Revista de Conjuntura, n. 42

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ARTIGOS Qualidade das instituiçþes e crescimento econômico $GROIR 6DFKVLGD

Combate Ă Inação $PLU .KDLU

Complexo Eco-empresarial ou Eco-parque industrial - Uma forma de organização empresarial sustentåvel 3DXOR /LPD

XXII SINCE 2010: Desenvolvimento Econômico com Justiça Social

HĂĄ razĂľes para duvidar que a dĂ­vida pĂşblica no Brasil ĂŠ SustentĂĄvel? 6ĂŠrgio Gobetti e Bernardo Schettini

EstratĂŠgias para um novo ciclo de desenvolvimento: Uma visĂŁo do Conselho de Desenvolvimento EconĂ´mico Esther Bemerguy e Maria Luiza FalcĂŁo

O milagre da multiplicação dos pães -RVp (XVWiTXLR 5LEHLUR 9LHLUD )LOKR

A inuĂŞncia econĂ´mica nas eleiçþes presidenciais )HOLSH 2KDQD

A crise na Europa e os dilemas da Espanha -RVp /XLV 2UHLUR

AnĂĄlise do Projeto de Lei Complementar - PLP 549/09

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ENTREVISTA 7kQLD %DFHODU IDOD VREUH DV SROtWLFDV S~EOLFDV H RV GHVDILRV SDUD R GHVHQYROYLPHQWR UHJLRQDO EUDVLOHLUR

O SINCE ĂŠ um evento que alĂŠm de promover o debate sobre a estrutura e conjuntura econĂ´mica, polĂ­tica e social do paĂ­s, examina e debate questĂľes relativas Ă atuação e aperfeiçoamento do Sistema COFECON/CORECONs e Ă atuação proďŹ ssional dos economistas.


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HĂĄ razĂľes para duvidar que a dĂ­vida pĂşblica no Brasil ĂŠ SustentĂĄvel?

XXII SINCE: Desenvolvimento Econômico com Justiça Social

6ĂŠrgio Gobetti e Bernardo Schettini

EstratĂŠgias para um novo ciclo de desenvolvimento: Uma visĂŁo do Conselho de Desenvolvimento EconĂ´mico

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Esther Bemerguy e Maria Luiza FalcĂŁo

O milagre da multiplicação dos pães

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A inuĂŞncia econĂ´mica nas eleiçþes presidenciais

Tânia Bacelar

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A crise na Europa e os dilemas da Espanha

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Editor responsável José Luiz Pagnussat Conselho editorial Maurício Barata de Paula Pinto Newton Ferreira da Silva Marques Humberto Vendelino Richter Oscar Henrinque Belo Santos Elder Linton Alves de Ataújo Tito Belchior Silva Moreira Carlos Eduardo de Freitas José Fernando Cosentino Tavares José Roberto Novaes de Almeida Jornalista responsável Camila Fiorese (Reg. DRT/DF: 7851) Redação Camila Fiorese Editoração eletrônica Camila Fiorese Tiragem: 4.000 Periodicidade: trimestral As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF Presidente José Luiz Pagnussat Vice-presidente Jusçanio Umbelino de Souza Conselheiros efetivos Mônica Beraldo Fabrício da Silva Maurício Barata de Paula Pinto Homero Gustavo Reginaldo Lima José Luiz Pagnussat Jusçanio Umbelino de Souza Humberto Vendelino Richter Carlos Eduardo de Freitas Oscar Henrique Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira Conselheiros suplentes Guilherme Costa Delgado Newton Ferreira da Silva Marques Victor José Hohl Érton Birk Teixeira Diones Alves Cerqueira Ronalde Silva Lins Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira Miguel Rendy Elder Linton Alves de Araujo Conselheiro Federal pelo DF Júlio Miragaya Gerente Executivo Geraldo Andrade da Silva Equipe do Corecon Angeilton Francisco Lima Faleiro Iraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares Estagiário José Luiz Cordeiro Cruz End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília/DF Tel: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo)

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O Conselho Regional de Economia do DF (CORECON/DF), em parceria com o Conselho Federal de Economia (COFECON), realizará o XXII Simpósio Nacional dos Conselhos de Economia – SINCE no período de 1º a 3 de setembro de 2010, no Carlton Hotel em Brasília. O XXII SINCE terá como tema central o “Desenvolvimento Econômico com Justiça Social”. O evento, além de promover o debate sobre a estrutura e conjuntura econômica, política e social do país; deverá examinar e debater questões relativas à atuação e aperfeiçoamento do Sistema COFECON/CORECONs e à atuação profissional dos economistas; estabelecer linhas de ação conjunta dos Conselhos Regionais e Federal; e debater os assuntos referentes à formação profissional e o mercado de trabalho dos economistas. A expectativa é que o XXII SINCE aprove diretrizes que orientem a preparação de um projeto de reformulação dos Conselhos de Economia no sentido do fortalecimento da profissão de economista e que promova as mudanças institucionais necessárias para a continuidade a longo prazo de nossas entidades. Tais ajustes na legislação e na organização dos conselhos são urgentes para fortalecer o efetivo cumprimento da missão do Sistema COFECON/CORECONs de atuar para o progresso e valorização da profissão de Economista, por meio da defesa dos princípios éticos e da competência técnica no exercício profissional do Economista. Certamente este SINCE será um marco na evolução dos Conselhos de Economia e do exercício da profissão de Economista, considerando as transformações do mercado de trabalho; as novas exigências de formação em economia, que se caracteriza pela ampliação horizontal da área da economia, com a consolidação de inúmeros campos do saber relacionados, e pela diversidade de níveis de formação em economia, seja o “tecnólogo”, o “graduado”, o “especialista” com mestrado e doutorado. Os Conselhos de Economia não podem mais ignorar que há uma demanda por uma diversidade de profissionais com conhecimentos de economia. A verdade é que a sociedade reconhece como “economistas” muitos profissionais que não são registrados nos Conselhos por desatualização da nossa legislação. Este é o caso de muitos professores doutores em economia com elevada reputação na nossa área, mas que, por não serem graduados em economia, não têm o registro no Conselho. Por outro lado, o mercado de trabalho de alguns campos do saber da área de economia se fortaleceu nas últimas décadas e os Conselhos não atenderam as novas demandas de organização e fiscalização profissional. Este é o caso da área financeira e de mercado de capitais, que buscou organizações alternativas para cumprir atribuições típicas dos Conselhos. O SINCE será a oportunidade de aprofundarmos esse debate e construirmos novos rumos para a nossa profissão. O XXII SINCE há de ser, também, o momento de debate de propostas para mudar o Brasil e a oportunidade de lançamento dos grandes pilares de um projeto para o País de “Desenvolvimento Econômico com Justiça Social”, tema central do evento. Enfim, fica o convite aos economistas para participar dos debates e grupos de trabalho do XXII SINCE.


ENTREVISTA

Tânia Bacelar

Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional Especialista em desenvolvimento regional, a economista e socióloga, Tânia Bacelar, fala em entrevista à Revista Conjuntura, dos principais aspectos do desenvolvimento territorial brasileiro, como os desequilíbrios regionais e também das experiências acumuladas durante os 20 anos que atuou na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Tânia Bacelar de Araújo tem mestrado em Diploma de Estudos Aprofundados - D.E.A. pela Universidade de Paris I, Panthéon-Sorbonne (1977) e doutorado em Economia Pública, Planejamento e Organização do Espaço pela Universidade de Paris I, PanthéonSorbonne (1979). Foi secretária de Planejamento e da Fazenda do estado, entre 87 e 90, e secretária de Políticas de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração Nacional no início do governo Lula. Atualmente é professora da Universidade Federal de Pernambuco e Presidente do Conselho Deliberativo do Centro Internacional Celso Furtado. Foi conselheira do COFECON - Conselho Federal de Economia.

Tânia Bacelar - Eu trabalhei na SUDENE de 1966 a 1986 e na minha opinião existiram duas SUDENEs: a de Celso Furtado que foi de 1959 a 1964; e a do período militar e do começo da democratização. Essas duas têm diferenças importantes.

Nordeste. Não era uma proposta revolucionária, mas reformista. Por exemplo, na Zona da Mata a idéia era reduzir o peso da cana e aumentar o peso da produção de alimentos, o que ainda hoje é um desafio para a região, pois o Nordeste continua sendo uma região importadora de alimento. Então era uma mudança estrutural. Ela não falava abertamente em reforma agrária, mas a proposta pressupunha uma mudança importante no uso da terra. Quebrar o monopólio da cana no uso da terra. Mas infelizmente não houve mudanças. A mudança foi na direção oposta, pois com o pró-álcool, em 1974, a área plantada de cana na Zona da Mata dobrou. Não aconteceu o que ele propunha.

A SUDENE de Furtado tinha um projeto reformista: ela queria mudar as estruturas mais importantes do

No Maranhão, ela trouxe o Estado para a região Nordeste, porque para o Instituto Brasileiro de Pesquisa e

Conjuntura – Nos fale sobre sua experiência que adquiriu durante os vinte anos que atuou na SUDENE?


Piauí. Porque o Maranhão era pouco ocupado e era uma área de transição entre o bioma do semi-árido e o bioma da Amazônia e o sonho de Furtado era levar a produção de alimentos para lá que tinha terra fértil, água, pequena densidade demográfica e podia cumprir um papel de abrigar nordestinos que viessem do semi-árido para lá. Já havia uma migração espontânea do semi-árido do Nordeste, porque um dos problemas é que o semi-árido nordestino é o mais densamente povoado do mundo. E Furtado tinha uma proposta de desadensar o semi-árido criando uma alternativa para o Maranhão. Quando se olha o que aconteceu com o Maranhão, de fato hoje o estado tem uma presença grande na produção de alimentos - soja principalmente, mas não foram os nordestinos que foram para lá, mas os gaúchos. O sul do Maranhão e do Piauí fazem parte do processo atual de ocupação do cerrado brasileiro. E o oeste do Nordeste é cerrado. Do São Francisco para Oeste se tem uma porção do território do Nordeste que é do bioma do cerrado. Eu diria que era um projeto de mudanças estruturais importantes que a SUDENE de Furtado propôs e o padrão de investimento que ele comandou tinha dois eixos estratégicos, tidos como pré-condição para fazer essas mudanças.

Revista de

Conjuntura

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Um eixo era o de infra-estrutura da região, principalmente a econômica. O Nordeste não tinha energia suficiente, apesar da Chesf já existir desde os anos 50. O Ceará, por exemplo, não tinha energia. As estradas, a malha rodoviária era muito precária. Até Juscelino se levava 13 dias e 13 noites de Pernambuco para Santos, por exemplo, como fez o Presidente Lula ao migrar com sua família naquele tempo. Juscelino fez a Rio Bahia que já diminuiu bastante o tempo de deslocamento e os custos de transportes, mas a estrutura de acessibilidade do Nordeste era muito precária. Houve, portanto, um investimento importante da SUDENE na elevação dos padrões de infra-estrutura da região. Pois não se faz desenvolvimento sem infra-estrutura. O segundo eixo era formação de gente. Um dos departamentos mais fortes da SUDENE de Celso Furtado

era o departamento de recursos humanos. Na verdade o grande objetivo era formar quadros, também não se faz desenvolvimento sem quadros. As universidades na região eram ainda muito frágeis. Muitos estados do Nordeste não tinham universidades. Então tinha uma carência de gente especializada. Havia dois grandes programas. Um programa de formar gente de nível superior. A SUDENE concedia bolsa de estudos, uma espécie de Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) da época. Ela tinha um rol de profissões que eram importantes para o desenvolvimento e que a região não tinha, então ela financiava as pessoas para fazer os cursos. Selecionava e depois dava uma bolsa para que as pessoas se dedicassem com exclusividade para fazer uma boa formação superior. Foram formados agrônomos, veterinários, médicos, engenheiros entre outros que tinham um foco voltado para as necessidades da região. O outro eixo era voltado para a pós-graduação. A SUDENE formava gestores públicos com especialidade nas necessidades regionais, também em áreas estratégicas como educação, saúde, desenvolvimento agrícola, industrial, orçamento e gestão entre outros. Ela pegava os recém formados e oferecia um curso de especialização para formar quadros tanto para a própria instituição quanto para os governos estaduais. Quan-


do as pessoas passavam nos cursos e retornavam para seus estados, a SUDENE dava uma bolsa para garantir que aquela pessoa ficasse no lugar de origem, como se fosse uma gratificação, para estimular que as pessoas que tivessem sido formadas para a região não fossem para outros lugares. Com o golpe de 1964, toda a equipe de direção foi mudada, os militares assumiram. O caráter reformista da instituição foi deixado de lado e a trajetória foi bastante diferente. Por exemplo, o eixo de formação de quadros perdeu-se no caminho e os recursos da SUDENE foram tirados na primeira reforma da legislação tributária que os militares fizeram. A SUDENE operava com o recurso parecido com o que atualmente é o Fundo Constitucional, eram recursos oriundos do imposto de renda e do IPI e formava o chamado na época Fundo da Seca. Esse recurso foi utilizado para lastrear a SUDENE, o que significa muito recurso, além de ser razoavelmente estável. Quando os militares fizeram a reforma, acabou-se com o recurso que havia em quantidade e passou a se disputar no orçamento Federal uma dotação anual. Foi introduzida uma variável de instabilidade muito grande e o volume de recurso também reduziu muito. Então infra-estrutura, que era muito cara de se fazer, perdeu peso e coincidentemente no mesmo período, logo de imediato após o golpe de Estado, os incentivos começaram a deslanchar e começou a se construir a segunda SUDENE, que era a de incentivos. No primeiro Plano Diretor da SUDENE (Lei No 3.995, de 14 de dezembro de 1961) foi criado o sistema de incentivos com o artigo 34. Ele dizia que as empresas

No segundo Plano (Lei 4.239, de 27 de junho de 1963) veio o artigo 18 que quebrou essas duas travas, já havia tido o golpe. Qualquer empresa podia ser optante e investidor, por exemplo, a Hering, por exemplo, foi para Pernambuco, ela mesma optava e apresentava projeto na SUDENE, além de ter recebido um aporte de recursos para implantar a unidade lá. E aí o sistema deslanchou, numa linha em que a indústria que se estabeleceu lá era, na grande maioria, filiais de empresas que já estavam em outras partes do Brasil, principalmente do Sul e Sudeste, usando os incentivos. Assim o carro-chefe da SUDENE passou a ser os incentivos. Mas ela morre depois debaixo de denúncias de desvio de recursos com incentivo. Por isso que eu digo que teve duas SUDENES. Em termos de resultado a primeira SUDENE plantou sementes importantes e os incentivos geraram uma nova indústria que era um dos objetivos de Furtado.Essa era uma transformação consentida, porque também interessava a indústria do Sudeste se instalar no Nordeste. Isso não era revolucionário, era sim falta de incentivo para ir para uma região com menos condição, que antes nunca o governo tinha dado, e os empresários foram. Furtado pensava, e por isso o artigo 34, é que quem optava não era o mesmo que apresentava o projeto à SUDENE, porque o sonho era criar no Nordeste empresários que fossem da região. Tinha o objetivo político também, era ver se uma classe industrial era mais progressista do que os coronéis da oligarquia regional. Quando se faz uma mudança no sistema essa classe empresarial nova só apareceu no Ceará. Como o perfil da indústria que se instala no Ceará, é mais de confecção, então teve uma transição com os próprios empresários do Ceará, que é a geração do Tasso Jereissati, que depois chega até ao poder do governo do estado. Quando se olha a industrialização de Recife e Salva-

abril / junho / 2010

poderiam renunciar,ou seja,pagar a metade do imposto a Receita Federal para se investir no Nordeste. Só que o artigo 34 tinha duas restrições: quem renunciava não podia ser o investidor no Nordeste e empresas transnacionais não podiam fazer a renúncia. Tinham que ser empresas nacionais e o optante não podia ser o investidor. E assim o sistema não deslanchou.

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dor, ela foi conduzida muito mais por filiais de empresas

As principais cidades brasileiras estão no Sul/ Su-

nacionais ou estrangeiras que foram para lá. Eu diria que

deste e no litoral, então se tem um país com grandes

a industrialização aconteceu, foi importante o resultado,

cidades, mas a maioria das grandes cidades são cidades

mas foi muito concentrada nas três regiões metropoli-

litorâneas ou, como São Paulo, cidades do Sudeste do

tanas, cerca de 2/3 dos incentivos foram para Salvador,

Brasil.

Recife e Fortaleza. Na Bahia e Pernambuco o modelo foi o de captar investimentos de filiais de grandes empresas tanto transnacionais como de empresas brasileiras. No Ceará ocorreu um processo de industrialização mais endógeno, seriam pessoas que vinham de atividades econômicas do próprio estado,de alguns grupos comerciais importantes que é o caso do grupo Jereissati, é o capital mercantil que se transforma no capital industrial.O perfil do Ceará foi um pouco diferente dos outros.

São Paulo se expandindo em direção ao Mato Grosso do Sul. Uma porção importante do Centro-Oeste na verdade é uma expansão da economia do país naquela direção e cidades importantes começam a aparecer nesta parte do Brasil. Cidades médias de 100 a 500 mil habitantes ou cidades de outro patamar de 500 mil a

acho que tem lições importantes. Essa lição, por

de um milhão a mais que predominantemente litorâ-

exemplo, que para fazer desenvolvimento se tem

neo ou Sudeste e Sul. Atualmente se tem um tecido

que criar pré-condições, porque o grande problema

de cidades médias de 100 a um milhão, dois portes de

das regiões menos desenvolvidas é que muitas vezes

cidades que estão penetrando o território mais cen-

elas não têm pré-condições, porque não se investiu

tral do Brasil.

é economicamente mais frágil e politicamente mais conservadora - então essa é uma lição importante, é preciso criar pré-condições. Essas duas linhas ação inicial da SUDENE foram muito importantes porque se colheu depois os frutos do investimento que foi feito, e ainda se colhe. Conjuntura – Qual a sua participação na atual política de desenvolvimento regional e a sua defesa que o governo aposte em um país policêntrico, com vários centros de crescimento, a partir de 11 macropólos consolidados, sete novos macro-pólos e 22 sub-pólos?

Conjuntura

de reduzir essa concentração litorânea. Por exemplo,

um milhão de habitantes. Tem-se um tecido urbano

qualificada, a própria classe empresarial - geralmente

Revista de

esse espaço mais central do país, uma tendência lenta

Essa é uma experiência muito interessante, eu

antes nelas, para criar infra-estrutura, para ter gente

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O Brasil de hoje tem outra tendência de ocupar

A idéia é que o Brasil tenha um olhar especial para as cidades médias. Porque é mais fácil se construir boas cidades quando elas têm um porte menor do que depois se consertar grandes aglomerados urbanos. Por exemplo, qualquer investimento urbano em São Paulo hoje é caríssimo, porque já tem muita coisa feita, porque se tem que desfazer para fazer.Um exemplo é o Rodoanel, um investimento importante para a circulação na Grande São Paulo, foi um investimento caríssimo. Ele é necessário e é caro ao mesmo tempo. Quando se tem cidades do porte de 200, 300, 500, 800 mil habitantes, organizar uma cidade legal é muito mais barato e muito mais fácil. Então essa é a ideia, que o Brasil tivesse uma política de ordenamento do

Tânia Bacelar - O Brasil tem uma história de ocu-

seu território e como o país hoje é mais urbano do que

pação de seu território com dois tipos de concentra-

rural, então cidade é muito importante, porque a maio-

ção. Uma concentração no litoral e uma concentração

ria dos brasileiros vive em cidades. Há uma necessidade

do Sul e Sudeste. São duas heranças importantes. Isso

de se ter um olhar mais estratégico para organizar as

concentrou pessoas, base produtiva, infra-estrutura

cidades do país melhor e esse tipo de tamanho permite

econômica, universidades.... Então esse é um perfil im-

fazer isso. O sonho seria que daqui a algumas décadas

portante, porque aí fica o desafio de se desconcentrar

tivéssemos um Brasil mais polinuclear do que o do final

na direção Norte e Nordeste e na direção Oeste - tirar a prioridade do litoral para o interior.

do século XX, ou seja, com cidades médias boas de viver. Mas o Brasil está andando devagar e sem uma op-


que criar pré-condições, porque o grande problema das regiões menos desenvolvidas é que muitas vezes elas não têm pré-condições, porque não se investiu antes ... Tânia Bacelar

ção estratégica clara, na minha opinião: o país devia ter uma opção estratégica mais clara nesta direção. Por exemplo, nós estamos tomando decisões importantes como a de interiorizar as universidades. Esse processo que está em curso é positivo e é estruturante de cidades. A cidade média, que recebe uma universidade, muda. Exemplos são as cidades de Petrolina, Caruaru, Campinas. A universidade mobiliza gente de fora, professores e alunos. Então são estruturas de formação média que o Brasil precisa fazer hoje. Existe hoje um buraco no sistema educacional, que é o da formação média, com destaque para a formação profissionalizante, esses equipamentos estão indo para o interior, portanto escolher os lugares para onde eles vão é uma decisão estratégica importante.

destino das cidades. Também uma cidade onde se co-

Eu não diria que o governo está parado,está se cuidando disso, são escolhas importantes para o futuro. O rumo é um rumo bom porque é o da desconcentração, está se indo mais para as regiões que têm menos e menos para o litoral, agora a idéia é que isso fosse também organizado num mapa estratégico. Porque se pode não só combinar isso, como se podem fazer outras opções, por exemplo, levar a universidade para uma cidade, mas levar uma escola de ensino médio para uma cidade adjunta em um porte menor, porque aí se dinamiza uma de 500 ou 600 mil habitantes, mas também se dinamiza outra de 200 e 300 mil.

foram muito fortes até a década de 70, desta década

loca uma estrutura de saúde boa, ela muda, um exemplo é Teresina, no Piauí. A imagem que o Brasil tem da cidade, é de capital do estado mais pobre do Brasil, mas com a chegada de um bom serviço de saúde interessante mudou a vida dos habitantes e mudou a dinâmica da cidade. A idéia força de 11 macro pólos para o Brasil veio de um estudo que foi feito para o ministério do Planejamento que foi realizado pelo curso de Desenvolvimento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais com o qual concordo plenamente. Na minha avaliação, foram reduzidas as desigualdades regionais no Brasil. As desigualdades regionais em diante foi percebido um lento processo de desconcentração da base produtiva do Brasil. Tanto industrial e terciária como agrícola. Agrícola no rumo do cerrado e a industrial terciária um pouco espalhada Brasil. Tanto o Sudeste perde peso, como São Paulo, o Sul ganha peso, principalmente nas cidades médias, Minas Gerais ganha peso com a ida da Fiat para Betim que foi um fato que mudou o estado, Manaus ganhou peso, pois ajudou também a questão industrial. Isso foi resultado de política pública, porque não foi o mercado que fez, foi incentivo pesado das políticas industriais que geraram o pólo no Amazonas. Eu acho que tem essa ten-

O Sistema de saúde trabalha com um conceito muito interessante de hierarquia dos serviços, quando se leva os hospitais de maior complexidade para as cidades maiores e os hospitais de menor complexidade para as cidades menores. As políticas públicas organizam, ao tomar essas decisões, elas mudam o

dência que é favorável. Na minha leitura no que se avançou mais foi em políticas nacionais que tiveram um rebatimento na desigualdade regional positivo, mas avançamos pouco nas políticas regionais strictu sensu que são as comandadas

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... para fazer desenvolvimento se tem

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A minha proposta é de se trabalhar uma política regional com múltiplas escalas e com o mapa do Brasil na mão e não só com o do Norte e Nordeste, que era a tradição das antigas políticas regionais. O que dava uma distorção era fazer o Centro-Oeste querer ser só Norte e Nordeste, quando na verdade o Centro-Oeste é muito mais expansão do Sudeste do que Norte e Nordeste. Então eu acho que a proposta conceitualmente é boa, mas o que faltou foram os recursos. O governo até tentou fazer criar o Fundo de Desenvolvimento Regional em duas ocasiões. Uma primeira PEC da Reforma Tributária, em 2003, e também na última PEC da Reforma Tributária. Talvez por isso mesmo o Fundo nunca saiu, porque as duas reformas tributárias nunca saíram. Porque ele estava associado à Reforma Tributária e ela não conseguiu andar. Ficou-se com uma concepção, mas sem instrumento para fazer aquela concepção ser implementada.

