) na União Europeia.

Pecuária de corte, Itapaci-GO

Essa situação de quase concorrência perfeita, no caso específico do Brasil, é agravada pelo alto grau de concentração das indústrias do agronegócio e por uma cultura cooperativista fraca. Um mercado de poucas indústrias compradoras é por definição um oligopsônio. Se for de um, como acontece na maioria das regiões, é um monopsônio. Nesse sentido, uma política governamental voltada para o

Revista de

Conjuntura

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fortalecimento das cooperativas de produção, em vez do estímulo à formação de grandes conglomerados do agronegócio (Friboi, Brasil Foods), é mais efetiva se almejarmos um desenvolvimento mais sustentado da economia do país. Uma estrutura em que se têm, de um lado, produtores atomizados sem poder de barganha e,

Um exemplo de oligopólio na cadeia de fornecedores do agronegócio é aquele da indústria de equipamentos agrícolas. Se um produtor adquirir um trator ou outros tipos de máquinas agrícolas, encontrará um número variado de marcas. No entanto, todas elas são essencialmente de três empresas multinacionais, que por décadas compraram rivais nos EUA e no mundo: John Deere (EUA), CNH Global (Holanda), união da Case e New Holand, e a AGCO (que inclui a Massey Ferguson, Caterpillar, Valtra, entre outras). Tal como em sementes, fertilizantes e pesticidas, a agricultura mundial é dependente de um oligopólio bem rígido na aquisição de máquinas agrícolas e outros equipamentos.

produtos agropecuários, as quais impõem seu preço, é

Em suma, apenas dez empresas, entre elas também Cargill, Bunge, Louis Dreyfus e ADM, dominam o mercado global, no atacado e no varejo global, e

uma estrutura oligopsônica.

concentram nada menos do que 67% das marcas re-

de outro, algumas poucas indústrias compradoras dos


grupo controla o armazenamento de grãos do país e ainda condiciona o financiamento da produção e pesquisa, além da aquisição das plantações, à venda dos fertilizantes e defensivos agrícolas, segmentos que também domina. Então, temos hoje indústrias com poder econômico concentrado, que têm lucro alto, e produtores atomizados, espremidos entre oligopólios e oligopsônios, com lucro próximo a zero. Isso quando estes são competitivos, pois, se não o são, seus lucros econômicos serão negativos. Esse fato às vezes é agravado por detalhes como intempéries, falta de escala, ou mesmo a existên-

‘‘

...temos hoje indústrias com poder econômico concentrado, que têm lucro alto, e produtores atomizados, espremidos entre oligopólios e oligopsônios, com lucro próximo a zero.

cia de informações assimétricas, o que piora toda a relação, e às vezes chega a inviabilizar as indústrias, uma vez que, em certos arranjos, essa estrutura acaba por se tornar autofágica ao sufocar seus fornecedores de matéria-prima e levar à bancarrota os demais elos do agronegócio.

‘‘

gistradas de sementes e 89% dos agroquímicos. Esse

com US$ 360 bilhões de subsídios nos países avançados (quantia equivalente ao PIB da Arábia Saudita). Não fosse a competência e persistência do produtor brasileiro, a nossa agricultura já teria entrado em colapso.

Para agravar o quadro, boa parte da intermediação do crédito subsidiado à agricultura é feita por poucos

Soma-se a isso o fato de não termos subsídios para

bancos oficiais, o que caracteriza monopólio ou oligo-

o seguro rural, de forma que os riscos climáticos da ati-

pólio na intermediação financeira do crédito agríco-

vidade pudessem ser compartilhados com a sociedade.

la. Um exemplo de monopólio se verifica no caso do

Por outro lado, conquanto nosso sistema de pesquisa

Banco do Brasil na operação do Fundo Constitucional

agropecuária seja um dos melhores do mundo, a as-

do Centro-Oeste (FCO). Isso dificulta muito o acesso

sistência técnica e extensão rural são precárias. Tecno-

ao crédito pelos produtores e diminui sobremaneira o

logias simples que representariam uma revolução no

poder de barganha deles com o sistema financeiro. Há

campo não chegam à maior parte dos produtores.

duopólio no caso dos Fundos Constitucionais do Norte (FNO) e do Nordeste (FNE). No caso do FNO, além do Basa, o Banco do Brasil também pode operar. Em rela-

Outro fator que diminui a competitividade do campo brasileiro é a precariedade e irracionalidade do nos-

ção ao FNE, podem operar com ele o Banco do Nordes-

so sistema logístico de transporte. Não bastasse termos

te e o Banco do Brasil.

feito opção pelo meio de transporte mais oneroso, as

Além dessas anomalias, os limites das linhas disponíveis são muito baixos. Por exemplo, para um produtor de soja atingir escala de produção no Centro-Oeste, ele tem de cultivar uma área no mínimo equivalente a 1.000 hectares. Para tanto, tem de fazer face a custos da

rodovias, as condições delas são péssimas. O transporte de grãos via caminhões encarece os custos em até 30%. Temos de investir no melhoramento delas, ao mesmo tempo em que é necessário avançar mais rapidamente na construção de ferrovias e hidrovias. É também

ordem de R$ 1,8 milhão por safra. No entanto, o limite

urgente que ampliemos a capacidade dos nossos por-

máximo disponível pelo crédito oficial por tomador é

tos, que em muito diminui nossa competitividade nas

de R$ 650 mil. Isso faz com que o produtor tenha de se

exportações, não só por conta de suas estruturas físi-

financiar pelas tradings ou agiotas, o que encarece por

cas obsoletas, mas também por falta de equipamentos

demais seus custos financeiros e diminui a competitivi-

modernos, burocracia excessiva e carência de mão-de-

dade da agricultura brasileira, que já tem de concorrer

obra especializada para certificação de cargas.


Por último, temos de avançar enormemente no provimento de estruturas tanto físicas como de pessoal para facilitar o processo de licenciamentos diversos, especialmente o ambiental. Além de termos legislações fora de sintonia com a realidade, com exigências sem paralelo nos países com que concorremos, não há estrutura capaz de permitir que os produtores se legalizem de forma tempestiva e pouco onerosa. É importante lembrar que o produtor não pode deixar o período chuvoso acabar esperando por uma licença, dada a sazonalidade da sua atividade.

Gráfico 2: Firma monopolista²

Alternativa de política De posse dessas informações, qual solução é vislumbrada? Para que a renda seja mais equitativamente distribuída entre os vários elos da cadeia produtiva e haja sustentabilidade de todos os agentes do agronegócio, a solução é a organização em formas solidárias de produção, pois dessa forma os produtores serão donos das próprias indústrias e, em um grau de organização maior, dos próprios canais de distribuição. Dessa forma, eles se apropriarão dos lucros exorbitantes que os monopólios/oligopólios e oligopsônios/monopsônios auferem hoje. Por essa razão, as formas solidárias de organização são fulcrais.

