Corpo e cidade
idas tão diferentes são postas sob o mesmo céu da Cidade Morena. Um mecânico que já foi soldado, uma V senhora cheia de memórias, um vendedor de bombons de bom papo, uma senhorinha de 90 anos, mas com muito
mais força e alegria do que um jovem, entre outros personagens. Todos eles são protagonistas de suas próprias vidas, construídas debaixo do sol escaldante da cidade que só os observava a construir seus passos, ela que de vez em quando derramava de suas chuvas sobre eles e lhes abrigava sob suas velhas mangueiras. Tão ou mais sedentos que essas pessoas para contar suas dores e conquistas, estavam os alunos da Oficina “Narrativas fotográficas” para ouvi-las e as traduzir pela linguagem fotográfica, assim, eternizando vivências, marcas, memórias, tendo, mais uma vez, como cenário, a cidade de Belém. O resultado desse encontro entre os saberes e as vivências, você verá nesta revista. Percorra cada página e ouça o que as palavras e a fotografia têm a contar sobre esses atores da vida que se confundem com as linhas e formas deste nosso chão amazônico.
Lorena Rodrigues
No despertar intenso e maquinalmente mortífero da cidade Descubro rostos Percebo enlaces Pistas caminham sobre as pessoas Paredes se comunicam A própria selva de pedra Toma vida Nesse ir e vir Paro por milésimos instantes Atentamente a observar O que o senhor careca A senhorinha da banca de jornais Ou o flanelinha Têm a me dizer Mesmo sem falar nada Me despertam na mente Todo um emaranhado Quem são? Quais seus nomes de batismo? Será que têm filhos? Por que estão ali?
Olho para o rosto suado Sinto os cabelos encharcados Do moço do peixe Me deixo levar Pela batida atroz Do lobo feroz Que nos carrega pela cidade Fumando o último maço Para chegar a tempo no final da linha Por sinal, as linhas do destino Cabem bem na palma da mão. Confundo a minha história Com a cantiga velha que ouvi Da moça bonita da padaria Que sonha em ser artista de tv. Lorena Rodrigues
MARIA DOMINGAS, Dona Domingas. por Alana Ribeiro
Maria Domingas, 59 anos, nascida em Cametá, atualmente morando em Belém. Com 5 anos, foi largada pela mãe e obrigada a trabalhar para uma família desconhecida que a maltratava. Mas as melhores lembranças para ela são a trilha no mato, a colheita de frutas, subidas em árvores, banhos no lago e outras brincadeiras. Apesar desses bons momentos, na escola, além de ter sofrido preconceito por ser pobre e negra, ainda faltava o amor de sua mãe. Ela ainda sofre com isso. Sua fase adulta foi melhor do que a infância, segundo ela. Trabalhou como doméstica. Mãe de quatro filhos, dois homens e duas mulheres, tendo o primeiro aos 18 anos. Atualmente, enfrenta problemas com o seu filho alcoólatra. Mesmo diante das dificuldades, manteve-se firme. Maria Domingas, uma mulher admirável pela sua força, alegria e sensibilidade. Umas horas de conversa com ela já faz você passar o tempo com tantas histórias.
ANTÔNIA R. DA SILVA, Mulher sábia. Por Bete França.
Antônia Rodrigues da Silva, filha de Ezequiel Rodrigues da Silva e Emiliana Rodrigues da Silva. Nasceu no Ceará, dia 13 de junho de 1918, uma mulher guerreira, e mesmo com idade avançada, frequenta a igreja e exerce todas as suas atividades domésticas. Apenas pelo olhar, faz-nos refletir sobre a experiência vivida com o passar dos anos. Lutou para criar seus filhos e acumulou muitas vivências. Uma mulher sábia que muitos admiram.
GERTRUDES SANTOS, Tia Gê. Por Gagarim Lemos..