Revista de

Conjuntura

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Do lado das políticas ditas setoriais eu acho que se avançou. Nós construímos políticas com esse olhar das desigualdades regionais. Um exemplo é a política de ampliação do ensino superior público. Criou-se 12 universidades, quatro só no Nordeste e no interior, em cidades médias como Mossoró, Petrolina e Caruaru, percebe-se que houve uma leitura regional das desigualdades para definir a Política Nacional. A melhoria do salário mínimo, não tem nada a ver

em princípio com o problema regional, mas tem sim, porque a maioria das pessoas que ganham um salário mínimo está no Nordeste, quando se deu um aumento significativo no poder de compra do salário mínimo, por uma decisão de política nacional, teve um rebatimento regional muito grande. São Paulo sentiu menos essa política, porque a maioria das pessoas de lá já ganham mais de dois salários mínimos. Mas no Nordeste, onde mais da metade ganha salário mínimo, teve um aumento no poder de compra o que dinamizou o mercado de consumo nas regiões mais pobres do Brasil onde o mercado de trabalho é mais frágil e aí as pessoas ganham mais perto do mínimo. Onde se tem a economia mais forte, o mercado de trabalho é mais estruturado, as pessoas tendem a ganhar acima do mínimo. Essa, em princípio, não é uma política de porte regional, mas é uma política nacional correta e que tem um rebatimento na desigualdade regional positivo. Conjuntura - Na sua opinião qual é o impacto dos programas assistenciais para o desenvolvimento regional? Tânia Bacelar - O Bolsa Família é uma política assistencial, ela teve um impacto diferenciado no Norte e Nordeste, porque a miséria no Brasil tem um duplo endereço. Ou ela é do mundo rural do Norte e Nordeste ou ela é da periferia urbana.Tanto que o Nordeste recebe 55% do Bolsa Família, porque ele tem mais da metade dos pobres do Brasil, mas o Sudeste recebe 25%, porque também boa parte das pessoas muito pobres

‘‘

do Brasil está nas periferias das grandes cidades. Só

A minha proposta é de se trabalhar uma política regional com múltiplas escalas e com o mapa do Brasil na mão e não só com o do Norte e Nordeste, que era a tradição das antigas políticas regionais.

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pelo Ministério da Integração. Eu acho que se avançou conceitualmente, mas não avançou na implementação das políticas. Por falta de recursos, porque o Ministério tem uma proposta de política que eu gosto, até porque eu participei e por isso sou suspeita, mas a leitura que ela faz é que o Brasil tem problemas regionais em todas as regiões. Na escala macro regional o desafio maior é Norte e Nordeste, mas quando se desce na escala menor o estado de São Paulo tem um problema regional que é o Vale do Ribeira. O Paraná é dinâmico no litoral, mas o centro do estado é uma área de desafio. O Rio Grande do Sul dividido da metade para baixo é problemático e da metade pra cima é muito dinâmico. Então as regiões mais ricas do Brasil, a Sul e a Sudeste, têm problemas quando se coloca uma lupa e se vê numa outra escala.


o impacto econômico em São Paulo não é perceptível, porque se tem uma estrutura econômica tão grande que aquele adicional não faz diferença, mas em regiões muito pobres onde as bases produtivas são muito pequenas, aquela transferência sistemática e continuada termina virando economia também.Porque se melhora a feira, a farmácia, a padaria o comerciante cresce e já emprega mais. Então aquilo que era para um destino social também tem um impacto econômico muito mais perceptível do que nas periferias das grandes cidades. Conjuntura – Existem vários registros que a senhora colabora com movimentos sociais. Qual sua opinião sobre a atuação deles no desenvolvimento econômico? Tânia Bacelar – Na minha opinião muito das mudanças que foram feitas no Brasil não foi política pública de iniciativa do governo. Por exemplo, as políticas de apoio à agricultura familiar foram muito importantes e para mim elas foram conquistas dos movimentos sociais. O Ministério do Desenvolvimento Agrário foi criado no governo de Fernando Henrique quando ele estava desmontando o Estado brasileiro. A lógica da década de 90 é uma lógica de redução de política pública e de desmonte das estruturas publicas. Neste cenário foi criado um ministério para a agricultura familiar. Quem conquistou aquele ministério foi a luta social, eu credito ele ao Movimento dos Sem Terra (MST) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agri-

‘‘

Porque se melhora a feira, a farmácia, a padaria o comerciante cresce e já emprega mais. Então aquilo que era para um destino social também tem um impacto econômico muito mais perceptível do que nas periferias das grandes cidades.

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recebeu a cobertura do Estado sentiu o impacto. Mas

O segundo é ser um país como querem os movimentos sociais, um Brasil rural poderoso, pois temos tudo para ser uma potência agrícola e energética importante no século XXI, mas eles querem um campo com gente que tem a ver com a agricultura familiar porque ela emprega muito mais,porque por ser familiar ela não cria relação de assalariamento. Um dos problemas no nosso mercado de trabalho que é o alto custo dos encargos sociais ela tá livre.A agricultura familiar também mostrou ser rentável.O censo agrícola mostrou que ela tem um importante peso econômico na oferta da alimentação do país, então se ela tem essa capacidade,como posso dizer que ela não é economicamente viável,como dizem alguns especialistas? Eu acho que a gente mostrou que os projetos dos movimentos sociais são bons para o Brasil.

cultura (CONTAG). Eles criaram o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), mas com o governo Lula ele foi fortalecido, pois ele passou de 2 bilhões por ano para 15 bilhões por ano. O Brasil é um país com potencial de desenvolvimento rural muito grande. E acho que ele tem dois cenários. O primeiro é ser os Estados Unidos, ou seja, uma grande potência agrícola com pouca gente no campo, com a agricultura patronal tomando todo o espaço e ela tem uma tendência a usar mais máquinas, a usar grandes superfícies e pouca gente: e esse é um modelo e pode ser uma de nossas trajetórias.

O Brasil ainda pode fazer a opção de ter esses dois tipos de agricultura. Tem espaço para as duas, porque o espaço de crescimento é tão grande que vai precisar de alimento e o Brasil é uma das fronteiras de recurso de água, de terra e de tecnologia agrícola. Então se nós temos um potencial, porque nós vamos ter que fazer uma escolha. Nós só devemos seguir o bom senso dos movimentos sociais que diz que o Brasil pode ser uma grande potência agroindustrial com esse duplo perfil, cumprindo o papel da geração de empregos rurais, porque é importante se ter um campo com gente. E com gente feliz: educada, ganhando bem, e com acesso aos serviços modernos, por exemplo, a internet banda larga.

abril / junho / 2010

que o impacto social nos dois é muito parecido, quem

9


Qualidade das instituições e crescimento econômico Adolfo Sachsida

O objetivo desse artigo é mostrar a importância da qualidade das instituições sobre o desenvolvimento e crescimento econômico. Para tanto fazemos uma breve comparação entre um pool de países, seus respectivos padrões de bem estar, e correlacionamos esses dados com a qualidade das instituições. Dado o caráter informal desse Boletim, não são executados procedimentos estatísticos mais complexos. Contudo, os resultados reportados aqui servem para nos mostrar ao menos a direção que devemos percorrer para melhorarmos o padrão de

planeta. Claro que se pode argumentar que o PIB não é a melhor medida de riqueza de uma nação. Por exemplo, países com renda per capita altíssima como Luxemburgo e Islândia não entraram em nossa amostra por não estarem ranqueados entre os 61 primeiros PIB. Contudo, a maior parte dos estudiosos concordará que o PIB, na maior parte dos casos, reflete a capacidade produtiva (riqueza) de um país. Para pessoas desejosas de replicar esse estudo, os dados foram obtidos do CIA World Factbook referente ao ano de 2005, e o PIB adotado foi o PIB com base na taxa de câmbio oficial do país.

vida de nosso país. Do ponto de vista de desenvolvimento regional, os

resultados

reportados

aqui

servem

para

ilustrar possíveis medidas de políticas públicas para incrementar as taxas de crescimento e desenvolvimento das regiões brasileiras. Entre os principais resultados, podemos destacar a importância

5HYLVWD GH 5HYLVWD GH

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dos direitos de propriedade, a estabilidade econômica, a liberdade comercial e a diminuição da burocracia como importantes determinantes do crescimento econômico. Países Selecionados Os países detentores dos 61 maiores Produto Interno Bruto (PIB) do mundo, no ano de 2005, foram incluídos em nossa amostra. Dessa maneira, nossa analise abrange os 61 mais ricos países de nosso

Após selecionados os países, procedeu-se a divisão desses em três grupos: 1) Ricos; 2) Renda Média; e 3) Pobres. Contudo, a inclusão de países nesses grupos foi baseada no PIB PER CAPITA de cada nação. Assim, os 23 países com PIB per capita superiores a 25.000 dólares por ano foram classificados como sendo ricos. Os 20 países com PIB per capita entre 4.000 e 25.000 dólares foram classificados como sendo de renda média. Já os 18 países com PIB per capita abaixo de US$ 4.000 foram classificados como sendo pobres. A Tabela 1 mostra essa divisão, bem como o valor do PIB per capita, em dólares de 2005, de cada país. Os dados referentes à renda per capita de cada país foram obtidos do Fundo Monetário Internacional (World Economic Outlook Database, September 2006). A única exceção é a informação referente ao Iraque que foi obtida do World Factbook da CIA.


Países Ricos

Países de Renda Média

Países Pobres

1) Noruega 64.193

24) Grécia 20.327

44) Kazaquistão 3.717

2) Suiça 50.532

25) Israel 19.248

45) Argélia 3.086

3) Irlanda 48.604

26) Portugal 17.456

46) Peru 2.841

4) Dinamarca 47.984

27) Coréia do Sul 16.308

47) Irã 2.767

5) Estados Unidos 42.000

28) Taiwan 15.203

48) Tailandia 2.659

6) Suécia 39.694

29) Arábia Saudita 13.410

49) Colômbia 2.656

7) Holanda 38.618

30) República Tcheca 12.152

50) Ucrânia 1.766

8) Finlândia 37.504

31) Hungria 10.814

51) Marrocos 1.713

9) Austria 37.117

32) Eslováquia 8.775

52) China 1.709

10) Reino Unido 37.023

33) Polônia 7.946

53) Iraque 1.700

11) Japão 35.757

34) México 7.298

54) Indonésia 1.283

12) Bélgica 35.712

35) Chile 7.124

55) Egito 1.265

13) Canada 35.133

36) Rússia 5.349

56) Filipinas 1.168

14) Australia 34.740

37) África do Sul 5.106

57) Paquistão 728

15) França 33.918

38) Turquia 5.062

58) Índia 705

16) Alemanha 33.854

39) Malásia 5.042

59) Nigéria 678

17) Itália 30.200

40) Venezuela 5.026

60) Vietnã 618

18) Emirados Árabes Unidos 27.700

41) Argentina 4.799

61) Bangladesh 400

19) Espanha 27.226

42) Romenia 4.539

20) Singapura 26.836

43) Brasil 4.320

21) Nova Zelândia 26.464 22) Kuwait 26.020 23) Hong Kong 25.493 Qualidade das Instituições e Crescimento Econômico Usando a definição do prêmio Nobel de Economia Douglass North: Instituições são restrições que estruturam a interação entre pessoas.Elas são compostas de restrições formais (regras, leis e constituição), restrições informais (normas de comportamento, convenções e códigos auto impostos de conduta), e pela maneira como as pessoas são compelidas a seguirem tais regras. Juntas elas definem a estrutura de incentivos da sociedade. A relação entre a qualidade das instituições e a riqueza de um país é direta. Boas instituições providenciam os incentivos corretos ao trabalho honesto, promovem os mais eficientes e impulsionam o crescimento de um país. Por outro lado, instituições ineficientes promovem a corrupção, recompensam os menos aptos e punem os indivíduos que se esforçam

por uma sociedade melhor. A implicação disso é óbvia: países com melhores instituições serão mais ricos que países com instituições inadequadas. Assim, cabe a pergunta: o que são boas instituições? Essa pergunta parece possuir uma resposta simples: boas instituições promovem a liberdade individual e, ao mesmo tempo que impede que um individuo faça o mal a outro, protege o individuo da arbitrariedade do estado. O termo instituição é amplo o bastante para podermos dividí-lo em duas partes: instituições políticas e instituições econômicas. A primeira delas refere-se às liberdades civis (e direitos políticos) e a segunda às liberdades econômicas. Assim, democracia, voto universal, liberdade de crença religiosa entre outras coisas são exemplos de instituições políticas. Já a questão de liberdade comercial, liberdade para se abrir novos negócios, e cumprimento de contratos, refere-se à esfera das instituições econômicas.

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Tabela 1: Divisão dos Países com Base no PIB per capita, dólares de 2005

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essa variável como uma medida da qualidade das instituições políticas de um país. Estes dados foram obtidos junto ao Freendom House’s Annual Global Survey of Political Rights and Civil Liberties e referem-se aos eventos globais ocorridos entre 01 de dezembro de 2005 ate 31 de dezembro de 2006. Os países são classificados em três grupos distintos: livres, parcialmente livres (PL) e não-livres (NL). Países livres são aqueles onde há uma ampla margem para a competição política aberta,um clima de respeito pelas liberdades civis, significante vida cívica independente e mídia independente.Um país parcialmente livre (PL) é aquele onde há limitado respeito em relação aos direitos políticos e liberdades civis. Países parcialmente livres frequentemente sofrem

‘‘

A relação entre a qualidade das instituições e a riqueza de um país é direta. Boas instituições providenciam os incentivos corretos ao trabalho honesto, promovem os mais eficientes e impulsionam o crescimento de um país.

‘‘

A Tabela 2 mostra o nível de liberdade civil (e direitos políticos) dos países, nós usaremos

com um ambiente de corrupção, fraco cumprimento das leis, conflitos étnicos e religiosos, e geralmente ocorre de que um único partido político concentra o poder a despeito da aparência artificial de pluralismo de partidos. Um país não-livre (NL) é aquele onde os direitos políticos básicos estão ausentes, e no qual as liberdades civis básicas são largamente e sistematicamente negadas. De acordo com os dados apresentados na Tabela 2 temos que:

pobres, apesar de possuírem instituições políticas classificadas como livres. Assim, apesar de haver uma correlação positiva entre liberdade política e riqueza de uma nação, não podemos assumir que a liberdade política seja a razão principal dessa riqueza.

mundo podem ser classificados como possuidores de

classificados como livres do ponto de vista político, e

instituições políticas livres,3 (13%) como parcialmente

mesmo assim possuem um elevado nível de riqueza.

livres e apenas 1 (4,3%) como não-livre.

Nessa mesma linha de argumentação, 75% dos países

parcialmente livres e apenas 2 (10%) são não-livres. - Em relação aos países pobres, apenas 4 (22,2%) deles podem ser considerados livres,5 (27,7%)

Conjuntura

Peru,a Ucrânia,a Indonésia e a Índia são extremamente

Afinal, quase 18% dos países ricos não podem ser

livres em termos de instituições políticas, 3 (15%) são

Revista de

Também não podemos esquecer que países como o

- 19 (82,6%) dos 23 países mais ricos do

- 15 (75%) dos 20 países de renda média são

12

política, não possuem a riqueza dos países ricos.

são parcialmente livres e 9 (50%) são não-livres.

de renda média são politicamente livres, mas mesmo assim não desfrutam do bem estar dos países ricos. Em consideração com o parágrafo acima, parece ser incorreto atribuir a riqueza de um país a existência de instituições que promovam a liberdade política dos cidadãos. Claro que existem outros argumentos, que não puramente econômicos, para se defender a

Fica evidente da análise da Tabela 2 que a maioria

liberdade política. De maneira alguma queremos dizer

absoluta dos países ricos devem ser considerados

que a liberdade política não seja importante para uma

livres do ponto de vista de suas instituições políticas.

sociedade. Argumentamos apenas que a inferência de

Contudo, isso não explica porque um grande numero

que liberdade política seja vital para o crescimento

de países de renda média,mesmo possuindo liberdade

econômico de um país é incorreta.


Países Ricos

Países de Renda Média

Países Pobres

1) Noruega - livre

24) Grécia - livre

44) Kazaquistão - NL

2) Suiça - livre

25) Israel - livre

45) Argélia - NL

3) Irlanda - livre

26) Portugal - livre

46) Peru - livre

4) Dinamarca - livre

27) Coréia do Sul - livre

47) Irã - NL

5) Estados Unidos - livre

28) Taiwan - livre

48) Tailandia - NL

6) Suécia - livre

29) Arábia Saudita - NL

49) Colômbia - PL

7) Holanda - livre

30) República Tcheca - livre

50) Ucrânia - livre

8) Finlândia - livre

31) Hungria - livre

51) Marrocos - PL

9) Austria - livre

32) Eslováquia - livre

52) China - NL

10) Reino Unido - livre

33) Polônia - livre

53) Iraque - NL

11) Japão - livre

34) México - livre

54) Indonésia - livre

12) Bélgica - livre

35) Chile - livre

55) Egito - NL

13) Canada - livre

36) Rússia - NL

56) Filipinas - PL

14) Australia - livre

37) África do Sul - livre

57) Paquistão - NL

15) França - livre

38) Turquia - PL

58) Índia - livre

16) Alemanha - livre

39) Malásia - PL

59) Nigéria - PL

17) Itália - livre

40) Venezuela - PL

60) Vietnã - NL

18) Emirados Árabes Unidos - NL

41) Argentina - livre

61) Bangladesh - PL

19) Espanha - livre

42) Romenia - livre

20) Singapura - PL

43) Brasil - livre

21) Nova Zelândia - livre 22) Kuwait - PL 23) Hong Kong - PL Fonte: Freedom in the World 2007. Dados selecionados do Freendom House’s Annual Global Survey of Political Rights and Civil Liberties.