O Gráfico 3 a seguir ilustra o fato de que o Brasil não tem sido capaz de aproveitar as oportunidades que a demanda mundial crescente por alimentos tem lhe oferecido. Mesmo com a vertiginosa alta nos preços dos alimentos a partir de 2003 (41,4%), a nossa produção de grãos pouco cresceu no período desde então (em torno de 32% somente).

Gráfico 3: Evolução da produção brasileira de grãos X índice CRB

Revista de

Conjuntura

36

* ² O monopolista opera no ponto em que a receita marginal (Rmg) é igual ao custo marginal (Cmg). Nesse ponto, o preço P é maior do que o custo total médio (CTme) e o custo variável médio (CVme). A área hachurada representa o lucro econômico do monopolista (receita que supera a remuneração de todos os fatores produtivos).


Nesse sentido, a Nova Zelândia se constitui em um exemplo a ser seguido, onde a existência de uma coo-

no país, com investimentos vultosos (ao menos de 1% do PIB ao ano), não só na construção de estruturas físicas pelo Estado, mas de centros integrados de cooperativismo (indústria, centro de treinamento, estrutura de distribuição), em que haja apoio técnico contínuo, acesso às tecnologias desenvolvidas pela Embrapa, a fim de que essas estruturas funcionem realmente na prática. Somente uma vez em pleno funcionamento, devem ser deixadas à própria sorte, para serem geridas de forma autônoma unicamente pelos produtores. Isso evitará que investimentos estatais vultosos sejam abandonados por problemas de gestão, muito frequentes por falta de recursos, sejam eles financeiros ou organizacionais.

perativa de produtores de leite forte, chamada Fonterra, à qual 95% dos fazendeiros do país são filiados, fez do país o maior exportador de leite do mundo, apesar de possuir apenas quatro milhões de habitantes e 3,1% do nosso território. Essa estrutura organizacional dos produtores neozelandeses contribui decisivamente para que aquela nação possa ostentar um dos maiores índices de desenvolvimento humano do planeta.

Por outro lado, em face do malogro das várias experiências cooperativistas no país, faz-se necessária a criação de uma agência reguladora de cooperativas de produção, nos moldes da CVM, para proteger seus acionistas (os produtores) de informações assimétricas entre estes e os administradores das cooperativas (em linha com o que acontece atualmente com as cooperativas de crédito, as quais são reguladas pelo BC). Uma vez que exista um sistema cooperativista forte no país, os produtores perceberão lucro econômico positivo e

custos da área mínima que garanta economia de escala ao produtor (1.000 ha para a soja no Centro-Oeste, por exemplo). Os custos da equalização do crédito rural pelo Tesouro Nacional são muito baixos em relação aos benefícios gerados pela agropecuária. Supondo que eles representem 5% dos recursos emprestados, e o crédito agrícola some R$ 150 bilhões anualmente, significaria custo de R$ 7,5 bilhões para o orçamento da União (0,2% do PIB brasileiro). Considerando que a agricultura representa para a economia em geral, em vista do seu grande efeito multiplicador de renda e emprego (conforme se observa na matriz insumo-produto da economia), o mesmo que uma chuva que cai na cabeceira de um rio, fazendo com que muita coisa aconteça no seu leito inferior, esses custos são irrisórios, e seriam revertidos de volta de forma sobeja em impostos, divisas, empregos e renda.

o Brasil poderá se consolidar como o maior produtor agropecuário mundial.

‘‘

... é imperioso que se coloque em prática um programa estatal de expansão de cooperativas no país, com investimentos vultosos (ao menos de 1% do PIB ao ano), não só na construção de estruturas físicas pelo Estado, mas de centros integrados de cooperativismo ...

Em relação à intermediação financeira, para garantir acesso democrático ao crédito, é imperativo que todos os bancos possam operar com os recursos dos fundos constitucionais. É mandatório também que os limites das linhas de financiamento oficiais sejam elevados ao menos até o ponto que possibilite cobrir todos os

Para fazer face aos problemas de logística e dos portos, a saída é usar o capital privado. É necessário um esforço enorme para tornar nosso marco regulatório estável, e assim atrair os investimentos privados. Ao mesmo tempo, temos de fortalecer as respectivas agências reguladoras (ANTT, ANTAq). Num mundo em que há abundância de capital, não faz sentido termos essa demanda reprimida por infraestrutura, pois esse capital está exatamente procurando oportunidades rentáveis. Com segurança jurídica garantida, bem como regras claras e confiáveis, não faltariam recursos para investir em nossa infraestrutura portuária e de transportes.

abril / junho / 2011

Nesse sentido, é imperioso que se coloque em prática um programa estatal de expansão de cooperativas

37

‘‘


vamos uma mudança cultural em relação ao empresariado. Temos de desenvolver uma cultura de valorização do empreendedorismo, pois é a partir dele que tudo acontece: geração de emprego, renda, divisas, impostos. É imperativo que melhoremos o clima de negócios no país, um dos itens em que o Brasil é um dos países mais mal-avaliados. O oitavo relatório anual “Doing Business 2011” (Fazendo Negócios), do Banco Mundial, que avaliou o mundo dos negócios no ano passado, aponta que está mais difícil fazer negócio no Brasil. Num universo de 183 países, o ambiente brasileiro de negócios ocupa a 127ª posição, ante a 124ª no estudo do ano anterior.

‘‘

Estamos vivendo um momento especial da economia mundial, que muito nos favorece. A forte industrialização e urbanização da China tem gerado alta demanda por commodities em geral e agrícolas em particular.

‘‘

Em relação ao processo de licenciamento, além de investimento físico e humano, é necessário que promo-

Conclusão Estamos vivendo um momento especial da economia mundial, que muito nos favorece. A forte industria-

rica Latina. Se não soubermos aproveitar esse momen-

lização e urbanização da China tem gerado alta deman-

to, poderemos pagar muito caro no futuro, pois nunca

da por commodities em geral e agrícolas em particular.

uma conjunção de fatores foi-nos tão favorável.

Na pior das hipóteses, conviveremos com um ciclo de alta de médio prazo, pois a Índia, cuja população deve

O processo de industrialização desses gigantes

ultrapassar a da China, ao alcançar 1,75 bilhão de habi-

alimentará uma tendência de preços crescentes para

tantes em 2050, está apenas começando seu processo

commodities no longo prazo, especialmente em com-

de industrialização, que deve gerar uma demanda por

paração ao preço das manufaturas, cenário que desafia

commodities semelhante à que a China tem provocado

a crença de longa data dos países da América Latina

ultimamente. Portanto, a demanda futura será determi-

de que é a indústria que nos fará desenvolvidos e ri-

nada, principalmente, pela China e a Índia.

cos (Raul Prebisch, Escola Estruturalista ou Cepalina).