Gertrudes Santos da Costa, 75 anos, natural do município de Cametá (Pindobal Miri), filha de Francisco Pantoja dos Santos (lavrador) e de Joana Castor dos Santos (D. de casa), mãe de 11 filhos. Dona Gertrudes veio para Belém com 14 anos de idade e trabalhou como doméstica em casa de família. Com 16 anos, ela resolveu continuar os estudos, pois não tinha um bom relacionamento com as suas patroas e ela ainda era menor de idade. Tentou vestibular por vários anos, não desistindo dos seus sonhos. Ingressou na Turma Centenária (JEP) e aos 31 anos, formou-se como professora pela Universidade da Amazônia, para poder trabalhar na igreja na missão de evangelizar. Quando se aposentou, engajou-se na comunidade “Setor 7”, conhecida atualmente como Comunidade Aparecida. Na igreja matriz de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, atua como ministra extraordinária da eucaristia, da Palavra e das exéquias. A catequista faz a celebração da Palavra na comunidade das paróquias Santa Rita, Nossa Senhora dos Navegantes, Jesus Cristo Libertador, Sagrada Família e em outras do Barreiro. Além disso, trabalha em peregrinação, visitando as famílias e é legionária da legião de Maria, ajudando nas missas e celebrações na matriz.
IGOR PEDRO, O Pastor. Por Iago Marques.
Igor Pedro Marques, 21 anos, professor de Teologia e Pastor Auxiliar na Assembleia de Deus, Templo da Pass. Rosa Lemos. Jovem, filho mais novo da família Marques de Sousa. Começou sua vida no ministério pastoral aos 16 anos, estudando o básico em teologia. Prosseguiu no estudo teológico, cursando o médio e o bacharelado e no final do ano de 2016 terminará a sua integralização de crédito. Sua função principal na igreja é servir a comunidade. Visita as casas, atende aos mais carentes, realiza inclusão social e prega as boas novas de salvação! Sempre com muito cuidado e amor, ajuda as pessoas em vários aspectos, como: em problemas espirituais, psicológicos e até mesmo nos financeiros. Espera honrar sempre a sua família e mesmo tão novo, responsabilizar-se pelas pessoas que o tem como pastor.
JOÃO PROGÊNIO, O Rei do bombom. Por Maria da Graça Arnaud.
João Progenio Tavares, 50 anos, casado há mais de 20 anos com Dineia Almeida Pantoja, idade 51 anos, mora em Belém há mais de 30 anos. Conheceu sua esposa na porta do Colégio Paulo Maranhão, situado na Avenida José Bonifácio. Moram com eles as duas filhas: Aline Caroline, de 20 anos, Beatriz, de 12 anos e o neto João Manoel de 2 anos. Filho de Nabor da Costa Tavares e Doxias Progenio Tavares, nascido e criado em Cametá (Limoeiro do Ajuru), trabalhador rural, tem 10 irmãos e sua esposa tem 12 irmãos, vêm de uma família numerosa. Os irmãos do seu João vieram para Belém em busca de uma oportunidade no mercado de trabalho e com o passar do tempo mandaram buscar o restante da família, porque os produtos que comercializavam não estavam mais dando para o sustento da família numerosa. Seu João não chegou a concluir seus estudos, assim que chegou à Belém, começou trabalhando como vendedor autônomo. Ele possui dois carrinhos que ficam localizados no Bairro de São Braz, na parada do ônibus de Belém/ Mosqueiro. Vende várias mercadorias a preços acessíveis aos transeuntes e viajantes que passam pelo local, como: pipocas, bombons, chicletes, rosquinhas, água, refrigerantes, cervejas, bolachas, etc..., de onde tiram o sustento de sua família com a venda de seus produtos. Seu trabalho é atender da melhor maneira possível a seus clientes. Às vezes, acaba se tornando amigo dessas pessoas. Suas refeições são feitas no próprio local de trabalho, sempre na companhia da esposa que leva a refeição. Admira-se este casal que trabalha de sol a sol para ganhar o sustento de sua família. Chega às 10h da manhã e volta para casa às 22h. Trata-se de um trabalho árduo, mas que não deixa de ser gratificante.
RONALDO FRANCO, O Mecânico. Por Pedro Peres.
