Especial Mensalão

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CORREIO BRAZILIENSE Brasília, quinta-feira, 26 de julho de 2012

ESPECIAL

38RÉUS,11JUÍZES E O MAIOR JULGAMENTO DA REPÚBLICA

Na próxima semana, chegará ao fim uma espera que já dura sete anos. Os 38 réus do maior escândalo político da história recente do país começam a ser julgados pelo envolvimento no mensalão. Os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal garantiram que, até meados de setembro, o país saberá os nomes de inocentes e dos culpados, além do tamanho das penas decorrentes de crimes de formação de quadrilha, peculato, corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O escândalo que contaminou o fim do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou em 2005, quando uma guerra interna entre o ministro da Casa Civil à época, José Dirceu, e o deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) por fatias de poder no governo resultou na denúncia do parlamentar sobre o que supostamente acontecia nos bastidores da relação do Planalto com sua base no Congresso e do PT com os partidos que gravitavam em torno de Lula. Em uma entrevista marcante e dois depoimentos históricos — na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e na CPI dos Correios —, Jefferson apontou Dirceu como mandante de um esquema de compra de votos e distribuição de recursos para pagamento de contas de campanha. Ao longo do segundo semestre do mesmo ano, Jefferson, Dirceu e o ex-presidente do PP Pedro Corrêa (PE) tiveram seus mandatos de deputado federal cassados.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi criada e sugeriu o indiciamento de políticos, publicitários e donos de instituições financeiras. Aliado ao relatório das investigações feitas pela Polícia Federal, o texto da CPI embasou a peça acusatória feita pela Procuradoria Geral da República e acatada pelo ministro-relator do caso no STF, Joaquim Barbosa. Ao longo de 12 páginas, o Correio apresenta um resumo das 50 mil páginas do processo, as perguntas do escândalo ainda em aberto, as acusações contra os réus e as defesas elaboradas pelos principais escritórios de advocacia criminal do país. O leitor terá também à sua disposição uma infografia do plenário do STF, mostrando como será o julgamento do caso, além dos perfis dos 11 juízes que conduzirão o processo mais aguardado dos últimos anos. Além de mobilizar personalidades da política e do universo jurídico, a votação do caso atrai a atenção dos cidadãos comuns. Apesar de não conhecer detalhes do caso nem a lista extensa de acusados, a população já se divide na antecipação de culpados e de inocentes. Independentemente das sentenças, o julgamento do mensalão é visto como um divisor de águas da história política. O escândalo reacendeu importantes debates sobre o financiamento de campanhas e motivou mudanças na relação do governo com agências de publicidade e até mesmo entre os partidos.


Especial O MAIOR JULGAMENTO DA REPÚBLICA

Entenda como uma briga política por fatias de poder na Esplanada contaminou o fim do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e custou o posto de deputados do alto escalão

Efeito bola de neve » MARCELO DA FONSECA

O

maior escândalo de corrupção envolvendo a compra de votos parlamentares poderia não ter vindo à tona se não fosse uma suposta quebra de acordo entre um empresário e um funcionário público. A insatisfação de um dos envolvidos no esquema que fraudava licitações para os Correios o levou a armar uma prova contra seus antigos parceiros no desvio de recursos públicos. Quando o caso chegou à mídia, novos nomes foram envolvidos na fraude. As denúncias se tornaram uma verdadeira bola de neve,

passando de um plano mais simples arquitetado para que algumas empresas levassem vantagem na venda de materiais a órgãos públicos para uma ação organizada que envolvia mais de 100 pessoas, entre parlamentares, ministros, empresários e presidentes nacionais de partidos políticos. A partir da denúncia feita em junho de 2005 pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), de que seu partido teria recebido uma oferta em dinheiro por parte do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares para votar a favor do governo alguns projetos no Congresso, as acusações se tornaram rotina e, a cada dia, novos

nomes apareciam nos jornais. Duas CPMIs foram criadas para apurar as denúncias e três parlamentares perderam as vagas na Câmara. Um ano depois de deflagrado o esquema, a denúncia chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), e cresceu a expectativa de que o caso teria fim. No entanto, na maior casa de Justiça do país, os adiamentos se tornariam frequentes e o processo judicial passou a se arrastar. Na semana que vem, o esquema que apareceu graças a uma gravação de um empresário envolvido em negociações fraudulentas chega finalmente ao plenário do Supremo e o fim da novela ficará nas mãos de 11 ministros.

16 de junho Citado por Roberto Jefferson como uma das pessoas próximas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que conhecia o esquema, José Dirceu renuncia ao cargo de ministro-chefe da Casa Civil, 10 dias após a revelação do mensalão. O petista reassume a cadeira na Câmara dos Deputados. 8 de julho É preso no aeroporto de Congonhas José Adalberto Vieira, assessor do deputado estadual José Nobre Guimarães (CE), irmão do presidente nacional do PT, José Genoino, com R$ 200 mil na mala e US$ 100 mil na cueca.

O destino de cada um Deputados Presidente da Câmara durante os dois primeiros anos do governo Lula, João Paulo Cunha (PT-SP) escapou da cassação, mas viu minguarem os seus planos de se tornar governador de São Paulo. Hoje, concorre a prefeito de Osasco. Já Valdemar Costa Neto (PR-SP) segue dando as cartas no partido e com relativo poder em pastas estratégicas da Esplanada, como a dos Transportes

» PAULO DE TARSO LYRA Às vésperas do julgamento no Supremo Tribunal Federal, os principais réus do mensalão aguardam os desdobramentos jurídicos do escândalo que estourou em junho de 2005 e já deixou sequelas políticas em alguns deles. Apesar da onda de absolvições no plenário da Câmara, três parlamentares, dois deles considerados caciques políticos, tiveram seus mandatos cassados: José Dirceu (PT-SP), Roberto Jefferson (PTB-RJ) e Pedro Corrêa (PP-PE). Outros, como o ex-presidente do PT José Genoino, passaram a ter uma atuação política bem mais discreta da do passado. Cotado como um dos principais nomes para suceder Luiz Inácio Lula da Silva em 2010 e

14 de setembro O plenário da Câmara aprova a cassação do mandato do deputado Roberto Jefferson por quebra de decoro parlamentar, por 313 votos. Além do envolvimento com o mensalão, o parlamentar também é citado como participante em atos de corrupção em empresas como a Eletronorte e o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). 16 de novembro A CPI do Mensalão é concluída sem um relatório final aprovado. O relator do processo, deputado Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG), demonstra irritação com o fim dos trabalhos. “É como se a investigação não tivesse existido. Vira tudo pizza”, disse o deputado. 1º de dezembro José Dirceu (PT) tem o mandato de deputado federal cassado por quebra de decoro parlamentar. Dos 495 deputados que participaram da votação, 293 optam pela perda do mandato. Dirceu fica inelegível até 2015.

2006 5 de abril A CPMI dos Correios apresenta o resultado de nove meses de trabalho. O relatório final foi aprovado com 17 votos favoráveis, entre os 31 que integraram o grupo, sendo quatro parlamentares contrários ao texto. A investigação apontou a existência de propinas pagas a parlamentares e pediu ao Ministério Público que mais de 100 pessoas fossem indiciadas. Além de integrantes do governo federal, outros 18 deputados são citados com envolvimento no esquema. 11 de abril O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, apresenta denúncia ao Supremo Tribunal Federal contra 40 pessoas envolvidas no esquema do mensalão. A lista inclui os ex-ministros José Dirceu (Casa Civil), Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação) e Anderson Adauto (Transportes).

homem forte do governo nos três primeiros anos de mandato do petista, Dirceu passou a atuar, após a cassação, nos bastidores do PT. Tornou-se também consultor empresarial, aproveitando a expertise de seus tempos de chefe da Casa Civil. Apesar de publicar um blog com suas opiniões políticas e econômicas, começou a ser visto com ressalvas por integrantes de cargos públicos, que optaram por encontrar-se com ele de maneira reservada para não serem vistos ao lado daquele que é considerado pelo Ministério Público Federal como o “chefe da quadrilha do esquema do mensalão.” Roberto Jefferson, que a exemplo de Dirceu também teve seus direitos políticos cassados, seguiu conduzindo as principais negociações políticas do PTB. Mas perdeu diversas batalhas internas no partido, que optou por permanecer ao lado do governo do PT — tanto com Lula quanto com Dilma. Responsável pela célebre frase “Sai daí, Zé, para não tornar réu um homem inocente”, Jefferson tem dito que seu destino está ligado ao do ex-chefe da Casa Civil. E ameaçou: “Se o Dirceu quiser politizar o julgamento, quem se dará mal é o Lula”.

J.F.Diorio/AE - 9/7/05

31 de agosto PF indicia Delúbio Soares, Marcos Valério, José Genoino e o marqueteiro Duda Mendonça por práticas criminosas relacionadas ao mensalão. Entre as acusações, estão crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro.

6 de dezembro Sem punição para a maioria dos envolvidos, termina a série de julgamentos de parlamentares citados no mensalão. Dos 19 deputados acusados, 12 foram absolvidos, quatro renunciaram — Paulo Rocha (PT-PA), José Borba (PMDB-PR), Valdemar Costa Neto (PL-SP) e Carlos Rodrigues (PL-RJ) — e três foram cassados pela Câmara de Deputados — José Dirceu, Roberto Jefferson e Pedro Corrêa (PP-PE). O último a escapar da cassação por quebra do decoro parlamentar foi José Janene (PP-PR), absolvido pelos colegas.

Sergio Lima/Folha Imagem - 17/10/05

12 de agosto O presidente Lula afirma que foi “traído” e que o governo e o PT têm de pedir desculpas pelos “erros” cometidos.

2 de outubro Oito acusados de ligação com o esquema do mensalão são eleitos para a Câmara dos Deputados: João Paulo Cunha (PT-SP), José Mentor (PT-SP), Vadão Gomes (PP-SP), Sandro Mabel (PL-GO), Pedro Henry (PP-MT), Paulo Rocha (PT-PA), Valdemar Costa Neto (PL-SP) e José Genoino (PT-SP).

2007 28 de agosto O Supremo Tribunal Federal (STF) aceita denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no mensalão. No relatório de denúncia, o ministro Joaquim Barbosa aponta como operadores do núcleo central do esquema o exministro José Dirceu, o ex-deputado e presidente do PT, José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex-secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha.

2008 Daniel Ferreira/CB/D.A Press - 23/5/06

12 de junho Roberto Jefferson volta a acusar integrantes do governo federal de conhecer o mensalão e cita Marcos Valério como articulador financeiro para a compra dos parlamentares. O parlamentar afirma que a verba do esquema viria de empresas estatais e do setor privado.

20 de julho Criada comissão parlamentar mista de inquérito para apurar as denúncias de pagamento de recursos a membros do Congresso com finalidade de aprovar matérias do interesse do Executivo.

24 de janeiro Sílvio Pereira assina acordo com a Procuradoria Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus.

2010 14 de setembro José Janene, ex-deputado do PP, morre e também deixa de figurar na denúncia. O parlamentar tinha sido absolvido no processo de cassação na Câmara, mas era suspeito de se beneficiar de mais de R$ 4 milhões das empresas do publicitário Marcos Valério.

2011

Jose Varella/CB/D.A Press - 30/11/05

9 de junho Mesmo com pressão contrária de parte da bancada governista no Congresso, a CPMI dos Correios é instalada. No calendário de trabalho do grupo, são marcadas entrevistas da presidente do Banco Rural, Kátia Rabelo; do secretário do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Luiz Gushiken; do dirigente do BMG, Rogério Tolentino; e dos empresários Marcos Valério e Daniel Dantas. No mesmo dia, a PF prende quatro suspeitos de participar da gravação envolvendo o servidor Maurício Marinho, flagrado recebendo propina.

Carlos Moura/CB/D.A Press - 11/8/05

6 de junho No centro das denúncias do escândalo que atingiu os Correios, o deputado federal Roberto Jefferson (PTB) traz à tona a existência de um outro esquema de corrupção que envolvia a compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional. Em entrevista, Jefferson denuncia que, desde 2003, seu partido teria recebido uma oferta para receber mesada de um esquema coordenado por Delúbio Soares, tesoureiro do PT.

Carlos Moura/CB/D.A Press - 14/6/05

10 de maio Revelada filmagem feita em março mostra o chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Maurício Marinho, negociando propina com empresários interessados em participar de uma licitação do órgão. As imagens foram gravadas por Joel Santos Filho, advogado curitibano que, a pedido do empresário Arthur Washeck Neto, um dos donos da Comam Comercial Alvorada de Manufaturados Ltda. e apontado pela Polícia Federal (PF) como um dos cabeças da quadrilha especializada em fraudar licitações dos Correios. O motivo que levou o próprio empresário a armar a gravação seriam problemas nos acordos que estariam o prejudicando. No vídeo, o funcionário dos Correios afirma ter o respaldo do deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) nas negociações.

Jarbas Oliveira/AE - 12/7/05

2005

Paulo de Araujo/CB/D.A Press/Reproducao de TV

CRONOLOGIA DO MENSALÃO

7 de julho O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, entrega ao STF as alegações finais do caso do mensalão. No processo, pediu que o tribunal condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do extesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.

Presidente do PT e responsável por autorizar os empréstimos feitos pelo partido perante os bancos Rural e BMG — intermediado pelo empresário Marcos Valério — José Genoino mergulhou em depressão após o escândalo. Amigos relataram ao Correio a dificuldade que o antes falante parlamentar tinha de sair de casa. Elegeu-se deputado federal em 2006, mas não conseguiu reeleger-se em 2010. Nomeado secretário especial do Ministério da Defesa, trilha um caminho mais discreto e apagado.

Em silêncio Tesoureiro do PT e apontado como um dos prováveis condenados no julgamento do Supremo Tribunal Federal, Delúbio Soares foi expulso do PT e manteve o silêncio sepulcral sobre o assunto. Ameaçou filiar-se ao PMDB, mas Lula acalmou-o e ele manteve-se sem ligação partidária. Em 2011, foi refiliado ao PT, sendo elogiado por sua disciplina políticopartidária de manter-se quieto sobre o mensalão. Cogitou candidatar-se a vereador, porém, uma vez mais, Lula mandou-o ficar quieto, evitando holofotes em pleno ano eleitoral.

PUBLICITÁRIO O publicitário Cristiano Paz, um dos mais consagrados profissionais do país, na época do chamado mensalão, não trabalhava na gestão da empresa SMP&B. Hoje, ele é dono da Filadélfia, a mais premiada agência de Minas Gerais, e só trabalha com clientes privados.