De acordo com Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a América Latina, como nenhuma outra região, tem suas perspectivas de crescimento de lon-

alocar subsídios e proteção para a indústria significa desperdício dos nossos recursos limitados. Pelo contrário, a região deve voltar sua atenção para maximizar os ganhos dos recursos naturais, melhorando o marco re-

nos prever que poderá haver um super-ciclo das com-

gulatório e a infraestrutura; e alocar esses ganhos para

38

modities, fomentado pela emergência de economias

criar condições para o avanço tecnológico dentro do

asiáticas gigantes, cuja super-escassez de recursos

cone de diversificação dos recursos naturais, investindo

naturais não tem nenhum paralelo com as economias

em educação e ciência e tecnologia, de forma a garantir

que já lideraram o crescimento mundial.

desenvolvimento sustentado.

Revista de

preços das commodities. A conjuntura atual permite-

Conjuntura

go prazo intimamente ligadas à longevidade dos altos

Essa realidade demanda prioridades diferentes, já que

Diante desse cenário, os países da América Latina

A adoção de boas políticas agrícolas no passado, a

se deparam com desafios-chave: diversificar e agregar

exemplo do Programa Nacional da Agricultura Fami-

sofisticação às exportações e gerar empregos, ambos

liar (Pronaf ), criado em 1995; do Programa de Moder-

num contexto de uma inevitável especialização em re-

nização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos

cursos naturais. Esta parece ser então a década da Amé-

Associados e Colheitadeiras (Moderfrota), criado em


partir de 1999; e do programa de promoção da carne brasileira – Brazilian Beef, lançado em 2001 na Europa,

Referências bibliográficas Financial Times Special Report, 24 de maio de 2011.

mostra que a produção agropecuária responde bem a

Commodities at a Glance, UNCTAD, março de 2011.

boas políticas. A produção total de grãos somava ape-

“Estudo do IMEA traz realidade da sojicultura”, Diário de Cuiabá, 23 de abril de 2010.

nas 81 milhões de toneladas em 1995 e, em 2011, atingiu 160 milhões de toneladas. Portanto, a partir da implementação dessas políticas inteligentes, a produção conseguiu dobrar de volume em uma década e meia, elevando o país à condição de detentor do 4º maior PIB agropecuário do planeta e 3º maior exportador de produtos agropecuários, atrás apenas dos Estados Unidos e União Europeia, avançando substancialmente em relação ao 6º lugar que ocupava em exportações em

What Price Resilience? Towards Sustainable and Secure Food Systems. International Sustainability Unit (ISU), Prince´s Charities, março de 2011. Commodity prices: cycle, super-cycle or trend? Implications for Latin America, Moreira, Maurício M., IDB. Doing Business 2011: Making a Difference for Entrepreneurs. Banco Mundial, 3 de novembro de 2010.

2000. O Brasil não tem sabido tirar pleno proveito da crescente demanda por commodities agropecuárias, ao passo que a Argentina, por exemplo, aumentou sua produção em 42% desde 2003, quando os preços sofreram forte inflexão ascendente – nesse período, a produção brasileira avançou apenas 32%, ainda que tenhamos sido ajudados pelas excelentes condições climáticas na safra de 2011. Não podemos permitir que outros países produtores avancem mais, de forma a ocupar nosso espaço. Pelo contrário, temos de acelerar nossa produção para ocuparmos o mercado de outros países concorrentes. Por isso, a adoção das políticas públicas sugeridas aqui é crucial, sob pena de perdermos o bonde da história.

Antônio Elias Silva antonio.elias.silva@fazenda.gov.br Tecnólogo em Processamento de Dados pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Economia pela East Stroudsburg University of Pennsylvania. Bacharel em Relações Internacionais pela UnB. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap). PósGraduado em Desenvolvimento Econômico pela The George Washington University. Cursou dois anos de Mestrado em Economia na UnB.

abril / junho / 2011

2000; da adoção de juros fixos para a agropecuária, a

39


O processo de desenvolvimento de Brasília e a formação de sua área metropolitana Júlio Miragaya Brasília estabelece relações de natureza distinta com os municípios que a circundam. Uma, de centro econômico da região por ela polarizada, através da articulação dos processos de produção e consumo, e que abrange uma vasta área do Planalto Central brasileiro.

A instituição desses espaços visa integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum. No caso de Brasília, a instituição de sua região metropolitana tornou-se uma questão complexa, posto que envolve territórios de duas

A outra, características metropolitanas, abrange um espaço mais restrito, de influência imediata, e engloba municípios com áreas conurbadas ou em processo de conurbação com o Distrito Federal. A constituição de região metropolitana, conforme estabelece o artigo 25 da Constituição Federal, é de responsabilidade dos Estados.

Unidades da Federação. Mas se a Região Metropolitana de Brasília não existe formalmente, na prática ela é formada pelo Distrito Federal e dez municípios goianos conturbados ou em processo de conurbação. Os Quadros 1 e 2 apresentam a evolução populacional dos municípios que formam a área metropolitana de Brasília.

Quadro 1: População na área metropolitana de Brasília no período 1960 a 2010 (em habitantes)

Revista de

Conjuntura

40

Anos

1960

1970

1980

1991

2000

Área Metropolitana de Brasília

208.098

625.916

1.357.198

1.980.432

2.753.414

3.484.451

Distrito Federal

140.164

537.492

1.176.935

1.601.094

2.051.146

2.570.160

Perif. Metropolitana de Brasília

67.934

88.424

180.263

379.338

702.268

914.291

Águas Lindas de Goiás

(1)

(1)

(2)

(2)

105.746

159.378

Alexânia

8.022

9.390

12.124

16.472

20.047

23.814

Cidade Ocidental

(1)

(1)

(1)

(1)

40.377

55.915

Formosa

21.708

28.874

43.296

62.982

78.651

100.085

Luziânia

27.444

32.807

80.089

207.674

141.082

174.531

Novo Gama

(1)

(1)

(1)

(1)

74.380

95.018

Padre Bernardo

4.637

8.381

15.857

16.500

21.514

27.671

Planaltina de Goiás

6.123

8.972

16.172

40.201

73.718

81.649

Santo Antônio do Descoberto

(1)

(1)

12.725

35.509

51.897

63.248

Valparaíso de Goiás

(1)

(1)

(1)

(1)

94.856

132.982

Fonte: Censos Demográficos/IBGE. (1) Incluído em Luziânia; (2) Incluído em Santo Antônio do Descoberto.

