Parecer de jurista acerca possibilidade de terceiro mandato de Romildo Bolzan

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PARECER

SUMÁRIO: I. CONSULTA. II. O CASO SOB EXAME. III. QUESITO. IV. A LEI NO TEMPO. V. INTERLÚDIO: A RAISON D’ÊTRE DA LEI. VI. DUAS ANALOGIAS POSSÍVEIS. VII. CONCLUSÕES.

PROF. DR. LENIO LUIZ STRECK


I [CONSULTA] 1.

Trata-se de consulta jurídica, formulada pela Presidência do Conselho

Deliberativo do GRÊMIO FOOT-BALL PORTO ALEGRENSE, que aborda as áreas do direito desportivo e da teoria do direito, envolvendo variados institutos jurídicos, de ordem doutrinária, principiológica e interpretativa. 2.

O objeto do parecer consiste na análise – dogmática e crítica – acerca das

possibilidades de recondução de ROMILDO BOLZAN JÚNIOR ao cargo por ele ocupado atualmente: notadamente, o de presidente do clube. No mesmo sentido, questiona-se acerca das possibilidades de recondução de dirigentes eleitos a cargos de vice-presidência desde a gestão 2013/2014. 3.

A controvérsia diz respeito às exigências da Lei de Responsabilidade

Fiscal do Esporte – LRFE (Lei nº 13.155, de 04/08/2015) para que as entidades desportivas profissionais aderentes possam manter-se no Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (PROFUT); em especial, diz respeito à (im)possibilidade de (mais de uma) recondução ao cargo de presidente ou dirigente máximo e demais cargos eletivos nos clubes em questão (art. 4º, II, LRFE).

II

[O CASO SOB EXAME] 4.

ROMILDO BOLZAN JÚNIOR, o atual presidente do GRÊMIO FOOT-BALL

PORTO ALEGRENSE, foi eleito, pela primeira vez, no dia 18 de outubro de 2014. A eleição, à época, foi realizada para um mandato de dois anos. Eleito, o Presidente ROMILDO foi empossado no dia 10 de dezembro do mesmo ano, 2014.

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5.

ROMILDO foi então, no dia 12 de novembro de 2016, reeleito; reeleito,

desta vez, para um mandato de três anos, para cujo exercício foi empossado no dia 14 de dezembro de 2016. 6.

No dia 04 de agosto de 2015 – ou seja, um ano antes do início do

mandato de três anos do Presidente ROMILDO –, foi publicada a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte (Lei nº 13.155/15), que cria o PROFUT, o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro. 7.

Em seu artigo 4º, a LRFE elenca suas exigências para que os clubes

aderentes ao PROFUT possam nele permanecer. Uma dessas exigências, prevista em seu inciso II, permite uma única recondução aos presidentes desses clubes, cujos eventuais mandatos, nos termos próprios do mesmo inciso, devem ter seus prazos máximos fixados em quatro anos. 8.

O consulente, na pessoa do Presidente do Conselho Deliberativo do

GRÊMIO FOOT-BALL PORTO ALEGRENSE, aderiu ao PROFUT em novembro do ano de 2015; a lei – afinal, de agosto do mesmo ano – entrou em vigência quando o atual presidente do clube, ROMILDO BOLZAN JÚNIOR, cumpria seu primeiro mandato: o mandato de dois anos para o qual havia sido eleito em outubro de 2014. 9.

Nesse sentido, portanto, a questão coloca-se de forma bastante clara:

trata-se de verificar se uma eventual recondução de ROMILDO ao cargo de presidente do GRÊMIO desrespeitaria ou não as exigências para permanência no PROFUT nos termos da LRFE; sobretudo, se a eventual reeleição acabaria por contrariar o que estabelece o artigo 4º, inciso II, da Lei nº 13.155: a permissão para uma única recondução ao cargo. 10.

É esse, portanto, o caso sob exame.

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III [QUESITO] 11.

