EU NÃO ESTUDEI PARA ISSO! PROJETOS PARA TEMAS EMERGENTES DO ESTÁGIO EM EDUCAÇÃO FÍSICA
AUTOR
FERNANDO PAULO ROSA DE FREITAS
EU NÃO ESTUDEI PARA ISSO!
Conselho Regional de Educação Física da 4a Região – CREF4/SP
Conselheiros Ailton Mendes da Silva Antonio Lourival Lourenço Bruno Alessandro Alves Galati Claudio Roberto de Castilho Erica Beatriz Lemes Pimentel Verderi Humberto Aparecido Panzetti João Francisco Rodrigues de Godoy Jose Medalha Luiz Carlos Carnevali Junior Luiz Carlos Delphino de Azevedo Junior Marcelo Vasques Casati Marcio Rogerio da Silva Marco Antonio Olivatto Margareth Anderáos Maria Conceição Aparecida Conti Mário Augusto Charro Miguel de Arruda Nelson Leme da Silva Junior Paulo Rogerio de Oliveira Sabioni Pedro Roberto Pereira de Souza Rialdo Tavares Rodrigo Nuno Peiró Correia Saturno Aprigio de Souza Tadeu Corrêa Valquíria Aparecida de Lima Vlademir Fernandes Wagner Oliveira do Espirito Santo Waldecir Paula Lima
Fernando Paulo Rosa de Freitas
EU NÃO ESTUDEI PARA ISSO! Projetos para temas emergentes do estágio em Educação Física
2019
Comissão Especial da Coleção Literária 20 anos da Instalação do CREF4/SP Responsáveis, junto a diretoria do CREF4/SP, pela avaliação, aprovação e revisão técnica dos livros Prof. Dr. Alexandre Janotta Drigo (Presidente) Profa. Ms. Érica Beatriz Lemes Pimentel Verderi Prof. Dr. Miguel de Arruda
Editora
Revisão
Malorgio Studio
Joice Chaves
Coordenação editorial
Imagens de capa
Paolo Malorgio
Pixabay.com
Capa
Projeto gráfico e diagramação
Felipe Malorgio
Rodrigo Frazão
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Agência Brasileira do ISBN - Bibliotecária Priscila Pena Machado CRB-7/6971
Copyright © 2019 CREF4/SP Todos os direitos reservados. Conselho Regional de Educação Física da 4a Região - São Paulo Rua Líbero Badaró, 377 - 3o Andar - Edifício Mercantil Finasa Centro - São Paulo/SP - CEP 01009-000 Telefone: (11) 3292-1700 crefsp@crefsp.gov.br www.crefsp.gov.br
Para Carla
Agradecimentos Nossos sinceros agradecimentos aos estagiários que participaram dos três projetos desse trabalho, se esforçando para além do que lhes era solicitado, em um período tão conturbado de suas vidas. Lutaram pela própria formação e pela educação dos nossos alunos.