2010


Períodos

1960/1970 1970/1980 1980/19991

Área Metropolitana de Brasília

11,64

8,05

3,50

1991/20000

2000/20010

3,73

2,38

Distrito Federal

14,39

8,15

2,84

2,79

2,28

Perif. Metropolitana de Brasília

2,67

7,37

7,009

7,08

2,67

Águas Lindas de Goiás

-

-

-

-

4,19

Alexânia

1,59

5,47

0,27

2,21

1,74

Cidade Ocidental

-

-

-

-

3,310

Formosa

2,89

4,14

3,46

2,50

2,44

Luziânia

1,80

9,34

9,04

-

2,15

Novo Gama

-

-

-

-

2,48

Padre Bernardo

6,10

3,49

2,92

3,19

2,55

Planaltina de Goiás

3,83

6,07

8,63

6,95

1,03

Santo Antônio do Descoberto

-

-

9,46

4,64

2,00

Valparaíso de Goiás

-

-

-

-

3,44

Fonte: Censos Demográficos/IBGE (1) Incluído em Luziânia; (2) Incluído em Santo Antônio do Descoberto.

A decisão de se construir a nova capital no interior do país de fato inscrevia-se numa estratégia nacional de ocupação do território e interiorização do desenvolvimento, que se acentuou a partir de meados do século XX e que realmente teve como um dos principais vetores a ocupação do Centro-Oeste. Mas quando se construiu Brasília, pensava-se nela como uma espécie de portão de entrada da vasta região a ser desbravada e ocupada, e não na cidade desempenhando funções de polo de desenvolvimento. Em outras palavras: Brasília foi concebida para desempenhar funções exclusivamente político-administrativas. Este processo foi assim definido no capítulo de introdução do Programa Especial da Região Geoeconômica de Brasília – Pergeb: “A criação de Brasília em 1960, em uma área de vazio demográfico, com economia de subsistência, isolada e trazendo para a região uma população com elevado grau de consumo, causou grande impacto econômico e social para o Centro-Oeste brasileiro. A convergência de toda uma rede de transporte para Brasília fez com que seu poder de atração e de irradiação de benefícios aumentasse consideravelmente. Esse fenômeno causou e intensificou um fluxo de migrantes que até hoje vem criando impasses no processo de absorção de mãode-obra e, por outro lado, impõe pesado ônus social a Brasília. O rápido crescimento da Capital Federal, em desarmonia com a capacidade de resposta da econo-

mia da região periférica, fez com que aumentassem os desequilíbrios inter-regionais, atribuindo a Brasília funções alheias àquelas de seu caráter de capital do país. Trata-se, portanto, de “uma região cuja economia se deseja fortalecer e uma cidade Brasília cujas funções e tamanho se desejam preservar” (Pergeb, 1980:1). Nas duas primeiras décadas de sua existência, Brasília consolidou-se como capital da República. Nesse período, completou-se o ciclo de transferência de órgãos públicos da antiga capital, Rio de Janeiro. Foi uma fase de crescimento populacional acelerado. No período entre 1960 e 1970, sua população cresceu em média 14,39% ao ano, alcançando 537 mil habitantes. Entre 1960 e 1970, a população do Distrito Federal quase quadruplicou, fruto de um intenso fluxo migratório, estimado em 30 mil pessoas/ano (Quadro 3). Essa população era basicamente composta de funcionários públicos transferidos da antiga capital (Rio de Janeiro) e nordestinos, mineiros e goianos ocupados na construção civil. Deve-se ressaltar que, nessa década, o fluxo migratório era todo dirigido para o Distrito Federal. O deslocamento para os municípios que compõem a área metropolitana de Brasília era nulo. Nessa fase, a taxa de crescimento demográfico dos municípios que hoje formam a periferia metropolitana de Brasília era muito reduzida (2,67% ao ano), e praticamente nula a entrada de imigrantes.

abril / junho / 2011

Quadro 2: Taxas médias geométricas anuais de crescimento demográfico na área metropolitana de Brasília no período 1960 a 2010 (em %)

41


Quadro 3: Imigração anual líquida estimada na área metropolitana de Brasília no período 1960 a 2010 (em habitantes) DISCRIMINAÇÃO

DF

PERIFERIA METROPOLITANA

ÁREA METROPOLITANA

1960/1970

30.000

-

30.000

1970/1980

44.000

6.000

50.000

1980/1991

12.000

13.000

25.000

1991/2000

20.000

27.000

47.000

2000/2010

21.000

10.000

31.000

Fonte: Censos Demográficos/IBGE. Nota: Elaboração própria.

Na década de 1970, houve uma natural desaceleração no ritmo de crescimento do Distrito Federal, para 8,15% ao ano. Esse percentual era ainda muito elevado, mas nos municípios periféricos essa taxa aumentou para 7,37%. Isso evidenciou o processo de formação da área metropolitana. Nesse período em que Brasília passou a desempenhar plenamente suas funções de centro político-administrativo do País, dois movimentos se consolidaram: o primeiro consistiu na fixação de uma parcela do contingente migratório nos municípios da periferia metropolitana (notadamente Luziânia e Planaltina de Goiás); o outro movimento foi a ampliação da área de influência de Brasília, a partir da forte expansão

de entrada tenha recuado para 12 mil pessoas/ano no Distrito Federal, muito embora tivesse crescido na periferia metropolitana para 13 mil pessoas/ano. Dessa forma, o ritmo de crescimento da população na capital federal caiu drasticamente para 2,84% ao ano, com a população atingindo 1,6 milhão de habitantes. Já nos municípios da periferia metropolitana, a elevação do fluxo migratório manteve a taxa anual de crescimento demográfico em torno de 7% no período, e sua população chegou a 380 mil habitantes. No conjunto, a área metropolitana de Brasília chegava em 1991 a quase dois milhões de habitantes (mais precisamente 1,98 milhão de habitantes).

dos setores comercial e de prestação de serviços, o que fez com que a capital do país disputasse com Goiânia a condição de principal polo regional e também exercesse forte atração sobre a população de uma vasta região carente de serviços públicos de saúde e educação. Dessa forma, em 1980, a população no Distrito Federal alcançava 1,177 milhão de habitantes, mais 180 mil nos dez municípios periféricos, totalizando 1,357 milhão de pessoas na ainda incipiente área metropolitana. Neste período, o fluxo migratório líquido

42

anual para o Distrito Federal subira para cerca de 44

Revista de

Conjuntura

mil pessoas/ano, e a periferia metropolitana já registrava um fluxo da ordem de 6 mil habitantes/ano. Na década de 1980, houve uma sensível queda na entrada de imigrantes. A consolidação do processo de transferência de órgãos federais, associada à retração da atividade na construção civil, levou a uma queda vertiginosa do movimento migratório. Estimase que neste período o movimento anual líquido

