número 06 | ano 02 abril a junho 2011 Publicação Sinepe/PR
Bullying e cyber bullying: Como agir contra eles? Entrevista Tião Rocha explica a diferença entre educação e escolarização
Hora certa Quando seu filho pode começar a pegar ônibus e ir ao shopping sozinho?
Escolha profissional Fazer vestibular no meio do ano vale a pena?
en.tre.vis.ta / Tião Rocha T / Marília Bobato F / Danilo Verpa
Educação Escolarização 16
Antropólogo por formação acadêmica, educador popular por opção política e folclorista por necessidade.
Tião Rocha é o responsável pelo Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), uma organização não governamental, sem fins lucrativos, fundada em 1984, em Belo Horizonte/MG. A missão: educar. O formato: pedagogia do abraço, do brinquedo, da roda. O local: embaixo de um pé de manga ou onde tiver interessados. Colecionador de prêmios por sua iniciativa, Tião convida os brasileiros a sair do estado de latência, das discussões sem fim em congressos e fóruns para praticar a Educação. Em entrevista para a revista Escada, falou durante uma hora em ritmo acelerado. Ao fundo, música instrumental que, segundo o mineiro, rege seu trabalho tanto para inspirar como para relaxar, se é que isso é possível para quem quer construir cidades educativas.
Revista Escada - O folclore brasileiro é muito rico e passa mensagens através de gerações. A educação também tem essa função? Tião Rocha - O folclore é uma das áreas da Antropologia, é cultura popular. Tem a ver com as minhas origens, então primeiro foi uma necessidade pessoal, porque percebi que o sentido da vida está na cultura herdada e na continuidade. Depois veio como um instrumento de aprendizagem e para mim a educação é isso, é no plural, é troca. Então, o folclore é uma bela forma de conhecimento. RE - Você atuou durante anos como professor. Como foi a decisão de se distanciar da sala de aula? T - Tive o que os americanos chamam de insight, que para nós mineiros é um clarão mesmo. Na época decidi: não quero mais ser professor, quero ser um educador. Porque professor é aquele que ensina, enquanto educador é quem aprende. Isso foi há quase 30 anos, eu era professor da Universidade Federal de Ouro Preto e percebi que era um tal de “eu te cito, você me cita”. Os temas importantes ficavam apenas entre as pessoas que assistiam e participavam das bancas, até porque eram pagos para isso. Então, as portas foram se fechando, enquanto eu queria que se abrissem. E decidi pedir a conta, era concursado e até então nenhum professor nunca havia pedido demissão.
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en.tre.vis.ta / Tião Rocha T / Marília Bobato F / Danilo Verpa
Educação Escolarização 16
Antropólogo por formação acadêmica, educador popular por opção política e folclorista por necessidade.
Tião Rocha é o responsável pelo Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), uma organização não governamental, sem fins lucrativos, fundada em 1984, em Belo Horizonte/MG. A missão: educar. O formato: pedagogia do abraço, do brinquedo, da roda. O local: embaixo de um pé de manga ou onde tiver interessados. Colecionador de prêmios por sua iniciativa, Tião convida os brasileiros a sair do estado de latência, das discussões sem fim em congressos e fóruns para praticar a Educação. Em entrevista para a revista Escada, falou durante uma hora em ritmo acelerado. Ao fundo, música instrumental que, segundo o mineiro, rege seu trabalho tanto para inspirar como para relaxar, se é que isso é possível para quem quer construir cidades educativas.
Revista Escada - O folclore brasileiro é muito rico e passa mensagens através de gerações. A educação também tem essa função? Tião Rocha - O folclore é uma das áreas da Antropologia, é cultura popular. Tem a ver com as minhas origens, então primeiro foi uma necessidade pessoal, porque percebi que o sentido da vida está na cultura herdada e na continuidade. Depois veio como um instrumento de aprendizagem e para mim a educação é isso, é no plural, é troca. Então, o folclore é uma bela forma de conhecimento. RE - Você atuou durante anos como professor. Como foi a decisão de se distanciar da sala de aula? T - Tive o que os americanos chamam de insight, que para nós mineiros é um clarão mesmo. Na época decidi: não quero mais ser professor, quero ser um educador. Porque professor é aquele que ensina, enquanto educador é quem aprende. Isso foi há quase 30 anos, eu era professor da Universidade Federal de Ouro Preto e percebi que era um tal de “eu te cito, você me cita”. Os temas importantes ficavam apenas entre as pessoas que assistiam e participavam das bancas, até porque eram pagos para isso. Então, as portas foram se fechando, enquanto eu queria que se abrissem. E decidi pedir a conta, era concursado e até então nenhum professor nunca havia pedido demissão.
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Conheça alguns projetos sociais do Centro Popular de Desenvolvimento e Cultura:
É possível aprender em todos os lugares, na rua, no convívio com o outro... RE - Como vê a educação brasileira hoje? T - Existe uma diferença muito grande entre educação e escolarização. Mas é importante lembrar que a escola é um reflexo da sociedade. Escola é o local de escolarização, já a educação é um processo permanente, até porque a aprendizagem é para a vida toda. É possível aprender em todos os lugares, na rua, no convívio com o outro... Hoje escuto muita gente dizendo: “estou estudando para ser alguém na vida”. Diploma eleva salários, cargos... mas essa é outra história.
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RE - Então é possível fazer educação sem escola? T - Sim, nas localidades que o CPCD começou suas atividades não havia escola, ou onde existia, alguns estudantes iam e outros não. Mas frequentavam pelos mais diversos motivos, como merenda, Bolsa-Família. Isso faz parte de uma política seletiva, excludente e preconceituosa que prioriza números sem qualidade e acaba gerando um processo de indiferença. RE – Como ficam alunos, professores e a escola nesse cenário? T - É preciso uma mudança por parte de pais e alunos, que eles sejam aliados dos professores. E se quiserem brigar, essa briga deve ser contra o sistema. Nesse processo de mudança, a missão de toda escola seria não perder nenhum aluno. Assim, a escola vai ser referência e encontrar seu foco: a escola quer formar cidadãos ou pessoas para o mercado de trabalho? Trata-se de uma mudança ética. RE – Mas, como ensinar ética para uma sociedade? T - Defendo a criação do setor zero. O mundo está dividido em 1º setor que é o Estado; 2º setor, o mercado e 3º, a sociedade. O setor zero seria comandado pela ética, com corrupção zero, fome zero, analfabetismo zero. RE - Foi a partir disso que surgiu o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento? T - O CPCD surgiu com um grupo de amigos a partir da minha vontade de aprender. Trata-se um instituto que faz perguntas.
RE - Os projetos do CPCD estão em mais de 20 cidades brasileiras e em três países (Angola, Moçambique e Guiné-Bissau). Quantas pessoas já foram beneficiadas pelo CPCD até hoje? T - São 27 anos de trabalho e cerca de 2 mil meninos por ano, o que significa mais de 50 mil alunos. Dali também formamos muitos educadores que dão continuidade ao nosso trabalho. São pessoas generosas que aplicam a pedagogia do abraço, do brinquedo, da roda, nossa forma de ensinar. No Maranhão, por exemplo, a pedagogia foi usada para salvar os meninos da mortalidade infantil. Na região, percebemos que os médicos entendem de doença e não de saúde; lá as crianças estavam morrendo aos borbotões. Foi pela ética, nosso instrumento de formação, que percebemos que dá para ter saúde sem médico, sem hospitais. Pela educação foi possível ensinar hábitos saudáveis para aquela população e diminuir os casos de mortalidade infantil. Essa é nossa pedagogia. RE - O que você espera dos cidadãos que participam do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento? T - Que sejam felizes. Essa é nossa razão de viver, até porque vida não tem segundo turno. O que todo cidadão precisa é ser livre, feliz, ter saúde e educação.
Projeto Sementinha [Escola debaixo do pé de manga]
RE - Você já provou que é possível fazer educação em baixo de um pé de manga com o Projeto Sementinha, além de outros inúmeros projetos do CPDC. Onde vocês desejam chegar? T - Tenho pressa, meu tempo é reduzido e minha missão é maior. Quero praticar projetos abrangentes, precisamos construir cidades educativas. Cidades com oportunidades de aprendizado, com bibliotecas 24 horas que seriam tão importantes quanto os hospitais 24 horas. A lógica hoje são plataformas, não mais projetos. Uma plataforma sustentável que é possível em cidades com até 50 mil habitantes, que é 95% do Brasil.
Foi o primeiro projeto desenvolvido pelo CPCD. Teve inicio em 1984 na cidade de Curvelo (MG). É destinado a crianças de 4 a 6 anos, não atendidas pela rede pública e particular. O projeto desenvolve a auto-estima e a identidade, trabalha a consciência corporal e cuidados da higiene e saúde. Procura cultivar em cada criança a semente dos valores de cidadania. O Sementinha, dentro da sua concepção de um projeto itinerante, desenvolve a maioria das atividades na própria comunidade por meio de passeios e excursões com o objetivo de melhor conhecer e engajar a cultura local. Transforma todos os espaços em “escola” e toda “escola” em centro de cultura comunitária. Cidade Educativa [De UTI Educacional à Cidade Educativa] O princípio norteador da proposta baseia-se na crença e na convicção que, mais do que a denúncia de nossas mazelas sociais e exposição dos retratos de nossas misérias econômicas e de nossas injustas relações humanas, temos em cada comunidade, por mais distante, pobre, longínqua ou carente que seja, um acervo significativo de respostas e alternativas, capazes de mudar radicalmente o quadro da desigualdade social e o “status” de imobilismo em que se encontra. A proposta é dar a todos os saberes, fazeres e quereres sociais existentes nas diversas comunidades rurais e periféricas de Araçuaí, o espaço privilegiado do conhecimento a ser apreendido, ou, em outras palavras, pensar e agir para transformar cada uma destas microcomunidades em núcleos geradores de aprendizagem permanente para todos os meninos e jovens da cidade.
Semelhante à UTI médica, a UTI educacional também pressupõe a existência de uma série de procedimentos: urgência do atendimento, eficácia das condutas, atenção e cuidados redobrados, convocatória do que há de melhor em termos de recursos, competências e especialidades, e atuação coordenada em função do objetivo: evitar a “morte”. No caso, a “morte-cidadã”, provocada pelo analfabetismo e por todas as doenças e moléstias sociais, políticas e econômicas que ela produz e alimenta. Projeto Ser Criança [Educação pelo brinquedo ou Brinquedoteca] Estudar brincando, plantar e comer, conversar e aprender, jogar e cantar, criar e ensinar, pintar e limpar, fazer e reciclar, dançar e sonhar, ser e ousar, respeitar e crer, rir e cuidar-se são alguns dos muitos verbos praticados no dia-a-dia desse projeto por centenas de meninos e meninas, em horários complementares à escola formal e em espaços comunitários repletos de alegria, prazer e generosidade. O projeto implementa ações educativas e de formação humana, provocando uma interferência positiva e modificadora na vida das crianças e adolescentes participantes. Todas as pessoas participantes da vida das crianças são consideradas educadoras, independentemente de idade ou função, sejam eles pais, outros alunos, além dos professores. A regra geral na aplicação dessa filosofia é o respeito às diferenças e singularidades individuais: cada ritmo, cada fazer, cada saber. O projeto, mais do que uma iniciativa social, tornou-se uma tecnologia educacional ao ser implantado, através da Lei Municipal de Educação, em municípios como São Francisco e Araçuaí/MG, multiplicando seu alcance. Para saber mais: www.cpcd.org.br
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Conheça alguns projetos sociais do Centro Popular de Desenvolvimento e Cultura:
É possível aprender em todos os lugares, na rua, no convívio com o outro... RE - Como vê a educação brasileira hoje? T - Existe uma diferença muito grande entre educação e escolarização. Mas é importante lembrar que a escola é um reflexo da sociedade. Escola é o local de escolarização, já a educação é um processo permanente, até porque a aprendizagem é para a vida toda. É possível aprender em todos os lugares, na rua, no convívio com o outro... Hoje escuto muita gente dizendo: “estou estudando para ser alguém na vida”. Diploma eleva salários, cargos... mas essa é outra história.
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RE - Então é possível fazer educação sem escola? T - Sim, nas localidades que o CPCD começou suas atividades não havia escola, ou onde existia, alguns estudantes iam e outros não. Mas frequentavam pelos mais diversos motivos, como merenda, Bolsa-Família. Isso faz parte de uma política seletiva, excludente e preconceituosa que prioriza números sem qualidade e acaba gerando um processo de indiferença. RE – Como ficam alunos, professores e a escola nesse cenário? T - É preciso uma mudança por parte de pais e alunos, que eles sejam aliados dos professores. E se quiserem brigar, essa briga deve ser contra o sistema. Nesse processo de mudança, a missão de toda escola seria não perder nenhum aluno. Assim, a escola vai ser referência e encontrar seu foco: a escola quer formar cidadãos ou pessoas para o mercado de trabalho? Trata-se de uma mudança ética. RE – Mas, como ensinar ética para uma sociedade? T - Defendo a criação do setor zero. O mundo está dividido em 1º setor que é o Estado; 2º setor, o mercado e 3º, a sociedade. O setor zero seria comandado pela ética, com corrupção zero, fome zero, analfabetismo zero. RE - Foi a partir disso que surgiu o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento? T - O CPCD surgiu com um grupo de amigos a partir da minha vontade de aprender. Trata-se um instituto que faz perguntas.
RE - Os projetos do CPCD estão em mais de 20 cidades brasileiras e em três países (Angola, Moçambique e Guiné-Bissau). Quantas pessoas já foram beneficiadas pelo CPCD até hoje? T - São 27 anos de trabalho e cerca de 2 mil meninos por ano, o que significa mais de 50 mil alunos. Dali também formamos muitos educadores que dão continuidade ao nosso trabalho. São pessoas generosas que aplicam a pedagogia do abraço, do brinquedo, da roda, nossa forma de ensinar. No Maranhão, por exemplo, a pedagogia foi usada para salvar os meninos da mortalidade infantil. Na região, percebemos que os médicos entendem de doença e não de saúde; lá as crianças estavam morrendo aos borbotões. Foi pela ética, nosso instrumento de formação, que percebemos que dá para ter saúde sem médico, sem hospitais. Pela educação foi possível ensinar hábitos saudáveis para aquela população e diminuir os casos de mortalidade infantil. Essa é nossa pedagogia. RE - O que você espera dos cidadãos que participam do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento? T - Que sejam felizes. Essa é nossa razão de viver, até porque vida não tem segundo turno. O que todo cidadão precisa é ser livre, feliz, ter saúde e educação.
Projeto Sementinha [Escola debaixo do pé de manga]
RE - Você já provou que é possível fazer educação em baixo de um pé de manga com o Projeto Sementinha, além de outros inúmeros projetos do CPDC. Onde vocês desejam chegar? T - Tenho pressa, meu tempo é reduzido e minha missão é maior. Quero praticar projetos abrangentes, precisamos construir cidades educativas. Cidades com oportunidades de aprendizado, com bibliotecas 24 horas que seriam tão importantes quanto os hospitais 24 horas. A lógica hoje são plataformas, não mais projetos. Uma plataforma sustentável que é possível em cidades com até 50 mil habitantes, que é 95% do Brasil.
Foi o primeiro projeto desenvolvido pelo CPCD. Teve inicio em 1984 na cidade de Curvelo (MG). É destinado a crianças de 4 a 6 anos, não atendidas pela rede pública e particular. O projeto desenvolve a auto-estima e a identidade, trabalha a consciência corporal e cuidados da higiene e saúde. Procura cultivar em cada criança a semente dos valores de cidadania. O Sementinha, dentro da sua concepção de um projeto itinerante, desenvolve a maioria das atividades na própria comunidade por meio de passeios e excursões com o objetivo de melhor conhecer e engajar a cultura local. Transforma todos os espaços em “escola” e toda “escola” em centro de cultura comunitária. Cidade Educativa [De UTI Educacional à Cidade Educativa] O princípio norteador da proposta baseia-se na crença e na convicção que, mais do que a denúncia de nossas mazelas sociais e exposição dos retratos de nossas misérias econômicas e de nossas injustas relações humanas, temos em cada comunidade, por mais distante, pobre, longínqua ou carente que seja, um acervo significativo de respostas e alternativas, capazes de mudar radicalmente o quadro da desigualdade social e o “status” de imobilismo em que se encontra. A proposta é dar a todos os saberes, fazeres e quereres sociais existentes nas diversas comunidades rurais e periféricas de Araçuaí, o espaço privilegiado do conhecimento a ser apreendido, ou, em outras palavras, pensar e agir para transformar cada uma destas microcomunidades em núcleos geradores de aprendizagem permanente para todos os meninos e jovens da cidade.
Semelhante à UTI médica, a UTI educacional também pressupõe a existência de uma série de procedimentos: urgência do atendimento, eficácia das condutas, atenção e cuidados redobrados, convocatória do que há de melhor em termos de recursos, competências e especialidades, e atuação coordenada em função do objetivo: evitar a “morte”. No caso, a “morte-cidadã”, provocada pelo analfabetismo e por todas as doenças e moléstias sociais, políticas e econômicas que ela produz e alimenta. Projeto Ser Criança [Educação pelo brinquedo ou Brinquedoteca] Estudar brincando, plantar e comer, conversar e aprender, jogar e cantar, criar e ensinar, pintar e limpar, fazer e reciclar, dançar e sonhar, ser e ousar, respeitar e crer, rir e cuidar-se são alguns dos muitos verbos praticados no dia-a-dia desse projeto por centenas de meninos e meninas, em horários complementares à escola formal e em espaços comunitários repletos de alegria, prazer e generosidade. O projeto implementa ações educativas e de formação humana, provocando uma interferência positiva e modificadora na vida das crianças e adolescentes participantes. Todas as pessoas participantes da vida das crianças são consideradas educadoras, independentemente de idade ou função, sejam eles pais, outros alunos, além dos professores. A regra geral na aplicação dessa filosofia é o respeito às diferenças e singularidades individuais: cada ritmo, cada fazer, cada saber. O projeto, mais do que uma iniciativa social, tornou-se uma tecnologia educacional ao ser implantado, através da Lei Municipal de Educação, em municípios como São Francisco e Araçuaí/MG, multiplicando seu alcance. Para saber mais: www.cpcd.org.br
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