Nascido no dia 19 de setembro de 1948, em São Luís – MA. Filho do sr. Reinaldo Franco de Sá e da dona Iraci Mendes de Sá, ambos paraenses. Com apenas oito anos de idade, começou a se interessar pela mecânica de autos, graças a seu pai que também era mecânico, porém de motores à diesel. Em 1964, conseguiu seu primeiro emprego de carteira assinada como mecânico, com apenas 16 anos, exerceu essa profissão até 67, quando se alistou na Força Aérea Brasileira. Após um ano, largou a farda como Sd de 1ª classe. Mudou-se para Alagoas, montando sua primeira oficina, isto não deu muito certo, funcionando apenas por dois anos. Retornando para Belém, casou-se no mesmo ano, com a srª Maria Ivanilda Solto de Sá, união que resultou em 3 filhos e 5 netos. Hoje aos 68 anos, o mecânico aposentado exerce sua profissão em uma oficina montada em sua própria casa, construída com muita garra e o suor de seus 50 anos de profissão
DANIEL CARLOS DE SOUZA, O Artista. Por Rafael Fernando.
Daniel Carlos Rodrigues, 21 anos, estudante de Jornalismo e profissional em Artes. Atualmente interprete do grupo do “Auto da Lua Crescente” e social media. Faz circo há 6 anos, o que não imaginava. Conheceu a oficina do Curro Velho por intermédio da sua mãe e sem muita expectativas. Alguns meses depois já estava treinando com intuito de se aperfeiçoar. Fascinado por processos colaborativos, amante da fotografia e do cinema, viciado em séries. Seu sonho é fazer isso até o fim da vida. “Sonho é algo bem efêmero, talvez você acorde e veja que não aconteceu. Mas eu vivo meu sonho, eu não tinha pretensão de um dia virar artista, mas aconteceu e esse é meu sonho, cada vez que vejo o espetáculo montado e percebo a reação do público e os aplausos”.
DENILSON, O umbigo queimado. Por Sophia Oliveira.
Denilson, 49 anos, nascido em Belém-PA, morador do bairro do Sideral. Exerce a função de cozinheiro no Restaurante Sr. Caranguejo, todos os dias, das 8h às 23h com duas horas de intervalo. Mora com seus pais e sempre buscou pelo seu sustento. Em busca de emprego, foi para São Paulo, lá se tornou empilhador de uma empresa, mas não estava satisfeito naquela área e sempre encantado pela culinária paraense, voltou para a sua terra natal e procurou aprender o básico da cozinha, função muito diferente da antiga. Depois da proposta de emprego do Sr. Caranguejo, foi dominando os pratos típicos. Homem batalhador que não deixa se levar pelo cansaço de produzir grandes quantidades de comida, com muito carisma. Denilson vai seguindo seu dia a dia e se aprofundando mais nessa profissão que é muito ampla na área da gastronomia.
RAIMUNDO DA SILVA, O homem de bigode. Por Fatyene Farias.
Sr. Raimundo, 64 anos, casado e pai de família, á 22 anos trabalha com muito orgulho vendendo bombons em frente à escola Francisco da Silva Nunes Integrado, das 7:00 da manhã às 13:00 da tarde, e a noite ainda vende seus bombons na praça do bairro. Sempre muito educado, recebe os alunos com um “Bom dia”, e está sempre a disposição de uma companhia para conversar. Sustenta 10 pessoas em sua casa, com ajuda de 2(duas) filhas, sempre foi muito trabalhador, já trabalhou em ramo de bar, mas segundo ele, vender bombons é bem melhor. A tanto tempo trabalhando em frente à mesma escola, já presenciou várias coisas que aconteceram: protestos, greves, todas as reivindicações dos alunos e professores, a tanto tempo trabalhando lá, quantas pessoas já não passaram por ele? Às vezes até sem perceber, mas ele sempre ali, afetuoso e educado.
RUAN RIBEIRO GOMES, O menino bugado. Por Gabriel Grifith.
Há algumas semanas, precisou extrair um dente siso. Pouco tempo depois, contraiu gripe, que se tornou virose e, logo após, tuberculose. Se submeteu ao tratamento, incapaz de exercer suas atividades rotineiras. Para passar as horas, os dias, ele recebe a visita de amigos, assiste filmes, animes e séries em seu velho notebook, lê livros e tenta se readaptar, retomando alguns exercícios e passos que não demandam demasiado esforço físico. Com amigos e família atenciosos e calorosos, ele tem passado os dias, principalmente com sua irmã e uma amiga em especial, a qual, infelizmente, não esteve presente no dia do ensaio. Entre os objetos que mantém por perto, está um colar dado por essa pessoa especial. Seu avô flerta com o ramo da agronomia, e desejava que o neto seguisse uma área dentro das Ciências Agrárias, especialmente Engenharia Florestal. Dentro de sua casa se encontra diversas experiências, com mudas e sementes. No quintal se encontram algumas outras experiências e árvores mais velhas, também parte de experimentos. Um objeto que chama atenção na sala é uma espécie de lupa, que se situa na mesa. E, no cômodo em frente à sala, se encontram algumas mudas, bem como no caminho para o quintal da casa. Apesar de tudo, ele ainda mantém um sorriso no rosto, com sua personalidade cortês e calma. Se recuperando e tentando, aos poucos, retomar as atividades do dia a dia.