Vamos agora analisar a relação entre liberdade econômica e a riqueza de uma nação. Os dados sobre liberdade econômica foram obtidos junto a Heritage Foundation. O índice de liberdade econômica mede e ranqueia 161 países de acordo com 10 sub-índices de igual peso. Os sub-índices têm como função capturar a maneira como cada país trata questões específicas referentes à liberdade econômica. Os 10 sub-índices, cada um valendo uma nota máxima de 10 pontos, são: liberdade de negócios, liberdade comercial, liberdade fiscal,liberdade contra inferência do governo,liberdade monetária, liberdade de investimento, liberdade financeira, direitos de propriedade, liberdade contra corrupção, e liberdade do trabalho. Dessa maneira, as notas dos países podem variar de 0 (zero) a 100 (cem), sendo zero um país completamente sem liberdade econômica e 100 representando um país com a máxima liberdade econômica. A Heritage Foundation classifica os países em 5 diferentes grupos:

- Livre: país com pontuação entre 80 e 100 pontos. - Majoritariamente livre (ML): país com pontuação entre 70 e 79,9 pontos. - Parcialmente livre (PL): país com pontuação entre 60 e 69,9 pontos. - Majoritariamente nao-livres (NL): país com pontuação entre 50 e 59,9 pontos. - Reprimido (R): país com pontuação entre 0 e 49,9 pontos. Nós alteramos o ranking formulado pela Heritage Foundation para incluir apenas os países que compõe a nossa amostra. Assim, nosso ranking vai de Hong Kong como o país mais econômicamente livre até o Irã como o país mais econômicamente fechado. Países que não pertencem a nossa amostra original não foram selecionados.

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Tabela 9: Relação dos países de acordo com a qualidade de suas instituições políticas

13


A Tabela 3 apresenta o ranking dos países de acordo com sua liberdade econômica. Aqui encontramos um fato extremamente importante, TODOS os países considerados econômicamente livres são também países ricos. Não existe uma única exceção para esse fato (nem mesmo quando se leva em consideração o ranking original proposto pela Heritage Foundation). Dessa maneira, a variável liberdade econômica passa a ser nosso maior candidato para explicar a riqueza de uma nação. Parece que a liberdade econômica cria os estímulos necessários ao individuo, para este dar o melhor de si e ter acesso as recompensas de seu sucesso. TODOS os sete países classificados como econômicamente livres (Irlanda, Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Singapura, Nova Zelândia e Hong

Kong) possuem também um nível extremamente alto de riqueza. Note que o oposto também ocorre. Isto é, dos três países menos livres do mundo dois são pobres (Irã e Bangladesh) e o outro de renda média (Venezuela). Ainda de acordo com a Tabela 3, dos 20 países com maior liberdade econômica 18 são ricos e 2 (Taiwan e Chile) são de renda média. Dos 14 países que podem ser considerados como majoritariamente livres (ML) 12 são ricos e 2 de renda média. Assim, dos 21 países classificados como “livre” ou “majoritariamente livre” 19 são ricos e 2 são de renda média. Não existe um único país que possa ser considerado ao menos majoritariamente livre (ML) que seja um país pobre. O

Tabela 3: Relação dos países de acordo com o grau de liberdade econômica Livre = azul; Majoritariamente livres (ML) = verde; Parcialmente livres (PL) = vermelho; Majoritariamente Nao-livres (NL) = negro; Reprimidos (R) = rosa Países Ricos

Países de Renda Média

Países Pobres

24) Grécia - NL (45) 45) Argélia - NL (52)

29) Arábia Saudita - NL (42) 50) Ucrânia - Nl (53) 51) Marrocos - Nl (47) 52) China - NL (51) 33) Polônia - NL (43)

53) Iraque - sem informação 54) Indonésia - NL (50) 55) Egito - Nl (54)

36) Rússia - NL (52)

56) Filipinas - NL (48) 57) Paquistão - NL (44)

38) Turquia - NL (41)

Revista de

Conjuntura

14

58) Índia - NL (49) 59) Nigéria - NL (55) 60) Vietnã - NL (57)

41) Argentina - NL (46)

Fonte: 2007 Index of Economic Freedom, Heritage Foundation. Entre parênteses aparece a posição do país no ranking de liberdade econômica. O ranking foi modificado para incluir apenas os países presentes em nossa amostra original.


A evidência conjunta, reportada nos parágrafos acima, sugere fortemente a importância da liberdade econômica para a riqueza de uma nação. Não existe uma única nação rica que possa ser classificada como totalitária do ponto de vista econômico. Também não existe uma única nação pobre que possa ser classificada como livre do ponto de vista econômico. Assim, parece que uma importante resolução para garantir a riqueza de uma nação é o compromisso com a liberdade econômica. Instituições que promovam a liberdade econômica promoverão também o crescimento e o enriquecimento de um país. Por outro lado, instituições que falhem em promover a liberdade econômica acarretarão em pobreza e atraso aos países que as adotarem.

estrutura quando os empresários não podem comprar do exterior, e são obrigados a agirem de acordo com uma lenta (e corrupta) burocracia estatal. De pouca serventia são altas taxas de poupança doméstica quando o consumidor não é soberano para escolher de qual firma quer comprar seu produto. O que este artigo parece demonstrar é que sem liberdade econômica é muito pouco provável que um país tenha sucesso econômico. Nessa mesma linha de argumentação, regiões que queiram crescer e se desenvolver devem aprimorar suas instituições para promoverem a liberdade econômica: o sucesso econômico de uma região está intimamente ligado com a sua capacidade de gerar e manter instituições capazes de incentivar os negócios, respeitar os direitos de propriedade, de dar liberdade aos empresários e trabalhadores, de promoverem a concorrência entre as empresas, de limitarem a intervenção estatal, de diminuírem a burocracia, de estimular o comércio com outras regiãoes, e, acima de tudo, permitindo que os consumidores e empresários comprem (e vendam) de

Conclusão O principal resultado encontrado nesse artigo refere-se à importância da liberdade econômica e da globalização para a riqueza de uma nação. Claro que outras variáveis também são importantes, de maneira alguma queremos desmerecer a importância da educação, da infra-estrutura, da estrutura tributária, entre outras, para o desenvolvimento (e bem estar) de um país. O que argumentamos aqui é que na ausência de liberdade econômica a efetividade dessas outras variáveis é extremamente reduzida. De pouco adianta termos uma população extremamente bem preparada do ponto de vista educacional, se estas mesmas pessoas não tiverem a liberdade de abrir suas empresas ou de trabalharem nos negócios que mais lhes aprazem. De pouco adianta uma excelente infra-

Adolfo Sachsida sachida@hotmail.com Doutor em Economia pela UNB (2000). Pós-doutorado na Universidade do Alabama (EUA). Lecionou economia na Universidade do Texas e foi consultor de curto período do Banco Mundial para Angola. Atualmente é professor da Universidade Católica de Brasília e pesquisador do IPEA. Mantém seu blog: www.bdadolfo.blogspot.com

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oposto também é válido, dos 20 países que podem ser considerados “Reprimidos” ou “Majoritariamente nãolivres” 13 são pobres e 7 de renda média. Não existe um único país que possa ser considerado reprimido (R) ou majoritariamente não-livres (NL) que seja um país rico. Mais do que isso, dos 10 países mais pobres de nossa amostra (excluiu-se o Iraque, pois não temos informação a respeito de sua liberdade econômica) TODOS são majoritariamente não-livres ou reprimidos. De maneira similar, dos 10 países mais ricos de nossa amostra TODOS são livres ou majoritariamente livres.

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quem qu uem (para ((para quem) quem lhes qu es for fo for mais ais vantajoso. van antajo ta so.

Combate à inflação Amir Khair

mercado financeiro, ao aumentar a Selic abaixo das

o Copom não parou de elevar a Selic e aguardou o desenrolar da conjuntura interna e externa?

previsões da maioria dos analistas, que tinham como

Previsão de Inflação

A última decisão do Copom surpreendeu o

referência a ata anterior e o relatório de inflação do Banco Central (BC) de junho. As razões alegadas na última ata para continuar elevando a Selic em 0,50 ponto percentual (pp) ao invés de 0,75 pp foram os fatos recentes sobre a redução do ritmo de crescimento da atividade econômica, o mercado externo dando sinais de desaquecimento e a inflação em queda. Ocorre que esses fatos já vinham sendo sinalizados há mais tempo por várias análises, mas o BC no seu conservadorismo exagerado, ou não prestou a devida atenção, ou achou que seria uma conjuntura passageira. Diante desse cenário, a pergunta é: porque diante disso,

5HYLVWD GH

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Verifica-se que são precárias as previsões de curto prazo para a inflação, como ocorreu agora. As previsões de longo prazo são mais precárias ainda. O problema é que são sobre essas que atua a política monetária, que leva de seis a nove meses para produzir seu efeito, segundo o BC. O gráfico a seguir mostra a dispersão entre a previsão de inflação para os próximos doze meses e a efetivamente ocorrida com base no IPCA. O período escolhido vai de janeiro de 2006 a junho de 2010, quando a inflação esteve mais estável em relação a períodos anteriores e a dispersão entre as previsões e a realidade foram substancialmente menores.


Cenário para 2010 O debate sobre cenário inflacionário deste ano ainda está polarizado entre os que acham que a inflação vai subir devido ao superaquecimento da demanda e os que atribuem pressão inflacionária atípica por fatores estranhos à demanda no primeiro trimestre, fraca base de comparação da atividade econômica do primeiro trimestre de 2009, recomposição de estoques e retirada parcial de estímulos fiscais do governo federal. Parece que a razão pende cada vez mais para a tese da atipicidade e, assim, as elevações da Selic a partir de abril não se justificariam, e os R$ 13 bilhões a serem gastos com a elevação da Selic neste ano,seriam pagos indevidamente pelos contribuintes, caso vá até o final do ano a 11,5%, como previu o mercado financeiro no início de agosto. Alguns analistas prevêem ainda uma retomada inflacionária a partir de agosto, pois a massa salarial, o crédito e a confiança dos consumidores, continuariam sendo os fios condutores da pressão da demanda. Além disso, os alimentos in natura passariam a deixar de cair e os preços do álcool devido à entresafra voltariam a subir. Vamos aguardar.

‘‘

A previsão de inflação é básica para o Copom tomar a decisão sobre a Selic. Pela dispersão ocorrida, vê-se que são precárias as previsões e, consequentemente, mais ainda as decisões que nelas se apóiam.

Impacto Fiscal O passado inflacionário no Brasil ainda mantém o fantasma da retomada inflacionária a qualquer momento. Isso tem servido como justificativa para o País ser sacrificado pela mais alta taxa básica de juro real do mundo, há mais de dez anos. Um exame das contas públicas revela que nos últimos quinze anos as despesas com juros consumiram 7,5% do PIB, enquanto nos países da OCDE foram de 2,3%, ou seja, um diferencial de 5,2 pontos percentuais! Na América Latina e Caribe foi 1,6% em 2008. A Lei de Responsabilidade Fiscal estabeleceu regras para geração de despesas para União, Estados e Municípios, inclusive os Poderes Legislativo, Judiciário e Ministério Público, mas falhou ao não incluir o BC na sua responsabilidade pela elevação das despesas com juros. Apenas determinou que o BC devesse apresentar semestralmente ao Congresso o impacto e o custo fiscal de suas operações. Algumas análises parecem esquecer que juro constitui despesa pública e, quando criticam os aumentos de despesas do governo, só conseguem enxergar as relativas a custeio. No entanto, são as de custeio que respondem pela maior parte do atendimento ao déficit social, ambiental e de segurança pública. Racionalizá-las e priorizá-las é exigência de boa gestão, não para reduzi-las, mas para adequá-las às competências que são atribuídas pela Constituição ao Estado, como a universalização da saúde, da previdência social, do ensino desde a creche até o nível médio, da segurança pública, etc. Evolução Histórica Desde 1945 até 1980 a inflação média anual medida pelo IGP-DI e IPC-Fipe foi de 31,7% e só em três anos ficou abaixo de 10%. Entre 1983 e 1994, esteve acima de 100%, com média anual ao nível de 600%. O auge foi em 1993 com 2400%, ou 1% ao dia! O Plano Real, a partir de julho de 1994, sustou o processo inflacionário. O fantasma inflacionário já não tem mais razão de ser, pois decorridos 16 anos, a inflação média anual caiu para 9,1% de 1995 a 2002 e 5,5% de 2003 a 2010, admitindo as previsões deste ano. São níveis compatíveis com os países emergentes,

abril / junho / 2010

A previsão de inflação é básica para o Copom tomar a decisão sobre a Selic. Pela dispersão ocorrida, vê-se que são precárias as previsões e, consequentemente, mais ainda as decisões que nelas se apóiam.

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‘‘


Importância da Globalização Com o avanço da globalização a concorrência aumentou e impôs redução na inflação dos países emergentes. Na década de 80 a média anual foi de 37%, na de 90 de 17% e de 2001 a 2009 de 7%. Em economias abertas a empresa não consegue impor seu preço ao mercado, à exceção dos monopólios, como no caso do minério de ferro no País.Nesses casos é necessário o controle de preços para não elevar a inflação e contaminar a economia. Isso ainda não está ocorrendo na forma desejável no Brasil. No interesse geral, a forma de combate à inflação merece ser mais debatida. Fora o controle de preços sobre os monopólios, seguem algumas questões para reflexão.

‘‘

Se a responsabilidade pela inflação for só do BC, como é a tradição no País, ele deveria dispor de todos os instrumentos para isso: possuir independência formal, influir sobre a demanda (das famílias e do governo), os meios de pagamento, o depósito compulsório e o câmbio.

‘‘

mas acima dos desenvolvidos,com 2%.Importa reduzir mais ainda nossa inflação. Todos saem ganhando, especialmente a população de baixa renda.

Responsabilidade pela inflação

Revista de

Conjuntura

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Se a responsabilidade pela inflação for só do BC, como é a tradição no País, ele deveria dispor de todos os instrumentos para isso: possuir independência formal, influir sobre a demanda (das famílias e do governo), os meios de pagamento, o depósito compulsório e o câmbio. Nessa hipótese ocorre a predominância da política monetária sobre a fiscal e o nível de despesas do governo fica dependente da orientação do BC.

Entre essas opções, creio que a política econômica perde eficácia quando não são integradas as decisões que afetam as principais variáveis macroeconômicas, pois há forte inter-relação entre elas. Caso contrário, corre-se o risco de formar, em ocasiões críticas, um verdadeiro cabo de guerra, onde a política fiscal puxa para um lado e a monetária para o outro, com resultados macroeconômicos e imagem externa desfavoráveis.

Se a responsabilidade pela inflação for do governo, o BC atuaria como integrante da formulação e do processo decisional da equipe econômica.

Inflação que independe do BC São vários fatores que influenciam a evolução de preços e que independem da ação do BC. Merecem destaque: preços de alimentos, commodities, preços administrados, preços internacionais, oferta de crédito, massa salarial, etc. Representam mais de 70% no peso da inflação, reduzindo a eficácia da política monetária e tornando precárias suas projeções de inflação. Assim, deixar o controle inflacionário à exclusiva responsabilidade do BC não parece ser a melhor estratégia. Isso reforça a opção de se usar políticas econômicas integradas, sob responsabilidade do governo, para permitir resultados mais efetivos de redução da inflação.


A relação Selic e inflação

Várias análises defendem a oposição entre crescimento e inflação. Se ocorre crescimento forte da produção, acendem as luzes vermelhas do BC, que eleva os juros. Deveria ser o contrário, pois mais produção significa maior oferta de bens e serviços, pressionando os preços para baixo. Se o crescimento vem puxado pela expansão da demanda, essas análises usam como argumento para contê-la, a elevação dos juros, usando como justificativa velhos conceitos, como produto potencial, taxa de juros de equilíbrio, taxa mínima de desemprego e nível máximo de utilização da capacidade instalada. O pressuposto desses conceitos é que o atendimento à demanda é feito exclusivamente pelas empresas locais, sem contribui-

O uso da Selic como principal instrumento de controle inflacionário pelo BC é problemático. Seu nível historicamente elevado atua como desestímulo à oferta, sem afetar a demanda das famílias e aumenta a demanda do governo.

ção da importação. Assim, perdem significado, especialmente em contexto de forte oferta internacional, como agora. A partir de 2004, quando a economia pode experimentar níveis maiores de crescimento a inflação ficou sempre abaixo de 7%, com média de 5,1%. A lógica parece estar no fato de ocorrer redução na participação dos custos fixos nas empresas quando há maior produção. Ou seja, para uma mesma margem de lucro, é possível adotar preços mais baixos. Por outro lado,inflação baixa eleva o poder aquisitivo,ampliando a demanda e o crescimento. Assim, não parece haver conflito entre crescimento econômico mais robusto e inflação, e a política econômica adequada seria de estímulo à produção (ampliação da oferta) como melhor arma para o controle inflacionário.

O desestímulo à oferta ocorre pela decisão empresarial de preferir aplicar seus recursos em títulos federais,com bons lucros,sem risco e liquidez imediata, ao invés de arriscar em investimentos na produção. A Selic não afeta a demanda das famílias, pois as taxas de juros ao consumidor se descolaram dela e o comércio soube adequar as prestações ao alcance do bolso do consumidor. A elevação da Selic aumenta as despesas do governo federal com juros, ou seja, aumenta a demanda do governo. Pode-se argumentar que a Selic cumpriria o papel de orientar as expectativas dos agentes econômicos. Não parece, pois o BC ao sinalizar a possibilidade de elevação da inflação para daqui a doze meses, os consumidores podem antecipar compras e as empresas remarcar preços. Finalmente, poder-se-ia argumentar que a Selic por ser elevada, atrai dólares na busca de ganhos fáceis pelo investidor estrangeiro e com isso aprecia o real, reduzindo os preços dos produtos importados (âncora cambial). Ocorre que essas aplicações especulativas de estrangeiros têm dupla mão:entra X e sai X mais os juros, ou seja, acaba saindo mais dólares do que entrou, o que leva à depreciação do real, causando inflação no médio prazo. Além disso, há dano ao País, pois o BC cria uma bomba de sucção de recursos públicos para o exterior. Sugestões Diante disso tudo, o que fazer? Seguem algumas sugestões. 1) A meta de inflação deve ser definida para horizontes de doze meses e não por ano, como é hoje, e a responsabilidade por cumpri-la é do governo (equipe econômica e BC). 2) Ampliar as políticas de estímulo (fiscais e creditícios) à produção industrial e agropecuária para aumentar a oferta.

abril / junho / 2010

Influência do crescimento na inflação

19


3) Reduzir o preço ex-refinaria, margens de distribuição e eliminação da CIDE para o óleo diesel e isenção/ redução de pedágio para transporte de carga. Isso rebaixa custos de locomoção e de fretes 4) Estimular a criação de centros de abastecimento para comercialização direta entre produtores e consumidores de produtos agrícolas. Isso reduz os custos de alimentação. Existem experiências exitosas em prefeituras. 5) Criar programa permanente de orientação aos consumidores via internet e mídia para facilitar decisões de compras a preços mais acessíveis. 6) Controlar os preços dos monopólios. 7) Reduzir/eliminar a tributação sobre produtos e serviços de consumo popular. 8) Usar alíquotas/quotas para importação e exportação em casos de majorações indevidas de preços internos. Exemplo: minério de ferro.

10) Apresentar relatórios bimestrais sobre as ações adotadas para o controle inflacionário e seus resultados. Finalmente é sempre bom ressaltar o peso sobre a demanda das despesas com juros, que atingiu nos últimos doze meses encerrados em junho R$ 181,5 bilhões ou 5,43% do PIB! A taxa básica de juros atual, excluída a inflação é de 5,0%, mais do dobro do segundo colocado com taxa mais alta que é a China com 2,4%. Enquanto não for resolvida essa anomalia será impossível por em ordem as finanças públicas e o desenvolvimento de forma sustentada. O País não pode se dar ao luxo de desperdiçar 5,4% do seu PIB com taxas anormais de juros. Creio que esse será um dos principais desafios imediatos do próximo governo. Usando um conjunto amplo e integrado de ações, a possibilidade de sucesso na redução da inflação é superior ao uso duvidoso e exclusivo da Selic.

9) Reduzir a Selic ao nível internacional e controlar a oferta de crédito ao consumo via ajuste nos depósitos compulsórios e/ou alteração na relação capital sobre empréstimos às instituições do setor financeiro.

Revista de

Conjuntura

20

em investimentos na produção.

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‘‘

O desestímulo à oferta ocorre pela decisão empresarial de preferir aplicar seus recursos em títulos federais, com bons lucros, sem risco e liquidez imediata, ao invés de arriscar

Amir Khair akhair@amirkhair.com.br Economista, mestre em Finaças Públicas pela Fundação Getúlio Vargas e consultor. Foi secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo na gestão Luiza Erundina (1989-1992).


Paulo Lima

A economia empreendedora adota como elemento propulsor a inovação, entendida como a atitude de combinar recursos existentes em uma nova e mais produtiva configuração que resulte na criação de valor e contribuição à sociedade1. A inovação aplicada como processo sistemático de mudança pode ser um instrumento de desenvolvimento sustentável, quando abrange as dimensões tecnológica, econômica, social e ambiental, e configura-se como fator de mudança econômica e sócio-ambiental ao criar oportunidade para suprir as necessidades da atual e das futuras gerações de forma diferente e/ou nova.

propósito promover o desenvolvimento sustentado, por meio de sinergias empresariais, que levem a um melhor aproveitamento de subprodutos e tratamento de resíduos, além de gerar benefícios econômicos e sociais. Trata-se de uma solução estratégica que apresenta uma nova forma de empreender capaz de transformar os processos de produção e proporcionar crescimento econômico ambientalmente sustentado. Visa atender a crescente demanda do mercado por produtos e processos social e ambientalmente corretos, uma vez que busca otimizar os recursos naturais e minimizar os custos de produção e os efeitos dos resíduos finais.