Especial O MAIOR JULGAMENTO DA REPÚBLICA

CORREIO BRAZILIENSE Brasília, quinta-feira, 26 de julho de 2012

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Especialistas apostam que o escândalo não influenciará no pleito municipal e apresenta como maior impacto para o jogo eleitoral a baixa credibilidade dos partidos no imaginário popular

Ética redescoberta Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press - 4/5/10

» ALESSANDRA MELLO

A

Dissidências Na esteira do escândalo do mensalão, o PT assistiu a uma diáspora na legenda. Devido às denúncias de pagamento de mesadas a parlamentares da base e caixa dois de campanha, deixaram a legenda ou foram expulsos os deputados federais Babá (PA), Ivan Valente (SP), Chico Alencar (RJ) e a senadora Heloísa Helena (AL). Os quatro acabaram fundando o PSol.

guardado com expectativa pelo Partido dos Trabalhadores e mais ainda pelos seus adversários, o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não deve influenciar as eleições deste ano. Pelo menos essa é a análise de cientistas políticos ouvidos pelo Correio. É que, nas disputas municipais, o que mais interessa ao eleitor são propostas mais convincentes para melhorar a vida do cidadão. Mesmo assim, os analistas são unânimes em afirmar que, independentemente do desfecho, o mensalão — para desgosto dos envolvidos — já entrou para a história da política brasileira, do Partido dos Trabalhadores e do imaginário da população. Para Malcom Camargos, cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), o maior efeito do mensalão foi “tornar o PT um partido igual aos outros”. “Até então, a legenda carregava a bandeira da ética e o discurso de que era diferente dos outros no modo de fazer política. Com o mensalão, a imagem mudou. Isso é negativo, pois, para a população, do ponto de vista simbólico, fica a impressão de que todas as legendas são iguais nas práticas. O que no fim acaba sendo uma verdade”, comenta Camargos. Do ponto de vista eleitoral, para ele, o efeito é pequeno. “Como todos são iguais, ninguém pode levantar a bandeira da ética. O eleitor vai escolher aquele que ele acha que pode ajudar a melhorar a sua vida.” Para o analista político e consultor de comunicação Gaudêncio Torquato, o mensalão representa um modo de fazer política no Brasil.“É um evento que, de certa forma, denota a política do país de cooptação de parlamentares para votar a favor do governo, tendo por trás a distribuição de favores de toda a natureza. Essa compra de apoio é uma das mazelas da nossa cultura que, no caso do mensalão, ganhou uma expressão mais escandalosa porque envolveu figuras de alto coturno do governo federal, como ministros e parlamentares poderosos.Também ganhou destaque por ter no centro dela o Partido dos Trabalhadores, legenda que sempre defendeu na sociedade o conceito de ética na política”, analisa o consultor político GaudêncioTorquato. Torquato não arrisca um prognóstico sobre o resultado do julgamento pelo STF, mas, independentemente do que acontecer, alguém vai sair insatisfeito. “Condenando ou absolvido, o mensalão ficará gravado na história política como um dos maiores julgamentos do Supremo, seja pelo número volumoso de páginas do processo, um dos maiores da história da Corte, seja pelo escândalo provocado pelo caso”, garante.

Política vulnerável Para o sociólogo Marcos Coimbra, o caso é um episódio “traumático” com características Janine Moraes/CB/D.A Press

Eduardo Espíndola, analista de sistemas

Coimbra, o mensalão não tem poder de influenciar no resultado das eleições, como esperam partidos que polarizam com o PT. “Fatores externos à política da cidade influenciam quase nada nessas eleições. Isso faz parte do amadurecimento do eleitorado que diferencia os diversos assuntos. Ninguém votará em quem acredita ser mau prefeito só porque o partido desse candidato nunca participou de um ato ilícito. Até porque, se for usar esse critério, todos serão excluídos.”

O termo “mensalão” entrou para o dicionário popular e se transformou em um neologismo usado sem parcimônia em qualquer denúncia de corrupção em que autoridades desviam recursos públicos ou recebem vantagens pessoais. A expressão está na boca do povo e, às vésperas do início do julgamento no Supremo Tribunal Federal, a pressão popular pela condenação dos réus só cresce. Mas a maioria dos brasileiros desconhece detalhes do processo ou os nomes dos principais acusados. Entre eles, há apenas um consenso: a de que políticos corruptos devem ir para atrás das grades. O Correio conversou com brasileiros de vários estados e classes sociais para saber qual é a expectativa da população com relação ao caso. Todos os entrevistados já ouviram falar sobre o mensalão, mas poucos se lembram dos desdobramentos do escândalo. Entre os réus, José Dirceu e Roberto Jefferson são os mais lembrados pelos brasileiros. Apesar do discurso em prol da condenação dos réus, poucos cidadãos acreditam nessa possibilidade. “Isso aí vai dar em pizza com certeza”, decreta

Expediente

a doméstica Meire Carvalho dos Santos, 32 anos, moradora de São Sebastião. “Nunca vi político corrupto ser condenado neste país e, desta vez, não vai ser diferente”, acrescenta. A microempresária Rosinete Dias Medeiros, 46 anos, contou que já ouviu falar muito no mensalão, mas admitiu não conhecer detalhes sobre o caso.“Só sei que teve roubalheira de dinheiro, eu acompanho o noticiário quando dá tempo”, justificou. “De qualquer forma, só pobre vai para a cadeia neste país”, finalizou a moradora de Samambaia, que é dona de um buffet. Já o sergipano Roberto Paes, 51 anos, auditor da Fazenda, revela mais intimidade com o tema do mensalão. Apesar de não se lembrar dos nomes dos réus, ele torce pela condenação dos acusados. “O Brasil precisa de um lampejo de moralidade, ninguém aguenta mais tanta roubalheira.” Ele é mais otimista quanto a uma possível condenação.“Eu acho que a Justiça será feita. E sei que meu conterrâneo terá um papel importante nesse julgamento”, comentou Roberto, referindo-se ao presidente do STF, Carlos Ayres Britto. “Ele foi meu professor de direito constitucional no passado e sei que é muito competente. Acho que vai fazer história”, acrescentou o audi-

Manifestantes pedem a aprovação da Lei da Ficha Limpa: depois do escândalo, iniciativas de moralização

Janine Moraes/CB/D.A Press

A reticência do eleitor » HELENA MADER

INFELIZMENTE, QUEM TEM BONS ADVOGADOS NÃO É PUNIDO. E ACHO QUE VAI SER ASSIM COM O MENSALÃO”

que a população avalia como sendo permanentes da nossa cultura política.“Como arrecadação ilegal de recursos e toma lá dá cá entre Legislativo e Executivo.” Segundo ele, o mensalão é um fato marcante, pois expôs a vulnerabilidade do sistema político brasileiro. “Mas não foi o começo nem o fim dessas práticas”, sentencia. O negativo, para ele, é a ideia de que sempre existe um ilícito sendo praticado na política. “E com uma certa razão.” Apesar desse descrédito, de acordo com

tor, que veio a Brasília com a mulher, Ângela Paes, para participar de um encontro religioso. O também sergipano José Alves Cardoso, bancário de 59 anos, defende maior rigor na apuração de casos de corrupção, como o mensalão. “Poucas acusações chegam a esse ponto de serem analisadas pelo STF. A maioria se perde no caminho e nem chega a ser julgada”, comenta. “Não conheço bem a história do mensalão, mas lembro que envolveu o (José) Dirceu. É por essas e por outras que abandonei a política. Há 25 anos, me candidatei a vereador e perdi. Foi bom, porque percebi que nesse mundo só tem podridão”, revela José Alves, que há mais de duas décadas concorreu a uma vaga na Câmara Municipal de Aquidabã, a 100km de Aracaju. O analista de sistemas Eduardo Espíndola, 41 anos, é morador do Guará e conta que vai acompanhar de perto o julgamento do mensalão. “Leio bastante as notícias de política, especialmente desse caso.” Para ele, José Dirceu deve ser punido. “Ele tinha muita influência na época do mensalão e ganhou dinheiro com os conhecimentos que tinha sobre o governo”, justifica.“Infelizmente, quem tem bons advogados não é punido. E acho que vai ser assim com o mensalão.”

NÃO CONHEÇO BEM A HISTÓRIA DO MENSALÃO. É POR ESSAS E POR OUTRAS QUE ABANDONEI A POLÍTICA” José Alves Cardoso, bancário e ex-candidato a vereador em Sergipe

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CORREIO BRAZILIENSE Brasília, quinta-feira, 26 de julho de 2012

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Prestes a se aposentar, Cezar Peluso pode antecipar o voto para não deixar a Corte com a composição incompleta

Paulo de Araújo/CB/D.A Press - 27/4/11

Humberto/SCO/STF

RICARDO LEWANDOWSKI (revisor) Revisor da ação penal do mensalão, o ministro Enrique Ricardo Lewandowski, de 64 anos, experimentou no primeiro semestre do ano uma enorme pressão para liberar a revisão do processo. Em menos de seis meses, concluiu o processo no fim de junho a tempo de o julgamento ser marcado para o começo de agosto. Em abril, ao término de seu mandato de presidente do TSE, Lewandowski renunciou à cadeira de ministro daquela Corte para se dedicar em tempo integral ao mensalão. Mobilizou seu gabinete para revisar as mais de 50 mil páginas do processo e disse ter feito “das tripas coração para respeitar o que foi estabelecido pela Suprema Corte”. Atencioso com advogados e jornalistas, Lewandowski deixou de lado a sua habitual tranquilidade ao se ver pressionado por colegas e por parte da opinião pública para concluir rapidamente o trabalho de revisão. Tendo a paciência como uma das principais características, o ministro dá lugar às vezes a uma certa inquietação quando não vê seus votos mais emblemáticos prosperarem. Carioca criado em São Paulo e com sotaque paulistano, Lewandowski liderou no Supremo a defesa pela validação da Lei da Ficha Limpa. Enquanto presidente do TSE, abriu pela primeira vez as urnas eletrônicas para testes de segurança externos. Bacharel em direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, Lewandowski iniciou a carreira, em 1974, como advogado. Foi secretário de Assuntos Jurídicos de São Bernardo e consultor jurídico da Assembleia Legislativa de São Paulo antes de se tornar juiz, em 1990. Sete anos depois, foi nomeado desembargador do Tribunal de Justiça paulista. Lewandowski é ministro do STF desde março de 2006, quando foi nomeado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a vaga do ministro aposentado Carlos Velloso.

Paulo de Araújo/CB/D.A Press - 27/4/11

Carlos Humberto/SCO/STF /Divulgação

CÁRMEN LÚCIA Mineira de Montes Claros, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, de 58 anos, acumula o cargo de ministra do Supremo com a função de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em pleno período de eleições municipais. Ela é a primeira mulher a ocupar o principal cargo da Justiça Eleitoral brasileira. Magistrada do Supremo desde 2006, quando foi indicada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a vaga deixada por Nelson Jobim, Cármen é especialista em direito administrativo e se destaca por lutar pelo espaço da mulher na sociedade. A ministra iniciou a carreira na advocacia privada, em 1978, e atuou como procuradora do estado de Minas Gerais antes de chegar à Suprema Corte. Cármen Lúcia é a terceira de seis irmãos. Na infância, em Belo Horizonte, estudou em um colégio interno antes de se graduar em direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas. Poliglota, a ministra fala com fluência alemão, espanhol, francês, inglês e italiano. Cármen é solteira e não tem filhos. Nos julgamentos, costuma falar com firmeza somente o essencial sem se prolongar nos votos. Com hábitos simples, ela viaja sempre que possível para Minas, onde tem parentes e mantém suas raízes. A ministra gosta de contar “causos” para as pessoas próximas. Uma das boas estórias é um episódio ocorrido na entrada da garagem do STF. Em certa ocasião, Cármen foi ao tribunal dirigindo o próprio carro particular. Sem crachá, foi impedida de entrar por um segurança. Ela relata que chegou a dizer que é “juíza” do Supremo, mas o funcionário rebateu dizendo que o Supremo “não tem juízes, mas ministros”, duvidando que Cármen fosse de fato integrante da Suprema Corte.

Fellipe Sampaio /SCO/STF

Carlos Moura/CB/D.A Press - 15/2/12

DIAS TOFFOLI Aos 44 anos, José Antonio Dias Toffoli é o mais novo ministro do STF em idade, embora tenha mais tempo de Corte do que os colegas Luiz Fux e Rosa Weber. Paulista de Marília, Toffoli é colecionador de armações de óculos e tem como principal especialidade o direito eleitoral. Graduado em direito pela Universidade de São Paulo (USP), em 1990, Toffoli iniciou a carreira três anos depois, na função de consultor jurídico da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Ele também foi assessor parlamentar da Assembleia Legislativa Paulista antes de se tornar assessor jurídico do PT na Câmara dos Deputados, em 1995. Homem de confiança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Toffoli trabalhou como advogado do PT nas eleições de 1998, 2002 e 2006. Em 2003, exerceu a função de subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil, comandada na época por José Dirceu. No segundo mandato de Lula, Toffoli se tornou advogado-geral da União antes de ser nomeado, no fim de 2009, para o cargo de ministro do Supremo em substituição a Carlos Alberto Menezes Direito. Toffoli também é membro titular do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em plenário, costuma cobrar provas cabais para condenar um acusado. Em 2010, no julgamento que resultou na primeira condenação de um político pelo Supremo desde que a Constituição foi editada, Toffoli manifestou-se pela absolvição do ex-deputado José Gerardo (PMDB-CE). Mais recentemente, o ministro foi relator de uma ação contra o deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) e, embora tenha votado pela condenação do parlamentar — acusado de trocar laqueaduras por votos —, Toffoli sugeriu a substituição da pena de três anos pelo pagamento de uma multa de 100 salários mínimos, mas acabou vencido no julgamento.

Marcello Casal Jr/ABr - 1/2/12

Carlos Moura/CB/D.A Press - 15/2/12

LUIZ FUX Magistrado de carreira, o carioca Luiz Fux, de 59 anos, não é um especialista em direito penal, mas, há três décadas na magistratura, acumula participações em dezenas de julgamentos de matérias criminais. Adepto de votos longos quando o tema merece destaque, Fux participa com frequência dos debates de assuntos mais polêmicos julgados pelo STF, não se atendo apenas ao voto. Ex-surfista, lutador de jiu-jítsu, guitarrista e cantor nas horas vagas, ele aproveita os momentos de folga no Rio de Janeiro para ficar com a família e conhecidos. Um dos mais ilustres amigos de Fux é o cantor Zeca Pagodinho. O ministro atribui à prática do jiujítsu sua calma e concentração para tomar decisões importantes no dia a dia. Luiz Fux é judeu e filho de um romeno naturalizado brasileiro. Casado e pai de dois filhos, ele iniciou a carreira jurídica em 1976, como advogado da Shell Brasil, no mesmo ano em que se graduou em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Desde 1995, Fux é professor titular de processo civil da universidade. Em 1979, foi aprovado em primeiro lugar no concurso para promotor de Justiça do Rio. O ministro também passou pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro antes de ser nomeado para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2001, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Fux chegou ao Supremo em março de 2011, após ser escolhido pela presidente Dilma Rousseff para substituir Eros Grau. Em entrevista ao Correio em novembro do ano passado, o ministro afirmou que a imprensa foi a responsável por catalogar o mensalão como um processo emblemático. Na ocasião, Fux alertou que “juiz com vocação para esse sacerdócio não condena inocente nem absolve culpado”.