A fim de delimitar o objeto do parecer, o consulente formula o seguinte

quesito: – considerando que o atual presidente do GRÊMIO foi eleito em 18/10/2014, para um mandato de dois anos, tendo sido empossado em 10/12/2014; – considerando que o atual presidente do GRÊMIO foi reeleito em 12/11/2016, para um mandato de três anos, tendo sido empossado em 14/12/2016; – considerando que em 04/08/2015 foi publicada a Lei nº 13.155, que criou o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro – PROFUT, que entrou em vigência na mesma data, cujo artigo 4º, inciso II, permite apenas uma reeleição aos cargos eletivos dos Clubes que aderirem a essa lei; – considerando que o GRÊMIO aderiu ao PROFUT em novembro de 2015, e, por fim, considerando que essa lei entrou em vigência quando o atual Presidente do GRÊMIO já cumpria seu primeiro mandato, que foi de dois anos, resta dúvida se o atual presidente do clube pode ser reeleito; – questiona-se: a reeleição do atual presidente do Grêmio, para um

novo mandato de três anos, infringiria a regra estipulada no artigo 4º, inciso II, da Lei nº 13.155?

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IV [A LEI NO TEMPO] 12.

O caso em análise envolve, muito claramente, uma questão de aplicação

da lei no tempo. Sendo assim, uma síntese da ordem cronológica dos fatos envolvidos na análise é importante. Senão, vejamos. 13.

14/04/2014: Primeira posse do Presidente ROMILDO para dois anos de

mandato. 14.

05/08/2015: Publicação da LRFE.

15.

Novembro de 2015: Aderência do GRÊMIO aos termos do PROFUT.

16.

12/11/2016: Primeira posse do Presidente ROMILDO para três anos de

mandato. 17.

Sendo essa uma questão que envolve a lei no tempo, além da cronologia,

é necessário que se mantenha em vista o que o direito brasileiro preceitua com relação à matéria. 18.

O Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942, estabelece a Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Em seu artigo 6º, a LINDB estabelece que “[a] Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada” (caput), e que “[se reputa] ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou” (§ 1º). 19.

Trata-se de uma vedação à retroatividade da lei, em consonância com

o que dispõe a Constituição Federal: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (Art. 5º, XXXVI). 20.

Um interlúdio: essa é, ao mesmo tempo, uma questão de regra jurídica –

dado que o texto constitucional é bastante claro no sentido de uma aplicação taxativa e irrestrita – e uma questão de princípio: o Direito, afinal, não é, não pode ser, ex

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post facto. Leis retroativas contrariam a lógica e a função do Direito qua Direito; um sistema que não observasse a irretroatividade legislativa estaria desrespeitando sua própria razão de ser, sua própria condição de possibilidade.1 21.

Feita essa (necessária) digressão, voltemos ao ponto. O direito brasileiro,

então, determina que atos jurídicos perfeitos devem ser respeitados, e que esses atos são perfeitos na sua consumação de acordo com a lei vigente no tempo em que efetuado o ato. Tempus regit actum, afinal. Simples assim. 22.

Respeitar um ato jurídico perfeito é também respeitar seus regulares

efeitos. E o ato jurídico por meio do qual Presidente ROMILDO tomou posse pela primeira vez, em 2014, tem, evidentemente, uma série de efeitos; efeitos que incluíam, incluem, por exemplo, o direito a disputar uma reeleição. Assim como é um ato jurídico perfeito o ato pelo qual o Presidente Romildo se elegeu antes da vigência da Lei de 2015. 23.

Nesse sentido, o que se tem é que, de um ato de posse concretizado em

2014, não se pode derivar um efeito impeditivo lastreado em uma legislação posterior ao ato. 24.

O objeto em análise, pois, envolve o conceito de recondução, e, assim, a

partir de quando esse conceito é aplicável para fins jurídicos. 25.

Vejamos alguns pontos.

26.

ROMILDO já estava no exercício de um mandato, de dois anos, quando

da publicação da LRFE e da aderência do Clube aos termos do PROFUT. Sua primeira posse deu-se em 2014, a Lei é de 2015.

Não é sem razão, então, que LON FULLER – um dos mais celebrados jusfilósofos na teoria do direito anglo-saxônica –, ao conceber o Direito como um conceito funcional e, com isso, elencar uma série de princípios constitutivos do fenômeno e sua moralidade interna, dispõe que a retroatividade da lei e da aplicação de seus efeitos é uma das maneiras de falhar na construção do Direito (a way to fail to make law); afinal, a irretroatividade é um dos princípios que tornam o Direito possível, que fazem de um sistema jurídico um sistema jurídico, digo do rótulo que reivindica. Cf. FULLER, Lon L. The Morality of Law. Edição revisada. New Haven: Yale University Press, 1964, p. 33. 1

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27.