Na década de 1990 ocorre uma reversão da tendência de queda no ritmo de crescimento populacional de Brasília. A população de sua área metropolitana cresceu em média, no período 1991/2000, 3,73% ao ano, contra a taxa média de 3,50% no período anterior (1980/1991). Foi um ritmo um pouco mais acelerado, mas significativo quando se observa que em todas as demais áreas metropolitanas do país, a desaceleração do ritmo de crescimento não só se manteve como se acentuou. Dessa forma, a população no Distrito Federal aumentou para 2,05 milhões de habitantes, e a da periferia metropolitana novamente duplicou, superando 700 mil habitantes. No total, a área metropolitana de Brasília chegou em 2000 a 2,75 milhões de habitantes, o que transformou a capital na oitava maior metrópole do país. Deve-se destacar a recuperação do fluxo migratório direcionado a Brasília nos anos 1990. O aumento dentro do próprio Distrito Federal foi expressivo. Uma das razões para este crescimento, segundo vários ana-


No período 1991/2000, o saldo migratório é estimado em 47 mil pessoas/ano em toda a área metropolitana. Ampliou-se tanto no DF, para 20 mil pessoas/ano (estimulado pela política de distribuição de lotes do Governo Roriz), quanto na periferia, para 27 mil pessoas/ano, fruto da expansão dos loteamentos para a população de baixa renda. Deve-se destacar, contudo, que os fluxos migratórios para Brasília se mantiveram num nível alto devido essencialmente ao poder de atração da Capital Federal, expresso no seu elevado nível médio de renda, em contraste com a miséria que predomina nas regiões de origem desses fluxos, e independeram de estímulos adicionais, como a distribuição gratuita de lotes. Em suma, o fato de o GDF oferecer lotes gratuitos não foi o fator determinante para o acelerado crescimento populacional na área metropolitana de Brasília na década de 1990, dada a extraordinária oferta de lotes, em valores absolutamente acessíveis às camadas mais pobres, nos municípios periféricos. Por fim, na primeira década do século XXI, não obstante a redução na taxa de crescimento vegetativo, expressiva em todo o país, ter concorrido para a desaceleração do crescimento populacional do DF, a manutenção do fluxo migratório líquido em torno de 20 mil pessoas/ano fez com que o crescimento populacional da capital (2,28% a.a.) fosse praticamente o dobro da média nacional (1,19% a.a.). Já na periferia metropolitana, ocorreu no período uma forte desaceleração do fluxo migratório, o que fez com que o seu crescimento populacional sofresse uma acentuada queda no período, resultado, provavelmente, dos impactos das políticas de transferência de renda do governo federal nas regiões emissoras dos fluxos migratórios, notadamente o semiárido nordestino. No curso de cinco décadas, Brasília transformou-se de uma cidade de funções exclusivamente políticoadministrativas, em uma grande metrópole nacional, e assumiu atribuições típicas de um centro metropolitano, com problemas da mesma natureza e dimensão de qualquer outra grande metrópole brasileira. A transferência da capital federal ocorreu num período em que o Estado Brasileiro manifestava crescente

preocupação com a questão dos desequilíbrios regionais existentes no país e com o papel do Estado para favorecer ou estimular o desenvolvimento regional. Tal preocupação se materializou na implementação de políticas e na adoção de instrumentos voltados para a intervenção no quadro regional, tema que, infelizmente, não mais se situa no centro das prioridades nacionais. De todo modo, mesmo em tempos de pouca valorização do planejamento territorial, o Governo do Distrito Federal propôs ao governo federal e aos governos estaduais vizinhos a elaboração e implementação do Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Geoeconômica de Brasília, chamado PERGEB II, no qual as ações direcionadas à área metropolitana de Brasília terão enorme destaque e requererão, sem dúvidas, estratégias específicas bem formuladas, pois somente mediante um planejamento integrado e a instituição de uma instância de gestão metropolitana, os graves problemas econômicos e sociais de nossa área metropolitana poderão ser efetivamente equacionados.

Referências bibliográficas IBGE. Censos Demográficos – diversos anos, Rio de Janeiro. MIRAGAYA, J. Estratégia para o desenvolvimento de Brasília e sua Região in DF em Questão, Brasília, Editora UnB, 2006. MIRAGAYA, J. Dos Bandeirantes a JK: a ocupação do Planalto Central brasileiro anterior à fundação de Brasília in Brasília 50 anos: da capital à metrópole, Brasília, Editora UnB, 2010.

Júlio Miragaya juliomiragaya@yahoo.com.br Economista formado pela Faculdade de Ciências Polítcas e Econômicas do Rio de Janeiro da Universidade Cândido Mendes. Mestre em Gestão Territorial pelo Departamento de Geografia da UnB. Doutorando em Desenvolvimento Sustentável no CDS/UnB. Conselheiro do Cofecon eleito para o triênio 2009/11. Diretor de Gestão de Informações da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) e presidente do Instituto Brasiliense de Estudos de Economia Regional (Ibrase).

abril / junho / 2011

listas, foi a política de distribuição de lotes do Governo Joaquim Roriz na primeira metade da década de 1990.

43


Desalinhamento cambial, contas externas e desindustrialização: elementos para o debate a respeito da mudança na política cambial brasileira José Luis Oreiro

O evento organizado pela Fiesp e pelas centrais sindicais no último dia 26 de maio em São Paulo (SP) pôs a taxa de câmbio no centro do debate econômico nacional. Os representantes da indústria e dos trabalhadores colocaram de forma clara para o governo que o nível atual da taxa real de câmbio irá levar ao inexorável desmonte do parque industrial brasileiro a médio prazo, o que condenará o Brasil a voltar a ser uma economia primário-exportadora. A resposta do governo, na figura do ministro Fernando Pimentel, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, foi patética. Nas palavras do ministro, o problema do câmbio valorizado não tem solução. A saída da indústria é se adaptar a esse ambiente de câmbio valorizado, investir em modernização e ganhar competitividade a partir da redução de custos.

Revista de

Conjuntura

44

A declaração de Pimentel, embora infeliz - uma vez que a teoria econômica e a experiência histórica dos países do Sudeste Asiático, como a China, mostram que a taxa real de câmbio é uma variável que pode ser controlada pela política macroeconômica – ao menos revelou que o governo reconhece a existência de um problema crônico de sobrevalorização cambial – embora não esteja disposto a incorrer no ônus político do seu enfrentamento. Trata-se de uma notável evolução no pensamento da equipe econômica do governo, o qual parecia ser guiado, até recentemente, por aquilo que denominei em outro artigo1 de “indiferença otimista”.

* 1 Oreiro e Araujo (2010).