Nelson Jr./SCO/STF - 2/2/12

Iano Andrade/CB/D.A Press - 11/4/12

ROSAWEBER Há apenas oito meses no cargo de ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), a gaúcha Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, de 63 anos, carrega uma bagagem de 35 anos na magistratura. Especializada em direito do trabalho, tem pouca experiência em julgamentos de matérias criminais, mas desde que assumiu a cadeira deixada por Ellen Gracie na Suprema Corte, vem se dedicando ao estudo do regimento interno e do Código Penal. Discreta, Rosa costuma ser incisiva e sucinta em seus votos. Na maioria dos julgamentos dos quais participou, a ministra posicionou-se em prol de temas defendidos pela sociedade, como na análise relativa às cotas raciais e sociais de universidades públicas. Primeira juíza de carreira a integrar o Supremo, e terceira mulher nomeada para o órgão, Rosa já está ambientada no plenário. Prefere não fazer comentários ou interromper os votos dos colegas, mas quando tem a palavra, costuma ser didática e fundamentar bem os votos. Graduada em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rosa Weber iniciou a carreira no serviço público, em 1975, como inspetora do Ministério do Trabalho. Dois anos depois, ingressou na magistratura na função de juiza do Trabalho no Rio Grande do Sul. Ela presidiu o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, antes de ser nomeada ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em 2006. No fim do ano passado, a presidente Dilma Rousseff indicou Rosa para a vaga deixada no STF por Ellen Gracie, que se aposentou.


Especial O MAIOR JULGAMENTO DA REPÚBLICA

Conheça os ministros responsáveis por definir os destinos dos 38 réus do mensalão a partir de agosto.

Os onze do Supremo » DIEGO ABREU

O

Supremo Tribunal Federal (STF) é composto por 11 ministros, que se reúnem em plenário tradicionalmente duas vezes por semana para julgar os processos mais importantes da Corte. Eclético, o tribunal é integrado por quatro juristas com origem no Ministério Público, quatro oriundos da advocacia e três magistrados de carreira. Três ministros são paulistas, três cariocas, dois mineiros, um sergipano, um mato-grossense e uma gaúcha. Conforme estabelece a Constituição, todos os ministros são de livre indicação do presidente da República, embora tenham que ser aprovados pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, após sabatina, e pelo plenário da Casa Legislativa, antes da nomeação. Da atual composição do Supremo, mais da metade dos integrantes foi indicada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nomeou seis ministros. Dilma Rousseff indicou dois dos atuais magistrados, enquanto os demais foram escolhidos por José Sarney, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Antes de iniciados os julgamentos, os ministros costumam se encontrar em uma área restrita reservada para o lanche deles. Por lá, conversam, trocam ideias, mas não costumam combinar votos. Há quem defenda uma discussão prévia dos processos a serem julgados para que os magistrados evitem polêmicas durante as sessões. Mas isso não é realidade. São raros os acordos feitos a portas fechadas, como o que ocorreu no caso da definição do cronograma do mensalão. Três dos ministros do Supremo acumulam o cargo com a função de integrante do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O presidente do Supremo é escolhido pelo critério da antiguidade. Aqueles que tomaram posse há mais tempo chegam ao comando do tribunal para um mandato de dois anos. O atual presidente, Carlos Ayres Britto, assumiu em abril, mas ficará no cargo por apenas sete meses, pois terá que pedir aposentadoria em novembro, quando completará 70 anos. O próximo presidente do STF será Joaquim Barbosa.

Nelson Jr./SCO/STF

CELSO DE MELLO Decano do Supremo Tribunal Federal, foi nomeado para a principal Corte brasileira em 1989 pelo então presidente José Sarney. Será o último voto proferido no julgamento do mensalão, mas, por sua respeitabilidade e capacidade jurídica expressa em seus votos, não raro consegue alterar opiniões anteriores expressas pelos seus pares. Para ele, o sistema de Justiça deve "servir às pessoas para solucionar os seus problemas, não alimentar a si próprio". Já foi capaz de rever uma decisão meramente jurídica após uma análise detalhada do caso. Certa feita, havia negado o pedido de um detento que solicitava transferência para receber atendimentos médicos. Negou por achar que o STF não era o tribunal competente para julgar a causa. Voltou atrás ao saber que o preso era vítima de câncer e Aids e completou afirmando que "ignorar o pedido de transferência equivaleria a uma sentença de morte". Também foi um precursor na tese da fidelidade partidária. Esperou exatos 18 anos para conseguir formar maioria em torno do argumento de que o parlamentar que muda de legenda perde o direito à vaga. "O ato de infidelidade quer à agremiação partidária, quer, sobretudo, aos eleitores, traduz um gesto de intolerável desrespeito à vontade soberana do povo", proferiu em voto firmado em 2007. Foi decisivo também no julgamento em que aplicou à esfera pública a mesma lei de greve do setor privado. E concedeu um habeas corpus a um preso acusado de furtar um botijão de gás no valor de R$ 20. Como justificativa o fato de que, em julho de 2004, data do furto, o objeto furtado equivalia a 7,69% do salário mínimo então vigente no país.

MARCO AURÉLIO MELLO Um dos mais abertos e polêmicos ministros do Supremo, Marco Aurélio, 66 anos, jamais se furtou a manter suas convicções mesmo que elas não sejam seguidas ou compreendidas por seus pares. Tanto que ficou conhecido como "senhor voto vencido", por não terem sido raras as vezes em que seu voto destoou do entendimento da maioria. É primo do ex-presidente Fernando Collor. Uma das marcas de Marco Aurélio é o respeito ao processo legal. Essa postura já lhe rendeu diversas críticas, já que, em vários momentos, concedeu habeas corpus em casos polêmicos, por entender que "a prisão antes do trânsito em julgado da condenação, salvo em casos excepcionais, viola o princípio da presunção de inocência". Um dos beneficiados pelo habeas corpus foi o ex-banqueiro Salvatore Cacciola, em 2000, acusado de ter se beneficiado com informações privilegiadas da desvalorização cambial de 1999. Libertado, o banqueiro, proprietário do falido banco Marka, fugiu para a Itália e só foi preso novamente em 2007, em Mônaco. Por ter cidadania italiana, não podia ser extraditado. Também votou a favor do habeas corpus para Susane von Ritchthofen e o para o explorador de máquinas de caça-níqueis Antonio Khalil, o Turcão. A paixão pelo processo legal rivaliza com o amor por seu time de coração, o Flamengo. É conhecida a história de uma tarde de domingo, quando Marco Aurélio interrompeu uma entrevista por telefone para gritar, em êxtase: "Vai, Obina". Na época, a torcida rubro-negra achava que o centroavante era melhor do que o camaronês Samuel Eto’o, então jogador do Barcelona.

GILMAR MENDES De todos os ministros do Supremo Tribunal Federal que começarão a julgar o mensalão a partir da próxima quinta, 2 de agosto, Gilmar Ferreira Mendes foi o que se envolveu na maior polêmica recente sobre o caso: a famosa reunião com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no escritório do ex-presidente do STF Nelson Jobim. Nela, Gilmar Mendes garante que Lula pediu o adiamento do julgamento do mensalão para depois das eleições municipais de outubro em troca de blindagem na CPI do Cachoeira. A relação de Gilmar com Lula sempre alternou momentos de aproximação com outros de confronto explícito. Gilmar chegou a afirmar que o país vivia um estado policialesco e um suposto grampo de uma conversa entre ele e o ex-senador Demóstenes Torres, em 2008 — desmentido posteriormente por perícias da Polícia Federal —, levou à queda do então diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Paulo Lacerda. Para ele, por exemplo, as mais de 407 mil interceptações telefônicas autorizadas pela magistratura em 2007 são uma prova da "fragilidade do Poder Judiciário." Mendes é tido como criterioso e defensor explícito do fim das algemas nos casos de prisão, por acreditar que essa medida fere a integridade dos réus. Ex-advogado-geral da União durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o mato-grossense Mendes tem 56 anos e acredita que o julgamento do mensalão é importante para "desmistificar a ideia de que foro privilegiado rima com impunidade".

CEZAR PELUSO

CARLOS AYRES BRITTO (presidente) Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Carlos Ayres Britto, 69 anos, teve um papel fundamental para que o julgamento do mensalão começasse na próxima quinta-feira. Por diversas vezes, ele cobrou pressa do revisor do processo, o ministro Ricardo Lewandowski, na entrega de suas considerações finais. O grande temor era de que eventuais atrasos atrapalhassem a participação do ministro Cezar Peluso no julgamento, já que ele completa 70 anos em 3 de setembro e terá que deixar a Corte. O próprio Ayres Britto também se aposentará este ano. Ele sairá do STF em 18 de novembro, depois de nove anos como integrante do Supremo. Durante quase uma década, o ministro teve sua trajetória marcada por votos em que destilou a sua linguagem poética e carimbou o seu perfil liberal. Um dos mais marcantes foi o relatório no julgamento a respeito da legalidade das uniões civis entre pessoas do mesmo sexo. “Pede-se que este tribunal declare que qualquer maneira de amar vale a pena”, declarou o ministro. Indicado em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele também se destacou como relator de outros importantes processos, como o que liberou as pesquisas com células-tronco no Brasil e é descrito como um magistrado de perfil apaziguador — jamais se envolveu em discussões consideradas ofensivas com outros ministros. Sergipano, do município de Propriá, Britto integra a Academia de Letras de seu estado e é autor de seis livros.

O mensalão será o último julgamento de Cezar Peluso como ministro do Supremo Tribunal Federal. Em 3 de setembro, ele se aposentará da principal Corte do país, onde entrou em 2003. Essa movimentação já gera polêmica, uma vez que Peluso, possivelmente, terá que adiantar o seu voto antes de aposentar-se por atingir 70 anos. O primeiro ministro nomeado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a fidelidade partidária e a extensão da Lei de Greve do serviço público à iniciativa privada. Envolveu-se em uma polêmica feroz com a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, que denunciou a existência de "bandidos de toga". Logo após a declaração de Eliana, Peluso, que na época presidia o CNJ, disse que o conselho repudiava "acusações levianas que, sem identificar pessoas, nem propiciar qualquer defesa, lançam, sem prova, dúvidas sobre a honra de milhares de juízes". Também criou um mal-estar com o Palácio do Planalto ao pressionar a presidente Dilma Rousseff pelo reajuste dos servidores do Judiciário. Outra marca de Peluso é colocar-se contra situações de violação das garantias constitucionais. Certa feita, elaborou um voto de 28 páginas considerando nulo o interrogatório por videoconferência, especialmente quando não existe citação ao réu. Para ele, essa prática "limita o exercício da ampla defesa, além de ser um insulto às garantias constitucionais da igualdade e publicidade".

JOAQUIM BARBOSA (relator) Primeiro e único ministro negro da história do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, de 57 anos, é o protagonista do processo do mensalão na Corte. Sorteado relator do caso do mensalão em 2006, coube a ele conduzir a mais extensa e importante ação da política recente brasileira. Há cinco anos, o voto de Joaquim, favorável à abertura da ação penal do mensalão, prevaleceu no julgamento em que o Supremo aceitou a denúncia apresentada pelo então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, contra 40 réus. O ministro Joaquim não se furta de criticar a imoralidade durante julgamentos em plenário. Foi favorável à Lei da Ficha Limpa e chegou a ser criticado por advogados de réus do mensalão que alegam cerceamento de defesa no processo — os defensores de Marcos Valério tentaram, sem êxito, tirar Joaquim da relatoria do mensalão. Polêmico, Joaquim Barbosa coleciona desafetos. Já bateu boca em plenário com os colegas Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes. Brigou no cafezinho do Supremo com o ex-ministro Eros Grau e, mais recentemente, acusou o colega Cezar Peluso de manipular resultados de julgamentos. Mineiro de Paracatu, Joaquim estudou em um colégio estadual em sua cidade natal antes de se mudar para Brasília, onde cursou o segundo grau no Colégio Elefante Branco. Graduou-se em direito pela Universidade de Brasília (UnB). Estudou línguas estrangeiras no Brasil, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Áustria e na Alemanha. O ministro iniciou a carreira jurídica como advogado. Depois, exerceu as funções de oficial de chancelaria e de membro do Ministério Público Federal, de 1984 a 2003, quando foi nomeado ministro do Supremo pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


CORREIO BRAZILIENSE Brasília, quinta-feira, 26 de julho de 2012

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Instituições bancárias responsáveis pelos empréstimos que teriam abastecido o mensalão apresentam perícia da PF e garantem que as concessões foram legais

Respostas do núcleo financeiro » HELENA MADER » MARIA CLARA PRATES

A

concessão de supostos empréstimos de fachada a empresas de Marcos Valério e ao PT é a acusação central contra integrantes do chamado núcleo financeiro do mensalão. Quatro dos 38 réus ocupavam cargos estratégicos no Banco Rural à época do escândalo. Kátia Rabello era presidente da instituição, Ayanna Tenório respondia pela vice-presidência e José Roberto Salgado e Vinicius Samarane eram diretores. As defesas dos réus ligados ao Banco Rural trazem basicamente os mesmos argumentos. Todos alegam que não recaem sobre eles denúncias de corrupção, compra de apoio de parlamentares ou desvios de recursos públicos — que são o eixo central da denúncia do mensalão. Entre a extensa documentação usada pela defesa, a peça fundamental é um laudo elaborado pelo Instituto de Criminalística da Polícia Federal em 2009 que atesta a “veracidade das operações de crédito contratadas pelas duas empresas de MarcosValério”. Com relação à falta de exigência para liberar o crédito, a defesa dos executivos alega que as garantias são uma questão subjetiva e que os valores emprestados não eram significativos em comparação com o patrimônio líquido das empresas de Valério — que somavam à época ativos superiores a R$ 5 bilhões. Dos R$ 32 milhões repassados pelo Banco Rural, as duas empresas de Marcos Valério receberam R$ 29 milhões e o PT, R$ 3 milhões. O empréstimo do Partido dosTrabalhadores já foi liquidado, a um custo de R$ 10 milhões. Já a dívida com o publicitário, acusado de ser o operador do mensalão, é cobrada até hoje na Justiça. Segundo representantes do Banco Rural, o débito de Marcos Valério já soma mais de R$ 50 milhões.

A alegação da denúncia é de que a instituição financeira teria entrado no esquema do mensalão por ter interesse no processo bilionário de liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco, do qual detinha 17% de participação. A procuradoria afirma que “era interesse do Banco Rural que o Banco Central definisse a fórmula de calcular o passivo e o ativo da massa em liquidação”. A defesa nega a acusação e garante que a questão do Banco Mercantil de Pernambuco era estritamente jurídica. “Esse assunto se arrastava desde 1996 e não houve nenhum tipo de interferência do governo na solução, que só veio cinco anos depois”, diz a defesa. Outra acusação que pesa contra os ex-dirigentes do Banco Rural é lavagem de dinheiro. O objetivo, segundo a denúncia da Procuradoria Geral da República, era “ocultar a origem, a natureza e o real destinatário dos altos valores pagos em espécie às pessoas indicadas por Delúbio Soares, a mando de José Dirceu”. A defesa dos réus assegura que a origem dos recursos é lícita e que o dinheiro sacado no Banco Rural vinha de outros bancos. “Os saques eram feitos com cheques nominais endossados. As pessoas que vinham retirar o dinheiro assinavam recibo e deixavam uma cópia da identidade”, assegura a defesa. O Banco Rural exigia o preenchimento de um formulário de controle de transações em espécie, alegam os advogados. Representante do réu José Roberto Salgado, o advogado Márcio Thomaz Bastos diz que tem boas expectativas com relação ao caso. “As acusações formuladas contra ele e os demais executivos do Banco Rural dizem respeito somente à regularidade e ao cumprimento de procedimentos bancários, que foram realizados de acordo com as normas vigentes à época dos fatos.” Já o advogado Theodomiro Dias Neto, que

representa Kátia Rabello, critica a denúncia do Ministério Público. “A acusação contra os executivos do Rural padece de uma série de fragilidades técnicas. A acusação de lavagem consistiria em suposta ocultação de saques de conta da SMP&B em agências do Rural, por funcionários da empresa ou terceiros indicados. Nossa defesa demonstra que o banco não tinha o poder de negar saques a um cliente, mas adotou todos os procedimentos para identifica-los.”

