CORREIO DE SINTRA 219 117

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Correio de Sintra

8 de agosto a 8 setembro 2022 PUB

Entrevista Sérgio Luís de Carvalho fala dos seus projetos e deixa dicas de literatura para o Verão DR

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Residente em Sintra, o autor Sérgio Luís de Carvalho respondeu ao desafio do Correio de Sintra, e falou sobre os seus projetos. Deixou também sugestões de livros para os dias longos de agosto.

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O que nos pode dizer sobre o seu último livro, “Lisboa Árabe”, que vem no seguimento de outros títulos como “Lisboa Nazi” e “Lisboa Judaica”? Tudo começou há mais de 20 anos, quando reunia espólio para um museu do qual era diretor cultural. Em Mafra, num alfarrabista que já não existe, encontrei algumas revistas portuguesas do tempo da 2ª Guerra: a revista A Esfera. Essa revista pertencia aos germanófilos e pró-nazis lisboetas, que ao tempo eram uma minoria muito ativa. Apercebi-me que essa revista, publicada com o patrocínio de Berlim ao longo de toda a guerra, refletia uma Lisboa cujos locais “nazis” ainda hoje existem (...) Essa Lisboa “nazi” morreu com a guerra, mas os locais estão lá… escrevi, então o “Lisboa Nazi”, onde reconstituo essa cidade que desapareceu com a derrota do Eixo, mas cujos sítios não desapareceram. (...) O editor propôs-me uma sequência lógica: a “Lisboa Judaica”, que faria o contraponto do anterior. O “Lisboa Judaica” reconstrói a cidade dos judeus em Portugal e dos judeus portugueses, numa história com dois anos. Logicamente, já se percebeu qual o terceiro volume: o “Lisboa Árabe”. Retrata a cidade em que os árabes viveram, trabalharam e onde ainda vivem. Houve algum facto que tenha descoberto enquanto investigava para esta série, que o tenha deixado realmente surpreendido? Alguns, sim. Por exemplo, a permanência de uma memória árabe, a sua grande influência na cultura da cidade e na cultura portuguesa, a sua tolerância durante os séculos que ocuparam Lisboa, a sua brilhante cultura (que, na Idade Média, era superior à cristã), o seu silêncio após o édito de expulsão no reinado de D. Manuel.

Nestes anos de atividade, enquanto autor, qual foi o livro que lhe deu mais prazer escrever? Estes três deram-me imenso prazer, até pelo facto de eu ser lisboeta e grande amante de Lisboa. Enfim todos os meus livros me deram gosto escrever. Mais do que outros, não há como esconder. Para além desta série sobre Lisboa, gostei muito de escrever o livro “Portugal na Idade Média”, que saiu há pouco menos de dois anos. No campo da ficção, talvez saliente os romances “O retábulo de Genebra” e “Ouro Preto”. Estes foram dos livros em que fiquei mais satisfeito com o resultado final. E sobre Sintra? Há algum local, personalidade ou acontecimento que o fascine e que imagine que daria um bom livro? Gostaria de destacar uma figura extraordinária e pouco conhecida: André de Albuquerque Ribafria. Foi militar durante a Guerra da Restauração da Independência (século XVII) e teve um papel fulcral na vitória portuguesa. Foi um dos melhores generais do nosso exército, sendo sempre promovido por mérito e não por influência ou por “tempo de serviço”, como era usual. Morreu numa das derradeiras batalhas da guerra, comandando - já ferido com gravidade - uma das últimas e decisivas cargas de cavalaria das nossas armas. Tinha só 38 anos. A quinta dos Ribafria está ligada à sua família. Quais são os projetos em que está a trabalhar neste momento? Dentro de poucos meses vai sair um novo romance. A ação decorre em Estrasburgo - em 1518 - e Lisboa - em 1506 e envolve uma pandemia de dança em Estrasburgo (é factual) e um massacre em Lisboa. Curiosamente, foi planeado antes da pandemia de Covid 19. Entretanto, estou a terminar um livro de não-ficção sobre médicos, saúde, doentes e hospitais no tempo dos Descobrimentos. Excluindo os seus, que livro recomendaria como leitura de Verão? Há tantos e tão bons. No campo da ficção, só posso recomendar dois excelentes romances que sempre me embeiçaram: “Cem anos de solidão” de Gabriel Garcia Marquez, e “O homem que via passar os comboios” de Georges Simenon. No campo da não-ficção, recomendaria “Anatomia de um instante” de Javier Cercas, sobre a instauração de democracia em Espanha e a memória da Guerra Civil. Não sei se são leituras leves para o Verão. Sei que há boas ou más leituras. E votos de boas leituras, a propósito.


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