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FUTURO INCERTO Mais de um milhão de pessoas no Canadá necessitam de cuidados continuados 24 horas por dia | Pais temem morrer antes dos filhos e deixá-los sem assistência
DEFICIÊNCIA
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Pais temem morrer antes dos filhos e deixá-los sem assistência
BOSCO DA COSTA TERESA SANTOS
Onascimento de um filho transforma a vida de qualquer família. A partir do momento em que chegam, mudam completamente a rotina da casa. São noites mal dormidas, fraldas para trocar, banhos para dar, e o desafio torna-se ainda maior quando o filho nasce com necessidades especiais.
Segundo dados do Statistics Canada, 22,3% da população adulta no Canadá tem algum tipo de deficiência. Destes, 42,8% possuem uma deficiência considerada severa ou muito severa, o que equivale a mais de um milhão de pessoas no país que necessitam de cuidados continuados 24 horas por dia.
Paulo de Melo é um desses adultos. Com poucos meses de vida, foi diagnosticado com trissomia 21, também conhecida por síndrome de Down. Ao contrário das previsões de médicos e especialistas, Paulo vai fazer 59 anos este ano. Depois da morte dos pais, Paulo vive sob os cuidados da irmã mais velha, Luísa Riquinha.
“Ele é o meu irmão, ele é tudo na minha vida”, diz Luísa. Paulo é o mais novo de uma família de oito filhos. Quando nasceu, a família não sabia da sua deficiência: “Não sabíamos que ele tinha síndrome de Down. Uma senhora que trabalhava para a minha avó é que nos avisou. Ela disse para a minha mãe rezar para que Deus o levasse. Os médicos disseram que ele não passaria dos 30 anos, mas aqui está ele”, lembra Luísa.
Paulo nasceu em Rabo de
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22,3% da população adulta no Canadá tem algum tipo de deficiência Peixe, nos Açores, e chegou ao Canadá ainda bebé. A mãe de Paulo teve de esconder a deficiência do filho para poder emigrar para o Canadá na década de 60. Luísa Riquinha lembra do que a mãe teve de fazer. “Quando viemos para o Canadá, ele ia fazer dois anos. Então, o médico disse à minha mãe que o fizesse dormir para que quando passasse na imigração não notassem que ele tinha síndrome de Down. E pela graça de Deus, ele dormiu e não notaram nada”.
Paulo é um homem saudável, gosta de fazer tricô, escrever, desenhar e beber chá com a irmã. Ainda assim, a rotina feliz dos irmãos é sombreada por incertezas quanto ao futuro. Quinze anos mais velha do que Paulo, Luísa teme morrer antes do irmão. “A minha mãe pedia muito a Deus que o levasse antes dela, mas isso não aconteceu. E eu também, se Deus quisesse, era melhor que ele fosse antes de mim”. A família de Graça e Toni Lima também é rodeada pelas mesmas incertezas. Sarah é a primeira filha do casal. Nasceu em 1990. Seis meses depois do nascimento, os médicos perceberam que o desenvolvimento de Sarah estava muito lento e chegaram a um diagnóstico chocante. A bebé tinha paralisia cerebral. Graça parou de trabalhar para se dedicar integralmente à filha. Poucos anos depois, em 1995, o segundo filho do casal nasceu, Kevin. E para a surpresa de todos, também sofria de paralisia cerebral.
Sem casos anteriores de paralisia nas famílias do casal e após diversos e intensos testes genéticos com resultados dentro do normal, Graça engravidou pela terceira vez. Em 2007, nasceu Alex e ao contrário do que os testes genéticos realizados previam, também nasceu com paralisia cerebral.
“Como eu já tinha a experiência do Kevin e da Sarah, quando ele nasceu eu vi logo que ele não era normal e que ia ser como os outros. O exame que tinha feito disse que ele seria 100% normal, mas isso não foi verdade”, diz Graça.
Os filhos têm graus diferentes de paralisia cerebral. Sarah precisa de cadeiras de rodas, Kevin consegue sentar-se sozinho e Alex consegue dar alguns breves passos. A família adaptou-se às limitações de cada um. “Foi muito custoso para nós, mas conseguimos. Estamos sempre a lutar pelo bem-estar deles”, diz Toni Lima. Nenhum dos três filhos consegue falar, mas nem por isso deixam de se comunicar com os pais.
“Com a convivência nós fomos aprendendo. Sabemos quando eles têm sede, quando eles têm fome, quando eles querem ir para fora. Nós percebemos que ficam tristes quando um de nós sai de casa e não os levamos. Percebemos pelo olhar”, diz Graça.
A incerteza sobre o futuro dos filhos é grande na família Lima. Graça foi diagnosticada com um cancro de cólon já em estágio avançado em 2017. Desde a descoberta, tem feito quimioterapia e tratamentos para tentar prolongar, ao máximo, a sua vida, e por consequência, o seu tempo ao lado dos filhos. O tratamento médico e o desejo de estar próxima dos filhos têm alongado a sua vida. A expectativa inicial era que sobrevivesse no máximo seis meses, mas já conseguiu sobreviver quatro anos desde o diagnóstico.