Regras respeitadas Em inquérito remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF), instaurado para apurar a origem dos recursos que alimentaram o mensalão, a Polícia Federal concluiu que os valores movimentados no esquema tinham como fonte dois empréstimos feitos pelo operador Marcos Valério com o Banco Rural e o BMG, para quitar os compromissos com parlamentares da base aliada. Entretanto, depois de análise da transação perante as instituições financeiras por peritos contábeis, a PF concluiu que os empréstimos com os bancos privados seguiram as regras estabelecidas pelo Banco Central e pelas agências de controle. O Banco Rural, segundo a perícia, fez levantamento completo de toda a movimentação bancária de MarcosValério, depois do empréstimo a análise foi entregue aos federais, durante as investigações iniciadas em 2005. Foi com base nessa documentação que a PF elaborou os laudos que fazem parte da segunda fase das investigações, presidida pelo delegado federal Luiz Flávio Zampronha, à época, chefe da Divisão de Combate à Lavagem de Dinheiro. Apesar do aprofundamento das investigações, não ficou comprovado que os bancos tivessem conhecimento prévio da finalidade das transações financeiras suspeitas promovidas pelo operador do esquema.

OS SAQUES ERAM FEITOS COM CHEQUES NOMINAIS ENDOSSADOS. AS PESSOAS QUE VINHAM RETIRAR O DINHEIRO ASSINAVAM RECIBO E DEIXAVAM UMA CÓPIA DA IDENTIDADE. TODOS OS NOMES FORAM INCLUÍDOS NA CONTABILIDADE DO BANCO” trecho da defesa do Banco Rural

Carlos Moura/CB/D.A Press - 8/6/05

A reforma que não avança » TEREZA CRUVINEL Muitas já foram as CPIs instaladas pelo Congresso para apurar escândalos de corrupção depois da redemocratização. As consequências: cassações de mandatos, processos judiciais, prisões e algumas mu-

danças legais e institucionais destinadas a evitar a repetição de práticas antiéticas e elevar a qualidade da política. Já o escândalo do mensalão, a CPI dos Correios e o processo em curso no STF, apesar do impacto perante a opinião pública, até agora não produziram medidas nesse sentido. Um dos mais importantes instrumentos de moralização da administração pública é a Lei de Licitações. Foi aprovada pouco depois do escândalo que gerou a CPI do PC Farias — que levou à cassação de Collor, em 1992. Antes, já existiam regras para as licitações, mas imperfeitas. A nova lei ganhou forma draconiana. Mudanças

importantes na tramitação e na votação da lei orçamentária anual também foram adotadas pelo Congresso em 1994, logo depois da CPI dos Anões do Orçamento. Esses são exemplos de consequências positivas de escândalos. O mensalão envolveu delitos de várias naturezas em áreas que vão da publicidade à gestão bancária, mas a origem de tudo está no sistema político e eleitoral brasileiro, que, apesar das muitas propostas de reforma política, continua exatamente o mesmo. Os dois principais problemas: a dificuldade de formar coalizões no Congresso e de financiar as campanhas eleitorais. (HM)

Sessão de debate sobre a abertura da CPI dos Correios, em junho de 2005: alto impacto na opinião pública e poucas medidas para frear a corrupção

No rastro do mensalão // Os principais problemas que levaram ao escândalo permanecem no centro das crises entre Executivo e Legislativo Problema: o sistema partidário brasileiro fragmentou-se a partir da Constituição de 1988, Governabilidade no que facilitou a criação de legendas. Por outro lado, a mesma Constituição presidencialismo tratou de garantir o equilíbrio entre os Poderes, condicionando muitas ações do presidente à aprovação do Congresso. Com a multiplicação dos partidos, tornou-se quase impossível eleger um presidente com uma bancada que, pelo menos, se aproxime da maioria na Câmara e no Senado. Para alcançá-la, todos os presidentes da era democrática atual precisaram formar coalizões.

Solução o presidente eleito terá mais chances de eleger a maioria quando o possível: número de partidos for menor, o que dependerá de uma reforma política que imponha restrições à criação e ao funcionamento de partidos com baixa representação.

Problema: quando o PT fechou acordo com o PL para ter José Alencar como vice em 2002, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, Financiamento exigiu em contrapartida apoio financeiro para a campanha dos candidatos a deputado pelo partido. Já o então presidente do de campanhas PTB, Roberto Jefferson, declarou à revista Veja, alguns meses antes de denunciar o mensalão, que o PT estava aplicando um calote em seu partido, ao qual prometeu ajuda de R$ 20 milhões para a campanha municipal de 2004. O problema do financiamento de campanhas é real e está na origem da maioria dos casos de corrupção já ocorrida nos últimos anos.

Solução em todas as tentativas de reforma política, o financiamento público de campanhas é proposto, mas acaba não aprovado. A proposta em possível: debate na Câmara criminaliza, inclusive com a perda de mandato, o recebimento de recursos privados, uma vez aprovada a verba pública exclusiva. O tema, no entanto, está longe de ser unanimidade. Para a cientista política Maria Braga, professora da Universidade de São Paulo (USP), há uma conexão clara entre o mensalão e o financiamento de campanhas: "No México, a adoção desse método não resolveu o problema da corrupção. Pelo contrário, houve um agravamento dos escândalos quando o financiamento tornou-se totalmente público. Tanto que eles voltaram a adotar um sistema misto de financiamento", diz a especialista, que defende um teto de doação.


Especial O MAIOR JULGAMENTO DA REPÚBLICA

Entenda como uma briga política por fatias de poder na Esplanada contaminou o fim do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e custou o posto de deputados do alto escalão

Efeito bola de neve » MARCELO DA FONSECA

O

maior escândalo de corrupção envolvendo a compra de votos parlamentares poderia não ter vindo à tona se não fosse uma suposta quebra de acordo entre um empresário e um funcionário público. A insatisfação de um dos envolvidos no esquema que fraudava licitações para os Correios o levou a armar uma prova contra seus antigos parceiros no desvio de recursos públicos. Quando o caso chegou à mídia, novos nomes foram envolvidos na fraude. As denúncias se tornaram uma verdadeira bola de neve,

passando de um plano mais simples arquitetado para que algumas empresas levassem vantagem na venda de materiais a órgãos públicos para uma ação organizada que envolvia mais de 100 pessoas, entre parlamentares, ministros, empresários e presidentes nacionais de partidos políticos. A partir da denúncia feita em junho de 2005 pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), de que seu partido teria recebido uma oferta em dinheiro por parte do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares para votar a favor do governo alguns projetos no Congresso, as acusações se tornaram rotina e, a cada dia, novos

nomes apareciam nos jornais. Duas CPMIs foram criadas para apurar as denúncias e três parlamentares perderam as vagas na Câmara. Um ano depois de deflagrado o esquema, a denúncia chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), e cresceu a expectativa de que o caso teria fim. No entanto, na maior casa de Justiça do país, os adiamentos se tornariam frequentes e o processo judicial passou a se arrastar. Na semana que vem, o esquema que apareceu graças a uma gravação de um empresário envolvido em negociações fraudulentas chega finalmente ao plenário do Supremo e o fim da novela ficará nas mãos de 11 ministros.

16 de junho Citado por Roberto Jefferson como uma das pessoas próximas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que conhecia o esquema, José Dirceu renuncia ao cargo de ministro-chefe da Casa Civil, 10 dias após a revelação do mensalão. O petista reassume a cadeira na Câmara dos Deputados. 8 de julho É preso no aeroporto de Congonhas José Adalberto Vieira, assessor do deputado estadual José Nobre Guimarães (CE), irmão do presidente nacional do PT, José Genoino, com R$ 200 mil na mala e US$ 100 mil na cueca.

O destino de cada um Deputados Presidente da Câmara durante os dois primeiros anos do governo Lula, João Paulo Cunha (PT-SP) escapou da cassação, mas viu minguarem os seus planos de se tornar governador de São Paulo. Hoje, concorre a prefeito de Osasco. Já Valdemar Costa Neto (PR-SP) segue dando as cartas no partido e com relativo poder em pastas estratégicas da Esplanada, como a dos Transportes

» PAULO DE TARSO LYRA Às vésperas do julgamento no Supremo Tribunal Federal, os principais réus do mensalão aguardam os desdobramentos jurídicos do escândalo que estourou em junho de 2005 e já deixou sequelas políticas em alguns deles. Apesar da onda de absolvições no plenário da Câmara, três parlamentares, dois deles considerados caciques políticos, tiveram seus mandatos cassados: José Dirceu (PT-SP), Roberto Jefferson (PTB-RJ) e Pedro Corrêa (PP-PE). Outros, como o ex-presidente do PT José Genoino, passaram a ter uma atuação política bem mais discreta da do passado. Cotado como um dos principais nomes para suceder Luiz Inácio Lula da Silva em 2010 e

14 de setembro O plenário da Câmara aprova a cassação do mandato do deputado Roberto Jefferson por quebra de decoro parlamentar, por 313 votos. Além do envolvimento com o mensalão, o parlamentar também é citado como participante em atos de corrupção em empresas como a Eletronorte e o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). 16 de novembro A CPI do Mensalão é concluída sem um relatório final aprovado. O relator do processo, deputado Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG), demonstra irritação com o fim dos trabalhos. “É como se a investigação não tivesse existido. Vira tudo pizza”, disse o deputado. 1º de dezembro José Dirceu (PT) tem o mandato de deputado federal cassado por quebra de decoro parlamentar. Dos 495 deputados que participaram da votação, 293 optam pela perda do mandato. Dirceu fica inelegível até 2015.

2006 5 de abril A CPMI dos Correios apresenta o resultado de nove meses de trabalho. O relatório final foi aprovado com 17 votos favoráveis, entre os 31 que integraram o grupo, sendo quatro parlamentares contrários ao texto. A investigação apontou a existência de propinas pagas a parlamentares e pediu ao Ministério Público que mais de 100 pessoas fossem indiciadas. Além de integrantes do governo federal, outros 18 deputados são citados com envolvimento no esquema. 11 de abril O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, apresenta denúncia ao Supremo Tribunal Federal contra 40 pessoas envolvidas no esquema do mensalão. A lista inclui os ex-ministros José Dirceu (Casa Civil), Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação) e Anderson Adauto (Transportes).

homem forte do governo nos três primeiros anos de mandato do petista, Dirceu passou a atuar, após a cassação, nos bastidores do PT. Tornou-se também consultor empresarial, aproveitando a expertise de seus tempos de chefe da Casa Civil. Apesar de publicar um blog com suas opiniões políticas e econômicas, começou a ser visto com ressalvas por integrantes de cargos públicos, que optaram por encontrar-se com ele de maneira reservada para não serem vistos ao lado daquele que é considerado pelo Ministério Público Federal como o “chefe da quadrilha do esquema do mensalão.” Roberto Jefferson, que a exemplo de Dirceu também teve seus direitos políticos cassados, seguiu conduzindo as principais negociações políticas do PTB. Mas perdeu diversas batalhas internas no partido, que optou por permanecer ao lado do governo do PT — tanto com Lula quanto com Dilma. Responsável pela célebre frase “Sai daí, Zé, para não tornar réu um homem inocente”, Jefferson tem dito que seu destino está ligado ao do ex-chefe da Casa Civil. E ameaçou: “Se o Dirceu quiser politizar o julgamento, quem se dará mal é o Lula”.

J.F.Diorio/AE - 9/7/05

31 de agosto PF indicia Delúbio Soares, Marcos Valério, José Genoino e o marqueteiro Duda Mendonça por práticas criminosas relacionadas ao mensalão. Entre as acusações, estão crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro.

6 de dezembro Sem punição para a maioria dos envolvidos, termina a série de julgamentos de parlamentares citados no mensalão. Dos 19 deputados acusados, 12 foram absolvidos, quatro renunciaram — Paulo Rocha (PT-PA), José Borba (PMDB-PR), Valdemar Costa Neto (PL-SP) e Carlos Rodrigues (PL-RJ) — e três foram cassados pela Câmara de Deputados — José Dirceu, Roberto Jefferson e Pedro Corrêa (PP-PE). O último a escapar da cassação por quebra do decoro parlamentar foi José Janene (PP-PR), absolvido pelos colegas.

Sergio Lima/Folha Imagem - 17/10/05

12 de agosto O presidente Lula afirma que foi “traído” e que o governo e o PT têm de pedir desculpas pelos “erros” cometidos.

2 de outubro Oito acusados de ligação com o esquema do mensalão são eleitos para a Câmara dos Deputados: João Paulo Cunha (PT-SP), José Mentor (PT-SP), Vadão Gomes (PP-SP), Sandro Mabel (PL-GO), Pedro Henry (PP-MT), Paulo Rocha (PT-PA), Valdemar Costa Neto (PL-SP) e José Genoino (PT-SP).

2007 28 de agosto O Supremo Tribunal Federal (STF) aceita denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no mensalão. No relatório de denúncia, o ministro Joaquim Barbosa aponta como operadores do núcleo central do esquema o exministro José Dirceu, o ex-deputado e presidente do PT, José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex-secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha.

2008 Daniel Ferreira/CB/D.A Press - 23/5/06

12 de junho Roberto Jefferson volta a acusar integrantes do governo federal de conhecer o mensalão e cita Marcos Valério como articulador financeiro para a compra dos parlamentares. O parlamentar afirma que a verba do esquema viria de empresas estatais e do setor privado.

20 de julho Criada comissão parlamentar mista de inquérito para apurar as denúncias de pagamento de recursos a membros do Congresso com finalidade de aprovar matérias do interesse do Executivo.

24 de janeiro Sílvio Pereira assina acordo com a Procuradoria Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus.

2010 14 de setembro José Janene, ex-deputado do PP, morre e também deixa de figurar na denúncia. O parlamentar tinha sido absolvido no processo de cassação na Câmara, mas era suspeito de se beneficiar de mais de R$ 4 milhões das empresas do publicitário Marcos Valério.