Segundo essa visão, num regime de câmbio flutuante, a intensificação dos desequilíbrios externos em função do movimento de apreciação da taxa real de câmbio levará, mais cedo ou mais tarde, a uma desvalorização lenta e gradual do câmbio devido à crescente escassez de divisas no mercado doméstico. Desta forma, a perda de competitividade da indústria seria um fenômeno puramente temporário, a ser resolvido, a médio prazo, pela própria operação do regime de flutuação cambial. Além disso, a ocorrência de uma “parada súbita” da entrada de fluxos de capitais externos para a economia brasileira estaria descartada a priori pela própria lógica do regime de câmbio flutuante. Com isso, a permanência do regime de flutuação cambial seria condição necessária e suficiente para que o Brasil ficasse livre tanto do risco de uma crise cambial como do risco de desindustrialização. Atualmente, a posição da equipe econômica do governo evoluiu para o que podemos denominar de “realismo cínico”. Segundo essa visão o câmbio se encontra, de fato, sobrevalorizado, mas mudanças na política cambial seriam altamente custosas para o governo porque não só seria tecnicamente impossível fazer uma desvalorização administrada da taxa de câmbio como ainda, e mais importante, a queda do salário real resultante de uma desvalorização cambial seria tão grande que a tornaria inviável do ponto de vista político.


Atualmente a posição da equipe econômica do governo evoluiu para o que podemos denominar de “realismo cínico”. Segundo essa visão o câmbio se encontra, de fato, sobrevalorizado...

‘‘

Nesse contexto, a única opção restante para fazerse o ajuste necessário da taxa de câmbio seria deixar esse ajuste por conta do “mercado” - ou seja, esperar até que a deterioração da conta de transações correntes do balanço de pagamentos minasse os “fundamentos” da economia brasileira a ponto de ocorrer uma “parada súbita” da entrada de capitais no Brasil. Essa “parada súbita” do financiamento externo produziria, num regime de câmbio flutuante, um ajuste instantâneo da taxa de câmbio, o que eliminaria imediatamente a sobrevalorização cambial. Está claro que este ajuste do câmbio produziria uma queda do

bre o salário real de uma desvalorização administrada da taxa de câmbio e os riscos da estratégia de “deixar para o mercado” o ajuste requerido da taxa de câmbio. A metodologia utilizada pelos economistas para calcular o desalinhamento cambial prevalecente numa economia consiste em estimar um nível hipotético de taxa real efetiva de câmbio que prevaleceria na economia caso os movimentos da taxa de câmbio fossem inteiramente explicados pelos “fundamentos”, ou seja, por variáveis outras que não a própria “psicologia do mercado”. Em artigo escrito2 recentemente em conjunto com a Professora Eliane Araújo da Universidade Estadual de Maringá, esse exercício foi realizado para a economia brasileira com dados trimestrais do período 1995:3 – 2010:1. Como fundamentos da taxa de câmbio foram selecionados: índice de preços de commodities, termos de troca, taxa Selic, saldo da balança comercial como proporção do PIB e consumo do governo (dessazonalizado). Nesse contexto, rodamos uma regressão em mínimos quadrados da taxa real efetiva de câmbio contra as variáveis acima listadas, obtendose, a partir dela, uma série de valores para o que seria a taxa real efetiva de câmbio, determinada apenas pelos fundamentos. Essa série foi então comparada com os valores realizados da taxa real efetiva de câmbio.

salário real; mas, nesse caso, a responsabilidade por

Ao se realizar essa comparação, constata-se que des-

essa queda seria atribuída pelos trabalhadores à crise

de o primeiro trimestre de 2005 a economia brasileira

cambial, e não ao governo. Além disso, o elevado nível

convive com uma situação de sobrevalorização cambial,

de reservas internacionais à disposição do país atuaria

que é temporariamente eliminada no último trimestre

no sentido de moderar o ritmo de desvalorização cam-

de 2008 em função da forte desvalorização cambial

bial, o que evitaria o temido efeito de over-shooting

ocorrida no Brasil após a falência do banco norte-ame-

cambial e permitiria que o Banco Central adotasse

ricano Lehman Brothers. Após o primeiro trimestre de

uma política monetária menos restritiva, dado o me-

2009, contudo, constata-se o ressurgimento do proble-

nor impacto inflacionário do ajuste da taxa de câmbio.

ma da sobrevalorização cambial com a retomada do

Para que possamos avaliar de forma técnica os fun-

movimento de valorização do real. No início de 2010,

damentos do “realismo cínico” é necessário estimar o

a taxa real efetiva de câmbio encontrava-se quase 20%

tamanho do desalinhamento cambial prevalecente

abaixo do seu valor de referência determinado pelos

na economia brasileira, suas consequências sobre as

“fundamentos”, conforme se verifica na Figura 1 a seguir.

* 2 Oreiro e Araujo (2010).

abril / junho / 2011

‘‘

contas externas, a viabilidade técnica e os efeitos so-

45


Figura 1: Taxa real efetiva de câmbio (RER) e Taxa real efetiva de equilíbrio (RÊR) no Brasil (1995/3T – 2010/1T) 160 140 120 100 80 60 40 20

RE R

2009Q3

2010Q1

2009Q1

2008Q1

2008Q3

2007Q3

2007Q1

2006Q3

2005Q3

2006Q1

2005Q1

2004Q1

2004Q3

2003Q1

2003Q3

2002Q3

2002Q1

2001Q1

2001Q3

2000Q3

1999Q3

2000Q1

1998Q3

1999Q1

1997Q3

1998Q1

1996Q3

1997Q1

1995Q3

1996Q1

0

RÊ R

Fonte: Oreiro e Araujo (2010) e Ipeadata.

Qual o impacto dessa expressiva sobrevalorização

ma, a sobrevalorização cambial verificada após 2005

cambial sobre a situação das contas externas? A partir

tem uma contribuição maior para a deterioração das

de 2008, o Brasil voltou a exibir déficits em conta cor-

contas externas do que a aceleração do crescimento.

rente após alguns anos de superávit. Em 2008 e 2009

A partir desses números podemos traçar um cená-

o déficit em conta corrente ficou em torno de 1,6% do

rio bastante preocupante para o SCC até 2014. Con-

PIB e, em 2010, o déficit situou-se em torno de 2,5%

siderando um crescimento médio de 5% para o PIB e

do PIB.

a manutenção da sobrevalorização cambial, o SCC irá

Nesse contexto, é relevante saber em que medi-

alcançar -4,1% do PIB em 2014. Se o câmbio real con-

da esse comportamento resulta da sobrevalorização

tinuar se valorizando e alcançar o mínimo observado

cambial verificada após 2005, ou se é simplesmente

durante o primeiro mandato do presidente Fernando

reflexo do crescimento mais acelerado que a econo-

Henrique Cardoso, o rombo nas contas externas será

mia brasileira vem experimentando nos últimos anos.

ainda pior: -6,7% do PIB.