Um modelo de organização integrada de negócios empresariais que vise o modo de produção limpa, a geração de valor e de emprego e renda, respeitando as características locais, e adotando como premissa o equilíbrio entre desenvolvimento econômico, social e a proteção ambiental, no Brasil, ainda pode ser considerado como algo novo, diferente.

Fundamentação Teórica

Essa forma de organização é denominada de Eco-Parque Industrial – EPI ou Complexo Eco Empresarial,devendo ser entendida como um produto resultante de inovação tecnológica que tem como

Technology – MIT foi o primeiro a observar o mundo como uma série de sistemas interligados. Utilizando esta abordagem, DonelaMeadows, no famoso livro The LimitstoGrowth(Meadows, etalli, 1972), simulou

Eco-Parque Industrial insere-se no campo da ecologia industrial, área de conhecimento que vem aumentando em importância e amplitude, apesar de ser relativamente nova. Deriva da integração da teoria de sistemas com o sistema natural. Jay Forrester2 pesquisador do Massachusetts Instituteof

¹ Adaptado de Drucker, 2005. ² Expressou suas observações nos artigos: Principlesof Systems, 1968, e World Dynamics, 1971; Cambridge, Wright-Allen Press.

DEUL DEULO MXQKR U O MXQKR

Complexo Eco-empresarial ou Eco-parque industrial - Uma forma de organização empresarial sustentável


a tendência da degradação ambiental no mundo, face o aumento populacional, destacando a insustentabilidade do sistema industrial em curso3 (Garner, 1995). Robert U. Ayres contribuiu com a formação da ecologia industrial ao analisar o processo industrial como um sistema metabólico, cunhando o termo metabolismo industrial. Trata-se do estudo do fluxo industrial, desde a entrada (insumos e energia), passando pela transformação até a saída (produtos e resíduos), por meio de balanços de massa e energia, que podem identificar processos e produtos ineficientes que resultem em resíduos poluentes, bem como soluções para diminuição dos resíduos. A visão de Robert Frosch e Nicholas Gallopoulos (1989) transcende a unidade industrial ao afirmarem que o modelo tradicional de processamento industrial – consumo de matérias-primas e energia gerando produtos para venda e resíduos – deve ser transformado em um modelo mais integrado, denominado ecossistema industrial, de funcionamento análogo ao biológico. A integração se realiza na medida em que empreendimentos (processos) aproveitam como insumos ou matérias-primas os resíduos de outros processos (empreendimentos). Gertler (1995) contribui para o melhor entendimento da ecologia industrial adotando a visão de longo prazo ao processo sistêmico de análise das interações entre os sistemas produtivos.

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&RQMXQWXUD

No livro The Greeningof Industrial Ecosystems,BradenAllenby e Deanna Richards, apresentam um compêndio de iniciativas e esforços na resolução de problemas ambientais usando a análise de sistemas. Identificam também algumas ferramentas da ecologia industrial como a contabilidade verde, a análise de ciclo de vida e o projeto para o meio-ambiente (Garner, 1995). Estes cientistas, e outros, colaboraram para o reconhecimento da ecologia industrial como uma nova área de estudo, fato ocorrido em 1991 no evento Colloqiumon Industrial Ecology, realizado no mesmo ano, pela NationalAcademyof Science. Atualmente é considerada

por muitos pesquisadores como a ciência da sustentabilidade.Apesar de ainda não haver consenso sobre o conceito de ecologia industrial, existem pontos convergentes sobre suas características (Garner, 1995; Lowe, 1993 e 2001; e ibbs, 1992): ĂͿ visão sistêmica das interações entre sistemas industriais e o meio; ďͿ orientação para o futuro; ĐͿ abordagem multidisciplinar; ĚͿ estudo do fluxo e transformação da matéria e energia; ĞͿ reorientação do processo industrial; ĨͿ utilização de processos cíclicos – reuso e reciclagem; ŐͿ maximização da eficiência industrial; ŚͿ minimização dos impactos ao meio-ambiente; ŝͿ

percepção da atividade industrial como um participante harmônico do ambiente ecológico;

ũͿ

considera os limites de capacidade de carga do planeta e da região; e

ŬͿ promoção de simbioses industriais e de ecoparques industriais. A ecologia industrial pode ser abordada de três formas diferentes, dependendo da abrangência de atuação, como mostra o diagrama 1 a seguir. Como se verifica no diagrama 1, um Complexo Eco Empresarial ou Eco-Parque Industrial – EPI é uma ferramenta da ecologia industrial na medida em que integra harmonicamente a maior quantidade possível das melhores práticas “verdes” em único ecossistema empresarial, como, por exemplo,métodos construtivos e prédios sustentáveis, redução de gases, energia limpa e reuso de resíduos. Os benefícios ecológicos e econômicos ecorrentes da implantação de um EPI refletem na própria comunidade empresarial e na sociedade local.

³ Para realizar as projeções os autores utilizaram o programa de computador World3, uma atualização do programa World2 desenvolvido por Jay Forrester, que possibilitou correlacionar população, crescimento industrial, produção de alimento e as limitações do ecossistema.


Desenvolvimento sustentável

Ecologia Industrial

DEULO MXQKR

Diagrama 1: Abrangência da ecologia industrial

Indústria (interno) Prevenção da poluição Produção mais limpa Contabilidade verde

Entre indústria Análise de ciclo de vida Ecosistema industrail Simbiose industrial Eco-Parque industrial Iniciativas setoriais (atuação responsável)

Conceito O President’sCouncilonSustainableDevelo pment – PCSD4, no documento SustainableAmerica: A New Consensus for Prosperity, Opportunity, and a HealthyEnvironment, de 1996, definiu EPI como um grupo de negócios integrados à comunidade para compartilhar eficientemente recursos (materiais, água, energia, infraestrutura, habitat e informações), incrementar a prosperidade econômica e desenvolver o meio ambiente. A United States Environmental ProtectionAgency – EPA conceitua EPI como sendo uma comunidade de indústrias e negócios de serviços que objetivam aumentar o desempenho ambiental e econômico, por meio da gestão colaborativa do meio-ambiente e dos recursos. A comunidade de negócios, trabalhando em cooperação, procura produzir um benefício coletivo maior do que a soma dos benefícios individuais de cada empresa caso estas aperfeiçoem suas performances isoladamente. Utilizando os princípios da ecologia industrial, a comunidade empresarial trabalha em conjunto para se tornar um ecossistema industrial. 4

Regional ou Global Análise de fluxos de materiais e energia Planejamento estratégico Plano de desenvolvimento Regional/Nacional

O instituto IndigoDevelopment apresenta um conceito semelhante aos do PCSD e da EPA, contudo mais completo.Define EPI como uma comunidade de empresas (indústrias, comércio e serviços) localizadas conjuntamente em uma mesma propriedade, objetivando aumentar o desempenho ambiental, econômico e social, por meio da colaboração integrada na gestão dos recursos e do meio-ambiente. A comunidade empresarial busca um benefício coletivo maior do que a soma dos benefícios individuais que cada empresa alcançaria somente aperfeiçoando o desempenho individual (Lowe, 2001). Acrescenta que o objetivo é incrementar a performance econômica das empresas participantes enquanto os impactos ambientais são minimizados. Utiliza elementos da ecologia industrial como: o desenho “verde” da infra-estrutura e das plantas empresariais, produção limpa, prevenção à poluição, eficiência energética e parceria entre empresas. Visa também garantir às comunidades vizinhas o menor impacto ambiental.

Entidade criada em 1993 na administração Clinton para desenvolver estratégias de ação para o desenvolvimento sustentado.


EPIs no Mundo Conforme o instituto IndigoDevelopment (2009) tanto os setores público como privado iniciaram mais de 100 (cem) projetos de EPIs pela Ásia, Europa, África, América do Norte, América Latina e Austrália. As iniciativas estão em estágios diferentes de desenvolvimento e de forma geral não adotam todos os elementos que caracterizam um eco-parque industrial. O conceito e os tipos de EPIs são amplos, não existe limitação da forma nem do conteúdo. Qualquer comunidade, esfera de governo, organização social ou empresa pode implantar um parque, bastando usar um ou mais preceitos de sustentabilidade. Todavia, os que apresentam melhores resultados socioambientais são aqueles que agregam a maior quantidade de elementos sustentáveis. Na China existiam, em 2007, 24 (vinte e quarto) EPIs em atividade, a vasta maioria se originou de aglomerados industriais e somente um foi desenhado e construído em uma área nova com o propósito específico de criação de um EPI – greenfieldproject5.

¶¶ &RQMXQWXUD 5HYLVWD GH

¶¶

...um Complexo Eco Empresarial ou Eco-Parque Industrial – EPI é uma ferramenta da ecologia industrial na medida em que integra harmonicamente a maior quantidade possível das melhores práticas “verdes” em único ecossistema empresarial...

Para promover o desenvolvimento de EPIs, o órgão estatal chinês de proteção ambiental, denominado State Environmental ProtectionAdministrationof China -SEPA, se preocupou em construir um EPI modelo como estratégia de efeito demonstração,bem como normatizou as condições de construção e gestão de EPIspor meio de um manual de padronização. Além disso, é responsável pelo desenvolvimento e pela autorização de funcionamento dos EPIs. Os referidos parques são construídos e administrados conforme o planejamento e regulamentação específica do governo chinês. O desenvolvimento doseco-parquesnorteamericanos foi inicialmente fomentado pelo PCSD querecomendou às agências estatais a assistência a comunidades que pretendiam criar eco-parques. Para acelerar o ritmo de implantação de EPIs, o PCSD (1996) concentrou esforços em três iniciativas: Baltimore, Brownsville e Port Charles. Atualmente existem vários EPIs em diferentes estágios de desenvolvimento, poucos apresentam vários elementos da ecologia industrial. No Canadá as iniciativas começaram a menos de 20 (vinte) anos e tiveram origem no mundo acadêmico (Peck, 2002). Os principais exemplos de EPI são os de Burnside, Bruce, e Portland. Esses foram criados como parques industriais a partir de simbioses de resíduos entre as indústrias,contudo paulatinamente foram agregando outros conceitos de EPI. O exemplo clássico de EPI é o de Kalundborg, uma comunidade com cerca de 20.000 habitantes, próximo de Copenhagen na Dinamarca. De fato tratase de uma simbiose industrial que se iniciou de forma espontânea com o objetivo de obter economias pelo aproveitamento de sub-produtos. Funciona de forma colaborativa e integrada objetivando maximizar o benefício econômico e ambiental mútuo, por meiode acordos comerciais entre seus participantes, com base em programas de reutilização de água, de trocas de energia e subprodutos e de reutilização de resíduos.

Greenfield Project: refere-se a um projeto que está sendo concebido e executado onde não existe uma organização empreendedora. Um greenfield site é um local onde infra-estrutura foi construída, porém existe um projeto para que seja feita uma obra no local.


abril / junho / 2010

25

No Reino Unido a forma de organização mais utilizada é o da simbiose industrial. O National Industrial SymbiosisProgramme – NISP, que se auto-intitula como a primeira iniciativa de simbiose industrial no mundo em escala nacional,é o órgão estatal de fomento da simbiose industrial.Trata-se de uma entidade privada financiada com recursos públicos e de organizações empresariais que estimula e fomenta a simbiose industrial entre as empresas e entre os vários setores econômicos.

A primeira iniciativa brasileira partiu do Estado do Rio de Janeiro. Em 2002, foicriado o Programa de Fomento ao Desenvolvimento Industrial Sustentável do Estado do Rio de Janeiro – Rio Ecopólo, que objetivava: incentivar o desenvolvimento sustentável; gerar emprego e renda; melhorar as condições ambientais e a qualidade de vida; modernizar o parque industrial do Estado; e fomentar a criação de parcerias entre entidades públicas e privadas.

Na Colômbia, registra-se a iniciativa da prefeitura de Bogotá que por meio de plano de gestão ambiental, promove a associação empresarial na forma de EPIs, lá denominados de parques industriais eco-eficientes. O principal objetivo do programa é fomentar a integração empresarial de forma competitiva e sustentável, adotando o conceito de eco-eficiência, especialmente para o uso da água, da energia e de insumos, eliminando o uso de materiais tóxicos, fortalecendo a reciclagem, reduzindo a zero a geração de resíduos sólidos e efluentes. É utilizado como instrumento de incentivo a concessão de áreas de terreno para implantação dos parques.

Como instrumento de política pública disponibilizou financiamento e incentivo fiscal às empresas que implementassem projetos de reciclagem de resíduos, reuso de água, produção mais limpa, transformação de resíduos em insumos, uso racional de energia, como também o desenvolvimento de simbioses entre empresas para aproveitamento de resíduos e subprodutos. Devido a descontinuidade administrativa, provocada pela mudança de poder, o governo estadual deixou de apoiar os três distritos industriais que tentaram se transformar em eco-parques industriais. Atualmente


os distritos industriais são empreendidos pelos pró-

A contrapartida governamental também se jus-

prios participantes, todavia ainda apresentam baixa

tifica pelos benefícios resultantes dos investimentos

integração entre si e pouco uso de preceitos sus-

privados em um EPI, como exemplo, a redução dos

tentáveis. As ações de ecologia industrial realizadas

impactos ambientais, que transcendem o complexo

visam mais atender a legislação ambiental do que

eco-empresarial e afetam positivamente a comunida-

efetivamente transformá-losem EPIs.

de local melhorando a qualidade vida.

A importância estatal no desenvolvimento de EPIs

A presença estatal auxilia até mesmo na consolidação do pleno conceito de EPI, pois quanto

O EPI é um instrumento de política pública capaz

maior for a utilização de elementos da ecologia

de atrair investimentos ambientalmente corretos que

industrial em um EPI, maior será o benefício social

incrementem o desenvolvimento sustentável,gerando

gerado.

emprego e renda à comunidade local. Com efeito, o poder público pode desempenhar um papel importante no fomento à criação de eco-parques industriais. Nos exemplos citados, não obstante outros existentes na literatura, os governos nacionais e locais de países em desenvolvimento tomam para si a responsabilidade de disseminar, desenvolver e incentivar a cultura empresarial

de

organização

eco-empresarial.

Alguns aproveitam a oportunidade para adotar uma atitude empreendedora, atuando no planejamento, na concessão de benefícios e até mesmo na implantação de EPIs isoladamente ou em conjunto

‘‘

com a iniciativa privada.

Conjuntura Revista de

‘‘

26

O EPI é um instrumento de política pública capaz de atrair investimentos ambientalmente corretos que incrementem o desenvolvimento sustentável, gerando emprego e renda à comunidade local.

Paulo Lima plima154@gmail.com Mestre em economia pela UCB/DF, professor, consultor especializado na área econômico-financeira, em especial: na preparação de planos e programas; e na elaboração, avaliação e análise de projetos de investimentos.


Sérgio Gobetti e Bernardo Schettini Há oito anos, o ex-diretor do Banco Central Ilan Goldfajn escreveu um artigo muito popularizado na área fiscal e que possuía o mesmo título deste. Na oportunidade, o Brasil possuía um índice de

mente desde 2002, a dívida bruta apresenta uma tendência de estabilidade ou de leve aumento (no componente interno) nos últimos anos, como podemos ver na tabela abaixo. Isso ocorre porque a dívida líquida tem

endividamento, no conceito líquido, superior a 50% do PIB e Goldfajn argumentava que,“em todos os prováveis cenários,a relação dívida/PIB deve no mínimo estabilizarse, com boas chances de declínio nos próximos anos.”

sido reduzida pela acumulação de ativos ou pela redução/controle de passivos que não integram o cálculo da dívida bruta do governo geral, mas fazem parte do cálculo da dívida líquida do setor público.1 Destaca-se que a acumulação desses ativos é, em geral, seguida da colocação de novos títulos da dívida interna – notadamente, através de operações compromissadas – com o objetivo de se controlar a expansão da base monetária.2

Ao final de 2002, após o prognóstico do ex-diretor do BC, a dívida líquida sofreu um forte choque, atingindo a casa dos 60% do PIB, mas, nos anos seguintes, a reversão das condições econômicas e a geração de sucessivos e expressivos superávits primários possibilitaram que o mesmo indicador caísse abaixo de todas as previsões, encontrando-se em 2010 em torno de 41% do PIB. Mais do que isso: a dívida líquida do setor público brasileiro é uma das poucas que caiu entre o início (2007) e o final (2009) da recente crise econômica global, segundo o Monitor Fiscal do FMI lançado em maio deste ano. Apesar dos inegáveis sinais positivos, mais uma vez a sustentabilidade da política fiscal passou a ser questionada por analistas do mercado, que apontam dois problemas: a redução do superávit primário e o aumento da dívida bruta do governo geral, um indicador de endividamento que, até o passado recente, despertava pouco interesse dos especialistas em finanças públicas, apesar de ser mais utilizado nas economias avançadas que o da dívida líquida. Enquanto a dívida líquida tem caído sistematica-

A trajetória dispare entre dívida líquida e bruta não é, portanto, um fato novo e já vinha sendo abordada em diversos trabalhos empíricos voltados a problematizar o custo implícito de rolagem dos títulos públicos brasileiros, principalmente quando comparado à rentabilidade dos ativos financeiros do governo ou ao custo “zero” da base monetária. A preocupação, portanto, com a trajetória da dívida bruta em comparação à líquida é absolutamente legítima, mas por que só agora o assunto passou a despertar a atenção do mercado? O motivo da mudança de foco desses interlocutores é bastante evidente, estando relacionado a conflitos de interesse na condução das políticas monetária e fiscal. O silêncio de antes se explicava porque, como veremos em exemplos, parte da expansão (ou não-redução) da dívida bruta até 2008 estava relacionada ao

* ¹ São duas diferenças de conceito, portanto: bruta versus líquida e governo geral versus setor público. O setor público equivale ao governo geral mais banco central e estatais. * ²Importante notar que a base monetária entra no cálculo da dívida consolidada do setor público porque constitui formalmente um passivo do Banco Central, assim como os depósitos compulsórios.

DEUL DEULO MXQKR U O MXQKR

Há razões para duvidar que a dívida pública no Brasil é Sustentável?


Tabela 1: Dívida bruta e líquida do setor público no Brasil (% PIB) Conceito

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010*

Dívida Bruta**

62,5

67,3

61,7

56,7

56,7

56,4

58,0

57,9

62,8

60,1

Interna

48,6

48,0

47,5

45,4

47,8

50,1

53,6

53,1

53,2

56,7

Externa

13,9

19,2

14,2

11,4

8,9

6,4

4,4

4,8

3,5

3,4

Dívida Líquida

52,8

60,6

54,9

50,6

48,2

47,0

45,1

38,4

42,8

41,4

Fonte: BC/ Ministério da Fazenda (*) Posição de junho) (**) Dívida bruta pela nova metodologia do BC, quer inclui apenas operações compromissadas do BC

O recente questionamento sobre a dívida bruta,por sua vez, foi motivado pela emissão de R$ 180 bilhões de títulos do Tesouro para capitalizar o BNDES, cuja crescente presença na economia incomoda os bancos privados. Por tratar-se de uma operação casada, que ampliou simultaneamente os passivos e ativos do governo, a dívida líquida não foi alterada, mas existe uma ressalva pertinente: o crédito do BNDES é subsidiado, o que significa dizer que o Tesouro receberá de volta um juro menor do que o que paga por seus títulos, tendo por isso efeitos de longo prazo sobre o custo da dívida. Nesse contexto, parece justo o clamor por uma maior transparência dessas operações, bem como necessário reconhecer que as mesmas se impuseram

Revista de

Conjuntura

28

numa conjuntura de crise econômica no qual o crédito bancário privado estava empoçado, mas a pergunta que se impõe é outra:por que questionar apenas o efeito do crédito do BNDES sobre a dívida bruta e não fazer o mesmo em relação às operações compromissadas do Banco Central,que cresceram significativamente de 2005 a 2009,passando de 2% do PIB para 14,5% do PIB? A expansão dessas operações com títulos públicos, efetuadas pelo BC, se explica principalmente pela necessidade de enxugar a base monetária frente ao grande aumento das reservas cambiais, mas muitas vezes também ocorre como resposta passiva à de-

manda dos bancos por títulos públicos, mesmo quando não há qualquer razão para isso ocorrer. No auge da crise de liquidez de 2008, por exemplo, quando o governo decidiu reduzir o compulsório dos bancos para tentar restabelecer os canais de crédito, o BC ampliou a oferta de títulos públicos (via compromissadas), neutralizando a pretendida expansão de liquidez.

‘‘

A preocupação, portanto, com a trajetória da dívida bruta em comparação à líquida é absolutamente legítima, mas por que só agora o assunto passou a despertar a atenção do mercado? O motivo da mudança de foco desses interlocutores é bastante evidente, estando relacionado a conflitos de interesse na condução das políticas monetária e fiscal.