Em 2016, ROMILDO foi (re)empossado; prima facie, pela segunda vez. Mas

foi empossado pela primeira vez para um mandato de três anos. E, sobretudo, foi empossado pela primeira vez em período de vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte. Este é o busílis: o que conta é o zeramento. A posse de 2016 é a primeira na vigência da lei do PROFUT, eis que, no mandato anterior, a lei sobreveio no entremeio do período e, por isso, não pode gerar efeitos retroativos, prejudicando aquele ato jurídico perfeito e acabado. 28.

Portanto, qual é o ponto? O ponto é que a nova legislação estabelece

esse marco zero. 29.

Tomemos a própria lei como base para a afirmação. A LRFE, em suas

disposições transitórias, estabelece que “as condições previstas nos incisos I a VII do caput do art. 4º desta Lei” serão exigidas a partir de sua “entrada em vigor” (art. 56, caput, e I). 30.

As condições, portanto, são exigidas a partir da entrada em vigor. E se

a lei passou a vigorar em 2015, suas exigências não podem recair sobre um fato que se deu sob condições nas quais essas condições próprias não existiam. 31.

O que leva a outra questão, derivada dessa mesma ideia de que a Lei era

inexistente à época da primeira posse do Presidente. 32.

O mesmo artigo 4º, inciso II, da Lei nº 13.155, estabelece a fixação do

mandato de presidentes das entidades desportivas aderentes com um período máximo de quatro anos. Coloquemos o que isso implica em termos bastante didáticos. 33.

O primeiro mandato ao qual foi eleito o Presidente ROMILDO, em 2014,

tinha previsão de, lembremos, dois anos. Se esse critério de fixação de período máximo existisse à época da primeira eleição, não teria o GRÊMIO FOOT-BALL PORTO ALEGRENSE considerado outros elementos, de evidente impossível

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ponderação à época – dado que inexistente a Lei –, quando da organização dos termos de suas eleições para presidente? 34.

É por isso que o estabelecimento de um marco zero a partir da Lei é

(também) uma questão lógica. Suas diretrizes e condições geram efeitos; esses efeitos alteram a realidade, de modo que não podem incidir sobre cenários nos quais sua consideração era impossível. Não podem incidir, sobretudo, sobre os direitos que têm o Clube e o Presidente. 35.

Evidentemente, estabelecido o marco zero, a mesma lógica de uma

legislação prospectiva (como deve ser), que não se pretende legislação ex post

facto, aplica-se tanto ao Presidente quanto, igualmente, aos dirigentes que ocupam cargos de vice-presidência desde gestões anteriores à vigência da LRFE.

V

[INTERLÚDIO: A RAISON D’ÊTRE DA CONDIÇÃO] 36.

Ainda, ad argumentandum tantum, há outro aspecto que merece atenção. Ao

restringir a recondução e estabelecer que os mandatos presidenciais não poderão ultrapassar quatro anos, a Lei nº 13.155 terminou fixando um novo teto para que um dirigente permaneça à frente do clube: o máximo de oito anos, a contar do início da vigência da lei, em agosto de 2015, obviamente. 37.

Dito de outro modo: ao estabelecer a “fixação do período do mandato

de seu presidente ou dirigente máximo e demais cargos eletivos em até quatro anos, permitida uma única recondução”, a LRFE impõe que o período máximo de mandato é o de oito anos. Qual é o ponto?

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38.

O ponto é anterior à lei; passa por aquilo que serve de sustentação à

exigência legislativa. E o que sustenta a condição é, por óbvio, a limitação do período permitido aos dirigentes à frente dos clubes aderentes. Por quê? 39.

Em seu preâmbulo, temos que a Lei nº 13.155 “[e]stabelece princípios e

práticas de responsabilidade fiscal e financeira e de gestão transparente e democrática para entidades desportivas profissionais de futebol”. Entendida, pois, em seus termos funcionais, a lei indica ter a finalidade de garantir democracia e transparência na gestão dos clubes. 40.

É por isso, então, que limitados tanto o período máximo quanto o

número de reconduções: transparência e democracia são ideais que, ao mesmo tempo, prescrevem e pressupõem a alternância de poder. Nada, afinal, é mais antitético à democracia que o poder concentrado no mesmo indivíduo, ou grupo de indivíduos, por tempo demais. Esse parece ser um acordo semântico, préinterpretativo, bastante razoável com relação à ideia de democracia. 41.

E o ponto é exatamente esse. Uma eventual recondução de ROMILDO

em nada contrariaria a raison d’être da Lei. Senão, vejamos. 42.

