Revista de Conjuntura, n. 43

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ANO XI • Nº 43 • julho/setembro de 2010

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ARTIGOS Tempos Keynesianos Luiz Fernando de Paula e Fernando Ferrari Filho Real Forte: Benção ou Maldição? Carlos Eduardo de Freitas

julho / setembro / 2010

Revista de

CORECON-DF realiza XXII1 SINCE com grande participação dos CORECONs

“Guerra Cambial”: Causas e Consequências Newton Marques A (incrível) rentabilidade dos bancos brasilieros Leda Maria Paulani Aspectos sobre a especulação Simone Maciel Cuiabano A intervenção do Estado na economia por meio das políticas públicas fiscal e monetária - Uma abordagem Keynesiana Carlos Frederico Alverga O Processo Legislativo Federal Miguel Gerônimo da Nóbrega Netto

ISSN 1677-0668

ENTREVISTA Dércio Munhoz comenta como se deu a formação econômica da cidade e as questões apontadas por ele de maior importância e urgência como a saúde, a problemática da expansão urbana e a questão do sistema de transportes.

Foram aprovadas, durante o evento, inúmeras propostas que irão promover a evolução dos CORECONs e do exercício da profissão do economista, considerando as transformações aceleradas no mercado de trabalho.


Aluno e aluna de

Ciências Econômicas de qualquer período ou série

COMECE A FAZER PARTE DESDE JÁ DA SUA COMUNIDADE PROFISSIONAL! Compareça ao Conselho Regional de Economia do Distrito Federal e obtenha sua Carteira de Estudante de Ciências Econômicas. O estudante credenciado terá os mesmos benefícios oferecidos aos economistas registrados, em igualdade de condições, exceto aqueles diretamente relacionados ao exercício profissional que sejam privativos dos profissionais registrados por determinação da lei. Ao apresentar a credencial em qualquer Conselho Regional de Economia, o portador poderá consultar a legislação regulamentadora da profissão do economista, extrair cópias de artigos sobre temas de economia e ter acesso às publicações do Sistema COFECON/CORECONs, videotecas e bibliotecas, além de conseguir descontos nos eventos do Sistema COFECON/CORECONs.

Documentos necessários: • Declaração de matrícula e frequência da Faculdade, mencionando data prevista de conclusão do curso (original e cópia); • Documento de identidade (original e cópia); • CPF; • 2 fotos 3x4 coloridas; • comprovante de residência (original e cópia); • preenchimento do requerimento da credencial.

End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília/DF -8368 Tel: (61) 3225-9242 / 3223-1429 / 3964-8366 / 3964-8368 ervalo) Horário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo) E-mail: corecondf@corecondf.org.br www.corecondf.org.br


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Nesta edição 07

Tempos Keynesianos

Luiz Fernando de Paula e Fernando Ferrari Filho

Conjuntura Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ANO XI • Nº 43 • julho/setembro de 2010

11 Real Forte: Benção ou Maldição?

Carlos Eduardo de Freitas

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2 editorial 3 entrevista

“GUERRA CAMBIAL”: CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS

Dércio Munhoz

Newton Marques

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26 capa

A (incrível) rentabilidade dos bancos brasilieros

Propostas do CORECON-DF apresentadas no XXII SINCE

Leda Maria Paulani

39 Aspectos sobre a especulação

Simone Maciel Cuiabano

45 A intervenção do Estado na economia por meio das políticas públicas fiscal e monetária - Uma abordagem Keynesiana

Carlos Frederico Alverga

51 O PROCESSO LEGISLATIVO FEDERAL

Miguel Gerônimo da Nóbrega Netto A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contatando o Corecon/DF.

Tãmnia


Revista de

Conjuntura Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

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Editorial

O Conselho Regional de Economia do DF (CORECON/DF) realizou o XXII Simpósio Editor responsável José Luiz Pagnussat Conselho editorial Carlos Eduardo de Freitas Elder Linton Alves de Ataújo José Fernando Cosentino Tavares José Roberto Novaes de Almeida Humberto Vendelino Richter Maurício Barata de Paula Pinto Newton Ferreira da Silva Marques Oscar Henrinque Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira Jornalista responsável Camila Fiorese (Reg. DRT/DF: 7851) Redação e Editoração eletrônica Camila Fiorese Tiragem: 4.000 Periodicidade: trimestral As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF Presidente José Luiz Pagnussat Vice-presidente Jusçânio Umbelino de Souza Conselheiros efetivos Mônica Beraldo Fabrício da Silva Maurício Barata de Paula Pinto Homero Gustavo Reginaldo Lima José Luiz Pagnussat Jusçanio Umbelino de Souza Humberto Vendelino Richter Carlos Eduardo de Freitas Oscar Henrique Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira Conselheiros suplentes Guilherme Costa Delgado Newton Ferreira da Silva Marques Victor José Hohl Érton Birk Teixeira Diones Alves Cerqueira Ronalde Silva Lins Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira Miguel Rendy Elder Linton Alves de Araujo Gerente Executivo Geraldo Andrade da Silva Equipe do Corecon Angeilton Francisco Lima Faleiro Camila Fiorese Iraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares Estagiário José Luiz Cordeiro Cruz End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília/DF Tel: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo)

Nacional dos Conselhos de Economia – SINCE no período de 1º a 3 de setembro de 2010, com grande participação de delegados dos demais conselhos regionais. O XXII SINCE foi organizado em três grupos de trabalho para debater, aprovar ou rejeitar propostas recebidas, previamente, de todos os Conselhos Regionais. O grupo 1 debateu a formação profissional e o mercado de trabalho do economista. Neste tema foram analisadas e aprovadas várias propostas que normatizam novos campos de atuação dos economistas. As mudanças no mercado de trabalho e a invasão de profissionais de outras áreas em atividades para as quais os economistas têm melhor formação exigem dos conselhos a revisão e aperfeiçoamento da legislação específica, no sentido de viabilizar a fiscalização do exercício profissional e permitir que os conselhos cumpram sua função de defesa da sociedade frente aos maus profissionais que oferecem os seus serviços sem a formação necessária. Neste tema debateu-se também a formação do economista e a adequação dos currículos frente às mudanças no mercado de trabalho. Observou-se que os cursos de economia têm ajustado os seus currículos buscando definir o perfil específico de cada curso ao mercado regional de trabalho. Entretanto, observa-se uma continua queda na demanda pelos cursos de economia e o fechamento de muitos, ao mesmo tempo em que proliferam cursos de mestrado e doutorado em economia. Este é o caso de Brasília, que tem mais do dobro de instituições que oferecem pós-graduação strictu sensu do que de graduação em economia. Tal tendência pode evidenciar uma evolução na formação dos economistas, que no passado foi um curso técnico, evoluiu para o bacharelato e hoje o mercado está demandando o profissional de economia com formação mais apurada e/ou especializada. Constatou-se, também, uma ampliação da demanda por profissionais de economia, a começar pela oferta de estágios não preenchidos em várias áreas de atuação dos economistas. As demandas por economistas não estão sendo atendidas plenamente não só nos estágios, mas principalmente em níveis estratégicos de “economista sênior” e especializado, como mercado de capitais e financeiro, entre outros. Neste sentido, o Conselho de Economia do DF propôs o reconhecimento de especialistas em campos do saber específico na área de economia para efeito de registro de mestres e doutores e profissionais atuantes em áreas afins. As propostas não foram aprovadas, mas o debate foi intenso e certamente fará parte da agenda dos conselhos nos próximos SINCEs. Este é o tema da matéria da Revista para a qual convido todos os economistas de Brasília a contribuírem para o aperfeiçoamento do assunto. O grupo 2 debateu o aperfeiçoamento dos sistema de Conselhos. Foram aprovados propostas que ampliarão a articulação entre os conselhos regionais em várias atividades como a fiscalização profissional, além da revisão da legislação básica da profissão. O grupo 3 debateu a conjuntura econômica e social do País, com quatro palestras de grandes nomes nacionais que levantaram questões relacionadas com a política econômica e social do País, cuja síntese está na “Carta de Brasília” aprovada na plenária final do SINCE e reproduzida na Revista.


ENTREVISTA

Ainda em comemoração ao cinquentenário de Brasília a Revista de Conjuntura do CORECON-DF entrevista o Professor Dércio Garcia Munhoz, “Cidadão Honorário de Brasília” (1999) e um dos mais respeitados economistas do País, que comenta entre outros pontos, como se deu a formação econômica da cidade e as questões apontadas por ele de maior importância e urgência como a saúde, a problemática da expansão urbana e a questão do sistema de transportes. O Professor Dércio Munhoz graduou-se em economia na Universidade de Brasília (UnB) em 1966, obteve o título de Mestre em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) em 1971 e o Reconhecimento de Notório Saber, pelo Conselho Federal de Educação, em 1980. Iniciou suas atividades acadêmicas, ainda, na década de sessenta na UnB, onde foi Professor Titular do Departamento de Economia até 1996. Foi professor, também, de outras instituições de ensino do País, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Administração Fazendária, Escola Nacional de Administração Pública, Instituto Rio Branco, entre outras. Entre suas atividades fora da universidade se destacam: a de funcionário concursado, em 1954, do Banco do Brasil; presidente do Conselho Federal de Economia (COFECON) em 1986 e presidente do Conselho Superior da Previdência em 1988, dentre outras importantes funções públicas que o professor Dércio Munhoz exerceu. Com aproximadamente 280 artigos publicados em revistas especializadas e Séries Monográficas, desde 1971, o Professor Dércio ainda tem em seu currículo quase 70 textos didáticos, centenas de artigos para jornais e colunas na Internet e diversos livros como Economia Agrícola – Agricultura: uma defesa dos subsídios (1982), Divida Externa: a crise rediscutida e Economia Aplicada Técnicas de Pesquisa e Análise Econômica. Conjuntura - Como se deu a formação econômica de Brasília? E também as tendências de expansão dos diversos setores econômicos?

Foto: Julio Covello (AENotícias)

Desenvolvimento econômico de Brasília em 50 anos

Dércio Munhoz - A base econômica de Brasília nos anos 60 se sustentava sobre dois eixos: grandes e pequenas construtoras e atividades afins (de instalações elétricas, hidráulicas, de esquadrias metálicas e de madeiras, de impermeabilização, marmorarias, etc.), comércio de materiais de construção produzidos em outras regiões, indústria extrativa – todas voltadas predominantemente para o setor de construção civil – na construção dos prédios públicos e na intensa atividade de edificações privadas que num primeiro momento preencheriam as duas asas do Plano Piloto – a Asa Norte num ritmo mais moderado; restaurantes, mercados, lojas de roupas e calçados, de móveis e de eletrodomésticos, papelarias e as primeiras escolas privadas, além de um diversificado e crescente setor de serviços – no atendimento às necessidades das pessoas e das famílias. Começam então a surgir grandes empresas locais no setor de transformação, como serralherias e fábricas de móveis e estofados. Aos poucos, nas décadas seguintes, a economia do Distrito Federal foi se assemelhando às das regiões mais antigas, ainda que com destaque especial para a construção civil, pois longo seria o caminho de ocupação do Plano Piloto e de expansão e criação de novas cidades satélites, dentro de um fenômeno migratório que faria a população do Distrito Federal triplicar nos dez primeiros anos, ultrapassando já em 1970 a meta final de quinhentos mil habitantes.

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Dércio Munhoz

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Conjuntura - Em sua opinião quais as vocações econômicas de Brasília? Dentre elas, qual teria mais destaque no ponto de vista econômico e por que?

Dércio Munhoz - Perdura ainda com grande dinamismo o setor da construção civil, e consolidou-se o grande comércio voltado para o abastecimento da população. Tomou vulto, por outro lado, um setor de serviços white collar (“colarinho branco”) muito específico, porque ligado à centralização administrativa dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, própria de uma capital federal. É evidente,por outro lado,que a indústria jamais será uma vocação local – salvo manufaturas leves na área de alimentos, vestuário e calçados e mobiliário, voltados para a demanda local, e que, aliás, já tem presença marcante. Destacando-se o comércio – num mix de grandes e pequenos estabelecimentos – e serviços blue collar, tais como o de manutenção e reparo de veículos, cuja importância decorre do tamanho e crescimento da frota de automóveis na região do Distrito Federal. Fora disso Brasília oferece, dada a posição geográfica, condições favoráveis para funcionar como centro distribuidor de produtos transformados na direção de uma ampla região compreendendo o Centro Oeste, o Norte e parte do Nordeste. Mas nesse aspecto é forçoso reconhecer a presença, como fortes concorrentes, de alguns grandes centros urbanos do Estado de Goiás.

Conjuntura Revista de

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... a indústria jamais será uma vocação local – salvo manufaturas leves na área de alimentos, vestuário e calçados e mobiliário, voltados para a demanda local, e que, aliás, já tem presença marcante.

Conjuntura - Qual o impacto de Brasília na interiorização do desenvolvimento do Brasil (Brasília como pólo de desenvolvimento regional)? Dércio Munhoz - Quando Carlos Lacerda, um feroz crítico da construção de Brasília e de vias de integração como a Belém, ainda nos anos 60, ao percorrer parte da rodovia – até Ceres ao que parece – reconheceu o papel integracionista da estrada e o seu impacto no desenvolvimento do Centro Oeste, indiretamente Brasília e diretamente JK recebiam os louros pelo sucesso do grande desafio da interiorização do país. Não foi por outra razão que, quando uma Junta Militar assumiu o Governo em 1969, com a doença de Costa e Silva e instalação do governo provisório no Rio de Janeiro, logo foram afastados os temores de retorno definitivo da Capital Federal, pois seria um contrasenso interromper o processo histórico de interiorização administrativa visando a tão ansiada integração territorial. Conjuntura - Qual a sua opinião sobre a formação de um novo grande eixo de desenvolvimento Brasília - Goiânia? Dércio Munhoz - Brasília-Goiânia repete um processo de conurbação que se desenvolve no Norte do Paraná, na região Londrina-Maringá, e constitui extraordinária experiência da integração de várias cidades – incluindo, dentre elas, Rolândia, Arapongas, Mandaguari e Sarandi - num eixo relativamente pequeno, em torno de cem quilômetros, com Londrina e Maringá, nos extremos, funcionando como pólos mais dinâmicos. Aliás, o desenvolvimento integrado das cidades do norte do


do Governo Federal – num inexplicável abandono da

plantação de uma ferrovia - deveria ser estudado como

Capital Federal a condenáveis conluios paroquiais - a

fenômeno raro que é visando o planejamento para o desenvolvimento integrado futuro do eixo Brasília. Afinal é urgente o acúmulo de conhecimentos sobre os problemas e soluções integradas entre várias cidades, mesmo porque o desenvolvimento econômico do Vale do Paraíba, refletindo em extensas áreas urbanas, vem transformando o eixo Rio - São Paulo num mega caso de conurbação. Requerendo uma presença mais atuante e uma ação mais integrada dos municipais da região com os governos estaduais e o Governo Federal.

ação predatória tomou vulto, fortaleceu-se com alianças sinistras entre o poder público e interesses voltados para a mais abjeta especulação imobiliária. Daí resultando um processo de rápida desfiguração urbana do Distrito Federal, com a mutilação do modelo de ocupação urbana da grande Brasília, que se traduz na mudança de destinação de áreas nobres, de comprometimento de regras de preservação ambiental ou de equilíbrio nas taxas de densidade demográfica, tal como ocorreu com as áreas rurais de Vicente Pires – protegidas deste a construção de Brasília para impedir a contaminação da bacia do Paranoá; ou as faixas de terras entre o Guará e a via EPIA, ou entre Guará/ Núcleo Bandeirantes e Guará/Via Estrutural, ou nas áreas que circundam a região do Setor Policial Sul.

Dércio Munhoz - Além da questão da saúde, envolvendo graves deficiências da rede pública no atendimento ambulatorial e hospitalar, dois outros são os pontos que me parecem essenciais: a problemática da expansão urbana e a questão do sistema de transportes. E ambos são como irmãos siameses, pois requerem encaminhamento conjunto, soluções harmônicas, coincidências temporais. Quando no início dos anos 70 um grupo Francês presente no Brasil foi contatado pelo governo local visando o planejamento do sistema de transportes no Distrito Federal, havia plena consciência de que a expansão urbana deveria obedecer a uma lógica que permitisse a implantação de eixos de transportes – condição primeira para sistemas de transporte de massa. Assim se pensava evitar que os caóticos sistemas de transporte do Rio e São Paulo se reproduzissem no futuro na nova capital. Quando Brasília completa 50 anos da fundação o que se percebe é que sucessivos governos locais perderam a perspectiva do que representa o planejamento urbano em microrregiões com as características do Distrito Federal. E com isso permitiu-se um processo anárquico de expansão urbana, onde até mesmo a ocupação de áreas especiais setorizando atividades econômicas foi tratada como mera moeda de troca de interesses políticos. E, dada a ausência de instrumentos de controle, coordenação e supervisão por parte

E isso se repete em todas as direções. Sem contar a expansão desordenada dos condomínios, as intenções mais recentes da CEB de alienar extensa área em frente ao Carrefour Norte, para onde avançariam novos edifícios residenciais, quando a destinação normal do lote e áreas próximas deveria ser a ampliação do Parque Burle Max. Especialmente para impedir que o avanço da especulação imobiliária mutile ainda mais as áreas verdes urbanas do Distrito Federal, que constituem um patrimônio que não pode ficar sujeito a decisões intempestivas de governantes.

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Quando Brasília completa 50 anos da fundação o que se percebe é que sucessivos governos locais perderam a perspectiva do que representa o planejamento urbano em microrregiões com as características do Distrito Federal.

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Conjuntura - Que questões de maior importância e urgência se poderiam apontar como preocupantes na fase atual de consolidação do complexo urbano do Distrito Federal?

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Paraná, para o qual se analisa agora a viabilidade de im-

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Conjuntura - E quanto às cidades Satélites? Dércio Munhoz - Após a criação do primeiro núcleo habitacional permanente fora do Plano Piloto – a cidade de Taguatinga se consolidou o modelo de um conjunto de cidades satélites em torno de Brasília para absorver o crescimento populacional. E a criação de novas cidades satélites procurava obedecer a um ritmo que permitisse o desafogo diante das pressões sobre as cidades-satélites já existentes. Com isso se evitava um crescimento explosivo que pusesse a expansão dos núcleos fora de controle das autoridades. Mas se algum sucesso foi alcançado – a despeito das distorções decorrentes do alargamento dos perímetros urbanos para atender interesses políticos dos mais rasteiros – hoje o modelo enfrenta novos desafios, diante da proliferação dos espigões, comprometendo, pelas mudanças na densidade demográfica, os serviços de saúde e saneamento, e os sistemas de abastecimento e transporte, dentre outras distorções. Os critérios de ocupação territorial terão de ser revistos – diante de um PDOT (Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF) novíssimo e precocemente envelhecido – com a criação de mecanismos, inclusive com a participação do Governo Federal, para impedir que questões de extrema importância muitas vezes sejam decididas mais pelos interesses de construtoras e incorporadores, criando prejuízos irreparáveis para a população. E o descontrole institucional sobre a questão do uso das terras do Distrito Federal é tão grave que a Terracap desde 2007 deixou de colocar em seus sites os resultados das licitações de terrenos – o que é extremamente preocupante quando áreas nobres como o Setor Noroeste entraram na “linha de produção”.

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Conjuntura - Mas e a questão dos transportes urbanos? Dércio Munhoz - E se na questão da expansão urbana Brasília de há muito virou uma terra de ninguém – do que se tem aproveitado sem pudor grande parte dos membros da Câmara Legislativa no aspecto do transporte urbano o quadro não é menos desanimador. O metrô é antigo, mas funciona com inexplicável deficiência porque até hoje não houve interesse na implantação do sistema de integração com ônibus, que faria a alimentação nas cidades satélites, nem os ganchos que fariam o metrô atender às áreas dos ministérios e todo o eixo monumental; e para essa dissídia se alega a insuficiência no número de vagões, quando se descobre, surpreendentemente, que novos trens não foram adquiridos em coordenação temporal com as novas linhas e estações. Por outro lado, no eixo Brasília, de extraordinária demanda de transporte, sucessivos governos do Distrito Federal jamais tiveram interesse em implantar sistemas de transporte de massa, embora os custos minimizados com o aproveitando da linha férrea existente desde o inicio de Brasília e que chega à antiga gare, hoje funcionando precariamente como estação rodoviária interestadual. Nos seus 50 anos Brasília traz, portanto, ao menos aos que a viram nascer, a nostalgia de relembrar com saudades um futuro que em grande parte ficou apenas como uma vã esperança. Às gerações mais recentes fica o desafio de, através de organizações da sociedade civil ainda não submetidas aos projetos políticos de falsas lideranças, atuar coordenadamente para resgatar o possível dos sonhos de JK.

Nos seus 50 anos Brasília traz, portanto, ao menos aos que a viram nascer, a nostalgia de relembrar com saudades um futuro que em grande parte ficou apenas como uma vã esperança. Dércio Munhoz


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Tempos Keynesianos* Luiz Fernando de Paula e Fernando Ferrari Filho O processo de globalização financeira, em que os mercados financeiros são integrados de tal forma a criar um “único” mercado mundial de dinheiro e crédito, diante de um quadro em que inexistem regras monetário-financeiras e cambiais estabilizantes e os instrumentos tradicionais de política macroeconômica tornam-se crescentemente insuficientes para conter os colapsos financeiros (e cambiais) em nível mundial, tem resultado em frequentes crises de demanda efetiva, determinado fundamentalmente por “forças financeiras”. De fato, a crise financeira que emergiu em 20072008, cujos desdobramentos ainda se fazem sentir nos dias de hoje – exemplificando, os Estados Unidos continuam enfrentando dificuldades para se recuperar e o sistema financeiro dos países da zona do euro apresenta sérias instabilidades, principalmente devido à crise fiscal dos chamados PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), é, sobretudo, a crise da globalização financeira, entendida como uma tendência à criação de um mercado financeiro global e de intensificação no fluxo de capitais entre países. Esse processo remonta a crise do sistema de Bretton Woods e a formação do mercado de eurodólares, que, diga-se de passagem, acabou contribuindo para a desregulamentação doméstica dos sistemas financeiros – com o fim da segmentação entre mercados – e a liberalização dos fluxos de capitais. Como resultado do processo de desregulamentação financeira, observou-se um acirramento na concorrência entre instituições bancárias e, por conseguinte, queda nas margens de intermediação financeira, tendo como resposta uma tendência à conglomeração financeira e um

aumento na escala de operação, via fusões e aquisições. Assim, instituições financeiras passaram a explorar diferentes mercados, inclusive de mais baixa renda. No mercado de títulos, desenvolveram-se mecanismos de securitização, estimulados pelo crescimento de investidores institucionais, em que firmas e bancos se financiam “empacotando” rendas a receber. Em suma, uma vez que a securitização permitia a diluição de riscos no mercado, as instituições financeiras passaram a aumentar sua alavancagem, supondo que os mecanismos de auto-regulação do mercado seriam capazes de continuar avaliando corretamente os riscos inerentes às atividades financeiras. A crise do subprime – mercado de financiamento imobiliário de maior risco – acabou por expressar todas as contradições deste processo. A necessidade de ampliação de escala levou as instituições financeiras a incorporarem segmentos de baixa renda em condições de “exploração financeira” – no caso do subprime, com taxas de juros variáveis (baixas no início e se elevando ao longo do tempo) – que acabou resultando em um processo de estrangulamento financeiro do tomador de crédito. A securitização, que serviria para diluir riscos, na prática serviu para esconder riscos – títulos lastreados em hipotecas eram emitidos por instituições financeiras de grande porte, sendo tais ativos classificados como grau de investimento por uma agência de rating. Esses ativos, como resultado da globalização financeira, passaram, por sua vez, a ser comprados por investidores de diferentes nacionalidades. Criaram-se, assim, novos instrumentos financeiros que não foram devidamente regulamentados

pelas

autoridades

monetárias.

Mecanismos de auto-regulação mostraram-se falhos devido ao caráter pró-cíclico da tomada de risco:

* Este artigo é uma adaptação da apresentação do Dossiê da Crise II editado pela Associação Keynesiana Brasileira (AKB) e disponível em http:// www.ppge.ufrgs.br/akb.