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Sumário Apresentação ............................................................................................................11 Introdução .................................................................................................................13 Metodologia ..............................................................................................................19 Estágio Curricular Supervisionado: implicações para formação inicial em Educação Física ...........................................................................................29 Apresentação da Escola ........................................................................................34 Primeiro projeto - Tema: Violência na escola .......................................................37 Segundo projeto - Tema: Infraestrutura e materiais ...........................................75 Terceiro projeto - Tema: Jogos escolares .............................................................109 Conclusões do trabalho .........................................................................................145 Referências ..............................................................................................................155 Anexos .....................................................................................................................163
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Apresentação
Esta é a segunda coleção literária que o Conselho Regional de Educação Física da 4ª Região - CREF4/SP lança, dessa vez para comemorar os 20 anos da sua instalação. O fato histórico de referência é a Resolução 011 de 28 de outubro de 1999, publicada pelo CONFEF, que fixou em seis, o número dos primeiros CREFs e, entre eles, o CREF4/SP, com sede na cidade de São Paulo e jurisdição em nosso Estado. Nesse momento, remeto-me à luta que antecedeu essa conquista, e que se iniciou com a “batalha” pela regulamentação de nossa profissão, marcada pela apresentação do Projeto de Lei nº 4.559/84, mas que somente foi efetivada pela Lei 9.696/98, passados 14 anos do movimento inicial no Congresso Nacional. Logo após essa vitória histórica, a próxima contenda foi a de atender aos requisitos estabelecidos pelas normas do CONFEF para a abertura de nosso Conselho, que à época exigia o registro de 2 mil profissionais. Com muito orgulho me lembro da participação de minha cidade natal - Rio Claro - neste contexto, por meio do trabalho iniciado pelo Prof. José Maria de Camargo Barros, do Departamento de Educação Física da UNESP. Vários professores e egressos dos Cursos se mobilizaram para inscreverem-se e buscarem novas inscrições em nossa cidade, tarefa na qual me incluí, tendo número de registro 000200-G/SP. Atualmente o CREF4/SP é o maior Conselho Regional em número de registrados, com uma sede que, além de bem estruturada, está bastante acessível aos Profissionais que se direcionam para a capital, estando próximo às estações de metrô São Bento e Anhangabaú. Também conta com a Seccional de Campinas bem aparelhada e atuante em prol da defesa da sociedade e atendimento aos Profissionais de Educação Física. Tudo isso demonstra que esses 20 anos foram de muito trabalho e empenho para a consolidação de nossa profissão, e assim destaco a força de todos os Conselheiros do passado e do presente e dos valorosos empregados que ajudaram a construir esta realidade.
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Eu não estudei para isso!
Por isso insistimos em comemorar, agora os 20 anos do CREF4-SP, oferecendo aos Profissionais de Educação Física, aos estudantes, às instituições de formação superior, bibliotecas e à sociedade uma nova Coleção Literária composta de 20 obras, uma para cada ano do aniversário. Buscamos permanecer “orientando o exercício profissional, agindo com excelência, justiça e ética”, uma das missões de nosso Conselho. Enquanto Presidente do Conselho Regional de Educação Física da 4ª Região (CREF4/SP) apresento a Coleção Literária em Comemoração aos 20 Anos da Instalação do CREF/SP, composta por livros que procuraram acolher as necessidades do campo profissional, atendendo o quesito de diversificação de contextos e de autores, priorizando temas inéditos em relação ao que vem sendo produzido por este Conselho. O faço na esperança de que os Profissionais de Educação Física leitores dessas obras demostrem o mesmo empenho e amor pela profissão que seus próprios autores dedicaram, oferecendo seu tempo e cedendo os direitos autorais dessa edição, tanto em relação ao livro físico quanto à versão digital de forma voluntária. Com esse gesto entram em conformidade com os pioneiros do CREF4/SP que assim o fizeram, e de certa forma ainda fazem, afinal não é por acaso que nosso lema atual é: “Somos nós, fortalecendo a profissão!” Parabéns para nós Profissionais de Educação Física do Estado de São Paulo.
Nelson Leme da Silva Junior Presidente do CREF4/SP
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Introdução Fernando Paulo Rosa de Freitas Roberto Tadeu Iaochite
A qualidade da educação no Brasil vive um momento de muitas críticas. A despeito de que a grande maioria das crianças brasileiras esteja frequentando as escolas, é de conhecimento público seus inúmeros problemas. Talvez por esse motivo, um de seus grandes desafios seja atrair novos profissionais, uma vez que o trabalho docente (...) está cada vez mais complexo e tem exigido uma responsabilidade cada vez maior. Observa-se, por isso, (...) que a procura por ela (a carreira docente) vem diminuindo tendencialmente (GATTI, 2009, p. 12). Para aqueles que, ainda assim, optarem pela carreira docente, é necessária uma capacitação não apenas para o ensino dos conteúdos de cada disciplina, mas, também, para lidar com os diversos desafios da profissão, como: más condições de trabalho, questões de gênero e sexualidade, violência, indisciplina, desinteresse, entre outros. Nesse contexto, muitos ainda acreditam que os professores podem e devem se ocupar somente do ensino, e que algumas dessas questões devem ser deixadas para a família ou outros agentes governamentais, como se isso fosse uma questão de escolha. Um professor experiente sabe que enfrentar esses desafios não se trata de opção ou ideologia, mas, de necessidade. Primeiro, porque esses desafios estão presentes na escola, porque outras pessoas ou entidades não deram conta deles. Em segundo lugar, a opção de não os enfrentar pode comprometer ainda mais a qualidade do ensino. Lidar com os problemas e desafios da docência, portanto, representa uma carga a mais de trabalho para os professores, pouco avaliada e valorizada. No que se refere as políticas educacionais, estas parecem mais preocupadas com os maus resultados alcançados pelos estudantes brasileiros nas avaliações internacionais1, do que com o processo e as condições da educação e da sociedade que colaboraram para esses maus resultados. 1
Exemplo: em ranking divulgado pela Pearson nos anos de 2012 e 2014, que reuniu quarenta países, o Brasil ocupou a 39ª e 38ª colocações, respectivamente (PEARSON, 2018).
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Nas escolas, a disciplina de Educação Física enfrenta esses problemas comuns, somados aos de sua especificidade. Ainda que muitos tenham a Educação Física como a disciplina mais “legal” e menos exigente da escola, na verdade, as exigências atuais para os professores de Educação Física se estendem, por exemplo, à colaboração para o ensino da escrita e da leitura (SÃO PAULO, 2011, p. 19), além do ensino de conteúdos diferenciados, como o zouk (SÃO PAULO, 2017a) e a esgrima (SÃO PAULO, 2017b). A fim de oferecer uma contribuição para a formação inicial de professores, esse trabalho apresenta três projetos realizados dentro do estágio curricular, fruto de parcerias estabelecidas entre a uma escola pública e duas entidades de Ensino Superior da cidade de Rio Claro - SP: uma universidade pública e uma faculdade particular. Esses projetos tiveram como tema alguns desafios que emergem no estágio curricular e do trabalho do professor. São eles: a violência na escola; infraestrutura e materiais e; jogos escolares. Com mais de vinte anos de experiência docente, já colaborávamos para a formação de futuros professores, acolhendo estagiários dos cursos de Educação Física da cidade de Rio Claro e da região. Sendo que essa colaboração ocorre desde o ano de 2004, podemos afirmar que os benefícios alcançados nessas parcerias foram mútuos: a escola colaborou para a formação dos futuros professores e, também, recebeu diversos benefícios, como: doação de materiais pedagógicos, palestras, cursos de formação para os professores etc. A elaboração dessa obra, por sua vez, representa um passo a mais dentro dessas parcerias, pois estende o conhecimento produzido na orientação e nos projetos realizados junto aos estagiários, para outros profissionais e entidades envolvidas com a formação de professores, em especial, com o estágio supervisionado. A motivação para realizar esse trabalho, por sua vez, se deu nesse processo de colaboração: a cada grupo de estagiários que recebíamos na escola, sempre nos perguntávamos como poderíamos colaborar mais significativamente para a formação deles. A resposta que nos pareceu mais óbvia foi que deveríamos partilhar as experiências de lidar com os desafios mais comuns da Educação Física escolar. Consideramos que tais desafios são a parte que demanda mais energia, conhecimento experiencial e paciência em nosso trabalho. Ao apresentar tais desafios para os estagiários, no entanto, foi preciso ter o cuidado que eles não se tornassem motivo para o desânimo. Entre o esclarecer e o poupar, procuramos fazer com que os estagiários levem uma imagem positiva da escola e da docência, além de noções para o enfrentamento das dificuldades que poderão surgir no início da carreira. Mesmo com esse cuidado, quando os futuros professores entram em contato com a realidade escolar na qual atuamos, isto é, uma escola pública que atende a alunos de periferia, o “choque inicial” da docência acaba, por vezes,
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Introdução
acontecendo. A ideia para esse trabalho, inclusive, nos ocorreu durante uma prática de um bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). Ao encontrar dificuldade para desenvolver uma aula como havia planejado, tentou explicar para os alunos o esforço que tinha dispendido na preparação da aula, a importância da participação de todos e, um tanto aborrecido, que não estava estudando para aquilo. Observando sua frustração, refletimos de imediato: não está, mas, deveria. Como professor supervisor desse projeto em nossa escola, essa não era a primeira vez que presenciávamos os bolsistas passarem por momentos de estresse e desapontamento. Isso também já havia ocorrido com estagiários e pesquisadores. Por outro lado, conhecíamos a excelência das instituições e dos docentes que formavam esses futuros professores (por ter estudado em uma delas e, também, por ter relação próxima com seus professores), o que excluía a possibilidade de que essa afirmação do bolsista provinha de uma formação de má qualidade. O que lhe aconteceu, na verdade, é comum de ocorrer durante as práticas na escola. De certa forma, consideramos essas situações até muito úteis para a formação inicial dos docentes, pois reflete a realidade que os professores encontram em seu trabalho, e que dificilmente podem ser reproduzidas fora desse contexto. Posteriormente, tivemos a oportunidade de analisar essa aula em uma das reuniões do PIBID junto a esse bolsista, seus colegas e o professor da universidade que era responsável pelo projeto. Comentamos que uma das razões para que a aula não tivesse obtido sucesso foi que, em determinada estação de um circuito de atividades físicas, os alunos teriam que rastejar por baixo de uma corda. Sendo que a Educação Física acontece no mesmo período que as demais disciplinas, muitos alunos não quiseram participar dessa atividade para não se sujarem. Consideramos, também, que essa atitude dos alunos teve relação com a faixa etária, um 7º ano do Ensino Fundamental. Fosse uma turma das séries iniciais, a grande maioria das crianças teria realizado essa atividade sem hesitação. Lembramos ainda que os alunos que participaram da atividade se enroscavam na corda, ao tentar passar sob ela sem rastejar e, acabavam derrubando os cones em que a corda estava amarrada, interrompendo e atrasando a atividade. Refletimos, então, que essa atividade poderia ter obtido mais sucesso se tivessem sido colocados tatames limpos sob a corda, se a corda estivesse mais alta e, se a corda estivesse amarrada nos postes de vôlei 2. 2
Um professor experiente já deve estar se perguntando se a utilização de um uniforme ou roupa específica para a Educação Física não seria uma melhor solução. Essa possibilidade está prevista nas regras e instruções para a Educação Física de nossa escola que, por sua vez, refletem os problemas e as tentativas de solução que já enfrentamos ao longo dos anos, sobre essa e outras questões. Essas regras são disponibilizadas para os alunos e para a comunidade escolar no início de cada ano letivo em um blog.
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Situações como as que surgiram nessa aula são desafios comuns para o trabalho do professor e precisam ser analisados por ele e pelos estagiários. As propostas de solução, por sua vez, ainda que pareçam simples, podem proporcionar um melhor desenvolvimento da aula e uma maior participação dos alunos. Assim como aconteceu nesse caso com o bolsista do PIBID, temos dado atenção para que os problemas e desafios enfrentados por nós e pelos “nossos” estagiários não escapem de um momento de reflexão conjunta. No caso dos bolsistas do PIBID, isso acontecia nos encontros do chamado grupo-escola. Pena que, para nós, o PIBID tenha se encerrado em fevereiro de 2018, pois oferecia uma alternativa muito interessante para a formação inicial, uma vez que os bolsistas passavam muito mais tempo na escola do que os estagiários. No caso dos estagiários, essas mesmas questões já vinham sendo discutidas nas aulas de estágio da universidade pública sob a designação de “temas emergentes”, ainda que, na maioria das vezes, sem a participação dos professores das escolas. De maneira semelhante, porém, bolsistas do PIBID e estagiários já costumavam levar os problemas enfrentados nas escolas para a universidade ou para a faculdade, partilhando-os com seus colegas e supervisores de maneira informal (desabafo) ou sistemática (relatórios e conversas nas aulas de estágio). Por sentir que faltava a participação do professor da escola nessas discussões e, também, pela possibilidade de evolução profissional e acadêmica, começamos a participar de estudos relativos à formação de professores na universidade de Rio Claro. Esses estudos, por sua vez, nos incentivaram ainda mais a oferecer uma colaboração mais qualificada para a formação dos futuros professores, pelo que questionamos os professores supervisores e os estagiários sobre como isso poderia ser feito. Dos professores supervisores de estágio recebemos sugestões para dar apoio social aos estagiários, criar tarefas e, analisar e discutir suas atividades, para ver o que funcionava ou não com eles. Em relação aos estagiários, dependendo do grupo, é comum que nos solicitem uma participação maior ou menor no controle da classe. Quando se deparam com algum problema ou desafio durante suas regências, então, agimos de acordo com o que foi combinado, o que tem colaborado para o bom desenvolvimento do estágio e das aulas. Temos verificado, também, que o aprendizado sobre essas situações é muito mais significativo quando se estabelecem discussões pós-aula. Apesar da melhora proporcionada por essas ações, já era de nossa compreensão que a formação inicial de um professor não esgota “(...) todas as informações necessárias à preparação de um profissional (DARIDO, 2006, p.133)”. Ainda assim, consideramos que são poucas as horas totais do estágio curricular. Essa restrição de tempo apresenta um breve recorte do que é a escola para o estagiário, sem dar-lhe a chance de presenciar ou perceber muitos dos
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Introdução
problemas e desafios enfrentados na profissão e, menos ainda, de intervir e aprender com eles. A percepção dessa situação nos levou a realização desse trabalho, que teve como primeiro objetivo apresentar problemas e desafios da escola e da docência da Educação Física para os estagiários, oferecendo-lhes a oportunidade de discussão e intervenção. Paralelamente, buscávamos beneficiar a escola pela colaboração dos estagiários e da universidade no enfrentamento desses problemas e desafios. Produzir e compartilhar conhecimentos a partir dessas experiências seria o nosso objetivo final. Baseando-se na realidade escolar e na experiência docente, esse trabalho não nega, porém, as importantes colaborações que a ciência vem fornecendo ao longo dos anos. Rejeitamos, no entanto, a ideia de que prática docente seja um conhecimento comum e de menor valor. Este conhecimento prático apoia-se em sua utilidade e aplicabilidade e, também, nas propostas de autores que defendem que o professor e a escola devem ter um papel central na formação dos futuros professores. Defendemos, ainda, que o processo de formação de professores não deve se fechar em si mesmo e ficar alheio aos problemas e desafios da escola. Pelo contrário. É importante lembrar que a maioria das escolas e professores que colaboram com o estágio curricular no Brasil não recebem compensações ou são remunerados para esse trabalho. A contrapartida, nesse caso, poderia ser exatamente o apoio para o enfrentamento dos diversos desafios da escola, presentes no trabalho dos professores. Estabelecer parcerias de fato é um objetivo que perseguimos há tempos 3, a fim de que a formação de professores e a formação de escolares se beneficiem mutuamente. A valorização desse aspecto social e integrativo nesse trabalho, inclusive, colaborou para a definição de sua fundamentação teórica e da metodologia utilizada. Por se basear na prática docente, a epistemologia da prática profissional, descrita por Tardif como (...) o estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas (TARDIF, 2012, p. 255); a pesquisa-ação, método de pesquisa social que valoriza a compreensão e interação entre as pessoas envolvidas em uma investigação que age
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Exemplo: no ano de 2012, um aluno de uma faculdade de Educação Física de nossa cidade solicitou nossa colaboração para a elaboração de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Questionamos seu tema de interesse, pelo que nos indicou a ginástica com pesos. Propusemos então que construísse, junto com os alunos, um material adaptado para musculação. Esse trabalho foi publicado na Revista Nova Escola (Número 273) e, o material construído continua sendo utilizado na escola até os dias atuais.
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sobre problemas sociais e educacionais urgentes (THIOLLENT, 2003) e; textos autobiográficos, se mostraram os mais adequados. Pela diversidade de temas e condições, foram ainda utilizadas diversas ferramentas, como gravações de áudios e vídeos, fotografias, entrevistas e questionários. Ao trabalharmos simultaneamente para a formação de alunos e de professores, temos ainda nos questionado sobre como os problemas e desafios da escola interferem na qualidade do ensino, na qualidade de vida dos profissionais da educação e na atratividade da carreira docente. Pelo lado da escola, temos observado que as unidades mais problemáticas são as que menos atraem os professores, já a partir do estágio. Pelo lado dos cursos de graduação, temos notado o pouco interesse de alunos das universidades para o trabalho escolar, seja em razão dessas condições, ou, pela perspectiva de seguirem algo mais rentável e valorizado socialmente, como a pesquisa ou a docência no Ensino Superior. Em certo sentido, isso é um lamentável e duradouro equívoco, pois são as escolas que apresentam desafios mais contundentes que necessitam de professores mais bem capacitados, caso se esteja buscando uma melhora na educação e, por seu intermédio, na sociedade brasileira. Por outro lado, temos tido a satisfação de já ter orientado estagiários que foram nossos alunos na escola: antes que prestassem o vestibular, já se mostravam interessados em realizar seus estágios no local onde haviam estudado. Independente dos interesses, origem e destino de cada um desses futuros professores, porém, temos os incentivado de diferentes maneiras. Para os que cursam faculdades particulares, sugerimos que se aproximem dos grupos de estudo da universidade. Temos oferecido, também, oportunidades de parceria em diversos projetos de pesquisa e de ação para os estagiários e professores da universidade. Com a leitura desse trabalho, talvez seja o caso de ocorrer ao leitor novas possibilidades para parcerias no estágio curricular. Para nós, permanece o desejo de avançar nesse caminho, buscando abordar outros temas em trabalhos posteriores, que beneficiem tanto a escola quanto os cursos de formação de professores de Educação Física.
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Metodologia
A concepção e o desenvolvimento desse trabalho tiveram um caráter tanto profissional quanto acadêmico. Mesmo sem o rigor característico das pesquisas exclusivamente acadêmicas, não deixou de se orientar por princípios teórico-metodológicos, que se mostraram adequados aos problemas estudados e aos objetivos pretendidos. De caráter prático, buscou por meio de projetos desenvolvidos dentro do estágio supervisionado de cursos de Licenciatura em Educação Física, abordar temas relacionados aos problemas e desafios que emergem desse processo e que, ao mesmo tempo, se configuram como desafios do trabalho do professor da escola. Teve como objetivos favorecer tanto a formação dos estagiários quanto dos escolares, como, também, desenvolver a parceria entre a escola, a universidade e a faculdade, além de produzir conhecimento a partir dessas experiências. Como base teórica, pautou-se pela epistemologia da prática profissional, definida por Tardif (2012) como “(...) o estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas (p. 255). Tem por finalidade “(...) revelar esses saberes, compreender como são integrados concretamente nas tarefas dos profissionais e como estes os incorporam, produzem, utilizam, aplicam e transformam em função dos limites e dos recursos inerentes às suas atividades de trabalho. Ela também visa compreender a natureza desses saberes, assim como o papel que desempenham tanto no processo de trabalho docente quanto em relação à identidade profissional de professores (p. 256)”.