Para responder a essa pergunta, Oreiro e Araújo

No que se refere à viabilidade técnica de uma des-

(2010) calcularam a elasticidade de longo prazo do

valorização administrada da taxa de câmbio, Oreiro

PIB com respeito à taxa real de câmbio e ao PIB real timativas foram obtidas a partir de um teste de cointe-

Revista de

46

Conjuntura

saldo em conta corrente (SCC) como proporção do (dessazonalizado) para o período 1994-2009. Essas esgração entre as variáveis em consideração.

e Marconi (2011) argumentam que a desvalorização cambial pode ser feita de maneira gradual, ao longo de vários meses, com a introdução de uma banda cambial móvel (e exógena) para a taxa de câmbio por parte do Banco Central. Nesse contexto, o Banco Central fixaria o valor máximo e mínimo para a taxa nomi-

Os resultados mostraram que a elasticidade câm-

nal de câmbio a cada mês, programando o ritmo de

bio do SCC é 4,61, e a elasticidade renda é -1.59. Esses

desvalorização de ambos ao longo de uma sequência

números mostram que a sensibilidade do SCC a varia-

de meses, até que a taxa nominal de câmbio alcance

ções da taxa de câmbio é muito maior do que a sensi-

o valor requerido para eliminar a sobrevalorização da

bilidade a variações da taxa de crescimento. Dessa for-

taxa real efetiva de câmbio.


Dessa forma, a lógica operacional do regime de metas de inflação e, consequentemente, a autonomia da política monetária, poderão ser mantidas. Deve-se ressaltar, contudo, que para evitar uma saída em massa de capitais do país em função da desvalorização administrada da taxa de câmbio – a qual reduz o valor em moeda estrangeira das aplicações financeiras de não-residentes em ativos denominados em reais – algum tipo de controle temporário da saída de capitais do Brasil deverá ser imposto até que o desalinhamento cambial seja eliminado. O efeito inflacionário da desvalorização do câmbio, por sua vez, será puramente temporário se esta for acompanhada de medidas adicionais de desindexação da economia, como a extinção das cláusulas de indexação dos contratos dos preços administrados e da indexação dos títulos públicos à taxa Selic. Terá que vir acompanhada também de um ajuste fiscal mais forte para controlar a demanda agregada, com a introdução de um teto consideravelmente restrito para o crescimento dos gastos de consumo e custeio do governo. Nesse contexto, o simples alongamento do prazo de convergência da inflação para a meta de 4,5% a.a. (de 12 meses para 24 ou 36 meses), em conjunto com tais medidas, permitiria um ajuste da taxa de câmbio sem comprometer a estabilidade da taxa de inflação a médio prazo. Para avaliar o custo político de uma desvalorização do câmbio, Oreiro e Marconi (2010) estimaram um modelo econométrico no qual o salário real foi regredido contra a taxa real efetiva de câmbio e a taxa de desemprego, a primeira com uma defasagem de 12 meses e a segunda com defasagens de 6 e 7 meses. O

período analisado foi de março de 2003 a janeiro de 2011. Os resultados do modelo mostraram que a elasticidade do salário real com respeito à taxa de câmbio varia entre -0,18 e -0,24, dependendo do número de períodos de defasagens utilizado para a taxa de desemprego. Isso significa que, segundo essas estimativas, uma desvalorização de 30% da taxa real de câmbio geraria, no pior cenário, uma queda de 6,5% do salário real após um ano e, no melhor cenário, uma queda de 4,8% do salário real. Dessa forma, o impacto de curto prazo da desvalorização cambial sobre o bem-estar econômico da classe trabalhadora seria razoavelmente pequeno. No longo prazo, contudo, a desvalorização cambial permitiria um crescimento mais robusto da economia brasileira ao eliminar o estrangulamento externo, o que viabilizaria um crescimento mais forte dos salários reais. Quanto à premissa do “realismo cínico” de que as reservas internacionais podem amortecer os efeitos de uma “parada súbita” de financiamento externo, deve-se observar que uma parcela não desprezível das reservas internacionais foi financiada com capital de curto prazo e empréstimos. Com efeito, entre janeiro de 2003 e fevereiro de 2011, as reservas tiveram um acréscimo de cerca de US$ 268 bilhões. No mesmo período, o acumulado do saldo em conta corrente e IED alcançaram US$ 163 bilhões. Isso significa que cerca de 40% do acumulo de reservas foi financiado com investimento de portfólio e empréstimos externos de curto e longo prazo. Em outras palavras, uma parcela não desprezível das reservas é, de fato, propriedade de estrangeiros. Logo, num cenário de “parada súbita”, o Brasil pode perder em poucas semanas uma fração expressiva de suas reservas internacionais, e as possibilidades de over-shooting da desvalorização cambial e aceleração acentuada da inflação não pode ser descartada. Esse razoado aponta para a possibilidade de o custo político e econômico do ajuste súbito via “mercado” ser muito superior ao do ajuste gradual via mudança na política cambial, ainda mais quando se constata que a sobrevalorização cambial está na raiz do processo de desindustrialização vivenciado pela economia brasileira nos últimos 25 anos.

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Para garantir o funcionamento desse sistema, o Banco Central deverá atuar de forma ativa no mercado de câmbio, comprando moeda estrangeira toda vez que o mercado forçar a taxa para baixo do preço mínimo, e vendendo moeda estrangeira sempre que o mercado forçar a taxa para cima do preço máximo. Os impactos das operações de compra/venda de moeda estrangeira sobre a base monetária e, portanto, sobre a taxa básica de juros e sobre a liquidez do sistema bancário, poderão ser adequadamente esterilizados por operações correspondentes de venda/compra de títulos públicos.

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Na literatura econômica o termo desindustriali-

ciaram seu processo de desindustrialização; além do

zação foi originalmente cunhado para denominar a

que pode ser causada por falhas de mercado como a

perda relativa do emprego industrial nos países de-

“doença holandesa”.

senvolvidos verificada a partir da década de 1970. Mais recentemente, o conceito foi ampliado para indicar uma perda relativa tanto do emprego quanto do valor adicionado da indústria. Inicialmente, o processo de desindustrialização era visto como um fenômeno natural na dinâmica do desenvolvimento, pois à medida que os países aumentavam de forma consistente a sua renda per capita, a elasticidade da demanda por produtos industrializados se reduzia, o que levava a uma diminuição relativa da demanda por esses produtos. Além disso, o forte crescimento da produtividade no setor industrial, em comparação com os demais setores, acarretaria uma queda nos preços relativos dos produtos manufaturados, o que levaria a uma redução da participação do setor industrial no valor agregado e no emprego total. Atualmente, no entanto, sabe-se que a desindustrialização pode ser “precoce”, ou seja, pode se iniciar num patamar de renda per-capita inferior ao registrado nos países desenvolvidos quando estes ini-

A desindustrialização, especialmente quando precoce, tem efeitos negativos sobre o potencial de crescimento dos países. Isso porque a indústria é o motor de crescimento de longo prazo dessas economias, haja vista que é o setor no qual prevalecem as economias estáticas e dinâmicas de escala, onde os efeitos de encadeamento para frente e para trás na cadeia produtiva são mais fortes, onde ocorre a recepção e difusão do progresso tecnológico e onde a elasticidade da renda das exportações é mais elevada (Thirwall, 2002). A análise da literatura brasileira recente sobre o tema da desindustrialização parece deixar pouca margem para dúvidas a respeito da ocorrência efetiva desse processo na economia brasileira (Oreiro e Feijó, 2010). Com efeito, uma vez aceita a definição ampliada de desindustrialização torna-se inquestionável que esse processo vem ocorrendo no Brasil, com maior ou menor intensidade, de forma linear ou não, desde o final da década de 1980 (Figura 2).