IOLANDA DE MARIA, Dona Ló. Por Lorena Rodrigues.
Iolanda de Maria, 68, nascida no interior do Maranhão, dona do lar, mora em Belém desde 1964, quando veio fugida do companheiro agressivo. Nessa transição, teve de deixar também os filhos com parentes, por não ter condições de criá-los. Enfrentou muitas dificuldades para se estabelecer em Belém. Trabalhou como lavadeira, passadeira e como doméstica. Passou por muitas casas e histórias, conquistando as pessoas com sua simpatia. Dos 7 filhos que gerou, apenas 5 estão vivos. Vive com a filha mais nova e duas netas numa casa própria, bem do qual se orgulha de ter conquistado, depois de anos pagando aluguel e passando fome para alimentar as filhas. Hoje, pela idade e saúde debilitada, resultado dos anos de labor árduo, cuida apenas das tarefas domésticas e viaja sempre que pode para a terra natal para rever os outros familiares.
MARIA SEBASTIANA, Tia Maricota. Por Maíra Matos.
Tia Maricota, 79 anos, nascida como Maria Sebastiana, em São João da Ponta-PA. Quando jovem ser freira, não conseguiu, restando-lhe apenas a devoção. Mulher de várias facetas, pela manhã dona de casa, gastando horas no ofício: cozinhar. A tarde, vira escritora, contadora de causos e do dia a dia. Já lançou até um livro! Hospitaleira ao extremo, vira criança quando lhe visitam, enchendo as pessoas de atenção e expondo com carinho e orgulho os mimos que recebe. Quem estiver triste, é só visita-lá, pois seu alto astral contagiante afasta qualquer pessimismo naquela travessa do Chaco.
MARIA LAUELINA DE SOUZA, Dona Dudu. Por Manuelly Santos.
Maria Lauelina de Souza, mais conhecida como Dona Dudu, vendedora de ervas medicinais da feira do Ver o Peso. Possui 58 anos, nasceu na cidade de Belém do Pará, morar atualemnete no bairro do curucamba. trabalhar a trinta anos no mercado ela me relatou que a procurar maior é dos proximos moradores da cidade e os atrativos mais venddos são o banho de cheiro e a poção do amor, essas mesmas no qual, aprendeu com sua avó, que passou pra mae e hoje esta nas mãos dela. Ela mesmo que prepara o banho na própria casa e leva para vender no mercado Ver-o-Peso. De acordo com a propria, o período de maior venda, além do dia de São João, é no final do ano. Em uma parte da conversar ela me contou que “Se não venho para cá, fico doente”.
FICHA TÉCNICA:
Oficina: Narrativas Fotográficas - Corpo e Cidade:
Edição de Texto: - Lorena Rodrigues - Camila Machado Edição de Fotografia: - Gabriel Griffith - Pedro Peres - Maira Pinheiro - Paula Rodrigues Capa: - Rafael Fernando Diagramação: - Paula Rodrigues Produção: - Gagarim Lemos - Iago Marques - Bete França - Sophia Oliveira - Graça Arnaud - Alana Ribeiro - Fatyane Farias - Manuelly Santos Poesia: - Lorena Rodrigues
Fotografias: Alana Ribeiro Bete França Gagarim Lemos Iago Marques Maria da Graça Arnaud Pedro Peres Rafael Fernando Sophia Oliveira Fatyene Farias Gabriel Grifith Lorena Rodrigues Maíra Matos Manuelly Santos
“Hoje, quando eu fotografo as pessoas, eu procuro ver o afeto, a beleza e a sensualidade de cada uma delas.” (João Roberto Ripper) REALIZAÇAO: