Araçuaí Sustentável - Revista Cidades

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Foto: Carolina Rolim


Texto: Vinícius Car valho Desde 2005, treze instituições parceiras da Fundação Avina trabalham na viabilização de uma proposta audaciosa: construir uma cidade sustentável em uma das regiões mais pobres do Brasil, o Vale do Jequitinhonha (MG). Tendo como base o trabalho realizado, há mais de 20 anos, pelo Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), o Projeto ‘Arassussa: Araçuaí Sustentável’ aposta nas potencialidades do lugar, nas alianças interinstitucionais e em uma plataforma de convergência de Tecnologias Sociais para promover a transformação do município. O desafio é gigantesco. Araçuaí possui cerca de 40 mil habitantes, com mais da metade da população com renda familiar de meio a um salário mínimo, ao passo que um quinto das famílias dispõe de renda inferior a meio salário mínimo. Além disso, apenas 25% das casas locais possuem sistema de esgoto, sendo que 45% utiliza fossa rudimentar. Outra característica é a estruturação produtiva e familiar, já que 30% dos lares são constituídos apenas por mãe e filhos. “A região também é grande exortadora de

mão de obra para o corte da cana”, complementa Paulo Lenhardt, do Instituto Morro da Cutia (Imca). “Ao escolher Araçuaí, optamos por desafiar os fatalismos que cercam a região como símbolo de atraso e subdesenvolvimento. Um projeto bem sucedido no município pode ter um impacto positivo em outros lugares do país”, avalia Tião Rocha, fundador do CPCD. “A Transformação Social como Causa - Um Brasil Sustentável como Meta” é o lema do projeto. Com atuação em diversas regiões brasileiras, as instituições não se organizam em forma de rede, mas em uma plataforma, convergindo suas “expertises” de gestão com Tecnologias Sociais de sucesso comprovado. São quatro objetivos específicos: o empoderamento comunitário, o compromisso ambiental, a satisfação econômica e os valores éticos, humanos e culturais. Para atingir estes objetivos, foram definidos sete focos: água, energia, alimento, habitação, trabalho, educação e cultura. Ao todo, já são 86 Tecnologias Sociais disponibilizadas para o Arassussa em todas estas áreas.

Os recursos financeiros, que ultrapassam R$ 2 milhões, provêm da Fundação Avina, da APEL e do CPCD. Há também o apoio da Petrobras Ambiental para programas desenvolvidos pelo CPCD, como o ‘Caminho das Águas’, da Oi Futuro para a ‘Fabriqueta de Software’ e da Fundação Bernard van Leer para o Programa ‘Cidade-Criança’. Segundo Tião, um dos principais motivos da escolha de Araçuaí é a existência de um capital social previamente consolidado pelas ações do CPCD na região. “A base humana e comunitária de participação já estava formada”, diz Diogo Vallim, do Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado (Ipec). O CPCD, que atua no município desde 1998, é uma Organização Não-Governamental (ONG), sem fins lucrativos, fundada em 1984 com vistas a promover educação popular e o desenvolvimento comunitário a partir da cultura, tomada como matéria-prima de ação institucional e pedagógica. Além da formação e capacitação de jovens de 18 a 21 anos para atuarem como Agentes Comunitários de Educação, o CPCD já desenvolvia diversas ações no município, como o Programa ‘Mães-Cuidadoras’, que trabalha na mobilização e capacitação de mães e mulheres solteiras nas diversas comunidades rurais e periféricas de Araçuaí. “Estes projetos foram fortalecidos com as outras ações do Arassussa”, explica Vallim.

Foto: Carolina Rolim


Estratégia - O projeto trabalha em quatro comunidades de Araçuaí, desde áreas rurais isoladas até regiões de concentração urbana consolidada. “São cerca de 8 mil pessoas nessas comunidades”, estima Rocha. Além de contar com os próprios beneficiados como multiplicadores, o projeto tem cerca de 140 pessoas em sua linha de frente, entre educadores, ‘Mães-Cuidadoras’ e ‘Guardiões da Água’. Umas das estratégias centrais da proposta foi a implementação de diversas das tecnologias ofertadas no Sítio Maravilha. Com 18 hectares, a propriedade, localizada na BR 116, tornou-se um centro de referência e demonstração das tecnologias da permacultura. Entre as atividades realizadas estão a implementação do viveiro de mudas de bambu, o plantio de mandalas, reflorestamento de matas ciliares e construção de caixas d’água para irrigação e captação de água de chuva, além da realização de oficinas para os habitantes de Araçuaí. “Em 2007, o sítio já produziu mais de uma tonelada de alimentos. É um espaço importante porque as pessoas podem de fato ver como as tecnologias funcionam”, explica Tião. Uma das metas do projeto, para este ano, é instalar mais 105 kits de sustentabilidade, totalizando 500 moradias desde o início do projeto. A um custo médio de R$ 4,5 mil, cada kit garante, pelo menos, a implantação de um sistema de captação de água de chuva, um banheiro de compostagem e uma horta ecológica, tecnologias que estão à disposição para o conhecimento dos moradores no sítio Maravilha. “Se eu tivesse que levantar de madrugada para vir às oficinas, mesmo assim eu viria, porque estou aprendendo muito e todo tanto que a gente aprende é pouco. Que dia eu ia pensar que bosta de gente virasse esterco?”, brinca Maria Goreth, moradora do Núcleo Bois de Araçuaí.

Além das tecnologias voltadas à produção, o grupo pretende avançar também na produção sustentável de energia. Além da conversão de motores a biodiesel a partir do reaproveitamento do óleo de cozinha, também estão previstas uma usina de beneficiamento de oleaginosas e ampliação de biodigestores. “Como o consumo de óleo em Araçuaí não é tão grande como em grandes cidades e a população já tem o costume de reutilizá-lo ao máximo, estamos estudando fazer biocombustível a partir da macaúba e do pinhão manso”, explica Lenhardt. O que está em jogo, segundo ele, não é o desenvolvimento de tecnologias distantes da realidade local. “Eles já conhecem o ciclo das plantas, dos animais. O grande desafio é se reconectar a esses conhecimentos”, diz. Para Tião, as tecnologias que têm apresentado assimilação mais rápida são aquelas voltadas à produção de alimentos e à captação de água. Entre as ações nestas áreas estão a constituição de bancos de sementes, hortas ecológicas, húmus, fitoterápicos e plantações hidropônicas, além da construção de cisternas de ferrocimento e de sistemas de captação de água de chuva e de reuso da água. “Algumas coisas dão certo antes que outras e estamos observando isso. Não adianta é ir rápido demais. Nossa prioridade é consolidar um processo educacional permanente, não obras”, avisa. Assumir o compromisso de conceber uma cidade sustentável, sobretudo a partir do empenho de instituições tão diversas entre si, é um desafio que também implica novos aprendizados, explica Vallim. “Um dos nossos principais desafios é adequar as tecnologias às peculiaridades de Araçuaí e do SemiÁrido, já que muitas delas vêm do cerrado e dos pampas”, explica. (Rede de Tecnologia Social/RTS) Mineiro por sorte - Tião Rocha (foto ao lado), fundador do CPCD é antropólogo (por formação acadêmica), educador popular (por opção política), folclorista (por necessidade) e mineiro (“por sorte”, afirma ele). Reconhecido como um homem simples e que gosta de desafios, Tião tem fala calma, mas parece sempre silenciosamente inquieto. “Gosto de colocar as coisas em prática para ver se funcionam”, explica.

Fotos: Carolina Rolim



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