‘‘

controle de liquidez da economia operado pelo Banco Central em sintonia com os interesses do sistema financeiro.Se o Tesouro ou o BC resgatam os títulos públicos de posse do mercado, a base monetária se expande além do permitido pela meta Selic fixada pelo Copom.


vezes ele implica ganhos para o setor financeiro. Na prática, podemos concluir que muito pouco do comportamento da dívida bruta está relacionado com a política fiscal, embora implique crescentes custos para a política fiscal. Isso fica muito claro ao observarmos a seguinte tabela, que apresenta em valores nominais a evolução da dívida bruta e dos componentes da necessidade de financiamento do governo geral. De 2002 a 2009, a dívida bruta cresceu R$ 979 bi-

Tabela 2: Determinantes da Dívida bruta do governo geral (R$ milhões) 2002 Dívida bruta

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Σ 2003-2009

994.378 1,048,134 1,101.382 1.217.929 1.336.645 1.542.852 1.740.888 1.973.424

r Dívida t-1, (A)

53.756

53.249

116.547

118.716

206.207 198.036 232.536

979.046

Déficit nominal (B)

89.155

61.016

78.700

91.081

72.311

557.645

141.720 130.882

155.765

162.148

161.684 161.983 168.727

1.082.909

(52.565) (69.867) (77.065)

(71.067)

(89.373) (101.883) (63.445)

(525.264)

(35.399)

27.635

133.896 137.936 127.254

421.401

Juros nominais (-) Superávit primário r Dívida não-explicado p/déficit

(7.767)

(37.846)

60.100

105.282

lhões em valores nominais, dos quais apenas 57% podem ser explicados pelo déficit nominal. A expansão da dívida bruta chega quase a igualar o valor dos juros apropriados, como se a maior parte do superávit primário acumulado no período (R$ 557 bilhões) não tivesse sido utilizada para quitar a dívida.

reservas (R$ 168 bilhões, incluindo variação cambial).

De fato,foi mais ou menos isso que ocorreu mesmo, já que o superávit primário foi indiretamente utilizado para adquirir ativos e/ou enxugar a base monetária, passivo este que entra na conta da dívida líquida apenas. Por resíduo, podemos concluir que pelo menos 43% da expansão da dívida bruta se explica por fatores extra-fiscais, decorrentes da política monetária, cambial e creditícia do governo. Sublinha-se o “pelo menos” porque parte dos juros nominais computados na conta fiscal está relacionado ao diferencial de juros entre o que o governo paga pelos títulos públicos e aquilo que recebe de rentabilidade em dólar das reservas cambiais, estimado por estes autores em torno de R$ 90 bilhões para o período 2003-2009 a partir de projeções do próprio BC para o custo de manutenção das

vada taxa, entretanto, o superávit primário requerido

Estes custos extra-fiscais impactam, evidentemente, a chamada taxa implícita da dívida líquida do setor público, que tem sido mais elevada do que a Selic, oscilando atualmente em torno de 14% ao ano, o que representa uma taxa real de 9%. Mesmo com essa elepara manter a dívida líquida estabilizada é bem inferior à atual meta fiscal de 3,3% do PIB, situando-se em 1,7% do PIB (supondo crescimento econômico de 5% ao ano). Qualquer superávit primário entre 1,7% do PIB e 3,3% do PIB, portanto, é plenamente compatível com a manutenção da trajetória de queda da dívida líquida. Não há razões, mais uma vez, para duvidar-se da sustentabilidade da dívida pública nem porque, em nome disso, promover um novo ciclo de arrocho fiscal que prejudique a expansão dos investimentos públicos ou dos gastos sociais no país. É preciso monitorar com atenção a evolução das despesas do governo e da dívida bruta, mas nada justifica um

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Da mesma forma que a capitalização do BNDES, a manutenção de reservas para fins de controle da taxa de câmbio e gestão de risco da dívida, assim como o enxugamento da base monetária para fins de política monetária, proporcionam benefícios para a sociedade e também custos, dados pelos diferenciais de juros – aliás, mais elevados do aquele verificado entre a TJLP e a Selic, no caso da operação BNDESTesouro. Mas não ouvimos em geral os analistas de mercado questionando esse custo, porque muitas

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aperto como o que vivemos em 2003/2004 e que interrompa o atual ciclo de crescimento econômico. É claro que a taxa implícita da dívida pode e deve ser reduzida para patamares inferiores aos atuais, o que depende principalmente da redução da própria Selic. Como a tendência do futuro próximo é de termos juros menores com inflação sob controle, a demanda por créditos subsidiados (via BNDES, por exemplo) deve ser menor, o custo de manutenção das reservas também, e a base monetária poderá ser ampliada com o correspondente resgate de títulos públicos. A combinação desses fatores propiciará uma taxa implícita menor, maior queda da dívida líquida e maior espaço fiscal para os investimentos públicos, o que, por sua vez, contribui para a sustentação de elevadas taxas de crescimento do PIB e para a melhoria dos indicadores fiscais.

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Mas não ouvimos em geral os analistas de mercado questionando esse custo, porque muitas vezes ele implica ganhos para o setor financeiro. Na prática, podemos concluir que muito pouco do comportamento da dívida bruta está relacionado com a política fiscal, embora implique crescentes custos para a política fiscal.

Sérgio Gobetti swgobetti@gmail.com Economista pela UFRGS e com mestrado e doutorado pela UNB, especializado em Finanças Públicas, exerce o cargo de técnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do IPEA.

Bernardo Schettinii bernardo.schttini@ipea.gov.br

Economista pela PUC-Minas. Atualmente é mestrando em economia pela UFMG e Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA, onde desenvolve pesquisas em macroeconomia aplicada.


Esther Bemerguy e Maria Luiza Falcão Este artigo resume de forma sucinta a Agenda para o Novo Ciclo de Desenvolvimento, apresentada pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) ao Presidente da República, em 17 de junho de 2010. A Agenda reflete o conjunto de discussões que há cinco anos vêm se desenvolvendo no âmbito do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), refletindo o amplo espectro de participantes, mas também os numerosos documentos, propostas e resoluções que têm sido discutidas com os mais variados setores da sociedade, além de consultas com especialistas das principais áreas de atividade e apresentados como recomendações ao Presidente da República. Há uma forte convergência no conjunto das visões, ainda que muita diversidade nas propostas. No que se fere à conjuntura é consenso que o Brasil está partindo, nesta segunda década do milênio, de um novo patamar. Em grande parte o futuro dependerá de como o País solucionará a equação da produção, do emprego, da renda e do meio-ambiente e de como se inserirá de forma ativa na economia internacional. São imensas as oportunidades mas os desafios são grandes.

I. Introdução O Brasil está partindo, nesta segunda década do milênio, de um novo patamar. Para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social este novo patamar de desenvolvimento abre a possibilidade do País empreender as transformações requeridas para uma trajetória de crescimento de longo prazo sustentável

e constitui o referencial para a implementação de uma Agenda para o Novo Ciclo de Desenvolvimento (ANC). A sustentabilidade é entendida como desenvolvimento econômico, social, político e cultural, acelerando o bem-estar generalizado da coletividade. Nessa perspectiva, os membros do CDES elegeram como fundamentais duas estratégias para o desenvolvimento brasileiro. A primeira delas é a consolidação do processo de expansão equânime do emprego e da renda, com fortalecimento do mercado interno ancorado em um modo de produção, de consumo e de distribuição sustentáveis e que contemple a ampliação dos investimentos inovativos. A segunda aponta para uma inserção ativa na economia internacional. Para implementar essas estratégias o Brasil deve enfrentar vários desafios. Dentre eles, ao conselheiros elencaram como principais: 1) Os novos horizontes da educação; 2) Desafios do Estado democrático e indutor do desenvolvimento; 3) A transição para a economia do conhecimento; 4) Trabalho Decente e inclusão produtiva; 5) Padrão de produção para o novo ciclo de desenvolvimento; 6) O potencial da agricultura; 7) O papel das infraestruturas: transportes, energia, comunicação, água e saneamento; 8) A sustentabilidade ambiental e; 9) Consolidação e ampliação das Políticas Sociais. II. Uma nova conjuntura O País finalmente se liberta de quase três décadas de semiestagnação, decorrentes da adoção de estratégia econômica baseada na visão neoliberal. Práticas como

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Estratégias para o novo ciclo de desenvolvimento: Uma visão do Conselho de Desenvolvimento Econômico


A crise financeira e econômica internacional que eclodiu em 2008 produziu inflexões importantes. Abriu-se o caminho para construção de um modelo que representa nas economias emergentes uma ruptura com o modelo hegemônico.As simplificações relativas à dicotomia entre Estado e mercado deram lugar a atitudes de bom senso,de pragmatismo,de busca de equilíbrios. De certa forma, inovar em política voltou a ser legítimo. No plano internacional, a crise ainda não desapareceu. Um Produto Interno Bruto (PIB) mundial de US$ 60 trilhões e US$ 860 trilhões em papéis emitidos continua gerando instabilidade. A opção pela riqueza monetária e financeira coloca em risco o funcionamento dos mercados, da oferta de trabalho, da demanda por bens e serviços. Os déficits do setor especulativo privado foram transformados em déficits públicos. Observa-se, em inúmeros países, desaceleração da atividade econômica com aumento da concentração de renda, quedas de salários, redução de empregos e perda de direitos já conquistados.

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Há forte convergência entre os conselheiros do CDES quanto à necessidade de, nessa conjuntura externa instável, evitar movimentos especulativos no mercado financeiro e de commodities, atuando no sentido do estabelecimento de um marco regulatório adequado; aperfeiçoar a política cambial e de juros para evitar a valorização excessiva do Real e minimizar os prejuízos dos exportadores; difundir os mecanismos e instrumentos de apoio à inovação, de forma a criar um ambiente favorável ao processo de agregação de valor aos produtos comercializáveis e incentivar empresas brasileiras exportadoras; investir em infraestrutura e logística para reduzir os custos de produção e facilitar o comércio exterior; acompanhar e supervisionar movimentos de capital externo especulativo e incentivar ingressos de investimentos voltados para o setor produtivo.

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A crise financeira e econômica internacional que eclodiu em 2008 produziu inflexões importantes. Abriu-se o caminho para construção de um modelo que representa nas economias emergentes uma ruptura com o modelo hegemônico.

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a desregulamentação dos mercados,abertura comercial e financeira indiscriminada, redução do tamanho e papel do Estado foram implantadas em diferentes paises e utilizadas como condição para concessão de créditos por instituições multilaterais tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Em contexto internacional reconhecidamente complexo, o Brasil precisa fortalecer o padrão de desenvolvimento em curso, buscando um maior dinamismo de sua economia associado com uma melhor distribuição de renda e riqueza, redução da pobreza, ampliação dos mercados interno e externo, busca da competitividade no âmbito global, sustentabilidade ambiental e influência para contribuir com a promoção dos princípios da democracia, da paz e da legalidade internacional. III. O ciclo de desenvolvimento em curso

O ciclo de desenvolvimento em curso no Brasil está sendo impulsionado pela consolidação da democracia e ampliação dos espaços de diálogo e participação; por políticas distributivas ancoradas numa visão de justiça social e de racionalidade econômica, pelo investimento nas pessoas por meio das políticas sociais universais e inclusivas; pelos investimentos em infraestruturas; por um sistema de financiamento público capaz de alavancar políticas de desenvolvimento; pela estabilidade macroeconômica e na gradual incorporação das dimensões da sustentabilidade ambiental, econômica e social ao conjunto dos processos decisórios.


A estratégia de crescimento via ampliação do consumo de massa sustentou-se em ganhos de produtividade associados ao tamanho do mercado interno, que se traduziram em maiores rendimentos das famílias e na possibilidade do País galgar patamares de desenvolvimento cada vez mais elevados e sustentados. Foram decisivas as políticas sociais de transferência de renda, valorização do salário mínimo, educação, saúde, assistência social, segurança alimentar e nutricional, estímulo à criação de novos postos de trabalho formal, formação profissional e habitação. Esta dinâmica foi o motor do crescimento e alavanca das decisões privadas de investimento em 2009. Este cenário deve se repetir em 2010 e 2011, com a retomada do investimento sendo estimulada pelo novo patamar de consumo interno. Estima-se que nos últimos anos a nova classe média, a chamada “classe C”1 passou a representar mais da metade da população brasileira, cerca de 53,2%, dinamizando o mercado de consumo de massa.2 A redução das desigualdades no Brasil teve uma queda nunca antes observada. A meta do milênio é cair à metade da desigualdade no mundo em 15 anos, o

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O fortalecimento da democracia brasileira é o objetivo da ampla rede de participação que vem sendo constituída e fortalecida, articulada em vários níveis da federação. Nos últimos cinco anos foram realizadas 50 Conferências Nacionais com a participação de aproximadamente 3,5 milhões de delegados, nas instâncias municipais, estaduais e nacionais. Somente nas etapas nacionais cerca de 5 mil deliberações públicas foram produzidas, grande parte delas incorporadas no desenho de políticas públicas setoriais. Experiências como o CDES e outros conselhos contribuem para gerar entre os diversos setores uma cultura da negociação, da pactuação, do respeito aos interesses nucleares dos diferentes segmentos.

que o Brasil fez em apenas cinco anos. Em 2003 havia 50 milhões de miseráveis no Brasil. Hoje são cerca de 20 milhões de pessoas que saíram da miséria - uma queda de 40%. Incorporamos 32 milhões de pessoas à classe média, o que equivale a meia França, em cinco anos. Se for mantido o mesmo ritmo de hoje o Brasil vai poder reduzir a pobreza em mais de 14 milhões de pessoas e incorporar mais 36 milhões aos estratos de renda A, B e C até 2016, quando o índice de Gini3 do Brasil poderá atingir 0,488, próximos ao dos paises desenvolvidos, contra os atuais 0,515.4 Destaca-se também o papel do crescimento do crédito ao consumidor, em especial do financiamento ao consumo de bens duráveis e à construção civil. As políticas de crédito dos bancos públicos5 foram responsáveis por cerca de metade do crédito outorgado em 2009. O sistema financeiro privado é sólido e opera sob regulação eficiente. O Brasil é um dos poucos países do mundo que dispõe de condições para crescer por essa estratégia, devido ao tamanho de seu mercado consumidor potencial. Além disso, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC I e PAC II), a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), a expansão dos investimentos da Petrobras, o Plano

* ¹ Grupo que recebe renda familiar total mensal entre R$ 1.115 (US$ 619) e R$ 4.807 (US$ 2.670) – conversão com taxa de câmbio de junho de 2010: R$/US$ = 1.8 * ² De acordo com dados veiculados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em trabalho organizado pelo economista chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV, Marcelo Côrtes Neri, a classe C abarca 53,2% da população. Contudo, do ponto de vista de distribuição de renda as classes AB com rendas familiares superiores a R$ 4.807, que representam 14,97% da população, se apropriam de quase 55% da renda do País. * ³ Coeficiente utilizado para calcular o padrão de concentração de renda dos países. Varia entre 0, que é a igualdade perfeita e 1, perfeita desigualdade. * 4 IPEA, Pobreza, Desigualdade e Políticas Públicas, 2010. * 5 Caixa Econômica Federal (CEF), Banco do Brasil (BB), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Banco da Amazônia (BASA)


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Foram decisivas as políticas sociais de transferência de renda, valorização do salário mínimo, educação, saúde, assistência social, segurança alimentar e nutricional, estímulo à

criação de novos postos de trabalho formal, formação profissional e habitação.

Nacional de Desenvolvimento da Educação (PNDE), entre outros estão, ao mesmo tempo, dinamizando os investimentos e mantendo a conjuntura favorável. Para isto, contribui um setor privado pouco endividado e com recursos para investir. São condições que facilitam o resgate dos mecanismos de planejamento de longo prazo, desafiam a capacidade gestora do Estado e impulsionam a modernização administrativa.

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A política ambiental ganhou nestes anos uma outra estatura e se incorpora à nova política econômica que se desenhou no País, gerando credibilidade e respeito nos planos interno e internacional, o que, por sua vez, abre mercados. A taxa de desmatamento é hoje 74,4% inferior a de 2004, o menor índice já registrado desde 1998, quando foi iniciada a apuração deste indicador. 6 Ao tratar de maneira sustentável os recursos naturais, capitaliza-se o País para as gerações futuras.

A melhora do quadro fiscal, na última década, também contribuiu para esse novo patamar. Um dos pontos mais fortes da ampliação das perspectivas de desenvolvimento está na estabilização de um modelo de gestão macroeconômica. O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem sido capaz de apresentar superávits primários sucessivos em suas contas públicas e reduzir a participação da dívida interna líquida como participação do PIB no período recente. O equilíbrio das contas públicas, ao longo do tempo e em todos os países, tem se mostrado um ponto crucial do equilíbrio econômico; precondição necessária, embora não suficiente, para o crescimento de longo prazo. No plano comercial, uma população mundial que aumenta em 70 milhões de habitantes por ano, com ampliação do consumo, deve manter a tendência para uma demanda forte por commodities. O Brasil, com a maior disponibilidade mundial de solo agricultável e 12% da reserva mundial de água doce, tem trunfos importantes. Mas deve ficar atento para a dependência dos preços das commodities aos movimentos dos capitais especulativo. É preciso evitar a formação de bolhas recorrentes fruto de especulações com ativos.7 O Brasil tem papel relevante a desempenhar no

debate da regulação dos mercados. Os progressos tecnológicos e, em particular, as inovações na área das tecnologias de informação e comunicação, abrem novas perspectivas. No século XXI, além dos embates políticos em torno da propriedade dos meios de produção, na era da nova economia o acesso ao conhecimento e a definição dos seus marcos legais tornam-se centrais. No caso brasileiro, o salto para a economia do conhecimento passa pela universalização da banda larga e outras formas de acesso e disseminação, que abrem importantes perspectivas de inclusão produtiva e melhoria de qualidade de vida. É urgente cobrir o hiato entre estes desafios tecnológicos e o atraso educacional, no plano interno, para ocupar o espaço correspondente no plano internacional.

* 6 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) * 7 Tais como ações, títulos de renda fixa, câmbio, commodities, títulos imobiliários etc.


gociação entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. O Brasil, em particular, assume liderança neste sentido. A crise econômica e financeira evidenciou a inadequação da estrutura de governança mundial. Está em curso uma mudança na distribuição do poder global que dependerá muito da capacidade estratégica dos governos envolvidos nesse processo de transformação. O Brasil enfrentou a crise com fundamentos macroeconômicos sólidos9, com mercado interno amplo, com capacidade de regulação e de manejo de instrumentos adequados de política econômica, na rapidez e no ritmo que o momento exigia. Expandiu-se o acesso ao crédito, os empregos e a renda da população foram protegidos, inúmeros setores foram desonerados de impostos. Criou-se uma sinergia entre os domínios econômico e social que nos permitiu minorar os efeitos do contágio da crise internacional sobre o desempenho da economia brasileira e retomar a trajetória de crescimento. IV. Riscos e oportunidades do contexto internacional Na inserção internacional, o País parte também de outro patamar. A crise revelou a existência de uma nova dinâmica econômica mundial, caracterizada pela inclusão das economias emergentes no contexto político-estratégico das economias predominantes como os Estados Unidos e a União Européia. Ficou clara a necessidade de um Estado mais

O que desponta é uma composição na qual novos países emergentes, em transição para se tornarem global players e, portanto, protagonistas no cenário mundial, serão aqueles que combinarem um mercado interno potencial forte, com abundância de recursos naturais como energia, gás e petróleo e com possibilidade de produzirem grande quantidade de alimentos. A existência de um parque industrial moderno é aspecto de grande relevância. O Brasil enquadra-se em todas essas características. O impulso advindo da expansão da economia internacional entre 2001 e meados de 2008, notadamente dos países emergentes da Ásia, garantiu preços elevados de commodities e aumento das exportações brasileiras (da ordem de 22% ao ano em média) con-

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O Brasil enfrentou a crise com fundamentos macroeconômicos sólidos, com mercado interno amplo, com capacidade de regulação e de manejo de instrumentos adequados de política econômica, na rapidez e no ritmo que o momento exigia.

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No plano político, frente a uma economia que se globalizou, surgem novos espaços de concentração internacional. O G-208 é um exemplo de espaço regular de ne-

ativo no processo de suavizar os ciclos econômicos e no campo de regulação dos movimentos internacionais de mercadorias e ativos financeiros.

* 8 Grupo formado pelo G-8 – principais potencias ocidentais mais a Rússia – e um bloco de paises emergentes, onde o Brasil se inclui, mais e União Europeia. * 9 Moção do CDES sobre os Efeitos da Crise Econômica Internacional, aprovada na 28a Reunião do Pleno, 06/11/2008; Parecer do CDES sobre Perspectivas de Crescimento da Economia Brasileira e a Crise Internacional, aprovada na 25a Reunião do Pleno, 01/04/2008.

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Em termos geoeconômicos, a tendência é para um deslocamento da bacia do Atlântico para a bacia do Pacífico, com os avanços da China e da Índia, que representam 40% da população mundial, e de outros países muito dinâmicos, como a Coréia do Sul e o Vietnã, ou fortes como o Japão. O deslocamento favorecerá tanto uma orientação mais integradora de infraestruturas na América Latina, como o melhor equilíbrio de ocupação e uso do território no Brasil, fundamentalmente atlântico na demografia e na economia.


Com US$ 35 bilhões de reservas internacionais em 2002, o Brasil estava vulnerável a ataques especulativos. Atualmente, com cerca de US$ 250 bilhões, credor e não mais devedor do Fundo Monetário Internacional (FMI), com maior diversificação comercial e de parceiros e melhor equilíbrio entre os mercados interno e externo, o País tornou-se uma referência internacional. A acumulação de reservas internacionais atenuou os efeitos de ciclos econômicos mais pronunciados decorrentes de crises financeiras sistêmicas e possibilitou ao Brasil inserir-se de forma soberana na economia mundial. A integração latino-americana está adquirindo relevância crescente, com avanços em ações articuladas no plano das instituições, dos mecanismos de financiamento, das infraestruturas, das migrações, da academia, em busca de uma identidade comum. O Brasil tem peso específico na região pelas inovações econômicas, sociais, políticas e ambientais que tem desenvolvido. O Brasil e seus parceiros latino-americanos, africanos e asiáticos desfrutam, neste momento, de posição privilegiada na economia global. Os países que integram o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), nos últimos anos, tiraram da pobreza mais de meio bilhão de pessoas, incorporando esse enorme contingente à classe média e provocando, em consequência, o aumento da capacidade de consumo no interior de cada um desses países e no potencial de consumo de produtos gerados no âmbito de outros países da economia global. Em 2020, com 3,14 bilhões de habitantes, cerca de 40% da população mundial10 e crescen-

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do a taxas muito superiores à dos países ricos, os BRICs chegarão, de fato, muito próximo das economias do G-7. Esses países elevarão a sofisticação e complexidade da sua relação com os mercados tradicionais, como os dos Estados Unidos e Europa, e representarão importante motor que impulsionará o consumo em escala mundial.

* 10 Projeções da Organização das Nações Unidas - ONU

No conjunto, o Brasil destaca-se no cenário internacional como parceiro solidário, portador não só de força econômica e riqueza cultural, mas também de propostas práticas para o enfrentamento dos principais desafios sociais, ambientais e políticos. A confiabilidade e o respeito angariados se refletem na aprovação do País para sediar a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. V. Considerações Finais O CDES aponta como estratégias para o desenvolvimento do Brasil, neste momento, consolidar o processo de expansão equânime do emprego e da renda, fortalecendo o mercado interno ancorado em um modo de produção, de consumo de massa e de distribuição sustentáveis; ampliar os investimentos inovativos e se inserir de forma ativa na economia internacional. O Conselho considera estratégico, também, fortalecer o protagonismo do País na governança global, in-

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No conjunto, o Brasil destaca-se no cenário internacional como parceiro solidário, portador não só de força econômica e riqueza cultural, mas também de propostas práticas para o enfrentamento dos principais desafios sociais, ambientais e políticos.

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tribuindo para o aumento do PIB e para diminuição da vulnerabilidade externa na medida em que possibilitou maior acúmulo de reservas internacionais.


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fluenciando nas negociações econômicas, na reforma financeira internacional, na reforma monetária e nas negociações políticas relevantes para a paz no mundo. Tais estratégias se articulam a um conjunto de desafios que o Brasil deverá enfrentar. Os avanços deste novo ciclo de desenvolvimento dependem da educação, da transição para a economia do conhecimento e da sustentabilidade, da força da indústria, do comércio e do vasto potencial da agricultura, impulsionados pela infraestrutura adequada, pela inclusão produtiva e pelas políticas sociais. Requerem ainda um Estado voltado para atender a demanda da sociedade pelo desenvolvimento econômico, social, político, ambiental e cultural. A Agenda sugere desafios, complementares e interrelacionados, e os principais eixos propositivos de ação que devem gerar efeitos multiplicadores sobre o conjunto das atividades econômicas, sociais, políticas e ambientais do País. O objetivo é impulsionar o processo de desenvolvimento sustentável, tal como o CDES defende e em relação ao qual busca contribuir, a partir do diálogo entre diferentes atores sociais e do trabalho coletivo. Para o CDES, o combate às desigualdades é objetivo central da estratégia de desenvolvimento e o Conselho reafirma, então, a recomendação para que a equidade seja o princípio a reger todas as políticas públicas e as ações dos atores sociais. A diversidade é o ativo mais valioso para o pleno desenvolvimento brasileiro. Com dimensões continentais e população plural, trata-se de uma realidade na qual não cabe solução única.É preciso flexibilidade, abertura e diálogo para que o Brasil se encontre consigo mesmo, na sua diversidade cultural, étnica e regional e no enorme potencial que deriva desta riqueza. A educação é, segundo os conselheiros, o eixo prioritário e estruturante, na medida em que é articulador de políticas públicas pró-equidade, o grande vetor para libertar os potenciais de criatividade e inovação e de produção nacionais e elemento viabilizador da construção cultural para um novo padrão de convivência na sociedade e de interação com o meio ambiente.

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Esther Bemerguy de Albuquerque esther.bemerguy@planalto.gov.br Economista pela UFPR (1985). Especialização em teoria e conômica pela Universidade da Amazônia (1987). Na Prefeitura de Belém foi titular da Secretaria Municipal de Saúde (2003), secretaria Municipal de Finanças (1997 a 2002) e, Secretaria Municipal de Coordenação Geral do Planejamento e Gestão (1997). Atualmente é Secretária da Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SEDES/SRI/PR).

Maria Luiza Falcão Silva maria.falcao@planalto.gov.br Economista pela UFBA (1971), mestrado pela University of Wisconsin – Madison/EUA (1979) e doutorado pela Heriot-Watt University/Escócia (1997). Atualmente é diretora da Diretoria Internacional da Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SEDES/SRI/PR).


O milagre d da multiplicação l i li ã dos d pães JosÊ Euståquio Ribeiro Vieira Filho

O Brasil passa por um perĂ­odo de forte crescimento econĂ´mico. O Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas pelo paĂ­s em um determinado ano, obteve o seu melhor resultado trimestral dos Ăşltimos quinze anos, crescendo a uma taxa de 9%. A expectativa de crescimento para 2010 estĂĄ em torno de 6,5%, com uma taxa de formação bruta de capital ďŹ xo da ordem de 18%. Diante de resultados tĂŁo favorĂĄveis, em que medida o atual processo de crescimento se diferencia das experiĂŞncias passadas? No milagre econĂ´mico, perĂ­odo de crescimento vigoroso de 1968 atĂŠ 1973, o PIB cresceu a uma taxa de 11% ao ano, liderado pelo bom desempenho do setor de consumo de bens durĂĄveis e, em menor escala, pelo de bens de capital. A taxa de investimento subiu de 19%, em 1968, para pouco mais de 20%, em 1973. O crescimento da economia brasileira foi considerado surpreendente, pois seu ritmo elevado foi acompanhado de queda da inação (ainda que moderada) com melhora sensĂ­vel do saldo do balanço de pagamentos, registrando superĂĄvits crescentes.

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O termo “milagreâ€? se justiďŹ cou por contradizer duas relaçþes macroeconĂ´micas: i) a relação inversa entre inação e desemprego, e ii) o custo de oportunidade entre crescimento econĂ´mico e equilĂ­brio externo. O ministro da Fazenda da ĂŠpoca, AntĂ´nio DelďŹ m Netto, buscou a estabilização monetĂĄria (sem uma ďŹ xação de metas explĂ­citas), a consolidação da infra-estrutura e a ampliação do mercado interno (o qual sustentaria a demanda de bens durĂĄveis, especialmente). A polĂ­tica econĂ´mica se baseava na concepção de que para

gerar mais investimento era necessĂĄrio efetuar mais poupança. Para realizar os investimentos era preciso fazer a economia crescer, o que elevaria o nĂ­vel de poupança. De fato, houve um crescimento econĂ´mico substancial; porĂŠm, tal comportamento foi seguido de um aumento signiďŹ cativo da desigualdade de renda. Esta situação era aceitĂĄvel pelo argumento de que se deveria crescer, primeiramente, para depois distribuir a riqueza. O governo de Luiz InĂĄcio Lula da Silva compreende dois mandatos polĂ­ticos, iniciando em 2002 atĂŠ o presente momento. Em termos de polĂ­ticas e de desempenho econĂ´mico, hĂĄ uma nĂ­tida inexĂŁo dos principais indicadores econĂ´micos, justamente apĂłs a crise polĂ­tica instaurada no ďŹ nal do primeiro mandato (o escândalo do mensalĂŁo). Por incrĂ­vel que pareça, esta crise culminou na substituição de vĂĄrios ministros de Estado, inclusive o ministro da Fazenda, AntĂ´nio Palocci Filho. AlĂŠm disso, a entrada de Guido Mantega na pasta da Fazenda promoveu paulatinamente uma substituição da austeridade econĂ´mica por uma condução mais desenvolvimentista. NĂŁo se pode negar que o segundo mandato do governo Lula foi marcado por forte alta dos preços das commodities e por um ambiente externo favorĂĄvel, com crescimento das principais economias emergentes. A crise ďŹ nanceira americana, em ďŹ nais de 2008, reduziu o ritmo de crescimento da economia brasileira. PorĂŠm, o Brasil foi, juntamente com a China, um dos primeiros paĂ­ses a retomar o crescimento. De um lado, a gestĂŁo econĂ´mica foi caracterizada pela estabilidade


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econômica, de acordo com metas inflacionárias definidas pelo Banco Central, utilizando-se de taxas de juros elevadas; de outro, com o aumento expressivo das políticas sociais, o governo promoveu a criação de empregos (12,1 milhões),a inclusão social (25,9 milhões subiram para a classe c) e o aumento do salário mínimo real (74% em sete anos).

Em síntese, a economia tem apresentado crescimento com manutenção da taxa de inflação. Contrariamente ao passado, a economia cresce e o bolo é distribuído. Esta situação é denominada pelo presidente Lula do milagre da multiplicação dos pães, uma ironia ao milagre econômico,o qual não promoveu a distribuição de renda. Entretanto, o excesso de otimismo pode esconder as mudanças em curso.

José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho jose.vieira@ipea.gov.br Economista pela UFMG com mestrado pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e doutorado pela UNICAMP. Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Professor da Universidade de Brasília (UnB). Realizou estágio de doutoramento na Universidade Montesquieu Bordeaux IV, no Groupe de Recherche en Économie Théorique et Appliquée (GREThA) - França.

É preciso atentar que, para níveis sustentáveis de crescimento de longo prazo, o país deverá melhorar a infra-estrutura, bem como elevar o nível de investimento de 18% para cerca de 25% do PIB. Ninguém questiona o sucesso das políticas sociais, que

Especialização em Administração Pública pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Na área governamental, atuou com o planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas. Exerceu cargos no Governo do Estado de Minas Gerais nas áreas de Minas e Energia e de Relações Internacionais.

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De fato, houve um crescimento econômico substancial; porém, tal comportamento foi seguido de um aumento significativo da desigualdade de renda. Esta situação era aceitável pelo argumento de que se deveria crescer, primeiramente, para depois distribuir a riqueza.

distribuíram renda e aumentaram, indiretamente, os salários como um todo. O que diferencia os milagres? A atual fase de desenvolvimento é amparada por uma política monetária austera e uma política fiscal promotora de distribuição de renda. Não será uma contradição da teoria econômica? O crescimento com baixa inflação, equilíbrio externo e distribuição de renda será alcançado apenas se a política monetária não priorizar a contenção de demanda via taxa de juros, mas se a mesma promover o adequado aumento do investimento, elevando a oferta acima do crescimento da demanda.

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A influência econômica nas eleições presidenciais Felipe Ohana

O propósito é criar um indicador antecedente, de fundamento econômico, para os resultados eleitorais. Para isto, procura-se combinar variáveis econômicas que, teoricamente, sejam relevantes para a escolha do eleitor. Naturalmente, fatores não econômicos também influenciam. Contudo, dificilmente podem ser antecipados e raramente estão sob controle. Conceito

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governo. Tecnicamente, a dúvida se refere ao prazo que o estado do consumo influencia a decisão do eleitor. Construção da Variável O efeito satisfação decorre de duas circunstâncias distintas: nível de consumo e a variação do nível. A partir desta definição, é necessário estabelecer o prazo de influência do nível de consumo. Em outros termos, quanto leva para que a população se acostume com um determinado nível de consumo? Se o nível de

A teoria econômica parte de vários supostos sobre o consumidor e o produtor, para construir modelos de comportamento. O fato é que a teoria econômica erra pouco sobre o mérito das questões. Portanto, os supostos são eficazes para a consistência dos modelos econômicos. Em um deles, o eleitor (consumidor) maximiza seu bem-estar sem considerar condições externas, vale dizer, sem altruísmos ou qualquer consideração (ideologia ou inveja, por exemplo) que não seja o seu interesse imediato. Contestável ou não, a proposta metodológica dessa nota é esta: o eleitor vota de acordo com seu bem-estar. Se há boas condições econômicas, o governo é eficiente. Por conseqüência, o eleitor vota com ele. A variável econômica tenta medir esse bem-estar.1

consumo se eleva, por exemplo, por 6 meses, isto será

A variável mais característica é o consumo familiar. A lógica é direta: maior o consumo, mais elevada é a satisfação do eleitor. Nesse cenário, maior o apoio ao governo. Assim, sob a perspectiva teórica, o consumo é positivamente associado à propensão a votar com o

eleitor seja alterada sempre que o consumo observado

suficiente para que a população adote esse novo nível como padrão e se julgue frustrada em caso de redução? Essas questões foram trabalhadas empiricamente, em planilhas Excel, a partir dos dados de consumo das contas nacionais. Os procedimentos buscaram minimizar os erros de aderência aos resultados eleitorais conhecidos entre 1989 e 2006. Dessa maneira, os seguintes critérios para a construção da variável antecedente da eleição foram firmados: a) Variável Nível de Consumo: medida como a diferença entre o consumo do ano e a média móvel de 3 anos desse mesmo consumo. A idéia é que a satisfação do se distancie da média de 3 anos. Este prazo foi o que produziu os resultados mais aderentes aos fatos conhecidos. Essa variável tem a denominação de (C – C barra);

* ¹ Certamente, há votos politizados. Mas se fossem determinantes, a economia não influenciaria o resultado da eleição.


cambial brasileiro formaram uma atmosfera de preocupação sobre o futuro da economia brasileira, que prejudicou o candidato do PT, visto, então, como

c)Indicador Antecedente do Resultado Eleitoral IAE: é a combinação dessas duas variáveis, mediante pesos aplicados a cada uma, na agregação. No teste de aderência aos dados, a soma aritmética dos índices construídos a partir das variáveis (a) e (b), empregandose pesos iguais, foi a fórmula que apresentou melhor resultado.

inconseqüente.2 Em termos do Indicador Antecedente, se, em vez de pesos uniformes, a população tivesse dado importância maior para a taxa de crescimento (por exemplo, 0,8 para a taxa e 0,2 para o nível), o candidato oficial teria perdido a eleição. O gráfico sugere, também, que se a eleição tivesse ocorrido em 1999, não teria havido reeleição. 3

O Desenvolvimento do Indicador

Em suma, sobre 1998, se a construção do indicador estiver certa, a decisão do eleitor foi baseada em elementos prospectivos a respeito da economia. O estado de satisfação com o consumo não foi o fator decisivo para o eleitor. Nesse sentido, pode-se dizer que a decisão foi “extra-campo” (em relação ao indicador). Nada obstante, cabe comentar que tais considerações só prevaleceram porque havia margem de bem-estar a permitir essa condescendência ao candidato oficial do governo. Em outros termos, o nível de consumo estava, embora levemente, acima da média.

O indicador, na forma desagregada, é composto por nível de consumo, média trienal do consumo e taxa de variação percentual. O quadro abaixo mostra como essas variáveis se relacionam: Cada ano de eleição está marcado por uma linha vertical. Em 1998, a conjuntura era de fronteira. O consumo, com nível levemente superior à média de 3 anos, apresentava taxa de crescimento negativa (-0,4%). Naquele ano, a crise russa e o esgotamento do regime

Consumo Familiar: Nível, Média e Taxa de Crescimento 2.100.000,00

10,00 8,53

6,91 6,00

1.800.000,00

4,00

1.700.000,00

2,00

1.600.000,00

0,00

1.500.000,00

(2,00)

(0,4) (2,77)

1.400.000,00

(4,00)

2009

2008

2007

2006

2005

2004

2003

2002

2000

(8,00)

1999

1.200.000,00

1998

(6,00)

1997

1.300.000,00

1996

% ao ano

8,00

1.900.000,00

2001

R$ milhões de 2009

2.000.000,00

Nível Média Taxa de Cresc %

)RQWH ,%*( &RQW 1DF * ² Observe-se que, em janeiro de 1999, eclodiu a crise cambial e a maxidesvalorização do real. * ³ Dados do DATAFOLHA indicam que em maio e junho de 1998, o candidato oficial tinha 33% das intenções de voto e seu adversário mais próximo, 30%. A mudança se deu a partir de agosto de 1998, associada à preocupação em relação à crise.

DEULO MXQKR

b)A taxa de variação do consumo: variação percentual do consumo a preços constantes, entre um período e o prévio. Esta é a variável (Var % CF).


Em 2002, o gráfico dos indicadores sugere que

sucesso. O nível de consumo estava 7,5% acima da

o candidato oficial não teria a menor chance. O nível

média móvel de 3 anos e a taxa de crescimento era de 8,5%. Prosperava a percepção de bem-estar e de boas perspectivas (em decorrência da taxa elevada de crescimento).

de consumo estava abaixo da média e a taxa de crescimento era fortemente negativa (-2,8%). De se observar que a tendência para o nível de consumo foi decrescente desde 1999 e se acentuou em 2001, com o “apagão”. Ou seja, em 2002, culminou um processo cumulativo de degeneração do bem-estar, que só foi revertido em 2004. A partir de 2004 – 2005, a conjuntura internacional favoreceu a economia nacional. Houve melhora nos termos de troca, aumentou a liquidez internacional, os efeitos do enriquecimento decorrente dos “subprimes”, ao lado do comportamento chinês, melhoraram as condições brasileiras de comércio. Desta circunstância,

Essa percepção explica o estranho resultado daquela eleição. O candidato da oposição recebeu 41,6% dos votos válidos, no primeiro turno – contrário ao que lhe atribuía o Datafolha, com máximo de 38%. No segundo turno, quando a possibilidade de alteração na Presidência da República tornou-se mais concreta, os eleitores recuaram (ou prestaram mais atenção ao que se passava) e entregaram para a oposição somente 39,2% dos votos válidos. Portanto, pode-se arriscar a dizer que o eleitorado, no primeiro turno, votou

crescimento do PIB mudou de patamar, nada obstante

segundo outros valores, que não o consumo. Na hora decisiva, a questão do bem-estar prevaleceu. Ganhou o candidato da situação4.

o fato de a postura keynesiana da política econômica

A Eleição de 1989: para avaliar o indicador

a economia brasileira pôde expandir a absorção doméstica, sem pressionar o gargalo externo. A taxa de

ter superaquecido a economia, ao final de 2007. No princípio de 2008, a taxa de juros SELIC voltou a subir, para frear a absorção. Nesta conjuntura, na eleição ocorrida em 2006, o candidato da oposição não tinha a menor chance de

Esta eleição foi realizada sob uma circunstância em que o governo perdia, aceleradamente, credibilidade econômica e política. A inflação alcançou 1390%. Houve desabastecimento, como o de combustíveis, denotando um princípio de hiperinflação.

Consumo Familiar: Observado, Média Móvel de 3 Anos e Taxa de Crescimento CR$ de 1984 350000

15 12,6

300000

CR$ de 1984

250000

5

200000 0 150000 -5

100000

5HYLVWD GH

&RQMXQWXUD

-7,0

50000

-11,4

Tx de Cresc a.a.

10

Cons Observ Média Taxa de Cresc

-10 -9,5

0

-15 1986

1987

1988

1989

Fonte: IBGE/Contas Nacionais * 4 Se esta construção do índice e, portanto, a teoria implícita de que o eleitor vota conforme seu bem-estar estiverem certas, toda a discussão que tanto afligiu e constrangeu o candidato da oposição, envolvendo privatização, não valia de nada. E, tampouco, seria de se supor que valesse, considerando-se o sucesso da privatização nas telecomunicações, implantada pelo Governo do PSDB. O eleitor é pragmático e, sendo assim, não presta atenção em temas fabricados para fins do debate ideológico. Se a taxa de variação do consumo familiar fosse negativa e o nível estivesse abaixo da média, não haveria defesa da estatização que pudesse sustentar o candidato do governo. O índice de antecedência implica este entendimento.


A Formatação do Indicador Antecedente A análise da chance política do candidato da situação (incumbent) pode ser conduzida pelo entrelaçar das 3 variáveis apresentadas. Mas, para se constituir um indicador, é necessário proceder à agregação, da qual resultará um valor cujo sinal algébrico indique a chance de eleição (se positivo) ou

de derrota (se negativo). A agregação foi conduzida a partir dos seguintes procedimentos: - A variável (C – C barra), cuja magnitude é em unidades de reais, é transformada em índice de base 100, no ano de livre escolha; - A Variável (Var % CF), com magnitude de pontos de percentagem, da mesma forma, é transformada num índice de base 100, no mesmo ano. - As duas séries de índices são agregadas mediante a escolha arbitrária de pesos. Após algumas simulações com os pesos, aquela ponderação que atribui 0,5 para cada um (ponderação uniforme) é a mais aderente a todos os resultados. - Dessa forma o IAE é definido: [Índice de (C-C barra) + Índice de (Var % CF)] / 2

Este indicador, para os anos recentes, tem o seguinte comportamento:

Indicador Antecedente de Eleição 200,0 150,0 100,0 50,0 0,0 -50,0

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

-100,0 -150,0

O Indicador resume a análise feita acima. O ano de 1988 era de fronteira. O valor do IEA está muito próximo de ZERO e o candidato oficial foi auxiliado por fatores extra-campo. Em 2002, o IEA é negativo. O candidato da situação não teria chance. O governo foi derrotado. Em 2006, o contrário. O IEA alcança seu ponto de máximo nos 13 anos analisados. O candidato oficial ganhou.

dor sugere a repetição do quadro de 2006. Ao longo de 2010, as expectativas são de crescimento do PIB entre 4% e 5% e, portanto, de consumo.

O IEA é uma caracterização de uma função de bemestar econômico que, teoricamente, orienta o eleitor, no momento de avaliar o governo. Em 2009, o indica-

Equivale dizer que o candidato da oposição necessita, fortemente, de efeitos extra-campo. Aí, residem o carisma e a arte política.

Evidentemente, a incerteza do indicador corre por conta dos fatores extra-campo, tão comuns em política. O indicador está a sugerir que, tudo mais mantido constante, vale dizer, os elementos extra-campo, o candidato oficial do governo tem o bem-estar a seu favor.

abril / junho / 2010

Neste cenário, todos os fatores “extra-campo” estavam contra o candidato oficial. Não bastasse, o quadro de bem-estar, da mesma forma, condenava o governo, como se observa no gráfico. Em 1989, a taxa de crescimento do consumo era fortemente negativa (-9,5%) e o consumo observado estava 9% abaixo da média do triênio. Não foi por acaso que o segundo turno foi disputado entre os dois candidatos que, politicamente, eram os mais distantes daquele governo.Com isso,o indicador também explica o resultado de 1989.

43


Anexos: Dados de 1980 a 1989 – trabalhados a preços constantes de 1984, pelo IPCA.

Dados Utilizados: 1995 a 2009 Média Cumulativa C Fam R$ 2009 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

44

1.500.332,42 1.672.324,33 1.730.201,77 1.722.038,30 1.692.751,83 1.637.984,71 1.616.257,27 1.571.430,99 1.477.110,97 1.488.490,80 1.566.411,92 1.700.082,29 1.804.944,36 1.844.932,36 1.972.431,00

de 3 anos 1.634.286,17 1.708.188,13 1.714.997,30 1.684.258,28 1.714.997,30 1.684.258,28 1.648.997,94 1.608.557,66 1.554.933,08 1.512.344,25 1.510.671,23 1.584.995,01 1.690.479,53 1.783.319,70 1.874.102,61

CRESC % C Fam

3,46 (0,47) (1,70) (3,24) (1,33) (2,77) (6,00) 0,77 5,23 8,53 6,17 2,22 6,91

Felipe Ohana fohana@terra.com.br

Revista de

Conjuntura

Economista pela UnB (1974) com mestrado em economia também pela UnB (1976). Grau de Master of Philosophy pela George Washington University, EUA. 1981 (PhD A.B.D.). Coordenador de Macroeconomia do IPEA. Assessor do Ministro do Planejamento. Secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Consultor do Banco Mundial para Angola. Staff da CEPAL (nível P5). Chefe da Assessoria Econômica do Presidente da Câmara dos Deputados. Atualmente é sócio da OF Consultoria Econômica.


José Luis Oreiro

A moeda comum européia, o Euro, foi implantada em 1999 como mais uma etapa no que se entendia como um processo que deveria conduzir o Velho Conti-

aos demais países da área do Euro (Ver Figura 1), viabilizando a manutenção da competitividade da economia alemã e a importância da indústria e das exportações

nente a tão sonhada unificação política, a qual, por sua vez, era vista por muitos europeus como condição necessária para a Europa reassumir sua liderança histórica no mundo, suplantando os Estados Unidos. Passados mais de 10 anos da introdução do Euro surgem dúvidas cada vez maiores sobre a sustentabilidade da moeda comum a médio-prazo. Os países que compõe a área do Euro são bastante heterogêneos no que se refere tanto a sua competitividade externa como a sua situação fiscal. Essas diferenças impõe limites bastante estreitos para a condução de políticas anti-cíclicas “autônomas” por parte dos países a área do Euro. Nesse contexto, podemos identificar dois grupos de países. No primeiro grupo, composto basicamente pela Alemanha, o crescimento do PIB é liderado pelas exportações, a taxa real de câmbio permanece em patamares razoavelmente competitivos e a situação fiscal (medida pela relação dívida/PIB e déficit público/PIB) permite o uso moderado da política fiscal por vários anos como instrumento de política anti-cíclica. Num contexto de forte apreciação do Euro frente ao dólar e outras moedas, a competitividade externa da economia Alemã foi mantida nos últimos 10 anos graças a uma política de “moderação salarial” adotada pelos sindicatos alemães, os quais, em troca da manutenção dos empregos industriais na Alemanha, aceitaram que um crescimento do salário real muito abaixo da produtividade do trabalho. Essa política salarial permitiu uma queda acentuada do custo unitário do trabalho na Alemanha relativamente

como motor do crescimento de longo-prazo da maior economia da Europa. Figura 1

O segundo grupo de países é constituído pelos PIIGS: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha. Em que pesem a existência de algumas diferenças entre os mesmos, podemos destacar a presença de alguns traços comuns a esse grupo de países. Com efeito, esses países sofrem de um problema crônico de competitividade externa, o qual se reflete em grandes déficits em conta-corrente (no caso da Espanha quase 10% do PIB em 2008) somado com desequilíbrios fiscais que variam de moderado (no caso da Espanha) à gravíssimo (o caso da Grécia). O regime de crescimento desses países nos últimos anos foi, em larga medida, finance-led, ou seja, liderado pelo aumento do consumo (e do investimento imobiliário) financiado com endividamento privado e aumento dos preços dos ativos. A combina-

DEUL DEULO MXQKR U O MXQKR

A crise na Europa e os dilemas da Espanha


Conjuntura Revista de

‘‘

A crise recente da Grécia expôs as fragilidades da área do Euro. Em função das desconfianças crescentes dos mercados financeiros a respeito da solvência do setor público na Grécia, as taxas de juros dos títulos da dívida pública desse país aumentaram consideravelmente nos últimos meses o que terminou por agravar a situação fiscal desse país...

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46

ção entre desequilíbrios nos balanços do setor privado e desequilíbrios nas contas públicas não só torna muito estreito o espaço para a utilização da política fiscal de forma anti-cíclica, como ainda inviabiliza as chances de uma recuperação do nível de atividade por intermédio de um aumento da demanda doméstica privada. Dessa forma, a única saída que esses países têm para a atual crise consiste num aumento forte e sustentável das exportações, o qual, no entanto, fica no aguardo da recuperação da economia mundial, uma vez que: (i) a adesão ao Euro eliminou a possibilidade de se usar a desvalorização do câmbio como instrumento de política econômica; e (ii) os sindicatos desses países não tem a mesma “visão estratégica” dos sindicatos alemães e aparentemente não estão dispostos a trocar redução de salário real por garantia de manutenção de emprego no presente e no futuro. Sendo assim, os países desse grupo não têm como promover um ajuste rápido de sua competitividade externa, o que deverá mantê-los por um período longo de tempo numa situação de estagnação econômica. A crise recente da Grécia expôs as fragilidades da área do Euro. Em função das desconfianças crescentes dos mercados financeiros a respeito da solvência do setor público na Grécia, as taxas de juros dos títulos da dívida pública desse país aumentaram consideravelmente nos últimos meses o que terminou por agravar a situação fiscal desse país, criando um ciclo vicioso: piora das expectativas do mercado financeiro levando a um aumento das taxas de juros que, por sua vez, gera um agravamento da situação fiscal, conduzindo a um nova piora das expectativas do mercado financeiro. Como no contexto do arranjo monetário prevalecente hoje na Área do Euro, o governo da Grécia não pode contar com o apoio financeiro do Banco Central Europeu para monetizar, ao menos uma parte, do seu enorme déficit fiscal; segue-se que a eliminação desse ciclo vicioso exige um ajuste fiscal draconiano por parte do governo grego, justamente no momento em que a política adequada, por conta do quadro recessivo que vive o país, e da ausência de outros instrumentos de política econômica, é a manutenção dos déficits fiscais. A Grécia encontra-se, portanto, entre a Cruz e a Espada: se não fizer um ajuste fiscal forte e crível, os mercados financeiros internacionais irão exigir taxas

de juros cada vez mais altas para o financiamento do seu déficit fiscal, o que irá conduzir o país inexoravelmente ao default; se fizer o ajuste fiscal requerido pelos mercados, poderá obter um alívio nas condições de financiamento do seu déficit público às custas de um aumento significativo do desemprego e queda do nível de atividade econômica. Nessas condições, a sociedade e os políticos da Grécia podem, em algum momento, perceber que os custos de manutenção do país na área do Euro superam os seus benefícios, o que levará o país a abandonar a moeda comum. Se isso acontecer, a pressão sobre os demais PIIGS, principalmente a Espanha, pode se tornar insuportável, levando a um efeito cascata de saída de países da área do Euro. Com efeito, a Espanha, a quarta maior economia da área do Euro – com um PIB de US$ 1,6 Trilhão – foi profundamente afetada pela crise econômica mundial. A taxa de desemprego passou de 8,2% da força de trabalho em 2007 para 11,3% em 2008, fechando 2009 em torno de 20%. O PIB espanhol apresentou uma contração de 3,6% em 2009 e as expectativas do FMI para 2010 são de uma nova contração de 0,7%.


nal de 2008 segundo dados da McKinsey Global Institute, quase três vezes o valor do PIB da Espanha. Esse enorme endividamento do setor privado irá exigir uma redução muito forte do dispêndio das famílias e das empresas da Espanha. Dessa forma, os gastos de consumo e de investimento do setor privado deverão permanecer estagnados por vários anos. Em outras palavras, a poupança privada (soma das poupanças das famílias e das empresas) terá que aumentar muito nos próximos anos para reduzir o enorme endividamento do setor privado. Em face do aumento necessário da poupança privada, a recuperação da economia espanhola exige ou uma redução da poupança pública – política que vem sendo adotada até o presente momento pelo governo espanhol – e/ou uma redução da poupança externa, ou

panhola e para evitar que a recessão se transformasse numa depressão. Em conseqüência dessas medidas e da própria recessão, o déficit orçamentário espanhol foi de 11,9% do PIB em 2009. A deterioração do quadro fiscal da Espanha tem levado os mercados financeiros a temer um calote por parte do governo espanhol. Os mercados pressionam o governo da Espanha para adotar rapidamente medidas no sentido de reduzir o déficit fiscal. Em função dessas pressões, o governo da Espanha já sinalizou sua intenção de cortar gastos e aumentar impostos, de forma a reduzir o déficit orçamentário para 3% do PIB até 2013. Mas será essa política a mais adequada para a Espanha sair da crise na qual se encontra? Fazer um ajuste fiscal dessa magnitude, num prazo relativamente curto de tempo, num contexto de uma economia que apresenta elevada taxa de desemprego e grande ociosidade da capacidade produtiva não parece ser uma política muito sensata. Isso porque o ajuste fiscal implica numa contração da demanda do setor público (ou, analogamente, num aumento da poupança do setor público) e a economia espanhola precisa de mais demanda, e não menos, para se recuperar. Além disso, nos próximos anos o setor privado espanhol, atolado em dívidas que superam, em muito, a dívida do setor público, terá que reduzir o seu nível de dispêndio para tentar ajustar os seus balanços. Com efeito, o endividamento do setor privado (empresas e famílias) era de cerca de 4,1 trilhão de dólares no fi-

seja, um aumento do saldo em conta-corrente. O espaço para a utilização da política fiscal para estimular a economia está rapidamente chegando ao fim. Embora países como a Itália tenham uma dívida pública como proporção do PIB muito maior que a Espanha, o ritmo de deterioração fiscal da Espanha é assustador. Se essa velocidade for mantida, em poucos anos a dívida pública da Espanha irá superar 100% do PIB … e os mercados já sinalizaram que não estão dispostos a tolerar uma deterioração muito mais forte da situação fiscal da Espanha. Isso deixa a Espanha com uma única solução possível: reduzir a poupança externa, ou seja, cortar o seu gigantesco déficit em conta-corrente. Entre 2003 e 2008

‘‘

‘‘

Esse enorme endividamento do setor privado irá exigir uma redução muito forte do dispêndio das famílias e das empresas da Espanha.

abril / junho / 2010

A performance da economia espanhola nos últimos anos teve também um profundo impacto sobre a sua situação fiscal. Até 2007, a Espanha vinha reduzindo a dívida pública como proporção do PIB. Com efeito, entre 2004 e 2007 a dívida pública apresentou uma expressiva redução, caindo de 48% para 38% do PIB. Ou seja, a Espanha, ao contrário dos demais PIIGS, não estava fazendo uma “farra fiscal”, pelo contrário, a gestão fiscal da Espanha era sólida e responsável, condizente com os “princípios básicos da ortodoxia”. Após 2007, contudo, a dívida pública passa a apresentar uma elevação expressiva, alcançando o patamar de 70% do PIB no início de 2010. Essa deterioração resultou das diversas medidas de estímulo fiscal que o governo do primeiro-ministro José Luiz Zapatero vem adotando desde 2008 para estimular a combalida economia es-

47


Revista de

Conjuntura

48

a Espanha vivenciou uma explosão do seu déficit em conta corrente, o qual saltou de 30,8 bilhões de dólares em 2003 para 154,1 bilhão de dólares em 2008, o que equivale a quase 10% PIB. O aumento do déficit em conta-corrente resultou, em larga medida, do aumento do déficit comercial espanhol o qual passou de 45,1 bilhões de dólares em 2003 para 129,6 bilhões de dólares em 2008. Se a Espanha não estivesse na área do Euro, a solução seria simples: bastaria uma forte desvalorização da taxa de câmbio, para impulsionar as exportações, contrair as importações e aumentar as receitas com o turismo … o problema é que a adesão a moeda única européia tirou a possibilidade de usar a taxa de câmbio como instrumento de política econômica. Então como a Espanha pode sair desse imbróglio?

mesmos dilemas com os quais se depara hoje. Uma alternativa a esse quadro sombrio seria a realização de uma política fiscal coordenada entre os países da Área do Euro em conjunto com uma harmonização das regras de fixação dos salários nominais em todos os países da Área do Euro. Com efeito, uma parte significativa dos problemas enfrentados atualmente pelos PIIGS advém do fato de que a Alemanha conseguiu viabilizar uma “desvalorização cambial” por intermédio de uma redução dos salários na Alemanha relativamente aos prevalecentes no resto da Europa do Euro. Sendo assim, uma harmonização das regras de fixação de salário pode ajudar a reverter parte da mudança da estrutura de salários relativos no interior da Área do Euro, o que atuaria favoravelmente no sentido de aumentar a competitividade dos PIIGS. Essa reordenação

Existem duas alternativas possíveis. A primeira é produzir um ajuste na competitividade da economia espanhola por intermédio, não de uma desvalorização do câmbio, mas de uma queda dos salários. A redução dos salários teria o efeito de produzir um aumento da relação câmbio/salário, reduzindo assim os custos das empresas espanholas em euros, o que teria o mesmo efeito de uma desvalorização do câmbio, caso a peseta ainda fosse a moeda corrente da Espanha. O problema com essa saída é que a sua implementação irá contar com a fúria dos sindicatos espanhóis, o que certamente torna muito custosa essa alternativa. A segunda alternativa é o abandono puro e simples do Euro. Nesse cenário, a Espanha volta a ter uma moeda corrente própria e poderá desvalorizar o câmbio para incentivar as suas exportações. Os custos dessa alternativa também serão elevados. Certamente haverá corridas aos bancos, fuga de capitais e moratória de todos os contratos em euros no país. A adoção dessas medidas exigirá que a Espanha adote fortes controles a saída de capitais, os depósitos a vista terão que ser parcialmente congelados e o governo deverá intervir nos contratos de dívida em euros para arbitrar ganhos e perdas entre as partes. Nenhum dos dois cenários nos permite vislumbrar uma rápida saída para a crise na Espanha. Nesse contexto, o maior risco é a inação: o governo não faz nada, a economia espanhola continua atolada na recessão e, daqui a alguns anos, terá que enfrentar exatamente os

da estrutura de salários relativos pode e deve ser adotada em simultâneo com uma coordenação entre as políticas fiscais dos países membros, coordenação essa que imponha uma forte expansão fiscal na Alemanha e na França, as duas maiores economias do Euro, e uma contração fiscal nos PIIGS. Dessa forma, evita-se uma queda generalizada da demanda agregada na área do Euro, o que seria extremamente prejudicial para a recuperação das economias européias, ao mesmo tempo em que permite a substituição de demanda doméstica (do setor público) por demanda externa (da Alemanha e da França) nas economias dos PIIGS, reduzindo assim o impacto recessivo do ajuste fiscal nesses países.

José Luis Oreiro joreiro@unb.br Doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ (2000). Professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UNB). Pesquisador Nível I do CNPQ e Diretor de Relações Institucionais da Associação Keynesiana Brasileira.


Max Leno de Almeida e Clóvis Scherer Em 2007, quando do lançamento do Programa

de 2000), fixando, para um período de 10 anos (2010 a

de Aceleração do Crescimento, o Governo Federal

2019) nova limitação das despesas de pessoal para cada

apresentou o Projeto de Lei Complementar (PLP

esfera de poder (Legislativo, Executivo e Judiciário) e

01/2007) com o intuito de estabelecer limite adicional

órgão da União, além dos limites já estabelecidos na

para o aumento das despesas com pessoal da União.

LRF. Tal limitação permite incrementar a despesa de

O Governo apontou como objetivo da proposta a

pessoal, sobre o executado no ano imediatamente

redução, em percentual do PIB, da parcela de despesa

anterior, até o limite da variação acumulada da inflação

corrente primária da União representada pelos gastos

mais 2,5% ou a variação do PIB, valendo o que for

com pessoal e encargos sociais, abrindo caminho para

menor1. Note-se que tal limitação refere-se ao total da

mais investimentos e maior crescimento econômico.

despesa de pessoal, não se aplicando diretamente à

Pretendia-se com a medida, também, construir um

remuneração dos servidores.

cenário de maior garantia e previsibilidade fiscal dos investimentos federais.

Nesse limite não serão considerados os valores transferidos ao Distrito Federal para pagamento de

O PLP 01/2007 não foi aprovado até o momento, continuando em tramitação na Câmara dos Deputados.

pessoal e encargos sociais, bem como as sentenças judiciais associadas à folha de pessoal da União.

Contudo, em dezembro de 2009, o Senado aprovou Projeto semelhante, o PLP 611/07, encaminhando-o para debate na Câmara dos Deputados como PLP 549/09. Esta nota analisa os potenciais impactos deste último projeto sobre a despesa com pessoal da União. 1. Síntese do Projeto

Serão admitidos excessos em relação ao limite quando decorrentes de: - despesas resultantes das alterações de legislação efetivadas até 31 de dezembro de 2009 para fins de criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental

desde

que

acompanhadas

de

O Projeto de Lei 549/09 altera o artigo 71 da Lei de

estimativa do impacto orçamentário-financeiro no

Responsabilidade Fiscal (LRF; ou LC 101, de 4 de maio

exercício em que deva entrar em vigor e nos dois

* ¹ O índice de inflação adotado é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, ou o que vier a substituí-lo, verificado no período entre abril de um ano e março do ano imediatamente anterior.

DEUL DEULO MXQKR U O MXQKR

Análise do d Projeto j d de Leii Complementar - PLP 549/09 (limite dos gastos com pessoal do setor público)


subsequentes e quando se colocar como de caráter

As diferenças entre o PLP 01/2007 e o PLP 549/2009

continuado sendo demonstrada a origem dos recursos

são poucas. Atualizou-se o período de vigência das re-

para seu custeio; e

gras de controle adicional dos gastos - passando de 2007-2016 para 2010-2019 - mas manteve-se a sua du-

- despesas resultantes da substituição por servidor

ração em 10 anos.

público concursado da mão de obra terceirizada existente em 31 de dezembro de 2009, desde que o

A concepção de controle proposto foi mantida, em-

montante acrescido na despesa total corresponda à

bora com uma mudança importante. No PLP 01/2007, o

redução em valor equivalente da respectiva despesa

incremento da folha de pessoal não poderia exceder à

com contratação de mão de obra terceirizada.

variação do IPCA mais 1,5% ao ano. Já no texto do PLP 549, este limite foi alterado para equivaler à variação do

O PLP 549 também propõe que, a partir do exercício financeiro de 2008, as despesas com obras, instalações

IPCA acrescida de 2,5% ou da taxa de crescimento do PIB, o que for menor.

e projetos de construção de novas sedes, ampliações ou reformas da Administração Pública não poderão

Além disso, o PLP 549 estabelece regra limitando o

exceder, em valores absolutos, a 1/4 (um quarto) dos

montante de despesas com obras, instalações, constru-

percentuais estabelecidos para despesas com pessoal

ção de sedes, reformas e ampliações, vinculando-as à

dos três poderes, do Tribunal de Contas da União e do

própria despesa de pessoal.

Ministério Público da União. 2. Abrangência

das

Cabe observar que o texto não é preciso quanto à medidas

e

algumas

comparações com o PLP 01/2007

fórmula de cálculo do percentual máximo de aumento da despesa de pessoal, deixando de dizer se o acréscimo se dará por acumulação ou simples soma aritmé-

O novo artigo que está sendo proposto incluir na

tica. Além disso, o PLP 549 não esclarece qual taxa de

Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 71-A) aplicar-se-á

crescimento do PIB será considerada, se a de cresci-

somente à União, ainda que a LRF seja norma geral

mento nominal ou real.

e destinada a todos os entes da Federação, Estados, Distrito Federal e Municípios (§ 2º do art. 1º).