2011

Jose Varella/CB/D.A Press - 30/11/05

9 de junho Mesmo com pressão contrária de parte da bancada governista no Congresso, a CPMI dos Correios é instalada. No calendário de trabalho do grupo, são marcadas entrevistas da presidente do Banco Rural, Kátia Rabelo; do secretário do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Luiz Gushiken; do dirigente do BMG, Rogério Tolentino; e dos empresários Marcos Valério e Daniel Dantas. No mesmo dia, a PF prende quatro suspeitos de participar da gravação envolvendo o servidor Maurício Marinho, flagrado recebendo propina.

Carlos Moura/CB/D.A Press - 11/8/05

6 de junho No centro das denúncias do escândalo que atingiu os Correios, o deputado federal Roberto Jefferson (PTB) traz à tona a existência de um outro esquema de corrupção que envolvia a compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional. Em entrevista, Jefferson denuncia que, desde 2003, seu partido teria recebido uma oferta para receber mesada de um esquema coordenado por Delúbio Soares, tesoureiro do PT.

Carlos Moura/CB/D.A Press - 14/6/05

10 de maio Revelada filmagem feita em março mostra o chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Maurício Marinho, negociando propina com empresários interessados em participar de uma licitação do órgão. As imagens foram gravadas por Joel Santos Filho, advogado curitibano que, a pedido do empresário Arthur Washeck Neto, um dos donos da Comam Comercial Alvorada de Manufaturados Ltda. e apontado pela Polícia Federal (PF) como um dos cabeças da quadrilha especializada em fraudar licitações dos Correios. O motivo que levou o próprio empresário a armar a gravação seriam problemas nos acordos que estariam o prejudicando. No vídeo, o funcionário dos Correios afirma ter o respaldo do deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) nas negociações.

Jarbas Oliveira/AE - 12/7/05

2005

Paulo de Araujo/CB/D.A Press/Reproducao de TV

CRONOLOGIA DO MENSALÃO

7 de julho O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, entrega ao STF as alegações finais do caso do mensalão. No processo, pediu que o tribunal condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do extesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.

Presidente do PT e responsável por autorizar os empréstimos feitos pelo partido perante os bancos Rural e BMG — intermediado pelo empresário Marcos Valério — José Genoino mergulhou em depressão após o escândalo. Amigos relataram ao Correio a dificuldade que o antes falante parlamentar tinha de sair de casa. Elegeu-se deputado federal em 2006, mas não conseguiu reeleger-se em 2010. Nomeado secretário especial do Ministério da Defesa, trilha um caminho mais discreto e apagado.

Em silêncio Tesoureiro do PT e apontado como um dos prováveis condenados no julgamento do Supremo Tribunal Federal, Delúbio Soares foi expulso do PT e manteve o silêncio sepulcral sobre o assunto. Ameaçou filiar-se ao PMDB, mas Lula acalmou-o e ele manteve-se sem ligação partidária. Em 2011, foi refiliado ao PT, sendo elogiado por sua disciplina políticopartidária de manter-se quieto sobre o mensalão. Cogitou candidatar-se a vereador, porém, uma vez mais, Lula mandou-o ficar quieto, evitando holofotes em pleno ano eleitoral.

PUBLICITÁRIO O publicitário Cristiano Paz, um dos mais consagrados profissionais do país, na época do chamado mensalão, não trabalhava na gestão da empresa SMP&B. Hoje, ele é dono da Filadélfia, a mais premiada agência de Minas Gerais, e só trabalha com clientes privados.


Especial O MAIOR JULGAMENTO DA REPÚBLICA

Conheça os ministros responsáveis por definir os destinos dos 38 réus do mensalão a partir de agosto.

Os onze do Supremo » DIEGO ABREU

O

Supremo Tribunal Federal (STF) é composto por 11 ministros, que se reúnem em plenário tradicionalmente duas vezes por semana para julgar os processos mais importantes da Corte. Eclético, o tribunal é integrado por quatro juristas com origem no Ministério Público, quatro oriundos da advocacia e três magistrados de carreira. Três ministros são paulistas, três cariocas, dois mineiros, um sergipano, um mato-grossense e uma gaúcha. Conforme estabelece a Constituição, todos os ministros são de livre indicação do presidente da República, embora tenham que ser aprovados pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, após sabatina, e pelo plenário da Casa Legislativa, antes da nomeação. Da atual composição do Supremo, mais da metade dos integrantes foi indicada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nomeou seis ministros. Dilma Rousseff indicou dois dos atuais magistrados, enquanto os demais foram escolhidos por José Sarney, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Antes de iniciados os julgamentos, os ministros costumam se encontrar em uma área restrita reservada para o lanche deles. Por lá, conversam, trocam ideias, mas não costumam combinar votos. Há quem defenda uma discussão prévia dos processos a serem julgados para que os magistrados evitem polêmicas durante as sessões. Mas isso não é realidade. São raros os acordos feitos a portas fechadas, como o que ocorreu no caso da definição do cronograma do mensalão. Três dos ministros do Supremo acumulam o cargo com a função de integrante do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O presidente do Supremo é escolhido pelo critério da antiguidade. Aqueles que tomaram posse há mais tempo chegam ao comando do tribunal para um mandato de dois anos. O atual presidente, Carlos Ayres Britto, assumiu em abril, mas ficará no cargo por apenas sete meses, pois terá que pedir aposentadoria em novembro, quando completará 70 anos. O próximo presidente do STF será Joaquim Barbosa.

Nelson Jr./SCO/STF

CELSO DE MELLO Decano do Supremo Tribunal Federal, foi nomeado para a principal Corte brasileira em 1989 pelo então presidente José Sarney. Será o último voto proferido no julgamento do mensalão, mas, por sua respeitabilidade e capacidade jurídica expressa em seus votos, não raro consegue alterar opiniões anteriores expressas pelos seus pares. Para ele, o sistema de Justiça deve "servir às pessoas para solucionar os seus problemas, não alimentar a si próprio". Já foi capaz de rever uma decisão meramente jurídica após uma análise detalhada do caso. Certa feita, havia negado o pedido de um detento que solicitava transferência para receber atendimentos médicos. Negou por achar que o STF não era o tribunal competente para julgar a causa. Voltou atrás ao saber que o preso era vítima de câncer e Aids e completou afirmando que "ignorar o pedido de transferência equivaleria a uma sentença de morte". Também foi um precursor na tese da fidelidade partidária. Esperou exatos 18 anos para conseguir formar maioria em torno do argumento de que o parlamentar que muda de legenda perde o direito à vaga. "O ato de infidelidade quer à agremiação partidária, quer, sobretudo, aos eleitores, traduz um gesto de intolerável desrespeito à vontade soberana do povo", proferiu em voto firmado em 2007. Foi decisivo também no julgamento em que aplicou à esfera pública a mesma lei de greve do setor privado. E concedeu um habeas corpus a um preso acusado de furtar um botijão de gás no valor de R$ 20. Como justificativa o fato de que, em julho de 2004, data do furto, o objeto furtado equivalia a 7,69% do salário mínimo então vigente no país.

MARCO AURÉLIO MELLO Um dos mais abertos e polêmicos ministros do Supremo, Marco Aurélio, 66 anos, jamais se furtou a manter suas convicções mesmo que elas não sejam seguidas ou compreendidas por seus pares. Tanto que ficou conhecido como "senhor voto vencido", por não terem sido raras as vezes em que seu voto destoou do entendimento da maioria. É primo do ex-presidente Fernando Collor. Uma das marcas de Marco Aurélio é o respeito ao processo legal. Essa postura já lhe rendeu diversas críticas, já que, em vários momentos, concedeu habeas corpus em casos polêmicos, por entender que "a prisão antes do trânsito em julgado da condenação, salvo em casos excepcionais, viola o princípio da presunção de inocência". Um dos beneficiados pelo habeas corpus foi o ex-banqueiro Salvatore Cacciola, em 2000, acusado de ter se beneficiado com informações privilegiadas da desvalorização cambial de 1999. Libertado, o banqueiro, proprietário do falido banco Marka, fugiu para a Itália e só foi preso novamente em 2007, em Mônaco. Por ter cidadania italiana, não podia ser extraditado. Também votou a favor do habeas corpus para Susane von Ritchthofen e o para o explorador de máquinas de caça-níqueis Antonio Khalil, o Turcão. A paixão pelo processo legal rivaliza com o amor por seu time de coração, o Flamengo. É conhecida a história de uma tarde de domingo, quando Marco Aurélio interrompeu uma entrevista por telefone para gritar, em êxtase: "Vai, Obina". Na época, a torcida rubro-negra achava que o centroavante era melhor do que o camaronês Samuel Eto’o, então jogador do Barcelona.

GILMAR MENDES De todos os ministros do Supremo Tribunal Federal que começarão a julgar o mensalão a partir da próxima quinta, 2 de agosto, Gilmar Ferreira Mendes foi o que se envolveu na maior polêmica recente sobre o caso: a famosa reunião com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no escritório do ex-presidente do STF Nelson Jobim. Nela, Gilmar Mendes garante que Lula pediu o adiamento do julgamento do mensalão para depois das eleições municipais de outubro em troca de blindagem na CPI do Cachoeira. A relação de Gilmar com Lula sempre alternou momentos de aproximação com outros de confronto explícito. Gilmar chegou a afirmar que o país vivia um estado policialesco e um suposto grampo de uma conversa entre ele e o ex-senador Demóstenes Torres, em 2008 — desmentido posteriormente por perícias da Polícia Federal —, levou à queda do então diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Paulo Lacerda. Para ele, por exemplo, as mais de 407 mil interceptações telefônicas autorizadas pela magistratura em 2007 são uma prova da "fragilidade do Poder Judiciário." Mendes é tido como criterioso e defensor explícito do fim das algemas nos casos de prisão, por acreditar que essa medida fere a integridade dos réus. Ex-advogado-geral da União durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o mato-grossense Mendes tem 56 anos e acredita que o julgamento do mensalão é importante para "desmistificar a ideia de que foro privilegiado rima com impunidade".

CEZAR PELUSO

CARLOS AYRES BRITTO (presidente) Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Carlos Ayres Britto, 69 anos, teve um papel fundamental para que o julgamento do mensalão começasse na próxima quinta-feira. Por diversas vezes, ele cobrou pressa do revisor do processo, o ministro Ricardo Lewandowski, na entrega de suas considerações finais. O grande temor era de que eventuais atrasos atrapalhassem a participação do ministro Cezar Peluso no julgamento, já que ele completa 70 anos em 3 de setembro e terá que deixar a Corte. O próprio Ayres Britto também se aposentará este ano. Ele sairá do STF em 18 de novembro, depois de nove anos como integrante do Supremo. Durante quase uma década, o ministro teve sua trajetória marcada por votos em que destilou a sua linguagem poética e carimbou o seu perfil liberal. Um dos mais marcantes foi o relatório no julgamento a respeito da legalidade das uniões civis entre pessoas do mesmo sexo. “Pede-se que este tribunal declare que qualquer maneira de amar vale a pena”, declarou o ministro. Indicado em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele também se destacou como relator de outros importantes processos, como o que liberou as pesquisas com células-tronco no Brasil e é descrito como um magistrado de perfil apaziguador — jamais se envolveu em discussões consideradas ofensivas com outros ministros. Sergipano, do município de Propriá, Britto integra a Academia de Letras de seu estado e é autor de seis livros.

O mensalão será o último julgamento de Cezar Peluso como ministro do Supremo Tribunal Federal. Em 3 de setembro, ele se aposentará da principal Corte do país, onde entrou em 2003. Essa movimentação já gera polêmica, uma vez que Peluso, possivelmente, terá que adiantar o seu voto antes de aposentar-se por atingir 70 anos. O primeiro ministro nomeado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a fidelidade partidária e a extensão da Lei de Greve do serviço público à iniciativa privada. Envolveu-se em uma polêmica feroz com a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, que denunciou a existência de "bandidos de toga". Logo após a declaração de Eliana, Peluso, que na época presidia o CNJ, disse que o conselho repudiava "acusações levianas que, sem identificar pessoas, nem propiciar qualquer defesa, lançam, sem prova, dúvidas sobre a honra de milhares de juízes". Também criou um mal-estar com o Palácio do Planalto ao pressionar a presidente Dilma Rousseff pelo reajuste dos servidores do Judiciário. Outra marca de Peluso é colocar-se contra situações de violação das garantias constitucionais. Certa feita, elaborou um voto de 28 páginas considerando nulo o interrogatório por videoconferência, especialmente quando não existe citação ao réu. Para ele, essa prática "limita o exercício da ampla defesa, além de ser um insulto às garantias constitucionais da igualdade e publicidade".

JOAQUIM BARBOSA (relator) Primeiro e único ministro negro da história do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, de 57 anos, é o protagonista do processo do mensalão na Corte. Sorteado relator do caso do mensalão em 2006, coube a ele conduzir a mais extensa e importante ação da política recente brasileira. Há cinco anos, o voto de Joaquim, favorável à abertura da ação penal do mensalão, prevaleceu no julgamento em que o Supremo aceitou a denúncia apresentada pelo então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, contra 40 réus. O ministro Joaquim não se furta de criticar a imoralidade durante julgamentos em plenário. Foi favorável à Lei da Ficha Limpa e chegou a ser criticado por advogados de réus do mensalão que alegam cerceamento de defesa no processo — os defensores de Marcos Valério tentaram, sem êxito, tirar Joaquim da relatoria do mensalão. Polêmico, Joaquim Barbosa coleciona desafetos. Já bateu boca em plenário com os colegas Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes. Brigou no cafezinho do Supremo com o ex-ministro Eros Grau e, mais recentemente, acusou o colega Cezar Peluso de manipular resultados de julgamentos. Mineiro de Paracatu, Joaquim estudou em um colégio estadual em sua cidade natal antes de se mudar para Brasília, onde cursou o segundo grau no Colégio Elefante Branco. Graduou-se em direito pela Universidade de Brasília (UnB). Estudou línguas estrangeiras no Brasil, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Áustria e na Alemanha. O ministro iniciou a carreira jurídica como advogado. Depois, exerceu as funções de oficial de chancelaria e de membro do Ministério Público Federal, de 1984 a 2003, quando foi nomeado ministro do Supremo pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


CORREIO BRAZILIENSE Brasília, quinta-feira, 26 de julho de 2012

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Instituições bancárias responsáveis pelos empréstimos que teriam abastecido o mensalão apresentam perícia da PF e garantem que as concessões foram legais

Respostas do núcleo financeiro » HELENA MADER » MARIA CLARA PRATES

A

concessão de supostos empréstimos de fachada a empresas de Marcos Valério e ao PT é a acusação central contra integrantes do chamado núcleo financeiro do mensalão. Quatro dos 38 réus ocupavam cargos estratégicos no Banco Rural à época do escândalo. Kátia Rabello era presidente da instituição, Ayanna Tenório respondia pela vice-presidência e José Roberto Salgado e Vinicius Samarane eram diretores. As defesas dos réus ligados ao Banco Rural trazem basicamente os mesmos argumentos. Todos alegam que não recaem sobre eles denúncias de corrupção, compra de apoio de parlamentares ou desvios de recursos públicos — que são o eixo central da denúncia do mensalão. Entre a extensa documentação usada pela defesa, a peça fundamental é um laudo elaborado pelo Instituto de Criminalística da Polícia Federal em 2009 que atesta a “veracidade das operações de crédito contratadas pelas duas empresas de MarcosValério”. Com relação à falta de exigência para liberar o crédito, a defesa dos executivos alega que as garantias são uma questão subjetiva e que os valores emprestados não eram significativos em comparação com o patrimônio líquido das empresas de Valério — que somavam à época ativos superiores a R$ 5 bilhões. Dos R$ 32 milhões repassados pelo Banco Rural, as duas empresas de Marcos Valério receberam R$ 29 milhões e o PT, R$ 3 milhões. O empréstimo do Partido dosTrabalhadores já foi liquidado, a um custo de R$ 10 milhões. Já a dívida com o publicitário, acusado de ser o operador do mensalão, é cobrada até hoje na Justiça. Segundo representantes do Banco Rural, o débito de Marcos Valério já soma mais de R$ 50 milhões.

A alegação da denúncia é de que a instituição financeira teria entrado no esquema do mensalão por ter interesse no processo bilionário de liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco, do qual detinha 17% de participação. A procuradoria afirma que “era interesse do Banco Rural que o Banco Central definisse a fórmula de calcular o passivo e o ativo da massa em liquidação”. A defesa nega a acusação e garante que a questão do Banco Mercantil de Pernambuco era estritamente jurídica. “Esse assunto se arrastava desde 1996 e não houve nenhum tipo de interferência do governo na solução, que só veio cinco anos depois”, diz a defesa. Outra acusação que pesa contra os ex-dirigentes do Banco Rural é lavagem de dinheiro. O objetivo, segundo a denúncia da Procuradoria Geral da República, era “ocultar a origem, a natureza e o real destinatário dos altos valores pagos em espécie às pessoas indicadas por Delúbio Soares, a mando de José Dirceu”. A defesa dos réus assegura que a origem dos recursos é lícita e que o dinheiro sacado no Banco Rural vinha de outros bancos. “Os saques eram feitos com cheques nominais endossados. As pessoas que vinham retirar o dinheiro assinavam recibo e deixavam uma cópia da identidade”, assegura a defesa. O Banco Rural exigia o preenchimento de um formulário de controle de transações em espécie, alegam os advogados. Representante do réu José Roberto Salgado, o advogado Márcio Thomaz Bastos diz que tem boas expectativas com relação ao caso. “As acusações formuladas contra ele e os demais executivos do Banco Rural dizem respeito somente à regularidade e ao cumprimento de procedimentos bancários, que foram realizados de acordo com as normas vigentes à época dos fatos.” Já o advogado Theodomiro Dias Neto, que

representa Kátia Rabello, critica a denúncia do Ministério Público. “A acusação contra os executivos do Rural padece de uma série de fragilidades técnicas. A acusação de lavagem consistiria em suposta ocultação de saques de conta da SMP&B em agências do Rural, por funcionários da empresa ou terceiros indicados. Nossa defesa demonstra que o banco não tinha o poder de negar saques a um cliente, mas adotou todos os procedimentos para identifica-los.”

Regras respeitadas Em inquérito remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF), instaurado para apurar a origem dos recursos que alimentaram o mensalão, a Polícia Federal concluiu que os valores movimentados no esquema tinham como fonte dois empréstimos feitos pelo operador Marcos Valério com o Banco Rural e o BMG, para quitar os compromissos com parlamentares da base aliada. Entretanto, depois de análise da transação perante as instituições financeiras por peritos contábeis, a PF concluiu que os empréstimos com os bancos privados seguiram as regras estabelecidas pelo Banco Central e pelas agências de controle. O Banco Rural, segundo a perícia, fez levantamento completo de toda a movimentação bancária de MarcosValério, depois do empréstimo a análise foi entregue aos federais, durante as investigações iniciadas em 2005. Foi com base nessa documentação que a PF elaborou os laudos que fazem parte da segunda fase das investigações, presidida pelo delegado federal Luiz Flávio Zampronha, à época, chefe da Divisão de Combate à Lavagem de Dinheiro. Apesar do aprofundamento das investigações, não ficou comprovado que os bancos tivessem conhecimento prévio da finalidade das transações financeiras suspeitas promovidas pelo operador do esquema.

OS SAQUES ERAM FEITOS COM CHEQUES NOMINAIS ENDOSSADOS. AS PESSOAS QUE VINHAM RETIRAR O DINHEIRO ASSINAVAM RECIBO E DEIXAVAM UMA CÓPIA DA IDENTIDADE. TODOS OS NOMES FORAM INCLUÍDOS NA CONTABILIDADE DO BANCO” trecho da defesa do Banco Rural

Carlos Moura/CB/D.A Press - 8/6/05

A reforma que não avança » TEREZA CRUVINEL Muitas já foram as CPIs instaladas pelo Congresso para apurar escândalos de corrupção depois da redemocratização. As consequências: cassações de mandatos, processos judiciais, prisões e algumas mu-

danças legais e institucionais destinadas a evitar a repetição de práticas antiéticas e elevar a qualidade da política. Já o escândalo do mensalão, a CPI dos Correios e o processo em curso no STF, apesar do impacto perante a opinião pública, até agora não produziram medidas nesse sentido. Um dos mais importantes instrumentos de moralização da administração pública é a Lei de Licitações. Foi aprovada pouco depois do escândalo que gerou a CPI do PC Farias — que levou à cassação de Collor, em 1992. Antes, já existiam regras para as licitações, mas imperfeitas. A nova lei ganhou forma draconiana. Mudanças

importantes na tramitação e na votação da lei orçamentária anual também foram adotadas pelo Congresso em 1994, logo depois da CPI dos Anões do Orçamento. Esses são exemplos de consequências positivas de escândalos. O mensalão envolveu delitos de várias naturezas em áreas que vão da publicidade à gestão bancária, mas a origem de tudo está no sistema político e eleitoral brasileiro, que, apesar das muitas propostas de reforma política, continua exatamente o mesmo. Os dois principais problemas: a dificuldade de formar coalizões no Congresso e de financiar as campanhas eleitorais. (HM)

Sessão de debate sobre a abertura da CPI dos Correios, em junho de 2005: alto impacto na opinião pública e poucas medidas para frear a corrupção

No rastro do mensalão // Os principais problemas que levaram ao escândalo permanecem no centro das crises entre Executivo e Legislativo Problema: o sistema partidário brasileiro fragmentou-se a partir da Constituição de 1988, Governabilidade no que facilitou a criação de legendas. Por outro lado, a mesma Constituição presidencialismo tratou de garantir o equilíbrio entre os Poderes, condicionando muitas ações do presidente à aprovação do Congresso. Com a multiplicação dos partidos, tornou-se quase impossível eleger um presidente com uma bancada que, pelo menos, se aproxime da maioria na Câmara e no Senado. Para alcançá-la, todos os presidentes da era democrática atual precisaram formar coalizões.

Solução o presidente eleito terá mais chances de eleger a maioria quando o possível: número de partidos for menor, o que dependerá de uma reforma política que imponha restrições à criação e ao funcionamento de partidos com baixa representação.

Problema: quando o PT fechou acordo com o PL para ter José Alencar como vice em 2002, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, Financiamento exigiu em contrapartida apoio financeiro para a campanha dos candidatos a deputado pelo partido. Já o então presidente do de campanhas PTB, Roberto Jefferson, declarou à revista Veja, alguns meses antes de denunciar o mensalão, que o PT estava aplicando um calote em seu partido, ao qual prometeu ajuda de R$ 20 milhões para a campanha municipal de 2004. O problema do financiamento de campanhas é real e está na origem da maioria dos casos de corrupção já ocorrida nos últimos anos.

Solução em todas as tentativas de reforma política, o financiamento público de campanhas é proposto, mas acaba não aprovado. A proposta em possível: debate na Câmara criminaliza, inclusive com a perda de mandato, o recebimento de recursos privados, uma vez aprovada a verba pública exclusiva. O tema, no entanto, está longe de ser unanimidade. Para a cientista política Maria Braga, professora da Universidade de São Paulo (USP), há uma conexão clara entre o mensalão e o financiamento de campanhas: "No México, a adoção desse método não resolveu o problema da corrupção. Pelo contrário, houve um agravamento dos escândalos quando o financiamento tornou-se totalmente público. Tanto que eles voltaram a adotar um sistema misto de financiamento", diz a especialista, que defende um teto de doação.


Especial O MAIOR JULGAMENTO DA REPÚBLICA

Osnomesdomensalão » LARISSA LEITE

NÚCLEO POLÍTICO Iano Andrade/CB/D.A Press - 16/5/12

NO CONGRESSO NACIONAL Anita Leocádia Cargo: chefe de gabinete do deputado Paulo Rocha Acusação: intermediar o recebimento de dinheiro para o deputado Paulo Rocha (PT) Crimes: lavagem de dinheiro (12 anos de prisão)

Antônio Lamas*

Valter Campanato/ABr - 29/9/05

Cargo: assessor da liderança do PL na Câmara dos Deputados Acusação: repassar a deputados da legenda dinheiro das empresas de Marcos Valério Crimes: formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (15 anos de prisão)

Carlos Alberto Rodrigues (Bispo Rodrigues) Cargo: deputado federal (PL) Acusação: ter recebido “altos valores” oferecidos e pagos por José Dirceu para formar ilicitamente a base do governo federal Crimes: corrupção passiva e lavagem de dinheiro (24 anos de prisão)

Jose Cruz/Agência Senado - 20/9/05

João Cláudio Genu

Marcos Vieira/EM/D.A Press - 21/1/08 Paulo H. Carvalho/CB/D.A Press - 22/3/06

NO GOVERNO

João Magno

Anderson Adauto

Cargo: deputado federal (PT) Acusação: receber vantagem indevida, utilizando-se de dois intermediários Crime: lavagem de dinheiro (12 anos de prisão)

Cargo: ministro dos Transportes Acusação: praticar lavagem de dinheiro ao receber vantagem indevida de Marcos Valério e intermediar o apoio dos deputados do PTB Crimes: corrupção ativa e lavagem de dinheiro (24 anos de prisão)

José Varella/CB/D.A Press - 28/9/05

Cargo: deputado federal (PT) Acusação: receber dinheiro para contratar uma das agências de Marcos Valério para a Câmara, sendo beneficiado com o desvio de recursos Crimes: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato (36 anos de prisão)

José Borba Cargo: deputado federal (PMDB) Acusação: receber dinheiro para articular o apoio do PMDB Crimes: corrupção passiva e lavagem de dinheiro (24 anos de prisão)

Daniel Ferreira/CB/D.A Press - 5/10/05

José Luiz Alves

Marcio Fernandes/AE - 17/3/08

Brizza Cavalcante/Agência Câmara

João Paulo Cunha

José Dirceu Cargo: ministro-chefe da Casa Civil Acusação: chefiar a quadrilha que tinha objetivo de comprar o apoio político de agremiações e financiar campanhas eleitorais do PT Crimes: formação de quadrilha e corrupção ativa (15 anos de prisão)

Cargo: filiado do PP, era assessor do então deputado federal José Janene Acusação: distribuir recursos aos deputados da bancada do PP Crimes: formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro (27 anos de prisão)

Cargo: chefe de gabinete do ministro dos Transportes Acusação: receber dinheiro em espécie valendo-se de engrenagem de lavagem de capitais Crime: lavagem de dinheiro (12 anos de prisão)

Joedson Alves/AE - 1/3/05

Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho)

Luiz Gushiken* Cargo: secretário de Comunicação do governo (2005) Acusação: desviar recursos do Fundo de Investimento Visanet para beneficiar o grupo de Marcos Valério Crime: peculato (12 anos)

Monique Renne/CB/D.A Press - 18/12/07

Cargo: deputado federal (PT) e líder do governo na Câmara dos Deputados Acusação: receber vantagem indevida, incumbindo o assessor José Nilson dos Santos de receber dinheiro no Banco Rural Crime: lavagem de dinheiro (12 anos de prisão)

Paulo Rocha Cargo: deputado federal, líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados Acusação: receber dinheiro de Marcos Valério, valendo-se dos mecanismos disponibilizados pelo Banco Rural Crime: lavagem de dinheiro (12 anos de prisão)

Paulo H. Carvalho/CB/D.A Press - 14/3/06

Pedro Corrêa Iano Andrade/CB/D.A Press - 1/2/12

NOS PARTIDOS Delúbio Soares Cargo: tesoureiro do PT Acusação: elo entre os núcleos político operacional e financeiro; indicava para Valério os valores e os beneficiários dos recursos Crimes: formação de quadrilha e corrupção ativa (15 anos de prisão)

Ivaldo Cavalcante/Agência Câmara

Pedro Henry Cargo: deputado federal (PP) e líder do partido na Câmara Acusação: receber dinheiro do PT em troca de votar favoravelmente em matérias de interesse do governo federal Crimes: formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro (27 anos de prisão)

Carlos Moura/CB/D.A Press - 27/10/05

Emerson Palmieri

Daniel Ferreira/CB/D.A Press - 8/12/05

Cargo: secretário nacional do PTB Acusação: intermediar o pagamento dos deputados do PTB Crimes: corrupção passiva e lavagem de dinheiro (24 anos de prisão)

José Genoino Cargo: presidente do PT Acusação: negociar com os líderes partidários o apoio aos projetos de interesse do governo e a consequente vantagem financeira, atuando como interlocutor político do grupo criminoso Crimes: formação de quadrilha e corrupção ativa (15 anos de prisão)

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - 25/8/10

Roberto Jefferson

Jacinto Lamas Cargo: tesoureiro do PL e assessor de Valdemar Costa-Neto (PL-SP) Acusação: articular contrato fictício que "legalizava" o pagamento de propina aos deputados do PL Crimes: formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro (27 anos de prisão)

Cargo: presidente do PP e deputado federal Acusação: receber dinheiro do PT em troca de votar em matérias do interesse do governo federal Crimes: formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro (27 anos de prisão)

Daniel Ferreira/CB/D.A Press - 14/12/05

Cargo: deputado federal (PTB) Acusação: articular o mensalão para os deputados do seu partido, foi o responsável pela denúncia do esquema do mensalão Crimes: corrupção passiva e lavagem de dinheiro (24 anos de prisão)

Romeu Queiroz

Leonardo Prado/Agência Câmara - 14/7/10

Cargo: deputado federal (PTB) Acusação: ajudar a articular a "venda" de deputados do PTB Crimes: corrupção passiva e lavagem de dinheiro (24 anos de prisão)

Valdemar Costa Neto Cargo: deputado federal (PL) Acusação: montar o esquema de lavagem de dinheiro por meio da empresa fantasma Garanhuns Empreendimentos para o PL (atual PR) Crimes: formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro (27 anos de prisão)

* A procuradoria pede absolvição por falta de provas. ** A punibilidade de José Mohamed Janene foi extinta, tendo em vista o falecimento do réu em 14 de setembro de 2010. Já o réu Sílvio Pereira aceitou proposta de suspensão condicional do processo; assim, a ação não foi iniciada contra ele.

Saulo Cruz/Agência Câmara


CORREIO BRAZILIENSE Brasília, quinta-feira, 26 de julho de 2012

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Conheça as acusações a que respondem os personagens do maior escândalo da era Lula, do ex-ministro José Dirceu aos deputados João Paulo Cunha (PT-SP) e Valdemar Costa Neto (PR-SP)

NÚCLEO OPERACIONAL Daniel Ferreira/CB/D.A Press - 11/8/05

Duda Mendonça José Eduardo de Mendonça (Duda Mendonça) Cargo: responsável pela campanha vitoriosa de Lula em 2002 Acusação: receber valores com indícios do conhecimento da origem criminosa dos recursos, transferindo parte do dinheiro ilegalmente para o exterior Crimes: evasão de divisas e lavagem de dinheiro (18 anos de prisão)

Carlos Moura/CB/D.A Press - 27/9/05

Marcos Valério Cargo: sócio nas agências DNA Propaganda e SMP&B Comunicação Acusação: viabilizar o esquema ilícito de desvio de recursos públicos Crimes: formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e evasão de divisas (45 anos de prisão)

Rogério Tolentino Cargo: sócio das empresas de Marcos Valério Acusação: integrar rede societária estruturada para mesclar atividades lícitas do ramo de publicidade com atividades criminosas Crimes: formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção ativa (27 anos de prisão)

Daniel Ferreira/CB/D.A Press - 11/8/05

Zilmar Fernandes Cargo: sócia do marqueteiro Duda Mendonça Acusação: receber valores com indícios do conhecimento da origem criminosa dos recursos, transferindo parte do dinheiro ilegalmente para o exterior Crimes: evasão de divisas e lavagem de dinheiro (18 anos de prisão)

Cristiano Paz Cargo: sócio-presidente da empresa SMP&B Acusação: integrar rede societária estruturada para mesclar atividades lícitas do ramo de publicidade com atividades criminosas

Geiza Dias

Ramon Hollerbach

Simone Vasconcelos

Cargo: gerente financeira da SMP&B Acusação: entrega das propinas

Cargo: sócio das empresas de Marcos Valério Acusação: integrar rede societária estruturada para mesclar atividades lícitas do ramo de publicidade com atividades criminosas

Cargo: diretora financeira da SMP&B Acusação: entrega das propinas

NÚCLEO FINANCEIRO

Renato Weil/EM/D.A Press - 2/12/11

NÚCLEO PUBLICITÁRIO

OUTROS ACUSADOS

Ayanna Tenório

José Roberto Salgado

Henrique Pizzolato

Carlos Alberto Quaglia

Cargo: vice-presidente do Banco Rural (2004) Acusação: viabilizar as etapas de financiamento e distribuição do esquema ilícito Crimes: formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta de instituição financeira (27 anos de prisão)

Cargo: diretor do Banco Rural Acusação: viabilizar as etapas de financiamento e de distribuição do esquema ilícito Crimes: formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de instituição financeira e evasão de divisas (33 anos de prisão)

Cargo: diretor de Marketing do Banco do Brasil Acusação: transferir recursos para a DNA Propaganda sem a comprovação dos serviços Crimes: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato (36 anos de prisão)

Cargo: dono da corretora Natimar Acusação: lavar o dinheiro para os réus do PP, desvinculando os recursos recebidos pela prática de crime de corrupção passiva da origem criminosa Crimes: formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (15 anos de prisão)

Kátia Rabello

Vinicius Samarane

Cargo: presidente do Banco Rural Acusação: viabilizar as etapas de financiamento e distribuição do esquema ilícito Crimes: formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de instituição financeira e evasão de divisas (33 anos de prisão)

Cargo: presidente do Comitê de Controles Internos do Banco Rural Acusação: viabilizar as etapas de financiamento e de distribuição do esquema ilícito Crimes: formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de instituição financeira e evasão de divisas (33 anos de prisão)

Breno Fischberg Cargo: sócio-proprietário da corretora Bônus Banval Acusação: lavar o dinheiro para os réus do PP, desvinculando os recursos recebidos pela prática de crime de corrupção passiva da origem criminosa Crimes: formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (15 anos de prisão)

Enivaldo Quadrado Cargo: sócio-proprietário da corretora Bônus Banval Acusação: lavar o dinheiro para os réus do PP, desvinculando os recursos recebidos pela prática de crime de corrupção passiva da origem criminosa Crimes: formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (15 anos de prisão)


Especial O MAIOR JULGAMENTO DA REPÚBLICA

CORREIO BRAZILIENSE Brasília, quinta-feira, 26 de julho de 2012

6/7

Como o processo será analisado » DIEGO ABREU

O

processo do mensalão mudou a rotina do Supremo Tribunal Federal (STF) antes mesmo de o julgamento começar. Desde o recebimento da denúncia, em 2007, cerca de 500 testemunhas foram ouvidas por juízes designados para tomar depoimentos durante a fase de oitivas. Joaquim Barbosa, o relator do caso, entregou seu relatório no fim do ano passado. O primeiro semestre de 2012 foi de muita pressão interna e externa no Supremo para que o julgamento fosse rapidamente iniciado. Tanto que o presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, convocou reuniões administrativas para debater o cronograma do mensalão antes mesmo de o revisor, Ricardo Lewandowski,

concluir seu voto. Britto queria julgamentos diários até o fim da análise. Prevaleceu, porém, a sugestão de Joaquim, que preferiu apenas três sessões semanais após a fase de sustentações orais. Em plenário, os ministros dedicaram tempo das sessões promovidas nos últimos semestres para resolver questões de ordem relativas à Ação Penal nº 470 (o mensalão). Em maio, por exemplo, o STF aumentou de uma para cinco horas o prazo para que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, sustente as acusações contra os 38 réus. O julgamento paralisará a apreciação das principais ações do tribunal, uma vez que as sessões plenárias serão reservadas exclusivamente para o mensalão. Somente a 1ª e a 2ª Turmas do Supremo funcionarão normalmente, uma vez por semana, para a análise de outros processos.

Na próxima quinta-feira, o julgamento será iniciado com a expectativa de durar mais de um mês. Algumas tentativas de manobra das defesas podem atrasar ainda mais o desfecho de um dos principais julgamentos da história do Supremo. Outro fator que poderá adiar o término da análise é o cálculo da dosimetria da pena em caso de condenações. Entre os sete crimes apontados pela acusação, cinco estarão prescritos caso os ministros apliquem a pena mínima no julgamento. No entanto, se as punições forem maiores, não há qualquer risco de prescreverem. Conforme o Código Penal, o chamado prazo prescricional varia de acordo com o tamanho da pena. Às vésperas do julgamento, ainda não se sabe se o processo será apreciado diante de um plenário

completo com 11 ministros. A participação do ministro Cezar Peluso até o fim do julgamento ainda não está confirmada. Ele se aposentará compulsoriamente até 3 de setembro, quando completará 70 anos, mas pode pedir para antecipar seu voto, caso o julgamento se estenda até setembro. José Antonio Dias Toffoli também não decidiu se julgará o mensalão. Ele foi advogado do PT e assessor da Casa Civil durante a gestão de José Dirceu. A tendência é de que ele esteja sim em plenário no julgamento. Na hipótese de um desses dois ministros não votar, surgirá o risco de um eventual empate em cinco votos. Nesse cenário, os réus seriam beneficiados, pois em matérias penais prevalece o in dubio pro reo, o que significa que, na dúvida, a decisão é favorável ao réu.

Os grandes casos Confira cinco dos mais importantes julgamentos do Supremo Tribunal Federal nos últimos anos:

Collor O Supremo Tribunal Federal absolveu o ex-presidente Fernando Collor de Mello do crime de corrupção passiva. Em julgamento de 1994, dois anos depois dele ter renunciado ao cargo de presidente da República momentos antes de o Congresso Nacional votar o processo de impeachment, os ministros julgaram improcedente a denúncia da Procuradoria-Geral da República na Ação Penal nº 307. A acusação apresentou gravações e registros de movimentação financeira que comprovariam um suposto esquema de corrupção capitaneado pelo tesoureiro da campanha de Collor, PC Farias. Os ministros, no entanto, absolveram o já expresidente, por cinco votos a três, sob o argumento de falta de provas. Carlos Vieira/CB/D.A Press - 29/5/08

Células-tronco Em maio de 2008, a Suprema Corte liberou as pesquisas com células-tronco embrionárias (foto). Por seis votos a cinco, os ministros consideraram que o procedimento não viola os direitos à vida e à dignidade da pessoa humana. A decisão foi tomada durante o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade protocolada pelo ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles contra o trecho da Lei de Biossegurança que permite o uso de células-tronco de embriões para pesquisas científicas e terapias. Os ministros Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Melo formaram a maioria contrária a qualquer reparo ao artigo 5º da lei.

Raposa Serra do Sol Por 10 votos a um, o Supremo confirmou a validade do decreto homologado em 2005 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva que definiu a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. No julgamento, concluído em dezembro de 2008, os ministros fixaram que a área é de usufruto exclusivo dos indígenas e determinaram a saída imediata dos produtores de arroz e todos os não índios que ocupavam a reserva. O STF, porém, estabeleceu 19 restrições sobre o uso da área pelos indígenas, como o veto à comercialização de recursos hídricos e energéticos. O entendimento serviu de parâmetro para as demais reservas do país.

União homoafetiva O Supremo reconheceu, em julgamento realizado em maio de 2011, a possibilidade de pessoas do mesmo sexo firmarem união estável. A decisão foi tomada durante a análise de duas ações, propostas pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB). Por unanimidade, os ministros admitiram os direitos dos casais homossexuais serem reconhecidos como um núcleo familiar. Prevaleceu o voto do ministro Ayres Britto, segundo o qual a Constituição veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua orientação sexual. Carlos Moura/CB/D.A Press - 15/2/12

Ficha Limpa Um ano e oito meses depois de a Lei da Ficha Limpa ser publicada, o STF considerou a legislação constitucional, em julgamento realizado em fevereiro deste ano (foto). Por sete votos a quatro, os ministros decidiram manter a validade integral da norma, que é aplicada nas eleições municipais. O julgamento selou o entendimento definitivo do Supremo diante do tema. Em três ocasiões anteriores, a validade da lei chegou a ser apreciada em plenário, mas sem o quórum completo de 11 ministros. A Corte chegou a validar a lei em 2010, mas, no ano seguinte, voltou atrás ao entender que a norma não poderia ter entrado em vigor no mesmo ano de sua publicação. A regra proíbe a candidatura de políticos condenados por órgão colegiado e daqueles que renunciaram para escapar da cassação.


Especial O MAIOR JULGAMENTO DA REPÚBLICA

O texto que sustenta a responsabilidade dos 38 réus no mensalão teve a participação de dois procuradores. Em comum, o registro sobre a gravidade do caso para o futuro da democracia

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - 22/6/07

Marcello Casal Jr/Agência Brasil

(O MENSALÃO SE CONSTITUI EM UM) EFICIENTE SISTEMA DE REPASSE DE VALORES ESPECIALMENTE A INTEGRANTES DE DIVERSOS PARTIDOS POLÍTICOS”

TRATA-SE DA MAIS GRAVE AGRESSÃO AOS VALORES DEMOCRÁTICOS QUE SE POSSA CONCEBER”

Antonio Fernando de Souza, ex-procurador-geral da República

Roberto Gurgel, procurador-geral da República

Pilares da denúncia » PAULO DE TARSO LYRA

A

Sessões O julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal terá pelo menos 22 sessões transmitidas ao vivo por rádios e televisões. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, terá cinco horas para ler a acusação sobre a qual trabalhou durante todo o recesso de julho. Diferentemente do ministro-relator Joaquim Barbosa, que resumirá seu relatório em 15 minutos, embora dispondo de três horas, Gurgel já disse que possivelmente fará uso de todos os 300 minutos de seu tempo para a leitura do libelo acusatório.

50

MIL Quantidade de páginas do processo do mensalão

peça de acusação que aponta a existência de um esquema de pagamento de mesadas à base aliada do então governo Lula em troca de votos no Congresso Nacional foi costurada a quatro mãos. A matéria começará a ser julgada a partir da próxima quinta-feira, 2 de agosto, no Supremo Tribunal Federal, e é fruto de um trabalho elaborado pelo ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza e o atual, Roberto Gurgel. O texto aponta a existência de um “plano criminoso voltado para a compra de votos dentro do Congresso Nacional”, tendo como comandante o ex-chefe da Casa Civil ministro José Dirceu. “Trata-se da mais grave agressão aos valores democráticos que se possa conceber”, afirmou Gurgel, em suas alegações finais. O processo, que conta 50 mil páginas, no entanto, ainda não responde a várias das perguntas que cercam um caso ainda envolto pela névoa (leia no quadro ao lado). A primeira denúncia do Ministério Público elaborada por Antonio Fernando, em 2007, já apontava a formação de quadrilha, na época com 40 nomes. Ela foi baseada em investigações da Polícia Federal e nas conclusões do relator da CPI dos Correios, Osmar Serraglio (PMDB-PR), instalada para apurar as denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson, de que o PT, por meio do empresário Marcos Valério, e sob o comando de José Dirceu e de Delúbio Soares, tesoureiro da legenda, transferia recursos ao PP e ao PL (atual PR) para a compra de votos no Congresso com mesada de R$ 30 mil por deputado. Antes, Jefferson havia falado em recursos para o financiamento de campanhas, o que caracterizaria o crime menor de caixa dois — corrente na política nacional. Segundo Fernando, havia elementos que comprovavam a existência de um “eficiente sistema de repasse de valores, especialmente a integrantes de diversos partidos políticos, que se utilizavam de mecanismos altamente suspeitos, de que são exemplos o desprezo pelos procedimentos bancários regulares, a entrega de quantias elevadas em espécie e em locais inadequados (recepção e quartos de hotéis, e bancas de revistas) e a preocupação de inviabilizar a identificação do destinatário”, completou o procurador.