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projetos que eram considerados ruins na desaceleração

financeiros globais liberalizados sem um sistema de

passaram a ser visto como bons no boom cíclico.

regulação adequado.

John Maynard Keynes, em sua Teoria Geral do

A crise financeira internacional, cuja origem está

Emprego, do Juros e da Moeda (TG) de 1936, chamava a atenção para o fato de que, em economias monetárias da produção, a organização dos mercados financeiros enfrenta um trade-off entre liquidez e investimento: por um lado, eles estimulam o desenvolvimento da atividade produtiva ao tornar os ativos mais líquidos, liberando, portanto, o investidor da irreversibilidade do investimento; por outro, aumenta as possibilidades de ganhos especulativos. Assim, ao estabelecer uma conexão entre os mercados financeiro e real da economia, Keynes na TG (1964, p.159) escreve que “a posição é séria quando o empreendimento tornase uma bolha sobre o redemoinho da especulação. Quando o desenvolvimento das atividades de um país torna-se o subproduto das atividades de um cassino, o trabalho provavelmente será mal-feito”1.

nas perdas causadas pelo crescente default dos empréstimos das hipotecas de alto risco do mercado subprime americano e que, devido ao fato de que grande parte dessas hipotecas foram securitizadas e distribuídas a investidores do mercado global, acabou tornando-se global, nos induz a duas reflexões. Em primeiro lugar, ela põe em xeque os benefícios concretos da globalização financeira, com mercados financeiros desregulados, inclusive nos países desenvolvidos. Em segundo lugar, ela nos remete, a partir das medidas de natureza fiscal e monetária implementadas pelos países desenvolvidos e, em menor grau, por países em desenvolvimento – tais

Indo ao encontro de Keynes, nos dias de hoje, a ação dos global players, em um mercado mais liberalizado e integrado, faz com que os mercados financeiros convertam-se em uma espécie de grande cassino global. Especulação, em uma economia global, tem caráter disruptivo não somente em mercados domésticos, mas sobre países como um todo, criando uma espécie de cassino financeiro ampliado. Na perspectiva keynesiana, instabilidade financeira não é vista como “anomalia”, mas como resultante da própria forma de operação dos mercados financeiros em um sistema no qual não existe uma estrutura de salvaguarda que exerça o papel de um market marker global. Assim, o formato institucional específico dos mercados financeiros determina as possibilidades de se ter um ambiente em que a especulação possa florescer. Crises financeiras não são apenas resultados de comportamentos “irracionais” dos agentes, mas resultam da própria forma de operação dos mercados

como injeção de liquidez e de capital nos sistemas financeiros por parte das autoridades econômicas destes países e redução sincronizada da taxa básica de juros dos principais bancos centrais mundiais – para se evitar a repetição de uma grande depressão, tanto a repensar o próprio papel do Estado na economia, quanto à necessidade de reregulamentar os sistemas financeiros domésticos e reestruturar o sistema monetário internacional2. Recentemente, um artigo escrito por economistas do Fundo Monetário Internacional (Blanchard, O. et al, “Rethinking macroeconomic policy”, fevereiro de 2010) defende, em tempos pós-crise, uma nova agenda de política econômica alternativa ao “consenso macroeconômico” prevalecente até a crise econômica de 20083. Segundo este trabalho, os fundamentos desse consenso foram seriamente abalados com a crise econômica. Em primeiro lugar, a crise mostrou aos formuladores de política econômica que a manutenção de uma taxa estável de inflação não é condição suficiente para a estabilidade macroeconômica. Isso porque o comportamento dos preços dos ativos, dos

* ¹ Keynes, J.M. (1964). The General Theory of Employment, Interest and Money. New York, HBJ Book. *² Nossa análise sobre a crise financeira mundial está aprofundada em Ferrari Filho, F. e Paula, L.F. (2009). “Crise financeira e reestruturação do sistema monetário internacional”. Indicadores Econômicos, 37(1): 113-118. *³ Para o referido consenso a política macroeconômica deveria ser conduzida com base nos seguintes princípios: 1) fixação de um único objetivo para a política monetária: obtenção de uma taxa de inflação baixa e estável; 2) a política monetária, conduzida sob um regime de metas de inflação, deve ter como único instrumento a taxa de juros de curto prazo; 3) o único objetivo da política fiscal deve ser a estabilização da dívida bruta do setor público como proporção do PIB; e 4) a regulação financeira deve ser pensada de forma independente dos impactos macroeconômicos da mesma.


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agregados de crédito e, até mesmo, a composição da produção podem criar forças desestabilizadoras dentro do sistema econômico que levam, a médio e longoprazo, à ocorrência de uma crise financeira de grandes proporções. Em segundo lugar, a fixação de uma meta de inflação muito baixa reduz consideravelmente o espaço para a redução da taxa nominal de juros quando a mesma for necessária para se lidar com os efeitos de uma crise financeira. Assim, os custos da perda de flexibilidade de uma meta de inflação muito baixa superam, em muito, os possíveis ganhos de credibilidade que possam gerar. Em terceiro lugar, a manutenção de um “espaço fiscal” – entendido como uma relação dívida bruta/PIB entre baixa e moderada – se mostrou de importância fundamental para uma pronta e decisiva resposta da política fiscal à crise financeira. Por fim, o escopo limitado da regulação financeira forneceu os incentivos necessários para os bancos criarem operações “exóticas” fora do seu balanço, de forma a contornar os limites de alavancagem estabelecidos pelo Acordo da Basileia, o que acabou por aumentar a fragilidade financeira do sistema como um todo4. Enfim, o próprio mainstream, ou parte dele, questiona os fundamentos da política econômica convencional e mesmo os próprios fundamentos da teoria econômica ortodoxa, como a fé cega no funcionamento do mercado, em que a ação de agentes racionais conduziria a resultados “ótimos” (ou próximos a esses) do ponto de vista econômico-

Diante desse contexto, a Associação Keynesiana Brasileira (AKB) elaborou o Dossiê da Crise II, contendo artigos de vários economistas brasileiros keynesianos associados à referida Instituição, além de convidados internacionais (Gary Dymski, Jan Kregel, Philip Arestis e Thomas Palley) – todos conhecidos economistas keynesianos que têm participado ativamente das atividades da AKB –, cujo objetivo consiste em avaliar os desdobramentos da crise financeira internacional, no mundo em geral e no Brasil, assim como avaliar algumas alternativas de políticas. Nele, algumas questões centrais são analisadas, tais como: a crise financeira internacional resulta de uma crise de um paradigma econômico liberal? Quais os motivos da hesitante recuperação econômica mundial? O que está por detrás da crise na Europa? No caso do Brasil, quais foram os fatores determinantes na superação da crise? Passado o susto, quais problemas econômicos devem ser enfrentados e quais devem ser as soluções para os mesmos? O Dossiê da Crise II está dividido em duas partes. Uma primeira parte analisa a natureza e os desdobramentos da crise financeira no mundo. Uma segunda focaliza os

* 4 Veja a respeito., Oreiro, J.L. e Paula, L.F. “Um novo arcabouço de política econômica”, Valor 30/03/2010.

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Como resultado do processo de desregulamentação financeira, observouse um acirramento na concorrência entre instituições bancárias...

social. De fato, há muito economistas keynesianos vêm questionando tais preceitos, chamando a atenção que o modelo “neoliberal” não garante um crescimento econômico robusto e financeiramente estável, além de gerar um crescimento incompatível com a melhoria na distribuição de renda. Para esses economistas, não só Keynes e seus seguidores têm muito a dizer sobre a “economia da depressão”, como também sobre caminhos possíveis para se alcançar uma “economia da prosperidade”. Está claro que vivemos “tempos keynesianos”, embora os contornos da política econômica que assegure a saída definitiva da crise e, sobretudo, para um mundo pós-crise não estejam muito claros no debate econômico atual. Afinal, os sinais de recuperação econômica mundial têm sido contrastados com sinais preocupantes, como a crise européia dos PIIGS, e o fato de que a moderada recuperação econômica no mundo tem sido acompanhada de hesitante diminuição no desemprego.

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impactos da crise no Brasil e os caminhos de superação para um novo ciclo de crescimento sustentado. No que se refere à primeira parte, alguns questões importantes são apresentadas. Em primeiro lugar, sustenta-se que a crise da economia americana significou a exaustão de um modelo de ciclo econômico baseado na combinação de inflação de ativos com elevações persistentes no endividamento. A crise financeira, de modo geral, revelou uma crise do próprio modelo liberal, em que falharam os princípios de eficiência dos mercados e sua capacidade de autoregulação. Em segundo, aponta-se que as vacilações nas políticas implementadas, como uma preocupação possivelmente prematura com os déficits públicos e crescimento das dívidas públicas, acabam por gerar incertezas ainda maiores em relação à recuperação econômica mundial, podendo até mesmo levar a uma nova contração econômica. Em terceiro lugar, a crise dos PIIGS revela os problemas relacionados à rigidez nas políticas macroeconômicas e às assimetrias nas realidades econômicas na zona do euro, entre países com condições estruturais bastantes diferenciadas, gerando um problema crônico de competitividade externa, uma vez que a adesão ao euro eliminou a possibilidade de se usar a desvalorização do câmbio como instrumento de política econômica. Saídas para a crise são apontadas através da utilização de diversos mecanismos de coordenação de políticas, como adoção de uma política de juros baixos na zona do euro, e países superavitários comprometendo-se a adotar estímulos fiscais e aumentos salariais para estimular o comércio intra-europeu. Não se descarta, inclusive, a possibilidade de reestruturação de dívida pública grega dentro do euro.

Revista de

Conjuntura

12

Na segundo parte deste Dossiê o foco é o Brasil. Avalia-se, em particular, as condições que possibilitaram a economia brasileira a superar o contágio da crise mundial, onde se destaca a importância do papel anticíclico dos bancos públicos (BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) que evitaram uma contração mais significativa do crédito global na economia e, junto com a manutenção e aumento do nível do investimento e do gasto público, foram determinantes na rapidez da resposta à crise internacional. Apontase, ainda, que se a política monetária tivesse sido flexibilizada prontamente aos efeitos da crise ainda em 2008, possivelmente a economia brasileira nem teria sofrido uma recessão em 2009.

Ademais, algumas proposições de política econômica são feitas no sentido de permitir que a economia brasileira pós-crise entre em uma rota de crescimento econômico sustentado e financeiramente estável, sem esbarrar em problemas crônicos de restrição externa (leia-se sustentabilidade de longo prazo do balanço de pagamentos) ao crescimento, gerados tanto por déficits crescentes na conta comercial e de serviços, como também em função da própria volatilidade nos fluxos de capitais externos. Neste sentido, avalia-se, entre outras proposições, o uso de políticas de controle de demanda agregada via coordenação de políticas monetária e fiscal (com uso contra-cíclico), a criação de um Fundo de Estabilização Cambial, com recursos fornecidos pelo Tesouro Nacional na forma de títulos de dívida pública, e a implementação de regulamentação sobre fluxos de capitais que permita reduzir a volatilidade na taxa de câmbio e ajude e reduzir pressões advindas de uma excessiva entrada de capitais externos. Enfim, abre-se a discussão para uma nova agenda de política econômica, diga-se de passagem, importante de ser avaliada no momento em que, no início de 2011, um novo governo tomará posse.

Luiz Fernando de Paula

luizfpaula@terra.com.br Economista formado pela UERJ e professor da mesma. Pesquisador do CNPq, com doutorado pelo IE/UNICAMP e pós-doutorado pela Universidade de Oxford. É autor do livro “Financial Liberalization and Economic Performance: Brazil at the crossroads” (Routledge). Presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB).

Fernando Ferrari Filho ferrari@ufrgs.br Economista formado pela UERJ, com mestrado na UFRGs e Doutorado na USP em Economia. Pós-doutorado em Economia na University of Tennesse. Professor titular da UFRGS e pesquisador do CNPq. Atuaelmente vice-presidente da Associação Keynesiana brasileira.


Carlos Eduardo de Freitas 1. Introdução. A partir de novembro de 2002, vencidos os piores momentos das desconfianças em relação ao futuro Governo do Partido dos Trabalhadores, o real (R$) entrou numa trajetória sustentada de apreciação, como resultado basicamente de superávits de balança comercial que se traduziram em saldos significativos no Balanço de Pagamentos em Transações Correntes2. Em 2006 a Conta de Capital e Financeira do Balanço torna-se positiva com forte ingresso de capitais estrangeiros, antecipando, inclusive, a promoção do Brasil, em 2008, a grau de investimento pela Standard & Poor’s (S&P) e pela Fitch Ratings, duas das principais agências de classificação de risco do mundo.

2006 e 2007 tiveram superávits simultâneos na Conta Financeira e na Conta Corrente, sendo que em 2006 superávits expressivos em ambas. Em 2007 o superávit financeiro foi extravagante (US$ 89,2 bilhões), mas o saldo de Transações Correntes caiu a US$ 1,5 bilhão na esteira da elevação do crescimento do PIB, prenunciando os déficits de 2008 em diante. Em setembro de 2008 a crise financeira internacional provocou um colapso do crédito e da demanda mundiais. O R$ atravessou um curto período de significativa desvalorização, de setembro a dezembro daquele ano. Contudo, os fluxos de capitais retornaram já em 2009 com a política monetária e fiscal expansionista dos Estados Unidos e de outras economias desenvolvidas, e o atrativo

* ¹ O autor agradece ao Ministro Odacir Klein a oportunidade de apresentar esse documento de trabalho ao Workshop por ele organizado em Brasília, bem como a autorização para publicação do texto como artigo para a Revista de Conjuntura, nº 43 (julho-setembro de 2010) Ano XI, publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal – CORECON/DF. * ² Ver Carlos Eduardo de Freitas, Grau de Investimento,in Revista de Conjuntura, Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (CORECON/ DF), Ano VIII, nº 34, abril/junho de 2008, pp.30-40.

julho / setembro / 2010

Real Forte: Benção ou Maldição?1

13


das oportunidades de investimento no Brasil. A precoce recuperação econômica do País, em função, dentre outros fatores, da sustentação do ritmo de atividade econômica da China, foi instrumental nesse processo.

ficado econômico ponderado com mais cuida-

O Gráfico 1 mostra a evolução do índice da taxa de câmbio efetiva real da moeda brasileira de dez/1998 a out/2010. O barateamento do dólar e de um conjunto amplo de moedas frente ao R$ vem sendo visto como fato negativo, que simplesmente retira competitividade da indústria brasileira. Isto não é verdade. O fortalecimento do Real reflete, em última análise, o enriquecimento brasileiro favorecido pela mudança estrutural da economia mundial, semeada desde o início da década de 80 do século XX e que aflorou na primeira década do século XXI.

de uma política deliberada do governo, e a taxa de

O

R$ mais valorizado aumenta o poder de compra da poupança brasileira, barateando a formação de capital fixo, um dos gargalos mais importantes do desenvolvimento do País. Vale notar, talvez para surpresa geral, que em outubro de 2010 o R$ encontrava-se mais valorizado que em dezembro de 983, último mês do regime cambial de bandas ajustáveis, com taxas semifixas, que caracterizou fase de notória sobrevalorização da moeda nacional, entre julho de 1994 e janeiro de 1999. Mas esse dado, embora até possa ter algum impacto jornalístico, tem que ter seu signi-

do, porque se está a comparar situações distintas. Em dezembro de 1998 a taxa de câmbio era ditada pelo Banco Central. A sobrevalorização resultava R$ 1,2046/US$ era artificial. O mercado não acreditava nela, e as reservas internacionais já estavam esgotadas em janeiro de 1999, quando o governo determinou ao Banco Central que abandonasse a sustentação daquela taxa e daquele regime cambial. Em 2010, ao contrário, a taxa de câmbio é flutuante e não há artificialismo na política cambial. A valorização vem desde o início da década, é comum a vários países, decorre de uma nova estrutura econômica internacional com significativos ganhos para o Brasil nos termos do intercâmbio, as reservas internacionais encontram-se em nível recorde, e os ingressos de investimentos externos diretos e de investimentos em ações também são recordes. Antes do baque provocado pela crise do final de 2008, as exportações de manufaturados se expandiam na contramão da valorização cambial (Gráfico 1-A), e, não obstante as reclamações setoriais voltam a aumentar em 2010, com expansão de 9,6% no quantum acumulado jan/set, ou de 3,5% nos 12 meses terminados em setembro de 2010 (dados da FUNCEX, Boletim de Comércio Exterior, out/2010).

Revista de

Conjuntura

14

*³ A valorização era de 13,1% de acordo com o cálculo da taxa real efetiva de câmbio do BIS.


Quadro 1-A 1998 2010 (est)

Preços correntes

2010

Preços

(est)

constantes

Semimanufaturados

ra cambial na apreciação do Real; b) Seção 3: Uso do IOF para enfrentar pressões transitórias sobre a taxa de câmbio decorrentes de fatores externos, fora do controle do governo, ou que exijam um prazo mais longo para terem suas causas corrigidas; c) Seção 4: A questão do ajuste fiscal como remédio para os juros altos; d) Seção 5: Conclusões.

2. Juros, Guerra Cambial e Apreciação do Real. O conventional wisdom hoje prevalecente no

Participações Percentuais no Total das Exportações Básicos

a) Seção 2: Análise do papel da taxa de juros e da guer-

Manufaturados

25,40%

15,90%

57,50%

43,20%

14,20%

42,70%

39,40%

11,40%

49,30%

Evidentemente, há o fato novo, pós-crise financeira, representado pela resposta expansionista da política monetária norte-americana à crise financeira de 2008 que aumenta a oferta global de dólares, e, de outro lado, a rígida posição chinesa de atrelar o renminbi ao dólar – a chamada guerra cambial. É ponto relevante, porque se trata de políticas que, combinadas, podem acabar convergindo para ações classificadas como beggar my neighbor, se não na intenção, mas nas conseqüências. Esses fatores podem condicionar um excesso de valorização do R$, além do que se justificaria em decorrência dos novos fundamentos da economia mundial. Esse excesso é que é preocupante porque, tendo caráter transitório e lastro numa guerra cambial, isto é, lastro artificial, divorciado dos “fundamentals” , pode caracterizar uma bolha, com possibilidade de evoluir para uma crise. Colocada a questão, o texto divide-se em quatro seções, a saber:

Brasil é de que o afluxo excessivo de capital estrangeiro se deve à elevada taxa de juros interna. Por conseguinte, a forma de resolver o problema seria fazer com que os juros internos baixassem ao nível internacional. O instrumento seria uma reestruturação fiscal que reduzisse a dívida pública. Ninguém discute a relevância de um programa fiscal de médio prazo, com metas claras e exeqüíveis, e transparência dos instrumentos. O novo governo que se inaugura em 1º/01/2011 sem dúvida apresentará um plano desse tipo à sociedade. Não há descalabro fiscal, como se verá adiante, e, portanto, não há necessidade de ajustes fiscais draconianos, como, aliás, muito bem assinalou o Ministro Delfim Netto em artigo no jornal Valor4. Mas também não há razão para duvidar que taxas altas de juros atraiam capitais do exterior e que dívidas públicas percebidas como elevadas pelos investidores exijam juros mais elevados para sua rolagem. Aceitas as hipóteses acima seria preciso estimar a elasticidade dos ingressos de capitais em relação à taxa de juros, e por aí avaliar o impacto da taxa de juros sobre a apreciação cambial brasileira. Isso exigiria exercícios econométricos complexos que fogem ao escopo desse estudo. Nada obstante, o economista Alexandre Schwartsman alerta5, em artigo a ser publi-

* 4 Antonio Delfim Netto, “Voto de Confiança”, Valor, 30/11/2010, p. A2. * 5 Conforme Ségio Leo, “Estratégias para a guerra cambial”, Valor, 29/11/2010, p. A2.

julho / setembro / 2010

A primarização da pauta de exportações de fato ocorreu, mas em intensidade menor que a indicada pela simples comparação de valores correntes. E foi resultante de sinais autênticos de preços. O parque produtivo brasileiro respondeu a esses estímulos seguindo as práticas recomendadas pela literatura, isto é, investindo no agribusiness e em setores ligados à mineração, segmentos onde, vale lembrar, o País detém óbvias vantagens competitivas e robusta bagagem de pesquisas acumuladas. Ainda assim, as exportações de manufaturados cresceram à taxa média anual de 7%, a preços constantes, entre 1998 e 2010 (valores projetados pelo autor), e continuam a representar em 2010 a categoria mais importante da pauta se considerados os valores deflacionados (49,3% contra 39,4% dos básicos).

15


cado no número do quarto trimestre de 2010 da Revista Brasileira de Comércio Exterior (RBCE)6, que a influência dos juros pode não ser tão grande como alguns poderiam esperar: “a queda de 4 pontos percentuais nos juros elevaria o dólar a apenas R$ 1,75, exemplifica”7. Esta conclusão é compatível com o que se pode ver de um conjunto de dados aqui apresentados no Quadro 1 e Gráfico 2. A reta de tendência ajustada no diagrama de dispersão do Gráfico 2 construído com os dados do Quadro 1 sugere uma relação positiva, embora fraca, entre taxa de juros real e valorização da taxa de câmbio. Um país pode apresentar valorizações cambiais expressivas, caso da Coréia do Sul (14,52%) e do Canadá (12,81%) e, ao mesmo tempo, ter taxas de juros negativas ou extremamente reduzidas – exemplo do Chile, quarto colocado em valorização cambial da amostra de 10 países do Quadro 1 (0,72%a.a. de juros reais e 16,99% de valorização do peso). Dos três líderes de apreciação da moeda, apenas o Brasil tem juros elevados. África do Sul, primeira colocada com 41,66% de valorização do rand, tem juros reais de 1,39%a.a., e Austrália, segunda colocada, com 34,47% de valorização do dólar australiano, tem 1,62%a.a. de taxa de juros reais. Isto posto, é importante ressalvar que o Quadro 1 pode encerrar alguns problemas de especificação de dados, que não invalidam as conclusões acima, mas aconselham certa cautela. Por exemplo, os bancos centrais de alguns países podem ter acumulado mais ou menos reservas do que outros, intervindo com maior ou menor intensidade nos mercados cambiários e, assim, influenciando as tendências das respectivas taxas de câmbio.

Revista de

Conjuntura

16

A imposição de eventuais controles de entrada ou saída de capitais, de natureza tributária, ou não, seriam outras variáveis a serem consideradas. Por isso, um exercício de regressão múltipla, envolvendo outras variáveis explicativas dos movimentos das taxas de câmbio, além das taxas de juros, daria uma idéia mais clara da sua contribuição na determinação do câmbio.

A novidade do Quadro 2 em relação ao Quadro 1 é a informação das desvalorizações cambiais de Estados Unidos, Reino Unido, Venezuela e Argentina, ademais do Euro. Além disso, não traz a informação das taxas de juros, embora certamente Estados Unidos e Reino Unido tenham reduzido os juros nas suas economias, o que reforçaria a hipótese de correlação juros/valorização cambial. Aliás, em nenhum momento refutamos tal hipótese, apenas registramos vários indícios de que a relação pode ser fraca. Inclusive no caso específico do Brasil a taxa de juros parece explicar uma parcela bem menor da valorização cambial do que a sabedoria convencional vem alardeando. Chamam atenção o peso argentino e o Bolívar venezuelano. Ambas as moedas seriam típicas commodity currencies, e os dois países deveriam estar em um período de prosperidade e valorização cambial. Ao contrário, apresentaram fortes desvalorizações – 18,52% do peso e 25,45% do bolívar – e o desempenho das duas economias é sujeito a controvérsias. Finalmente, a desvalorização do Dólar, 9,95%, associada à do Renminbi, 3,89% como já visto no Quadro 1, sugere, se não a existência de guerra cambial, ao menos a constatação de movimentos de política econômica das duas maiores economias do planeta que podem ser danosos ao Brasil e a outras nações emergentes. A política monetária expansionista dos Estados Unidos inaugurada aos primeiros sinais da crise e aprofundada no final de 2008 vem produzindo efeitos de desvalorização do dólar. Este era um dos desdobramentos esperados e não deveria surpreender ninguém que tivesse suas exportações concentradas no mercado norte-americano. Nesse sentido, é sempre aconselhável separar, nos casos de perdas com o comércio exterior, empresas que estivessem com foco no mercado americano e não redirecionaram suas vendas em função da crise. Estas enfrentarão período de dificuldades e a solução está nas mãos delas. Não há nada que o governo possa ou deva fazer, exceto algumas medidas paliativas de crédito direcionado para ajudar a financiar mudanças de linhas de produtos e/ou desenvolvimento de novos mercados.

* 6 Revista Brasileira de Comércio Exterior (RBCE), editada pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (FUNCEX). * 7 In Sérgio Leo, idem, idem.


produzir a elevada taxa de poupança, que, associada a um regime cambial controlado, viabiliza essa política. Dessa forma, como os produtos americanos continuam caros na China, a pressão exportadora se faz sobre o resto do mundo, e o Brasil é um alvo privilegiado. Assim, os Balanços de Pagamentos de Brasil, América do Sul e Central, incluindo o México, Europa, África e outros países da Ásia teriam que acomodar um volume muito maior de exportações americanas, comparativamente a uma situação onde a China estivesse expandindo suaabsorção (consumo e investimento internos). E ao final responder pelo reequilíbrio dos Estados Unidos sem a participação da segunda maior economia do planeta.

Ora, isto está acima das forças daqueles países e poderia levá-los a uma crise financeira semelhante à de 1982, se houver financiamento continuado a déficits crescentes de Balanços de Pagamentos em Transações Correntes como na segunda metade dos anos 70 do século XX cuja resultante foi a crise referida acima. A apreciação da moeda local em relação ao Dólar é instrumental nesse processo. No caso brasileiro seria de se esperar que a taxa de câmbio flutuante reagisse em algum momento e o Real perdesse valor, estabilizando o Balanço de Pagamentos em Conta Corrente, e trazendo o ritmo de expansão do PIB a nível consentâneo com os fundamentos econômicos do País. Nessas condições os fluxos de investimentos externos também deveriam se reduzir pela queda natural das taxas de retorno para as novas aplicações.

Quadro 1 Taxas de Juros e Apreciação Cambial Taxa de Juros Nominal

Inflação Taxa de Juros Real Preços ao Consumidor

Sinal (+) apreciação. Sinal (-) desvalorização

%a.a.

%a.a.

%a.a.

out/08 a out/10

África do Sul

7,24

5,77

1,39

41,66%

Austrália

4,02

2,36

1,62

34,47%

Brasil

9,82

4,89

4,70

33,33%

Chile

1,44

0,71

0,72

16,99%

Coréia do Sul

2,64

2,75

-0,11

14,52%

Canadá

0,69

0,96

-0,27

12,81%

Índia

7,5

11,99

-4,01

10,40%

Indonésia

8,14

4,56

3,43

8,48%

Rússia

9,26

9,05

0,19

-5,30%

China

1,92

1,71

0,21

-3,89%

Fontes e Observações: (i) Exceto para o Brasil, os dados são da OECD. (ii)Para taxas de juros e taxas de inflação seguir o link abaixo e acessar, (1) Finance/Financial Indicators/Interest Rates, (2) Prices and Purchasing Power Parities/Prices and Price Indices/ Price Indices/Consumer Prices Annual Inflation. http://stats.oecd.org/index.aspx (iii) Conforme os metadados do site, as estatísticas são originárias dos bancos centrais nacionais e se referem a taxas de juros ou yields de operações de 3 meses , CDB's, títulos dos tesouros nacionais, transações interbancárias, etc. Foram usadas médias 2009/2010 (jan/out/ jan/set/jan/ago, jan/jun de acordo com a disponibiliade dos dados). (iv) Para o Brasil, Website do Banco Central. Taxa de juros: Swap DI x Pré 90 dias. Inflação:IPCA.

julho / setembro / 2010

O problema é que a China atrelou sua moeda ao dólar e usa todo o seu poder de coação interna para

17


Quadro 2

Porém, a literatura das crises financeiras sugere que o mercado pode agir contra si próprio, e os investidores

Índice das Taxas de Câmbio Efetivas Reais

prosseguirem colocando ativos líquidos em projetos cada

Unidades de moedas estrangeiras por moeda nacional out/08

vez mais ilíquidos. Foi o que aconteceu de 1974 a 19828.

out/10

Variação Moeda

Países que valorizaram a moeda Se isso ocorrer, os controles cambiais devem ser

África do Sul

69,56

98,54

41,66%

Rand

usados. A relação dos juros com o câmbio existe, mas os

Austrália

87,46

117,61

34,47%

Dólar

dados sugerem que pode ser mais fraca do que a sabe-

Brasil

111,2

148,26

33,33%

Real

doria convencional esperaria. Além disso, há as intercor-

Chile

94,34

110,37

16,99%

Peso

rências decorrentes da ausência de coordenação entre

Coréia do Sul

71,82

82,25

14,52%

Won

as políticas econômicas dos Estados Unidos e da China

Canadá

97,3

109,76

12,81%

Dólar

que desequilibram o Balanço de Pagamentos brasileiro.

Índia

95,77

105,73

10,40%

Rupee

Nova Zelândia

85,01

92,75

9,10%

Dólar

Japão

96,12

104,36

8,57%

Yen

Indonésia

112,14

121,65

8,48%

Rupiah

México

86,88

90,97

4,71%

Peso

A redução da dívida pública dentro de um programa de médio prazo é bem vinda sob todos os ângulos, porém insuficiente e lenta para reverter o presente processo de valorização cambial

Revista de

Conjuntura

18 * 8 Na verdade os mercados financeiros internacionais já estavam rarefeitos para o Brasil e América Latina em geral desde fins de 1979. No nosso caso, começava a ficar difícil apresentar projetos genuinamente interessantes à comunidade financeira, e iniciamos um período de artificialismos com manobras táticas para estimular o interesse dos investidores. Internamente, o setor privado não tinha mais condições de suportar o risco cambial associado ao endividamento externo, de modo que o setor público assumiu o comando total das novas captações de recursos externos, num processo crescentemente desgastante até o colapso em fevereiro de 1983.

Países que desvalorizaram a moeda Venezuela

163,89

122,18

-25,45%

Bolívar

Argentina

99,96

81,45

-18,52%

Peso

Estados Unidos

96,22

86,65

-9,95%

Dólar

Reino Unido

87,7

79,2

-9,69%

Pound

Rússia

127

120,27

-5,30%

Rublo

China

122,99

118,2

-3,89%

Yuan

Zona do Euro

99,35

97,42

-1,94%

Euro

Fonte: BIS - Website - Real Effective Exchange Rates


A rentabilidade das aplicações externas em renda fixa, também chamada de cupom cambial, depende

Assinalou-se acima, ao final da Seção 2 que os contro-

do diferencial dos juros internos e externos e da dife-

les cambiais são o instrumento adequado para lidar com

rença entre a taxa de câmbio de entrada e de saída.

as pressões de apreciação do Real decorrentes do derrame de Dólares nos mercados financeiros internacionais.

Dessas quatro variáveis, três são conhecidas a priori: juros internos e externos e taxa de câmbio de ingres-

O governo limitou-se até o momento9 a usar o IOF

so. A incógnita é a taxa de câmbio de saída. A BM&F

- Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Se-

oferece cotações até 3 meses à frente com base em

guro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários como

contratos fechados e negócios efetivamente realiza-

mecanismo de controle cambial com o objetivo bási-

dos. Daí em diante as cotações disponíveis são indi-

co de aumentar o prazo dos investimentos em títulos

cativas, não estando lastreadas em contratos firmes.

de renda fixa (os investimentos diretos e em ações já costumam ter horizontes de mais longo prazo).

Para esse prazo de 3 meses é fácil para os investidores fazerem arbitragens, onde realizam lucro pratica-

Originalmente, e de acordo com o Decreto 6.306,

mente sem risco. Por exemplo, entram com os dólares,

de 14/12/2007, não havia cobrança de IOF sobre os

fazem a conversão em R$ e aplicam em LTN’s ou NTNF’s,

ingressos de recursos externos. Com a abertura da

que são títulos da dívida mobiliária federal de juros pré-

possibilidade de investimentos externos em títulos

fixados e compram dólares no mercado futuro. A ope-

da dívida mobiliária federal em Reais, e dada a isenção

ração está toda fechada e o lucro determinado a priori.

do imposto de renda, houve uma avalanche de investimentos externos com esse fim, e em 12/05/2008 o governo editou o Decreto 6.453, taxando em 1,5% todos os investimentos em carteira, tanto de renda fixa como em ações. Com a eclosão da crise financeira o governo voltou atrás e isentou essas operações do tributo, por intermédio do Decreto 6.613, de 2/10/2008. Em 19/10/2009, recuperados os fluxos de entradas de capitais e com o R$ se valorizando 34% em relação ao fundo do poço da crise, em dezembro de 2008, o governo anuncia a volta da taxação dos ingressos para os mercados financeiros e de capitais (investimentos em ações e de renda fixa), à alíquota de 2%. Um ano depois, em 4/10/2010, essa alíquota passa a 4%, apenas sobre renda fixa, permanecendo a de 2% nas aplicações em

A alternativa, que aparentemente é a mais usada, consiste em especular com a taxa de câmbio futura. Como o R$ vem se apreciando, o lucro do diferencial de juros pode ser maior. Normalmente, quando uma moeda paga juros significativamente maiores que outras moedas é porque representa um risco proporcionalmente maior que costuma se refletir em taxas de câmbio mais desvalorizadas à frente. Quando esse quadro não se configura, o especulador eventualmente aposta que a taxa de câmbio irá se depreciar pouco ou até se apreciar no futuro e fica com a posição aberta. A especulação, ao contrário da arbitragem, caracteriza uma transação com uma ponta aberta, onde se concentra o risco, o lucro ou o prejuízo.

renda variável. Note-se que a alíquota de 4% incide

O Quadro 3 mostra duas simulações de investimen-

também sobre Fundos de Ações, Fundos Multimerca-

tos em títulos de renda fixa – LTN’s e NTN-F’s – base-

do, porque misturam renda fixa com renda variável, e

adas em arbitragens para operações de até 3 meses,

debêntures (Decreto 7.323). Logo em seguida, possivel-

e nas taxas de câmbio referenciais da BM&F para os

mente achando que as entradas de recursos não esta-

prazos mais largos, até 3 anos. Uma simulação com o

vam reagindo como esperado, o governo aumentou a

IOF à alíquota atual de 6%, e outra, considerando, ape-

alíquota da renda fixa para 6%, com incidência esten-

nas para efeito ilustrativo, a alíquota máxima de 25%,

dida às garantias exigidas em contratos de derivativos.

conforme art. 15 do Decreto 6.306, de 14/12/2007.

* 9 Novembro de 2010.

julho / setembro / 2010

3. Uso dos Controles Cambiais – O IOF

19


Quadro 3 O IOF e a Rentabilidade do Investº Externo em Títulos de Renda Fixa Data de referência: 30/11/2010 Simulação conforme expectativas apresentadas pela BM&FBovespa (arbitragens apenas até 3 meses - março/2011) Prazo em Meses

Rendimento Nominal LTN/ NTN-F

Taxa de Câmbio Futura R$/US$

Custo do dinheiro externo

Rentabilidade IOF 6%

Rentabilidade IOF 25%

LTN/NTN-F

LTN/NTN-F

col. (1)

col. (2)

col. (3)

% a.a.

R$

% a.a.

% a.a.

% a.a.

3

10,79%

1,752

0,16%

-20,58%

-67,83%

6

11,66%

1,7877922

0,21%

-9,33%

-42,31%

9

12,17%

1,8294921

0,21%

-5,39%

-30,03%

24

12,53%

2,0370713

0,51%

-0,39%

-11,14%

36

12,49%

2,2012002

1,51%

-0,10%

-7,70%

Fontes e Observações: Col. (1) - Tesouro Nacional Tabela de Rentabilidade Rentabilidade do Tesouro Direto - Posição 30/11/2010. Taxa do Dia - Venda Proxies utlizadas: 3 meses LTN 01/01/2011; 6 meses LTN 01/07/2011; 9 meses LTN 01/01/2012; 24 meses LTN 01/01/13; 36 meses NTN-F 01/01/2014. Col. (2) - Para 3 meses: BM&FBOVESPA Mercados-Mercadorias e Futuros-Cotações e Volume-Cotações online-Boletim Online- Dólar Comercial 3 meses Mar/2011. Para 6 meses inclusive, em diante - BM&F Taxas Referenciais Link abaixo 6 meses = taxa referencial 181 d; 9 meses = idem 272 d; 24 meses = idem 720 d; 36 meses = idem 1.080 d. Col. (3) - Custo de oportunidade dos recursos externos - Proxies: 3 meses T-Bill (3 meses); 6 meses T-Bill (6 meses); 9 meses (idem); 24 meses T-Note (2 anos); 36 meses T-Note (5 anos). [cf. Valor econômico 30/11/2010 p. C-3]. Ptax 30/11/2010 (média de compra e venda)

1,7157

http://www.bmfbovespa.com.br/shared/iframeBoletim.aspx?altura=3000&idioma=pt-br&url=www2.bmf.com.br/pages/portal/bmfbovespa/boletim1/TxRef1.asp

À alíquota de 6%, a aplicação só se tornaria rentável se o capital permanecesse mais de 3 anos no Brasil. Logo, no pressuposto de que todos os ingressos de dólares, ou

nos que foram realizados. Os aplicadores do exte-

pelo menos a maioria esmagadora fosse de capitais es-

50% da dívida prefixada de prazos acima de 5 anos11.

peculativos de curto prazo, os fluxos já teriam cessado.

Revista de

Conjuntura

20

novembro10, sendo que as taxas de juros subiram rior detêm 10% da dívida pública mobiliária federal e

Os dados sugerem que houve uma retração nas

Mas não pararam, embora tenham se reduzido

aplicações de renda fixa, provavelmente naquelas de

caindo de US$ 3,4 bilhões em setembro para US$

prazo mais curto, abaixo de três anos. Mas como os in-

2,5 bilhões em outubro, representando queda de

gressos líquidos de capital financeiro dirigidos a papéis

26%. Mais importante até foi a ausência de investi-

de renda fixa ainda se mantiveram no patamar acima

dores estrangeiros que levou o Tesouro a cancelar

de 70% do valor de setembro, quando a alíquota era

dois dos quatro leilões de títulos programados para

de 2%, aparentemente não se tratava simplesmente de

* 10 Valor, 10/11/2010, Finanças, reportagem de Claudia Safatle. * 11 Idem, idem.


Quadro 4

zo. Há recursos mais estáveis nesse capital financeiro.

O IOF e a Rentabilidade do Investº Externo em Títulos de Renda Fixa

Fizemos ainda uma simulação – Quadro 4 – consi-

Data de referência: 30/11/2010

derando trajetória mais suave da taxa de câmbio, isto

Simulação conforme expectativas expectativas

é, supondo que as desvalorizações nominais seriam

da Pesquisa Focus do Banco Central

menores do que as indicadas pela taxas referenciais da BM&F. Para isso usamos a Pesquisa Focus do Ban-

Prazo em Meses

co Central e associamos a expectativa de dezembro

Rendimento

Nominal LTN/ Futura R$/ NTN-F US$ col. (1)

de 2010, à taxa de 3 meses, a de dezembro de 2011,

Taxa de Câmbio

col. (2)

Custo do dinheiro externo col. (3)

Rentabilidade

Rentabilidade

IOF 6%

IOF 16%

LTN/NTN-F

LTN/NTN-F

% a.a.

R$

% a.a.

% a.a.

% a.a.

à taxa de 9 meses, e a de dezembro de 2012, à taxa

3

10,79%

1,7100

0,16%

-12,49%

-44,21%

de 24 meses. Feito isso, obtivemos a taxa de 6 meses

6

11,66%

1,7199

0,21%

-2,02%

-21,78%

por interpolação e a de 36 meses, por extrapolação.

9

12,17%

1,7600

0,21%

-0,37%

-14,27%

24

12,53%

1,8200

0,51%

5,44%

-0,38%

36

12,49%

1,9666

1,51%

3,89%

-0,09%

Se um investidor imaginasse que essa seria uma trajetória esperada do câmbio, sua rentabi-

Fontes e Observações: Col. (1) - Tesouro Nacional Tabela de

lidade em dois anos, em dólares, superaria 5%a.a.

Rentabilidade Rentabilidade do Tesouro Direto - Posição

já descontado o custo de oportunidade. Para neu-

30/11/2010. Taxa do Dia - Venda Proxies utlizadas: 3 meses LTN

tralizar uma expectativa dessa natureza seria ne-

01/01/2011; 6 meses LTN 01/07/2011; 9 meses LTN 01/01/2012; 24

cessária uma alíquota de 16% do IOF (Quadro 4). E tal comportamento da taxa cambial pode não ser conjectura absurda. Os ingressos de recursos externos por conta de investimentos diretos e de renda variável (ações) têm se mantido elevados. Por outro lado, as políticas monetária e fiscal de 2011 deverão ser mais aus-

meses LTN 01/01/13; 36 meses NTN-F 01/01/2014. Col. (2) - Pesquisa Focus com interpolação para 6 meses e extrapolação para 36 meses. Col. (3) - Custo de oportunidade dos recursos externos - Proxies: 3 meses T-Bill (3 meses); 6 meses T-Bill (6 meses); 9 meses (idem); 24 meses T-Note (2 anos); 36 meses T-Note (5 anos). [cf. Valor econômico 30/11/2010 p. C-3]. Ptax 30/11/2010 (média de compra e venda)

1,7157

teras que as de 2009/2010, o que reduzirá o ritmo de crescimento da absorção na economia brasileira, condicionando uma pausa nos aumentos do déficit em transações correntes. Contudo, é difícil prever o comportamento das taxas de retorno dos novos investimentos. Uma hipótese seria de que começassem a se reduzir, inclusive pelo volume maciço de capital que vem ingressando no País desde 2007. Mas pode ocorrer o contrá-

Portanto, é possível que o governo tenha que considerar a hipótese de aumentar as alíquotas do IOF sobre entradas de capital, ainda que as taxas de juros internas sustentem a trajetória de queda consistente observada

desde 2006.

4. Os Juros Altos e o Programa Fiscal

rio, se a economia brasileira ganhar momentum e con-

É intuitivo que o diagnóstico dos problemas

tinuar avançando, com PIB crescendo entre 5 e 6%a.a.

econômicos deve pautar as políticas voltadas à sua

E mais ainda, seja qual for o cenário de expansão da Renda Nacional e a evolução das taxas de retorno esperadas dos novos projetos, os investimentos externos diretos e por intermédio de apli-

solução. No caso do R$ a causa básica da apreciação reside na nova estrutura da economia mundial, com o ingresso, ainda que paulatino, de 1/3 da população mundial nos mercados de consumo. Se considerássemos apenas os 13% mais ricos desse

cações em ações das empresas podem continuar

contingente, tudo se passaria como se um novo Es-

elevados, conforme salientado ao final da Seção 2,

tados Unidos estivesse desembarcando no planeta

refletindo comportamentos formadores de bolhas.

Terra. O mundo enriquece, e o Brasil junto com ele.

julho / setembro / 2010

smart money, ou dinheiro especulativo de curto pra-

21


É claro que também foi importante o equilíbrio

expansionista explica alguma coisa da valorização do

macroeconômico brasileiro para a atração dos gran-

Real. Entretanto, o Real vem ganhando poder de com-

des volumes de investimentos externos, principal-

pra internacional desde antes das reduções radicais

mente investimentos diretos e em ações, e, portanto,

de taxa de juros nos Estados Unidos e dos programas

para que o máximo proveito pudesse ser extraído da

de expansão monetária, conhecidos como Quantita-

virada favorável da estrutura econômica mundial.

tive Easing. Aliás, o R$ inicia sua trajetória de valoriza-

Mas pode estar ocorrendo overshooting (excesso)

ção numa fase em que a taxa de juros americana era crescente (Gráfico 3). Esse gráfico sugere que a políti-

de apreciação. Essa é nossa percepção. Dois fatores po-

ca monetária americana explica parte da valorização

dem estar concorrendo para esse plus de valorização.

do R$, principalmente desde o final de 2008, mas não

A política monetária norte-americana associada ao

parece ser variável decisiva. A mesma coisa pode-

atrelamento do renminbi ao dólar, fenômeno descrito

ria ser dita dos juros, como já examinado na Seção 2.

na Seção 2, e as taxas de juros domésticas elevadas.

Aliás, caberia acrescentar dois aspectos impor-

O Dólar depreciou-se internacionalmente em 10%

tantes que reforçam a hipótese de que os juros in-

de outubro/2008 a outubro/2010 (Quadro 2). É fora de

ternos não são protagonistas de primeira grande-

dúvida, portanto, que a política monetária americana

za na avalanche de dólares do triênio 2008/2010.

Revista de

Conjuntura

22

Fonte: Federal Reserve Bank link: http://www.federalreserve.gov/monetarypolicy/openmarket.htm

O primeiro ponto é que apenas 24% das entradas de capital de 2008 a 2010 (jan/set) se destinaram a investimentos de renda fixa. As aplicações

de renda variável (ações) responderam por 32% e os investimentos diretos por 46% (Quadro 5).


Valores em US$ bilhões 2008

2008

2009

2009

2010

TOTAL Col.(6)=

col.7)=% s/ total Conta

col. (1)

col. (2)

col. (3)

col. (4)

col. (5)

Transações Correntes (líquido)

-22,9

-28,2

-12,1

-24,3

-35,1

-87,6

Conta Financeira

53,4

28,3

38,5

70,2

70,1

168,6

100,00%

Investimento Direto (líquido)

15,4

24,6

22,8

36

17

77,6

46,03%

(2)+(4)+(5)

Financeira

Ações (2)

1,3

-7,3

16,9

39,7

21,1

53,5

31,73%

Renda Fixa (3)

15,8

8,4

4,7

10,6

21,9

40,9

24,26%

Outros Investimentos (1)

21,3

2,9

-6,1

-16,3

10,1

-3,3

-1,96%

Derivativos

-0,4

-0,3

0,2

0,2

0

-0,1

-0,06%

Conta Capital + Erros e Omissões

-6,6

2,9

2,7

0,8

-0,4

3,3

Resultado do Balanço

23,9

3

29,1

46,7

34,6

84,3

44,7

36,7

Variação de Reservas do Banco Central

13,5

Fonte: Website do Banco Central - Economia e Finanças - Indicadores Econômicos e Boletins do Banco Central. Obs.: Pode haver diferenças mínimas em alguns valores em relação aos números do Banco Central devido a arredondamentos. (1) Empréstimos, depósitos, créditos comerciais, etc. /(2) Inclui ações negociadas no exterior. /(3) Inclui títulos de renda fixa negociados no exterior, como bônus.

O segundo ponto refere-se à própria taxa de juros interna que vem caindo na contramão da valorização cambial. Senão, vejamos. O Gráfico 1 demonstra que a escalada do R$ começa em junho de 2004. O Gráfico 4 mostra inequivocamente a queda da SELIC acumulada em cada ano deflacionada pelo IPCA ponta-a-ponta. Registra-se uma forte queda dos juros em 2004, coincidentemente o ano em que o câmbio

começa sua marcha de valorização. Mas eles sobem em 2005 praticamente para o mesmo patamar de 2003 e o câmbio acelera a trajetória de apreciação. Nesse ano específico teríamos uma correlação positiva de juros e câmbio. Entretanto, de 2006, inclusive, em diante, a redução da taxa de juros real é permanente e significativa, ano após ano, enquanto a taxa de câmbio continua sua trajetória de valorização.

julho / setembro / 2010

Quadro 5 Balanço de Pagamentos

23


guerra cambial, como variáveis explicativas do processo de valorização do R$. Entretanto, trata-se de coadjuvantes que não podem ser simplesmente desprezados e precisam ser objeto de cuidados. No que se refere à guerra cambial, já na Seção 3 enfatizamos que os controles cambiais são os instrumentos apropriados para neutralização dos impactos sobre a moeda brasileira. No que concerne aos juros elevados, também os controles cambiais são indicados, porque não há como, em prazos curtos, trazer as taxas de juros domésticas aos patamares usuais internacionalmente. Isto nada obstante, um programa fiscal de médio prazo, equilibrado e sensato, é algo bem vindo por todas as razões e contribuirá para que a taxa de juros interna continue a cair. Não se está imaginando nenhum ajuste cavalar, até porque não se justificaria uma vez que não se registra qualquer iminência de crise fiscal. Nesse sentido, é importante passar em revista algumas estatísticas fiscais básicas do Governo Federal, para um melhor entendimento do que está ocorrendo de fato nessa área, e compreensão do por que do desconforto dos analistas e da própria opinião pública com o desempenho fiscal do Governo e suas conseqüências sobre a inflação e taxa de juros.

Revista de

Conjuntura

24

Não se vê indícios de “gastança”, no sentido de desperdício e desídia, como vem sendo propalado pela mídia. Entretanto, houve um aumento considerável no total das despesas não financeiras do Governo Federal (Quadro 6), principalmente em 2009 e 2010, se entendermos os vultosos empréstimos do Tesouro ao BNDES como capitalizações daquela instituição financeira, ainda que sob a forma de capital de segunda linha. O Tesouro Nacional registrou essas operações como empréstimos simples. Assim, compensou o aumento de dívida mobiliária destinado ao levantamento dos recursos, com créditos junto ao banco, não impactando, desse modo, nem a dívida líquida do setor público, nem as Necessidades de Financiamento Primárias do governo.

‘‘

Não se está imaginando nenhum ajuste cavalar, até porque não se justificaria uma vez que não se registra qualquer iminência de crise fiscal.

‘‘

Os dados levantados, portanto, não confirmam a dominância, nem dos juros domésticos, nem da

Contudo, essas operações embora de jure possam se assemelhar a créditos da mesma natureza, por exemplo, que as reservas internacionais do Banco Central, e com igual liquidez, de facto são completamente distintas e se identificam com os aportes de capital que o Tesouro faz às empresas de sua propriedade e controle. O Objetivo é proporcionar funding às instituições financeiras oficiais federais, basicamente ao BNDES para impulsionar investimentos do setor privado, do próprio setor público, de empresas estatais, etc.. Essas despesas estiveram ligadas ao conjunto de medidas anticíclicas de enfrentamento da crise financeira internacional e são reversíveis, isto é, podem ser estancadas e podem até reverter em receitas extraordinárias no futuro, se e quando os empréstimos forem amortizados pelo BNDES. O problema é que as Necessidades de Financiamento foram afetadas, e em montantes significativos, a taxa de inflação acabou subindo, forçou um aumento de juros no Iº semestre de 2010, e possivelmente também agora novamente no final do ano ou no início de 2011. De passagem assinale-se que as pressões inflacionárias só não se fizeram sentir de maneira mais intensa até agora graças à valorização cambial.

* 12 Existem créditos também para a Caixa Econômica na forma de híbridos de capital e dívida (capital de segunda linha). Mas o grosso dos recursos foi direcionado ao BNDES.


Em % do PIB Transf.Estados

Seguridade

& Municípios

Social

4,69%

3,48%

6,48%

18,96%

...

5,18%

3,91%

6,80%

20,18%

4,45%

0,74%

4,78%

3,92%

6,99%

20,87%

2007

4,37%

0,83%

5,05%

3,97%

6,96%

21,18%

2008

4,35%

0,94%

5,48%

4,43%

6,64%

21,85%

2009

4,83%

1,09%

8,25%

4,06%

7,15%

25,37%

2010

4,67%

1,30%

9,63%

3,95%

7,16%

26,72%

Média 04/08

4,36%

5,03%

3,94%

6,77%

20,61%

Ano

Pessoal & Encargos

Investimento

Custeio & Capital

2004

4,31%

...

2005

4,30%

2006

Total

Fonte: Banco Central Website - Indicadores Econômicos - Tabelas IE-4-02, IE-4-04 e IE-1-51. A rubrica Custeio & Capital inclui, em 2010, a capitalização da Petrobrás (R$ 42,9 bilhões), devidamente registrada na contabilidade oficial, mais R$ 109,8 bilhões de capitalizações do BNDES não computados como investimento nas contas oficiais, mas como empréstimo. Para 2010, estimativas com base nos dados observados até set. Os empréstimos ao BNDES e à Caixa Econômica, inaugurados em 2006, estão devidamente acrescentados aos valores da contabilidade oficial desde aquele ano, pelos seguintes montantes: 2006, R$ 2,4 bilhões; 2007, R$ 5,1 bilhões; 2008, R$ 28,9 bilhões; 2009, R$ 101,7 bilhões. Não foram computadas as transferências do Tesouro ao BC, nem as suas respectivas despesas, por insignificantes e deixarem dúvidas quanto a dupla contagem.

O exercício consubstanciado no Quadro 6 consistiu em acrescentar às despesas da rubrica Custeio & Capital as variações dos créditos do Tesouro junto ao BNDES e Caixa, implicitamente considerando-os como se fossem capitalizações de empresas estatais, a exemplo dos R$ 42,9 bilhões da subscrição e integralização do aumento de capital de Petrobrás em setembro de 2010.

com o período 2004/2008. Esse crescimento de des-

Se retirarmos da rubrica Custeio & Capital os re-

mento de 0,39 pontos; em quarto lugar, Pessoal, com

cursos aplicados junto ao BNDES e Caixa Econômica,

aumento de 0,31 pontos de percentagem; a rubrica In-

ademais do aumento de capital da Petrobrás de 2010,

vestimentos cresceu bastante, projetando-se que atin-

o item fica, em 2010, somente 0,55 pontos de percenta-

ja 1,3% do PIB em 2010. Comparando-se com a média

gem do PIB acima da média do qüinqüênio 2004/2008

do triênio 2006/2008 a expansão seria de 0,46 pontos,

e o total das despesas não financeiras do governo

equivalentes a 55% de crescimento o que é importante

central cai de 26,72% do PIB em 2010, para 22,42%,

para a infra-estrutura econômica (não estavam dispo-

uma redução de 4,3 pontos de percentagem do PIB.

níveis os dados de Investimentos para 2004 e 2005).

Em resumo, em 2010, as despesas totais não finan-

O Quadro 7 mostra o que teriam sido as Necessi-

ceiras do governo central em 2010 deverão alcançar,

dades de Financiamento Primárias do Setor Público

computando-se os aportes às instituições financeiras,

Federal, não fosse a contabilização dos aportes ao BN-

26,72% do PIB, registrando acréscimo equivalente a

DES e Caixa Econômica como empréstimos, em vez de

6,11 pontos de percentagem do PIB na comparação

na categoria de capital. Em 2009 teríamos registrado

pesas distribui-se da seguinte maneira, de acordo com nossas estimativas: o direcionamento de capital para as instituições financeiras e Petrobrás responde por 4,29 pontos; em segundo lugar o próprio item Custeio & Capital excluindo os aportes extraordinários com 0,55 pontos; em seguida, Seguridade Social, com au-

julho / setembro / 2010

Quadro 6 Despesas do Governo Federal

25


déficit primário de 1,89% do PIB, em vez do superávit

de duração. As despesas na área de Seguridade Social,

de 1,35%, o que somado aos resultados primários dos

impropriamente chamada de Previdência poderiam

governos estaduais e municipais, além das estatais, tonando-se os juros, um déficit nominal de 6,62% do PIB.

ser deixadas onde se encontram em 2010, isto é, na faixa de 7,2% do PIB, embora para esse efeito fosse necessária uma pausa nos aumentos reais do salário mínimo.

Fazendo os mesmos cálculos para 2010, chegaríamos à projeção de um déficit primário do setor público consolidado de 0,12% do PIB e de déficit nominal de 5,54% do PIB.

Um programa fiscal com esse feitio recuperaria a credibilidade da política fiscal, a inflação retornaria ao centro da meta, que poderia eventualmente ser reduzida, e a taxa de juros retornaria a sua trajetória de queda.

talizaria um déficit primário de 1,18% do PIB, e adicio-

Ambos os resultados seriam suficientes para explicar pressões inflacionárias até maiores do que as que estamos assistindo nesse final de 2010. Embora demandem atenção das autoridades, o que se vê dos números fiscais federais é resultado basicamente de medidas anticíclicas, sendo os valores elevados dos déficits nominais

5. Conclusões Adotou-se no presente trabalho um “enfoque socrático” colocando em dúvida a sabedoria convencional sobre o tema. Fomos a campo, levantamos os dados e apareceram alguns achados interessantes. Exemplos: as exportações brasileiras de manufaturados vêm cres-

reais de 2009 e 2010 reversíveis sem maiores problemas.

cendo na contramão do real mais forte; a primarização

Fundamentalmente, esses empréstimos ás instituições financeiras devem ser estancados; não há razão alguma para continuarem.

da pauta das exportações realmente ocorreu, mas os

Os 0,55 pontos de percentagem do PIB de aumento nas demais despesas de Custeio & Capital, juntamente com os 0,31 pontos dos gastos de pessoal poderiam ser revertidos no bojo de um programa de dois a três anos

manufaturados continuam a dominar a pauta com 49,3% do total, se tomadas as variáveis a preços constantes; este número contrasta com os 42,7% apurados a preços correntes, e que corresponderiam a uma segunda colocação, enganosa, comparativamente aos produtos básicos; a política monetária americana sem dúvida contribui para o fortalecimento do real, mas ele se valorizou, e de forma expressiva, entre 2004 e 2007, período

Quadro 7 Governo Central

que coincide com a subida da taxa de juros nos Estados

NFSP em % do PIB

nosso diferencial de juros explica alguma coisa da valo-

Conceito Primário

rização, mas uma amostra de países, principalmente do

Estimativa Oficial NFSP % do PIB

Revista de

Conjuntura

26

Unidos que antecedeu a eclosão da crise financeira; o

G-20, mostra economias com baixas e baixíssimas taxas

Empréstimos do Tesouro BNDES

NFSP ajus-

de juros e valorizações cambiais expressivas, tais como

e Caixa Econ.

tadas % do

África do Sul e Austrália (ambas liderando o ranking

Variação de Saldos % do PIB

PIB

das valorizações, com o Brasil em 3º), ademais de Chile, Canadá, etc.; além disso, 78% dos ingressos líquidos de

col. (1)

col. (2)

col.(3)=col. (1)+col.(2)

recursos do exterior no período 2008/2010 se referiram

2006

-2,2

0,1

-2,1

da variável em ações (32%); somente 24% se destina-

2007

-2,32

0,19

-2,13

ram a renda fixa (“Outros Investimentos” contribuíram

2008

-2,37

0,96

-1,41

negativamente com o equivalente a 2% das entradas

2009

-1,35

3,24

1,89

2010

-2,13

3,11

0,98

Sinal (+) = déficit. Sinal (-) = superávit

a investimentos diretos (46%) e investimentos de ren-

líquidas totais).; finalmente, no qüinqüênio 2006/2010, a taxa Selic despencou de mais de 12%a.a. para menos de 5%a.a., e o real não tomou conhecimento da queda, apreciando-se significativamente nesse período.


a) As razões fundamentais do processo de apreciação cambial persistente que vem desde o início da década não estão, nem no diferencial de juros, embora ele tenha certa influência, nem na política monetária americana (guerra cambial); mas esta última, em relação à qual a influência brasileira é praticamente nula, pode crescer de importância;

que parece mais sensata seria o monitoramento dos efeitos econômicos da volatilidade cambial, tratando os sintomas, porque as causas fundamentais residem não em aspectos negativos da economia brasileira, mas em seus aspectos positivos. Quanto mais as políticas econômicas fortalecerem esses aspectos positivos, tanto do ponto de vista microeconômico como sob o ângulo do equilíbrio macroeconômico, o câmbio pode até se valorizar um pouco mais. Não necessariamente a

b) Até agora não são aparentes impactos ma-

taxa de câmbio era “correta” em 2000, ou 2004, e agora

croeconômicos negativos relevantes do processo de

estaria “errada”. A hipótese fundamental do artigo é de

valorização cambial; os efeitos positivos da aprecia-

que aquela taxa estava correta para o Brasil do final do

ção podem estar compensando os malefícios; isto,

século XX, e a de agora, também está correta, só que para

entretanto, não quer dizer que daqui para frente, se

o Brasil que se projeta na segunda década do século XXI.

persistir a valorização, as coisas continuem assim; c) E a valorização pode persistir principalmente em função da guerra fiscal e das oportunidades de retornos atraentes no Brasil, seja diretamente em empreendimentos comerciais e industriais, seja por intermédio de investimentos em ações; d) Se for assim, a recomendação, no momento, seria persistir no uso de controles cambiais combinados com alguma acumulação de reservas, para dosar o grau de valorização; uma maior flexibilização de investimentos no exterior de instituições financeiras, fundos de investimento e fundos de pensão deveria ser avaliada (já houve liberalização nesse campo e valeria a pena investigar qual o espaço que ainda existiria para medidas adicionais);

Carlos Eduardo de Freitas

e) O diferencial de juros, embora não apare-

carlos.freitas@corecondf.org.br

ça como variável dominante deve ter um tratamento

Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

prioritário por intermédio de programa fiscal de médio prazo (não confundir com ajustes fiscais cavalares sugeridos por economistas de viés marcadamente conservador; não há necessidade disso, nem a sociedade espera ou deseja algo assim no momento). Tal programa é fundamental não apenas por causa da problemática cambial, mas em benefício do próprio desenvolvimento econômico brasileiro com inclusão social; f ) Entendemos desaconselhável o estabelecimento de metas cambiais quantitativas. A conduta

julho / setembro / 2010

Conclusões básicas:

(1966) com mestrado em Economia pela EPGE/FGV (1970). Foi Diretor do Banco Central (Área Externa - 1985 a 1988 / Área de Liquidações e Desestatização - 1999 a 2003) e Secretário de Política Econômica (1993). Conselheiro do Corecon-DF

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Propostas do CORECO XXII S Propostas apresentadas pelo CORECON/DF no SINCE 1 Utilização obrigatória de 20% do orçamento (abatidos os 20% do COFECON) e do COFECON p/ subsidiar a formação / atual aliz al izaç iz ação aç ão d dos economistas e divulgar a profissão junto aos possíveis tomadores de serviços da cateatualização goria. a. (CORECONs ((CORECO CONs CO Ns DF DF e SP SP)) 2) Conceder Con C once on cede ce derr o registro profi de fiss ssio iona io nall de EECO na CONOMISTA aos portadores de Diploma de Mestrado ou de Do CO ssional ECONOMISTA Doutorado Acad Ac adêmico em Economia, do Br ad Bras asilil o as ou u do exterior devidame mente reconhecido nos foros competentes (MEC me Acadêmico Brasil devidamente (MEC, CAPES). registro Especialista Campo Saber Profissional 3) Conceder Con C once on cede ce derr o re de regi gist gi stro st ro d dee Es Espe peci pe cial alista al ta eem m Camp mpo mp o de SSab aber ab er aaos portadores de Diploma de Mestrado Pro profi ssional economista devidamente reconhecido no campo ccam ampo am po p pro rofi ro fiss ssio iona io nal do eeco na cono co nomi no mista de mi devi vida vi dame da mente reconhec me ecid ec ido nos foros competentes (MEC, CAPES) id 4) C Con once on cede ce derr o re de regi gist gi stro st ro d dee Especi cial ci alis al ista is ta em Ca Camp mpo mp o de Saber er aaos os p por orta or tadores de Certificados de conclusão d ta Conceder registro Especialista Campo portadores de Cursos de Pós-Graduação Pós P ós-G ós -Gra -G radu ra duaç du ação aç ão llat ato at o se sens nsu ns u vi vinc ncul nc ulad ul ados ao ad o camp mpo pr mp profi ofisssi sion si onal on al d do o Econ onom on omista, com mínimo de 360 ho om lato sensu vinculados campo ssional Economista, horas/aula, obedecidas condições egressos seqüenciais tecnólogos, obed ob edec ed ecid ec idas id as as as me mesmas as ccondi diçõ di ções çõ es d dee registro ro d dos os eegr gres essoss de ccursos seqü qüen enciais ou superiores de tec en respectivo Curso COFECON, aprovação grade emissão do tais ta is como ccom omo om o credenciamento cred eden ed enci en ciamento ci to d do o re resp spec sp ecti ec tivo Cur ti urso ur so jjunto ao COFECO CON, CO N, aprovaç ação aç ão de gr grad adee cu ad curricular, em Certifi instituição ensino credenciada junto MEC, todas acrescentando-se a Cert Ce rtifi rt ificado ccad ado ad o po por in inst stit ituição it o de eens nsin ns ino in o cr credenci ciad ci adaa ju ad junt nto nt o ao M MEC EC,, e to EC toda dass as demais normas, ac da acre rescenta re exigência graduação Curso cialmente reconhecido, m, emitido exig ex igên ig ênci ên ciaa de d ci diploma ma d dee gr grad aduaçã ção çã o em Cur urso ur so d dee Ba Bacharelado oficcia ialm ia lmente lm te rrec econhecido, em área afim ec instituição ensino credenciada MEC. porr in po inst stit st ituiçã it ção çã o de eens nsin ns ino in o cr cred eden ed enci en ciad adaa ju ad junto o ao M MEC EC. Referências: Seções 6.1.1.2 6.1.1.4 Legislação Economista Refe Re ferê fe rênc rê ncia nc ias: ia s: Capítulo Cap C apít ap ítul ít ulo ul o VI VI,, Se Seçõ ções es 66.1 .1.1 .1 .1.2 .2 e 66.1 .1.1 .1 .1.4 .1 .4 d da Consolidação da Legi gisl gi slaç sl ação da Pr Profi ofisssão de Econo nomi mi que tratam, respectivamente, registro egressos cursos seqüenciais superiores tecnólogos. trat tr atam am,, re am resp spec sp ecti tiva ti vame ment me nte, e, do regi gist gi stro st ro dee eg egre ress re ssos ss os d dos os ccur urso ur soss se so seqü qüen qü enci en ciais e de cursos superi ci rior ri ores or es de tecn cnól cn ól 5) C Concede derr o re de regi gist gi stro d st dee Espe pecialis pe ista eem is m Va Valo lore lo ress Mo re Mobi bilililiár bi ário ár ioss ao io aoss po port rtad rt ador ad ores or es d de certificação de An Anal alis al ista is ta d Conceder registro Especialista Valores Mobiliários portadores Analista de Valores Mobi Mo bililiár bi ários, com com o d dev evid ev ido id o cr credenci ciam ci amen am ento en to jjun unto à Comissão de V Val alor al ores or es M Mob obiliários (CVM). ob Mobiliários, devido credenciamento junto Valores Mobiliários O Diploma Dipl Di plom pl omaa de ccurso sup om uper up erio er iorr já é u io uma ma eexi xigência d des esta es ta ccer erti er tificação. o. V Ver erifi er ificcar-se-ia, por co cons nseg ns eguinte, se o curso eg superior exigência desta certifi Verifi conseguinte, apresentado os ostent nta o de devi vido vi do rrec econ onhe on heci he cime ci ment me nto nt o oficia iall (M (MEC EC) e se a iins nsti ns tituição de en ti ensi sino si no estava oficcialmente ostenta devido reconhecimento cial (MEC) instituição ensino credenciada. Financeiro portadores cação (Chartered 6) Conceder o registro de Analista ta FFin inan in anceiro ao an aoss po port rtad rt ador ad ores or es d dee ce certificaç ação aç ão C CFA (Charte tered Financial Analyst) te exigência Level I, II ou III (?), concedida pelo CFA Institute. Ins nsti ns titu ti tute. Adicionar-se-ia a exigên tu ênci ên ciaa de Diploma d ci dee Bacharelado em curso emitido ensino junto admitindooficialmente reconhecido em área afim, eemi miti mi tido ti do p por instituição dee en ensi sino credenciada jjun si unto ao MEC, adm un exterior, forma legislação. se o reconhecimento de cursos no exterio ior, na fo io form rmaa da legisla rm laçã la ção. çã

Revista de

Conjuntura Co onjuntur untura ra

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Ativos Gestores 7) Conceder o registro de Especialista em m Gestão de At Ativ ivos aos portadores do CGA iv GA Certificação de G ssional de recurANBIMA. A CGA se destina a certificar o pr profi ofisssi sional que desempenha atividade de g si gestão remunerada d decisões sos de terceiros, possuindo poderes para tomar ar d dec ecisões de investimento. o. cação. Verifi O Diploma de curso superior já é uma exigência d desta certificaçã ção. çã o. V Ver erificar-se-ia, por conseguinte, se o curso er reconhecimento cial apresentado é contemplado com o devido recon onhe on hecimento oficcia he ial (MEC) e se a instituição de ensino eestava ofiia reconhecimento cursos cialmente credenciada, admitindo-se o reconhecim imen im ento de curs en rsos no exterior, na forma da legislação. rs 8) Permitir que o TECNÓLOGO, o ANALISTA, ou o ES ESPECIALISTA TA aavançasse para o título de Economista reg registrado nos CORECONs, independentemente de gra radu ra duar-se num Cu du Curs rso Superior de Economia, ou da conclusã rs graduar-se Curso conclusão de um Mestrado ou Doutorado em Economia, med edia ed iant ia nte um EExa nt xame supervisionado pelo COFECON e aplicad xa mediante Exame aplicado pelos CORECONs. registro 9) Abrir uma janela de um ano de duração para regist stro st ro profissional de ECONOMISTA: a) Para portadores de Diploma de Mestrado ou Doutorado no exterior, mediante apresentação direta dos referidos documentos ao COFECON; e, b) Para Economistas de notório saber no campo profissional mediante rito a ser estabelecido pelo COFECON.


julho julho / setemb setembro bro / 2010

N/DF apresentadas no SINCE por Camila Fiorese Realizado no início do mês de setembro, em Brasília, o XXII Simpósio dos Conselhos de Economia, que teve como tema “Desenvolvimento Econômico com Justiça Social”, foi a oportunidade dos CORECONs debaterem diversas questões relevantes à formação profissional dos economistas, mercado de trabalho, aperfeiçoamento do Sistema COFECON/CORECONs e a Estrutura e Conjuntura Econômica, Política e Social do Brasil. O Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (CORECON/DF) levou para o Grupo de Trabalho que discutiu o a Formação Profissional e Mercado de Trabalho do Economista, três propostas (a terceira era desdobrada em 8 partes) sendo uma em conjunto com o CORECON/SP. Uma foi aprovada e as outras rejeitadas pelos delegados do GT.

Foto: Manoel Castanho (COFECON)

Para o presidente do CORECON/DF, José Luiz Pagnussat, a ideia das propostas foi a de ampliar a atuação dos Conselhos e incorporar na fiscalização

todos os profissionais que tenham na sua formação um perfil próximo ao do economista ou que desenvolvam atividades correlatas. “Já fizemos isso nas relações internacionais, pois os profissionais são registrados e nos Corecons que fiscalizam o exercício profissional” destacou. José Luiz disse ainda aos economistas, em sua apresentação no evento, que os Conselhos vivem no momento uma encruzilhada. “Se não avançarmos, nos ajustarmos às transformações do mercado de trabalho e dar formação aos nossos profissionais, nós vamos continuar minguando” disse. A elaboração das propostas do CORECON/DF foi coordenada pelo conselheiro Carlos Eduardo de Freitas, além dele outros economistas que contribuíram para a elaboração pensam que as situações existem e estão em pleno crescimento. Para o vice-presidente do CORECON/DF, Jusçanio de Souza, não reconhecer as situações, é fechar os olhos para a realidade e dei-

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Foto: Manoel Castanho (COFECON)

xar que ocorra uma invasão no campo de atuação dos economistas sem que os conselhos possam, de forma legal e fundamentada, exercer a devida fiscalização do exercício profissional nessa área cinzenta. Na visão do professor José Roberto Novaes a tendência no mundo é o aumento de áreas interdisciplinares. Segundo ele, os Mestrados e Doutorados acadêmicos brasileiros são duros e levam anos. “Não há dados brasileiros, mas suspeito que o número de anos necessário para se fazer um doutorado no Brasil, na área de Ciências Humanas, deve ser próximo ao dos EUA, com seis anos e meio na média. Há tempo nesse período do profissional aprender a base da Economia, ou seja, teoria macroeconômica e teoria microeconômica que são ensinados na graduação. Devemos também esti-

mular a imigração de doutores estrangeiros para o Brasil: o País precisa de mão-de-obra qualificada” ressalta. O conselheiro Carlos Eduardo de Freitas destaca que oito propostas representam desdobramentos e subdivisões de uma única proposta fundamental bá-

As matérias aprovadas na plenária final do SINCE foram: 1. Campanha Interna (para os economistas e professores de economia) e externa (para tomadores de serviços dos economistas) quanto às qualificações e atribuições profissionais do economista. 2. Aproveitamento da marca “Economistas” em favor dos inscritos nos CORECONs e SINDECONs.

GT1: Formação, aperfeiçoamento, profissional, e mercado de trabalho do economista:

3. Instituição da ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) para os economistas, a exemplo do CREA, CRC e outros Conselhos Regionais Profissionais. 4. Campanha Institucional dos Corecons, Cofecon, procurando parcerias com Sindecons e Fenecon com o objetivo de garantir o mercado de trabalho do economista: a) na elaboração e análise de projetos de viabilidade econômico financeira; b) na atuação direta de elaboração de planejamento, orçamento e controle das finanças públicas; 5. O COFECON deverá realizar pesquisa para conhecer a demanda por economistas, junto aos principais demandantes e atualizar a pesquisa do perfil dos economistas e conhecer o perfil dos bacharéis em economia. 6. Indução às faculdades de Economia para que incluam na grade curricular disciplinas mais práticas e aplicadas, como Perícia, Auditoria, Finanças etc. 7. Parceria Ange/Anpec/Cofecon/Corecons, para atuação no sentido de fornecer apoio às Instituições de Ensino, com o objetivo de elevar a qualidade da formação do Economista.

Revista de

Conjuntura

30 GT2: Aperfeiçoamento do Sistema COFECON/ CORECONS

1. Estrutura mínima para CORECON’s e Delegacias como forma de atuar adequadamente, tendo como foco principal a fiscalização e a recuperação do crédito. 2. Atualização e encaminhamento do Projeto de Lei (PL); com a seguinte estratégia: Procurar o parlamentar que apadrinhou o PL para que retire-o de pauta; - A Comissão elabora a proposta de PL no COFECON. Desce para os Conselhos Regionais e outras entidades, como Sindicatos, ANGE, etc., recolhe as contribuições, consolida-as e retorna as entidades para conhecimento e suporte ao processo de convencimento dos deputados de cada Estado, dando entrada no PL; 3. Premiação de boas práticas de gestão no Sistema COFECON/CORECON’s


Foto: Manoel Castanho (COFECON)

julho / setembro / 2010

sica, que era a de alterar a Lei 1.411/51, e por via de conseqüência, o Decreto 31.794, de 17/11/52 (Lei e Decreto que regulamentaram a profissão de economista), ademais de ajustes em alguns regulamentos do COFECON, de modo a adequar as idéias e conceitos do que seriam as atribuições próprias dos economistas agora no início da segunda década do século XXI. Para ele, os quase 60 anos que se passaram, desde a promulgação da Lei 1.411, assistiram a grandes transformações econômicas no Brasil e no mundo em geral, ademais de significativo desenvolvimento nas técnicas de análise econômica,inclusive com a utilização cada vez mais intensa de modelos matemáticos e da econometria. Carlos Eduardo lembra que a evolução da análise econômica, enfatizando conhecimentos de matemática e até de física, como embasamento para o estudo da economia, terminou por privilegiar cursos de graduação em engenharia, matemática etc., na marcha em direção aos Mestrados e Doutorados em economia. Não de forma excludente, mas de forma complementar e significativa. Com o objetivo de atualizar a visão do COFECON sobre o estado da profissão, o CORECON/DF apresentou sua proposta de abertura da discussão sobre as formações acadêmicas compatíveis com o exercício das atividades profissionais do economista. De acordo com Car-

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los Eduardo, o propósito do CORECON/DF não era de colocar em prática imediatamente as propostas, mas apenas e tão somente abrir uma discussão. “Os Conselhos Regionais recusaram a idéia de discutir a profissão 60 anos depois da conceituação inicial, anos estes caracterizados por grande ebulição intelectual e evolução na estrutura metodológica da análise econômica, ademais de expressiva sofisticação no arcabouço institucional da economia brasileira” lamenta Carlos Eduardo. O que os CORECONs perdem Diante da não aprovação das propostas, os economistas destacam que os CORECONs permanecem ignorando a realidade profissional e com isso perdem prestígio, pois se isolam no não reconhecimento desses profissionais. Muitos nomes reconhecidos pela sociedade brasileira como grandes economistas não tem a graduação em economia, mas sim mestrado ou doutorado. Esse é o caso, por exemplo, de Cristovão Buarque, Pedro Malan, Bresser Pereira, José Serra e muitos outros professores consagrados de economia. José Luiz Pagnussat destaca que ignorar a realidade existente é excluir mestres e doutores em economia do registro nos Corecons além de contrariar a função básica dos conselhos que é a fiscalização do exercício profissional para a defesa da so-


ciedade contra maus profissionais que atuam na área

“Mas a decisão do SINCE é soberana e devemos res-

e, portanto, impede o cumprimento efetivo de sua mis-

peitar. No entanto, acredito que esse assunto deverá

são comprometendo fortemente a credibilidade dos conselhos e fortalece a tese da desregulamentação do exercício profissional e a extinção dos conselhos” diz.

voltar a entrar na pauta do próximo SINCE, uma vez

Jusçanio de Souza, alerta ainda “o fato é que temos pessoas ilustres e de notório saber e respeito profissional em economia, não registrados no CORECON, situação em que o não reconhecimento por parte dos conselhos profissionais só traz perdas aos conselhos” disse.

Na opinião do professor José Roberto Novaes os

que não foi apresentada alternativa para superar essa situação de fato que vem ganhando proporções” disse.

Conselhos perdem por não trazer gente muito competente, que são os expoentes da profissão. “Esses doutores muito trariam para oxigenar os conselhos” destaca. Continuar com luta

Para Carlos Eduardo o perigo está nos Conselhos irem se tornando irrelevante do ponto de vista da profissão. “Continuamos convencidos que é fundamental abrir-se a discussão do estado da profissão. Ainda que a conclusão viesse a ser de que ainda não estivéssemos maduros para mudanças. Veja-se o que ocorreu com os jornalistas. A obrigatoriedade de formação acadêmica específica de graduação em jornalismo para o registro profissional acabou derrubada no Supremo” completa.

o

ainda

alerta

posicionamento

do

que

se

não

for

manti-

reconhecimen-

to, que se venha então ampliar as discussões visando

encontrar

alternativas

satisfatórias.

Para José Roberto o CORECON/DF precisa continuar tentando.“Nós economistas somos ideologicamente e cientificamente favoráveis à mobilidade de mão-deobra como forma de aumentar a produtividade.Só admi-

Jusçanio de Souza considerou ainda que o tempo foi limitado para defesa das propostas e impossibilitou

timos restrições em casos extremos, de natureza médi-

melhor entendimento da situação contemporânea.

cia têm resultado imediato na morte dos pacientes” diz.

Foto: Manoel Castanho (COFECON)

Revista de

Conjuntura

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Jusçanio da

ca, por exemplo, onde o charlatanismo e a incompetên-


DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO COM JUSTIÇA SOCIAL A divulgação da taxa de crescimento do PIB do segundo trimestre de 2010 hoje pelo IBGE, reforça a percepção geral de que o Brasil alcançará neste ano uma expansão da ordem de 7% em seu produto interno bruto, fortemente ancorado na expansão do mercado interno, não obstante a crise econômica internacional. Dessa forma, não há razão teórica ou política que justifique limitar o crescimento brasileiro a patamares de no máximo 5% a.a., como querem alguns setores desligados dos interesses maiores da sociedade, como o mercado financeiro. A inflação não pode funcionar como pretexto para a limitação da expansão do país, seu controle é necessário, mas deve estar condicionado a metas de crescimento econômico que pode perfeitamente ser, e até ultrapassar, 7% a.a. e essa deve ser a meta que condiciona todos os demais objetivos. Importantes mudanças tem se processado na sociedade brasileira com progressos institucionais e econômicos de grande influência no seu horizonte de bem estar: a estabilização dos preços e controle da inflação; a recuperação da confiança externa na economia brasileira e um novo paradigma da política econômica com regime de metas de inflação, taxa de câmbio flexível e controle da dívida pública por meio de superávit primário. Mas de todos os avanços, um dos mais importante foi sem dúvida a adoção de mecanismos que visam a redução da pobreza e da desigualdade: a instituição do Bolsa Família; a forte geração de empregos formais; a universalização da aposentadoria rural e os aumentos reais do salário mínimo – que evoluiu do equivalente a 70 dólares para algo em torno de US$ 300 – e que têm sido fundamentais para a modernização do país.

te acolhidas no meio social. Em síntese, a avaliação do sucesso das políticas sociais deve ser feita pela redução do número de beneficiários do Bolsa Família, na medida em que sejam criados para eles postos de trabalho. Daí ser prioridade máxima o crescimento econômico A sociedade brasileira alcançou um patamar de criticidade tal que não aceitará adiar a superação do subdesenvolvimento. Por tal razão acreditamos que o foco da política econômica deve ser o desenvolvimento econômico e social. Dessa forma, as “metas de superávit primário” não podem travar as necessidades de ampliação dos investimentos públicos, até mesmo porque as políticas de redistribuição de renda ocorrida no país ainda são insuficientes e ainda foi pequena a redução da desigualdade. Torna-se igualmente necessário a queda da taxa de juros, vital para reduzir o elevado custo do capital, o que concorre para o aumento da taxa de investimento e para a redução dos gastos governamentais com pagamento de juros da dívida pública, liberando recursos para a ampliação dos gastos sociais e a expansão e melhoria da infra-estrutura econômica do país. Essencial é que todo o processo de desenvolvimento econômico se dè de forma sustentável, com irrestrita obediência ao uso racional dos recursos naturais e à conservação e preservação ambiental. Do mesmo modo, o país só estará rumando para o pleno desenvolvimento se reduzir de forma substantiva as enormes desigualdades entre suas regiões. Necessária também é a melhoria da qualidade dos serviços de utilidade pública, que passa pelo fortalecimento das agências reguladoras e de uma total transparência nas suas atividades, assim como tornou-se inadiável a aplicação pelas instituições financeiras de mecanismos de controle da concessão de crédito.

Outros mecanismos, além da simples transferência de renda, devem ser adotados, a exemplo da oferta de bens públicos e semi-públicos à população, com eficiência capaz de concorrer com a oferta privada, em saúde, educação, por exemplo, dando oportunidade iguais para todos.

Por fim, devemos também alertar para a ameaça de retorno da vulnerabilidade em nossas contas externas, decorrente da apreciação do real em relação às demais moedas, o que, de um lado, restringe nossas exportações e provoca a reprimarização da pauta, e, de outro, geram elevados déficits em conta corrente.

Deve ser ressaltado que, embora os gastos sociais, como o Bolsa Família, devam ser mantidos nos primeiros anos do processo de desenvolvimento econômico e social, em função de seu baixo custo comparativamente ao bem que proporcionam, é por meio do emprego e da justa remuneração que as pessoas serão plenamen-

Essas são as contribuições dos economistas brasileiros, que oferecem a força de sua ciência, não apenas para a geração dos lucros das empresas, mas também, fundamentalmente, para os ganhos sociais, como agentes que são do desenvolvimento econômico e social do Brasil. Brasília, 03 de setembro de 2010

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Carta de Brasília

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“GUERRA CAMBIAL”: CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS Newton Marques

1.Introdução Entre 1970 e 2007, o mundo sofreu 127 crises bancárias sistêmicas; 208 crises cambiais e 63 episódios de não pagamento de dívida soberana. Esses indicadores representam três crises bancárias, cinco crises cambiais e aproximadamente dois eventos de não pagamento de dívida soberana por ano. Vivemos a era das bolhas, o mais novo veneno produzido pela financeirização da economia. As bolhas da chamada “nova economia” ou “ponto com”, nos anos 90, e a mais recente, a “bolha imobiliária”, nos Estados Unidos, em 2008, levaram à ruína economias de importantes nações em todo o mundo, com repercussão avassaladora sobre países periféricos, dependentes de financiamento externo e do comércio internacional. Vimos desmoronar nesta sólidas instituições financeiras e empresas industriais nos Estados

crise grandes Unidos.

Vimos o governo daquele país injetar na economia trilhões de dólares dos cidadãos contribuintes norte-americanos, na tentativa de salvá-las.

Revista de

Conjuntura

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Praticamente todas as grandes empresas e grandes bancos estão salvos, mas o problema não foi resolvido. Os bancos anunciaram altos lucros, bônus foram pagos e fraudes ficaram sem investigação. O Federal Reserve injetou US$ 2,3 trilhões em ativos, em 2007, e a economia ainda não reagiu convincentemente. Recentemente injetou mais US$ 600 bilhões na compra mensal de títulos públicos. Deixou o mundo mais inseguro e apreensivo quanto

ao impacto dessa medida na economia interna dos Estados Unidos e no comércio internacional. As empresas americanas estão com caixa de sobra, da ordem de US$ 3 trilhões, e os bancos também estão com reservas em níveis recordes, superiores a US$ 1 trilhão. Mas os bancos não estão emprestando dinheiro. O problema do setor imobiliário nos Estados Unidos, que levou as famílias a endividamento estratosférico, com a especulação, não foi equacionado. Persiste, os preços das casas voltaram a subir, mas o problema não será resolvido tão cedo. As famílias estão impedidas de consumir devido ao alto nível de endividamento. O Fed procura comprar os títulos da dívida do setor imobiliário, e reestruturá-la, para evitar um rombo maior no sistema financeiro internacional. O fato é que a crise leva de roldão países da União Européia. Grécia, Irlanda, Espanha e Portugal, (agora Itália e no futuro a Espanha), hoje submetidos a drásticos regimes fiscais e a cortes de investimentos, estão sem perspectiva de retomada do crescimento, porque dependem da melhoria da economia norte-americana e do apoio da Alemanha e França. A dívida pública dos países ricos ainda está em nível sustentável, mas o endividamento aponta para um longo período de estagnação. Nos anos 80 vivemos a crise da dívida dos países periféricos, quando, sob o governo Reagan, as taxas de juros nos Estados Unidos foram elevadas a níveis inimagináveis, multiplicando as dívidas de todos eles.


daquele

período,

a

crise financeira se transformou em uma crise da dívida dos países ricos. E não há definição como será

equacionado

o

crescente

endividamento.

Governos e organismos internacionais pouco avançaram

na

tomada

de

medidas

capazes

de deter os danos que a crise cambial está causando

às

economias

em

todo

o

mundo.

Não há convergência no debate. São fortes as resistências, principalmente de organismos financeiros internacionais e governos de nações centrais, em adotar medidas que beneficiem o conjunto da economia global. Preferem se autoproteger, para não contrariar os princípios da globalização financeira idealizada por grandes grupos financeiros internacionais. Sequer avançaram no controle da volatilidade do capital. Não

obstante,

a

evolução

da

conjuntura

econômico-financeira brasileira nos últimos dez anos, alcançou fase madura na globalização comercial e financeira com a obtenção do “grau de investimento” (investment grade), atribuído pelas Agências de Rating de Risco de Crédito, auferindo vantagens na captação de recursos do mercado financeiro internacional. Por um lado, reduz o custo do endividamento externo dos empréstimos de dívida soberana, pois não precisa pagar taxas de risco, conhecidas como spreads, além das taxas de juros dos títulos do Tesouro norte-americano, de dez anos. Por outro, atrai elevados volumes de capitais estrangeiros, conhecidos como Investimentos Diretos Estrangeiros-IDE, não só por apresentar políticas consistentes de estabilidade macroeconômica, como também os denominados capitais especulativos, atraídos pela ainda elevada taxa de juros das aplicações de renda fixa, em relação aos demais países, provocando apreciação da taxa de câmbio, o que prejudica as exportações e estimula as importações de bens e serviços, comprometendo o

resultado

do

balanço

de

pagamentos.

‘‘

A dívida pública dos países ricos ainda está em nível sustentável, mas o endividamento aponta para um longo período de estagnação.

‘‘

diferentemente

2. “GUERRA CAMBIAL” E REUNIÃO DOS PAÍSES DO G-20 A “guerra cambial” é consequência de alguns fatores, como o excesso de fluxos de capitais externos em dólares norte-americanos oriundos de superávits da conta-corrente do balanço de pagamentos da Alemanha, Japão e China; das operações de arbitragem de capitais especulativos (operações denominadas de “carry-trade”1), atraídos pelas elevadas taxas de juros das aplicações de renda fixa de países emergentes, em relação aos demais países; e; pela própria emissão desenfreada de dólares por parte dos EUA, como estratégia de recuperação de sua combalida economia, mesmo correndo o risco inflacionário. Como resultado de tudo isso, provocase desvalorização do dólar norte-americano e apreciação da taxa de câmbio dos países emergentes, prejudicando a competitividade das exportações e estimulando as importações de bens e serviços, comprometendo o resultado do balanço de pagamentos. Como, também, desestabilizam-se as políticas macroeconômicas de diversos países. Alguns analistas também, consideram que é consequência das políticas cambial e externa da China, cujo câmbio fixo (yuan/US$) está atrelado à direção tomada pelo dólar norte-americano,

* 1 Caracterizam-se por operações por meio de empréstimos em países com baixas taxas de juros que são aplicadas em mercados de alta liquidez onde existam elevadas taxas de juros, desde que se consiga especular quando a taxa de câmbio futura é menor do que a taxa de câmbio presente.

julho / setembro / 2010

Agora,

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resultando externos

em

elevados

com

aumento

superávits da

comerciais

competitividade,

sem contarmos as suas práticas de “dumping” 2.

norte-americanos

Hoje, nos fóruns internacionais, são discutidas medidas de controle da volatilidade do capital, mas pouco se avançou. São fortes as resistências às mudanças principalmente nas nações centrais, por serem regras que contrariam os princípios da globalização financeira idealizada pelos grandes grupos financeiros internacionais.

norte-americano, resultando em elevados superávits

Conjuntura

Mas, neste ano, foi atropelado pelo surgimento desse fenômeno mundial conhecido como “guerra cambial”, derivado do processo de desequilíbrio das contas-correntes dos balanços de pagamento dos países do G-20 e das políticas de ajuste das economias americanas e européias. Enquanto uns apuravam elevados superávits (Alemanha, Japão e China); outros,

nas

economias

emergentes

(notadamente os BRICS, exceto China), provocando a valorização cambial de suas moedas, com repercussão negativa nas exportações desses países, dado que a desvalorização do dólar provoca perda de competitividade

dessas

mercadorias

exportadas.

Por outro lado, é consequência das políticas cambial e externa da China, cujo câmbio fixo (yuan/ US$) está atrelado à direção tomada pelo dólar comerciais externos com aumento da competitividade, sem contarmos as suas práticas de “dumping” . Como

consequência

dessa “guerra

cambial”

existem estudos no Brasil que admitem que está acontecendo a desindustrialização no país. Argumenta-se ser evidente a “reprimarização” da pauta de exportações (predomínio de bens primários, como minério de ferro, soja e grãos). A desindustrialização não se caracteriza pela queda na produção física da indústria, que pode até aumentar, mas sim pela perda relativa de dinamismo da indústria na geração de renda e emprego na economia.

‘‘

O mundo quer estabilidade, segurança para os investimentos e produção, bem como garantias para o desenvolvimento econômico sustentável.

‘‘

O mundo quer estabilidade, segurança para os investimentos e produção, bem como garantias para o desenvolvimento econômico sustentável.

Revista de

Assim, a “guerra cambial” ficou conhecida como resultado do forte ingresso de dólares

Depois da negação do Estado nacional, especialmente nos anos de 1980 e 1990, quando ganharam força as idéias neoliberais, vimos em 2008, no pico da crise, desmoronar sólidas instituições financeiras e grandes empresas industriais nos Estados Unidos. E, no desespero, o Estado norteamericano procurar salvá-las com trilhões de dólares dos cidadãos contribuintes. Na mesma linha, nações européias praticamente estatizaram direta e indiretamente seus sistemas financeiros.

Porém, cresce, entre lideranças das nações em desenvolvimento, a convicção de que é necessária a retomada da regulação. Ficou claro nesta crise, para autoridades políticas e para agentes econômicos, em sua maioria, que, se não tomarmos providências estabelecendo medidas perenes de proteção das economias, teremos outras crises, certamente de maiores proporções com consequências ainda mais danosas para todo o mundo.

36

imensos déficits (EUA, países da Europa e emergentes).

* 2 É entendida quando um bem ou mercadoria é vendido no exterior a preço inferior àquele praticado no mercado doméstico do país exportador. Tanto serve para o “dumping” comercial (preço abaixo do praticado nos seus mercados); “dumping” cambial (taxa de câmbio excessivamente desvalorizada); como também para o “dumping” social (mão-de-obra semi-escravagista). * 3 Argentina, Australia, Brasil, Canada, China, França, Alemanha, India, Indonesia, Italia, Japão, Mexico, Coréia, Federação Russa, Arabia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido, EUA, e União Européia.


especulação de moedas estrangeiras no curto prazo.

ficou evidente no primeiro semestre de 2010, quando a

O Brasil propôs na Reunião do G-20 que o

participação dos produtos manufaturados (máquinas,

dólar deixasse de ser a moeda de referência dos mercados, e que uma cesta de moedas ocupasse esse lugar no comércio internacional. Com isso, evitarse-ia que os EUA, com a emissão descontrolada de dólares, repassassem os custos dos seus ajustes internos e externos aos demais países.

veículos, eletrodomésticos) no total das exportações foi de 40,5%, abaixo dos 43,4% da participação de produtos básicos, retrocedendo ao patamar de 2008. A questão cambial provocou, recentemente, reunião dos líderes do G-203, em Seul, Coréia do Sul. Esses países levaram suas propostas para serem discutidas saídas para minimizar suas graves repercussões sobre o comércio mundial. Entretanto, o resultado dessa reunião por meio do comunicado THE G20 SEOUL SUMMIT LEADERS’ DECLARA TION, NOVEMBER 11 – 12, 2010, não surtiu efeitos desejados para resolver essa questão. Ficou decidido que cada país tomaria internamente as devidas providências para impedir a valorização cambial, desde que evitassem a desvalorização competitiva de moedas para aumentar as exportações e fosse fortalecida a cooperação multilateral. O que desagradou inúmeros países, principalmente o Brasil que tinha sido um dos que exigiam rápida e pronta decisão dos líderes do G-20 com medidas que fossem adotadas para minimizar essa “guerra cambial”.

Recentemente, Taiwan impôs limites para a aplicação de estrangeiros em títulos de dívida. Em outubro, o Brasil e a Tailândia aumentaram o imposto para investimentos estrangeiros em títulos locais. Em junho, a Coréia do Sul restringiu as operações com derivativos, enquanto a Indonésia limitou que investidores vendessem alguns títulos de curto prazo. Enquanto isso, os bancos centrais de Israel e da África do Sul estão comprando dólares para coibir a valorização de suas moedas. As medidas sob análise nos países emergentes que sofrem com a valorização cambial têm sido conhecidas como controle de capitais estrangeiros ou intervenção macroprudencial. Não obstante todas essas medidas, existem economistas que acreditam somente na combinação

3. MEDIDAS DE POLÍTICA CAMBIAL TOMADAS PELO GOVERNO E DESAFIOS PARA O FUTURO CAMBIAL DO BRASIL

Segundo documento da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), Policy Briefs nº 17, nov/10, a correta abordagem para os problemas gêmeos: desequilíbrios do comércio global e fluxos de capital desestabilizadores de curto prazo, é adaptar o ajustamento das taxas de câmbio nominal em linha com as regras de taxa de câmbio real 4 . Essa regra seria adequada, por um lado, para o acordo multilateral sobre o padrão das taxas de câmbio ótimas ou razoáveis. Por outro, a ação concertada dos bancos centrais manteria esse padrão auxiliando a remover o incentivo para a

* 4 Ver Trade and Development Report 2009 and UNCTAD Policy Brief 12, em w w w . u n c t a d . o r g.

julho / setembro / 2010

A “reprimarização” ameaça o país desde 2007. Isso

37


da diminuição dos gastos públicos e da carga tributária, e até mesmo da reforma tributária, como

Revista de

Conjuntura

38

decisivo para permitir a baixa da taxa básica de juros e aumentar a competitividade das exportações brasileiras, evitando dessa forma o excesso indesejável do forte ingresso de capitais estrangeiros. Outros economistas sugerem que seja elevada a alíquota do IOF de 6% para 8%; retornar a tributação do imposto de renda sobre o lucros das operações do capital estrangeiros em aplicações financeiras; elevar o IOF para os investimentos externos em ações, que hoje está em 2%; restringir os limites de transações com exposição a variação cambial dos bancos; e, a utilização de linhas externas que dão suporte às posições “vendidas” no mercado à vista cambial. Recentemente, foi publicado na mídia, estudo do professor José Luiz Conrado Vieira sugerindo que fosse adotada medida de depósitos compulsórios junto ao BC variando de 30% a 50% sobre os novos capitais estrangeiros. Isto quer dizer que esses recursos ficariam no exterior em conta do BC e seriam devolvidos, ao final, na mesma moeda. Os seus rendimentos aplicados pelo BC ajudariam a mitigar, indiretamente, o custo de manutenção das reservas cambiais. A Coréia do Sul decidiu que vai recolocar um imposto de renda na fonte sobre os lucros de investidores estrangeiros em títulos públicos da dívida soberana, com alíquota de 14%, como controle de capital estrangeiro. Esse imposto tinha sido abandonado em 2009, após a decisão em manter o won desvalorizado. Indonésia e Tailândia, também, estão estudando medidas com o mesmo objetivo. A Malásia, em 1998, para proteger sua moeda durante a crise financeira asiática, impôs controles sobre capitais. Segundo informes do Programa da ONU para a Ásia ao jornal Financial Times, admite-se que as economias asiáticas recorrerão cada vez mais a controles de capital para se protegerem das “guerras cambiais”. Nos EUA, em setembro de 2010, o Comitê de Meios e Recursos da Câmara de Representantes aprovou um

projeto de lei que considera a manipulação da taxa de câmbio um subsídio acionável e que, portanto, permite a imposição de medidas compensatórias (taxação) nas importações vindas de países com moedas “artificialmente” desvalorizadas. Parlamentares norte-americanos afirmam que essa nova legislação é compatível com as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ainda que a iniciativa não prospere, ela contribuirá para estimular um debate em curso entre especialistas em regulação do comércio internacional sobre se as atuais normas da OMC são compatíveis com a adoção de medidas unilaterais desse tipo. Analistas defendem as regras da OMC em não admitir que os países frustrem os compromissos assumidos com a liberalização comercial, e que sua manipulação pode ser considerada como subsídio às exportações. Interpretação essa que está longe de ser consensual. A hipótese de negociação de um novo acordo no âmbito da OMC, que permitisse aos países lidarem explicitamente com efeitos adversos da manipulação cambial, parece pouco realista e arriscada. A OMC já está pressionada pelas atuais tensões protecionistas no comércio mundial e pelas dificuldades em avançar na Rodada Doha, com temas menos explosivos que esse conhecido como “guerra cambial”.Assim, portanto, as chances de se obter acordo num tema tão controverso e radicalmente novo na agenda multilateral de comércio são muito reduzidas. Entretanto, é do conhecimento de todos que existem medidas compensatórias (tarifárias e não-tarifárias)5 que podem ser adotadas sem incorrer em sanções da OMC, quando ocorrerem algumas situações que provoquem desequilíbrios nos mercados internacionais. Há dois tipos de práticas comerciais desleais. A primeira é a utilização de preços com dumping, ou seja, a colocação de mercadoria em outro país a preço inferior ao praticado no mercado doméstico do país exportador. A segunda modalidade é aplicação de subsídios à produção ou à exportação, tornando irreal o preço final da mercadoria destinada ao mercado externo.

* 5 Por barreiras tarifárias entendem-se as tarifas incidentes sobre os produtos importados, ou seja, os impostos de importação. Já as barreiras não-tarifárias são restrições como regulamentos sanitários, de saúde, ambientais, normas técnicas e padrões de segurança, isto é, práticas que discriminam o produto estrangeiro. São exemplos de barreiras não tarifárias: proibição a importações em caráter geral ou seletivo, ou em função da origem; cotas de importação (em quantidade ou valor); exigência de depósitos compulsórios; controles de preços; controles cambiais; exigências quanto a embalagem e marcas de origem; regulamentações sanitárias; normas de qualidade (aplicadas a produtos, serviços e meio ambiente); normas e especificações técnicas; regras de segurança industrial.


Todavia,

a

imposição

de

uma

financeiras, bem como pelo atraente mercado de capitais que possibilita ganhos no curto prazo.

se comprovado o dano ou ameaça de dano à indústria local, em razão direta de sua ocorrência, e seguindo-se as disposições legais pertinentes.

CONCLUSÃO

Os direitos compensatórios são utilizados para

Com vistas a resolver a “guerra cambial”, ou seja,

neutralizar o efeito do dano ou ameaça de dano em

a desvalorização do dólar, que é oriunda da ação

decorrência da prática de subsídios no mercado. Os

deliberada das políticas econômicas dos EUA e

referidos direitos são aplicados às importações, sendo

China, os países emergentes, como o Brasil, devem

adicionados ao imposto de importação já existente.

tomar um conjunto de medidas que limitem as

Isso resulta em um preço mais elevado de aquisição

posições especulativas associadas à taxa de câmbio.

da mercadoria estrangeira pelo importador. O pedido

Neste sentido, impõe-se urgentemente que seja tomado um conjunto de medidas regulatórias,tributárias, ao lado da intervenção do Banco Central no mercado cambial, minimizando assim esses nocivos efeitos da “guerra cambial”, mesmo com regime cambial flutuante. Enfim,se não tomarmos providências estabelecendo medidas perenes de proteção das economias, teremos outras crises, certamente de maiores proporções com consequências ainda mais danosas para todo o mundo. O mundo quer estabilidade, segurança para os investimentos e produção, bem como garantias para o desenvolvimento econômico sustentável.

de imposição de uma medida compensatória é feito mediante ação administrativa. Essas ações possuem trâmite próprio, com prazos específicos para as determinações, audiência entre as partes, e, finalmente, uma decisão sobre a imposição ou não de uma medida. O que poderia ainda ser feito pelo Governo brasileiros com relação à “guerra cambial”? Muito pouco. O Governo brasileiro aumentou a alíquota de 4% para 6% do IOF sobre a entrada de capitais estrangeiros para aplicações financeiras. Também foi decidido pelo Conselho Monetário NacionalCMN, em outubro, mudanças nas regras para investidores não-residentes nas contratações de câmbio para aplicação nos mercados financeiros e de capitais, tais como vedação de operações de aluguel, troca, e empréstimo de títulos e valores mobiliários(Resoluções nºs 3.911 a 3.915), entre outras. Adicionalmente, o governo poderia retomar a negociação de operações de swaps cambiais reversos, que consistem na venda pelo BC de contratos financeiros para acertos diários de fluxos de recursos oferecendo ganhos para aqueles que tiverem títulos públicos, desde que a taxa Selic fique superior à variação cambial, caso contrário quem ganha é o Banco Central. Também, a autoridade monetária pode realizar leilões de moeda estrangeira com mais freqüência e atuar nos mercados futuros de câmbio. A valorização cambial tem sido conseqüência de fortes movimentos

Newton Marques newton.marques@uol.com.br

de ingressos de capital estrangeiro (alguns oriundos

Economista formado pela Universidade de Brasília (UnB), com

de operações conhecidas no mercado financeiro

mestrado e doutorado em economia pela Universidade Federal de

internacional como “carry-trade”) atraídos basicamente

Pernambuco (UFPE), membro do Corecon-DF e do COFECON.

pelo elevado nível da taxa de juros das aplicações

julho / setembro / 2010

medida

compensatória não é imediata, ela só é permitida

39


A (incrível) rentabilidade dos bancos brasileiros Leda Maria Paulani

As considerações que se seguem foram escritas em

Como explicar tais resultados? Para encontrar as

abril deste ano de 2010 para uma publicação do MST, a

respostas é preciso, em primeiro lugar, retroceder um

revista bimensal Sem Terra , na qual eu orgulhosamente

pouco no tempo. Na época das altas taxas de inflação,

tinha uma coluna.Não chegou, no entanto, a ser publicado,

o lucro dos bancos devia-se em grande parte ao

pois o referido periódico teve sua vida precocemente

imposto inflacionário – o ganho que existe por parte

interrompida por absoluta (e previsível) falta de recursos.

de quem emite moeda, ou seja, o governo, que emite

Convidada mais uma vez pelo meu amigo de longa

a moeda manual ou corrente (as notas e moedinhas

data José Luiz Pagnussat para publicar nesta excelente

que carregamos conosco), e os bancos comerciais, que

revista do Corecon do Distrito Federal, lembrei-me deste

emitem a moeda escritural (os cheques e cartões de

defunto insepulto, talvez um pouco anacrônico, pois faz

débito com os quais também pagamos à vista nossas

referência a matérias que estavam saindo na imprensa

despesas). Quem carrega moeda, não importa se

especializada há seis meses, mas cuja publicação

manual ou escritural, sofre a desvalorização desse ativo

pareceu-me, de qualquer forma, pertinente, em tempos de

quando ocorre inflação, perda essa que é apropriada,

quebra de banco. Perdoem-me a linguagem mais simples,

como se fosse um imposto, por quem emite a moeda.

pois foi escrito para leigos.

Assim, quanto mais elevada a inflação, maior o imposto ***

Revista de

Conjuntura

40

inflacionário e maior o ganho dos emissores de moeda.

Estudo recente de uma renomada consultoria

Considerados os elevadíssimos níveis de inflação

econômica indica que, considerado o conjunto formado

experimentados pela economia brasileira nos 15 anos

pelos bancos dos Estados Unidos e os de todos os

que antecederam a adoção do Plano Real, os bancos

países da América Latina, os brasileiros destacaram-se

praticamente não precisavam de outro tipo de ganho

como os mais rentáveis em 2009. O conceito utilizado

que não fosse o imposto inflacionário para ter sua

nesse ranking foi o de rentabilidade patrimonial, ou seja,

lucratividade garantida. Assim, apesar de uma legislação

lucro dividido pelo patrimônio, ou, em outras palavras,

governamental bastante rígida, que restringia quase

taxa de lucro. Mais ainda, bancos brasileiros ocupam,

completamente a cobrança de tarifas pelos serviços

segundo esse critério, as três primeiras posições da

bancários, os bancos viviam uma situação bastante

tabela e são os únicos latinos no conjunto, uma vez que

confortável. Por isso se especulava na época que,

o estudo só considerou as 20 instituições que possuem

quando a inflação fosse debelada, o sistema bancário

ativos com valor superior a US$ 100 bilhões.

brasileiro passaria por sérios problemas.


de Falências, sob o argumento de que ela era muito condescendente com os devedores, enfraquecendo os

Assim, quanto mais

contratos e produzindo um ambiente de incerteza, que

elevada a inflação, inflacionário e maior o ganho dos emissores de moeda.

‘‘

maior o imposto

acabava redundando nos elevados spreads bancários verificados. Feita a reforma, em 2005, nada mudou nessa situação e estudos do próprio Banco Central realizados ao final do ano passado mostram que a participação do lucro dos bancos no tamanho desse spread só tem feito crescer e encontra-se hoje em nível recorde. Bastaria vontade política para que o governo barateasse tanto o crédito quanto os serviços bancários, mas ele prefere se manter à distância, sob a alegação

Mas tão logo o Plano Real surtiu efeito

de que a concorrência vai fazer seu papel e disciplinar

estabilizando monetariamente a economia, o governo

esses preços. Essa postura pode parecer irracional, já

de FHC resolveu a questão concedendo às instituições

que a realidade cansa de mostrar o contrário, mas é

bancárias a auto-regulamentação para tarifar, ou seja,

absolutamente coerente com uma política econômica

os bancos passaram a decidir de forma inteiramente

que tem operado, há quase duas décadas, sob a batuta

independente o que cobrar e quanto cobrar de seus

do capital financeiro e do grande capital em geral.

clientes. Em 2008, tentando conter um pouco esse movimento, mudanças nas regras de tarifação dos serviços foram impostas pelo Banco Central aos bancos, mas os resultados não apareceram. Ao contrário, estudo recente do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) mostra que, de abril de 2008 até fevereiro deste ano, os aumentos dos pacotes de serviços bancários chegaram a alcançar até 65,8% e os das tarifas avulsas até 328%, números evidentemente muitíssimo superiores à inflação do período, que não chegou a somar 10%. A outra razão que explica o desmesurado lucro dos bancos brasileiros é o tamanho do spread, ou seja, a diferença que existe entre o rendimento que eles pagam a quem aplica seus recursos e o que eles recebem daqueles que os tomam emprestados. Segundo estudo do IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) realizado o ano passado, o spread brasileiro é o maior do planeta, em média 11 vezes o dos países desenvolvidos e mais de 5 vezes o dos países em desenvolvimento. A esse respeito é preciso lembrar que uma das reformas neoliberais apoiadas, impulsionadas

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‘‘

e sancionadas pelo governo Lula foi a alteração da Lei

Leda Maria Paulani paulani@usp.br

Economista professora titular do Departamento de Economia da FEA-USP e da Pós-graduação em Economia do IPE-USP. É bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq e publica regularmente em revistas nacionais e estrangeiras. É autora, entre outros, de Modernidade e Discurso Econômico, 2005 e Brasil Delivery, 2008, ambos pela Boitempo Editorial. Foi vicepresidente (1998-2000) e presidente (2004-2008) da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP).

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ASPECTOS SOBRE A ESPECULAÇÃO1 Simone Maciel Cuiabano

Resumo: o objetivo desse trabalho é fazer uma análise sucinta da especulação financeira e como ela pode afetar o lado real da economia. O aumento nos preços do petróleo, em 2008, ilustra essa relação. A análise do comportamento do preço do petróleo mostra como é complicado atribuir somente à especulação a causa para a elevação dos preços das commodities. Por fim, esse trabalho sugere algumas medidas para inibir o lado negativo que a especulação pode causar.

1 – CONCEITUAÇÃO Especulação é o processo de selecionar investimentos mais arriscados, sejam eles ativos móveis ou imóveis, de modo a obter maior retorno, antecipando o movimento de preços. É baseado em informações obtidas no mercado o qual se quer investir e não são caracterizados como investimentos convencionais porque o risco adquirido é maior que a média.

Revista de

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Um conceito clássico de especulação é a compra ou venda de mercadorias tendo em vista a revenda (ou recompra) em data posterior quando o motivo de tal ação é a antecipação de uma mudança nos preços em vigor e não uma vantagem resultante de seu uso ou uma transformação ou transferência de um mercado para o outro. A base da especulação é, portanto, a expectativa dos agentes quanto a mudanças nos níveis de preços.

O desenvolvimento de atividades especulativas está ligado ao desenvolvimento do mercado de derivativos. É comum, nesse mercado, ações de hedge, ou cobertura de risco, dos ativos negociados para reduzir o risco da variação de preços, principalmente diante da incerteza do mercado com o qual se trabalha. Contudo, atividades especulativas utilizam-se do mercado de derivativos para maximizar o retorno ou investimento, o que termina por ocasionar aumentos nos preços dos ativos reais sem que haja qualquer desequilíbrio entre oferta e demanda dos mesmos no tempo presente.

2 – HISTÓRICO O mercado de derivativos2, no mundo, tem sua origem vinculada à necessidade de administração do risco de alterações nos preços dos ativos, originalmente produtos agrícolas (recentemente também ativos financeiros e imobiliários). As mercadorias eram negociadas em um período t e deveriam ser entregues em um período t+1, de modo que o contrato deve refletir os riscos de se conseguir entregar ou não a mercadoria contratada e dar garantia ao comprador de entrega, bem como antecipar ao produtor o crédito necessário à produção. Esse tipo de negociação tem registros históricos na Idade Média; contudo, o mercado futuro organizado teve início em 1848, em Chicago, quando contratos de milho foram negociados.

* 1 Este trabalho expressa a opinião da autora e não necessariamente reflete as posições oficiais da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda– SEAE/MF. * 2 Derivativos são ativos financeiros que derivam, integralmente ou não, do valor de outro ativo ou mercadoria, como os contratos futuros, a termo, opções e swaps.


primeiro contrato futuro de taxas de câmbio. A busca de proteção contra a forte volatilidade das taxas de câmbio e de juro registrada desde o fim dos acordos de Bretton Woods, na década de 40, está na origem da criação e da enorme expansão de mercados de derivativos financeiros muito diversificados e amplos. Essa volatilidade causou mudanças no comportamento

‘‘

A existência dos mercados de derivativos permitiu que os agentes cobrissem seus riscos financeiros ao transferilos para outros.

dos agentes econômicos, que passaram a formar expectativas sobre a evolução de curto prazo das principais variáveis financeiras para a condução normal das atividades econômicas. A existência dos mercados de derivativos permitiu que os agentes cobrissem seus riscos financeiros ao transferi-los para outros. Para a realização, numa escala significativa, das operações de hedge. foi indispensável o desenvolvimento de mercados nos quais se negociem, para entrega e liquidação futuras, os mesmos ativos que nos mercados à vista. Antes da criação dos mercados de derivativos financeiros, era possível efetuar operações de hedge, empregando-se os contratos a termo junto às instituições bancárias. Mas sua importância era limitada pela pequena variedade de ativos cobertos por esses contratos (quase exclusivamente de taxas de câmbio), pelo número reduzido de agentes que a eles tinham acesso (clientes de primeira linha dos bancos), pelo alto custo das operações e pela pouca flexibilidade do instrumento (a liquidação só é possível no vencimento). A criação da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), em 1986, deu início à negociação de derivativos em balcão, principalmente para os contratos vinculados ao comércio futuro do algodão. Contudo, somente em 2001, com a Lei 10.303, o conceito de valores mobiliários passou a incluir os derivativos, permitindo a regulação por parte da Câmara de Valores Mobiliários (CVM). A partir de então, as operações de hedge puderam emergir; paralelamente, ações especulativas puderam emergir no Brasil, no qual se busca não proteger o ativo, mas obter ganhos rápidos a curto prazo.

‘‘

estava baseada em mercadorias, quando foi lançado o

3 – FUNCIONAMENTO A antecipação do especulador sobre a situação do ativo determina o tipo de estratégia a ser tomada pelo mesmo. Se ele acredita que o valor do ativo irá aumentar no futuro, ele adquire o ativo, normalmente a um preço inferior ao que ele imagina no futuro, objetivando a sua venda em período posterior. Esse tipo de ação pode ser encontrada em qualquer negociação de mercadorias, sejam elas commodities, imóveis, moeda, ações, etc. No mercado de derivativos, os contratos futuros e a termo necessitam que o valor do ativo a ser entregue esteja previamente determinado. Se o agente acredita que esse valor pré-contratado estará abaixo do esperado, há uma demanda maior por esses contratos e vice-e-versa. Os contratos de compra e venda de opções, que oferecem o direito de compra ou venda de ativos, também permitem ao agente se precaver da volatilidade dos preços dos ativos reais: se o agente acredita que o preço do ativo irá aumentar, ele pode adquirir a opção de compra cujo preço do ativo précontratado seja inferior ao valor que ele espera. Caso o preço não aumente, ele pode não exercer a opção de compra. Se ao contrário, o esperado é uma queda nos preços, ele pode adquirir uma opção de venda com o preço mais alto a ser realizado no futuro. Esse tipo de ação também pode ser feita com o objetivo de especular sobre os valores futuros a fim de obter ganhos. Nos casos das opções, por exemplo, um especulador pode, ao invés de realizar os direitos de compra e venda, vender as opções por um preço cujo valor seja o ganho a ser obtido pela diferença de preços contratado e o de mercado.

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Até a década de 70, a maior parte do mercado futuro

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4 – IMPACTOS SOBRE O LADO REAL DA ECONOMIA Ações que atinjam os preços futuros de ativos tendem a modificar o valor presente dos mesmos. No mercado de commodities, por exemplo, a determinação do preço das mercadorias adquiridas no balcão3 é feita com base nos preços dos contratos futuros. Desse modo, quando um grande volume de agentes passa a demandar contratos futuros, o valor do ativo futuro tende a se valorizar e, por conseguinte, aumentar o preço presente do ativo. Esse movimento de aumento de preços foge da tradicional visão de que os preços são determinados conforme a oferta e a demanda: pode haver um perfeito equilíbrio no mercado, todavia, se houver a especulação a respeito de uma provável queda ou elevação de preço do bem que ocasione uma corrida pela compra ou venda do ativo, o preço pode aumentar ou cair, respectivamente, de forma substantiva. A atual elevação dos preços das commodities está sendo observada não somente como um choque de demanda ocasionado pelo crescimento dos países (principalmente China), mas também como um novo tipo de choque de demanda, oriundo de investimentos de grandes fundos de pensões e investidores institucionais com grande volume de dinheiro que, na busca por obter ganhos reais, passaram a investir no mercado futuro de commodities. Ou seja, com objetivos especulativos.

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Conjuntura

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Uma vez que os preços futuros tendem a balizar o preço atual, é necessário avaliar as conseqüências sobre o mercado real. No Brasil, os principais índices de inflação possuem, na sua cesta de bens, commodities negociadas no mercado internacional com peso relativamente alto. Itens baseados nos derivados de petróleo (que, por sua vez afetam uma variada gama de produtos, como têxteis, fertilizantes, combustíveis, energia), alimentos, metais, quando sofrem um aumento de preço no mercado internacional, ocasionado por movimentos especulativos, tendem a causar elevações nos índices de inflação. Mesmo se forem commodities produzidas e comercializadas no país, se há um mercado futuro que o baliza, os preços nacionais tendem a acompanhar os preços comercializados no exterior.

Essa elevação nos índices de preços ocasiona o aumento da inflação que, diante do regime de metas de inflação estabelecido pelo Banco Central, tende a elevar os juros básicos da economia para conter o lado da demanda e evitar com que a inflação ultrapasse os limites da meta. A elevação dos juros nominais gera um aumento dos juros reais, diminui o interesse por investimentos em ativos reais e pode causar uma queda geral no nível da atividade econômica de um país. 5 – ESPECULAÇÃO E O RECENTE COMPORTAMENTO DOS PREÇOS DO PETRÓLEO: UM EXEMPLO A notícia de que o barril de petróleo atingiu preço nunca visto até então vinha se tornando rotina. Quando foram feitas previsões de que o barril atingiria US$ 200,00, alguns duvidaram. Os recordes sucessivos observados nos meses de junho e julho de 2008 evidenciaram a possível confirmação desta previsão. Embora os últimos dez dias, tenham mostrado uma significativa redução do preço do barril, cujo preço voltou aos patamares observados em maio (US$ 120,00), o fato é que houve uma mudança estrutural no mercado de commodities, onde o petróleo é o melhor exemplo. Inicialmente, a elevação dos preços do petróleo foi relacionada às tensões políticas nos países produtores. Baixos estoques também eram responsabilizados pelas

elevações

nos

preços, assim

como

a

desvalorização do dólar frente a outras moedas. Posteriormente, nova explicação foi adicionada: o aumento da demanda mundial, provocada pelo crescimento mundial e, sobretudo, de países como a China e a Índia, não era compatível com a oferta, que tinha dificuldades de ser elevada no curto prazo. Recentemente, analistas de mercado e economistas começaram a defender que o aumento dos preços do petróleo poderia ser atribuído a outro fator: a especulação. De fato, a constatação de que a elevação dos preços não era capaz de reduzir os estoques fez com que muitos economistas atribuíssem à especulação financeira a razão pelos constantes aumentos. Declarações da Arábia Saudita de que não haveria escassez de oferta reforçariam essa tese.

* 3 Para mercadorias negociadas via contratos, os preços podem ser negociados conforme volume e tempo de aquisição.


que não a escassez de oferta para a elevação dos preços. Frankel argumenta que, embora o aumento da

afirmou que estaria ocorrendo um aumento dos investimentos de fundos de pensão, fundos de investimentos e bancos em contratos futuros de petróleo. Segundo apurado, agentes especulativos teriam aumentado suas participações em contratos futuros de petróleo: de 37%, em 2000, para 71% em 2008. A contrapartida foi uma queda na participação dos usuários tradicionais de petróleo. O estudo em questão aponta que alguns especialistas chegaram a atestar que a especulação com contratos responderia por até 50% da elevação do preço do petróleo. Diante dessas constatações, o estudo sugeriu a adoção de medidas, legais ou meramente regulatórias, que limitassem a operação de especuladores em commodities.Os instrumentos para tal seriam o aumento nos requerimentos de margens, adoção de limites à exposição ou à posição bruta e maior transparência na comercialização de contratos de balcão. Contudo, deve ser mencionado que não está claro se a especulação ou fuga para ativos reais se deve à baixa taxa de juros nos EUA (fator conjuntural), à mudança nos preços relativos diante do aumento na demanda por parte de emergentes e no custo de extração de petróleo (fator estrutural) ou ambos. A perspectiva de que a elevação dos preços das commodities, dentre as quais o petróleo, não está relacionada à escassez de oferta é compartilhada por

demanda seja um elemento importante na elevação dos preços das commodities, a causa principal seria a baixa taxa de juros nos países centrais, sobretudo nos EUA, e a desvalorização do dólar. A baixa taxa de juros desestimula a extração de recursos não renováveis e reduz o custo de carregamento de estoques. No caso de minérios e petróleo, a “estocagem” pode ser simplesmente não extrair o produto (deixar no solo). Esse movimento de alta dos preços continuaria até o ponto em que os preços chegassem a um patamar que as expectativas se tornariam majoritariamente “baixistas”, isto é, o mercado passaria a esperar uma queda no preço. Guillermo Calvo (2008) também tem posição similiar a Frankel. A diferença é a ênfase na inelasticidade da demanda por commodities. Calvo destaca que, embora o movimento de elevação nos preços se reflita no aumento de contratos futuros negociados, a causa principal não seria a especulação e sim a política monetária. Para ele, as baixas taxas de juros reais estariam causando uma fuga para os ativos reais (sejam por causa das baixas taxas de juros nominais ou pela aceleração da inflação). O mercado spot sentiria o efeito da elevação no mercado futuro porque a demanda por commodities é inelástica no curto prazo. Thomas Palley (1999) também defende que especulação tem forte influência na elevação do preço

analistas de mercado. Por exemplo, Michael Masters (2008), em depoimento no Congresso dos EUA, apontou o papel dos especuladores de índices (que somente compram e vendem posições por meio de calendar spreads), que teriam causado um choque de demanda positivo no mercado futuro de commodities, que se tornou atrativo após o colapso das bolsas e dos imóveis. O aumento na demanda de “barris virtuais” por parte desses agentes é aproximadamente igual ao aumento na demanda de “barris reais” por parte da China. Esses agentes teriam poderes para influenciar preços porque o volume de recursos que movimentam é grande comparado ao mercado de commodities. Masters argumenta que os movimentos no mercado futuro são imediatamente sentidos no mercado spot. Jeffrey Frankel (2008) também aponta outro motivo

do petróleo pelo fato de o aumento no preço do petróleo verificado ser desproporcional ao aumento da demanda. Logo, como a demanda é inelástica no curto prazo, a solução passa por retração do nível de atividade econômica. Argumenta que, apesar de vários economistas dizerem que não há aumento nos estoques que confirme a hipótese da bolha especulativa, o fato é que os estoques deveriam ter caído diante de preços tão elevados. Como isso não tem ocorrido, haveria sim um aumento relativo nos estoques. Palley aponta como solução a limitação da operação de especuladores de índice nos mercados futuros de commodities. Em que pese os entendimentos acima reproduzidos, importa destacar que ainda não há consenso acerca do papel da especulação na elevação dos preços entre os economistas. Paul Krugman (2008), por

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Nesse sentido, cabe citar estudo realizado pelo Congresso dos Estados Unidos (2009). Esse documento

45


‘‘

‘‘

A perspectiva de que a elevação dos preços das commodities, dentre as quais o petróleo, não está relacionada à escassez de oferta é compartilhada por analistas de mercado.

exemplo, argumenta que a especulação não seria o fator determinante, pois não haveria evidência de acumulação de estoques. Embora seja verdade que no caso do petróleo e dos minérios, os estoques podem ser deixados no solo, o fato de os preços futuros estarem abaixo dos preços correntes não confirmaria a hipótese de bolha especulativa no mercado de petróleo. Nesse sentido, para que o preço futuro influencie o preço spot, alguém que tem petróleo deve sancionar a “especulação”, o que somente aconteceria se houvesse razões objetivas para tanto (fundamentos do mercado). Como há uma mudança nos fundamentos devido a maior demanda mundial e à elevação dos custos de produção, poderia ser concluído que seriam esses fatores que estariam empurrando os preços para cima e não a especulação. Recentemente, no Congresso Mundial de Petróleo, ocorrido em Madri, vários agentes afirmaram que a especulação não seria a causa das elevações de preços, endossando o posicionamento de Krugman.

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Conjuntura

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6 – CONCLUSÃO A análise do comportamento do preço do petróleo mostra como é complicado atribuir somente à especulação a causa para a elevação dos preços das commodities. É preciso estar atento a isso para que não sejam impostos remédios equivocados para conter esse movimento ou contornar seus efeitos perversos. Analisando o cenário mundial, consta-se que houve uma mudança estrutural no mercado de

commodities devido a maior demanda por parte de países emergentes, sobretudo na Ásia, e ao aumento dos custos de produção, sobretudo do petróleo. Essa mudança explica, em grande parte, a inflação de commodities até 2006. Porém, o recente aumento tem mais relação com a conjuntura dos EUA, pois as baixas taxas de juro e a ausência de ganhos nos mercados de ações e de imóveis estão direcionando recursos para os mercados de commodities. As baixas taxas de juro estimulam a especulação ao provocar uma fuga para ativos reais e ao baratear o carregamento (a manutenção) de estoques de petróleo e minério “no solo”. Como a desregulamentação financeira nos EUA (desde os anos 90) contribuiu para aumentar o “poder de fogo” dos fundos de investimento nos mercados de derivativos, e diante do vultoso volume de recursos desses fundos, o fato é que os fundos de investimento têm poder de causar elevação substancial nos preços das commodities. Há indícios de que é isso que está ocorrendo desde o início da crise subprime e a subseqüente acomodação monetária por parte do FED (Federal Reserve System). Esse movimento no mercado futuro é sancionado no mercado spot porque a demanda por alimentos e por combustíveis é altamente inelástica. Alguns economistas entendem que a “solução” ou o “estouro da bolha” acontecerá se e quando os EUA resolverem estancar a perda de valor do dólar por meio do aumento na taxa de juros. Isso derrubará os preços das commodities, ainda que não para o nível dos anos 90, pois os fundamentos do mercado mudaram. Contudo, o ajuste monetário dos EUA poderá trazer prejuízos ao Brasil no curto prazo, pois os preços das exportações brasileiras cairão e a taxa de câmbio irá se desvalorizar, causando pressão inflacionária e conseqüente elevação nos juros. Dado esse cenário, o que se pode fazer? Grosso modo, duas ordens de medidas podem ser adotadas. 1 – Aumento do poder de supervisão governamental/ estatal:

- Aumentar a supervisão estatal mediante a adoção de mecanismos que tornem obrigatório o registro dos contratos futuros. É sabido que nos Estados Unidos existem um número significativo de contratos de


- Criação de uma bolsa específica para realização de transações correntes e futuras para as commodities;

-

Fixação de mecanismos que estimulem uma maior cooperação internacional. A idéia, por exemplo, é que a Bolsa de Valores de Nova Iorque conheça o volume e perfil das transações ocorridas na Bolsa de Londres e vice-versa; e 2 – Introdução de mecanismos destinados à inibição da especulação:

- Aumento da margem. A proposta aqui é a fixação

Sociedade, Universidade de Campinas (Unicamp), nº 13. FRANKEL, J. (2008), Commodity Prices, Again: Are Speculators to Blame? Jeff Frankels Weblog. Disponível em: http://content.ksg.harvard.edu/blog/jeff_ frankels_weblog/2008/07/25/commodity-pricesagain-are-speculators-to-blame/ KRUGMAN, P. (2008), Speculation and Signatures. Disponível em: http://www.princeton.edu/~pkrugman/ Speculation%20and%20Signatures.pdf MASTERS, M. (2008), Testimony before the Committee on Homeland Security and Governmental Affairs. PALLEY, T. (1999), Speculation and Tobin Taxes: Why Sand in the Wheels can Increase

de um limite à operação de especuladores em commodities por intermédio do aumento nos requerimentos de margens;

Economic Efficiency in: Journal of Economics, 69, pp. 113-126.

- Como conseqüência da primeira medida haverá um limite à exposição, ou à posição bruta, do especulador, o que conferirá maior transparência aos contratos de balcão.

SANTANA, P., (2007), Operações de Derivativos na Perspectiva do Direito Comercial. Dissertação de Mestrado defendida na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Camp).

Por fim, deve ser observado que medidas de combate à especulação são normalmente inócuas, pois os agentes encontram brechas para operar, sobretudo em um ambiente de baixas taxas de juro e alta de demanda mundial. No entanto, pode e deve haver avanços em direção a maior transparência das operações, de modo clarificar as bases reais para as apostas em andamento, sendo importante ser ressaltado que o Estado brasileiro não tem instrumentos para coibir a especulação internacional. É preciso que as grandes economias em conjunto com os países em desenvolvimento procurem soluções conjuntas para que os países pobres não sejam prejudicados ainda mais com a situação conjuntural atual.

US Congress (2009), Text of S. 447: Prevent Excessive Speculation Act. Sites Portal do Investidor portaldoinvestidor.gov.br

http://www.

Investopedia http:// www.investopedia.com Govtrack.us http://www.govtrack.us/congress/ billtext.xpd?bill=s111-447

REFERÊNCIAS CALVO, G. (2008), Exploding commodity prices, lax monetary policy, and sovereign wealth funds. Disponível em: http://www.voxeu.org/index.php?q=node/1244

CVM, (2004), O que é a CVM? Cadernos CVM. FARHI, M., (1999), Derivativos Financeiros: hedge, especulação e arbitragem in: Economia e

Simone Maciel Cuiabano scuiabano@unb.br Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), com mestado em Economia pela UCB. Doutoranda em Economia pela UnB e Analista de Finanças e Controle .

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transações futuras de balcão que passam ao largo do controle do órgão regulador (CFTC – Commodity Futures Trading Comission). Trazer esses contratos para a supervisão dos órgãos reguladores é imperativo como forma de assegurar maior controle e transparência a essas transações;

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A intervenção do Estado na economia por meio das políticas públicas fiscal e monetária – Uma abordagem keynesiana. Carlos Frederico Alverga

RESUMO O artigo trata da intervenção do Estado na economia, por meio da execução das políticas fiscal e monetária, com a finalidade de atenuar distorções características da economia capitalista e do livre funcionamento do mercado. A principal dessas distorções é a incompatibilidade entre a oferta e a demanda agregadas, cujas conseqüências mais relevantes podem ser os dois mais importantes problemas econômicos, que são a inflação e o desemprego. As referidas políticas fiscal e monetária são mecanismos pelos quais o Estado, por meio do Governo, tenta abrandar os efeitos dos citados desequilíbrios. A primeira consiste na política das receitas públicas, a política tributária, e na política dos dispêndios públicos, a política orçamentária. A segunda consiste no controle da oferta de moeda da economia e da taxa de juros.

1 – Introdução: A economia de mercado capitalista funciona em ciclos econômicos de expansão e contração da produção, da renda, do investimento e do emprego. A intervenção do Estado na economia se faz necessária para estabilizar os preços, o nível de emprego, a renda e outras variáveis macroeconômicas relevantes. Porém, até a crise de 1929, que foi uma crise de superprodução do capitalismo, prevalecia a teoria neoclássica de

É importante caracterizar a crise de 1.929. Foi uma crise de superprodução, já que não havia demanda suficiente para absorver toda a oferta, o que fez com que sobrassem muitos produtos sem serem consumidos, o que teve como conseqüência uma queda generalizada dos preços (acentuada deflação) que, por sua vez, teve como decorrência uma redução expressiva da renda dos empresários que, por causa do prejuízo que tiveram, diminuíram substancialmente os investimentos, o que fez decrescer significativamente o nível de emprego. Toda essa conjuntura depressiva da economia resultou numa diminuição acentuada do valor das ações das empresas, o que causou um movimento de venda generalizada no mercado acionário, a Bolsa de Valores, acarretando queda no valor das ações e alastrando, por toda a economia, as conseqüências da depressão. Pode-se considerar, então, que foi uma crise de excesso de oferta, que teve como efeitos uma significativa queda dos preços, da renda e do emprego. Os dogmas neoclássicos da “mão invisível”, do equilíbrio automático dos mercados e da lei de Say perderam

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Marshall, a qual preconizava a tese do equilíbrio automático do mercado, pela qual a “mão invisível” deste último ajustaria os níveis de oferta e demanda agregadas. A teoria neoclássica também se baseava na lei de Say, pela qual a oferta cria a sua própria demanda, o que teria por conseqüência a impossibilidade da ocorrência de crises de superprodução.

uiabano@unb.br


2 – Definição dos conceitos de políticas fiscal e monetária:

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Pode-se considerar, então, que foi uma crise de excesso de oferta, que teve como efeitos uma significativa queda dos preços, da renda e do emprego.

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a credibilidade, e surgiu Keynes defendendo a intervenção do Estado na economia para ajustar a oferta à demanda, principalmente para aumentar a demanda agregada na fase recessiva do ciclo econômico. Assim, de acordo com Vieira e Campos (2.007:1), “Keynes rejeita os preceitos de equilíbrio, com pleno emprego, ajustável automaticamente (Lei de Say e lei da oferta e da procura)”. No caso do início da década de 30, com a economia atravessando uma depressão terrível, era imperativo que houvesse incremento dos gastos públicos para que a produção, a renda e o emprego se recuperassem. Os instrumentos para concretizar a intervenção do Estado na economia passaram a ser as políticas fiscal e monetária.

É conveniente definir os significados das políticas fiscal e monetária. A política fiscal é o componente da política econômica que se refere, por um lado, às receitas públicas, ou seja, à arrecadação dos tributos do Estado sobre a renda, o patrimônio e o consumo das pessoas físicas e jurídicas, e, por outro lado, aos dispêndios do Governo, os quais estão explicitados no orçamento público. Desta forma, a política fiscal abrange dois componentes distintos, o relativo à política tributária, concernente à receita pública, e a política orçamentária, pertinente à despesa pública. Pereira (2.006:52) define a política fiscal keynesiana como “o uso consciente dos meios fiscais do governo – tributação, gastos e dívida pública, com o objetivo de neutralizar as tendências cíclicas da economia, traduzidas por inflação e recessão”. Cardim (2.008:14) afirma que a política fiscal é aquela “em que o governo age sobre a demanda diretamente através de seus gastos, ou indiretamente, através de tributos sobre os agentes privados”.

quer diminuí-la; pelo segundo mecanismo, o Governo

Com relação à política monetária, ela concerne ao controle da oferta de moeda e da taxa de juros, o que tem conseqüências para os níveis de investimento, emprego e consumo da economia. O Governo implementa a política monetária por meio de três mecanismos principais: o mercado aberto, o depósito compulsório e o redesconto. No caso do primeiro instrumento, o Governo vende títulos da dívida pública

autores, “a intervenção estatal para Keynes, apresenta-

quando quer aumentar a taxa de juros e compra quando

e Terra, 2.010:4).

obriga os bancos comerciais a manterem depositados, no Banco Central, uma porcentagem maior ou menor dos seus depósitos à vista, para assim aumentar ou diminuir a oferta de moeda para empréstimos, de acordo com as circunstâncias, e, finalmente, o redesconto consiste num financiamento que o Banco Central concede às instituições financeiras privadas que estão com dificuldades de liquidez e de honrar seus empréstimos de curto prazo. Em relação a esse último ponto, o Banco Central atua como emprestador de “última instância” dos bancos comerciais, como um “banqueiro dos bancos”. Keynes enfatizava mais a política fiscal do que a monetária, mas a existência de uma autoridade monetária pública exercendo controle sobre a oferta de moeda é tópico relevante na sua teoria econômica. Para respaldar esta última assertiva, cito Ferrari e Terra (2.010:3), que informam que Keynes concedia “significativa importância à condução da política monetária”. Porém, segundo os mesmos se, principalmente, na forma de política fiscal. Esta se ancora tanto na administração dos gastos públicos – algo completamente diverso de déficit público – quanto na política de tributação. Por conseguinte, a política fiscal keynesiana recai, diretamente, sobre a demanda agregada da sociedade, isto é, sobre o investimento e o consumo, público e privado” (Ferrari

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3 – Prescrições keynesianas de políticas fiscal e

insuficiência de demanda, o governo deveria assumir

monetária de acordo com a fase do ciclo econômico:

um papel ativo de complementar os gastos privados,

Na fase expansiva do ciclo econômico, segundo a ortodoxia keynesiana, a política monetária deve ser restritiva, com taxas de juros mais altas e redução da quantidade de moeda na economia, o que é feito mediante a venda, pelo Banco Central, de títulos da dívida pública, e a política fiscal deve ser mais austera, com redução dos gastos públicos, e aumento da tributação, da carga tributária, sobre os fatores de produção, como forma de combater a maior ameaça da fase expansionista do ciclo econômico, que é a inflação. Ambas as políticas se direcionam para conter a demanda agregada e evitar o aumento generalizado dos preços. No que concerne à política fiscal, tal combinação de maior tributação com menor despesa pública contribui para a ocorrência de superávit fiscal nas contas do Governo. Conforme nos informa Pereira (2.006:49), Keynes propunha “a utilização da política fiscal compensatória, na qual pregava (...) a geração de superávits diante de ameaças de inflação”.

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Na fase recessiva do ciclo econômico, segundo os keynesianos, a política monetária deve ser expansionista, com taxas de juros mais baixas para incentivar o investimento, e se caracterizar pelo aumento da quantidade de moeda na economia, o que é efetivado por meio da compra, pelo Banco Central, de títulos da dívida pública, e a política fiscal deve ser mais expansiva, com incremento dos gastos públicos, como forma de combater a maior ameaça da fase contracionista do ciclo econômico, que é o desemprego. Além disso, nessas circunstâncias, o outro componente da política fiscal, que é a tributação sobre os fatores de produção, deveria ser implementado no sentido da redução da carga tributária. Ambas as políticas se direcionam para estimular a demanda agregada e evitar o aumento generalizado do desemprego. No que é pertinente à política fiscal, tal combinação de menor tributação com maior despesa pública contribui para a ocorrência de déficit fiscal nas contas do Governo. De acordo com Pereira (2.006:49), Keynes propunha “a utilização da política fiscal compensatória, na qual pregava o aumento do déficit público em épocas de recessão”. Ainda segundo o mesmo autor, Keynes advogava que,“quando ocorresse

ou reduzindo impostos ou realizando investimentos” (Pereira, 2.006:51). A política fiscal expansionista na fase de contração da produção, do emprego e da renda da economia como remédio para a crise é também apontada por Vieira e Campos (2.007:1), que afirmam que “Os gastos com obras públicas contribuiriam para multiplicar a renda; gerando empregos para alguns, criar-se-ia indiretamente empregos para uma grande parcela da população”. Os

parágrafos

precedentes

referem-se

à

instabilidade da oferta da economia capitalista (que é, basicamente, o motivo da existência dos ciclos econômicos), a qual é causada, fundamentalmente, pelo descasamento existente entre a oferta e a demanda agregadas, fenômeno denominado por Marx como sendo a “anarquia da produção”, gerado pela incerteza de que padece o empresário capitalista ao tomar suas decisões sobre o quanto investir, as quais são influenciadas significativamente pelas expectativas empresariais. Neste contexto é que surge a necessidade de intervenção do Estado na economia, por meio do exercício das políticas fiscal e monetária, principalmente a primeira, para fazer o ajuste entre a oferta e a demanda agregadas por intermédio do desempenho da função estabilizadora do Governo – Caracterização dos fundamentos da teoria econômica keynesiana: Segundo Dillard (1.989), para Keynes, os níveis de renda, emprego e investimento eram funções de três variáveis: a propensão marginal a consumir (c), a eficácia marginal do capital, que seria, aproximadamente, correspondente à taxa de lucro, e a taxa de juros. Ou seja, as variáveis dependentes ou explicadas seriam a renda, o emprego e o investimento, e as variáveis independentes ou explicativas do modelo seriam a propensão marginal a consumir (c), a eficácia marginal do capital e a taxa de juros. O investimento produtivo só seria racional se a eficácia marginal do capital fosse maior do que a taxa de juros. Caso contrário, o empresário capitalista preferiria investir em títulos da dívida pública do Governo remunerados pela taxa de juros do que arriscar


O investimento produtivo só seria racional se a eficácia marginal do capital fosse maior do que a taxa de juros. Caso contrário, o empresário capitalista preferiria investir em títulos da dívida pública do Governo remunerados pela taxa de juros do que arriscar seu capital no investimento produtivo.

‘‘

seu capital no investimento produtivo. A eficácia marginal do capital seria a rentabilidade esperada do investimento em bens de capital. A instabilidade da eficácia marginal do capital seria, também, uma causa importante para a ocorrência das flutuações do investimento e dos ciclos econômicos. Sendo assim, conforme Dillard (1.989), pode-se perceber que as políticas monetária e fiscal agiriam sobre as três variáveis independentes do modelo keynesiano. A carga tributária do Governo influenciaria o consumo, influindo, também, no investimento, o qual seria também afetado pela taxa de juros da economia, determinada pela política monetária do Governo, o que também afetaria o nível de emprego. A política fiscal, que envolve, simultaneamente, a receita e a despesa públicas, também influenciaria a demanda, o investimento e o nível de emprego. Um movimento de política econômica que o Governo pode fazer é o de aumentar a carga tributária sobre as camadas mais abastadas da população e, com esses recursos, conceder repasses destes últimos, por meio de políticas sociais compensatórias, para as camadas mais pobres da população, estimulando a demanda dos segmentos de baixa renda. Seria o caso, no Brasil, do bolsa família, pelo qual o Estado exerce sua função redistributiva na economia. Por meio do incremento da renda das camadas menos favorecidas da população, o Governo

investimento e o nível de emprego da economia. Um simples aumento dos gastos públicos já contribuiria para aquecer a demanda agregada e ajudar a economia a sair da recessão, da mesma forma que uma redução da carga tributária sobre o investimento privado contribuiria para elevar o investimento e diminuir o desemprego. Estes seriam dois exemplos de ação do Governo via política fiscal, denominada anticíclica, por se contrapor à ocorrência do ciclo econômico. Segundo os economistas, a ação da política fiscal do Governo via incremento dos gastos públicos é mais eficaz, ou seja, acarreta maior aumento na renda da economia, do que a ação da política fiscal do Governo via redução da carga tributária. Mas fica uma pergunta: de que maneira poderia o aumento do investimento do Governo influenciar no aumento da renda da economia? Respondendo a essa indagação, Keynes descobriu o elemento que denominou de efeito multiplicador, pelo qual um aumento do investimento causaria um aumento da renda correspondente a (k=1/s * o aumento do investimento), sendo que k é o multiplicador e s é a propensão marginal a poupar da economia. No contexto de uma recessão econômica e do exercício, pelo Governo, de uma política fiscal expansionista, o multiplicador é assim explicado por Singer (1.996:46): “As compras adicionais do governo proporcionam receitas adicionais às empresas vendedoras, que as usam para pagar matérias-primas e salários e distribuir lucros; os agentes que obtêm estas rendas adicionais usam ao menos parte delas para comprar bens de produção (as empresas) e de consumo (os indivíduos). Estas novas compras dão lugar a novas receitas e ainda a novas compras, etc. Este é o mecanismo do multiplicador da demanda”. Por exemplo, vamos supor que a propensão marginal a consumir (c) seja de 0,6, a renda da economia seja de y=500, e o nível de investimento fosse de i=200. Caso o investimento aumentasse em 70, de quanto seria a nova renda de equilíbrio da economia? Assim, se temos que c=0,6, s=0,4, pois c+s=1. O multiplicador k=1/s seria k=1/0,4=2,5, ou seja, o multiplicador dessa economia é de 2,5; assim, caso

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‘‘

estimula o consumo e contribui para aumentar o

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haja um aumento do investimento de 70, a renda da

da propensão a consumir pela redistribuição da renda

economia aumentaria de 70*2,5=175. Logo a nova

em favor dos grupos de renda mais baixa.” Desta

renda de equilíbrio da economia seria aquela de antes do aumento do investimento, 500 + 175 = 675.

forma, podemos sintetizar os remédios keynesianos para combater a depressão econômica, como sendo a recuperação da demanda agregada da economia pela redistribuição, às camadas menos favorecidas da população, dos recursos provenientes da tributação progressiva dos ricos, e o incremento do investimento, da renda e do nível de emprego por intermédio do aumento das despesas do Governo.

Convém ressaltar que, no caso de haver uma redução do montante do investimento também de 70, a renda de equilíbrio da economia, ao invés de aumentar em 175 unidades monetárias, iria diminuir em 175, passando a ser de 500-175=325. Isto poderia ocorrer no caso de, num momento de excessiva expansão da oferta do ciclo econômico, em que exista risco de inflação, o Governo resolver combatê-la reduzindo os gastos públicos e a demanda agregada, numa tentativa de conter a escalada dos preços. Tanto na fase expansionista quanto na contracionista do ciclo econômico, o Governo pode atuar na política fiscal aumentando ou reduzindo a carga tributária sobre a economia e, também, fazendo o mesmo em relação aos seus gastos. Na fase expansionista, na qual pode ocorrer inflação, o Governo pode aumentar a carga tributária para conter o investimento e, até, causar uma pequena recessão, para “esfriar” a economia, além de reduzir os dispêndios públicos. No período contracionista, pode fazer o contrário, ou seja, reduzir a tributação para estimular o investimento e aquecer a economia, além de aumentar os gastos públicos. Essa combinação de redução da tributação, com menor receita pública, e aumento das despesas públicas, para combater a recessão, provoca elevação da dívida e do déficit públicos, e foi o que o Governo brasileiro fez durante a crise de 2.008/2.009 para conter o desemprego. Foi o caso da retirada da incidência do IPI na fabricação dos automóveis, o que manteve os empregos dos metalúrgicos trabalhadores das indústrias automobilísticas montadoras multinacionais.

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Um autor que faz referência aos instrumentos de política econômica prescritos por Keynes para auxiliar na reativação da economia quando da ocorrência de depressão é Eaton (1.958:157), o qual nos informa que “De um modo geral, são de quatro tipos os remédios keynesianos: I – Aumento da capacidade do consumo popular, para assim manter a procura de mercadoria; II – Controle das inversões; III – Uso dos gastos públicos para aumentar a atividade econômica; IV – Aumento

Pela argumentação exposta, pode-se concluir que a intervenção do Estado na economia de mercado capitalista propugnada por Keynes não é no sentido de o Estado atuar no sistema econômico como produtor direto de bens e serviços, ou seja, como Estado “empresário”, proprietário e administrador de empresas produtoras dos mencionados bens e serviços, e sim como regulador do investimento mediante o exercício das políticas fiscal e monetária, com a finalidade de tentar compatibilizar a demanda agregada com a oferta agregada, de modo a atenuar os problemas mais graves que ocorrem no sistema capitalista, que são a inflação e o desemprego. Caso o Estado negligencie o desempenho da sua função reguladora, estabilizadora, do sistema econômico capitalista, não exercendo, da maneira apropriada, as políticas fiscal e monetária antes mencionadas, as conseqüências serão deletérias para a sociedade, assim como aconteceu na crise econômicofinanceira ocorrida no ano de dois mil e oito, a qual propagou seus efeitos para as principais economias do mundo capitalista. 5 – Considerações Finais: Por fim, cabe destacar um importante aspecto da teoria keynesiana levantado por Afonso (2.010), e que constitui uma interpretação equivocada dos postulados keynesianos, e que consiste no juízo de que Keynes defende a política fiscal expansionista e o incremento dos gastos públicos em qualquer circunstância ou conjuntura econômica. Sobre o assunto, o referido autor escreve que “Para Keynes, a política fiscal deve assumir papéis diversos em conjunturas diferentes, ao contrário do senso comum que supõe que o economista defendeu uma expansão permanente do gasto público em


para uma situação bastante específica: o Estado tendo que assumir o comando da decisão de investir e de fomentar a demanda efetiva, depois que a economia tivesse entrado em colapso e como reação à crise” (Afonso, 2.010:2,3). Outro trecho em que o autor supracitado faz referência ao mesmo assunto é o a seguir transcrito: “Entende-se que Keynes não pregou um aumento do gasto público permanente, ou no longo prazo – como muitos vieram a interpretar a partir de sua obra. É correto, sim, atribuir a ele o ideal de uma política fiscal anticíclica, em que acumula superávits na fase de expansão do ciclo, para ampliar o gasto na fase da depressão” (Afonso, 2.010:6). Desta forma, pode-se concluir que, de acordo com a fase do ciclo econômico, o caráter da política fiscal vai variar; na fase recessiva do ciclo, será expansionista para auxiliar a economia a sair da recessão, por meio do incremento dos dispêndios do Governo e da redução da tributação sobre o investimento privado, o que vai aumentar o investimento, o nível de emprego e a renda. Esta foi a característica que ficou mais famosa ou popular do receituário keynesiano. Mas este último não se restringe a esse argumento, tanto que, na fase expansiva do ciclo, ocorrerá o oposto: a política fiscal será contracionista, com redução dos gastos públicos e aumento da tributação sobre o investimento privado, para combater a ameaça de alta generalizada dos preços, a inflação, a qual pode ocorrer na etapa de expansão do ciclo econômico.

EATON, John.“Marx contra Keynes”, Editora Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1.958; FERRARI FILHO, Fernando e Fábio Henrique Bittes Terra, “As políticas fiscal e monetária em Keynes: reflexões para a economia brasileira no período pósPlano Real”, artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira, realizado entre 11 e 13 de agosto de 2.010; PEREIRA, José Matias, “Finanças Públicas: A política orçamentária no Brasil”, 3ª edição, Editora Atlas, São Paulo, 2.006; SINGER, Paul,“O que é economia”, Editora Brasiliense, São Paulo, 1.996; VIEIRA FILHO, Francisco de Sousa; CAMPOS, Teresinha de Jesus Moura Borges. Análise das teorias keynesianas com ênfase no seu direcionamento para o atual contexto sócio-econômico e jurídico mundial. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1281, 3 jan. 2007. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/ texto/9355>. Acesso em: 13 dez. 2010.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AFONSO, José Roberto. “Keynes, Investimento e Política Fiscal na crise”, artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira, realizado entre 11 e 13 de agosto de 2.010; CARVALHO, Fernando Cardim. “Equilíbrio Fiscal e política econômica keynesiana”, artigo publicado na Revista Análise Econômica, Porto Alegre, ano 26, n.50, p.7-25, 2.008; DILLARD, Dudley. “A Teoria Econômica de John Maynard Keynes”, Editora Pioneira, São Paulo, 1.989;

Carlos Frederico Alverga rubino68@ig.com.br Economista graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília

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qualquer contexto. Tal situação era recomendada

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O PROCESSO LEGISLATIVO FEDERAL Miguel Gerônimo da Nóbrega Netto

Doutrinados para reverenciar as normas legais e constitucionais já prontas, os advogados, os magistrados, os estudantes de Direito, economistas e outros agentes vinculados à atividade jurídica, financeira e econômica dão pouca importância ao papel desempenhado pelo Poder Legislativo, principalmente em relação à produção e modificação das normas jurídicas. Nestes termos, o presente artigo se propõe a apresentar as fases e os procedimentos pelos quais se submetem as proposições até entrarem definitivamente no mundo jurídico, além de dispor sobre outros institutos que compõem a função legislativa, particularmente quanto à fiscalização das ações das autoridades governamentais. A importância desse assunto torna-se mais relevante quando associado ao fato de que acabamos de passar por um importante processo eleitoral em que boa parte dos Deputados e Senadores foram renovados e que eles têm a incumbência de elaborarem as normas federais de nosso País.

Essa importância se expande além das fronteiras da União, uma vez que a norma federal sobrepõe-se às estaduais e municipais no que lhe forem contrárias2. Além disso, o Legislativo cumpre papel primordial ao exercer a fiscalização financeira, operacional, contábil, orçamentária e patrimonial dos poderes da União. Este estudo resumido concentra suas análises no processo de elaboração dos diplomas jurídicos, numa tentativa de mostrar as particularidades desenvolvidas pelas duas Casas do Congresso Nacional. Primeiramente, cabe definir em que consiste o processo de formação do ordenamento, entendendo-se como o conjunto de atos e regras – iniciativa, emendamento, discussão, votação, sanção, promulgação, publicação, veto

etc

praticados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, bem como com a participação, no que couber, do Presidente da República. Para que o leitor melhor se situe neste exame

1

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A cada legislatura , a sociedade transfere aos novos representantes eleitos suas esperanças de transformar o Brasil em uma Nação mais justa. Assim, faz-se necessário compreender qual o papel a ser desempenhado pelos congressistas, a partir do entendimento de como se opera o sistema legislativo. Nestes termos, ao Poder Legislativo federal cabe elaborar as normas legais e constitucionais.

e para permitir a obtenção de mais informações sobre a matéria, ressalta-se que a base do processo legislativo federal encontra-se na Constituição Federal, principalmente nos arts. 44 a 75. Mais precisamente, nos arts. 44 a 58, a Constituição dispõe sobre os aspectos básicos do Congresso Nacional – composição, atribuições, limites da atuação dos parlamentares, reuniões etc. A partir do art. 59 até

* 1 A legislatura corresponde ao período de quatro anos. Art. 44, parágrafo único, da Constituição Federal. * 2 Art. 24, § 4º, da Constituição Federal.


‘‘

o 75, a Carta Magna estabelece as regras básicas inerentes ao processo legislativo propriamente dito, ao tratá-lo de forma genérica, remetendo aos Regimentos Internos das duas Casas e do Congresso Nacional, os detalhes sobre a tramitação das matérias3. Além disso, em outros dispositivos, a Constituição dispõe sobre importantes temas, como a competência da União para legislar – arts. 22 e 24 -, e a elaboração das leis que tratam sobre o processo orçamentário – arts. 165 a 169 – consideradas estas, por especialistas, como sendo as principais peças infraconstitucionais4. O processo legislativo federal brasileiro é organizado sob a égide de um sistema bicameral, em que uma Casa Legislativa inicia o processo, enquanto a outra o revisa, apresentando também modificações, por meio de emendas5. Preliminarmente, cabe apresentar aspectos meritórios da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Segundo o art. 45 da Carta Magna, a Câmara

Por sua vez o Senado Federal conta com 81 Senadores (três por cada unidade da federação), eleitos segundo o princípio majoritário, por um período de oito anos, renovado a cada quatro anos, alternadamente, por um e dois terços. O objetivo do processo legislativo é a produção de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, decretos legislativos e resoluções, como resultado da aprovação das proposições que tramitam nas diversas instâncias das Casas legislativas. Segundo o art. 100, § 1º, do Regimento da Câmara dos Deputados, constituem proposições as propostas de emendas à Constituição - PECs, as indicações, os requerimentos, os recursos, os pareceres, as propostas de fiscalização e controle e os projetos. Por sua vez, os projetos podem ser de lei ordinária, de lei complementar, de decreto legislativo e de resolução. Há distinções entre os diversos tipos de normas. No caso das leis complementares e ordinárias, destaca-se a característica de que as primeiras só devem ser utilizadas como instrumento legislativo quando a Constituição, expressamente, assim determina. São exemplos desta particularidade os arts. 59, parágrafo único e o art. 165, § 9º. Além disso, os projetos de leis complementares devem ser aprovados por maioria absoluta7 e, em regra, em dois turnos8, ao passo que as ordinárias, por maioria simples9 e em apenas uma rodada de discussão e

* 3 Os Regimentos Internos da Câmara dos Deputados, do Senado e o Regimento Comum foram aprovados, respectivamente, pelas Resoluções nº 17, de 1989 - CD, nº 93, de 1970 – SF e nº 1, de 1970 – CN. * 4 Sobre a matéria orçamentária, recomenda-se observar também os mandamentos contidos no art. 35, § 2º, I a III, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitorias – ADCT. * 5 Emenda é a proposição apresentada como acessória de outra principal, podendo ser supressivas, aglutinativas, substitutivas, modificativas e aditivas. * 6 Por ser o Estado mais populoso do País, apenas São Paulo elege setenta deputados, por força da Lei Complementar nº 78, de 30 de dezembro de 1993. * 7 Na Câmara a maioria absoluta é representada por 257 deputados; no Senado, por 41 senadores. * 8 Art. 148 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. * 9 Art. 47 da Constituição Federal.

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A cada legislatura, a sociedade transfere aos novos representantes eleitos suas esperanças de transformar o Brasil em uma Nação mais justa.

dos Deputados compõe-se representantes do povo, eleitos segundo o sistema proporcional, em cada unidade de federação.Atualmente,esta Casa conta com 513 parlamentares, sendo que cada Estado e o Distrito Federal terão no mínimo oito deputados e no máximo setenta6, eleitos para um mandato de quatro anos.

55


‘‘

da posse do Presidente da República e de seu Vice,

O objetivo do processo legislativo é a produção de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, decretos legislativos e resoluções, como resultado da aprovação das proposições que tramitam nas diversas instâncias das Casas legislativas.

da elaboração e modificação do Regimento Comum e

da promulgação das emendas à Constituição. A

primeira

consubstancia-se

fase com

do

processo

iniciativa

de

legislativo qualquer

parlamentar – individual ou coletivamente - ou comissão da Câmara, do Senado ou do Congresso Nacional, do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores, do Procurador-Geral da República e dos cidadãos, na forma e nos casos previstos na Carta Magna11 - para

‘‘

os projetos de lei ordinárias e complementares. No caso das propostas de emenda à Constituição, caberá ao Presidente da República, às Assembléias Legislativas e a um terço de Deputados ou Senadores12

darem

partida

ao

processo.

Por força do art. 64, caput13, da Constituição, a maioria dos projetos de lei14 iniciam-se pela

Câmara dos Deputados. Além disso, os projetos de votação. Uma vez rejeitadas, as matérias constantes dos projetos não poderão ser reapresentadas na

iniciativa popular e as medidas provisórias também têm ingresso prioritário por esta Casa legislativa.

mesma sessão legislativa, salvo manifestação de apoio da maioria absoluta de qualquer das Casas. Em geral, as matérias tramitam nas duas Casas separadamente, mas há temas que devem ser decididos em sessões ou em reuniões conjuntas, onde se juntam os deputados e senadores em um mesmo momento e lugar. São os casos das proposições que tratam do orçamento federal, das delegações do Congresso para permitir o Presidente da República legislar10, da apreciação do veto presidencial aos projetos de lei, da inauguração da sessão legislativa,

Ao receber as proposições, os Presidentes da Câmara ou do Senado, interessados em dar encaminhamento às matérias, fazem a distribuição às Comissões – permanentes15 ou temporárias16 – para que essas possam emitir suas avaliações mediante a apresentação de um parecer17. Estas desempenham papel primordial na tramitação, principalmente pela inovação instituída pela Carta de 1988, ao estabelecer poder conclusivo para os projetos de lei ordinária. Esta prerrogativa trata da dispensa do pronunciamento do Plenário das respectivas Casas legislativas, ao

Revista de

Conjuntura

56 * 10 Art. 68 da Constituição Federal. * 11 Art. 61 da Constituição Federal. * 12 Art. 60, I a III, da Constituição Federal. * 13 A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início pela Câmara dos Deputados. * 14 Os projetos de lei podem ser: ordinária e complementar. Art. 109 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. * 15 Comissões permanentes são as de caráter técnico-legislativo ou especializado integrantes da estrutura institucional da Casa a que pertença, agentes do processo legislativo, com diversas competências constitucionais e regimentais. Art. 22, I, do Regimento da Câmara. * 16 Entende-se por comissões temporárias as criadas para apreciar determinado assunto, que se extinguem ao término da legislatura, ou antes, quando alcançado o fim a que se destinam ou expirado seu prazo de duração. Art. 22, II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. * 17 Parecer é a proposição com que uma Comissão se pronuncia sobre qualquer matéria sujeita a seu estudo. Art. 126, caput, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.


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concentrar os debates e as deliberações no âmbito das comissões, dando mais celeridade ao processo. Após toda a tramitação no âmbito da Câmara e do Senado, os projetos de lei ordinária e complementar – estatisticamente, são os projetos mais utilizados na práxis legislativa – seguem para avaliação do Presidente da República. Cabe ao Chefe do Poder Executivo sancionar, promulgar e publicar o instrumento legislativo. Caso considere o projeto ou parte dele inconstitucional ou contrário ao interesse público, poderá vetá-lo total ou parcialmente, conforme o caso, informando ao Presidente do Senado Federal18 em que consiste as suas restrições. O veto deverá ser apreciado pelos membros do Congresso Nacional, em sessão conjunta, que somente será rejeitado pela maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em votação secreta.

federal, apresenta-se, a seguir, um fluxograma constitucional com as diversas fases percorridas pelos projetos de lei ordinária e complementar. Além da criação de leis19, o Legislativo pode modificar as normas em vigor, com destaque para as alterações na Lei Maior, devendo, para isso, observar determinados procedimentos, sem os quais as tentativas de mudanças no texto constitucional tornam-se improdutivas. Segundo o art. 60 da própria Constituição, além de dois turnos20, serão necessários pelo menos três quintos de votos favoráveis dos membros de ambas as Casas21 para a aprovação da proposta. Além disso, a Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de sítio22. Também não serão admitidas propostas tendentes a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos

Para facilitar a visualização e o entendimento de como se procede a tramitação legislativa

e garantias individuais23 - cláusulas pétreas. Caso a proposição tenha sido rejeitada ou prejudicada, não

* 18 O Presidente do Senado Federal é também o Presidente da Mesa do Congresso Nacional. * 19 Lei em sentido genérico, pois esse é um dos tipos de normas que formam o ordenamento jurídico nacional. * 20 Cada turno é constituído de discussão e votação. Art. 149, caput, do Regimento da Câmara. * 21 Na Câmara, 308 votos; no Senado 49. * 22 Art. 60, § 1º, da Constituição. * 23 Art. 60, § 4º, da Constituição.


mesma sessão legislativa24 .É de salientar que as PECs são promulgadas pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em sessão conjunta e solene25. Instrumento legislativo de grande utilidade para o Presidente da República são as medidas provisórias, recurso que deveria ser utilizado apenas em caso de relevância e urgência. Meio de grandes controvérsias e discussões, trata-se de uma proposição que, uma vez adotada, passa a ter força de lei, até ser apreciada definitivamente pelas Casas legislativas. Grande avanço foi alcançado pelo advento da Emenda Constitucional nº

32, de 2001, que apresentou

importantes modificações quanto a sua adoção, como a observância do prazo de sua vigência -

‘‘

Instrumento legislativo de grande utilidade para o Presidente da República são as medidas provisórias, recurso que deveria ser utilizado apenas em caso de relevância e urgência.

‘‘

será admitida a apresentação de nova proposta na

sessenta dias, permitida apenas uma prorrogação

cinco unidades da federação, com não menos de

por igual período, eliminando de vez o artifício das

três milésimos de assinaturas em cada um deles.

intermináveis reedições -, sem a qual a medida perde

Sensíveis a essa realidade, as Casas legislativas

a sua validade. Também as vedações para tratar

têm colocado à disposição dos cidadãos outras

sobre determinados assuntos mostrou-se de grande

alternativas. Para isso, a Câmara dos Deputados

utilidade para inibir abusos no tratamento legislativo

criou a Comissão de Legislação Participativa, bem

de determinadas matérias. Dessa maneira, não mais

como a Ouvidoria Parlamentar com o objetivo de

poderão ser reeditadas ilimitadamente, nem poderão

receber propostas e sugestões que possam vir a

dispor, por exemplo, sobre a detenção ou seqüestro

serem adotadas pela Casa representativa do povo.

de poupança popular. Após a aprovação da medida provisória o instrumento tornar-se uma lei ordinária.

Além da competência para legislar, o Parlamento vale-se de poder para fiscalizar e investigar as ações

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Conjuntura

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Em consonância com as regras democráticas

das autoridades públicas. Um dos instrumentos mais

instituídas pela Carta promulgada em 5 de outubro

conhecidos consiste na instituição de Comissões

de 1988, possibilitou-se ao cidadão exercitar a

Parlamentares de Inquérito, mais conhecidas como

democracia direta26 mediante a apresentação de

CPIs. Elas podem ser criadas no âmbito da Câmara, do

projeto de lei ordinária. Infelizmente as barreiras

Senado ou reunindo em uma só comissão deputados

a serem transpostas para o efetivo exercício desta

e senadores – as mistas. Têm poderes próprios de

prerrogativa têm tornado o instrumento pouco

investigação das autoridades judiciais - somente de

prático, uma vez que é necessária a reunião de um

investigação -, para apurarem fatos determinados em

por cento de assinaturas do eleitorado nacional –

prazos definidos – em regra por 120 dias, podendo

cerca de 1.350.00027 -, distribuídas em pelo menos

ser prorrogado por até mais sessenta28. Para que o

* 24 As sessões legislativas podem ser ordinárias e extraordinárias. As primeiras compreendem o período de 15 de fevereiro a 30 de junho e 1º de agosto a 15 de dezembro. As extraordinárias, no intervalo desses períodos. * 25 Art. 60, § 3º, da Constituição, combinado com o art. 85 do Regimento Comum. * 26 Segundo o art. 14, I a III, a democracia direta pode ser exercida por meio de plebiscito, referendo e iniciativa popular. * 27 Para as eleições de 2010 estavam registrados junto ao Tribunal Superior Eleitoral 135.804.433 eleitores. * 28 A jurisprudência tem permitido o funcionamento das CPIs até o encerramento da legislatura.


determinadas exigências para a sua instituição, como o apoio de um terço dos parlamentares – 171 assinaturas na Câmara ou 27 no Senado. Aprovam um relatório final que deverá ser encaminhado, conforme o caso, ao Ministério Publico para promover a responsabilidade civil ou criminal por infrações apuradas, bem como

55 59

outras, em função de sua competência institucional, ao Poder Executivo para as providências saneadoras de caráter disciplinar e administrativo, e aos demais órgãos pertinentes do Congresso Nacional. Ainda no âmbito da competência constitucional de fiscalização, o art. 70 da Constituição Federal dispõe

que

cabe

ao

Congresso

Nacional

a

incumbência da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade e economicidade. Para isso, o Poder Legislativo federal conta com auxílio do Tribunal de Contas da União que pode

Miguel Gerônimo da Nóbrega Netto

realizar por iniciativa própria ou das Casas do

miguel.netto@camara.gov.br.

Congresso Nacional, inspeções e auditorias em

Economista e Advogado. Servidor da Câmara dos Deputados,

qualquer órgão federal da Administração Pública.

ex-Chefe de Gabinete de Liderança partidária. Atual assessor da Diretoria Legislativa, professor de processo legislativo em cursos

É notória a grandeza, a importância e a complexidade

do

processo

legislativo

regulares e de pós-graduação junto do Centro de Formação,

federal.

Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara e em outras instituições

Acima de tudo, viabiliza práticas democráticas

de ensino superior. É autor de cinco livros sobre o assunto e

que levam ao exercício da cidadania mediante

elaborador e editor do Programa da Rádio Câmara intitulado

um mosaico de medidas e possibilidades. Com o

Conheça o Processo legislativo.

esforço das autoridades, dos cidadãos e de seus representantes, o aperfeiçoamento do Legislativo deve ser perseguido para que este Poder possa aprimorar, a cada dia, o seu papel institucional da maneira mais transparente possível para satisfazer os interesses dos cidadãos nas áreas social e econômica.

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seu uso não seja banalizado, devem ser cumpridas


Não quebre a corrente!

O Corecon/DF defende os interesses da categoria e trabalha pela valorização dos economistas. Mas, para que esta luta seja bem-sucedida, é importante a participação de todos. Visite o seu Conselho. Critique. Dê sugestões.

Participe!

Revista de

Conjuntura

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A conquista é de todos.

Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DF SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br


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