Figura 2: Brasil - Participação da indústria transformação no PIB (%)

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Fonte: Almeida (2006).


o crescimento de longo prazo do que sobre a ocorrência histórica desse fenômeno. Dessa forma, no debate brasileiro recente sobre o tema podemos identificar duas hipóteses em disputa. A primeira estabelece que o processo de desindustrialização no Brasil não é natural, mas resulta, em larga medida, da política macroeconômica adotada nos últimos 20 anos. Essa política tem mantido uma taxa de câmbio sobrevalorizada, que afeta negativamente as exportações de manufaturados e induz um processo de substituição de produção doméstica por importações. A segunda hipótese estabelece que o processo de desindustrialização brasileiro é similar ao ocorrido nos países desenvolvidos e é, portanto, um processo natural e independente da gestão da política macroeconômica. Soares, Mutter e Oreiro (2011) realizaram recentemente um estudo sobre as causas do processo de desindustrialização da economia brasileira por intermédio de uma análise empírica dos determinantes desse processo no período compreendido entre 1996 e 2008. Para tanto, utilizaram a metodologia empregada por Rowthorn e Ramaswamy (1999) com o intuito de verificar se a perda relativa do emprego e do valor agregado na indústria pode ser explicada por fatores internos, como nos países desenvolvidos, ou por fatores externos, como a globalização e a nova divisão internacional do trabalho. Algumas modificações foram introduzidas na metodologia em consideração para levar em conta, de um lado, a disponibilidade de estatísticas e, de outro, a influência de fatores como a apreciação cambial ao afetar direta e indiretamente o produto e o emprego. Com base na metodologia dos determinantes diretos e indiretos da desindustrialização, foram observadas algumas similaridades com os resultados obtidos por Rowthorn e Ramaswamy. Para eles, os fatores internos, representados pelo crescimento mais rápido da produtividade na indústria e, consequentemente, pela queda dos preços relativos, explicam em larga medida a redução do emprego no setor. No caso brasileiro, também se verificou uma relação positiva entre o crescimento do produto e o aumento da produtividade do trabalho na indústria. Além disso, verifica-se que o crescimento da produtividade gerou uma queda ex-

pressiva dos preços relativos, contribuindo assim para a redução relativa do valor adicionado e do emprego da indústria. Com relação aos efeitos das variáveis investimento e saldo comercial no produto e emprego relativos, verificou-se que ambas têm efeito positivo sobre as variáveis em consideração. Dessa forma, podemos afirmar que a queda da taxa de investimento e a deterioração do saldo da balança comercial a partir de meados da década de 1990 são causas importantes do processo de desindustrialização no Brasil, ambas relacionadas com a condução da política macroeconômica no período em consideração. Com efeito, ao analisarmos os efeitos indiretos do câmbio sobre o saldo da balança comercial como proporção do PIB e a taxa de investimento, constatamos que, para a primeira variável, a relação é positiva e, para a segunda, negativa. Dessa forma, a tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio observada no período 1996-2008 contribuiu para desestimular o investimento e, consequentemente, a participação relativa do emprego e do valor adicionado pelo setor industrial na economia brasileira. A partir dos valores encontrados das elasticidades do produto e de emprego relativos com respeito à taxa real de câmbio, podemos constatar, contudo, que a desvalorização cambial teria maior efeito sobre o produto do que sobre o emprego. Uma evidência mais direta da relação entre o dinamismo da indústria e o comportamento da taxa real efetiva de câmbio pode ser visualizada na Figura 3. Conforme se observa nessa figura, onde são apresentadas as taxas de crescimento da indústria de transformação e do PIB, bem como a taxa real efetiva de câmbio, no período 1996-2008, em apenas três anos a taxa de crescimento da indústria superou a da economia (2000, 2003 e 2004). Nos demais anos, o PIB cresceu à frente do valor adicionado da indústria de transformação. Verificamos também que a forte apreciação da taxa real efetiva de câmbio no período 2004-2008 foi acompanhada pela perda de dinamismo da indústria de transformação com respeito ao resto da economia brasileira. De fato, entre 2005 e 2008 a taxa de crescimento do valor adicionado da indústria de transformação ficou sistematicamente abaixo da taxa de crescimento do PIB. Esse movimento foi acompanhado por uma forte apreciação do câmbio real.

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O debate tem se concentrado mais sobre as causas desse processo e suas possíveis consequências sobre

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Figura 3: Taxa de crescimento do PIB e da indústria de transformação (%) e taxa real efetiva de câmbio (1996-2008)

A argumentação aqui apresentada aponta para a factibilidade (técnica e política) e a necessidade de uma mudança na política cambial, para se eliminar, num período razoável, o problema de sobrevalorização da taxa real de câmbio prevalecente na economia brasileira. Se essa mudança não for feita nos próximos dois anos, a economia brasileira corre um sério risco de sofrer uma forte crise de balanço de pagamentos, com consequências desastrosas para a inflação e o nível de atividade econômica e de emprego. Além disso, a continuidade do atual estado de sobrevalorização cambial põe em risco a sobrevivência a médio prazo da indústria nacional, e pode levar a um processo irreversível de desindustrialização da economia brasileira.

ROWTHORN, R; RAMASWANY, R (1999). “Growth, Trade and Deindustrialization”. IMF Staff Papers, Vol. 46, N.1. SOARES, C; MUTTER, A; OREIRO, J.L (2011). “Uma análise empírica dos determinantes da desindustrialização no caso brasileiro (1996-2008)”. Artigo aprovado para o XVI Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Política. Uberlandia. THIRWALL, A. (2002). The Nature of Economic Growth. Edward Elgar: Aldershot.

Referências bibliográficas

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José Luis Oreiro joreiro@unb.br Doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ (2000). Professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB). Pesquisador Nível I do CNPq e Diretor de Relações Institucionais da Associação Keynesiana Brasileira.


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