REVISTA AAON
A VEZ DA MÚSICA N.º 3 NOV . DEZ 2013
O ESTUDO DA MÚSICA E A FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO INTEGRAL DO INDIVÍDUO ENTREVISTA A
ÁLVARO CASSUTO
ÍNDICE EDITORIAL 03-04
PROGRAMAÇÃO ON - NOV - DEZ 2013 05
O ESTUDO DA MÚSICA E A FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO INTEGRAL DO INDIVÍDUO 06-08
FRANCISCO TÁRREGA 09
ENTREVISTA A ÁLVARO CASSUTO 10-14
A BANDA GÁSTRICA 15
EDITORIAL
A ORQUESTRA DO NORTE É UMA CAUSA! A Orquestra do Norte (ON) nasceu em 1992 como uma evolução da Camerata Musical do Porto e no âmbito do primeiro concurso para a formação de orquestras regionais aberto pelo então Secretário de Estado da Cultura, Dr. Pedro Santana Lopes, concurso esse que foi ganho pela Associação Norte Cultural, fundada nessa altura. Como principal mentor e impulsionador de ambas as formações esteve o maestro José Ferreira Lobo que, com denodo, perseverança e talento, conduziu até aos dias de hoje este trabalho cultural, a todos os títulos notável, que se tem destacado por alguns aspectos singulares e inovadores que vale a pena aprofundar. Sediada sucessivamente em Fafe, Guimarães, Vila Real, Penafiel e, desde 2001, em Amarante, é predominantemente nos concelhos do Norte do País e não só nas suas cidades-sede, que a ON tem vindo a cumprir uma das funções mais importantes da sua missão – a criação de novos públicos para a chamada música erudita. Para tal, tem vindo a executar um reportório cuidadosamente seleccionado susceptível de, por um lado, ser compreensível por um iletrado musical e, por outro, exercer um efeito sedutor em pessoas iniciadas ou que se queiram iniciar neste tipo de música. Coerente com esta orientação, tem realizado concertos nos mais recônditos locais, a maior parte das vezes fora do conforto das salas/teatros de concerto, em igrejas, ao ar livre, em salões de instituições de variada índole, etc., única forma possível de se atingirem certos sectores da nossa população que, por acentuadas assimetrias do desenvolvimento regional do País, sempre viveram à margem das oportunidades culturais, nomeadamente a nível musical, que os grandes centros mais facilmente oferecem. Outro aspecto importante reside no facto de, ao contrário da maioria das instituições congéneres subsidiadas pelo Governo ou outro tipo de instituições, a ON ser uma orquestra de mercado, isto é, garantir parte do seu orçamento anual (cerca de 50%) para além do apoio estatal que recebe, estabelecendo parcerias com um leque muito variado de instituições, de onde sobressaem as Autarquias. Para a conquista de novos públicos, a ON tem gasto também uma parte considerável do seu esforço, mais acentuadamente nos últimos anos, na realização de concertos didático-pedagógicos um pouco por toda a parte, mas com especial incidência nas nossas escolas, em vários níveis de ensino, investindo, assim, nos mais jovens que são terreno fértil para a sensibilização à música erudita, sendo esta um pilar importante na formação de qualquer ser humano. Este aspecto não pode deixar de ser considerado, no âmbito de uma valoração cultural e sociológica abrangente que esta Orquestra vem prestando ao longo dos vinte e um anos da sua existência. Tendo em conta a escassez de representações de ópera no Porto e aproveitando um especial gosto e competência do seu Maestro, a ON tem vindo a desenvolver uma importante actividade a este nível, a qual se estendeu já a outros locais para além do Norte do País (Estremoz, Portimão, Óbidos, Coimbra, Lisboa) quer através de versões cénicas ou de concerto, quer de recitais de coros de ópera. Todo este trabalho tem sido feito com um eficaz controlo de custos, a integração no elenco de artistas em ascenção de carreira, muitos deles portugueses, e a utilização de estruturas produtivas leves mas de alta eficiência, única forma de se conseguir produzir e apresentar, com regularidade, este tipo de espectáculos fora do âmbito do Teatro Nacional de São Carlos, única instituição nacional vocacionada para esta sublime forma de expressão artística. Para além destes aspectos, a ON tem tido também um papel relevante no apoio e criação de oportunidades a músicos jovens, sobretudo portugueses, quer a nível da orquestra quer a nível solístico. Também têm passado pelas suas estantes estreias de encomendas feitas a compositores portugueses e, sempre que oportuno e viável, são apresentadas obras de compositores nacionais.
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EDITORIAL
Apesar de se movimentar num terreno de suporte financeiro precário e instável, a ON tem conseguido recrutar e manter um conjunto de músicos de elevada qualidade artística, com espírito profissional e uma assinalável capacidade de se adaptar, sem perda da qualidade artística, aos mais variados cenários e ritmos de trabalho. Assim se explica que, apesar de todos os condicionalismos atrás expostos, tenha sido possível editar mais de uma dezena de CD’s com um excelente nível técnico e interpretativo. Lamentavelmente, dificuldades de distribuição não têm permitido que eles cheguem até nós. A finalizar, se quiséssemos um pretexto para valorizar o trabalho cultural e sociológico que esta Orquestra vem desenvolvendo, valeria a pena ter visto o que aconteceu em 19 de Maio de 2013 em Vila Nova de Foz Côa, no decurso de uma “Jornada de Música” que em boa hora a Câmara Municipal levou a cabo numa das muitas acções culturais que tem feito de parceria com a ON. Nas Igrejas de três recônditas aldeias do interior do País (Sebadelhe, Cedovim e Almendra) respectivamente, às 15,30h, 16,30h e 18h, actuaram distintas formações de músicos da orquestra, a saber, um quarteto de cordas com harpa, o Grupo de Sopros da ON e uma orquestra de cordas a que se associou um saxofone num concerto de Glazunov para este instrumento. Às 21,30h do mesmo dia, os músicos reagruparam-se para um concerto dedicado a Verdi com aberturas e árias de várias óperas do compositor que ocorreu no Centro Cultural da cidade. Há vários aspectos interessantes e invulgares nesta acção da ON, dos quais se destaca o facto de a população local ter aderido de modo muito significativo. As igrejas ficaram praticamente cheias, sendo que num dos casos cerca de metade da população da aldeia acorreu a assistir ao concerto, população esta que nunca tinha tido a oportunidade de ouvir ao vivo um concerto de música erudita. Além disso, o público teve a oportunidade de se aperceber da acústica mágica destas igrejas e do efeito encantatório que a música tem quando ali executada. Por todos estes motivos, se poderá dizer que a Orquestra do Norte é uma causa. Uma causa a favor da divulgação da música dentro e fora dos grandes centros, para todas as idades e todos os públicos. Uma causa a favor de um cada vez maior apreço pela música erudita, por si só merecedora de grande admiração mas também instrumento privilegiado na formação do gosto musical e no despertar de vocações. Uma causa a favor da boa gestão de recursos públicos, porque tenta denodadamente rentabilizar ao máximo o investimento que nela é feito.
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Nesse sentido, a Associação de Amigos da Orquestra do Norte tudo fará, dentro das suas possibilidades, para que este projecto singular seja cada vez mais forte e global. É por isso que continuaremos a lutar por ele com toda a convicção. E para essa luta estamos todos convocados, nós e muitos outros novos amigos.
José Ferraz de Oliveira
PROGRAMAÇÃO NOVEMBRO 2013
Programação sujeita a alterações Info: www.orquestadonorte.com E-mail: associacaodeamigos@orquestradonorte.com
DEZEMBRO 2013
06 • 21H30
28 • 21H30
02 • 11H00 / 14H00 / 15H00
VALPAÇOS – IGREJA MATRIZ
PORTO – AUDITÓRIO DA FACULDADE DE ENGENHARIA
AMARANTE – ESCOLA EB/JI DE AMARANTE
Jean Sibelius – Valsa Triste, Op.44 Bedrich Smetana – O Moldávia Vasily Kalinnikov – Sinfonia N.º1 em Sol menor ...
Álvaro Cassuto – Regresso ao Futuro Mikhail Glinka – Ruslan e Ludmila, Abertura Sergei Rachmaninoff - Concerto para piano e orquestra N.º4 em Sol Maior, Op.58 … Daniel Burlet, piano Álvaro Cassuto, direcção
Concertos Didáctico-Pedagógicos O Mundo dos Sopros
José Ferreira Lobo, direcção
16 • 21H30 PORTO – COLISEU
Giacomo Puccini – La Bohème ... Mimi: Francesca Bruni (soprano) Musetta: Ana Maria Pinto (soprano) Rodolfo: Mário João Alves (tenor) Marcello: Luis Rodrigues (barítono) Schaunard: Pedro Telles (barítono) Colline: Bruno Pereira (baixo-barítono) Benoit: João Oliveira (baixo) Alcindoro: Pablo Atahualpa (baixo-barítono) Coro da Academia de Música de Vilar de Paraíso Coro da Orquestra do Norte Giulio Ciabatti, encenação José Ferreira Lobo, direcção musical
Charles Gounod – Pequena Sinfonia, Opus 216 Georg Philipp Telemann – Suite La Bourse, L’Espérance de Mississippi Giuseppe Verdi – O Trovador, “Questa o quella” Claude Debussy – “The girl with the flaxen hair” ... José Manuel Pinheiro, apresentação e direcção
03 • 10H00 | 11H00 | 14H00 | 15H00 AMARANTE – EXTERNATO DE VILA MEÃ
Concertos Didáctico-Pedagógicos O Mundo dos Sopros Charles Gounod – Pequena Sinfonia, Opus 216 Georg Philipp Telemann – Suite La Bourse, L’Espérance de Mississippi Giuseppe Verdi – O Trovador, “Questa o quella” Claude Debussy – “The girl with the flaxen hair” ... José Manuel Pinheiro, apresentação e direcção
21 • 14H30 PORTO – MUSEU DOS TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES
07 • 21H30
Concerto Didáctico-Pedagógico A Música também Dança! ...
LAMEGO – TEATRO RIBEIRO CONCEIÇÃO
José Manuel Pinheiro, apresentação e direcção 21H30 Richard Wagner Os Mestres Cantores de Nuremberga, Prelúdio Os Mestres Cantores de Nuremberga, “Morgenlich leuchtend im rosigen Schein” Lohengrin, Prelúdio do 1.º Acto Lohengrin, “In Fernem Land” João Camacho Canções do Douro … Carlos Guilherme, tenor José Ferreira Lobo, direcção
23 • 22H00 AMARANTE – ESCOLA SECUNDÁRIA
Antonín Dvorák Concerto para violino e orquestra em Lá menor B.108, Op.53 Sinfonia N.º8 em Sol Maior, Op.88 ... Emanuel Salvador, violino Adam Klocek, direcção
24 • 11H00 PORTO – CENTRO DE CULTURA E CONGRESSOS DA ORDEM DOS MÉDICOS, PORTO
Concerto Didáctico-Pedagógico Ao Encontro de Felix Mendelssohn Felix Mendelssohn Concerto para piano e orquestra N.º1 em Sol menor, Op. 25 ... Sara Vaz, piano José Manuel Pinheiro, apresentação e direcção
Georg Friedrich Haendel – Israel no Egipto (HWV 54) … Coro Sinfónico Inês de Castro Artur Pinho Maria, direcção
08 • 17H00 COIMBRA – SÉ VELHA
Georg Friedrich Haendel – Israel no Egipto (HWV 54) … Coro Sinfónico Inês de Castro Artur Pinho Maria, direcção
11 • 21H30 PORTO – MUSEU DOS TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES
Antonín Dvorák Dança Eslava N.º 3, Op.46 “Canções que Minha Mãe me Ensinou” Dança Eslava N.º2, Op.72 “Canção à Lua” Vasili Kalinnikov – Sinfonia N.º1 em Sol menor ... Ana Maria Pinto, soprano José Ferreira Lobo, direcção
13 • 21H30 PORTO – SÉ CATEDRAL
Concerto de Natal … Cristiana Oliveira, soprano Ensemble Vocal Pro Musica José Manuel Pinheiro, direcção
14 • 22H30 AMARANTE – IGREJA DE SÃO GONÇALO
Coros de Natal ... Ensemble Vocal Pro Musica José Manuel Pinheiro, direcção
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O ESTUDO DA MÚSICA E A FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO INTEGRAL DO INDIVÍDUO
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O índice de desenvolvimento social e económico de um país reflecte-se na quantidade e qualidade dos seus cientistas, escritores, historiadores, artistas plásticos e músicos. Nos países onde este nível é mais elevado, o ensino generalizou se mais cedo – casos do centro e Norte da Europa, em oposição ao Sul, onde tardou a atingir a maioria da população. Além disso, esses países integram nos seus curricula uma vasta gama de áreas do conhecimento, incluindo um verdadeiro ensino da Música, pelo que o analfabetismo musical e cultural da generalidade da população não é a norma, como sucede nos países do Sul e do terceiro mundo, onde o acesso a este tipo de bens é considerado um luxo, e, como tal, reservado a uma elite social. Nos países mais desenvolvidos, matérias como o Latim, a Literatura, a Música ou a Filosofia são consideradas indispensáveis para uma formação integral, pelo que as suas expectativas são muito superiores às dos países que se restringem às necessidades mais imediatas do mercado de trabalho. Nos últimos anos, têm sido produzidos variados estudos sobre os benefícios da integração da educação musical no curriculum académico. Os progressos da ciência cognitiva permitiram confirmar alguns dados na área do ensino, e também refutar muitos outros, como a oposição entre memorização e raciocínio, que esteve na base do colapso do nosso sistema educativo em anos recentes, e de que só agora se começa a refazer. Partindo do facto de os estudantes de Música apresentarem, em geral, melhores resultados académicos do que os restantes, tem se colocado, muitas vezes, esta questão: o seu estudo potencia ou não a aprendizagem de matérias como as Línguas, a Matemática ou a Física? Esta forma de colocar o problema pode ter algumas implicações eventualmente perigosas, além de partir de um pressuposto falacioso: se o estudo da Música só se justificar se aumentar outras capacidades, não é um objectivo importante em si mesmo. No caso de não se conseguir provar qualquer efeito positivo na aprendizagem destas matérias, não deverá integrar o curriculum académico? Um estudo recente (Rautenberg, I., 2013) envolvendo alunos alemães do primeiro ano demonstrou claramente que o grupo que estudou Música (capacidades rítmicas, tonais e melódicas, distinção entre diferentes timbres e intensidades) superou em muito as capacidades de leitura, tanto do grupo que estudou artes visuais como do que não incluiu
qualquer tipo de ensino artístico. Curiosamente, o grupo que incluiu artes visuais atingiu resultados substancialmente inferiores ao próprio grupo que se dedicou apenas às matérias académicas. Para termos uma ideia do que poderá estar na origem deste facto, é indispensável que observemos a estrutura do cérebro humano e o modo como ele funciona, para analisarmos de seguida o modo como uma obra musical é processada. As funções biológicas mais elementares, que compartilhamos com os animais, são monitorizadas por regiões mais antigas, sob um ponto de vista evolutivo. As zonas onde se processam actividades específicas como a linguagem verbal ou a capacidade de abstracção, indispensáveis para o desenvolvimento do raciocínio, são muito mais recentes. A diferenciação de funções por zonas específicas é o resultado de um longo processo evolutivo. Cada hemisfério cerebral está dividido em secções, chamadas lobos, onde se desenvolveram essas funções especializadas. Nos dois lobos frontais, situados imediatamente atrás da testa, situa-se uma grande parte da actividade de raciocínio e planeamento. Na zona mais recuada de cada lobo frontal situa se a área motora, que controla os movimentos voluntários. Ainda no lobo frontal, na região ventral posterior, encontramos a área de Broca1, onde se situa o processamento verbal. Logo atrás dos lobos frontais, encontramos os lobos parietais, onde se situam as árias sensoriais primárias, onde são processadas as informações relativas a temperatura, paladar, aroma, tacto ou movimento do corpo. Mais atrás, nos lobos occipitais, situa-se o processamento das imagens visuais e o respectivo relacionamento com as imagens guardadas na memória. Nos lobos temporais, situados à frente das áreas visuais, sob os lobos frontais e parietais, é processada a informação auditiva, num processo semelhante ao das imagens visuais, relacionando as memórias sonoras com as novas informações captadas pelos ouvidos, sendo, por isso, crucial para a audição e compreensão da Música. É aqui que se situa a área de Wernicke2, outra zona intimamente relacionada com a linguagem, especialmente no que concerne à compreensão e estruturação da linguagem verbal. O processamento da linguagem – a associação de conceitos a fonemas e a sua organização – e de parâmetros musicais, como o ritmo, a melodia, a análise das diferentes alturas de som, estão localizados em regiões cerebrais específicas e diferenciadas. No entanto, há
1 - Assim designada, em reconhecimento pelos estudos clínicos levados a cabo pelo médico e cientista francês Paul Pierre Broca (1824 – 1880), através de exames cerebrais post-mortem em doentes com afasia. 2- Região do cérebro a que se atribuiu o nome do médico neurologista Carl Wernicke (1848 – 1905), que, pouco depois de Broca ter publicado os seus trabalhos, investigou as deficiências de compreensão da linguagem em pacientes que não apresentavam lesões na zona que passou a ser conhecida por área de Broca, tendo alargado os conhecimentos sobre a matéria.
evidência experimental de que o envolvimento de ambos os hemisférios cerebrais é indispensável para o processamento integral da informação sobre parâmetros sonoros distintos (Eustache et al., 1990, apud Platel et al., 1997; Araújo, 2013). O hemisfério esquerdo parece ter-se especializado tanto no ritmo como no acesso a representações semânticas musicais (como, por exemplo, a identificação e reconhecimento de melodias), enquanto o hemisfério direito está particularmente empenhado na percepção melódica e no timbre. No entanto, algumas capacidades específicas, como o processamento dos intervalos na percepção melódica, parecem ter um domínio hemisférico revertido. (Peretz et Morais, 1980; Peretz et al., 1994, apud Platel et al., 1997 ; Araújo, 2013). Relativamente ao processamento dos parâmetros temporais, temos a considerar duas coordenadas distintas: por um lado, a percepção da regularidade, associada a processos fisiológicos como a respiração ou os batimentos cardíacos, designada na terminologia musical por pulsação, e a medida da duração relativa de cada som, associada ao ritmo. Sabemos, através de estudos com pacientes que apresentavam lesões cerebrais localizadas, que o processamento do ritmo e o da regularidade do tempo não estão neurologicamente relacionados entre si (Levitin, 2006). Investigação recente demonstrou o envolvimento do cerebelo e dos gânglios basais no processamento destes parâmetros, relacionando o cerebelo com a percepção absoluta da duração dos intervalos de tempo, e os gânglios basais com a mediação da percepção dos intervalos de tempo em relação a um batimento regular. O processamento da duração absoluta, regular, do tempo, é mediado por um subsistema neural centrado no cerebelo, e o da duração relativa, incluindo o afastamento da pulsação regular, por um sistema mais complexo, que envolve uma rede que compreende o putamen, o nucleus caudatus, o tálamo, a área motora suplementar, o córtex pré-motor e o córtex pré-frontal dorso lateral (Teki et al., 2011). Dados obtidos através de análise funcional e de conectividade efectiva, um tratamento matemático dos dados obtidos através da análise de imagens de ressonância magnética funcional desenvolvido por Vinod Menon (Menon et Levitin, 2005), permitiram observar que a audição de música provoca a activação de uma sequência de regiões cerebrais numa ordem determinada: em primeiro lugar, o córtex auditi-
vo processa as componentes acústicas do som; de seguida, são activadas regiões do córtex frontal como BA44 e BA473, envolvidas no processamento da estrutura musical e nas expectativas em termos de sequência sonora (harmónica ou melódica), processo que está na base da compreensão da gramática musical. Por fim, uma rede de regiões envolvidas na excitação e no prazer, o sistema mesolímbico, provoca a libertação de opióides e dopamina, culminando na activação do nucleus accumbens. O cerebelo e os gânglios basais mantêm-se activos durante todo o processo, já que sustentam o processamento do ritmo e da medida do tempo. As relações sintácticas (a identificação da função de um determinado segmento melódico, a sua integração no contexto da estrutura harmónica e formal da obra) durante a audição de uma obra musical são mediadas por uma região particular do córtex frontal esquerdo, o pars orbitalis, uma subsecção da região BA47, envolvida igualmente no processamento da linguagem, mas que inclui outras zonas específicas. Além desta activação no hemisfério esquerdo, foi detectada activação idêntica numa zona análoga do hemisfério direito, o que pressupõe que o processamento da estrutura musical envolve ambos os hemisférios cerebrais, enquanto o processamento da estrutura da linguagem apenas envolve o hemisfério esquerdo. Uma conclusão particularmente interessante foi a de que esses circuitos processam a organização de uma estrutura que se desenvolva através de uma linha temporal, seja de natureza sonora ou visual (Levitin, 2006). Relativamente aos aspectos emocionais da audição da Música, estudos com recurso a tomografia por emissão de positrões demonstraram que a emoção musical intensa era acompanhada por aumento do ritmo cardíaco, respiratório e do fluxo sanguíneo em zonas do cérebro como o striatum ventral, o mesencéfalo, a amígdala, o córtex orbito frontal e o córtex pré frontal medial ventral (Blood et Zatorre, 2001). O facto de o striatum ventral – que inclui o nucleus accumbens – ter um papel crucial neste processo é particularmente relevante, pois este é o centro de recompensa do cérebro, estando envolvido na transmissão de opióides a nível cortical, devido à sua capacidade para libertar o neurotransmissor dopamina4 (Goldstein, 1980). Estes efeitos não seriam possíveis se a audição de uma obra musical provocasse apenas prazer. Durante o processamento de emoções desagradáveis, associadas a graus
3 - BA designa as áreas definidas pelo neurologista e psiquiatra alemão Korbinian Brodmann em 1909, com base na organização dos neurónios cerebrais. 4 - Este processo é o mesmo que provoca o prazer e a dependência. Foi demonstrado que a administração de naloxona, que interfere com a dopamina no nucleus accumbens, pode bloquear o prazer de ouvir música (Goldstein, 1980).
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variáveis de dissonância musical, foi observado aumento de fluxo sanguíneo cerebral em regiões paralímbicas implicadas na observação de imagens com valência negativa, como o gyrus para hipocampal. Estas regiões diferem das que se sabe estarem envolvidas nos aspectos perceptuais e cognitivos da música, os córtices superior temporal e pré frontal direitos (Blood et Zatorre, 2001). O processamento da totalidade de parâmetros que constituem uma obra musical é de tal modo complexo que o estudo da Música envolve um conjunto extremamente alargado de zonas cerebrais. Quando ouvimos uma peça musical, temos dois níveis distintos de informação: aquela que se vai desenvolvendo através do tempo, de forma sequencial, que podemos designar como horizontal, (compreendendo dados melódicos e rítmicos), e os diversos tipos de informação sonora simultâneos, ou vertical (compreendendo dados melódicos e harmónicos). Acrescem a estes outros dados como o timbre (que permite identificar os instrumentos utilizados) ou a intensidade. Além de todos os dados relativos à organização dos sons num sistema estruturado, a Música tem a capacidade de
provocar estados emocionais de intensidade igual ou superior a acontecimentos reais. Embora muitas vezes se lhe associe a qualidade de “linguagem universal”, esta não é, de facto, nem uma linguagem, no sentido de sistema de comunicação de informação conceptual, nem universal. No entanto, compartilha com a linguagem alguns aspectos do tratamento da informação, e tem a capacidade de provocar estados emocionais de modo semelhante ao da comunicação verbal (Araújo, 2013). O estudo da Música só será verdadeiramente catalisador de todas estas capacidades se não se limitar à noção de “estudar brincando”, que se deve deixar, eventualmente, apenas para as crianças em idade pré escolar. Se este continuar a ser, essencialmente, produzir ruído desordenado, sem promover a análise do universo sonoro, não haverá efeitos positivos de qualquer tipo, para além de continuarmos a ser uma nação onde a maioria da população não consegue sequer cantar os Parabéns. Continuará a ser uma miragem longínqua o que se pode observar na Alemanha ou na Grã-Bretanha: o público que enche as catedrais para ouvir uma Paixão de Bach juntar se ao coro para cantar correctamente as quatro vozes dos corais.
JOSÉ MANUEL ARAÚJO PROFESSOR DOUTOR EM MÚSICA
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Referências bibliográficas: ARAÚJO, J. M. (2013). O Cantor, a Voz e a Emoção. Lisboa, Edições Vieira da Silva (no prelo). BLOOD, A. & ZATORRE, J. (2001). Intensely pleasurable responses to music correlate with activity in brain regions implicated in reward and emotion. Washington University School of Medicine, St. Louis, MO GOLDSTEIN, A. (1980). ‘Thrills in response to music and other stimuli’, Physiological Psychology. MENON, V., & LEVITIN, D. J. (2005). ‘The rewards of music listening: response and physiological connectivity of the mesolimbic system’. Neuroimage, vol. 28, no. 1, pp. 175-184. PLATEL, H., PRICE, C., BARON, J.-C., WISE, R., LAMBERT, J., FRACKOWIAK, R., LECHEVALIER, B., EUSTACHE, F. (1997). ‘The structural components of music perception: a functional anatomical study’. Brain, vol. 120, pp. 229–243. RAUTENBERG, I. (2013). ‘The effects of musical training on the decoding skills of German-speaking primary school children’. Journal of Research in Reading. TEKI, S., GRUBE, M., KUMAR, S. & GRIFFITHS, T. D., 2011. ‘Distinct neural substrates of duration-based and beat-based auditory timing’. The Journal of Neuroscience, vol. 31(10), pp. 3805–3812. Nota: o autor não autoriza a aplicação das normas do chamado “acordo ortográfico” de 1990 a qualquer texto de sua autoria.
PÉROLA MÚSICAL
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FRANCISCO TÁRREGA Emili Pujol, um dos mais distintos discípulos de Francisco Tárrega, descreve mais ou menos assim um dia na vida do Mestre: todas as manhãs, depois de se vestir, acende um cigarro, após o qual se senta num canto da sua sala de jantar, afina a guitarra e começa a sua prática diária com alguns exercícios e improvisações. O pequeno-almoço interrompe este treino, mas em breve este é retomado com uma hora de escalas cromáticas, escalas diatónicas em terças e sextas, seguidas de uma hora de arpejos, depois uma hora de séries de notas em sucessão rápida e trilos, a que se seguem uma ou duas horas de passagens difíceis. Após o almoço, dedicase à escrita de música. Ao fim da tarde, vêm ouvi-lo tocar os seus amigos e admiradores. À noite, quando todas as pessoas da casa estão a dormir, ele toca para si próprio. in Castel, Joseph (ed.) 1977. Mel Bay’s Chosen Music for Classic Guitar. Best of Tarrega. Missouri, USA: 9.
ENTREVISTA A
ÁLVARO CASSUTO Álvaro Cassuto nasceu no Porto em 1938. Licenciado em Direito, fez da música a sua vida. Uma escolha acertada, dir-se-á, na medida em que acabou por tornar-se o chefe de orquestra português de maior projecção internacional. 10
Discípulo de grandes nomes da história da música, recebeu do Conservatório de Viena uma formação sólida na direcção de orquestra, actividade que encara como um desafio e desempenha com paixão. Talvez por isso tenha ocupado lugares de relevo em praticamente todas as orquestras nacionais e em muitas e destacadas orquestras internacionais. Compositor de destaque da vanguarda portuguesa dos anos 60 e vencedor do Prémio Koussevitzky, possui uma notável lista de composições, a maior parte delas aplaudidas pelos mais exigentes nomes da música erudita. Uma realidade surpreendente para quem faz da composição um passatempo. Paladino na divulgação da música portuguesa pelo mundo, gravou várias dezenas de obras de compositores nacionais tendo, só para a Naxos, a etiqueta com maior difusão mundial, gravado cerca de 20 CDs de obras portuguesas. Projectos pensados com o objectivo de reclamar justiça para a música portuguesa, que considera ter estado ignorada durante demasiado tempo. Álvaro Cassuto dirige a Orquestra do Norte no próximo dia 28 de Novembro, no Porto. Poucos dias antes, a 17, o maestro completa 75 anos de vida. Este é, pois, o momento perfeito para ficarmos a saber um pouco mais sobre o maestro que levou pela primeira vez, em 1982, a pronúncia portuguesa ao Carnegie Hall de Nova Iorque.
Quando é que teve a perfeita noção de que dida que ia compondo, imaginei-me a dirigi-las. nunca trocaria a Música pelo Direito? Como a composição era fácil (podia compor à minha vontade onde e quando quisesse...) dirigir Embora tivesse estudado Direito para ter uma orquestras passou a ser um desafio. E como não alternativa profissional, sempre tive a convic- resisto a desafios, decidi ser chefe de orquestra. ção de que jamais iria necessitar de tal troca. A Assim sendo, a minha preferência é a direcção não ser em 1967, quando era Maestro Adjunto de orquestras, e quanto à composição, posso da Orquestra (de Câmara) Gulbenkian. Apesar sempre compor enquanto corro no ginásio ou na do cargo que ocupava, praticamente não dirigia estrada, ou enquanto não adormeço, e, de vez concertos. Candidatei-me então à carreira diplo- em quando, pôr as minhas ideias no papel... É o mática e fui aceite. A Drª Madalena Perdigão, Di- que tenho feito. rectora do Serviço de Música, sabendo disso através do Embaixador Luis Archer, Secretário-geral do MNE, mandou-me chamar e perguntou-me se De toda a sua produção musical, qual a sua tinha decidido trocar a carreira de maestro pela obra preferida? de diplomata. Respondi que não tendo oportunidades para dirigir e tendo os pés bem assentes Nunca pensei nisso, mas agora que a questão na terra, a carreira diplomática era uma alter- me é colocada, concluo que passei por diversas nativa. A Drª Madalena prometeu então que fases. Neste momento, a minha obra preferida me daria mais concertos para dirigir, pelo que é precisamente aquela que encabeça o CD da desisti do MNE. No entanto, como tudo ficou Naxos com quatro obras minhas que gravei em na mesma, candidatei-me ao Concurso Dimitri Junho de 2013 com a Royal Scottish National Mitropoulos em Nova Iorque e, tendo chegado Orchestra e que será lançado em Novembro desàs provas finais de entre dezenas de candidatos, te ano: “Regresso ao Futuro”. fui convidado para o cargo de Maestro Assistente da Little Orchestra de Nova Iorque, com Porquê? Talvez por ser, ao nível da composição, a um concerto de estreia no Philharmonic Hall. minha obra mais simples e mais directa nos seus O famosíssimo maestro Leopold Stokowski, que elementos constitutivos e, ao nível expressivo, a assistiu ao concerto, convidou-me para seu as- minha obra mais próxima do Classicismo e do sistente junto da American Symphony Orches- Romantismo. tra em Nova Iorque, e tendo-me sido oferecida uma bolsa para estagiar em Tanglewood, sede de verão da Orquestra Sinfónica de Boston, foi- Que obra, da história da música, gostaria de -me aí atribuído pelo maestro Erich Leinsdorf, ter escrito? director daquela orquestra, o Premio Koussevitzky, o mais importante galardão para um jovem São tantas que a sua enumeração não caberia maestro, que me abriu de par em par as portas nesta entrevista. Gostaria de ter escrito todas as dos Estados Unidos! obras que me entusiasmam, desde os Seis Concertos Brandenburgueses até à Sagração da PriComo teria sido a minha carreira se não me ti- mavera, passando por uma dúzia de sinfonias vesse desligado da Orquestra Gulbenkian? Mas de Haydn e de Mozart, outras tantas de Beethoquem sabe? Talvez tivesse dado um bom diplo- ven e de Brahms, sem esquecer as de Bruckner mata… e de Mahler. O que prefere fazer: compor ou dirigir?
Foi aluno de figuras distintas da história da música. Qual delas destacaria? E porquê?
Durante a adolescência, quis ser compositor, mas só de obras para orquestra, e assim, à me- Em Portugal, destaco Fernando Lopes Graça e
A dirigir a Orquestra Filarmónica de Leningrado (São Petersburgo) em 1986.
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Álvaro Cassuto, ensaiando no Philharmonic Hall de Nova Iorque, para o seu concerto inaugural nos EUA em Dezembro de 1968.
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Pedro de Freitas Branco, o primeiro em composição, o segundo em direcção de orquestra. Fora de Portugal, destaco em composição figuras como Messiaen ou Stockhausen com os quais estudei repetidamente em Darmstadt, e em direcção de orquestra Herbert von Karajan, este último a uma distância astronómica de todos os outros.
Subdirector da Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional, e em 1975 seu Maestro Director. Desempenhava, assim, simultaneamente, cargos de direcção musical em dois continentes diferentes: o Europeu e o Americano.
meu cargo com aquela criatividade, qualidade e dinamismo inerentes ao meu cargo e a que me habituara nos Estados Unidos, e de não me dar por vencido quando tal não me era permitido.
A maior diferença é que nos Estados Unidos, todas as decisões artísticas (insisto: Todas!) são da responsabilidade do “Music Director”, de estreita colaboração com o “Manager” que é o Director Executivo (insisto: Executivo...). Há uma Direcção (um “Board of Directors”), constituída por personalidades de relevo na comunidade, que os selecciona, nomeia e aos quais estes reportam, e que tem a responsabilidade de assegurar o financiamento da instituição. Mas a Direcção não se imiscua minimamente (insisto: Minimamente...) nas responsabilidades do “Music Director” ou do “Manager”. Antes pelo contrário: Querem que eles exerçam as suas funções com criatividade, qualidade e dinamismo.
Como foram recebidas as suas composições vanguardistas nos anos 60?
Porquê os destaco? Acima de tudo pela influência do seu carácter, da sua personalidade, do seu exemplo, muito mais do que pelos ensinamentos técnicos. Porque, para aprender harmonia e contraponto, composição e orquestração, são precisos ensinamentos e exercícios técnicos, é certo, mas o mais importante é saber analisar partituras. Quanto à técnica de direcção de orquestra, as bases aprendem-se em poucos dias. E depois? Depois seguem-se dezenas de anos de aprendizagem prática. Sem recurso a professor? De maneira nenhuma! Os professores passam a ser os membros das orquestras que se dirige. E eles têm consciência disso... Essa liberdade atribuída aos directores musical e executivo, e esse sentido de responsabilidade daqueles que os escolhem e nomeiam, raramenQuando regressou a Portugal, que principais te existe na Europa, e se existe em Portugal, diferenças encontrou no contexto musical ainda não a encontrei. Mas não quero alongarportuguês, relativamente à Europa e aos Es- -me sobre um tema que sempre originou divertados Unidos? gências entre mim e os responsáveis últimos das orquestras portuguesas de que fui Director As diferenças podem resumir-se a uma só, mas Artístico e/ou Maestro Titular. Com excepção não foi preciso regressar a Portugal para encon- da Nova Filarmonia Portuguesa, porque aí o trar, porque em 1970, dois anos depois de me responsável último era eu. Divergências que reter fixado em Nova Iorque, fui nomeado Maestro sultaram, meramente, de que querer exercer o
Muitíssimo bem! Para dar um exemplo: a minha primeira “Sinfonia Breve” foi estreada em Agosto de 1959 pela Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional dirigida por Joly Braga Santos e foi sucessivamente dirigida pelo Maestro Pedro de Freitas Branco em Abril de 1960 no São Carlos e no Porto. Voltou a ser dirigida por mim no Porto em 1961 e em Lisboa em 1963, ano em que o Joly voltou a dirigi-la no Porto. Paralelamente, o Maestro Silva Dionísio transcreveu-a para Banda e dirigiu-a com a da GNR em Lisboa e no Coliseu do Porto em 1968, em Buenos Aires em 1970, e em Lisboa tanto em 1972 como em 1973. Outras obras minhas tiveram sucesso semelhante. Por exemplo, em 1971, o exigentíssimo crítico musical francês Antoine Goléa escreveu, a propósito da minha obra “Cro(mo-no)fonia” que dirigi em Paris “c’est une page de couleurs certes, mais aussi de passion expressive et de violence, composée avec un art certain par un jeune musicien qui ne craint pas de rester attaché à ce qu’il y a de mieux et de moins périssabe dans la musique de notre temps”.
Álvaro Cassuto em Paris, 2011
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Outras obras minhas foram editadas pela Tonos rável interpretação da minha “Sinfonietta” que Philharmonic, National Orchestra of New York, de International de Darmstadt (“Evocações”) e pela conduziu a obra àquele triunfo”. Em 1963 eu ti- Raanana em Israel e de Bari em Itália) durante G. Schirmer de Nova Iorque (“To Love and Peace”). nha 25 anos! perto de 5 décadas, dispenso de bom grado ter de lidar com os problemas diários resultantes da Naturalmente – e isto é a razão principal por que gestão artística de uma orquestra, desde a sua É um dos principais divulgadores da música por- citei a carta do Joly – foi a confiança que ele de- programação até às preocupações pessoais e protuguesa, nomeadamente de Joly Braga Santos. positava em mim como intérprete da sua música fissionais de todos os músicos que a compõem! Para além da amizade que o unia ao compositor, que me encorajou a nunca ter dúvidas sobre a A gravação de música portuguesa para uma que outros motivos o levaram a escolher este minha interpretação de uma obra sua. O mesmo etiqueta internacional e a sua concomitante diautor? que não acontece com outros compositores: por vulgação a nível planetário, além de ser um inexemplo, eu não sei se Beethoven aprovaria a discutível e insubstituível imperativo de índole A amizade foi consequência de uma enorme ad- minha interpretação das suas sinfonias. O facto cultural, dá-me a oportunidade de me familiarimiração que eu tinha por ele como compositor, de saber que o Joly confiava em mim como seu zar com a nossa tradição sinfónica e orquestral, e que tive a sorte de ver retribuída com uma ge- intérprete, deu-me a certeza (essencial a uma e fazer-lhe a justiça que durante tanto tempo nerosidade sem limites! boa interpretação) de que a minha convicção lhe foi negada! era idêntica à sua, que a minha interpretação Para mim, Joly Braga Santos foi o nosso melhor das suas obras correspondia em tudo ao que ele É com um profundo espírito de missão que encacompositor de todos os tempos! A sua música se- imaginara ao compô-las. ro este projecto, e nada me demoverá de o levar duz-me pela sua inspiração, pela sua força intea bom porto. rior, e pela mestria técnica do seu autor. Por sua Essa confiança mútua – que creio ser única no vez, o Joly depositava em mim uma confiança nosso meio musical - consolidou inabalavelmen- Quanto a projectos futuros, o meu próximo CD que me encorajou enormemente. Não resisto em te a nossa amizade, e transcendeu-a largamen- para a etiqueta NAXOS será dedicado a obras ortranscrever partes de uma carta que em 1963 te! questrais de Vianna da Motta. ele escreveu à Drª Madalena Perdigão, Directora do Serviço de Música da Fundação Gulbenkian da qual, por mero acaso, tive acesso há poucos Pretende continuar a gravar música portu- Ao longo da sua carreira, há algum momento anos - a propósito da estreia do seu “Requiem” guesa? Se sim, pode adiantar-nos alguma que o tenha marcado de forma particular? que a Fundação Gulbenkian lhe encomendara: coisa sobre o assunto? “Permita-me V. Exª que insista no Álvaro CasSão tantos e tão variados que referir um deles suto. (…) Não creio que a sua interpretação da Sem a menor das dúvidas. Depois de ter sido di- seria profundamente injusto para com os ouobra se possa vir a ressentir da pouco experiên- rector de 5 orquestras portuguesas (RDP, Nova tros. Alguns foram momentos indizivelmente cia que ele possui (…) Posso mesmo dizer que Filarmonia Portuguesa, Orquestra do Algarve, gratificantes, como a minha estreia em Nova a confiança que nele deposito como regente, é OSP, e Metropolitana) e de outras tantas estran- Iorque, o Prémio Koussevitzky, as minhas séries total. E ainda estamos lembrados da sua admi- geiras (Universidade da Califórnia, Rhode Island anuais de concertos no Carnegie Hall – a “Meca”
Álvaro Cassuto é agraciado com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de São Tiago da Espada, Santarém 10 de Junho de 2007.
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da música nos Estados Unidos -, a criação da Nova Filarmonia Portuguesa, da OSP e da Orquestra do Algarve; outros momentos foram indescritivelmente deprimentes, como a extinção das Orquestras da RDP ou o meu afastamento da OSP, uma orquestra que criei e cujo desenvolvimento artístico assegurei com amplo reconhecimento internacional. Mas isso são as vicissitudes de uma longa carreira internacional, e o preço que se paga pelas injustiças sofridas é o lado negativo de uma moeda que, felizmente, tem facetas positivas que largamente as compensam! Sem contar com as inúmeras críticas superlativamente laudatórias que têm a acompanhado a minha carreira internacional desde o princípio.
sem a sua acção cultural o nosso País seria muito mais pobre! Qual a relação que tem com a Orquestra do Norte? Acompanha o trabalho que o maestro José Ferreira Lobo vem desenvolvendo? A minha relação com a Orquestra do Norte é a de um maestro convidado ocasional, que me dá sempre um grande prazer porque admiro a dedicação dos seus músicos, a beleza e o encanto de Amarante e da sua paisagem, a excelência da sua gastronomia, e finalmente a Amizade do meu colega José Ferreira Lobo.
Acompanho o seu trabalho à distância, mas os largos anos que entretanto já decorreram dão-me a certeza de que ele cumpre a difícil e Como avalia a pertinência da acção levada a exigente missão que abraçou, e fá-lo com inulcabo pela Orquestra do Norte? trapassável dedicação e sentido de dever! Bem haja! Tendo criado em 1988 a Nova Filarmonia Portuguesa, uma orquestra itinerante que veio a colmatar o vazio cultural que criou a extinção das orquestras da RDP e do TNSC no fim da década Entrevista elaborada por: de 80, tenho plena consciência da indispensável Mónica de Magalhães função cultural que cabe à Orquestra do Norte, à sua itinerância pelas cidades e vilas mais recônditas do País, e à determinação, energia e paciência necessárias para a realizar. Assim, cabe-me exprimir a minha mais profunda admiração pelo talento e trabalho que o meu grande amigo, o Maestro Ferreira Lobo dedica à Orquestra do Norte, certo que deste modo ele preenche uma enorme lacuna cultural, e que
A BANDA GÁSTRICA
Embora o título possa sugeri-lo não é meu intuito fazer a apreciação pessoal de um conjunto musical recém-formado, nem a descrição minuciosa da variedade de instrumentos biológicos que o estômago tem à sua disposição para tornar audíveis os seus problemas laborais. Trata-se apenas da mera apropriação da designação popularizada para designar um dos tipos de intervenção destinada ao tratamento da obesidade desconforme. Verdade é que o pai das intervenções cirúrgicas sobre o órgão citado foi um prussiano de nome Theodor Billroth que, além de cirurgião virtuosíssimo, era também músico, amigo íntimo e confidente privilegiado de Brahms. Este, apesar da sua genialidade, não se coibia de enviar ao cirurgião os seus manuscritos originais para opinião crítica e de o recrutar como músico participante nas audições prévias dos seus espetáculos musicais. Além disso, para lhe demonstrar a sua grande estima dedicou-lhe os dois primeiros quartetos para cordas do Opus 51.
Trata-se porém de uma solução de recurso que não pode, nem deve, ser generalizada ao tratamento da doença e pressupõe seleção e escolha criteriosa dos candidatos. Tão criteriosa que requer não um simples decisor, mas antes uma vasta equipa, onde se incluem especialistas de cirurgia, anestesia, endocrinologia, psicologia e nutrição, vocacionada e dedicada à prestação de cuidados anteriores e posteriores ao procedimento cirúrgico.
Isto é, quando os escolhidos forem chamados têm de estar conscientes de que não há magia na solução e de que não estão isentos de vicissitudes imediatas e tardias. Mais, que nem sempre os resultados esperados são obtidos. Claro que se não houver complicações operatórias e os objectivos forem atingidos os resultados podem ser excelentes, quer nas complicações metabólicas da obesidade, quer na melhoria da situação emocional do doente. No entanto, o processo não termina com o acto operatório, implica ainda um comportamento alimentar restritivo com as consequências físicas e emocionais resultantes da mudança radical, obrigatória e restritiva, dos hábitos Apesar do parentesco longínquo com individualidade de tais alimentares anteriores. créditos, para o comum dos mortais a quem pouco interessam genealogias, a técnica hoje em voga não passará de simples Desenganem-se portanto todos aqueles que pensam, vendo, estrangulamento do órgão malfeitor com algo concebido como lendo e ouvindo notícias superficiais sobre o procedimento um cinto de temperança e da redução da sua capacidade vo- que ele configura a varinha manipulada pela fada madrinha lumétrica esperando daí a resolução efetiva dos problemas dos sonhos cosméticos. Quando muito poderá ser, quando se cosméticos, sobretudo da volumetria exagerada, e das múlti- tiverem esgotado todas as outras possibilidades de cura e o plas perturbações incomodativas associadas provenientes do peso excessivo anuncie a derrocada, um meio longo e sofrido excessivo acúmulo de reservas. destinado a melhorar a qualidade de vida e a permitir que ela se prolongue. A comunicação social, atenta ao fenómeno e encantada com o impacto visual oferecido por médicos mascarados, lençóis Portanto, tal como Brahms não se dispense de consultar o seu verdes e doentes imensos sob holofotes potentes sofrendo Billroth para saber se a música da banda é composição para o inconscientes a manipulação visceral, não se cansa de publi- seu gosto. citar a intervenção acicatando na gente, sobretudo naqueles que não se sentem bem no corpo que criaram, o desejo incontido de adquirir uma forma nova.
LIMA REIS, JP Médico Endocrinologista
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