Se é verdade que a Lei pretende (i) garantir o respeito à democracia e

à transparência, e assim o faz (ii) estabelecendo um período máximo de oito anos no(s) cargo(s); e se é verdade que, na hipótese de sua eventual recondução, ROMILDO não ultrapassaria o período previsto como teto nos termos da própria Lei, temos que uma eventual recondução em nada desrespeitaria aquilo que mais importa: o espírito democrático e toda a lógica de transparência que define, materializa e dá substância aos termos e condições da

Lei nº 13.155. Desde o século XIX, especialmente desde Ihering –

conhecido de toda a comunidade jurídica – sabemos que o Direito tem sempre uma finalidade; uma lei tem sempre uma dada finalidade.

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VI [DUAS ANALOGIAS POSSÍVEIS] 43.

Veja-se: a exigência do PROFUT (art. 4º, II, Lei nº 13.155) restringe um

direito: o direito de dirigentes de clubes disputarem reeleições. Isso implica em outro fator a partir do qual a posse de 2014 de ROMILDO BOLZAN JÚNIOR não pode contar para efeitos de condições estabelecidas pelo PROFUT; fator que explico a partir de uma primeira analogia. 44.

A Emenda Constitucional nº 16, de 04 de junho de 1997, entre outras

alterações, modificou a redação do § 5º do artigo 14 da Constituição Federal, possibilitando a reeleição ao Presidente, governadores e prefeitos. A alteração deu-se em meio ao mandato do então Presidente da República, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. 45.

Ao então Presidente FHC concedeu-se o direito de concorrer à reeleição;

isso porque a legislação foi alterada de modo a expandir um direito. 46.

O ponto é que, no caso do Presidente ROMILDO, quando ainda em seu

primeiro mandato, sobreveio legislação que restringe o direito de disputar eventuais reeleições. E qual é a questão? 47.

Todo aquele familiarizado com o direito brasileiro conhece o consagrado

instituto segundo o qual normas restritivas de direitos não admitem interpretação extensiva. 48.

No caso de FHC, sobreveio legislação que expandia um direito; no caso

de ROMILDO, a legislação é restritiva com relação a um direito; restritiva, portanto, como também deve ser sua aplicação. 49.

As analogias são importantes porque, afinal, o Direito não é

simplesmente um conjunto de normas independentes umas das outras; o Direito é

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um corpus juris que deve ser considerado de modo a respeitar a coerência e a integridade do todo que lhe constitui. 50.

Feita essa digressão, passemos à segunda analogia.

51.

A Lei nº 12.696, de 25 de julho de 2012, alterou artigos do Estatuto da

Criança e do Adolescente, o ECA, promovendo modificações nas regras de organização dos Conselhos Tutelares; modificações que incluíam aspectos estruturantes das eleições de conselheiros, como a determinação de ampliação de mandatos (de três para quatro anos) e o estabelecimento de eleições unificadas em âmbito nacional. 52.

Assim como se dá com o caso aqui em análise, é evidente que havia

mandatos de conselheiros eleitos e empossados antes dessas alterações em curso. As controvérsias que isso gera são óbvias, novamente como se dá com o caso aqui em análise. Havendo modificações, como devem essas mudanças interferir naquilo que (i) já está em andamento e (ii) assim está com base em termos legislativos pretéritos? 53.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

(CONANDA) resolveu a questão por meio de uma resolução: a Resolução nº 152, de 9 de agosto de 2012, delimitando os termos por meio dos quais se dariam as eleições unificadas. 54.

A Resolução dispôs, em seu artigo 2º, que a primeira eleição geral dar-se-

ia 2015 (I). Ao assim fazer, e considerando os mandatos em curso, o CONANDA determinou, no mesmo artigo, uma série de providências a garantir equanimidade no processo eletivo. Os conselheiros empossados nos anos de 2011 e 2012 tiveram seus mandatos prorrogados (III); aqueles empossados em 2013 teriam mandatos extraordinários até a posse daqueles eleitos na eleição geral de 2015, e, em razão de sua duração prejudicada, esses mandatos não seriam computados para fins de participação no processo de escolha (IV e V).

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55.

Qual é a analogia? Simples.

56.

Se, para fins de recondução ao cargo, fosse computado o período de dois

anos da primeira posse, não haveria equanimidade entre o Presidente ROMILDO e eventuais adversários de pleito. Se computado o período, os possíveis direitos decorrentes de eleição – in casu, uma disputa de reeleição – de ROMILDO seriam mais restritos que o dos hipotéticos demais candidatos ao cargo com base em uma legislação posterior – que, exatamente porque posterior, não havia sido considerada pelo atual Presidente quando de sua primeira candidatura ainda ao pleito de 2014.2 57.