Apesar disso, Graça tem a certeza de que morrerá antes dos filhos: “Eu estou preocupada com os meus filhos, com o que lhes vai acontecer, porque sei que vou primeiro do que eles. Eu posso não ter muito tempo de vida e estou muito preocupada com o que vai acontecer, porque de um dia para o outro eu posso ir embora”. O pai, Toni Lima, também teme deixar os filhos desassistidos. “Se eu partir antes, eu não sei o que se passará com eles. E se eles forem antes, eu sei que eles não ficam atrás a sofrer”.
O desejo de que a ordem natural se inverta e que os filhos morram antes dos pais é um sentimento que rodeia a cabeça de vários progenitores e familiares de adultos com necessidades especiais. O que para muitos pode parecer um desejo cruel e desumano, é na
PARA TENTAR ALIVIAR A ANGÚSTIA DE FAMÍLIAS COM PARENTES ESPECIAIS, A LUSO CANADIAN CHARITABLE SOCIETY (LCCS) TEM TENTADO ARRECADAR FUNDOS PARA A CRIAÇÃO DE UMA CASA DE ACOLHIMENTO ONDE FILHOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS POSSAM VIVER APÓS A MORTE DOS PAIS PAULO É UM HOMEM SAUDÁVEL, GOSTA DE FAZER TRICÔ, ESCREVER, DESENHAR E BEBER CHÁ COM A IRMÃ. AINDA ASSIM, A ROTINA FELIZ DOS IRMÃOS É SOMBREADA POR INCERTEZAS QUANTO AO FUTURO
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verdade a demonstração de um amor incondicional por pessoas que dependem integralmente de cuidados e que ficariam sem assistência caso os pais morram primeiro.
Para tentar aliviar a angústia de famílias com parentes especiais, a Luso Canadian Charitable Society (LCCS) tem tentado arrecadar fundos para a criação de uma casa de acolhimento onde filhos com necessidades especiais possam viver após a morte dos pais. A Luso, como é conhecida entre as famílias, já presta auxílio diário a mais de duzentas famílias em três localidades diferentes: Toronto, Hamilton e Região de Peel.
Durante todo o dia, os utentes são acompanhados de perto pelos educadores e cuidadores. Os centros oferecem atividades que desenvolvem competências motoras e cognitivas através de atividades educativas, jogos e pintura. Os funcionários alimentam, trocam fraldas e acompanham de perto cada um. O centro serve como uma forma de criar uma oportunidade de socialização para pessoas especiais, além de proporcionar um momento de descanso aos pais e familiares, que podem resolver pendências ou até mesmo repousar enquanto a Luso cuida dos respetivos filhos.
Nancy Aideira é gerente do centro da Luso em Toronto. Nancy tem conhecimento de causa, já que o filho Andrew nasceu com paralisia cerebral. Assim como outros pais, quando descobriu a condição do filho, sentiu-se desolada e chegou a questionar a sua vida e fé.
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Os três filhos de Graça Lima também frequentam a Luso, como é conhecida entre as famílias, instituição que presta auxílio diário a mais de duzentas famílias
Nancy Aideira Gerente do centro da Luso em Toronto
“Foi um desespero muito grande. Perguntávamos ‘porque nós?’ Estava muito triste e deixei de acreditar em Deus. É um bebé inocente, como é que isto acontece?”
A sua forma de encarar a deficiência do filho mudou ao ler uma frase no hospital onde o filho fazia acompanhamento médico: “A frase dizia que Deus escolhe pessoas especiais para cuidar de crianças com deficiência, para lhes dar amor e carinho. Li a frase e passei a acreditar nisso”.
Nancy deixou o seu trabalho como bancária e passou a dedicar-se ao filho. Alguns anos depois, passou a trabalhar na Luso, onde ajuda outras famílias com filhos especiais. “A Luso foi uma grande salvação para muitas famílias. Dá um alívio aos pais, porque os seus filhos estão aqui seguros enquanto eles realizam outras tarefas”, diz Nancy.
Vários pais esperam ansiosamente a criação de uma casa de acolhimento para adultos com necessidades especiais que perderam os respetivos progenitores ou parentes. Paulo de Melo é um assíduo frequentador da Luso e a sua irmã, Luísa Riquinha, diz que ficaria mais aliviada se o seu irmão pudesse morar na Luso no caso de ela morrer antes dele. “A Luso precisa muito que a comunidade a apoie com contribuição de fundos”.
Os três filhos de Graça Lima também frequentam a Luso. A instituição tem acompanhado a família há vários anos. E Graça repete o apelo: “A Luso apoiou-me muito. Precisei de ir a Portugal e [os representantes da] Luso todos os dias me mandavam mensagens e fotografias para me mostrar que estavam bem e felizes. A Luso na nossa vida é como se fosse uma família e tem nos ajudado muito com os nossos filhos”.
Nancy acredita que, com a ajuda da comunidade, a Luso conseguirá arrecadar fundos para construir uma casa para adultos com necessidades especiais. Para aquelas famílias que têm um filho especial, Nancy recomenda que procurem a Luso e aconselha: “Pais, não desesperem, acreditem e tenham fé. Cuidem dos vossos filhos e hão de ter felicidade na vida. De uma maneira ou de outra”. l
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