Financiamento Empossado, Gurgel manifestou inteira concordância com a denúncia ao apresentar as alegações finais ao STF, em julho de 2011. Manteve e reforçou todas as acusações do antecessor — as exceções foram os pedidos de absolvição do ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência Luiz Gushiken e do ex-assessor parlamentar Antonio Lamas. Explorou bastante o envolvimento de instituições bancárias financiadoras maiores do valerioduto, mas nada acrescentou para demonstrar a compra de votos ou identificar deputados aliciados. Apontou

MUITAS PERGUNTAS, POUCAS RESPOSTAS ● Quem montou a cena sobre pagamento de propina

nos Correios pretendia eliminar o servidor Maurício Marinho de algum esquema ou atingir o deputado Roberto Jefferson, a quem ele seria ligado? ● Por que Roberto Jefferson denunciou a existência de

pagamentos mensais (mensalão) a deputados para votar a favor do governo, correndo o risco de ser cassado por ter recebido recursos para o PTB? ● Antes de denunciar o mensalão, Jefferson havia

cobrado publicamente uma ajuda de campanha que o PT teria prometido ao PTB, mas não havia cumprido. Seriam os recursos recebidos pelo PTB apenas para financiar campanhas e somente os de outros partidos para garantir votações no Congresso? ● Entre os réus, 11 eram deputados na época

da denúncia, sendo quatro do PT e oito de outros partidos. Os três do PT também recebiam para votar a favor do governo do próprio partido, para enriquecimento próprio ou para saldar dívidas de campanha, como alegam? ● Os oito deputados não petistas estão longe de

garantirem, sozinhos, a maioria parlamentar. O PT tinha 80 deputados e, com a ajuda dos aliados de esquerda PCdoB e PSB não chegava a 120 votos. Se PTB, PP e PL recebiam dinheiro para garantir votos ao governo, quais eram então os outros votantes cooptados? Por que seus nomes nunca foram revelados? ● É sabido que quem coordena votações são os

líderes de bancadas e não os presidentes de partidos. Mas, entre os réus não-petistas, apenas um era líder e os outros, presidentes de partidos. Por que os líderes de outras bancadas não participaram dessas negociações? ● Por que os bancos Rural e BMG estão cobrando na

Justiça o pagamento dos empréstimos feitos ao PT por meio de Marcos Valério se, de acordo com a acusação, tais empréstimos eram fictícios, criados apenas para mascarar o desvio de recursos públicos? ● Uma das fontes de recursos públicos desviados

seria o Banco do Brasil, por meio do contrato de publicidade com a agência DNA, de Marcos Valério. O TCU decidiu recentemente que o contrato era correto e legal. Como a acusação responderá à decisão do TCU? ● Quais eram os interesses dos bancos no processo

de concessão de empréstimos a partidos e políticos? Eles foram atendidos em seus pleitos? ● Como se deu, concretamente, a participação

do ex-chefe da Casa Civil ministro José Dirceu no esquema de corrupção? ● Até que ponto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da

Silva conhecia e tinha participação no esquema?

como indício da cooptação a proximidade de datas entre saques e votações. Gurgel, no entanto, foi bem incisivo em outros pontos da denúncia. “As provas colhidas no curso da instrução, aliadas a todo o acervo que fundamentou a denúncia, comprovam a existência de uma quadrilha, constituída pela associação estável e permanente dos seus integrantes, com a finalidade da prática de crimes contra o sistema financeiro, contra a administração pública, contra a fé pública e de lavagem de dinheiro”, explicitou o procurador. Ao longo do processo, alguns nomes ficaram pelo caminho. O ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira fez um acordo com o Ministério Público e passou a prestar serviços comunitários. O exlíder do PP na Câmara José Janene (PP) morreu em 2010 vítima de problemas cardíacos. A ênfase de Gurgel levou o PT a buscar outros caminhos para diminuir o impacto do julgamento do mensalão no partido. Aproveitando-se da criação da CPI para investigar as relações do bicheiro Carlinhos Cachoeira com entidades públicas e privadas, os petistas tentaram convocar o procurador-geral para explicar por que ele não iniciou as investigações contra o bicheiro em 2009, quando foi deflagrada a Operação Vegas. “Foi uma maneira de tentar mostrar a inconsistência jurídica do procurador. Desconstruindo o acusador do partido no inquérito do mensalão, tentou-se desmontar a acusação que pesava contra a legenda”, confessa um parlamentar do PT com assento na CPI.

Núcleos de atuação O documento de Gurgel divide os réus em três núcleos. O político, composto pelo ex-ministro José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o ex-secretário-geral Silvio Pereira, e o ex-presidente do PT José Genoino. “O objetivo era negociar apoio político ao governo no Congresso Nacional, pagar dívidas pretéritas, custear gastos de campanha e outras despesas do PT”, diz a denúncia. O segundo núcleo, identificado como núcleo operacional, seria integrado por Marcos Valério, Rogério Tolentino e outros profissionais do meio publicitário. Na visão de Gurgel, coube a esse grupo “oferecer a estrutura empresarial necessária à obtenção dos recursos que seriam aplicados na compra do apoio parlamentar”.Valério teria concordado em participar do esquema porque desejava “aproximarse do governo federal”. Já o terceiro núcleo, chamado de núcleo financeiro, era integrado pelos dirigentes do Banco Rural à época.“Visando à obtenção de vantagens indevidas, consistentes no atendimento dos interesses patrimoniais da instituição financeira que dirigiam, proporcionaram aos outros dois núcleos o aporte de recursos que viabilizou a prática dos diversos crimes objetos da acusação, obtidos mediante empréstimos simulados, além de viabilizarem os mecanismos de lavagem que permitiram o repasse dos valores aos destinatários finais”, conclui as alegações.

Sob pressão Roberto Gurgel enfrentou duas saias justas este ano. Com a instalação da CPI do Cachoeira, descobriu-se que poderia ter denunciado o senador cassado Demóstenes Torres em 2009, com base na Operação Vegas, da Polícia Federal, o que só veio a acontecer dois anos depois, na Operação Monte Carlo. Quando membros da CPI ameaçaram convocá-lo para explicar o ocorrido, afirmou que se tratava de manobra dos que temiam o julgamento do mensalão.


CORREIO BRAZILIENSE Brasília, quinta-feira, 26 de julho de 2012

2/3

Os réus do processo repetem a mesma nota: o mensalão nunca existiu. Todos, menos um: Roberto Jefferson, que deve trazer de volta a guerra travada com o ex-ministro José Dirceu

Eduardo Nicolau/AE - 8/8/05

O último round » HELENA MADER » PAULO DE TARSO LYRA

É NATURAL QUE PESSOAS ACUSADAS COM FLAGRANTE REJEITEM OS FATOS. MAS HÁ RECIBO E IMPRESSÕES DIGITAIS NO CASO DO MENSALÃO” Luiz Francisco Corrêa Barbosa, advogado de Roberto Jefferson

Memoriais e encontros Em setembro de 2011, os advogados entregaram ao Supremo Tribunal Federal as alegações finais da defesa. No mês passado, vários deles voltaram ao STF para deixar memoriais mais sucintos sobre as mesas dos ministros. O presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, e outros magistrados receberam em seus gabinetes advogados de alguns réus. Os encontros foram divulgados nas agendas públicas dos ministros.

A

denúncia contra os réus do mensalão inclui indiciamentos por lavagem de dinheiro, peculato, corrupção passiva e ativa e evasão de divisas. Mas não importa qual dessas acusações pese sobre seus clientes, os advogados de defesa têm pelo menos uma tese em comum: a de que o mensalão nunca existiu. Em meio a esse coro quase uníssono dos réus, existe uma única voz dissidente. O ex-deputado Roberto Jefferson vai insistir no argumento de que deputados federais recebiam uma mesada do governo para votar de acordo com os interesses do Palácio do Planalto. E, mais uma vez, o pivô do escândalo do mensalão vai bater na tecla de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi alertado sobre o esquema. Apesar da tese comum de que o mensalão não teria passado de uma invenção de Roberto Jefferson, as defesas dos acusados são extensas e trazem centenas de outros argumentos para tentar livrar os réus da condenação — que em vários casos poderá levá-los diretamente para a cadeia. A concordância dos advogados quanto à suposta inexistência do mensalão se restringe a esse tema. As peças entregues pelas defesas trazem acusações mútuas entre os réus, além de sucessivas tentativas de desqualificar a denúncia da Procuradoria Geral da República. O marqueteiro Duda Mendonça acusa Marcos Valério de ter feito variadas remessas de recursos ao exterior. Já o ex-ministro José Dirceu acusa Roberto Jefferson de ser uma pessoa sem credibilidade para figurar como denunciante principal do esquema. Jefferson, por sua vez, dispara contra todos e ainda tenta trazer o expresidente Lula para o meio do furacão. O advogado Marcelo Leonardo, que representa Marcos Valério, diz que as denúncias levantadas contra o seu cliente não terão reflexos no julgamento. “Essas acusações feitas por alguns dos réus não são relevantes e não influenciam em nada. Portanto, não nos preocupam”, comenta o criminalista. Sobre a tese de que o

mensalão não existiu, ele explica que a afirmação se repete em todas as defesas porque não há provas nos autos que demonstrem o pagamento de mesada a parlamentares. “A única pessoa que fala em mensalão é o Roberto Jefferson, mais ninguém. Foram ouvidas 500 testemunhas ao longo do processo e nenhuma delas confirma a versão. Ele (Roberto Jefferson) ficou isolado”, comenta Marcelo Leonardo. Segundo a denúncia da PGR, o empresário Marcos Valério seria o operador de repasses de recursos financeiros a partidos, agindo sob a orientação do ex-tesoureiro Delúbio Soares. A defesa de Valério rebate a acusação e, assim como Roberto Jefferson, questiona por que o expresidente Lula não aparece entre os réus.“É raríssimo caso de versão acusatória de crime em que o intermediário aparece como a pessoa mais importante da narrativa, ficando mandantes e beneficiários em segundo plano, alguns inclusive de fora da imputação, como o ex-presidente Lula”, diz um trecho da defesa do publicitário. Para tentar emplacar a tese do mensalão propagada por Jefferson, seu advogado, Luiz Francisco Corrêa Barbosa, diz que há, sim, provas do pagamento de mesada. “É natural que pessoas acusadas com flagrante rejeitem os fatos. Mas há recibo e impressões digitais no caso do mensalão”, diz o advogado, referindo-se às imagens divulgadas à época de deputados e empresários sacando recursos do Banco Rural, em um shopping da cidade. “A denúncia contra ele diz respeito ao recebimento de R$ 4 milhões. Mas essa transferência foi para o pagamento de campanhas das eleições municipais de 2004 e foi, portanto, um repasse lícito.”

Quadrilha Apontado como “o chefe da quadrilha” pela ProcuradoriaGeral da República, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu segue a linha de que o mensalão não existiu e também adota o discurso de desqualificar Roberto Jefferson. “A nossa avaliação é de que, após cinco anos de processo e mais de 500 testemunhas ouvidas,

não existe qualquer documento, reunião ou indício que possa incriminar o José Dirceu”, diz o advogado do ex-ministro, José Luís Oliveira Lima. As principais alegações do réu são de que, na Casa Civil, ele não teria ingerência sobre o PT nem mantinha vínculos com o empresário Marcos Valério. “A denúncia feita pelo Ministério Público não tem qualquer consistência. Não existe possibilidade de contaminação política do julgamento, estamos tranquilos quanto a isso porque os ministros são experientes.” O ex-presidente do PT José Genoino é acusado de participação nas negociações relativas ao repasse de recursos a partidos políticos aliados. O réu, hoje assessor do Ministério da Defesa, nega a existência do mensalão e chama essa acusação de “fantasiosa”. O advogado de Genoino, Luiz Fernando Pacheco, acredita que seu cliente será absolvido e que o julgamento servirá para“limpar o nome” de Genoino.“Depois de sete anos, teremos a oportunidade de limpar o nome de um homem público honesto e com conduta irrepreensível. Não existe o mínimo indício de qualquer pagamento de mesada para que os deputados votassem com o governo.” O advogado tenta minimizar a influência de Genoino no PT e diz que o ex-presidente não foi eleito, mas assumiu involuntariamente o cargo quando José Dirceu virou ministro da Casa Civil. “Genoino tornou-se presidente de uma diretoria já eleita. O PT não tinha crédito na praça e Delúbio conseguiu no BMG e no Banco Rural. Os empréstimos são legítimos”, assegura Luiz Fernando. O ex-presidente do Partido Progressista (PP) Pedro Corrêa foi um dos três deputados cassados à época do escândalo do mensalão, ao lado de Roberto Jefferson e de José Dirceu. Ele é acusado de receber R$ 4,1 milhões do esquema.“O dinheiro foi totalmente usado para pagar despesas de campanha. Parte dos recursos foi repassado para o João Cláudio Genu (que era assessor de José Janene), que assinou até recibo. Como é que vão dizer que era propina se tem recibo?”, questiona o advogado Marcelo Leal, do escritório Eduardo Ferrão advogados associados.

Um marco para juristas » ISABELLA SOUTO Mais do que julgar o maior escândalo político da história recente do país — o suposto esquema de propina a parlamentares em troca de votos a favor de projetos de interesse do Palácio do Planalto —, os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) terão que se desdobrar para mostrar aos brasileiros, entidades da sociedade civil, juristas e mídia a adoção única e exclusiva de critérios técnicos para absolver ou condenar os 38 réus do processo. A Procuradoria Geral da República denunciou políticos, empresários e banqueiros, cujas participações no esquema são detalhadas em 50 mil páginas. Juristas ouvidos pelo Correio admitem uma grande expectativa em relação à decisão da mais alta instância do Judiciário brasileiro, mas divergem sobre a postura que será adotada no plenário. A maior discussão entre eles se dá em relação a uma possível pressão política sobre os ministros: apenas três deles não foram indicados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou pela presidente Dilma Rousseff

(PT) — Celso de Melo, Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes. Alguns deles ainda foram advogados de partidos políticos antes de chegar ao Supremo. Para o presidente em exercício da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Raduan Miguel Filho, não há dúvida de que os ministros vão se apegar a questões técnicas e provas incluídas nos autos e não se intimidarão por pressão de qualquer lado. “Talvez seja difícil para a população entender condenações diferentes que acontecerão no mesmo processo, mas é por causa das peculiaridades de cada caso”, avalia. O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Cesar Mattar Júnior, ressalta que este será um julgamento emblemático para a sociedade. “Não esperamos que inocentes sejam punidos nem que culpados sejam inocentados, mas que seja feita justiça. E prefiro acreditar que os ministros não deixarão esse julgamento comprometer a sua história”, argumenta. Baseado nas acusações e provas apresentadas pela PGR, na avaliação dele, a maioria dos

réus deverá ser condenada — a única dúvida é sobre a dosagem e a aplicação da pena. Isso porque, em cada caso, deverão ser avaliados o conjunto de crimes, atenuantes e agravantes. Ex-juiz e ex-promotor de Justiça, o jurista e professor de direito penal Luiz Flávio Gomes acredita que haverá um forte controle sobre a atuação dos ministros. “É impossível que esse julgamento seja somente técnico. A sociedade já politizou o caso e todo mundo tem uma opinião a respeito. É preciso que eles tenham argumentos razoáveis para evitar a desmoralização e também para que não se deixem levar pela pressão popular e da mídia”, opina. Mauro César Bullara Arjona, professor de direito penal da PUC de São Paulo, não crê em prisão para os condenados. “Nos últimos anos, vem-se adotando a corrente de que prisão é para crimes muito graves, como o homicídio, ou com penas muito longas”, argumenta. Outro problema em relação ao caso, segundo ele, é o risco de prescrição de alguns crimes em razão do longo tempo de espera para o julgamento.

APÓS CINCO ANOS DE PROCESSO E MAIS DE 500 TESTEMUNHAS OUVIDAS, NÃO EXISTE QUALQUER DOCUMENTO, REUNIÃO OU INDÍCIO QUE POSSA INCRIMINAR O JOSÉ DIRCEU” José Luís Oliveira Lima, advogado de José Dirceu

Estratégia definida Nas entrelinhas dos memoriais de defesa entregues no mês passado ao Supremo também é possível encontrar formas sutis de pressionar os ministros da Corte. Os advogados de defesa dos réus fizeram um minucioso estudo do julgamento de outras ações penais que foram analisadas pelo plenário do STF. Eles pegaram trechos de votos dos magistrados com argumentos que possam se encaixar em prol da defesa de alguns réus.


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