Revista de
Conjuntura Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
ANO XII Nº 46 julho/setembro de 2011
ARTIGOS Brasil: temos modelo de desenvolvimento? Antonio Paulo Barea Coutinho Um olhar da Sociologia Econômica sobre a crise financeira Francisco de Assis Campos da Silva e Moisés Villamil Balestro A crise do euro, dilemas de política econômica e o futuro da Europa José Luis Oreiro
*José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu
*Irineu Evangelista de Souza, Visconde de Mauá
*Otávio Gouveia *Eugênio Gudin de Bulhões
*Joaquim Murtinho
*Roberto Simonsen
*Rômulo Almeida
*Roberto Campos
*Celso Furtado
*Maria da Conceição Tavares
A necessidade de uma política industrial permanente como política de Estado Jackson De Toni A retomada da crise mundial e os seus impactos na economia brasileira José Matias Pereira Evolução recente e perspectivas da economia brasileira Raul Velloso
*Mário Henrique Simonsen
*Antônio Delfim Neto
*Dércio Gracia Munhoz
*Antônio de Barros Castro
*Ricardo Bielschowsky
*Afonso Celso Pastore
*Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo
*Armínio Fraga Neto
*José Luiz Fiori
*Pedro Malan
*Gustavo Franco
*Ruy Mauro Marini
*Theotônio dos Santos
*Luiz Carlos Bresser-Pereira
*Edmar Lisboa Bacha
Continuação da crise Carlos Eduardo de Freitas, José Luiz Pagnussat e José Fernando Cosentino Tavares
ENTREVISTA
ISSN 1677-0668
* Fotos de domínio público retiradas da internet
Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, fala sobre o Plano Brasil Maior e os desafios da indústria brasileira
O XIX Congresso Brasileiro de Economia, tema da matéria principal, homenageou os 60 anos da regulamentação da profissão e discutiu a desindustrialização no Brasil.
Aluno e aluna de
CiĂŞncias EconĂ´micas de qualquer perĂodo ou sĂŠrie
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Documentos necessårios: ‡ 'HFODUDomR GH PDWUtFXOD H IUHTXrQFLD GD Faculdade, mencionando data prevista de conclusão do curso (original e cópia); ‡ 'RFXPHQWR GH LGHQWLGDGH RULJLQDO H FySLD ‡ &3) ‡ IRWRV [ FRORULGDV ‡ FRPSURYDQWH GH UHVLGrQFLD RULJLQDO H FySLD ‡ SUHHQFKLPHQWR GR UHTXHULPHQWR GD FUHGHQFLDO
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Nesta edição
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Brasil: temos modelo de desenvolvimento? Antonio Paulo Barea Coutinho
11
Um olhar da Sociologia Econômica sobre a crise financeira Francisco de Assis Campos da Silva e Moisés Villamil Balestro
18
A crise do euro, dilemas de política econômica e o futuro da Europa José Luis Oreiro
28
A necessidade de uma política industrial permanente como política de Estado Jackson De Toni
Conjuntura Revista de
Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
ANO XI • Nº 46 • julho/setembro de 2011
2 editorial 3 entrevista Fernando Pimentel
23 destaque
XIX Congresso Brasileiro de Economia
33
A retomada da crise mundial e os seus impactos na economia brasileira José Matias Pereira
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Evolução recente e perspectivas da economia brasileira Raul Velloso
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A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contatando o Corecon/DF. O valor da assinatura é de R$ 40,00 anual, o que equivale a quatro edições da revista.
Tãmnia
Continuação da crise Carlos Eduardo de Freitas, José Luiz Pagnussat e José Fernando Cosentino Tavares
Revista de
Conjuntura Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal Editor responsável José Luiz Pagnussat Conselho editorial Carlos Eduardo de Freitas Elder Linton Alves de Ataújo José Fernando Cosentino Tavares José Roberto Novaes de Almeida Humberto Vendelino Richter Maurício Barata de Paula Pinto Newton Ferreira da Silva Marques Oscar Henrinque Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira Júlio Miragaya Jornalista responsável Camila Fiorese (Reg. DRT/DF: 7851) Redação e editoração eletrônica Camila Fiorese Revisão Letícia Sallorenzo Tiragem: 4.000 Periodicidade: trimestral
As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF Presidente Jusçanio Umbelino de Souza Vice-presidente Humberto Vendelino Richter Conselheiros efetivos Jusçanio Umbelino de Souza Humberto Vendelino Richter José Luiz Pagnussat Carlos Eduardo de Freitas Oscar Henrique Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira Gilson Duarte Ferreira dos Santos Carlito Roberto Zanetti Paulo Roberto Amorim Loureriro Conselheiros suplentes Érton Birk Teixeira Diones Alves Cerqueira Ronalde Silva Lins Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira Miguel Rendy Elder Linton Alves de Araujo Bento de Matos Félix Jucemar José Imperatori César Augusto Moreira Bergo Conselheiros federais efetivos pelo DF Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Júlio Miragaya Roberto Bocaccio Piscitelli Conselheiros federais suplentes pelo DF Maria Cristina de Araújo Newton Ferreira da Silva Marques Max Leno de Almeida Gerente executivo Ronaldo Gallotti Schroeder Equipe do Corecon-DF Angeilton Francisco Lima Faleiro Camila Fiorese Hélio Matheus Silva de Oliveira Iraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília/DF Tel: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo)
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Editorial
Esta edição da Revista de Conjuntura tem como tema principal a crise do euro. Tema que foi analisado pelo grupo de conjuntura do Conselho em várias reuniões, desde agosto. Procurou-se avaliar a crise com diversos olhares, com destaque para duas reuniões conjuntas com os professores da UnB da área da sociologia econômica. Essas visões estão colocadas, sem esgotar a riqueza dos debates realizados, nos diversos artigos incluídos na Revista. O Grupo de Conjuntura vem se reunindo sistematicamente há mais de cinco anos e se posicionando sobre temas de relevância nacional. Nestes anos foram analisadas algumas dezenas de temas, como: “a mudança na metodologia de cálculo do PIB” (mai/07), a “dívida dos estados” (jun/07), ”Rodada de Doha” (jul/07), “CPMF” (ago/07), “crise aérea” (set/07), “perspectiva do crescimento econômico” (nov/07), “a controvérsia sobre a necessidade de mudança na política econômica” (abr/08), “reforma tributária” (mai/08), “preços das commodities” (jun/08), “inflação: a política econômica necessária” (jun/08), “Fundo Soberano” (jul/08), “crise financeira” (set/08), “crise de liquidez” (out/08), “impacto a médio prazo das medidas anticíclicas” (mai/09), “a queda da Selic e as alterações na poupança” (mai/09), “a crise acabou?” (jun/09), “cenário econômico mundial” (set/09), “tributação do ingresso de capital estrangeiro” (out/09), “a crise política (do GDF) e os riscos econômicos e sociais” (fev/10),“câmbio e desenvolvimento” (abr/10),“gastos do setor público, o que é investimento?” (nov/10), “inflação e estabilização: a opção gradualista” (mai/11), “a crise da zona do euro” (ago/11), etc. Estes são apenas alguns exemplos de temas debatidos, sempre com pluralidade na análise, sem preconceito às diversas correntes de pensamento econômico. Hoje os economistas do Corecon-DF são referência na mídia nacional e internacional, ocupam semanalmente os principais jornais do país e antecipam, com grande competência, as tendências econômicas. Pautam não só a mídia, mas também as alternativas de política econômica para o país. Neste sentido, convidamos todos os economistas a participarem das reuniões e a sugerirem temas para análise do Grupo de Conjuntura. Dois temas estão na lista de escolha para debate: um se refere ao entusiasmo de setores do governo em relação à política econômica da Argentina - de metas para o câmbio, prioridade para o crescimento, política monetária menos conservadora - que vem propiciando elevadas taxas de crescimento do país vizinho. Outra hipótese de tema se refere à controvérsia sobre a efetiva independência do Banco Central. Para muitos, a decisão do Copom de reduzir os juros quando o mercado esperava aumento indicou “intervenção do governo” e para outros revelou, enfim, “a independência do Banco Central dos lobbies do sistema financeiro”. Antes o BC só fazia o que o “mercado” sinalizava. Neste ano, as reuniões do Grupo de Conjuntura vêm sendo realizjadas quinzenalmente aos sábados pela manhã. Os temas debatidos são previamente escolhidos e procura-se abordar o tema em mais de uma reunião, iniciando-se com um enfoque teórico/conceitual para então ampliar o debate para a análise conjuntural. Participe! Outro convite que fazemos aos economistas se refere à indicação de personalidades econômicas para compor a capa da próxima revista, em comemoração dos 60 anos da profissão de economista no Brasil. Nesta edição, lembramos algumas personalidades econômicas, sem esgotar a lista e sabendo que esquecemos de economistas brasileiros importantes. Não incluímos nesta edição, por exemplo, economistas que são destaque na área política, é o caso da presidenta Dilma Rousseff, do senador Aécio Neves e outros mais. A indicação de nomes para a próxima capa da revista pode ser enviada para o e-mail do Corecon (imprensa@corecondf.org.br).
ENTREVISTA
Ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior fala sobre o Plano Brasil Maior e os desafios da indústria brasileira Foto: Divulgação
Nos anos 1990, atuou na administração municipal de Belo Horizonte, onde exerceu os cargos de secretário da Fazenda (gestão de Patrus Ananias, de 1993 a 1996) e de secretário de Governo, Planejamento e Coordenação Geral no primeiro mandato de Célio de Castro (1996). Em 2000 foi eleito vice-prefeito de Belo Horizonte, e a partir de abril de 2003 assumiu o cargo de prefeito em razão da aposentadoria do titular. Nas eleições de 2004, com 68,5% dos votos válidos, tornou-se o primeiro prefeito na história da capital mineira eleito no primeiro turno.
Mineiro de Belo Horizonte, Fernando Pimentel é economista graduado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais e Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas (UFMG). Foi vice e, posteriormente, eleito prefeito de Belo Horizonte (2005/2008) pelo Partido dos Trabalhadores (PT), do qual foi um dos fundadores. Por sua atuação, foi apontado pelo site inglês Worldmayor como o oitavo melhor prefeito do mundo – era o único da América do Sul na lista dos dez melhores. Ele deixou a prefeitura com índices de aprovação superiores a 90%. Pimentel foi professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), vice-presidente da Associação de Professores Universitários de Belo Horizonte, presidente do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (1991-1992) e diretor do Sindicato dos Economistas mineiro – após uma trajetória de resistência ao regime militar durante os chamados anos de chumbo, quando foi perseguido e preso entre 1970 e 1973.
Com experiência na vida pública, Dilma Rousseff o convidou para ocupar o cargo de ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a partir de 1º de janeiro de 2011. Em entrevista à Revista de Conjuntura do Corecon-DF, o ministro Fernando Pimentel falou sobre a evolução da economia mundial, tendo em vista a crise financeira, os desafios da indústria brasileira e sobre o Plano Brasil Maior.
Conjuntura - Questão de profundidade envolvendo o Plano Brasil Maior: é princípio do comércio internacional que as mercadorias sejam tributadas no destino, e não na origem. Por essa razão, as exportações são embarcadas livres de impostos. Cabe ao país do importador arrecadar os impostos cabíveis. Não interessa aqui esmiuçar os detalhes e problemas da prática dessa regra geral que, aliás, se aplica exclusivamente aos tributos sobre a produção, e não aos impostos diretos, que incidem sobre as remunerações dos fatores produtivos,
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como salários, juros, aluguéis e lucros. Por isso são considerados componentes intrínsecos do custo de produção, formadores do preço a custo de fatores, elemento essencial da concorrência. Ora, o custo dos fatores de produção no Brasil é inflado pela extravagante carga tributária incidente sobre a mão de obra (20% de contribuição previdenciária patronal, mais 11% do empregado). Note-se que os 11% do empregado representam a alíquota máxima e é sujeita a teto; já os 20% do empregador não obedecem a teto nenhum. E é tão elevado esse ônus porque de fato os valores não se destinam a
cobrada uma contribuição sobre o faturamento com alíquota de 1,5% para confecções, calçados e artefatos e móveis, e de 2,5%, para software. É uma desoneração feita com responsabilidade fiscal porque não haverá perdas para a Previdência. O Tesouro Nacional arcará com a diferença para cobrir eventual perda de arrecadação da Previdência Social. A medida funcionará como um projeto piloto até dezembro de 2012, e seu impacto será acompanhado por uma comissão tripartite, formada por governo, sindicatos e setor privado. Nosso objetivo é reduzir os encargos trabalhistas e garantir a expansão do emprego e as condições necessárias de competição para essas empresas.
financiar somente um sistema público de aposentadorias e pensões por tempo de contribuição, mas espectro com base nas determinações da Constituição de 1988, que vislumbraram um projeto de seguridade social misturado com previdência social. O resultado é uma confusão de subsídios cruzados e perda de competitividade da indústria de transformação, fato agravado pela apreciação do real. Pergunta-se: por que o governo, no Plano Brasil Maior, não foi mais fundo nessa questão de desonerar a folha de pagamento, e substituiu a tributação arrecadada diretamente sobre o emprego por impostos/contribuições gerais para financiar aqueles benefícios de natureza eminentemente distributiva? Ficariam para a folha de pagamento apenas os valores estritamente destinados ao programa de aposentadorias e pensões por tempo de contribuição efetiva. O senhor não acha que isso reduziria significativamente o custo da mão de obra e fortaleceria a competição da indústria brasileira tanto
Fernando Pimentel - Esta é uma medida totalmenBrasil Maior. É claro que queríamos estendê-la a mais
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no exterior, como na disputa pelo mercado interno?
te inovadora e um dos principais destaques do Plano setores, mas temos que ser cautelosos. Nesse primeiro momento, foram escolhidos esses quatro setores sensíveis ao câmbio e à concorrência internacional e intensivos em mão-de-obra, que são confecções, calçados, móveis e software. Eles terão a redução a zero da alíquota de 20% para o INSS. Em contrapartida, será
Conjuntura - Quais os seus prognósticos da evolução da economia mundial no futuro próximo se houver uma recessão mais profunda, como parece sugerir a última ata do Copom? Com altas taxas de desemprego, endividamento e desvalorização de suas moedas, as economias desenvolvidas estão sob a ameaça de uma crise sistêmica que ameaça se alastrar pelo mundo com efeitos ainda piores que os provocados pela crise de 2008.
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É uma desoneração feita com responsabilidade fiscal porque não haverá perdas para a Previdência. O Tesouro Nacional arcará com a diferença para cobrir eventual perda de arrecadação da Previdência Social. A medida funcionará como um projeto piloto até dezembro de 2012...
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um programa de redistribuição de renda de amplo
no, já que os países emergentes, como o Brasil, são a bola da vez, com números de crescimento econômico e aumento do poder de compra de suas populações.
Conjuntura - O Plano Brasil Maior, no seu lançamento, adotou três conjuntos de medidas, com destaque para as de promoção do “comércio exterior” e de “defesa da indústria e do mercado interno”. O Ministério está planejando novas medidas nessa área? E quais as principais diretrizes de ação? Fernando Pimentel - O Brasil Maior não é um plano concluído, que se encerrará nas medidas já anunciadas. Será acrescido e fortalecido com outras a serem implantadas a partir das discussões entre governo, trabalhadores e empresários. A visão estratégica do Plano Brasil Maior se materializa num conjunto de medidas e metas, que serão monitoradas e acompanhadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Industrial (CNDI), formado por representantes do governo e do empresariado. Juntos, vamos discutir e definir as medidas para fortalecer nossa indústria.
Conjuntura - Os conselhos de economia realizaram no início de setembro o Congresso Brasileiro dos Economistas. Um tema recorrente no evento foi a preocupação com a “desindustrialização do Brasil”. Como o Ministério pretende enfrentar essa tendência? E quais as principais causas desse processo?
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Fernando Pimentel - O Brasil vive um paradoxo. Presenciamos progresso econômico e social interno sustentado sob a ameaça de uma crise internacional de grandes proporções. Mas não estamos imunes aos problemas externos. Temos que redobrar a atenção à ameaça inflacionária e à forte apreciação cambial (que neste momento está mais branda), com seus efeitos negativos sobre toda a cadeia produtiva. Com o agravamento da crise, os efeitos do choque externo sobre a economia brasileira serão a pressão dos preços internacionais de commodities, a entrada maciça de dólares induzida pelas políticas monetárias expansionistas das economias desenvolvidas e o avanço das importações sobre nosso mercado inter-
Foto: Ascom MDIC
Conjuntura - Em sua opinião, a crise financeira internacional irá afetar o Brasil?
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Fernando Pimentel - Alguns setores da indústria nacional passam por dificuldades em consequência da concorrência desleal de importações, sobretudo asiáticas, ou do real valorizado dos últimos tempos, que tornaram o produto nacional mais caro na hora de exportar. Muitos deles, inclusive, foram atendidos pelo Plano Brasil Maior com medidas específicas para o aumento da competitividade. É o caso, por exemplo, de confecções, calçados, móveis e software, para os quais o governo anunciou a desoneração da folha de pagamento. Demais segmentos fragilizados, neste momento, também poderão se beneficiar de outras medidas de desoneração tributária e, por exemplo, de linhas de financiamento do BNDES, algumas novas e outras já existentes, mas que foram ampliadas para atender um número maior de empresas. Mas apenas a inovação será capaz de dar o fôlego necessário à indústria nacional, aumentando as exportações e diminuindo o déficit verificado em alguns segmentos. Há necessidade de aumentar os investimentos em infraestrutura e na qualidade da mão de obra, além de reduzir a elevada carga tributária do país, que incide diretamente sobre a competitividade das empresas.
Conjuntura - O pré-sal representa um risco futuro para a desindustrialização do Brasil? Fernando Pimentel - O pré-sal é uma riqueza importantíssima, que já atrai investimentos e nos impõe o desafio de avançarmos na pesquisa e na inovação. Os recursos gerados pelo pré-sal permitirão ao Brasil investir em conhecimento e educação, o que, consequentemente, resultará em maior competitividade da indústria brasileira.
Foto: Divulgação
Conjuntura - O senhor será o responsável por avaliar quais montadoras ficarão isentas do aumento de 30 pontos percentuais no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI),medida dita para estimular a produção nacional. Em que será baseada está avaliação? Fernando Pimentel - O Decreto nº 7.567, publicado no Diário Oficial de 16 de setembro, estabelece os critérios para essa avaliação. Entre elas, mínimo de 65% de conteúdo regional, realização de pelo menos 6 de 11 etapas produtivas no Brasil e investimento de 0,5% da receita bruta total de venda de bens e serviços em pesquisa e inovação tecnológica. Segundo o decreto, por 45 dias a partir da publicação, todas as empresas que produzem no país estarão habilitadas provisoriamente. Quando esse prazo chegar ao fim, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) será o órgão responsável por habilitar Conjuntura - Qual a importância da indústria para o processo de desenvolvimento brasileiro e qual a estratégia de desenvolvimento de longo prazo da
a empresa para que tenha a isenção do aumento do IPI. A sistemática para essa habilitação será definida em portaria a ser publicada pelo ministério, em breve.
indústria brasileira? Fernando Pimentel - A indústria brasileira representou 26,2% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, em 2010, o que mostra a importância desse segmento para
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Conjuntura - O senhor acha que o protecionismo é a melhor maneira de estimular a competitividade da indústria de transformação?
a economia nacional e a necessidade de medidas de
Fernando Pimentel - Não. Por isso, a aposta do Plano
incentivo e proteção ao setor. O Plano Brasil Maior foi
Brasil Maior na inovação, os investimentos do governo
lançado com esse objetivo, de permitir o crescimento
no Pronatec e na concessão de bolsas de estudo em
da competitividade da indústria que, quanto mais for-
universidades estrangeiras de ponta para estudantes
te, mais poderá contribuir para a geração de empre-
brasileiros. A aposta é no conhecimento, que vai nos
gos e o aumento de sua participação no PIB brasileiro.
assegurar condições de competir no mercado global.
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... a aposta do Plano Brasil Maior na inovação, os investimentos do governo no Pronatec e na concessão de bolsas de estudo em universidades estrangeiras de ponta para estudantes brasileiros. A aposta é no conhecimento, que vai nos assegurar condições de competir no mercado global. Fernando Pimentel
Antonio Paulo Barea Coutinho
Nos últimos anos, o modelo de crescimento econômico calçado na expansão e fortalecimento do mercado interno trouxe, de fato, maior dinamismo à economia brasileira. Para constatar essa afirmação bastariam os principais indicadores econômicos desde 2005, que puderam ser registrados mesmo em ambiente de forte
A questão do desenvolvimento, em uma visão de etapas, que identifica um modelo a ser seguido e que prevê uma fase de consumo de massa, já foi apresentado por W. W. Rostow em “Etapas do desenvolvimento econômico: um manifesto não-comunista”, publicado em 1960. Na quinta etapa de seu modelo,
crise internacional.Tal expansão, combinada com mecanismos de distribuição de renda via transferências governamentais e o aumento do valor do salário mínimo, resultou não só em maior sustentação do crescimento econômico, como ainda cumpriu com um dever de justiça social. As disparidades sociais, especialmente aquelas associadas à discriminação racial e de gênero, foram construídas ao longo da história brasileira e perpetuaram enormes diferenças de qualidade de vida e de oportunidades, observáveis quando comparamos as regiões e quando consideramos outros recortes como os contrastes entre os ambientes rural e urbano, por exemplo.
estabelece-se a era do consumo de massa (high mass consumption), na qual há multiplicação das indústrias produtoras de bens de consumo duráveis, além de uma crescente importância do setor de serviços.
No entanto, parece haver contradições entre esse atual modelo de desenvolvimento econômico que prevalece no país, conhecido como modelo de crescimento pelo mercado de consumo de massa, e os principais desafios hoje postos pela conjuntura econômica e política internacional; especialmente quando se levam em consideração algumas questões que estão fortemente entrelaçadas. Em primeiro lugar, também porque hoje estamos assistindo aos embates em torno da aprovação de um novo Código Florestal no país, há as questões que implicam diretamente o meio ambiente, desde a preservação das florestas até o meio ambiente urbano. Associado a tais questões está o desafio de migrarmos para uma sociedade que tem no conhecimento sua difusão social, e no aumento da produtividade, um fundamento.
mercado de trabalho, pela redução de preços de bens e ser-
Segundo Ricardo Bielschowsky, economista da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), o modelo de crescimento que orienta o país hoje: É um estilo de crescimento que pressupõe simultaneidade entre: expansão dos investimentos, da produtividade e da competitividade; e adequada transmissão de aumento de produtividade à renda das famílias trabalhadoras (pelo viços populares, e por políticas sociais muito ativas). É a modalidade virtuosa de integração entre crescimento e distribuição de renda que por décadas vigorou em países desenvolvidos de mercado interno amplo. (BIELSCHOWSKY; 2004)
A descrição do modelo, certamente uma abstração, uma idealização que é necessária como recurso para a análise econômica e histórica, ainda assim nos traz ao menos um ponto fundamental: a necessária e simultânea expansão dos investimentos, da produtividade e da competitividade. E é aí que podemos enxergar uma possível vulnerabilidade de tal modelo, que poderá nos expor a enorme risco, se acreditarmos que há um círculo virtuoso que necessariamente advirá do crescimento econômico que experimentamos nos últimos anos. E é disso que tratamos a seguir.
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Brasil: temos modelo de desenvolvimento?
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Com o crescimento econômico eleva-se a renda da população. Com a modernização, adotam-se novas formas de vida, imitadas de outras sociedades que, estas sim, beneficiam-se de autêntica elevação da produtividade física. Mas só o desenvolvimento propriamente dito é capaz de fazer do homem um elemento de transformação, passível de agir tanto sobre a sociedade como sobre si mesmo, e de realizar suas potencialidades. Daí que a reflexão sobre o desenvolvimento traga em si mesma uma teoria do ser humano, uma antropologia filosófica. (FURTADO; 2002)
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A partir dessa reflexão do professor Celso Furtado, como fica a questão do desenvolvimento hoje? Quais são as potencialidades que têm que se atualizar para fazer frente aos desafios contemporâneos, considerados em largos traços a sociedade brasileira e sua inserção internacional? Não seríamos descritos antes de tudo como uma sociedade fortemente desigual? E a economia brasileira, não está cada vez mais inserida em todos os circuitos econômicos e financeiros internacionais? Não é a megadiversidade, a riqueza de nossos biomas, outro aspecto distintivo de nosso país? O modelo de consumo de massa apenas tangencia essas questões e pressupõe a capacidade de endogeneização e simultânea autopropulsão do crescimento econômico como uma solução satisfatória. Ainda que faça reparos, Ricardo Bielschowsky acredita ser o modelo viável no Brasil, apenas exigiria intervenção pública em dois âmbitos: garantindo que o aumento da produtividade chegue aos rendimentos dos trabalhadores e que haja fomento à produção e exportação. Esse autor registra ainda que: A estratégia baseia-se no debate iniciado nos anos 1960 sobre crescimento com redistribuição de renda, e foi apresentada no PPA 2004-2007. Vale a pena que seja discutida, aperfeiçoada e implementada.” (BIELSCHOWSKY; 2004)
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Em primeiro lugar, há de ser recuperada a visão de desenvolvimento econômico, que não é trivial. Desenvolvimento implica visão de mundo, transformação social e afirmação de um projeto que resultará em novos cidadãos, instruídos por outros valores.
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Em primeiro lugar, há de ser recuperada a visão de desenvolvimento econômico, que não é trivial. Desenvolvimento implica visão de mundo, transformação social e afirmação de um projeto que resultará em novos cidadãos, instruídos por outros valores. Desenvolvimento implica política. Vale voltarmos ao professor Celso Furtado, morto em 2004, e que nos deixou um registro sintético de seu pensamento em discurso realizado em 2002, ao receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro:
Apesar de o texto ser de 2004, e fazer referência ao PPA 2004-2007, vale registrar que ele traz parâmetros que parecem ainda balizar as principais decisões do governo federal que precisam ser analisados de perto. Em primeiro lugar, a questão ambiental.
Desde os anos 1960 há várias contestações da identificação do desenvolvimento econômico com o crescimento da produção. Expressão histórica disso foi a publicação e a grande repercussão do livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, em 1962, em que há uma denúncia do uso indiscriminado de agrotóxicos e seus efeitos destrutivos. Essa obra é um marco, e depois dela há uma longa série de publicações e ações políticas que tinham como ponto fulcral a contestação do modelo de desenvolvimento que elegia a expansão do PIB como tarefa primordial. Esse movimento vem por desaguar em perspectivas como a do ecodesenvolvimento e, depois, desenvolvimento sustentável. Em 1972, a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, apresentou um mundo dividido quanto às questões ambientais. Entre países ricos e pobres houve uma fratura: os debates não permitiram maior cooperação, especialmente porque os países ricos lançaram ideias de inspiração neomalthusia-
Ainda assim, algumas idéias e princípios apresentados em Estocolmo tiveram ali a oportunidade de serem amplificadas. Como o primeiro princípio: O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser eliminadas. (DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO; 2002)
Em 1987, a publicação do relatório Nosso Futuro Comum, e em 1992, a realização da “Rio-92”, favoreceram a expansão da utilização da ideia de desenvolvimento sustentável. Apesar de muito recorrente já há duas décadas, a expressão desenvolvimento sustentável muito pouco explica o que de fato ocorre nas disputas políticas reais. A escalada da tensão política nos embates em torno da reforma do Código Florestal brasileiro é uma manifestação certamente aguda - de uma fratura que atravessa todo o processo produtivo e, mais profundamente, visões inconciliáveis do processo de desenvolvimento - dois campos tão discerníveis quanto antagônicos. E mais: tal fratura é nítida nos países que consolidaram sua industrialização apenas no século XX, como é o caso do Brasil.
da riqueza de nossos biomas, avaliações com parâmetros internacionais como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos indicam que nossos jovens ainda estão em uma situação comparativamente bastante desfavorável no cenário internacional. Postos de trabalho que exigem competências e habilidades cada vez mais complexas, e que mudam constantemente, estão cada vez mais distantes da maioria dos jovens brasileiros. Os postos de trabalho que virão dos novos desafios, como aqueles que deverão ser criados pelas mudanças climáticas, são bastante exigentes. Outro tema polêmico que associa meio ambiente e economia é o conhecimento das comunidades tradicionais, como os indígenas, quilombolas e caiçaras. Há grande interesse de grupos internacionais, que procuram apreender o que conhecem essas populações. Segundo Wagner Costa Ribeiro: É enorme o interesse de grupos internacionais em apreender o que eles conhecem..., ou seja, em descobrir pistas para a pesquisa de matrizes genéticas que possam ser aprimoradas e utilizadas na produção de alimentos, remédios e materiais. Ainda não está claro como será o reconhecimento da importância desses grupos, cujo saber foi resultado de séculos de práticas transmitidas de geração a geração.” (RIBEIRO; 2002)
O assassinato de mais dois líderes extrativistas em maio deste ano no Pará, José Cláudio Ribeiro da Silva e da mulher dele, Maria do Espírito Santo, pode ser tomado como um sinal de alerta aos propalados benefícios do modelo de consumo de massa. Lá se vão mais de vinte anos da morte de Chico Mendes, ocorrida
Nas últimas décadas, os discursos e algumas práticas governamentais, de empresas e associações alteraram um pouco a visão prevalecente até os anos 1970, que atribuía à industrialização e ao crescimento da produção de riqueza, expressa monetariamente, a ideia de desenvolvimento. No entanto, apesar de tantos esforços, parece persistir um anacronismo interessado travando a renovação da visão de futuro, algo bem nítido nas polêmicas em torno da aprovação do novo Código Florestal brasileiro. É apenas algo entre passado e futuro? É um choque de “visões de mundo”? Mudança de paradigma? Conflito econômico?
em 22 de dezembro de 1988. É necessária uma revisão
Quanto à educação, item necessariamente associado ao aproveitamento das possibilidades que vêm
deverá ser lembrada quando a ocupação da Amazônia
do modelo de desenvolvimento econômico brasileiro, pois estamos operando com uma visão anacrônica e pouco atenta a características importantes do nosso povo e do nosso território. Chico Mendes deixou frases como esta: “Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então eu quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia. Quero Viver.” Tal vontade de viver, contrariada pela violência sem medida, for pauta de alguma decisão. Não será um modelo que
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nas, que tinham por objetivo diminuir o crescimento econômico dos países pobres. (RIBEIRO; 2002:37)
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nos põe como consumidores que nos tornará agentes de uma construção de país justo e belo. Voltando ao professor Celso Furtado, em seu discurso já citado:
HANEMANN, W. M., Farrel, A. E. Managing Greenhouse Gas Emissions in California. The California Climate Change Center. Universidade da Califórnia, Berkeley. Janeiro de 2006.
No curso da história as ciências têm evoluído graças àqueles indivíduos que, em dado momento, foram capazes de pensar por conta própria e ultrapassar certos limites. Com a economia, essa ciência social que deve visar prioritariamente o bem-estar dos seres humanos, não é diferente. Ela requer dos que a elegeram imaginação e coragem para se arriscar em caminhos por vezes incertos. Para isso não basta se munir de instrumentos eficazes. Há que se atuar de forma consistente no plano político, assumir a responsabilidade de interferir no processo histórico, orientar-se por compromissos éticos.” (FURTADO; 2002)
A visão de mundo que podemos ter, quando contamos em nossa cultura política com a herança de brasileiros como Celso Furtado e Chico Mendes, o que nos possibilita desejar um futuro melhor,é muito mais rica do que a adesão ao consumo que tem por modelo as sociedades do capitalismo avançado. Pois foi também a dinâmica dessas economias que forçaram a inaceitável perda de biodiversidade, de culturas e, muitas vezes, de direitos pelo mundo afora nos últimos séculos. Não será imaginando um Brasil repleto de shopping centers e outlets, uma Flórida, que alcançaremos a realização dos mais fortes compromissos com nossa história, que pedem igualdade de oportunidades e a realização cultural marcada por rica diversidade.
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Antonio Paulo Barea Coutinho paulo-coutinho@bol.com.br Economista (USP), mestre em Ciência Ambiental (USP), doutor em Ciências Sociais (Unicamp), Analista de Planejamento e Orçamento do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
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Um olhar da Sociologia Econômica sobre a crise financeira
11 11 Francisco de Assis Campos da Silva e Moisés Villamil Balestro
Como caminhamos celeremente para o final de 2011, talvez o aspecto mais perturbador da crise financeira de 2008, que continua a assolar o hemisfério norte da economia mundial e a preocupar todo o resto do mundo, seja exatamente a sua permanência e a imprevisibilidade resultante dessa mesma permanência. Gestada a partir de questões bem específicas e localizadas, sobre as quais só se tem uma convergência de entendimento preliminar, a crise surgiu e transformou-se a partir dos EUA, alcançou a Europa já perceptivelmente combalida e mexeu profundamente nas perspectivas de crescimento do mundo emergente. Para além das dicotomias, mais mercado ou mais regulação e intervenção estatal e das abordagens de políticas fiscal e monetária, a crise financeira global revela características estruturais nas complexas e intrincadas relações entre sociedade e economia. Tentar desvelar a crise exige um esforço intelectual que vai além das fronteiras da economia ou, ao menos, nos lembra de que a Economia é parte das Ciências Sociais. Entender a crise financeira exige considerar as mudanças institucionais e políticas dos últimos 30 anos. Implica considerar que os discursos dos economistas e das variadas organizações vinculadas ao campo econômico não apenas comunicam análises sobre a realidade, mas contribuem poderosamente para moldar a realidade incentivando certos comportamentos em detrimento de outros de parte dos atores econômicos e sociais. Ao longo deste período, as mudanças regulatórias incentivaram um comportamento de maior risco no mercado hipotecário e na indústria dos serviços financeiros, epicentro da crise de 2008. As duas últi-
mas décadas registraram um aumento considerável na taxa de inovação de produtos financeiros que proporcionaram rendimentos médios de 20% (Altvater, 2010), bem acima das taxas médias de crescimento do lucro real das firmas e das taxas de crescimento do PIB. Os elevados ganhos com o mercado financeiro produziram aquilo que os sociólogos da economia denominam desarraigamento (disembeddedness) dos mercados no tocante às relações sociais que caracterizam a economia real em seus fatores de produção fundamentais: trabalho, capital e organização. No final dos anos 1970, o Congresso dos Estados Unidos aprovou leis para evitar discriminações em relação ao crédito, como o Community Reinvestment Act e o Home Mortgage Disclosure Act. O abrandamento dos critérios de concessão de crédito nos EUA se traduziu em medidas tendentes a aceitar um maior nível de endividamento das famílias, ausência de histórico de crédito e de ocupação estável, e comprovação de renda proveniente de empregos de meio período, horas extras e auxílios financeiros temporários (Eisner, 2011). O afrouxamento dos procedimentos de controle do crédito nos bancos e demais organizações financeiras incentivou um comportamento mais inovador, o que resultou em produtos com maior nível de exposição a riscos. Ambos os processos geraram uma complementaridade institucional que mais tarde contribuiria para a crise do subprime (CAMPBELL, 2011). É importante perceber que o consenso estabelecido entre reguladores e mercado financeiro quanto ao abrandamento da regulação foi alimentado por resultados econômicos favoráveis, com considerável aumento da lucratividade do setor financeiro.
dos últimos 30 anos nos EUA foi parcialmente compensada pelo aumento do endividamento para o consumo. A bolha imobiliária foi alimentada pela atratividade das hipotecas ajustáveis e altos níveis de consumo com baixas taxas de juros. A expansão do crédito permitiu aos formuladores de políticas dissolverem tensões políticas sem ter que decidir quais os grupos prioritários de acesso ao crédito e tampouco ter que decidir quais prioridades sociais deveriam ser financiadas por um orçamento público deteriorado (KRIPPNER, 2010). Por sua vez, o consumo resultante do endividamento da população e do governo foi também auxiliado pelo upgrading industrial de países exportadores do leste asiático, com destaque para a China. As importações provenientes da China contribuíram para amenizar as pressões inflacionárias no mercado consumidor dos EUA e isso resultou em uma significativa redução dos juros (EISNER, 2011).
Institucionalidade e crise
se abate sobre o mundo desenvolvido, e se aprofun-
entre “instituições” e “organizações”. Enquanto as “or-
da na Europa do euro, deverá levar em consideração
ganizações” são conjunções contratuais para a re-
a persistência, na maioria dos lugares, de um paradig-
solução ou consecução de fins específicos, as “ins-
ma em vários sentidos permanentemente neoliberal.
plos, referindo-se a valores e normas que mantêm
Conjuntura Revista de
Assim, uma análise institucional da crise que ainda
Stinchcombe (1968) apresenta uma distinção
tituições” seriam indicativas de arranjos mais am-
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O afrouxamento dos procedimentos de controle do crédito nos bancos e demais organizações financeiras incentivou um comportamento mais inovador, o que resultou em produtos com maior nível de exposição a riscos.
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Aliada a isso, a redução da massa salarial ao longo
Nos Estados Unidos, ponta de lança desse verdadeiro credo, e entendendo-se a persistência da cri-
uma alta correlação com o poder (definição que,
se como um aparente “novo normal” — pois não há
segundo Stinchcombe, era a preferida de Parsons);
sinais de arrefecimento, a cada dia desdobram-se
ou, colocado de forma mais direta, concentrações
novos dilemas, e o país vê-se à mercê da polarização
de poder especialmente dedicadas a algum valor.
política não apenas pré-eleitoral, mas instalada desde
Enquanto a sociologia, em geral, tem na ideia de ins-
a vitória de Barack Obama — há um refluxo neolibe-
tituição um conceito fundador, visto positiva ou negati-
ral evidente cujo indício mais visível é a atual investi-
vamente de acordo com a abordagem entre menos ou
da conservadora contra a Lei Dodd-Frank de julho de
mais crítica, a sociologia econômica acentua essa trilha,
2010 que pretende ser uma resposta à crise. A investi-
dedicando-se preferencialmente à análise do tecido
da é também contra normas de cunho social que res-
político-institucional subjacente às questões avaliadas.
pondem à crescente desigualdade instalada no país.
Não fica fora do seu escopo a ideia de que a implemen-
Engana-se quem ainda acredita que o paradigma
tação de políticas no interior dos grandes complexos
neoliberal está morto, ou em retração. Em livro recen-
institucionais, e mesmo no interior de arranjos organi-
te, Pierre Dardot e Christian Laval, (DARDOT e LAVAL,
zacionais simples ou complexos, acontece de acordo
2010), o primeiro educador e filósofo e o segundo
com um ritual correlacionado com as disposições de
sociólogo, argumentam que o neoliberalismo não é
poder no interior dessas organizações e instituições.
uma ideologia passageira ou fadada ao desapareci-
Por outro lado, o neoliberalismo conforma as relações sociais ao modelo de mercado, e transforma até mesmo o indivíduo, agora chamado a se conceber como uma empresa. Passado quase um terço de século, o neoliberalismo continua a orientar as políticas públicas, a comandar as relações econômicas mundiais, a transformar a sociedade e a remodelar a subjetividade. Essa visão só é aparentemente abstrata. Campbell (2010) refere-se a um “neoliberalismo em crise”, mas não fatalmente morto. Mostra como as reformas regulatórias associadas ao neoliberalismo ajudaram a criar incentivos perversos que contribuíram significa-
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Para os autores, o neoliberalismo, como indica o título de seu livro, é a “nova razão do mundo”. Está em jogo a forma de nossa existência, já que o neoliberalismo nos compele, ao definir como vivem as sociedades ocidentais e todas as demais que as seguem na trilha para a “modernidade”, a viver de acordo com um universo de competição generalizada, e conclama populações inteiras a entrarem em luta econômica umas contra as outras.
Passado quase um terço de século, o neoliberalismo continua a orientar as políticas públicas, a comandar as relações econômicas mundiais, a transformar a sociedade e a remodelar a subjetividade. Essa visão só é aparentemente abstrata.
oficiais para as organizações hipotecárias patrocina-
das pelo governo, isto é, Fannie Mae and Freddie Mac. A conclusão de Levine, obviamente que em ou-
tivamente para o crescimento do crédito no mercado
tras palavras, é que a crise não estava “escrita” nas es-
de hipotecas e o crescimento da especulação em outros
trelas, mas de fato lapidarmente “inscrita” nas normas,
mercados financeiros, mesmo que o comportamento
regulamentos e diretrizes racionalmente produzidos
fosse flagrantemente arriscado. Ross Levine, economis-
no interior do aparato governamental. Portanto, não
ta e professor no Departamento de Economia da Brown
foram a bolha hipotecária e a criação e a comerciali-
University nos Estados Unidos (LEVINE, 2009) e que par-
zação em escala de produtos financeiros complexos
ticipou da última edição da famosa reunião financeira
e questionáveis que causaram por si só a crise. Para
anual promovida pelo Federal Reserve Bank de Kansas
o autor, as evidências mostram que os formuladores
City, no resort de Jackson Hole, realiza uma verdadeira
de políticas, agindo a partir de posições privilegiadas
“autópsia do sistema financeiro dos Estados Unidos”.
repetidamente conceberam, implementaram e man-
Para situar as causas da crise em termos de políticas e diretrizes adotadas, Levine estuda cinco polí-
tiveram políticas que desestabilizaram o sistema financeiro global na década justamente anterior à crise.
ticas implementadas nos EUA, no curto período de
Além disso, embora as principais agências regula-
1996 a 2006: (i) da Securities and Exchange Commis-
doras percebessem a crescente fragilidade do sistema
sion (SEC) para as agências de classificação de ris-
financeiro como resultado de suas próprias políticas,
cos; (ii) do Federal Reserve Bank (Fed), o banco central
essas mesmas agências decidiram não modificar suas
norte-americano, para o capital dos bancos e dos
diretrizes. A propósito, a leitura atenta de um longo
chamados “credit default swaps” (CDS); (iii) da SEC e
artigo publicado na New York Times Magazine, sobre
do Fed para o mercado de balcão de derivativos; (iv)
a gestão da Sra. Sheila Bair frente à Federal Deposit In-
da SEC para a supervisão consolidada dos principais
surance Corporation - FDIC, da lavra do jornalista John
bancos de investimento, e, por fim, (v) as políticas
Nocera (2009), dá o sentido da irresponsabilidade,
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mento como resultado da crise financeira. Nem é ele somente um tipo de política econômica que confere ao comércio e às finanças um lugar preponderante.
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tituições legais. Segundo o autor, embora se entenda que os mercados competitivos e livres têm como base um conjunto de leis e instituições que asseguram os direitos de propriedade e o cumprimento de contratos, além de regular as empresas e a qualidade de produtos e serviços, a conceituação de mercados conseguiu abstrair cada vez mais o papel das instituições e das normas e regulamentos que dão suporte às transações de mercado. As práticas conduziram a um maior desarraigamento dos mercados, como foi antes mencionado. Para Acemoglu (2011), embora as instituições tenham recebido mais atenção a partir da década de 1990, ainda se pensa que o estudo das instituições serve somente para entender por que as nações pobres são pobres. Está fora de cogitação, por exemplo, de uma verdadeira ética da convicção neoliberal, no sentido weberiano do termo, praticada pelos tomadores de decisão à frente da área econômico-financeira nos EUA exatamente antes e durante a crise. Embora estudiosos do assunto e técnicos influentes tivessem afirmado que a causa da crise estaria nos fluxos financeiros internacionais, na euforia dos corretores e no insuficiente poder regulatório das agências governamentais, Levine argumenta que esses fatores representaram apenas uma parcela das causas. Talvez se referindo, em particular, aos dispositivos da Lei DoddFrank, e, de forma mais ampla, às iniciativas do G-20, Levine argumenta que as reformas atuais representariam apenas um passo no estabelecimento de um sistema financeiro estável e eficaz. Como foram “falhas sistêmicas institucionais” que ajudaram a causar a crise, somente reformas do mesmo naipe, isto é, reformas sistêmicas institucionais, poderão servir como contramedidas.
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Em um exercício de autocrítica, e no bojo de comentários sobre a crise de 2008, Acemoglu (2010) avalia as lições a serem retiradas “para a” e “da” economia. Afirma que a adoção de noções imprecisas fez com que os sinais da crise não pudessem ser devidamente capturados. De acordo com uma dessas ideias, a economia capitalista viveria em um vácuo institucional em que os mercados, de forma miraculosa, monitorariam os comportamentos considerados oportunistas. Sob esse ponto de vista, os mercados livres são percebidos como mercados não regulados por instituições, inclusive ins-
a realização de pesquisas sobre a natureza das instituições que asseguram prosperidade continuada às nações avançadas e como as instituições deveriam transformar-se em face das dinâmicas relações econômicas. Argumenta que muitos ainda veem a inclusão de qualquer aspecto além do autointeresse em modelos econômicos como uma fraqueza da teoria econômica. Para ele, entretanto, o reconhecimento de que os mercados atuam sobre bases constituídas por instituições, e que mercados livres não são sinônimo de mercados não sujeitos a regulação, somente pode enriquecer a teoria econômica e sua prática. A despeito de tudo isso, de um claro reconhecimento de que a regulação deficiente ou inexistente, ou mal aplicada, estava no centro da crise, não há, por exemplo, hoje nos EUA clima para expansão do aparato regulatório. Muito pelo contrário, a Lei Dodd-Frank, também chamada de“lei da reforma do sistema financeiro”,a duras penas poderá entregar o seu produto, se conseguir fazê-lo. Como tem ocorrido de certa forma com as normas de cunho social aprovadas pelo governo Obama, a Lei Dodd-Frank está sendo questionada na Câmara dos Deputados e no Senado norte-americanos, com projetos de lei apresentados conclamando a sua total revogação. Na sua fase de implementação, agora em curso, a Lei tem impressionado pelo número de dispositivos, a quantidade de regulamentação necessária e relatórios regulares exigidos, e mesmo pela demanda adicional de pessoal para a sua manutenção e recursos
Compelida pela gritaria conservadora, que atua sob pretextos diversos desde o seu primeiro dia de governo, a administração Obama já emitiu documento oficial em que conclama as agências regulamentadoras a dosarem e relativizarem a abrangência final dos regulamentos. Se não haverá uma revogação total, pelo menos caminha-se para uma implementação branda da lei. Uma lei incompleta que resultou de fortes disputas e negociações. No contexto agora em curso da implementação, vozes poderosas levantaram-se contra a Lei Dodd-Frank, entre elas a do ex-presidente do Fed, Alan Greenspan. Para ele, soando novamente a tecla neoliberal, a adoção da norma criaria a “maior distorção de mercado imposta legalmente nos Estados Unidos em todos os tempos”. A alegação geral é que a implementação da lei afetaria negativamente a economia, os empregos e toda a perspectiva econômica do país.
Performatividade e crise O conceito de performatividade é crucial para entender a crise. Trata-se de entender em que medida os discursos dos atores sobre a realidade econômica contribuem para a construção desta mesma realidade (MACKENZIE et al., 2005). Neste aspecto, a noção de prescrição é fundamental. Ou seja, quais seriam as ações necessárias de parte dos agentes econômicos e do governo para que a realidade econômica esteja em maior conformidade com a teoria econômica. O papel da linguagem na construção das instituições econômicas e o seu papel no entendimento da evolução destas permitem ver como os perigos, o desejável e o recomendável são construídos e orientam a ação dos agentes econômicos. O discurso do fundamentalismo de mercado da economia financeira foi incorporado pelas estruturas regulatórias, pelos modelos e software de precificação de ativos e pelas práticas de comercialização.
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A primavera keynesiana foi enterrada pelas demandas conservadoras e, mais ainda, pela acentuação do desequilíbrio fiscal já existente e agravado pela ajuda a vários setores da economia.
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tudo isso estimado em US$ 2,9 bilhões pelo General Accountability Office – GAO (GENERAL ACCOUNTABILITY OFFICE, 2011). Essa movimentação pode indicar que, passada a fase mais aguda da crise, foi-se também o “hiato keynesiano”. A primavera keynesiana foi enterrada pelas demandas conservadoras e, mais ainda, pela acentuação do desequilíbrio fiscal já existente e agravado pela ajuda a vários setores da economia.
O discurso da superioridade do desempenho dos mercados com pouca regulação orientou a própria ação dos reguladores na elaboração e implementação de medidas de incentivo à securitização de ativos com maior risco. Lembrando Polanyi, a economia de mercado não é algo espontâneo e natural, mas um projeto político realizado por meio de mudanças institucionais. Da mesma forma, a lógica de financeirização de todas as esferas da economia e sua legitimidade nos governos foi construída politica e socialmente. A inovação financeira foi moldada por estruturas legais e processos políticos e culturais.
Conclusão A noção do papel primordial das instituições, isto é, que as instituições são relevantes (institutions matter), principalmente na formatação do meio econômico, é ideia esposada pelas análises da sociologia econômica, e por vertente da própria economia. A sociologia econômica vai um pouco além, entretanto, direcionando o seu interesse para a riqueza das determinações — e sobredeterminações — do tecido social e político-institucional, que é mais do que simples pano de fundo para o mundo da economia, engastado (embedded) que está este mesmo mundo no seu interior. Se o problema é institucional, então as normas e remédios a serem adotados deverão sempre atacar os problemas de institucionalidade.
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a serem consumidos até a sua implementação total,
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Uma questão estrutural para o capitalismo financeirizado é que a elevação desproporcional dos ganhos financeiros implica uma redistribuição da renda à expensa das camadas subalternas, especialmente os trabalhadores assalariados. Isso implode o compromisso moderado de classes nos termos do Estado de bem-estar social (ALTVATER, 2010). Curiosamente, os melhores fundamentos da economia por critérios financeiros foram acompanhados por juros altos, desindustrialização, crescimento lento da economia e maior vulnerabilidade em relação aos movimentos rápidos da finança global (FOSTER e MAGDOFF, 2009). As perspectivas de superação da crise estão fortemente ligadas a questões institucionais que se resolvem no âmbito dos conflitos entre atores dotados de interesses e capazes de mobilizar recursos em favor da sua posição. Os processos nos quais atores de mercado e atores políticos estão envolvidos não podem ser explicados com um olhar exclusivo para os mercados ou para a política. O processo de mudança institucional necessária para a superação da crise requer um esforço conjunto de linhas de pesquisa previamente separadas, o que exige uma combinação das contribuições da economia com as contribuições da sociologia e da política.
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A discussão em torno de uma governança global para a regulação financeira, quando centrada no simples aplainamento para garantir a continuidade de ganhos, parece uma receita para a inação ou um longo e lento caminho para mudanças limitadas (Campbell, 2011). Se as instituições financeiras, com seu poder de lobby, obstarem o processo de reforma das regras de funcionamento do mercado financeiro, as reformas globais só poderão ser retóricas.
Em outros termos, é no espaço do Estado-Nação que esse debate deverá ser tratado de forma transparente com a participação dos representantes dos trabalhadores e das organizações da sociedade civil. Afinal, o trabalho, como dizia Marshall, é o principal e mais importante fator de produção. Em larga medida, isso tem a ver com um processo de reinserção da economia na vida real da criação de riquezas e da reprodução social com maior equilíbrio político entre os atores econômicos e sociais. Usando a ideia de Karl Polanyi, trata-se de buscar uma nova “grande transformação” para outro tipo de capitalismo que se afaste do mercado desarraigado da economia real e da sociedade.
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A crise do euro, dilemas de política econômica e o futuro da Europa José Luis Oreiro
A moeda comum europeia, o euro, foi implantada em 1999 como mais uma etapa no que se entendia como um processo que deveria conduzir o Velho Continente à tão sonhada unificação política, a qual, por sua vez, era vista por muitos europeus como condição necessária para a Europa reassumir sua liderança histórica no mundo, suplantando os Estados Unidos. Passados mais de 10 anos da introdução do euro surgem dúvidas cada vez maiores sobre a sustentabilidade da moeda comum a médio prazo.
O segundo grupo de países é constituído pelos países PIIGS: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha. Eles sofrem de um problema crônico de competitividade externa, que se reflete em grandes déficits em conta corrente (no caso da Espanha quase 10% do PIB em 2008) somado com desequilíbrios fiscais que variam de moderado (no caso da Espanha) a gravíssimo (o caso da Grécia), conforme pode ser visualizado nas Figuras 1 e 2.
Figura 1: Saldo em conta corrente (% PIB), países selecionados
Os países que compõem a área do euro são bastante heterogêneos no que se refere tanto à sua competitividade externa como à sua situação fiscal. Nesse contexto, podemos identificar dois grupos de países. No primeiro grupo, composto basicamente pela Alemanha e pela Holanda, o crescimento do PIB é liderado pelas exportações, a taxa real de câmbio permanece em patamares razoavelmente competitivos e a situação fiscal permite o uso moderado da política fiscal por vários anos como instrumento de política anticíclica. Num contexto de forte apreciação do euro, a competitividade externa da economia alemã foi mantida nos últimos 10 anos graças a uma política
Fonte: International Financial Statistics, Fundo Monetário Internacional. Elaboração própria
Figura 2: Déficit público ciclicamente ajustado (%PIB ), países selecionados
de “moderação salarial” adotada pelos sindicatos industriais no país, aceitaram um crescimento do trabalho. Essa política salarial permitiu uma queda
Revista de
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Conjuntura
alemães, que, em troca da manutenção dos empregos salário real muito abaixo da produtividade do acentuada do custo unitário do trabalho na Alemanha relativamente aos demais países da área do euro, o que viabilizou a manutenção da competitividade da economia alemã e a importância da indústria e das exportações como motor do crescimento de longo prazo da maior economia da Europa.
Fonte: International Financial Statistics, Fundo Monetário Internacional. Elaboração própria
europeus realizaram amplos programas de socorro ao setor financeiro e estímulo à economia em recessão, que impediram o colapso das economias europeias após uma forte queda em 2009, mas contribuíram para aumentar o endividamento público na área do euro. A expansão fiscal, no entanto, não foi suficiente para garantir a volta ao crescimento sustentado nos países do sul da Europa (Espanha, Portugal, Itália, Grécia) por duas razões. Em primeiro lugar, esses países se defrontaram com uma forte apreciação cambial nos anos pré-crise em função da ocorrência de aumentos salariais acima da expansão da produtividade do trabalho, o que levou a um importante aumento do custo unitário do trabalho. Na Alemanha, ao contrário, verificou-se uma redução desse custo em razão da política de moderação salarial implementada com a chancela dos sindicatos alemães. O resultado disso foi uma deterioração da competitividade dos países do sul da Europa com respeito à Alemanha, dando origem a grandes déficits em conta corrente nos primeiros e um crescente superávit no último.
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Com a eclosão da crise financeira internacional, esse elevado endividamento do setor privado tornouse insustentável, o que demandou um forte ajuste patrimonial por parte de famílias, empresas e bancos na forma de um aumento significativo da propensão a poupar do setor privado.
‘‘
Brothers em setembro de 2008, os governos dos países
O efeito combinado da apreciação cambial e do
aumento da poupança privada nos países do sul da
Europa acabou por amortecer o impacto expansionista Em segundo lugar, o setor privado na Europa iniciou um processo de “deflação de dívidas” no qual o gasto corrente e de capital é reduzido com o intuito de se
da política fiscal anticíclica, contribuindo para manter o desemprego a nível elevado e a atividade econômica semiestagnada,conforme podemos visualizar na figura 3.
aumentar a poupança privada e assim reduzir o nível de endividamento. Isso porque no período compreendido entre 1999 e 2007 observou-se um notável crescimento do endividamento do setor privado na área do euro. A dívida das empresas não-financeiras passou de 250% para 280% do PIB, o endividamento dos bancos aumentou de 190% para 250% do PIB e as famílias aumentaram o seu endividamento em quase 50%. Com a eclosão da crise financeira internacional, esse elevado endividamento do setor privado tornouse insustentável, o que demandou um forte ajuste patrimonial por parte de famílias, empresas e bancos na forma de um aumento significativo da propensão a poupar do setor privado.
Nesse contexto, cria-se um ciclo vicioso no qual o aumento inicial do endividamento público eleva a percepção de risco por parte dos agentes econômicos quanto à solvência dos países do sul da Europa. Isso aumenta o custo de refinanciamento das dívidas desses países e, por conseguinte, seu déficit nominal. A elevação do déficit “realiza” as expectativas pessimistas quanto à solvência dos países PIIGS, criando assim as pré-condições para um default soberano. A combinação entre desequilíbrios nos balanços do setor privado e desequilíbrios nas contas públicas nos países PIIGS cria importantes dilemas de política econômica. Com efeito, o retorno ao crescimento sustentado exige um aumento da demanda doméstica,
julho / setembro / 2011
Após o colapso do banco norte-americano Lehman
19
Figura 3: Crescimento do PIB (% a.a)
da dívida pública de forma a reduzir a relação juros/ PIB para algo como 2% em todos os países da área do euro. Essa monetização resolveria numa só tacada dois problemas. Em primeiro lugar, permitiria aos bancos europeus se livrarem de uma parte dos títulos públicos “micados” de seus balanços, e assim reduzir seu próprio risco de insolvência. Em segundo lugar, ocorreria uma forte depreciação do euro frente ao dólar e ao yuan, o que aumentaria a competitividade das exportações europeias e viabilizaria uma recuperação do nível de atividade por intermédio das exportações. Além disso, a inflação certamente se elevaria como resultado dessa
Fonte: International Financial Statistics, Fundo Monetário Internacional. Elaboração própria
medida e acabaria por transferir riqueza dos credores para os devedores, e aliviaria parte do problema do
o que exigiria um forte aumento dos gastos do
elevado endividamento do setor privado na Europa do
governo. Mas o desequilíbrio fiscal não só torna
euro.
pelo contrário, uma contração fiscal significativa para impedir que a dívida pública como proporção do PIB entre numa trajetória explosiva, o que levaria a um inevitável calote nas dívidas soberanas nesses países com consequências imprevisíveis sobre o combalido sistema bancário europeu. A contração fiscal pode, contudo, tornar o default inevitável à medida que esta irá apenas aumentar a taxa de desemprego e deprimir os lucros das empresas financeiras e não-financeiras da zona do euro. A poupança privada irá se reduzir, o que fará com que se retarde assim o processo de deflação de dívidas – que, por sua vez, alongará o período de contração dos gastos privados de consumo e de investimento. Com isso, a semiestagnação irá se prolongar por vários anos, o que deprimirá a receita tributária e impedirá a recuperação das finanças públicas dos países do sul da Europa. Em algum momento, o custo político desse
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processo será tão grande que alguns dos países mais
Revista de
Conjuntura
afetados poderão decidir pelo default de seus débitos, com a consequente saída da área do euro. Uma alternativa a esse quadro sombrio seria o Banco Central Europeu (BCE) adotar uma política monetária altamente expansionista com o objetivo explícito de desvalorizar o euro e assim permitir uma elevação da competitividade de todos os países da União Monetária. Nesse contexto, o BCE poderia monetizar uma parte
No entanto, essa alternativa esbarra em duas dificuldades. A primeira é que uma forte expansão monetária provavelmente resultaria em elevação dos índices de inflação naquele grupo de países que não tem problemas de competitividade externa, ou seja, a Alemanha. Dado o peso da economia alemã na área do
‘‘
euro, parece pouco provável que esse tipo de solução seja aprovado no âmbito da União Monetária.
Uma alternativa a esse quadro sombrio seria o Banco Central Europeu (BCE) adotar uma política monetária altamente expansionista com o objetivo explícito de desvalorizar o euro e assim permitir uma elevação da competitividade de todos os países da União Monetária.
‘‘
muito difícil o uso dessa política como parece exigir,
natureza “genética”. O euro é provavelmente o único caso na história da humanidade em que uma unificação monetária precedeu a uma unificação política. Esse fenômeno cria um importante dilema para a administração da política monetária. Isso porque, com ¹
base na abordagem Cartalista , a moeda é uma criação
Referências bibliográficas AGGIO, G.O; Rocha, M.A (2009). Dois momentos para a Teoria Cartalista da Moeda: De Knapp a Goodhart. Economia, vol. 10, n.1, pp.153-168. SOROS, G. (2011). Pensar o Impensável na Europa. Valor Econômico, 16/09/2011.
do Estado (não do Mercado), e tem o seu valor atrelado
21
à capacidade do Estado de impor um determinado instrumento como unidade de conta e meio de pagamento. Por esse raciocínio, o euro tem o “problema genético de ser uma “moeda sem Estado”: não há uma autoridade estatal central que imponha o uso do euro como unidade de conta e meio de pagamento, essa tarefa é exercida pelos governos soberanos dos países que compõem a União Monetária, os quais podem, se assim o desejarem, abandonar a União Monetária. Na ausência de uma autoridade estatal supranacional, o valor do euro tem que ser mantido com base apenas na confiança que o público tem no órgão emissor, ou seja, no BCE. Essa confiança, por sua vez, exige um alto grau de conservadorismo por parte da autoridade monetária europeia, ou seja, exige que o BCE mantenha o valor da moeda por intermédio de uma forte restrição em sua disponibilidade, e assim conduzir uma política monetária estruturalmente apertada.
José Luis Oreiro joreiro@unb.br Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, Pesquisador Nível I do CNPq e Diretor de Relações Institucionais da Associação Keynesiana Brasileira. E-mail: joreiro@unb.br.
Tendo em vista o “defeito genético” do euro, a saída para a atual crise parece ser apenas uma: a conclusão do processo de unificação política, com a criação dos Estados Unidos da Europa. Um primeiro passo nesse sentido seria a criação de uma autoridade fiscal central, com a capacidade de cobrar impostos e tomar recursos emprestados em nome da União Europeia, como defendido recentemente por Soros (2011). Essa medida viabilizaria a realização de uma política monetária mais expansionista por parte do BCE. O Velho Continente é provavelmente a única região do planeta que reúne as condições econômicas e políticas para um projeto de tal envergadura. Se assim o fizer, a Europa poderá ser novamente a “Luz do Mundo”.
1
A esse respeito ver Aggio e Rocha (2009).
julho / setembro / 2011
A segunda dificuldade, ainda mais grave, é de
Página pessoal: www.joseluisoreiro.ecn.br.
XIX Congresso Bras Sob o tema “Desenvolvimento: inovação, tecnologia e sustent comemoração dos 60 anos da pro
por Camila Fiorese*
O ano de 2011 é de grande festa para os economistas.
Na abertura do evento, o presidente do Corecon-
No dia 13 de agosto a categoria comemorou os 60 anos
MS, Volmir Meneguzzo, falou da importância de
da sanção da Lei nº 1.411, que regulamenta a profissão,
sediar o Congresso e ainda comemorar os 60 anos
pelo presidente Getúlio Vargas.
da profissão e também os 30 anos do Corecon-MS.
Sessão Solene em comemoração aos 60 anos da
“Estamos vivendo um momento ímpar, no qual
profissão foi realizada no XIX Congresso Brasileiro de
devemos comemorar e valorizar os economistas, pois
Economia (CBE), que ocorreu entre os dias 07 e 09
a nossa profissão se valoriza a cada dia com as atuais
de setembro, na cidade de Bonito, Mato Grosso do
dificuldades econômicas que o mundo inteiro tem
Sul. O CBE contou com grande participação tanto de
passado”.
economistas quanto de estudantes, alcançando cerca
O presidente do Cofecon, Waldir Pereira Gomes,
de 700 inscritos. O evento, promovido pelo Conselho
fez um balanço de sua gestão e destacou o processo
Federal de Economia (Cofecon) em parceira com o
de desindustrialização relativa no país e como ele
Conselho Regional de Economia do Mato Grosso do
deve ser combatido: “Há que se atuar também e
Sul, teve como tema “Desenvolvimento: inovação,
prioritariamente sobre os altos custos de produção
tecnologia e sustentabilidade”,promoveu o intercâmbio de experiências e a divulgação de novas possibilidades relacionadas ao desenvolvimento sustentável.
Revista de
Conjuntura
22
(Corecon-DF)
participou
com
medidas a serem adotadas internamente e que se encontram sob o controle do governo nacional”.
O Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
no país. Isto depende exclusivamente de políticas e
dez
Prêmio Brasil de Economia
representantes: Jusçanio de Souza (Presidente), José
Durante a abertura do evento, foi realizada
Luiz Pagnussat, Ronalde Lins, Carlito Zanetti, Jucemar
a cerimônia de entrega do XVII Prêmio Brasil de
Imperatori, César Augusto Bergo, Maria Cristina de
Economia 2011. Trabalhos nas áreas de monografia de
Araújo, Diones Alves Cerqueira, Maria Aparecida
graduação, dissertação de mestrado, tese de doutorado,
Carneiro e Ronaldo Gallotti. Também por Brasília, dois
artigo técnico ou científico e livro de economia foram
estudantes da Faculdade União Pioneira de Integração
reconhecidos. O Prêmio contou com a participação do
Social (Upis), Ritchely Barbosa Souto Sousa e Alexandre
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que
Barros dos Santos, participaram da Gincana Nacional
ofereceu bolsas de pesquisa para os vencedores de três
de Economia promovida pelo Cofecon.
das cinco categorias.
tentabilidade”, o evento foi realizado em Bonito (MS) e marcou a profissão de Economista no Brasil O economista ganhador do Prêmio Corecon-DF de Economia de 2010, Camilo Rey Laureto, conquistou o
60 anos da profissão de Economista A profissão de Economista foi regulamentada no
2º lugar no XVII Prêmio Brasil de Economia 2011, na
Brasil, no dia 13 de agosto de 1951, com a promulgação
categoria “Monografia ou Trabalho de Conclusão de
da Lei 1.411.
Curso de Graduação em Ciências Econômicas”. Como
De acordo com Nivalde José de Castro no livro O
não pôde estar presente ao evento, seu irmão recebeu
Economista, a origem do ensino de economia e sua
em seu nome a premiação de R$ 2.000,00.
regulamentação profissional no Brasil deve muito a José
Gincana de estudantes
da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, autor de Princípios de Economia Política, de 1804.
Foi realizada no XIX Congresso Brasileiro de Economia a primeira edição da Gincana Nacional de Economia. A competição consistiu em um jogo
Historicamente, a primeira norma que esboçou um currículo de formação do economista é o Decreto nº 20.158, de 30 de junho de 1931. Ela recebeu o título
eletrônico, na qual cada dupla representante de vários
genérico de Administração e Finanças, e foi considerada
estados do Brasil competiu com outra dupla, testando
disciplina de caráter jurídico, financeiro, contábil e
seus conhecimentos em economia. Pelo Corecon-DF,
administrativo. Sob esse currículo formou-se a primeira
competiram os estudantes da Upis, que viajaram após
turma da Faculdade de Ciências Econômicas do Estado de
terem passado por processo seletivo.
São Paulo - e da qual 22 bacharéis participaram, em 1935, da assembléia de fundação da Ordem dos Economistas
A competição teve duração de dois dias e terminou com a vitória de Jeziel Monteiro Dourado e Tadeu Augusto Pina Aragão, alunos da Universidade Cruzeiro do Sul, de São Paulo. O segundo lugar ficou com
do Brasil (OEB). O Decreto-Lei nº 7.988, de 1945, modificou totalmente o currículo de 1931 e incorporou a Ciência Econômica ao sistema universitário brasileiro, embora continuassem
Gabriel Vogel e Pedro Henrique de Morais Campetti,
a ter peso as matérias das áreas jurídica, contábil e
da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, do Rio
administrativa.
Grande do Sul. O terceiro lugar ficou com Martina
Para a maioria dos economistas, a Lei 1.411 foi uma
Suzane Schuwangart e Rodrigo Augusto Vieira, da
conquista que precisa ser revista a partir da aprovação
Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Paraná. O
do Projeto de Lei do Senado 658/07. O PLS, cujo autor é
prêmio para a dupla vencedora foi de R$ 1.500, R$ 1.000
o senador Inácio Arruda (PCdoB/CE), tramita no Senado
para os segundos colocados e R$ 500 para os terceiros.
Federal e busca a atualização da regulamentação da Profissão.
julho / setembro / 2011
asileiro de Economia
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Segundo o idealizador do jogo, o economista Paulo Sandroni, os alunos que participaram da Gincana saíram da competição sabendo mais economia do que no momento em que entraram. “Porque a Gincana é composta de um jogo que envolve três elementos: estratégia, conhecimento e sorte. Eu reconheço que eu coloquei perguntas bem difíceis”, destacou.
Desindustrialização foi tema bastante discutido no XIX CBE Entre vários temas debatidos nos painéis no CBE 2011 o que discutiu a desindustrialização ou primarização da pauta exportadora se destacou, tendo em vista o momento vivido pelo país. Os debatedores foram os economistas João Paulo de
Esta foi a primeira gincana de nível nacional
Almeida Magalhães, presidente do Corecon-RJ, Marcelo
realizada pelo Cofecon. Outras nove gincanas foram
Carcanholo (UFF), Eduardo Costa Pinto (Ipea) e Reinaldo
realizadas pelo Corecon-SP, a princípio apenas com os
Gonçalves (UFRJ).
alunos do estado, em 2003, e depois com estudantes de outros estados e até do exterior. As gincanas regionais são preparatórias para a Gincana Nacional. Os estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais já realizam há alguns anos suas gincanas. O professor tem incentivado que cada estado faça a sua gincana. “Se o estado for muito pequeno, que se
João Paulo de Almeida Magalhães afirmou que estudos do Ipea demonstram que efetivamente há uma desindustrialização da economia do Brasil. Ela se deve, principalmente, à apreciação cambial e outros fatores que estão fora do controle da indústria (como a política monetária e a concorrência com países que mantêm o câmbio desvalorizado e a China foi um exemplo).
junte com outros menores por regiões e realizem o evento”, disse. Na opinião do professor, eventos como esse fazem com que se estimule o interesse pelo curso de economia.
Carcanholo tratou de diferenciar reprimarização da pauta exportadora e desindustrialização, dois conceitos que às vezes acabam confundidos.“O grande problema do debate é que vários autores dão significados
O jogo nasceu de uma ideia do professor Sandroni
diferentes à palavra” explicou. “A reprimarização não
chamada “Brincando de Ministro – Jogo da Economia
representa em si a desindustrialização, mas é fato
Brasileira”, que é a base do jogo atual. Ele consistia em uma competição onde cada pessoa podia jogar contra o computador. O game tornou-se um torneio, e foi adaptado para ser jogado entre duas pessoas numa
que este processo também ocorreu”. E questionou: “Será que a taxa de câmbio é a única causa? E será que [a valorização do câmbio] é consequência só da exportação de commodities primárias?”
rede de computadores. “O jogo evoluiu muito, hoje
Revista de
Conjuntura
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está completamente diferente do que era em 2003. A
Eduardo Costa Pinto caracterizou a indústria como
expectativa para a próxima Gincana Nacional é que se
fundamental para o desenvolvimento dos outros
incluam mais elementos, não só de política econômica
setores da economia.“Nenhum país se desenvolveu sem
e macroeconomia, mas também de microeconomia e
uma forte industrialização”. Ele também apontou um
finanças”, conta seu idealizador.
paradoxo da questão: “A indústria perde participação,
da pauta exportadora”, cuja abordagem do contexto
desindustrialização. A indústria de transformação teve
contemporâneo remeteu a grande reflexão sobre o
a produtividade reduzida em 3% entre 2000 e 2008”.
futuro do Brasil rumo à conquista de espaço entre
Olhando para o futuro, apontou um problema: “Os
as grandes potências desenvolvidas. Ele também
preços relativos vão mudar. Quando isso acontecer,
destaca como bem sucedida a realização da primeira
estaremos à beira do abismo. Mas isso não acontecerá
edição da Gincana Nacional de Economia, evento que
hoje nem amanhã”.
contribui para a aproximação dos alunos ao sistema
O último palestrante foi Reinaldo Gonçalves, que
Cofecon/Corecons. “A oportunidade serviu para
fez uma crítica bastante dura ao governo Lula. Para
estimular os estudantes quanto ao valor da profissão
o economista, o que aconteceu nos últimos oito
de economista; além de servir como mecanismo de
anos foi o inverso do nacional-desenvolvimentismo.
reforço na formação acadêmica”, completou.
Desindustrialização, “dessubstituição” de importações,
Na
opinião
do
presidente
do
Corecon-
reprimarização das exportações, maior dependência
DF, as abordagens sobre Inovação, Tecnologia
tecnológica,
e
desnacionalização,
perda
de
competitividade internacional, maior vulnerabilidade externa, concentração de capital e dominação financeira foi o cenário dos últimos anos. “Grandes teóricos da república falam em desenvolvimentismo, grandes transformações e reversão de tendências estruturais. Dados empíricos dizem o contrário”, resumiu Gonçalves.
Opiniões
Sustentabilidade,
as
preocupações
com
a
desindustrialização nacional, a questão da taxa de juros e de câmbio e dos desequilíbrios regionais, entre outras, expressam a relevante contribuição dos economistas no processo de construção e implementação de políticas públicas estruturantes de desenvolvimento econômico sustentável ao nosso país. Jucemar Imperatori, conselheiro do CoreconDF, que também participou do XIX CBE, destacou o
Jusçanio de Souza, presidente do Corecon-DF,
evento como bastante positivo nas abordagens sobre
considera que a realização do XIX Congresso Brasileiro
inovação, tecnologia e sustentabilidade. Segundo ele, a
de Economia obteve bastante sucesso, não só em
Carta de Bonito expressa a profundidade dos debates
relação à programação, mas também em relação à
e as preocupações com a desindustrialização nacional,
presença expressiva de economistas de todo o Brasil.
a questão da taxa de juros e da taxa de câmbio,
O evento traduziu-se numa oportunidade especial de
dos desequilíbrios regionais e do uso racional dos
confraternização entre os economistas e comemoração
recursos naturais, assim como os desafios na
dos 60 anos de regulamentação da profissão”, disse. Jusçanio destacou, como tema que marcou o encontro, o da “Desindustrialização ou reprimarização
implementação de políticas públicas estruturantes que proporcionem um desenvolvimento econômico sustentável a longo prazo.
julho / setembro / 2011
mas cresce, por isso a dificuldade de se falar em
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“Ao se falar sobre sustentabilidade, é importante enfatizar as questões urbanas e observar que os aspectos sociais, em especial presentes nas grandes cidades, devem estar em sinergia com os aspectos econômicos. É neste ponto que o olhar do economista deve estar presente e contribuir para a implementação dos planos de ocupação e ordenamento territorial, planos habitacionais e planos ambientais, de forma a reduzir e mitigar as enormes externalidades negativas presentes notadamente na mobilidade urbana, na segurança (principalmente no que se refere à violência com jovens, às drogas) e na dimensão ambiental, que inclui questões de saneamento, coleta e destinação de lixo”, afirmou Jucemar. Já a fiscal do Corecon-DF, Maria Aparecida Carneiro, destacou dois painéis em especial, pela qualidade das abordagens dos temas. O primeiro tratou sobre a “Desindustrialização ou primarização da pauta exportadora: os reais impactos das políticas cambiais
Carta de Bonito O vice-presidente do Cofecon, Mario Sérgio Sallorenzo, leu a Carta de Bonito, que foi aprovada pelos economistas. O documento expressa a preocupação com o processo de desindustrialização no país. “Numa perspectiva de longo prazo, o Brasil não pode continuar com o atual processo de aumento da dependência da importação de produtos industrializados”. CARTA DE BONITO/MS CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA 07-09/09/2011 DESENVOLVIMENTO: INOVAÇÃO, TECNOLOGIA E SUSTENTABILIDADE Por ocasião da comemoração dos 60 anos de regulamentação da profissão, os Conselhos de Economia, como instância de representação múltipla da categoria, visando esclarecer e promover uma reflexão sobre o assunto central do Congresso, vêm manifestar-se à opinião pública a respeito do debate recente sobre desindustrialização no Brasil.
e monetárias no Brasil”, em que o professor Marcelo Carcanholo expôs o tema de forma bem didática. O segundo painel apontado pela fiscal foi o de tema “Economia institucional e regulação”, no qual o professor Gilson de Lima Garófalo explicou o que são as instituições, os agentes, os regimes políticos, o mercado, as liberdades individuais e de como a regulação estatal vem se colocando neste cenário. “O mercado é tudo” disse ele. Ao final do Congresso, foi definida a cidade de Manaus (AM) como sede do próximo Congresso, a ser realizado em 2013.
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Conjuntura
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Os critérios e as circunstâncias com base nos quais se caracteriza o que é em geral entendido como desindustrialização são diversos. O processo não é novo na História Econômica mas, de modo geral, pode ocorrer em países que já alcançaram um alto grau de desenvolvimento. Sua caracterização vai desde a redução do nível e da capacidade de produção em termos absolutos até a perda de participação relativa da atividade industrial na geração de renda. Desindustrialização também pode ser entendida como redução da abrangência e da complementaridade dos setores industriais entre si e com o restante da economia. Assim, a inexistência ou fragmentação das
de desenvolvimento autônomo, continuado e vigoroso, capaz de tornar o Brasil emergente, enfim, no País do presente.
Numa perspectiva de longo prazo, o Brasil não pode continuar com o atual processo de aumento da dependência da importação de produtos industrializados. A atual substituição da produção interna por produtos importados ocorre antes que o país tenha alcançado o domínio dos processos tecnológicos estratégicos para assegurar a sustentabilidade de seu desenvolvimento soberano.
No entanto, o problema da desindustrialização não se restringe à natureza das políticas macroeconômicas. A questão central é a escolha de estratégias de desenvolvimento que impliquem mudanças estruturais efetivas, inclusive quanto ao deslocamento da fronteira de produção. A simples correção do câmbio real e do juro real não impede, necessariamente, o redirecionamento dos investimentos na direção da “linha de menor resistência” que, no caso brasileiro, é na direção da produção de bens intensivos em recursos naturais.
A questão se reveste de mais riscos ainda quando à situação antes descrita se associa uma recomposição das pautas de exportação, dependentes, crescentemente, da demanda internacional por produtos primários e de modesto valor agregado. Como é sabido, esses produtos são mais facilmente substituíveis, têm baixo conteúdo tecnológico e as cotações são muito mais voláteis. Essa crescente especialização do padrão de exportação é a chamada reprimarização. Este é, presentemente, um dos grandes desafios da economia brasileira, ainda mais nas circunstâncias em que o binômio câmbio sobrevalorizado e juros elevadíssimos está fortemente associado, e pesadas resistências e interesses internos se opõem à desativação dessa armadilha, cujos efeitos a médio prazo podem ser devastadores para o projeto nacional
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cadeias produtivas pode ser vista como uma limitação ao ciclo da industrialização e como uma restrição à alavancagem do desenvolvimento consistente.
27
A correção da gestão macroeconômica deve vir acompanhada de políticas estruturantes de novo padrão de acumulação e alocação de recursos. Os objetivos são impedir o viés na direção da especialização em produtos intensivos em recursos naturais e promover o deslocamento mais equilibrado e abrangente da fronteira de produção. Somente estruturas de produção mais abrangentes, robustas e competitivas permitem a melhora permanente de renda, consumo e distribuição, ou seja, o desenvolvimento econômico no longo prazo. Nesta perspectiva, cabe considerar que os desafios das medidas macroeconômicas não sejam restritivos à sustentabilidade do desenvolvimento econômico.
* Matéria com informações ç Cofecon. Fotos Camila Fiorese e Wille Zampieri p (Corecon-MS) ( )
A necessidade de uma política industrial permanente como política de Estado Jackson De Toni Política industrial no Brasil contemporâneo A capacidade industrial de uma nação estabelece o potencial e os limites do seu desenvolvimento econômico. Historicamente, foi a industrialização que proporcionou níveis crescentes de renda e bem estar da população, gerando empregos mais qualificados e difundindo ganhos de escala. É a indústria que gera inovação tecnológica aplicada, por exemplo, no melhoramento genético responsável pela produtividade do agronegócio. Mesmo em setores de ponta de serviços, como as tecnologias digitais e de comunicação, é a indústria microeletrônica quem acaba ditando o ritmo de crescimento. O desenvolvimento de um país se mede de várias formas. Uma delas é o crescimento relativo do Produto Interno Bruto per capita.
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Conjuntura
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Num sentido mais básico e elementar, o desenvolvimento depende da produtividade crescente do trabalho, que é influenciada diretamente pelos avanços da indústria. Desde os anos 1960, com Nicholas Kaldor ou mais longe ainda, com Gunnar Myrdal, aprendemos que a industrialização é a maior responsável por retornos crescentes de produtividade e pelo seu transbordamento para todas as outras dimensões do desenvolvimento econômico, inclusive a dimensão social.¹ O Brasil tem tido uma trajetória bem marcada na sua industrialização. Nós consolidamos um parque industrial importante até os anos 1970, em especial 1
nas cadeias petroquímicas, nos complexos produtivos do agronegócio, na metalurgia e em bens de capital, por exemplo. Nos anos 1980 e 1990 o governo federal empreendeu poucas iniciativas para uma abrangente e consistente política industrial. Cabe ressalvar, talvez, a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e algumas iniciativas na área de informática. No Governo Collor, tivemos uma política industrial “ao contrário”, iniciando um ciclo de privatizações, financeirização e desnacionalização significativa do legado deixado pelo período dos governos militares. Exceção digna de nota neste período foi o funcionamento das “Câmaras Setoriais”, num contexto de realinhamento de preços. Em alguns casos foram importantes instrumentos de negociação públicoprivada, em especial a automobilística. Nos anos do governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002) a política industrial praticamente não se constitui uma “agenda de governo”. Os “Fóruns de Competitividade” implementados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) na tentativa de manter um espaço de concertação com o setor industrial, sempre tiveram a hostilidade - quando não a oposição pública do Ministério da Fazenda. O Governo Lula inicia-se em 2003 numa conjuntura bem marcada: relativa estabilidade macroeconômica, risco-país em queda, inicio de um ciclo de alta em commodities, relação dívida interna/PIB em declínio e altas taxas de juros. Talvez o maior avanço do
Mesmo nas escolas de economia atualmente é difícil encontrar alguém abertamente contrário a uma política industrial, sobretudo depois da crise financeira de 2008. Aos poucos a academia está reabilitando a produção teórica de antigos e novos autores que pensaram e estudaram política industrial, entre eles: Robert Wade, Alice Amsden, Chalmers Johnson, Ha-Joo Chang, Dani Rodrik, Peter Evans, entre outros.
‘‘
governo Lula em seu primeiro mandato tenha sido o desbloqueio do debate sobre política industrial e a retomada, ainda que tímida, de instrumentos de planejamento e coordenação de atores. A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), anunciada no início de 2004, teve como mérito maior a retomada de uma instância de coordenação de alto nível, o Conselho Nacional de Desenvolvimento (CNDI), que reuniu empresários industriais e ministros. O CNDI chegou a realizar 14 reuniões entre 2004 e 2006. Essas reuniões geraram acordos importantes que se tornaram marcos de uma nova política industrial: as chamadas “Lei de Inovação”, a “Lei do Bem”, a desoneração do IPI para bens de capital, entre outras medidas. Outro marco deste período foi a criação de uma organização pública não-estatal para apoiar a execução de uma política industrial complexa e polissêmica, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) que juntamente com o BNDES – como o “braço do financiamento” – estruturam um arranjo institucional básico pró-política industrial. No segundo mandato de Lula, a política industrial segue a linha do foco na inovação e na retomada das taxas de investimento,
A crise de 2008, contudo, impediu que a política atingisse a maioria de suas macrometas. Pode-se dizer, por outro lado, que a política industrial contribuiu para a rápida execução de medidas anticrise, em especial na atuação do BNDES.
Gargalos da política industrial A conjuntura ideal para a política industrial é aquela de juros baixos, inflação sob controle, investimento público e privado crescentes, superávits comerciais e infraestrutura física e humana de padrão mundial. Infelizmente não é nossa realidade, mas exatamente por isso ela se torna tão necessária, ainda que tenha sua eficácia reduzida. A política industrial tem sido realizada no Brasil sob conjuntura macroeconômica adversa, com reflexos na perda de competitividade e produtividades da manufatura. Os juros reais positivos, entre os maiores do mundo, aumentam o custo dos investimentos e inibem as expectativas de expansão da economia real. A carga tributária, por vezes desbalanceada e orientada somente sob o critério fiscalista e arrecadatório, tem elevado o custo de produção industrial em diversas cadeias produtivas. Por fim, mas não menos importante, nossa política cambial recente aliada à competitividade de produtos asiáticos (incluindo práticas desleais de comércio) tem resultado numa queda brutal da exportação de manufaturados, eram superavitárias em 2005 e serão deficitárias em 2011, talvez em até R$ 50 bilhões. O “paradoxo da credibilidade”, como chamou Belluzzo, obrigou o governo Lula a manter uma política econômica de juros altos e câmbio de mercado. O preço, segundo alguns, é uma política industrial que “enxuga gelo”2. Os benefícios que as linhas de crédito do BNDES ou as
2 Aqui valem as palavras de Wilson Cano: “Essa contradição entre as políticas industrial e macroeconômica reflete, na verdade, as divisões que existem dentro do Estado brasileiro, que, em última instância, refletem divisões dentro da sociedade acerca do projeto que se pretende para o país. A luta entre as diferentes visões para impor seu projeto materializa-se, concretamente, na disputa pelos recursos. Para o bem do país, é imprescindível que sejamos capazes, como já o fomos no passado, de construir e perseguir uma estratégia de desenvolvimento nacional de longo prazo. Uma estratégia que permita defender a estrutura produtiva existente e avançar no sentido de fortalecê-la, e assim construir uma inserção internacional que se sustente em uma pauta de exportação mais qualificada, com produtos de maior valor agregado e intensidade tecnológica” (Política industrial do governo Lula, Texto para Discussão. IE/UNICAMP n. 181, julho 2010).
julho / setembro / 2011
‘‘
Num sentido mais básico e elementar, o desenvolvimento depende da produtividade crescente do trabalho, que é influenciada diretamente pelos avanços da indústria.
agora como o nome de Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), lançada em maio de 2008. A PDP avançou muito em governança: instituiu instâncias de coordenação internas no Governo Federal, protocolos de decisão, sistemas de monitoramento e avaliação, etc.
29
instantaneamente pela desvalorização do dólar ou a Selic que marcham a galope. A política industrial então atua na margem, nas brechas, ocupa espaços aqui e ali, em instrumentos de apoio à inovação, no crédito público e em pequenas mudanças de marcos legais para desonerar investimentos e exportações, facilitar o acesso da indústria à academia e vice-versa, tornar mais fácil o empreendedorismo e gerar empregos mais qualificados. Outro gargalo da política industrial, este mais conhecido e não menos complexo, é o modo como o Estado brasileiro produz políticas públicas. A política industrial é um complexo de instrumentos combinados (creditícios, fiscais, técnicos, comerciais, regulatórios etc.) que dependem de intenso, sistemático e metódico processo de coordenação de governo. Por sua vez, a coordenação governamental resulta (ou não) de outros vetores: planejamento, liderança e projeto de governo. Nem sempre esses fatores andam juntos, com a mesma intensidade e proporção. O processo decisório público é truncado, com inúmeras assimetrias de poder, informação e capacidade técnica, por exemplo, entre o Ministério da Fazenda e o insulado Banco Central e o restante do governo. Vencer as dissonâncias cognitivas e políticas exige um enorme esforço de interlocução, não raro de manejo de pequenas e grandes vaidades pessoais e sobretudo na definição de prioridades e metas supraministeriais. Felizmente temos caminhado para níveis cada vez melhores de maturidade institucional. O Estado brasileiro tem recuperado alguns instrumentos de planejamento estratégico e prospectivo, a coordenação acontece (ainda que com efeitos colaterais pesados), e a gestão e as burocracias são mais profissionais. O
Revista de
Conjuntura
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ritmo, entretanto, é lento e deixa a desejar.
O Plano Brasil Maior: uma nova política e seus desafios Mas apesar da baixa qualidade das instituições e dos problemas sistêmicos de infraestrutura, o Brasil reúne condições ímpares entre os países de renda média. Nosso mercado interno é extremamente grande e vem ganhando milhões de novos consumidores graças à
‘‘
A política industrial é um complexo de instrumentos combinados (creditícios, fiscais, técnicos, comerciais, regulatórios etc.) que dependem de intenso, sistemático e metódico processo de coordenação de governo.
‘‘
desonerações de IPI proporcionam seriam anulados
ampliação e profundidade dos programas de renda mínima e inclusão social. Apesar da clara tendência de primarização da pauta exportadora, devemos reconhecer que o boom asiático tem garantido superávits crescentes da balança comercial. Além disso, a Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), feita pelo IBGE, tem revelado a existência de um núcleo importante de empresas espalhadas pelo tecido industrial com alta capacidade de inovação e níveis de competitividade e produtividade comparáveis aos padrões desenvolvidos. A agenda nacional contempla eventos importantes para a indústria e o ambiente de negócios em geral, como a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016. Além disso, em alguns setores, como a exploração de petróleo e gás, as perspectivas indicam grandes oportunidades.
A primeira consideração sobre a política industrial lançada pelo Governo Dilma é o momento, diferente do boom exportador que iniciava em 2004 e da PDP anunciada antes da crise de 2008. A atual política vem num momento de mais incertezas internacionais. A instabilidade externa só aumenta o potencial negativo de problemas conhecidos: apreciação cambial, infraestrutura física e humana precárias e lento progresso tecnológico da indústria de transformação, entre outros problemas.
As medidas de maior impacto no curto prazo são as seguintes:3 •
Instrumentos fiscais: redução do IPI sobre bens
de capital e materiais de construção, devolução de créditos tributários aos exportadores e criação de regimes fiscais especiais para diversos setores; •
Instrumentos de crédito: manutenção das li-
nhas especiais do BNDES, inclusive para capital de giro de pequenas e médias empresas, com taxas de juros, prazos e condições mais favoráveis com montante previsto de R$ 75 bilhões; •
Desoneração da folha de pagamento para se-
tores selecionados, incluindo software; •
Regulamentação de uma política de compras
governamentais: complexo da saúde e complexo da defesa; •
Recursos para a área de inovação: aumento
das disponibilidades financeiras da Finep (mais R$ 5 bilhões) e BNDES; •
Iniciativa para capacitação de recursos huma-
nos em engenharias no exterior, integrada com a A nova política industrial apresenta diversas “diretrizes estruturantes”: fortalecimento das cadeias produtivas, ampliação de competências tecnológicas e de negócios, desenvolvimento da cadeia de suprimentos em energia, diversificação exportadora e internacionalização e crescimento sustentável. Tanto essas medidas ditas “estruturantes” quanto aquelas de natureza “sistêmica” ou “horizontal” devem orientar a formulação de um sem-número de iniciativas, ações e projetos que deverão ser monitorados e avaliados para produzirem efeitos concretos e irem além da retórica das boas intenções. Sobretudo porque esta edição da política mais do que dobrou as macrometas, agora são 10 metas de longo fôlego, como por exemplo, aumentar de 53,7% para 65% o número de trabalhadores na indústria com, pelo menos, o ensino médio, até 2014 ou ampliar o investimento de 18% para 22% do PIB no mesmo período. 3
A íntegra das medidas está no site http://www.brasilmaior.mdic.gov.br/
colocação no mercado de trabalho da indústria; •
Revisão de marcos regulatórios, em especial,
dos instrumentos de interação entre universidades, centros de pesquisa e empresas industriais. O modelo de governança repete a PDP de 2008 com base nos Conselhos de Competitividade coordenados pelo MDIC, reunindo os setores público e privado, tendo como espelho os Conselhos Gestores que funcionam como coordenadores intragovernamentais. A novidade é a retomada do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), que não se reúne desde 2007 (formado por 13 ministros e 14 representantes da sociedade civil). Essa arena é fundamental para debater e superar as divergências dentro do governo e costurar consensos com o setor privado.
julho / setembro / 2011
A política tem duas dimensões, como o modelo clássico de política industrial: um corte setorial ou vertical com medidas específicas para setores prioritários (competitivos acima da média ou vulneráveis) e um corte horizontal, com medidas transversais e pervasivas. Na dimensão horizontal, aparecem medidas como o incremento da defesa comercial contra práticas desleais, o reforço dos recursos destinados à inovação (em especial da Finep), a formação e qualificação profissional, a produção sustentável e o reforço aos mecanismos de incentivo ao investimento, entre outros. Já nas políticas setoriais a proposta classifica as várias cadeias produtivas conforme a natureza do impacto das medidas. Assim, no primeiro bloco, por exemplo, temos as cadeias do petróleo e gás e indústria naval, do complexo de saúde, do setor automotivo, da indústria aeronáutica e espacial, de bens de capital, das tecnologias de informação e comunicação e do complexo de defesa. Este bloco seria o de maior coeficiente de arrasto sobre o tecido econômico, produzindo mais “transbordamentos” sobre os demais setores em cada real investido ou incentivado. Os demais blocos são classificados em “intensivos em escala” , “sistemas intensivos em trabalho” , “agronegócio” e assim por diante.
31
Não podemos esquecer que salvo alguns instrumentos regulatórios e legais, o grosso dos impactos de uma política industrial são instrumentos de uso voluntário e estimulado. Caberá aos empresários e investidores industriais aderirem ou não às propostas do governo, inclusive ao modelo de governança proposto. O núcleo dirigente da política será coordenado pelo MDIC e composto pelos ministérios do Planejamento, da Ciência e Tecnologia, da Fazenda, além da Finep (entidade financiadora), pelo BNDES e pela ABDI, que será a Secretaria Executiva. Uma política industrial consistente só tem sentido se fizer parte de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento, ou melhor, de reconstrução de um projeto neodesenvolvimentista para o Brasil. Neste quadro, os grandes desafios estruturais e estratégicos
(c) Por fim, é preciso dizer que a política industrial é do tipo trial and error process, ainda mais porque o centro estruturador é a inovação. As experiências do Japão, Coréia, China e Índia, já exaustivamente estudadas pela literatura, são únicas. Mesmo os países originalmente industrializados trilharam caminhos únicos e o Brasil precisa consolidar o seu, combinando instrumentos, estratégias e princípios com a política macroeconômica e os limites fiscais e monetários definidos pelas circunstâncias da atual conjuntura nacional. As capacidades de aprendizagem, de sistematizar a reflexão crítica e de manter um ambiente sadio de reflexões sobre os erros e sucessos são fundamentais.
para continuar a consolidar a política industrial como uma política permanente de Estado são: (a) A política industrial, como qualquer política pública, deve rapidamente adquirir o status de normalidade na agenda governamental. Uma política industrial perene e sistemática é muito mais que uma “caixa de ferramentas” para salvar setores ameaçados ou um leque de linhas de crédito bancário à disposição dos investidores. Ela deve ter instâncias decisórias formalizadas, como a política de saúde pública; instituições capazes de formular e executar suas diretrizes, como a política educacional; centralidade nos projetos de desenvolvimento econômico articulada com outras políticas, como a política para o agronegócio ou de infraestrutura energética e recursos orçamentários e não-orçamentários regularmente destinados aos seus projetos.
Revista de
Conjuntura
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(b) A política industrial exige por excelência soluções de compromisso, acordos duradouros e credíveis entre atores públicos e privados. Para garantir a existência de incentivos reputacionais num jogo difuso onde custos e benefícios nem sempre são transparentes, a estrutura de governança é fundamental. Dois aspectos são básicos: uma estrutura de direção e planejamento profissionalizada, amparada em burocracia pública de alto nível e uma autoridade política derivada diretamente do centro de governo capaz de coordenar e construir um projeto sólido em ambientes de alta volatilidade política.
Jackcson De Toni jackson.detoni@abdi.com.br Economista, Mestre em Planejamento Urbano e Regional (UFRGS) e doutorando em Ciência Política (UnB). Gerente de Planejamento da Agencia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Foi assessor especial da Presidência da República (2003 – 2006) e Diretor Geral da Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado Rio Grande do Sul (1999 – 2002).
José Matias Pereira
Está ficando evidente que nenhuma economia
Os recentes estudos e indicadores econômicos e
está imune aos efeitos dos recentes refluxos da crise
sociais divulgados no segundo semestre de 2011 por
na economia mundial. A recaída da economia mundial
diferentes instituições multilaterais (Banco Mundial,
- decorrente das medidas inadequadas adotadas
FMI, OCDE, IBGE e BC) revelam que, apesar dos esfor-
pelas lideranças políticas e econômicas para conter
ços feitos pelos governos das principais economias
a crise global que eclodiu nos Estados Unidos no
mundiais nos últimos dois anos, notadamente pelos
final de 2008 – está colocando a sociedade mundial
Estados Unidos e os países da zona do euro, que a crise
novamente em alerta. Verifica-se, nesse contexto, que
econômica está se agravando no mundo. Neste artigo
os países desenvolvidos possuem espaço menor de
daremos especial atenção aos relatórios divulgados
manobra diante da crise de dívida que atinge a Europa.
pelo Fundo Monetário Internacional, pelo IBGE e pelo
É preciso alertar, entretanto, que além das economias
Banco Central.
dos Estados Unidos e dos países-membros da zona
A partir desse novo cenário, temos como propósito
do euro (países que adotam a moeda única na União
analisar os efeitos da retomada da crise mundial no
Europeia), os efeitos da crise também estão chegando
desempenho da economia brasileira nos próximos
com intensidades diferentes nas quatro maiores
dois anos, tendo como referência as projeções dos
economias emergentes, os países Bric, bloco que inclui
relatórios e indicadores mais recentes divulgados pelas
Brasil, Rússia, Índia e China, sinalizando uma redução do
instituições internacionais e nacionais que tratam
crescimento econômico e o aumento da inflação.
desse tema.
É oportuno recordar que a crise aprofundou-se
A partir desse quadro, torna-se possível formular a
a partir dos desdobramentos do recente impasse
seguinte pergunta: É necessário promover mudanças na
político vivido entre o governo Barack Obama
política econômica brasileira para enfrentar os impactos
(democrata) e o partido republicano, para autorizar a
decorrentes do agravamento da crise mundial? Para
elevação do nível de endividamento dos EUA e assim
respondê-la, é necessário analisar os relatórios e os
evitar que o país deixasse de honrar os compromissos
dados que tratam da economia mundial, e também
com seus credores. O frágil acordo que resultou desse
examinar o nível de consistência do modelo econômico
desgastante enfrentamento político culminou com o
em execução no governo Dilma (2011-2014), com base
rebaixamento da nota de crédito dos EUA pela agência
nos indicadores do Banco Central (BC, 2011) e nas
de classificação de risco Standard & Poor’s. A crise
contas nacionais (IBGE, 2011).
ampliou-se em seguida para os países do continente
Buscamos, dessa forma, avaliar se a política
europeu e para o resto do mundo, e provocou fortes
econômica em execução pelo governo Dilma Rousseff,
quedas nas principais bolsas de valores mundiais nos
que procura estimular o crescimento econômico num
primeiros deste mês de agosto.
contexto de crise mundial, mantendo as taxas de juros
jjulho ulho / setembro / 2011
A retomada da crise mundial e os seus impactos na economia brasileira
33 33
altas, a carga tributária elevada e as despesas correntes em crescimento, apresenta-se capaz de manter o crescimento da economia em patamares adequados. Este artigo é essencialmente bibliográfico, descritivo e qualitativo. Ressaltamos que não temos a pretensão de esgotar o assunto em análise. Este estudo possui diversas limitações, notadamente diante de dificuldade de avaliar a extensão e os efeitos colaterais da retomada da crise econômica mundial, o que reflete nas suas conclusões.
Referencial teórico A literatura revela que as contribuições do marginalismo do século XIX e do keynesianismo e do monetarismo no século XX foram significativas para a evolução da teoria econômica. Essas ideias refletiram fortemente na teoria e na prática das finanças públicas. Para Keynes, os Estados têm como principal objetivo adotar medidas para evitar os dois grandes males característicos dos ciclos econômicos: o desemprego e a inflação. Junto com a política monetária, atribuise à política fiscal, portanto, um papel primordial na obtenção da estabilização econômica (KEYNES, 1983). Destacamos que este artigo está apoiado, em termos do seu referencial teórico, nas teorias keynesiana, neoinstitucionalista e na teoria das finanças públicas (KEYNES, 1983; MUSGRAVE, 1959; NORTH, 1997). É oportuno reafirmar que as finanças públicas de um país, de forma geral, estão orientadas para as operações relacionadas com a receita, despesa, orçamento e o crédito público. Preocupa-se, portanto, com a obtenção, distribuição, utilização e controle dos recursos financeiros do Estado (MUSGRAVE; MUSGRAVE, 1980; MATIAS-PEREIRA, 2010b).
Revista de
Conjuntura
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entre esses instrumentos as políticas fiscal e monetária. Graças a elas é possível controlar, por exemplo, preços, salários, inflação, impor choques na oferta ou restringir a demanda. Esses instrumentos e recursos utilizados pelo Estado para intervir na economia podem ser definidos da seguinte forma: •
Política Fiscal – envolve a administração e
a geração de receitas, além do cumprimento de metas e objetivos governamentais no orçamento. É empregada para a alocação, distribuição de recursos e estabilização da economia. É possível, com a política fiscal, aumentar a renda e o PIB e aquecer a economia, com uma melhor distribuição de renda. •
Política Monetária – envolve o controle da
oferta de moeda, da taxa de juros e do crédito em geral, para efeito de estabilização da economia e influência na decisão de produtores e consumidores. Com a política monetária, pode-se controlar a inflação, preços, restringir a demanda etc. •
Política Regulatória - envolve o uso de
medidas legais como decretos, leis, portarias etc., expedidos como alternativa para se alocar, distribuir os recursos e estabilizar a economia. Com o uso das normas, diversas condutas podem ser banidas, como a criação de monopólios, cartéis,
práticas
abusivas,
poluição
etc.
Efeitos da retomada da crise econômica mundial Verifica-se que as inúmeras ações dos Estados desenvolvidos não foram capazes de resolver os graves
Instrumentos de intervenção do estado na economia
problemas existentes nos países desenvolvidos. A frá-
O Estado, conforme sustentam diversos autores, como por exemplo, Musgrave e Musgrave (1980) e Matias-Pereira (2011)2, promove, pela política econômica, a intervenção na economia com o objetivo de manter o crescimento econômico e os níveis de emprego elevados, e os preços estáveis. Destacam-se
União Europeia, agravada pela crise fiscal instalada em
2
gil recuperação da economia dos EUA e dos países da Portugal, Grécia, Espanha e Itália, indicam que o mundo está à beira de uma à recessão. A demora na adoção de medidas consistentes por parte dos dirigentes mundiais está contribuindo para aumentar as desconfianças dos mercados.