Voltando à analogia: no caso das (re)eleições para conselheiros tutelares,

após alteração legislativa, não havia qualquer norma estabelecendo qualquer regra de transição com relação aos mandatos em curso. Exatamente por isso, e sobretudo, por uma questão de equanimidade, o CONANDA editou uma Resolução. 58.

No caso em análise, sequer há qualquer coisa parecida. Assim, em não

havendo norma que regulamente uma espécie de transição, e precisamente por se tratar de um direito – com relação ao qual sobreveio legislação restritiva –, uma interpretação que, na ausência de normas específicas, se mantém fiel ao Direito exige que não seja computado o período relativo ao primeiro mandato de eleição anterior ao PROFUT para fins de recondução. O mandato fruto da eleição em 2014 foi, afinal, atravessado por uma mudança nas regras do jogo. A restrição ao número de reconduções, portanto, começa a valer a partir do mandato que se inicia nos termos da Lei, posto que ela estabelece um marco zero – devendo, para uma adequada aplicação de lei no tempo, valer para a situação jurídica iniciada nos seus termos. J.J. GOMES CANOTILHO: “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito. Estes dois princípios . . . se prende[m] . . . com . . . a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos.” CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2000, p. 256. 2

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VII [CONCLUSÕES] 59.

Em atenção à consulta formulada pela ilustre Presidência do Conselho

Deliberativo do GRÊMIO FOOT-BALL PORTO ALEGRENSE, após o estudo da matéria submetida a exame e todas as circunstâncias que envolvem o caso, respondo ao quesito assim formulado: A reeleição do atual presidente do Grêmio, para um

novo mandato de três anos, infringiria a regra estipulada no artigo 4º, inciso II, da Lei nº 13.155? 60.

Considerando (i) que o primeiro mandato de ROMILDO BOLZAN

JÚNIOR como Presidente do GRÊMIO FOOT-BALL PORTO ALEGRENSE deu-se após eleição para um mandato de dois anos em 2014; (ii) que tanto a Lei nº 13.155 quanto a adesão do GRÊMIO ao PROFUT remontam a 2015; (iii) que ROMILDO foi conduzido a um novo mandato em 2016, agora de três anos, e, agora sim, sob vigência da LRFE; e que, na mesma linha, (iv) há dirigentes com cargos de vicepresidência eleitos também em pleitos anteriores à legislação; 61.

Considerando, igualmente, (iv) que não existe qualquer regulamentação

clara com relação ao modo por meio do qual se dá a transição das normas que estruturam os processos eletivos nos clubes aderentes com relação aos mandatos em curso, produtos de eleições anteriores aos termos do PROFUT; (v) que vigora no direito brasileiro o princípio da irretroatividade da lei em respeito aos atos jurídicos perfeitos e seus efeitos; (vi) que a legislação – de 2015 – passa a restringir o direito à possibilidade de reeleição; e (vii) que não se pode interpretar e aplicar legislação restritiva de forma extensiva; 62.

Considerando, sobretudo, (viii) que o Direito é uma questão de

princípio, de equanimidade, de respeito às condições de possibilidade que fazem o Direito ser o que é;

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63.

Nesse mesmo sentido, considerando que o que há de fundamental

subjacente às exigências da LRFE é a observância das exigências, maiores, de democracia e transparência, e que eventual recondução do atual Presidente em nada contraria essas exigências, seja nos termos da lei, seja com relação aos princípios que lhe sustentam; 64.

Com tudo isso, temos que um eventual novo mandato de ROMILDO

BOLZAN JÚNIOR como Presidente do GRÊMIO FOOT-BALL PORTO ALEGRENSE não infringiria as condições e exigências da Lei nº 13.155 – e o mesmo, por óbvio, aplica-se a demais dirigentes ocupando cargos eletivos nas mesmas condições –, dado que uma interpretação adequada daquilo que constitui o direito brasileiro enquanto tal – em seus princípios, em sua lógica doutrinária, em sua função – exige que não seja computado, para fins de consideração do conceito de recondução, o mandato relativo à eleição de 2014, anterior à LRFE. É o parecer. Porto Alegre, 18 de março de 2019.

LENIO LUIZ STRECK Pós-doutorado em Direito Constitucional (FDUL/Portugal) Professor Titular dos Programas de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS e da UNESA Membro Catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) Professor Emérito da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ) Advogado – OAB/RS 14.439

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