Por omissão do texto do PLP, deduz-se que uma eventual insuficiência da variação do PIB em um deter-

Revista de

Conjuntura

50

Diferentemente da atual limitação para as despesas

minado ano (abaixo de 2,5%) não será compensada em

de pessoal, que se refere à uma relação com a Receita

ano fiscal subsequente. Ou seja, dependendo das taxas

Corrente Líquida, o novo limitador aplica-se à variação

anuais de crescimento do PIB real, o limite para aumen-

do montante do gasto em termos nominais. Os novos

to da despesa de pessoal (DP) poderá ficar abaixo do

limites transitórios propostos não revogam nem

máximo de 2,5% ao ano, mesmo que haja crescimento

suspendem, em princípio, os limites permanentes

médio superior a esta taxa no período decenal previsto

e prudenciais previstos na LRF, que permaneceriam

no projeto.

válidos. As exceções à aplicação do limite - constituídas por Isto significa que a Despesa Líquida de Pessoal

eventuais impactos de legislação efetivada até o final

da União não pode ultrapassar a 50% da Receita

de 2009, de despesas com pessoal e encargos do DF e

Corrente Líquida (RCL), havendo também uma margem

de sentenças judiciais - foram mantidas. Não está claro,

prudencial a ser respeitada.O período de ajuste é longo

em relação aos efeitos financeiros decorrentes da legis-

(10 anos), muito maior do que o período de três anos

lação já efetivada, o entendimento da expressão “efeti-

que constou como regra transitória da LRF.

vada”, se significa ter sido aprovada, publicada ou posta


quando cargos não tenham sido concretamente providos). No PLP 549 permanece um lapso de tempo entre o período de apuração da despesa liquidada e o período utilizado para a apuração do IPCA (12 meses a partir

51

de abril do ano anterior ao da despesa liquidada), o que pode gerar distorções. A defasagem foi justificada como uma forma de se reduzir incertezas na elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias LDO. 3. Limites em vigor

Fonte: MPOG - SRH - Boletim Estatístico de Pessoal

A Lei de Responsabilidade Fiscal já estabelece um

4. O PLP e a remuneração dos servidores

limite para a despesa com pessoal no setor público, em relação à Receita Corrente Líquida, conforme o quadro abaixo.

Primeiramente, é necessário ressaltar que o PLP não assegura aos servidores qualquer reajuste em seus

QUADRO 1

vencimentos,pois apenas autoriza a União a elevar suas

Limites para as despesas com pessoal

despesas de pessoal dentro de determinado limite. Ou

Em % da Receita Corrente Líquida

seja, não fica assegurada, sequer, a manutenção do valor real dos vencimentos, quanto mais sua elevação

Poder/Ente

União

Estados

Municipios

Executivo

40,9

49

54

Legislativo

2,5

3

6

Em segundo lugar, as regras propostas não limitam

Judiciário

6

6

-

diretamente a concessão de reajustes na remuneração

Ministério Público

0,6

2

-

de servidores ou de suas categorias.

Total

50

60

60

Fonte: Lei de Responsabilidade Fiscal

abril / junho / 2010

GRÁFICO 1

em prática até 31 de dezembro de 2009 (por exemplo,

periódica em termos reais.

Tampouco as regras implicam uniformização dos reajustes dos vencimentos entre as diferentes carreiras do serviço público. Fixando um limite global, fica facultado à Administração Pública aumentar os

A LRF estabelece, adicionalmente, um limite

vencimentos de forma diferenciada entre as diversas

prudencial correspondente a 95% do limite, a partir do

carreiras do serviço público. Assim, teoricamente,

qual ocorrem sanções ao poder ou órgão.

a remuneração de algumas categorias poderia ser elevada acima da variação máxima estipulada, neste

A despesa com pessoal da União como proporção

caso em detrimento de outras categorias de servidores

da RCL está bem abaixo dos limites máximo e

que teriam seus vencimentos reajustados abaixo do

prudencial estabelecidos pela LRF (Gráfico 1). Em 2005,

mesmo limite.

tal relação atingiu seu menor valor, inferior a 30%, e permaneceu neste patamar entre 2004 e 2008 (último

A regra transitória que constou do art. 71 da LRF

ano da série disponível). Este dado permite questionar

excluía dos limites então fixados os eventuais ganhos

a necessidade de limitação adicional na legislação para

obtidos por conta da revisão geral anual prevista

que se efetive o controle sobre a evolução da despesa.

no inciso X do art. 37 da Constituição. O PLP 549 não


manteve essa ressalva, de modo que aumento da

do que entre 1995-2002. Houve elevação na relação

despesa de pessoal em função de uma eventual revisão

DP/PIB de 2004 a 2006, mas que não chegou a se situar

geral deverá se conter ao limite proposto.

em patamares superiores aos verificado no período anterior. A relação DP/PIB foi de, em média, 4,72% de

O PLP 549 não exclui do computo do incremento

2003 a 2008, contra 4,92% entre 1995 e 2002. Mesmo

da DP o chamado “crescimento vegetativo da folha”.

que se desconsidere o ano de 1995, o primeiro período

Segundo algumas fontes, tal crescimento é de cerca

tem uma média acima do segundo.

de 5% ao ano, em termos nominais, enquanto outros o estimam em 1,5% ao ano. Embora não haja uma

Ou seja, a DP da União se manteve controlada como

estimativa consensual e certa, é fato que as carreiras

percentual do PIB, sem necessidade da imposição legal

prevêem incrementos periódicos a todos os servidores,

de limites adicionais aos atualmente em vigor.

segundo regras de promoção definidos em lei. A proposta do PLP 549 terá como resultado a Além disso, a proposta irá limitar significativamente

redução dos gastos com pessoal da União como

o papel das Mesas de Negociações entre servidores e

proporção do PIB. Se aprovado o PLP 549, a DP ficará

o Governo, comprometendo os esforços de tratar das

limitada não mais pela evolução da RCL, mas sim por

questões do funcionalismo por meio do diálogo social

uma fração da variação do PIB - despesa liquidada do

entre as partes.

ano anterior, mais inflação e um crescimento da folha de pagamentos de no máximo 2,5%.

5. Crescimento econômico e gastos de pessoal GRÁFICO 2 contém, em sua justificativa, projeções quanto à

Despesa de pessoal da União como proporção do PIB

evolução da Despesa de Pessoal e encargos sociais da

1995-2008 – em %

União. Quando da edição do PLP 01/2007, o Governo 5,40%

Federal expôs seus objetivos com a medida, indicando

5,37%

5,20%

que:

5,08% 5,03% 4,94% 4,90% 4,85% 4,85% 4,84% 4,81% 4,74% 4,72% 4,67% 4,65% 4,61%

equivalente a 4,7% do PIB. Tal sinalização representava

4,60%

o mais baixo patamar registrado ao longo do período

4,40%

era de uma despesa de pessoal da ordem de 5% do PIB,

Revista de

Conjuntura

próxima da média verificada entre 2003 a 2006 (4,9%), e abaixo da média verificada no intervalo de 1999 a

2008

2007

2006

2005

2004

2003

2001

2002

2000

1999

1998

- a média projetada do período entre 2007 a 2010

4,20% 1995

de 1999 a 2010; e

52

4,80%

1997

Pessoal da União era a de alcançar, em 2010, um valor

% do PIB

5,00%

- a meta estabelecida em relação à Despesa de

1996

Originalmente, a proposição do PLP 549 não

Anos

Fonte: STN – Acompanhamento da Despesa de Pessoal. IBGE. Cálculo e elaboração: DIEESE

2002 (5,23%) que representou um momento em que

Há que se atentar para o fato de que a medida

os servidores tiveram muitas dificuldades quanto à

exclui os ganhos decorrentes do crescimento real do

concessão de reajustes pelo governo federal.

PIB superiores a 2,5%. Mas, por outro lado, quando o crescimento do PIB é mais vagaroso, tal ritmo será

Como se pode ver pelo Gráfico 2, desde 2003 as DPs

também aplicado à despesa com pessoal e encargos

tem permanecido em patamar relativamente menor

sociais. Ou seja, na melhor das hipóteses poderá haver


formalização da economia, pode-se esperar que a

PIB quando este tiver menor dinamismo.

RCL tenha um desempenho favorável. Isto permitiria haver também expansão das despesas de pessoal sem

Fazendo uma análise retrospectiva, nos últimos 10 anos, o PIB teve variação real acumulada de 38,5%.

comprometer os limites previstos na LRF bem como mantendo inalterada sua relação com o PIB.

Nota-se que em três anos o crescimento real do PIB ficou abaixo de 2,5% e nos oito restantes, acima deste

6. Limitação dos gastos e quadro de pessoal

percentual. Se o PLP 549 tivesse vigorado no período, o limite máximo para incremento da DP teria sido de

Em função das políticas de privatização e desmonte

13,71% a menos do que o crescimento do PIB (Tabela 1).

do serviço público levadas a cabo na década de 90 e

Considerando as expectativas de que o país esteja atravessando um ciclo de crescimento sustentado de longo prazo,bem diferente da dinâmica de crescimento lento do início da década, o PLP 549 irá determinar uma forte redução da relação DP/PIB.

começo dos anos 2000, o quantitativo de pessoal da União veio sendo reduzido ao longo dos anos, tanto em termos absolutos quanto sobretudo em relação ao crescimento populacional. Apenas nos últimos anos houve um esforço em reverter tal trajetória, no sentido de reestruturar o Estado e readequar a prestação de

TABELA 1

serviços públicos às necessidades da sociedade.

Taxa de crescimento do PIB e limite do PLP 549 se aplicado ao período 20002009

Como mostra o Gráfico 3, entre 1995 e 2002 o número de servidores ativos da União foi reduzido. Somente a partir de 2003, e mais significativamente de

ANO

Taxa de crescimento do PIB

Limite do PLP 549 - Acima do

(%)

IPCA

2000

4,3

205

2001

1,3

1,3

certa estabilidade, enquanto se nota um contínuo

2002

2,7

2,5

aumento do número de pensionistas até 2007,

2003

1,1

1,1

2004

5,7

2,5

passando a estabilizar-se a partir daí.

2005

3,2

2,5

2006

4,0

2,5

2007

6,1

2,5

2008

5,1

2,5

2009

-0,2

0,0

TOTAL

38,5

21,8

2006, é que se voltou a ter um quadro de funcionários ativos nos mesmos níveis de 1995. A tendência de aumento do pessoal aposentado se sucedeu a uma

GRÁFICO 3 Quantitativo de pessoal da União segundo a situação do vínculo 1995-2008 1.200.000

1.000.000

Fonte: IBGE

800.000

como

nível de atividade econômica, e com a eficiência na arrecadação e estrutura tributária. Assim, num cenário futuro de crescimento econômico como o atual, e de

Ativos

Aposentados

2009

2008

as receitas tributárias têm uma relação íntima com o

2007

0 2006

a evolução do crescimento real do PIB. É sabido que

2005

200.000

2004

que tais gastos acompanhem, entre outros fatores,

2003

400.000

1995

administração pública, tal como hoje ocorre, permite

2002

600.000

2001

referência para limitação dos gastos com pessoal na

2000

RCL

1999

da

1998

utilização

1997

aspecto, a

1996

Neste

Inst. Pensão

Fonte: MPOG - Secretaria de Recursos Humanos – Boletim estatístico. Elaboração: DIEESE

abril / junho / 2010

um aumento real de 2,5%, ou na mesma variação do

53


Quando se considera o crescimento populacional, fica evidente que o quadro de pessoal está em relativo

7. Avaliação da repercussão do PLP 549 em retrospectiva

declínio. A razão entre o número de servidores e o de habitantes teve uma pequena elevação em 2006,

É bastante difícil fazer uma projeção segura do

mas não foi recuperado o patamar existente em 1995

comportamento das variáveis componentes do PLP

(Gráfico 4). Desde então, a população aumentou em

549 para os próximos 10 anos. Assim, uma maneira

20,5%, contra 10,1% de crescimento no quadro de

de avaliar a potencial repercussão do PLP 549 sobre a

pessoal total e de apenas 2,7% no total de servidores

evolução da DP da União é considerar seus efeitos caso

ativos.

estas determinações estivessem em vigor no passado. Tomando as taxas de inflação e do PIB dos últimos GRÁFICO 4

oito anos, e projetando hipoteticamente a evolução

Quantitativo de pessoal da união por habitante

das despesas de pessoal, conclui-se que as regras do

segundo a situação do vínculo - 1995-2008

PLP 549 teriam limitado o aumento da DP colocando-a muito abaixo dos níveis correntes.

12,0

Na Tabela 3 são calculados os limites para aumento

Servidores por hab.

11,0

da despesa com pessoal caso as regras propostas no

10,0

PLP 549 estivessem em vigor desde 2001. Respeitando

9,0

estes limites, foi construída uma série hipotética de

8,0

despesas partindo dos valores realizados em 2001.

7,0

A tabela apresenta, ainda, os valores efetivamente

6,0

realizados no período, a variação anual e a relação dos

5,0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

ATIVOS / hab em mil

TOTAL / hab. em mil

Fontes: MPOG - Secretaria de Recursos Humanos - Boletim estatístico/ IBGE/Cálculo e elaboração: DIEESE

valores hipotéticos com os efetivos. A tabela mostra que a despesa de pessoal da União no período analisado teve variação anual superior ao limite do PLP 549 em todos os anos, com exceção de 2003-2004. Com isto, se fossem aplicadas as regras

Portanto, há espaço e necessidade de ampliação

propostas, as despesas teriam sido limitadas a R$ 122

do número de servidores para fazer face à demanda

milhões em 2009,o que é 78,0% do que foi efetivamente

represada por serviços públicos e para melhorar a

aplicado em pessoal naquele ano.

qualidade dos serviços atualmente prestados. Além disso, deve-se considerar a necessidade de substituição dos servidores que se aposentarem por pessoal ativo. E,

54

por fim, é preciso responder às demandas geradas pelo crescimento populacional, estimado em 0,73% ao ano,

Revista de

Conjuntura

em média, nos próximos 10 anos, segundo o IBGE.

No período considerado, houve a seguinte variação média anual dos critérios utilizados pelo PLP: - IPCA-IBGE = 7,07% ao ano - PIB ano (t – 1) = 3,71% ao ano

Neste sentido, ao limitar o incremento da DP

Por outro lado, o limite aplicável ao aumento da DP

total da União, o PLP 549 poderá ter impactos sobre

foi de 9,43% ao ano. Descontando-se a variação média

a dimensão do quadro de pessoal, tornando difícil

do IPCA, restariam 2,21% ao ano para aumentos reais

que os de objetivos de universalização e melhoria da

da DP, o que é menos do que a taxa de crescimento real

qualidade dos serviços públicos sejam atingidos.

do PIB.


DESPESA DE PESSOAL DA UNIÃO REALIZADA E PROJETADA COM APLICAÇÃO DAS REGRAS DO PLP Mês/Ano

2001

IPCA Variação

Taxa de

anual até março (ano t-1)

crescimento real do PIB (ano t-1)

6,92%

4,30%

Limite de aumento da DP

9,60%

DP da União hipotética (A)

59.881

DP efetiva

Despesa hipotética em relação à despesa efetiva

R$ mil (B)

(%) variação

(C=A/B)

60.564

10,8%

98,9% 93,8%

2002

6,44%

1,30%

7,82%

64.566

68.826

13,6%

2003

7,75%

2,70%

10,44%

71.308

72.448

5,3%

98,4%

2004

16,57%

1,10%

17,86%

84.041

81.806

12,9%

102,7%

2005

5,89%

5,70%

8,53%

91.213

91.793

12,2%

99,4%

2006

7,54%

3,20%

10,22%

100.539

104.707

14,1%

96,0%

2007

5,32%

4,00%

7,96%

108.537

115.441

10,3%

94,0%

2008

2,96%

6,10%

5,53%

114.540

133.015

15,2%

86,1%

2009

4,73%

5,10%

7,35%

122.955

157.710

18,6%

78,0%

TOTAIS 2001-2009

84,9%

38,8%

125,04%

188,65%

Fontes: IBGE. Ministério da Fazenda. Demonstrativo de Acompanhamento da Despesa com Pessoal. Obs: : o percentual máximo de aumento da DP foi calculado por acumulação geométrica, apesar de que o PLP 549 não define o método de cálculo./ Elaboração e cálculos: DIEESE – ER-DF.

Sob outra perspectiva, em igual período, se for descontado do limite de aumento da DP, a variação

8. Conclusões Em síntese, pode-se dizer que:

do IPCA de 7,07% a.a. e o aumento da população de 1,28% a.a., restariam um percentual de 0,92% a.a para as necessidades de recursos para pessoal da União. Ou seja, a aplicação do PLP 549 teria limitado o aumento da DP da União neste período a, no máximo: 1- Manter o valor real da remuneração dos servidores frente ao aumento dos preços; 2 - permitir um aumento do quadro de pessoal compatível com o crescimento populacional (quando na verdade houve redução do quadro de pessoal no período); e 3 - dedicar 0,92%, para todas outras finalidades possíveis, inclusive atender ao crescimento vegetativo da folha. Sendo assim, considerando que o crescimento vegetativo da folha de pessoal é de 1,5% ao ano, o PLP 549/09 teria inviabilizado a manutenção do quadro de pessoal ou a manutenção do valor real da remuneração dos servidores ou a aplicação dos planos de carreiras do serviço público.

- o PLP 549 reproduz, com algumas alterações, o PLP 01/2007, que visava estabelecer limites adicionais às DP da União; - a principal alteração é substituir o limite real (acima do IPCA-IBGE) de 1,5% por 2,5% ou a taxa de crescimento do PIB, prevalecendo o menor percentual; - sendo impossível prever o comportamento do PIB em um período tão extenso, não se pode afirmar que o do PLP 549 será maior ou menor do que o do PLP 01; - há pontos indefinidos no PLP 549, tais como a taxa de crescimento do PIB que será considerada, a forma de cálculo do limite máximo de aumento da DP, com exceção da legislação já aprovada até 31/12/2009; - na vigência dos atuais limites estabelecidos na LRF, observou-se o limite atualmente em vigor na redução da DP/RCL e na preservação da relação DP/PIB; - o PLP 549 irá certamente provocar a redução significativa da relação DP/PIB; - os servidores não terão garantida a preservação do valor real dos seus vencimentos, bem como sua

abril / junho / 2010

TABELA 3

55


elevação de acordo com o desempenho econômico geral e, notadamente, do setor público; - a norma pode levar a disputas entre setores do funcionalismo pela parcela de incremento da DP autorizada; - as demandas dos servidores públicos podem não ser atendidas em função dos limites adicionais impostos, ainda que compatíveis com as disposições da LRF; e - a via do diálogo social e da negociação coletiva em curso não está sendo valorizada pelo PLP 549.

comparação internacional e evolução recente. IPEA, Brasília. 19º Comunicado da Presidência do IPEA. www.ipea.gov.br SENADO FEDERAL. Comissão Diretora. Parecer nº 2.702, de 2009. Redação final do Projeto de Lei do Senado nº 611, de 2007 - Complementar. SENADO FEDERAL. Parecer nº, De 2007. Da Comissão de assuntos Econômicos, sobre o Projeto de Lei do Senado nº 611, de 2007 – Complementar, que acrescenta dispositivos à Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.

Pelo exposto, as normas do PLP 549 implicarão em que o Governo Federal tenha dificuldades em manter o valor real dos vencimentos dos servidores federais ao mesmo tempo em que atenda as necessidades de crescimento vegetativo da folha de pessoal e mantenha e recomponha o quadro de pessoal da União ao menos para acompanhar o crescimento populacional.

Fontes consultadas DIEESE. Subseção DIEESE/CUT e Subseção DIEESE/ CONDSEF. Projeto de Lei Complementar à Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (limite dos gastos com pessoal do setor público). s/dt. Mimeo. IBGE. Revisão 2008 – Projeção da população do Brasil. http://www.ibge.gov.br/series_estatisticas/ subtema.php?idsubtema=125

Max Leno de Almeida max@dieese.org.br Mestre em Economia pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Conselheiro do COFECON. Atualmente é economista do Departamento Intersindical de Estatística e de Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e professor universitário.

MINISTÉRIO DA FAZENDA. Tesouro Nacional. Relatório de Gestão Fiscal Consolidado. vv.nn. http://www.tesouro.fazenda.gov.br/hp/lei_ responsabilidade_fiscal.asp

Revista de

Conjuntura

56

MINISTÉRIO DA FAZENDA. TESOURO NACIONAL. Relatório de Acompanhamento da Despesa com Pessoal. Dezembro/2009. http://www.tesouro. fazenda.gov.br/estatistica/index.asp MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORçAMENTO E GESTãO. Secretaria de Recursos Humanos. Boletim Estatístico de Pessoal. Vários números. http://www.ser vidor.gov.br/publicacao/ boletim_estatistico/bol_estatistico.htm PESSOA, Eneuton et alli. Emprego Público no Brasil:

Clóvis Scherer clovis@dieese.org.br Economista pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com especialização em Engenharia de Produção pela mesma Universidade. Atualmente é Supervisor do Escritório regional do DIEESE no Distrito Federal.



1mR TXHEUH D FRUUHQWH

O Corecon/DF defende os interesses da categoria e trabalha pela valorização dos economistas. Mas, para que esta luta seja bem-sucedida, é importante a participação de todos. Visite o seu Conselho. Critique. Dê sugestões.

Participe!

A conquista é de todos.

Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DF SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br


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