MATIAS-PEREIRA, José. Os efeitos colaterais da crise mundial no crescimento da economia brasileira. Revista de Conjuntura, nº 44, outubromarço, p. 18-31, 2011.
com efeitos perversos sobre o emprego e a renda das populações mundiais. Pesa nesse contexto de crise a fragilidade que vem sendo demonstrada pelas lideranças mundiais na condução da crise nos últimos meses. Esse cenário pode ser mensurado com os dados mais recentes divulgados pelas principais instituições multilaterais, em especial o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Perspectivas de crescimento da economia mundial em 2011e 2012 O relatório do Fundo Monetário Internacional (setembro de 2011) aponta para uma significativa redução das perspectivas de crescimento da economia mundial em 2011 e 2012 (World Economic Outlook— Update 2011), em função dos efeitos da retomada da crise na economia global. As projeções foram revistas pelo FMI, para baixo, em decorrência da crise na Europa, fraco consumo e investimentos nos Estados Unidos, terremoto no Japão, alta dos preços do
permita ao país colocar a dívida pública em um nível viável a médio prazo e apoiar a recuperação a curto prazo. O Fundo também revisou suas previsões de crescimento para a zona do euro (de 2% a 1,6% em 2011, e de 1,7% a 1,1% em 2012), o que confirma a desaceleração do crescimento devido à crise da dívida soberana na região. Assim, a Europa luta contra uma renovada volatilidade nos mercados e riscos crescentes de instabilidade financeira. O Fundo recomenda que o Banco Central Europeu (BCE) baixe ainda mais sua taxa básica de juros se as ameaças de calote persistirem. Apesar de as políticas fiscais previstas nas economias da zona do euro serem apropriadas, o Fundo prevê a necessidade de mais reformas, visto que as turbulências financeiras atuais são um obstáculo para a atividade econômica ao provocar uma queda na confiança e no financiamento. Para o FMI, caso os dirigentes ocidentais mantenham seus compromissos, o crescimento da economia mundial poderá alcançar 4,0% em 2011 e uma cifra similar em 2012. Previu, entretanto, que se o compromisso não for mantido, Europa e Estados Unidos poderão voltar a entrar em recessão.
petróleo e instabilidades políticas no Oriente Médio, na
De acordo com o panorama das projeções feitas pelo Fundo, a economia mundial deverá continuar em ritmo lento em função de sua considerável fragilidade. As previsões de crescimento foram fortemente reduzidas para os Estados Unidos, que alcançará apenas 1,6% em 2011 (ante 2,2% estimados em junho de 2011) e a 1,9% em 2012 (ante 2,6% da projeção anterior). No caso da Europa, as perspectivas são de 1,6% de crescimento em 2011 contra os 2% previstos anteriormente. Observa-se que o país que teve a reavaliação mais pessimista por parte do FMI, entre todas as economias mundiais, foi os Estados Unidos. O relatório aponta que a atividade econômica norte-americana (que havia crescido 3% em 2010) perdeu o seu dinamismo e a redução do ritmo foi mais forte do que o previsto. O crescimento dos Estados Unidos, para o Fundo, será inferior ao da média dos países desenvolvidos. Para o FMI, o governo dos EUA precisa estabelecer como prioridade absoluta um programa orçamentário que
O crescimento mundial, por sua vez, será impulsionado principalmente pelos países asiáticos em desenvolvimento, que poderão crescer até 8,2% este ano e por outras economias emergentes. O FMI alerta, entretanto, que os riscos à estabilidade financeira em todas essas economias emergentes devem ser
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De acordo com o panorama das projeções feitas pelo Fundo, a economia mundial deverá continuar em ritmo lento em função de sua considerável fragilidade.
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denominada Primavera Árabe.
julho / setembro / 2011
Os impactos decorrentes da retomada da crise vieram confirmar que o processo de crescimento econômico no mundo continuará lento nos próximos anos,
35
monitorados por algum tempo, devido ao grande volume de crescimento de crédito nos últimos cinco anos. Assim, avalia que, no geral, a perspectiva para as economias emergentes voltou a ser “incerta”, em parte como reflexo de um cenário mundial menos favorável, especialmente nos Estados Unidos e na Europa. Registre-se que o FMI, apesar de rever para baixo as projeções, continua a acreditar na expansão da economia mundial nos próximos anos. Isso faz com que se descarte, por ora, o cenário de novo mergulho recessivo. Alerta o Fundo, entretanto, que a confirmação desse cenário depende de a Europa conter a crise na sua periferia, de o Congresso dos EUA tomar as medidas que garantam a solvência fiscal do país no longo prazo sem prejudicar os estímulos à demanda agregada no curto prazo e de a volatilidade nos mercados não crescer ainda mais.
Perspectivas de crescimento da economia brasileira em 2011 e 2012 No tocante ao Brasil, o FMI (setembro de 2011) fez uma revisão para baixo da perspectiva para este ano, que caiu de 4,1% para 3,8%. Para 2012, a instituição manteve a previsão de crescimento de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Observa-se que as projeções do Fundo estão próximas das expectativas do mercado financeiro brasileiro, que sinaliza um crescimento de 3,52% em 2011 e de 3,7% em 2012 (BC, Relatório Focus, 19 de setembro de 2011).
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Conjuntura
36
A projeção da inflação brasileira, para o FMI, deverá alcançar 6,6% em 2011, e retroceder a 5,2% em 2012. O FMI voltou a alertar para os riscos decorrentes do rápido aumento do crédito e de preços e da forte entrada de capital estrangeiro verificados no Brasil e em muitas economias da América Latina após a crise mundial de 2008. A expectativa do mercado financeiro nacional é de que a inflação chegue a 6,46% em 2011 e a 5,5% em 2012 (BC, Relatório Focus, 19 de setembro de 2011). O crescimento da economia brasileira, conforme assinala o relatório do FMI, já está começando a ficar moderado, com a atividade econômica se expandindo 4% no primeiro semestre, comparada com 7,5% em 2010. No curto prazo, estima-se que o crescimento desacelere abaixo do potencial e traga a inflação de volta à meta, refletindo, em parte, o cenário externo menos favorável. O Fundo também está prevendo um aumento do desemprego no país de 6,7% em 2011 para 7,5%
no próximo ano. O número, de acordo com o órgão, se manteve estável entre 2010 e 2011, mas começará a avançar devido à piora do cenário econômico, à queda do consumo e à desaceleração da atividade industrial. O Brasil, conforme descrito no Quadro 1, terá o segundo menor crescimento na América do Sul neste ano, ficando atrás somente da Venezuela (com previsão de 2,8%) e abaixo da média da região, de 4,9%.
Quadro 1. Crescimento da América do Sul em 2011 e 2012 (em %) País
2011
2012
Brasil
3,8
3,6
Argentina
8,0
4,6
Colômbia
4,9
4,5
Venezuela
2,8
3,6
Peru
6,2
5,6
Chile
6,5
4,7
Equador
5,8
3,8
Uruguai
6,0
4,2
Bolívia
5,0
4,5
Paraguai
6,4
5,0
Fonte: FMI
Registre-se que medidas para restringir a concessão de crédito estão entre as ferramentas usadas pelo governo brasileiro para tentar controlar a inflação. Desde 2010, o governo também já adotou diversas medidas para tentar conter o fluxo excessivo de capital estrangeiro, que provoca a valorização do real ante o dólar e acaba reduzindo a competitividade das exportações brasileiras. Apesar de reconhecer essas medidas adotadas pelo governo, o FMI recomenda que o Brasil e outros países também tenham como uma de suas prioridades a reversão do déficit público. É relevante destacar que no cenário atual, com a perspectiva de redução nos preços de commodities, a economia brasileira, ao lado da Rússia, está em posição mais vulnerável. Nesse contexto, dentre as economias emergentes, tanto o Brasil como a Rússia encontramse numa situação desfavorável no caso de ocorrer uma elevação duradoura do dólar em relação às cotações de matérias-primas. É previsível que uma queda nos preços das commodities deverá causar impacto negativo na oferta de liquidez da economia brasileira, e o efeito dessa redução atingiria o mercado de ações e crédito.
Interno Bruto do Brasil (PIB), no acumulado no ano de 2010, variou 7,5%, resultado do crescimento de 6,7% no valor adicionado e 12,5% nos impostos. Nessa comparação, a agropecuária (6,5%), a indústria (10,1%) e os serviços (5,4%) cresceram. Dessa forma, com base nas informações das Contas Nacionais Trimestrais, em 2010 (IBGE, 2011), o PIB em valores correntes alcançou R$ 3,675 trilhões. O PIB per capita ficou em R$ 19.016, apresentando uma alta de 6,5% em volume, em relação a 2009 (R$ 16.634). Na década encerrada em 2010, o PIB
‘‘
É relevante destacar que no cenário atual, com a perspectiva de redução nos preços de commodities, a economia brasileira, ao lado da Rússia, está em posição mais vulnerável.
per capita registrou crescimento anual médio de 2,4%, acima da média dos anos 1990, quando cresceu, em média, 1,1% ao ano.
‘‘
Em relação a igual período de 2009, o Produto
Deve-se observar, inicialmente, que o forte
Registre-se que, beneficiado pela baixa base de
crescimento do PIB do Brasil em 2010 teve como base
comparação de 2009, o crescimento acumulado do
de comparação um crescimento negativo da economia
PIB em 2010 é o mais elevado desde 1986 (também de
em 2009. A produção brasileira em 2011, em particular
7,5%). Entre 2001 e 2010, o crescimento anual médio foi
da indústria, deverá ser bastante fraca em comparação
de 3,6%, acima do registrado na década anterior (1991-
com o desempenho de 2010. Recorde-se que em 2009,
2000), quando o PIB a preços de mercado cresceu, em
o PIB da indústria caiu 5,5% e, em 2010, teve alta de
média, 2,6%. O crescimento de 7,5% do PIB em 2010
10,1%. Entretanto, caso ocorra uma expansão de 4,5%
permitiu que o Brasil se tornasse a oitava economia do
do PIB em 2011, como assinalam as projeções das
mundo.
instituições internacionais e nacionais, o crescimento
A arrecadação de tributos pelo Estado brasileiro em 2010, no montante de R$ 1,233 trilhão, representou 33,5% do PIB. A União foi responsável pelo recolhimento de 23,46% do PIB, os estados 8,47% e os municípios 1,63% das riquezas do país. Observa-se que o nível da carga tributária naquele ano se mantém inalterado,
na demanda doméstica será de 6,7%. Esse dado é preocupante, visto que revela que a economia não se encontra em desaceleração. Assim, levando-se em consideração que essa demanda é quase a mesma que foi registrada em 2008, quando a economia ainda se encontrava num ritmo forte, os riscos de elevação da inflação estarão presentes em 2011 e 2012.
com ligeiras oscilações, desde 2005. Os tributos com maior arrecadação como proporção do PIB em 2010 foram o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado no âmbito estadual, num total de R$ 256,8 bilhões (21,09% do PIB), e em seguida o Imposto de Renda, em nível federal, num total de R$ 213,4 bilhões (17,53% do PIB).
O Brasil possui no seu elenco de fragilidades, na atualidade, o baixo desempenho na balança de pagamentos. Por isso, é essencial que o governo adote medidas consistentes em 2011 para reduzir a fragilidade externa de um país, com vistas a alcançar superávits significativos na balança comercial. Nesse setor, o país vem tendo um desempenho preocupante,
Recorde-se que a inflação, com base no índice
conforme revelam os indicadores mais relevantes do
nacional de preços ao consumidor amplo (IPCA), em
balanço de pagamentos de 2010. O desempenho da
2010 alcançou 5,91%, ultrapassando o centro da meta
balança comercial indica que o país em 2010 exportou
de inflação fixada para aquele ano que era de 4,5%.
US$ 201,9 bilhões, e importou US$ 181,6 bilhões, o que
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Discussão sobre os indicadores da economia brasileira em 2010
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bancos, transformou-se numa crise fiscal em importan-
O Brasil possui no seu elenco de fragilidades, na atualidade, o baixo desempenho na balança de pagamentos. Por isso é essencial que o governo adote medidas consistentes em 2011 para reduzir a fragilidade externa de um país...
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resultou num superávit de apenas US$ 20,2 bilhões. Registre-se que a conta de transações correntes do balanço de pagamentos apresentou um resultado negativo de US$ 47,5 bilhões em 2010.
Conclusão
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Conjuntura
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Conforme evidenciam os indicadores econômicos e sociais mais recentes divulgados por diferentes instituições multilaterais mundiais, em especial o FMI, além dos EUA, os países da zona do euro estão sentindo, em escalas distintas, os efeitos dos refluxos da crise, especialmente na deterioração do mercado de trabalho e da renda. Esse cenário é corroborado pelos analistas que medem a percepção atual do mercado, que assinalam que todo o esforço feito pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) não será capaz de ativar a economia dos EUA. A configuração desse cenário ajudaria a colocar o mundo em recessão. Observa-se em relação à União Europeia que, apesar dos esforços feitos pelos governos da Alemanha e França e pelo Banco Central Europeu para resolver as questões envolvendo a crise soberana da zona do euro, por meio da concessão de elevados empréstimos os países em crise, e assim amenizar a desaceleração das economias, os resultados não são animadores. A crise, que na sua origem era um problema de liquidez dos
tes países da União Europeia, como Espanha e Itália. A existência de um sentimento de frustração dos cidadãos na União Europeia, na medida em que a sociedade verifica a ineficiência de seus governantes para enfrentar a crise de maneira adequada – fator que vem causando desaceleração do crescimento econômico, reduzindo as receitas públicas e aumentando o nível de desemprego - é um fenômeno preocupante. A crescente insatisfação das populações, traduzidas nas pesquisas de opinião pública e nas manifestações de protestos contra as medidas de austeridade que estão sendo adotadas na Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Reino Unido, Itália, França e Alemanha, são ameaças que pairam sobre a região, pois caso se intensifiquem podem refletir na governança e mesmo na governabilidade em alguns daqueles países, o que coloca em dúvida a própria sobrevivência da União Europeia. Quanto ao Brasil, como decorrência dos efeitos da retomada da crise mundial, haverá uma sensível redução do crescimento da economia brasileira em 2011 e 2012, provocada pela desaceleração na indústria e pelas medidas adotadas pelo governo para conter a inflação. Argumentamos, por fim, que o modelo econômico executado no Brasil é contraditório, na medida em que busca conciliar crescimento econômico, elevadas taxas de juros reais, aumento do superávit primário e avanços nas contas fiscais. Diante desse cenário de turbulência na economia mundial, pode-se
argumentar
que
o
governo
brasileiro, ao lado da sociedade, precisa preparar-se de maneira adequada para enfrentar os complexos problemas socioeconômicos e políticos que o Brasil terá que enfrentar nos próximos anos. Nesse sentido, precisa elevar o nível de consistência da política econômica, usar com mais intensidade a política fiscal e reduzir a importância da política monetária. Para isso é recomendável que aprofunde os cortes nos gastos correntes do setor público, priorize os investimentos em setores estratégicos, diminua tributos, em particular os impostos indiretos, reduza o serviço da dívida, dê continuidade aos cortes na taxa de juros e controle a inflação, entre outras medidas.
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José Matias Pereira matias@unb.br Economista, advogado, doutor em ciência política (UCM-Espanha), pós-doutor em administração pela FEA/USP, é professor-pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília. Autor, entre outros, de Curso de Administração Pública, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2010; Finanças Públicas: A política orçamentária no Brasil, 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010; e, Curso de Administração Estratégica, São Paulo: Atlas, 2011.
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Referências bibliográficas
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Evolução recente e perspectivas da economia brasileira Raul Velloso
Na virada de 2002 para 2003, a dívida pública herdada das fases anteriores era bastante elevada. Seu componente externo era alto, e o estoque de reservas internacionais, baixo. Com base nas elevadas taxas de juros reais praticadas à época e nas baixas taxas de crescimento do PIB que resultavam, exercícios
fato é que, por volta de 2003, apesar de ser grande o potencial de crescimento da demanda, o país parecia impedido de crescer a taxas mais elevadas do que 2,7% ao ano, por causa dos efeitos desfavoráveis dos sucessivos choques a que era submetido, conforme descrito. Estávamos diante de num círculo vicioso no
de projeção da razão entre a dívida pública e o PIB geravam trajetórias sempre ascendentes dessa razão, mesmo sob taxas de câmbio estáveis e superávits fiscais relativamente elevados.
qual a trajetória futura da razão dívida-PIB apontava para cima, os superávits fiscais pareciam ter atingido um limite superior difícil de ultrapassar, a sensibilidade da dívida a choques cambiais era muito elevada, e o crescimento da economia oscilava, entre os sucessivos choques, ao redor de uma taxa média incapaz de diluir o impacto expansionista dos demais fatores sobre a dívida pública.
A projeção implícita da repetição do quadro de crises periódicas e suas consequências da fase pré2003 trazia às mentes dos analistas uma sequência de efeitos desfavoráveis e interligados: temor de calote, fuga de capitais, choques altistas nas taxas de câmbio, fortes pressões inflacionárias, elevações das taxas de juros, desaceleração da economia e agravamento do quadro de insolvência pública. Isso ocorreu, por exemplo, nos momentos finais da gestão Fernando Henrique Cardoso, quando, para piorar, eram grandes os temores de que o novo governo viesse a repudiar os compromissos financeiros herdados da fase precedente.
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No Brasil, o crescimento econômico é puxado, basicamente, pelo consumo. Internamente, o crescimento do consumo é induzido, por sua vez, pela ação do setor público, que extrai uma elevada carga tributária comparativamente ao resto do mundo, para uso predominante em gastos correntes, por aqui bastante rígidos – e esses gastos são concentrados em transferências a pessoas. Daí a principal dificuldade de gerar saldos fiscais mais elevados e capazes de colocar nas mãos das autoridades, na altura de 20022003, o controle da evolução da razão dívida-PIB. O
Choque favorável e fim do círculo vicioso Já na fase 2003-2008, foram-se os choques desfavoráveis anteriores. O IBGE havia divulgado nova série do PIB com valores 10% acima dos da série anterior, e o crescimento do país passou a ser também impulsionado pelo forte aumento da demanda e dos preços externos de commodities agrícolas e minerais, configurando-se um inédito choque favorável para as economias produtoras dessas commodities. Graças ao choque de preços externos, ao cada vez maior ingresso de capitais, e à ausência de crises como as que ocorriam frequentemente até 2003, a disponibilidade de dólares aumentou fortemente, as taxas de juros internas e a taxa de câmbio passaram a cair seguidamente, enquanto as reservas internacionais aumentavam em ritmo elevado. Foi possível, então, reduzir rapidamente a parcela da dívida pública em dólares, até torná-la inferior ao estoque de reservas (isto é, a dívida pública líquida de reservas se tornou negativa a partir de um certo ponto). Em consequência, passamos de uma taxa
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média de crescimento do PIB um pouco abaixo de 3% a.a. para uma expectativa de crescimento potencial ao redor de 4,5% a.a., mesmo na ausência de reformas estruturais capazes de aumentar os saldos fiscais de forma sustentável. Por vários motivos, a receita pública passou a crescer a taxas mais elevadas que as do PIB, o que propiciou explicitar de forma mais clara a operação do velho “modelo” de crescimento dos gastos correntes, juntamente com alguma recuperação dos investimentos e com a obtenção de algum aumento dos superávits fiscais. Consequentemente, a razão dívida-PIB, em vez de continuar subindo, passou a cair sistematicamente, e afastou os temores relacionados com insolvência pública no Brasil.
Pressões de demanda, gargalos, inflação e juros altos De 2003 a 2008, e de 2010 até há bem pouco, o mundo testemunhou, então, um expressivo aumento da demanda por commodities e uma forte subida dos preços respectivos, que se somou ao forte impulso interno derivado dos gastos públicos correntes. Nesse quadro, o crescimento do consumo se espalha pelos vários setores da economia e tende a gerar os seguintes efeitos principais: redução do crescimento das exportações de commodities, forte aumento das importações de produtos industrializados (cujos
Os investimentos privados tendem, assim, a se concentrar em commodities e serviços em detrimento da indústria. As estatísticas disponíveis têm mostrado a grande perda de participação da indústria de transformação no PIB gerado no país nos últimos anos, algo que se costuma chamar de “desindustrialização”, com dramáticas consequências para a rentabilidade dos capitais e para o emprego industrial. Em que pese isso, é no setor de serviços que as carências de investimento se acumulam, porque, apesar da atração natural de investir nessa área que é dada pelo crescimento da demanda e pela impossibilidade de se atender a esse aumento via importações, é nele que se concentram as atividades de investimento nas quais o setor público predomina e nas quais há resistência política à entrada de capitais privados, mormente em transportes. E como o setor público concentra seus gastos em despesas correntes (além de haver uma forte resistência política ao aumento da participação privada em certos setores), verifica-se óbvio subinvestimento na infraestrutura brasileira, apesar de sua atratividade natural. (Enquanto isso, na China, com poupança excessiva, se dá o contrário: lá os analistas destacam um óbvio superinvestimento em infraestrutura). Não é por outro motivo que, mesmo tendo caído desde 2003, as taxas de juros continuam ainda tão elevadas no Brasil. Num certo ponto, o processo de queda empaca, exatamente quando o Banco Central é levado a subir de novo a taxa básica de juros, a Selic, diante de pressões inflacionárias oriundas do setor de serviços, que projetam uma inflação média acima do intervalo de metas. Isso atrai capitais de curto prazo do exterior que, em conjunto com os que vêm para comprar ou expandir empresas, além da aquisição de ações em bolsa, têm acentuado a tendência recente à apreciação cambial (redução do preço do dólar expresso em reais). A tendência à apreciação é retratada pelo aumento
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No Brasil, o crescimento econômico é puxado, basicamente, pelo consumo. Internamente, o crescimento do consumo é induzido, por sua vez, pela ação do setor público, que extrai uma elevada carga tributária comparativamente ao resto do mundo....
preços externos vêm caindo há vários anos com a inundação dos produtos de origem asiática), e pressões inflacionárias localizadas principalmente no setor de serviços. Essas pressões ocorrem em que pese a transferência de recursos da indústria local e do exterior para os setores de serviços e/ou commodities, cuja rentabilidade tende a aumentar em comparação à dos demais.
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dos preços dos setores que não comercializam com o exterior em relação aos preços médios dos segmentos que com ele comercializam. Em suma, os juros ainda não caíram mais porque, mesmo sem os choques externos ao estilo dos da fase pré-2003, que requeriam aumento dessas taxas para o país se contrapor aos choques cambiais, o crescimento da demanda agregada oriundo das fontes acima indicadas, e a partir de certo ponto, leva a pressões de preços excessivas no setor de serviços, onde se acumulam os conhecidos gargalos da área de transportes. Essas pressões são atenuadas pela queda dos preços externos da indústria e pela apreciação cambial, mas são reforçadas pela alta dos preços externos das commodities. O efeito líquido final tem sido o de produzir, numa certa altura, expectativas inflacionárias acima da meta oficial, o que leva, em seguida, à ação corretiva do Banco Central, ou seja, à elevação da taxa Selic até que as expectativas se redirecionem para o centro do intervalo de metas de inflação no período em que o BC considera aceitável que isso ocorra. Assim, ciclos de subida se seguem a ciclos de queda da taxa Selic, o que tem impedido que as taxas de juros em vigor no Brasil se aproximem mais das taxas médias internacionais. Nesses termos, a estimativa da taxa de crescimento sustentável do PIB aumentou, na fase 2003-2008, mas não tanto quanto poderia, passando dos 2,7% médios pré-2003 para cerca de 4,5% ao ano.
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Dada a demanda externa, a saída básica do problema dos juros altos e de o crescimento do PIB ficar abaixo do que se desejaria é aumentar o esforço de ajuste fiscal do país e, ao mesmo tempo, aumentar o peso dos investimentos, especialmente em serviços de transportes, no gasto público total, além de, obviamente, melhorar a qualidade daqueles, e de mudar a postura política pouco amigável em relação à entrada de capitais privados na infraestrutura. Dessa forma, abrir-se-ia maior espaço para os gastos privados se expandirem e reduzir-se-iam os gargalos existentes por insuficiência ou baixa qualidade dos investimentos públicos. A crise de 2008/2009 criou a oportunidade para uma acentuada queda nas taxas de juros internas, que não foi aproveitada integralmente pelo governo. Ao eclodir
a crise no Brasil em fins de 2008, houve forte queda da demanda externa por nossos produtos, o que levou à derrubada instantânea da produção industrial em vários países. Em vez de concentrar a reação à queda de demanda na recuperação da demanda privada, via basicamente uma forte queda da taxa Selic, o governo decidiu combinar maiores gastos públicos e forte desoneração tributária com alguma queda da taxa de juros, entre outras medidas de alívio monetário. Nesses termos, quando a crise se arrefeceu e a demanda agregada brasileira voltou a crescer mais, em pouco tempo retornaram as mesmas pressões inflacionárias do período precedente, e o Banco Central teve de subir a Selic antes que seu valor real tivesse alcançado níveis mais próximos dos de outros países emergentes. De 1996 a 2007, o consumo da maior economia, os Estados Unidos, cresceu em média a 3,6% ao ano, algo inédito na história daquele país. Isso puxou, conjuntamente com os demais países desenvolvidos, o forte crescimento do PIB chinês, entre 9 e 10% ao ano, na mesma fase. Passado o auge da crise, foi divulgada a estimativa preliminar de que o consumo americano teria crescido à média de 2,1% ao ano do final de 2009 até meados de 2011, o que demonstrou uma relevante recuperação da queda de crescimento do consumo observada anteriormente. (Entre o final de 2007 e o início de 2009, a taxa média estimada preliminarmente havia sido fortemente negativa: -2,2%). Diante da constatação que acaba de ser divulgada, de que, na verdade, o consumo daquele país cresceu bem menos desde 2008, o Banco Central brasileiro parece, agora, acreditar que se abrirá outra janela semelhante. Tanto que, ao risco de perda de reputação, mas amparado nas declarações oficiais de mudança da postura fiscal expansionista, resolveu iniciar a queda de juros, sem ter certeza de que haverá mesmo esse cenário. Os dois gráficos contêm informações recentes das expectativas de mercado, divulgadas semanalmente pelo Banco Central, sobre a inflação e sobre o PIB esperados em 2011-2015. Como se vê, diante do agravamento do quadro inflacionário que se detecta há alguns meses e das mudanças tanto do quadro externo como da reação de política interna, os analistas de mercado projetam piora da inflação e redução da taxa de crescimento esperada para o PIB.
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Gráfico 1: Expectativas de mercado sobre a inflação em 2011-15(em %)
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Gráfico 2: Expectativas de mercado sobre o PIB em 2011-15(em %)
Raul Velloso raul_velloso@uol.com.br
Economista formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Mestre pela FGV e Yale University. PhD em economia pela Yale University (1981). Professor da Uerj (1979-1980) e Escola Nacional de Administração Pública (Enap). No Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) foi Coordenador de Setores e de Áreas (1981-1984). No Ministério do Planejamento foi Secretário Nacional Adjunto (1990-1991) e Secretário para Assuntos Econômicos (1985-1989). Foi membro do Conselho de Administração do BNDES, da Embraer e do IBGE. Atualmente é consultor econômico de empresas, bancos, organismos multilaterais e entidades públicas, além de colunista dos jornais O Estado de São Paulo e O Globo.
Continuação da crise Carlos Eduardo de Freitas, José Fernando Cosentino Tavares e José Luiz Pagnussat Introdução O Grupo de Conjuntura vem estudando desde agosto o prolongamento da crise de 2008, assunto que foi escolhido como tema desta edição da Revista. Debateu-se, de início, sobre como tratar a questão: se como um segundo mergulho da economia mundial, desdobramentos da mesma crise, ou ainda, sua continuação. Em prol do consenso entre os participantes do grupo, ficamos com a “Continuação da Crise” . De qualquer forma, ainda não está descartado o segundo mergulho, entendido como uma nova recessão dos países ricos (caracterizada tecnicamente por queda do Produto Interno Bruto - PIB - em dois trimestres consecutivos), depois de uma curta recuperação da recessão de 2008/2009. Correm esse risco os Estados Unidos e principalmente a Europa, mesmo que se encontre uma solução ordenada para o problema da dívida soberana, porque os esforços de ajustamento terão inevitavelmente resultado recessivo. A China deverá moderar discretamente o ritmo de expansão econômica. No Brasil, as intenções do governo estão firmemente voltadas para garantir taxa de crescimento compatível com, digamos, as aspirações da população.
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Conjuntura
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Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), tem-se destacado como um dos teóricos da crise atual. Ele chamou a atenção para o processo de “desalavancagem” que a economia global está vivendo, rotulando de “grande contração”, e não de recessão, o prejuízo causado pela bolha dos ativos. Rogoff argumenta, com fundamento na análise 1
de crises anteriores com as mesmas características, que a única maneira prática para encurtar o período de desalavancagem e baixo crescimento seria uma inflação persistente, da ordem de 6% a.a., por vários anos, para transferir renda de credores para devedores. Segue-se uma síntese da análise dos principais cenários da crise econômica mundial, debatidos no Grupo de Conjuntura do Conselho, com foco na situação dos países da União Europeia, EUA e China e os reflexos para o Brasil.
Eurolândia As principais variáveis ou preocupações consideradas na análise do grupo foram o aumento do risco soberano com o crescente endividamento e déficits públicos de países europeus e a propagação da crise no sistema financeiro internacional como um todo, dada a exposição do sistema bancário europeu à dívida soberana da Zona do Euro, em especial de Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (PIIGS). Os dados fiscais mostram que a maioria dos países da Zona do Euro está com indicadores acima do limite estabelecido pelo Tratado de Maastricht para o déficit público (3% do PIB) e dívida pública (60% do PIB). Observa-se que esse descontrole fiscal surgiu, principalmente, após a crise financeira de 2008. Até 2007, a maioria dos países tinha déficits basicamente dentro do limite1, exceção à Grécia, que já apresentava déficit público elevado. Entretanto, a dívida pública bruta já se encontrava alta para a maioria dos países, com destaque para Grécia e Itália, que tinham dívida pública acima de 100% do PIB.
Itália e Portugal também apresentaram déficits fiscais acima dos 3% do PIB do Tratado de Maastricht a partir de 2001, embora não nos níveis da Grécia.
Pode-se dizer que havia até um conluio entre os países ricos da região e os mais pobres. Estes países têm déficits gêmeos, com saldos em conta-corrente muito negativos e garantiam os superávits dos primeiros. O fato é que alguns países se endividaram muito (setor público e/ou setor privado) com o advento do euro, e isso criou uma ilusão no mercado, como se esses países fossem parte daquela que é de fato a potência econômica da região, a Alemanha. Resultado: o mercado reduziu significativamente os prêmios de risco soberano desses países, o que favoreceu o endividamento. Após a crise de 2008, com a aceleração do endividamento e a ampliação do desequilíbrio das contas públicas dos países da região, há um temor de insolvência que envolve não só os países mais pobres (PIIGS), mas também os bancos dos países mais ricos. O aumento do déficit e da relação dívida/PIB, após 2008, decorre, em parte, do esforço fiscal empreendido, no sentido de neutralizar o processo recessivo que se instalou na maioria dos países europeus, além dos elevados custos de socorro às instituições financeiras em dificuldades, afetadas pela crise do subprime. A estratégia de enfrentamento da crise em 2008 e 2009 foi adotada de forma coordenada em âmbito mundial, com grandes pacotes de ajuda financeira, para neutralizar a propagação do colapso do sistema financeiro e evitar uma crise bancária de maiores proporções. Tinha o objetivo também de reduzir o
impacto da crise na economia real e assim evitar a depressão econômica. A conseqüência da estratégia de enfrentamento da crise foi um aumento significativo do endividamento público. Os países da Zona do Euro elevaram o seu déficit público médio de 0,7% do PIB em 2007 para 6,0% em 2010. A dívida pública pulou de 66,2% para 85,1%, no período. Observa-se, também, a deterioração das contas públicas de importantes países da União Europeia, do Japão e dos EUA. O déficit público do Reino Unido cresceu de 2,7% do PIB em 2007 para 10,4% do PIB em 2010 e a dívida pública quase dobrou, passando de 44,5% do PIB para 80%. O Japão teve elevação substancial do seu déficit (de 2,4 para 9,2% do PIB) e dívida pública (187,7% para 220% do PIB). O mesmo ocorreu com os EUA: o déficit cresceu de 2,7% para 10,3%, e a dívida de 62,3% para 94,4% do PIB no período. As previsões para 2011 são de continuidade do déficit e até de crescimento para alguns países, apesar das medidas de ajuste adotadas. Esse crescimento explosivo da dívida pública e as dificuldades de liquidez de algumas economias menores da Zona do Euro (Grécia, Irlanda e Portugal), além de economias de porte médio a grande (Itália e Espanha) afetaram a percepção do mercado quanto ao risco dos títulos públicos desses países, resultando numa crise de confiança que se prolonga desde o início de 2010 e se agrava nos últimos meses. Os mercados de dívida pública passam a apresentar alta instabilidade, com o risco soberano daqueles países se elevando substancialmente em 2010, e assumindo uma trajetória explosiva a partir de julho de 2011, com destaque para o caso da Grécia. Os spreads extremamente elevados determinam a ampliação dos custos da dívida pública e dificultam o esforço de ajustamento fiscal. A Grécia apresenta uma situação financeira mais complicada, o que obrigou o país, no primeiro semestre de 2010, a recorrer no primeiro semestre, a um pedido de ajuda ao FMI e aos demais países
2 Constatado o déficit excessivo, o Conselho da UE impõe um limite para a tomada de ações corretivas. As sanções podem ser impostas se não forem adotadas medidas corretivas num prazo de dez meses. A sanção consiste de depósito compulsório não-remunerado, composto por parcela fixa de 0,2% do PIB do país e uma parte variável com a dimensão do desvio do déficit. O depósito se transforma em multa caso o déficit excessivo não seja corrigido em dois anos.
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A Grécia, que deflagrou a crise e iniciou o efeito dominó, aparentemente não estava sendo monitorada pelas autoridades da Zona do Euro. Constata-se a ausência de mecanismos de coordenação fiscal e a nãoaplicação dos poucos mecanismos de controle, como as penalidades previstas no Pacto de Estabilidade e Crescimento, que previa limites para desencadear ações corretivas e sanções, como depósito compulsório inicial, convertido em multa de até 0,5% do PIB ao país que não estivesse cumprindo, por três anos consecutivos, o limite do déficit fiscal2.
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A Grécia, que deflagrou a crise e iniciou o efeito dominó, aparentemente não estava sendo monitorada pelas autoridades da Zona do Euro.
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da Zona do Euro. Ficou claro que a Grécia não tem condições de girar toda a sua dívida nas condições de mercado em que está colocada e que o caminho da austeridade não é suficiente, sendo necessário um plano de reestruturação. A falta de uma solução definitiva para o problema de insolvência da dívida grega agrava os temores do mercado e amplia a crise. O aumento do risco de crédito dos títulos soberanos de Portugal e Irlanda segue a trajetória da Grécia, e economias de maior porte da região, como Espanha e Itália, são atingidas. A crise também pode alcançar as duas principais economias regionais, dado o risco dos bancos que têm em suas carteiras títulos soberanos das economias em dificuldades. O Banco Central Europeu (BCE) vem atuando no mercado secundário para garantir liquidez aos títulos da dívida pública desses países. Estima-se que o BCE adquiriu 74 bilhões de euros de dívida soberana em 2010. Há, no entanto, ressalvas no seio da União Europeia sobre esse tipo papel do BCE3.
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Conjuntura
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Estados Unidos Os indicadores mais recentes da economia americana são moderadamente encorajadores em muitas áreas, mas aparentemente não têm repercutido nas previsões dos analistas econômicos porque a situação ainda incerta da crise da dívida soberana europeia domina as atenções. 3
Restrições estatutárias de financiamentos a governos.
Foi somente no começo de agosto que se resolveu o impasse entre Executivo e Congresso americanos a respeito do aumento do teto da dívida federal, que foi de US$ 2,1 trilhões, seguindose o rebaixamento da nota de crédito do governo. As soluções para conter o endividamento ainda estão por ser especificamente definidas, mas um corte de despesas – US$ 2,4 trilhões ao longo da próxima década – fez parte do acordo. Participantes das reuniões de conjuntura consideraram positivo o fato de o governo americano ter tido que, por fim, enfrentar os problemas de suas finanças públicas, e avaliaram como fiscalmente responsável a vinculação de meta para o gasto à ampliação do limite da dívida, embora talvez na hora errada. A combinação de impostos mais elevados e de menor oferta de serviços públicos contrai a demanda agregada, quando seria o momento de ampliá-la. Em reunião do grupo de conjuntura em setembro, lembrou-se que a recessão americana foi mais profunda do que se imaginava e a recuperação, de certa forma, decepcionante. A divulgação mensal pelo Bureau of Economic Analysis do Departamento de Comércio em 29 de julho último, de dados revistos das contas nacionais desde 2006, revelou que a recessão implicou queda do PIB em 2008 de 0,3%, e não pequeno crescimento como se havia calculado a princípio. Em 2009, o PIB americano caiu 3,5%, e não 2,9%. Tudo somado, do quarto trimestre de 2007 ao segundo de 2009, quando a recessão acabou, o PIB caiu 5,1%, e não 3,7% conforme os primeiros cálculos. Por outro lado, agora em 29 de setembro de 2011 a estimativa é de que o PIB americano tenha crescido 3% em 2010, melhor que a aferição anterior. Já os dados do segundo trimestre de 2011 apontam alta de apenas 1,3% em relação ao primeiro, abaixo das expectativas, de 1,8% a 2%. No primeiro tinha crescido só 0,4%, contra o último trimestre de 2010. O crescimento no primeiro semestre de 2011 foi contido por uma combinação de desastres climáticos, combustível caro e interrupções no fornecimento de matériasprimas, depois do terremoto japonês. O consumo dos indivíduos nos EUA responde por 70% do PIB, e desacelerou drasticamente no segundo trimestre.
Os preços dos imóveis residenciais estão nos níveis
baseados predominantemente em medidas de política
de 2002, e a queda de preços foi da ordem de 50% em
monetária que mesmo o Federal Reserve (Fed) reconhece
regiões da Flórida, Califórnia, Nevada e Arizona. Detroit
como pouco eficazes. Os instrumentos dessa política,
também sofreu. Estimava-se até agosto de 2011 que
de acordo com a teoria, afetam a disponibilidade e o
havia 11 milhões de casas cujo saldo devedor era mais
custo do dinheiro e do crédito - que o americano não
alto que o preço de mercado (underwater mortgages), e
está tomando. Segundo o comunicado para a Imprensa
que o estoque de hipotecas executadas pelos bancos
de 21 de setembro passado, o Fed decidiu, em lugar
corresponde a 2 milhões de imóveis que não foram
do terceiro afrouxamento monetário (QE3), alongar o
relançadas à venda no mercado. A persistir a tendência
prazo de vencimento médio dos papéis de sua carteira,
atual, o preço das casas pode cair mais.
trocando, mediante compra e venda, até junho de
Segundo um relatório de pesquisa de janeiro de
2012, US$ 400 bilhões de títulos do Tesouro em poder
2011 do New York Federal Reserve (Household Debt and
do público maturando de 6 a 30 anos, pelo mesmo
Saving During the 2007 Recession), temos que (tradução
montante com vencimento em 3 anos ou menos, para
nossa) “quando o preço das residências começou a cair
pressionar para baixo taxas de juros de mais longo
no outono de 2007, o patrimônio em propriedades
prazo. Em 3 de outubro, com a primeira compra pelo
imobiliárias começou a decrescer rapidamente de
Fed, de US$ 2,5 bilhões, o rendimento dos títulos de 30
quase US$ 13,5 trilhões no primeiro trimestre de 2006,
anos caiu para 2,73%, o menor desde janeiro de 2009.
para pouco menos de US$ 5,3 trilhões no primeiro
Uma atitude controversa do banco central americano foi a de, na mesma ocasião, anunciar que manteria a meta da taxa básica de juros entre zero e
trimestre de 2009, declínio de mais de 60%. Ao fim de 2009, o patrimônio era estimado em US$ 6,3 trilhões, mais de 50% abaixo do pico de 2006.”
0,25%, e que provavelmente asseguraria esses níveis
A casa era forma de poupança usada para a
excepcionalmente baixos de juros ao menos até
aposentadoria, universidade dos filhos e compras caras.
meados de 2013, porque antevia baixo uso de crédito
Essa alavancagem contribuiu para a crise do crédito na
e inflação controlada no médio prazo. O objetivo dessa
medida em que os indivíduos não conseguiriam cobrir
elevar os juros básicos imediatamente se a economia entrasse num ritmo mais vigoroso em 2012 e 2013. Os elementos da crise americana foram trazidos à discussão no grupo, e a conclusão foi de que a economia continua esbarrando nos mesmos obstáculos de demorada superação que enfrentava em 2008. O principal deles é o endividamento excessivo das famílias. A crise destruiu riqueza que não tinha sido realizada. Na etapa de acumulação dessa riqueza, no mesmo passo da bolha, os indivíduos se endividaram, comprometendo a renda futura, e o grau de alavancagem atingiu 130% da renda disponível em 2007. A crise de 2008 fez a riqueza das famílias voltar, na melhor das hipóteses, ao nível em que estava antes da formação da bolha dos ativos, o que passou a exigir pesados sacrifícios de consumo para servir dívidas agora muito mais altas.
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os custos dos financiamentos imobiliários quando os preços das propriedades entraram em colapso.
Os elementos da crise americana foram trazidos à discussão no grupo, e a conclusão foi de que a economia continua esbarrando nos mesmos obstáculos de demorada superação que enfrentava em 2008.
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medida foi de assegurar aos empresários que não iria
julho / setembro / 2011
Os novos estímulos para a retomada são incertos,
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O desemprego, elemento fundamental da política econômica norte-americana e decisivo nos embates eleitorais, continua elevado, reduzindo a massa salarial e o consumo das famílias. Em dezembro de 2007, o desemprego representou 5% dos trabalhadores de 16 anos ou mais. Em outubro de 2009, no seu mais alto nível, era de 10,1%. Durante 2010, oscilou mensalmente entre 9,5% e 9,8%. Em 2011, a tendência foi de queda moderada, chegando a 8,8% em março, e em agosto atingia 9,1% dos indivíduos economicamente ativos. Indivíduos com mais de 65 anos continuam a trabalhar porque seus ativos perderam valor, inclusive seus fundos de pensão. Também temem cortes em programas assistenciais. Trabalhadores mais novos têm que aceitar baixos salários para entrar no mercado. Grosso modo, estima-se que 5 milhões de americanos ficaram sem emprego por mais de um ano, perdendo o seguro desemprego e onerando suas famílias. O desemprego aumenta as despesas de governo para assistir os necessitados. O déficit federal e o acordo sobre o limite da dívida reduziram a possibilidade de um novo pacote de estímulo fiscal. As medidas de austeridade nos EUA não estão restritas ao governo federal. Estima-se que estados e governos locais cortarão 450.000 postos de trabalho este ano e no próximo. Em diversos estados americanos, governadores e sindicatos de servidores públicos litigam a respeito de salários e de benefícios trabalhistas. Califórnia e Nova Iorque incorrem em déficits elevados e pagam juros altos na colocação de títulos.
A evolução do comércio externo da China mostra uma trajetória de crescimento acelerado na última década. As exportações subiram de US$ 249 bilhões em 2000 para US$ 1,58 trilhões em 2010 e as importações seguiram o mesmo ritmo, passando de US$ 225 bilhões para US$ 1,4 trilhões. A participação da China na corrente de comércio mundial passou de 3,7% para quase 10% no período. Neste ano de 2011 o comércio chinês vinha batendo recordes até julho, mas reduziu o crescimento a partir do final de agosto. No primeiro semestre, as exportações chinesas registraram crescimento de 24% em relação ao mesmo período de 2010, totalizando US$ 874,3 bilhões; as importações cresceram 28%, para US$ 829,4 bilhões, resultando em um superávit comercial de US$ 44,9 bilhões, que representa queda de 18,2% em relação ao mesmo período do ano passado. O crescimento das exportações em agosto foi de 24,5% e em setembro 17,1% sobre os mesmos meses de 2010. As importações aumentaram 30,2% em agosto e 20,9% em setembro. Não obstante a crise do subprime seguida da crise do euro, o comércio externo da China tem se mantido elevado. Não se dispõe de elementos de convicção para interpretar a redução das taxas de crescimento do comércio exterior chinês no mês de setembro último como indicativos de perda de dinamismo. Aliás, os mais recentes prognósticos de expansão do PIB divulgados pelo FMI, de setembro de 2011, sugerem maior dinamismo dos principais centros econômicos do planeta no biênio 2011/2012 quando comparados com os números do triênio 2008/2010, como segue:
China A China se constituiu na locomotiva da economia mundial nos últimos anos e deverá se manter com taxas
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¨ PIB acumulado triênio 2008/2010
¨ PIB acumulado biênio 2011/2012
de crescimento mais elevadas que os Estados Unidos
Estados Unidos
-0,9%
3,3%
e a União Europeia. O FMI reduziu em apenas 1/10 de
Eurolândia
-2,2%
2,7%
ponto de percentagem o prognóstico de crescimento
Japão
-3,7%
1,8%
da China para 2011, que se mantém elevado: 9,5% em
Fonte: IMF, World Economic Outlook, September 2011.
2011 e 9,0% em 2012. Observa-se, entretanto, a redução
considerando que os três principais mercados (EUA, UE
Isto significa que em 2012 a economia americana deve apresentar um PIB 2,4% maior que o PIB de 2007; a Eurolândia ficaria basicamente no mesmo lugar, com um crescimento de 0,5%; apenas o Japão teria um PIB
e Japão) vão crescer menos.
2% menor em 2012 do que o de 2007.
de crescimento de alguns setores da indústria chinesa, e certamente haverá uma redução das exportações,
forma decisiva para a reação à crise global. Hoje a China está ainda numa posição forte, mas aparentemente tem menos munição do que tinha em 2008-2009, dada a grande expansão da base monetária chinesa (estima-se em 50%) nos últimos dois anos e as pressões inflacionárias (o FMI estima em 5,5% a inflação chinesa em 2011). Mas a dívida pública é baixa, menos de 30% do PIB (26,9%, segundo a previsão do FMI para 2011). Uma valorização do renminbi ajudaria a conter as pressões inflacionárias na China, ao mesmo tempo em que abriria espaço para estimular as exportações norte-americanas e europeias, de forma a contribuir para o equilíbrio da economia mundial.
Desdobramentos e perspectivas A crise atual é continuação da crise financeira cujos primeiros sinais mais claros apareceram no verão de 2007 (Hemisfério Norte), ligados a inadimplências nos empréstimos hipotecários de risco mais elevado (financiamentos subprime) e quedas nos preços dos imóveis. Os desdobramentos da quebra de confiança que se seguiu nos mercados financeiros internacionais foram
gradualmente
desnudando
a
fragilidade
sistêmica das instituições, até que a quebra do banco de investimento americano Lehman Brothers desencadeou o colapso de crédito que levou à forte contração econômica mundial em 2008-2009. Segundo o World Economic Outlook do FMI, de setembro de 2011, de fato não se podia esperar que a recuperação de 2010 nos países avançados se prolongasse no mesmo diapasão, até porque ela se seguiu a um biênio de contração. Contudo, ainda de acordo com aquele documento, quatro fatores determinaram desaceleração maior que a prevista: a) Europa: agravamento dos problemas das dívidas soberanas, em função de dificuldades políticas e técnicas para o encaminhamento de soluções, bem maiores do que se esperava. b) Estados Unidos: a demanda do setor privado
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Uma valorização do renminbi ajudaria a conter as pressões inflacionárias na China ao mesmo tempo em que abriria espaço para estimular as exportações norte-americanas e europeias...
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interna e puxou a economia mundial, contribuindo de
não reagiu no ritmo esperado. Ao mesmo tempo, a demanda do governo está inibida pelo aumento da dívida pública e do déficit, e pelas pressões da Direita norte-americana, que é politicamente forte. a) Japão: adversidades climáticas seguidas de grave acidente nuclear.
b) Petróleo: movimentos pró-democracia no Oriente Médio colocaram em xeque ditaduras pró e contra o Ocidente. Isso quebrou o equilíbrio de poder preexistente, criando novas tensões políticas que determinaram evolução altista no preço do petróleo acima das expectativas. O próprio FMI reconhece que esses dois últimos fatores tiveram efeitos temporários, já praticamente esgotados. Os impasses nos Estados Unidos devem evoluir para uma recuperação econômica lenta e gradual. A economia norte-americana conta com a vantagem da flexibilidade e do domínio da técnica e da ciência nas fronteiras do conhecimento. Na China, as pressões inflacionárias, ainda tímidas, mas renitentes e crescentes, podem estar sugerindo que a política cambial de manter o renminbi subvalorizado esteja se tornando contraproducente: a poupança chinesa, embora elevadíssima, pode estar se tornando insuficiente para continuar a bancar
julho / setembro / 2011
Em 2008 e 2009 a China impulsionou a absorção
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Foto: Camila Fiorese
O BCE também poderia paralelamente assegurar liquidez aos papéis daqueles dois países, lembrando-se, no entanto, que, embora absurdas nas circunstâncias, existem restrições a movimentos desse tipo sob a alegação de que o Banco estaria a financiar governos. A dúvida maior seria a Itália, com uma dívida pública da ordem de US$ 2,5 trilhões projetada para o final de 2011, equivalente a algo próximo de 130% de seu PIB.
o grande volume de investimentos no exterior, em virtude da expansão dos investimentos domésticos. Tudo no mundo das hipóteses, mas se isso
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Conjuntura
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Martim Wolf (editor e principal comentarista econômico do Financial Times) 5 sublinha o fato de que o déficit estrutural previsto para a Itália em 2012 seria de somente 1,1% do PIB (2,6% é a previsão do déficit efetivo, conforme a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, também um número baixo).
for verdade, um eventual movimento chinês de depreciação do renminbi pode ajudar sobremaneira na recuperação da economia mundial, e principalmente a própria China a consolidar sua posição de grande potência econômica e política do século XXI.
Um exercício singelo, sem ambicionar exatidão, para tão somente dar uma idéia mais objetiva das ordens de grandeza envolvidas, sugere que uma solução abrangente, entendida como suficiente para tranqüilizar o mercado financeiro internacional, não parece ser viável no momento. Supôs-se que:
O problema mais complicado é a Europa, e o grande ponto de interrogação é se a União Europeia conseguirá equacionar a sua crise financeira.
a) Se retirassem do mercado 50% da dívida pública grega e 25% das dívidas públicas da Irlanda e de Portugal.
O problema pode se colocar basicamente da seguinte maneira: Portugal, Irlanda e principalmente Grécia não têm como servir integralmente suas dívidas públicas nos termos em que estão colocadas. São necessários descontos (hair cuts, no jargão do mercado financeiro), que podem tomar diferentes formatos: reduções de principal, refinanciamentos de juros, redução de encargos, alongamentos de prazos, etc.4.
b) Além disso, fossem oferecidas garantias ou o próprio funding para assegurar as captações novas necessárias da Itália e da Espanha, para 2011 e 2012.
Itália e Espanha talvez consigam manter o giro comercial de suas dívidas públicas se tiverem apoio do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (European Financial Stability Facility - EFSF, na sigla em inglês) para garantir suas necessidades de dinheiro novo,agora,e por mais um ou dois anos, isto é, até 2012 ou 2013, sempre e quando conseguirem reduzir seus déficits fiscais.
4
Essa alternativa demandaria recursos de aproximadamente US$ 660 bilhões. Ora, a EFSF dispõe de uma capacidade de crédito de € 440 bilhões, equivalentes a US$ 610 bilhões, portanto insuficientes para enfrentar o desafio colocado por este cenário. Ainda mais porque € 8 bilhões (US$ 11 bilhões) foram comprometidos com apoio já oferecido a Portugal. Haveria, portanto, um déficit da ordem de US$ 60 bilhões. E mais ainda, não seria possível esgotar os recursos do Fundo Europeu de Estabilização Financeira de uma só vez. Seria necessário manter um colchão de recursos
O Plano Brady é um bom exemplo. Permite, inclusive, o estudo de diferentes menus tendo como base a receita fundamental: redução das dívidas que, reconhecidamente, haviam se tornado impagáveis. 5 Wolf, M. “Não há futuro ensolarado para o euro”, Valor, p. A13, 19/out/2011.
O cenário que se vislumbra seria o de uma contemporização (muddling through), estratégia que deu certo na crise da dívida da América Ibérica e de outros países de renda média no início da década de 1980. A chave do sucesso da estratégia residiu na posição financeira confortável dos Estados Unidos e demais centros financeiros internacionais – Reino Unido, Alemanha, Suíça, Japão e França. Havia absoluta confiança de que o problema não sairia de controle. Apesar de impasses transitórios, os países devedores foram cooperativos e o FMI avalizou acordos de ajuste fiscal e de balanço de pagamentos que eram sucessivamente assinados, descumpridos, reformulados, novamente celebrados e descumpridos. Mas essa coreografia era importante para adiar a necessidade de que os supervisores bancários dos países credores exigissem provisões dos bancos. Isto foi mantido até basicamente a moratória brasileira de fevereiro de 1987, quando o Citibank
Agora, entretanto, a confiança de que o problema europeu não sairá de controle é menor do que na crise de 1982. Saiu de controle na crise argentina em 2001, que acabou numa reestruturação unilateral com significativa redução da dívida e muita reclamação dos credores. Mas, nesse caso, não houve contaminação, e o default ficou encapsulado, não evoluindo para nenhuma crise bancária. Além disso, a robustez financeira das potências econômicas permitiria neutralizar quaisquer ameaças sistêmicas. Isto tudo nada obstante, a evolução da crise europeia sugere que algo do tipo de uma contemporização deverá ser o cenário esperado. A Zona do Euro sob a liderança de França e Alemanha provavelmente gerenciará a crise dia-a-dia; evitará falências bancárias (vide o caso do grupo financeiro belga Dexia); propiciará liquidez às dívidas se e quando necessário; integrará o FMI no processo, apesar das ressalvas norte-americanas; negociará os ônus de cada parte: países devedores, bancos credores e países credores; oferecerá eventualmente garantias para dinheiro novo via EFSF, e assim por diante.
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O cenário que se vislumbra seria o de uma contemporização (muddling through), estratégia que deu certo na crise da dívida da América Ibérica e de outros países de renda média no início da década de 1980.
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Se este colchão fosse, digamos, de € 220 bilhões (US$ 305 bilhões) seria necessária nova chamada de recursos, que não seria pequena. Lembremos que a capacidade de crédito da EFSF de € 440 bilhões implicou um suporte de garantias dos países da área do euro de € 780 bilhões (US$ 1,084 bilhões). Assim, o esforço adicional de uma realimentação de capital da EFSF de € 220 bilhões exigiria empenho de mais € 390 bilhões (US$ 542 bilhões) em termos de dívidas contingentes dos países do euro. Este valor corresponde a 11,5% das dívidas de França e Alemanha somadas em 2010. Esses dois países, economias centrais do euro, estavam com suas dívidas públicas já elevadas em 2010 – 94% do PIB no caso da França e 87% no caso da Alemanha. Os passivos financeiros devem ter aumentado na sua relação com o PIB ao longo de 2011. Daí a visível hesitação de ambos os governos nos movimentos de equacionamento das dívidas das economias menos dinâmicas da Zona do Euro, considerando as inevitáveis tergiversações dos países menores.
anunciou a constituição de provisões para a dívida do Brasil.Dois anos depois,em março de 1989,foi anunciado o Plano Brady.Os descontos das dívidas abriram caminho à solução definitiva do problema, consolidada com o retorno dos fluxos internacionais de capitais àqueles países e a redução das taxas de juros internacionais.
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para a eventualidade de que mesmo um movimento abrangente como o que aqui se sugeriu se mostrasse insuficiente para restabelecer a normalidade do mercado financeiro internacional.
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Será um processo desgastante, com dias melhores e dias piores. Embora isto seja característica das crises financeiras, na situação específica os temores são maiores dada a fragilidade dos centros financeiros mundiais, que afinal foram o epicentro da crise. Paulatinamente, os ajustes nas economias mais frágeis produzirão efeitos, a produtividade poderá ir se recuperando e o problema irá sendo resolvido. O que é fundamental é que se evite um colapso bancário sistêmico, que pode advir da falência de um banco no meio do caminho (exemplo do Lehman Brothers), ou de uma hipotética moratória unilateral intempestiva por parte de um devedor relevante, com ou sem abandono do euro. As conseqüências, aliás, seriam basicamente as mesmas, numa ou noutra hipótese. Com abandono do euro e retorno à antiga moeda, a desvalorização cambial, inevitável, levaria: a) À insolvência dos bancos residentes;
A situação praticamente caótica advinda do abandono da moeda comum implicaria prejuízo maior para o devedor do que negociar termos menos leoninos com os credores e enfrentar as reações da sociedade às medidas de redução nominal de salários e preços. E isso parece compreendido por eles: não há notícia de que haja qualquer intenção de caminhar nesse sentido.
Impactos no Brasil Abandonando-se o cenário de catástrofe induzida por um colapso bancário em cadeia, o impacto sobre a economia brasileira provavelmente não será agudo como o que ocorreu no último trimestre de 2008, porém será mais prolongado. O Copom antecipa reflexos em nossa economia via comércio, preços das importações e volatilidade externa. Um impacto negativo no crescimento equivalente a 1,25 ponto de percentagem do PIB.
b) À insolvência dos bancos não-residentes. Antes o governo não tinha os euros. Depois do retorno à moeda de origem, recuperaria o poder de emissão, mas não de assegurar o poder aquisitivo da moeda em termos de euros;
O BC já baixou os juros em 100 pontos básicos até
c) De “a” e “b” acima resultaria a inadimplência com os bancos não-residentes.
A hipótese que parece mais plausível é que, por um
A vantagem do abandono do euro seria possibilitar a desvalorização real “por fora”, mais fácil de gerenciar que a sofrida desvalorização cambial por “dentro”, que exige flexibilidade de salários e preços. O câmbio flutuante, ao contrário do fixo, permite que os salários e preços nominais permaneçam constantes, mas percam poder aquisitivo externo (desvalorização da taxa de câmbio) e interno (inflação induzida pelo câmbio).
agora, confiando em que as políticas fiscal e de crédito público em 2012 não serão expansionistas, apesar do quadro orçamentário já prejudicado pelo aumento do salário mínimo.
período mais ou menos longo, o Brasil se verá diante de uma economia mundial de baixo crescimento, ainda que sem recessão. Isso significa um interregno na corrente de enriquecimento condicionada pelos ganhos nas relações de troca no comércio internacional. Pode-se esperar um período de relações de troca basicamente estáveis e mercados relativamente voláteis para as exportações.
Revista de
Conjuntura
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Note-se que essa desvalorização é fundamental para restabelecer o equilíbrio macroeconômico quebrado pelo excesso de endividamento. Ela tem que ocorrer de uma forma ou de outra. A contraindicação do abandono do euro é que tal curso de ação precipitaria um colapso bancário de conseqüências imprevisíveis, consideradas as possibilidades de contágio. Medidas de sustentação formidáveis seriam requeridas, e os centros financeiros não parecem preparados para isso, ou o fariam à custa de pressões inflacionárias fortes.
Possivelmente haverá disponibilidade de liquidez internacional para investimentos no país, não obstante o sistema bancário internacional deva continuar avesso ao risco. Um canal de transmissão da crise poderá, portanto, ser a contração internacional de crédito. Em 2008, alguns bancos brasileiros de pequeno e médio portes tiveram dificuldades em renovar suas linhas de financiamento. Muito pode ser lido sobre os instrumentos usados então para “desempoçar” a liquidez externa e interna.
Na visão oficial, a nova oportunidade de redução dos juros sem colocar em risco o controle inflacionário é benigna para a economia brasileira. A Selic ficou inalterada no último trimestre de 2008, quando a atividade econômica entrou em colapso, e a queda da taxa parou em 8,75% a.a. Críticos da orientação recente da política monetária lembram que o preço internacional das commodities caiu pouco e que o real se depreciou em mais de 60% entre agosto e dezembro de 2008, alimentando a inflação. O corolário é que, nesse novo contexto, a capacidade de crescimento da economia brasileira deve reduzir-se para algo na faixa de 3 a 3,5% a.a. Medidas de reforço
Carlos Eduardo de Freitas carlos.freitas@corecondf.org.br Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1966) com mestrado em Economia pela EPGE/FGV (1970). Foi Diretor do Banco Central (Área Externa - 1985 a 1988 / Área de Liquidações e Desestatização - 1999 a 2003) e
da poupança, maiormente na área estatal, seriam
Secretário de Política Econômica (1993).
bem-vindas para ampliar o potencial de expansão
Conselheiro do Corecon-DF
do PIB. Contudo, isto atrapalharia o aprofundamento das políticas de redistribuição de renda, que já estariam sendo prejudicadas pela ausência de ganhos cumulativos nas relações de troca. O governo vem anunciando que pode superar essa nova conjuntura que se anuncia adversa, com mais absorção (consumo e investimento), ou seja, estimulando o mercado interno. Entretanto, ao contrário da China, este curso de ação afigura-se
José Fernando Cosentino Tavares
arriscado no caso brasileiro: o mais provável é que
Wjose.tavares@camara.gov.br
traga mais inflação e desequilíbrios de balanço de
Economista e consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados.
pagamentos. Parafraseando Martin Wolf, o horizonte à frente não parece tempestuoso, mas também não é ensolarado.
Referências bibliográficas IMF - International Monetary Fund. Fiscal monitor Addressing Fiscal Challenges to Reduce Economic Risks. Washington, D.C.: International Monetary Fund, September 2011
José Luiz Pagnussat jose.pagnussat@enap.gov.br
IMF - International Monetary Fund. World Economic
Mestre em economia pela Universidade de Brasília. Conselheiro do
Outlook - a survey by the staff of the International
Conselho Regional de Economia do DF. Professor da Enap – Escola
Monetary Fund. Washington, DC: International Monetary Fund, September 2011
Nacional de Administração Pública e da UDF – Centro Universitário do Distrito Federal. Ex-presidente do Corecon-DF (1990, 1994 e 2009/10), do Cofecon 1996) e da ANGE (1999/2001).
Não quebre a corrente!
O Corecon/DF defende os interesses da categoria e trabalha pela valorização dos economistas. Mas, para que esta luta seja bem-sucedida, é importante a participação de todos. Visite o seu Conselho. Critique. Dê sugestões.
Participe!
A conquista é de todos.
Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DF SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br