Mas, quais seriam esses saberes quando se trata da profissão docente? Quais suas características, como são construídos e, como podem ser partilhados no processo de formação de novos professores? Os saberes docentes, segundo
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Tardif (2012) são sociais no que se refere à origem, meio e destino (p. 14 e 15). Ao mesmo tempo, esses saberes carregam a individualidade de cada professor, que os utiliza em “(...) função do seu trabalho e das situações, condicionamentos e recursos ligados a esse trabalho (p. 17)”. O saber dos professores ainda é “(...) plural, compósito, heterogêneo, porque envolve, no próprio exercício do trabalho, conhecimentos e um saber-fazer bastante diversos, provenientes de fontes variadas e, provavelmente, de natureza diferente (p. 18)”. Os princípios dessa teoria se aproximam, portanto, da condução e dos objetivos formativos desse trabalho, pois defende, entre outras coisas, que o estudo e o aprendizado desses saberes devem estar associados às situações de ensino e ao professor e seu trabalho, colocando os professores em formação dentro da realidade da profissão. Ao nos depararmos com a definição de Tardif (2012) para a epistemologia da prática profissional e, em outras ocasiões, com expressões que situam o estágio curricular supervisionado dos professores na intersecção entre a escola e a universidade/faculdades, nos ocorreu que a teoria dos conjuntos, ainda que seja um ramo da matemática que estuda os conjuntos, seus elementos e as operações entre eles, poderia se aliar a fundamentação teórica desse trabalho, a fim de oferecer melhores possibilidades de compreensão, orientação e justificativas, inclusive se utilizando das representações feitas por meio de diagramas. Se fossemos representar escola e a universidade/faculdade como dois conjuntos formados pelos seguintes elementos: local e objetivos precípuos, estes se configurariam como conjuntos disjuntos, ou seja, não possuem elementos em comum, como podemos observar na seguinte representação de um diagrama de Venn:
Produção autoral A
B
Formar Professores
Formar alunos
Campus
Escola
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Metodologia
Por outro lado, dentro dos objetivos precípuos da escola e da universidade/ faculdade, há diversos elementos secundários comuns aos dois conjuntos:
Produção autoral A
B
Conteúdos; Métodos; Relações humanas e profissionais; Saberes, Recursos, etc
Conteúdos; Métodos; Relações humanas e profissionais; Saberes; Recursos, etc
Nessa segunda representação, podemos verificar que as universidades/ faculdades procuram ensinar para os futuros professores os mesmos saberes, competências e atitudes que os professores de carreira utilizam em seu trabalho na escola. Permanece, no entanto, a distância geográfica e temporal entre esses processos de formação, exceto para o caso das universidades que contam com escolas de aplicação. Para a grande maioria, no entanto, essa distância só é quebrada durante o estágio supervisionado, quando parte desses elementos, além do tempo e do espaço, estabelece uma intersecção.
Produção autoral A
B
Conteúdos
Conteúdos ESTÁGIO
Teorias
Realidade Intervenções
No diagrama de Venn anterior, a operação de intersecção entre universidade/faculdade (A) e escola (B), se for considerada pelo seu aspecto temporal, está representada de uma forma um tanto exagerada. De um mínimo de 3200 horas estabelecidas para os cursos de formação inicial do magistério, em
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quatro anos, 400 horas devem ser dedicadas ao estágio curricular supervisionado, que correspondem a 12,5% do total, de acordo com a Resolução 2/2015, do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2015, p. 11). No curso de graduação em Licenciatura em Educação Física da universidade de Rio Claro, dessas 400 horas de estágio, 120 horas de estágio são cumpridas no Ensino Infantil, 90 horas no Ensino Fundamental I, 90 horas no Ensino Fundamental II, 60 horas no Ensino Médio e 60 horas na gestão escolar. Nesse mesmo curso na faculdade particular, o estágio está dividido em 150 horas para o Ensino Infantil, 150 horas para o Ensino Fundamental I e II e, 100 horas para o Ensino Médio. O estágio em gestão está incluído nessas horas. No que se refere aos elementos dos conjuntos apresentados no gráfico anterior, no entanto, essa representação é mais fidedigna. Apenas uma pequena parte do que se aprende na universidade será colocada em prática pelos estagiários nesse breve período de intersecção. Ao mesmo tempo, eles poderão vivenciar e intervir somente em um pequeno recorte do que é o complexo trabalho na escola. Ainda que reconheçamos a impossibilidade de que todos os saberes docentes possam ser contemplados no tempo e no processo do estágio curricular supervisionado, um dos objetivos desse trabalho foi abordar, nesse período, alguns temas que consideramos de suma importância, por meio dos projetos. Em seu desenvolvimento, buscou-se também criar dispositivos em que a universidade/faculdade oferecesse alguma colaboração para a escola, como tomar ciência sobre as diferentes habilidades dos professores-estagiários (PE), para que fossem aproveitadas no ensino dos escolares. Estaríamos evoluindo, assim, de um aspecto colaborativo do estágio para uma parceria de fato, integrando planejamentos, ações e, se beneficiando mutuamente.
Produção autoral A
B Conteúdos
Conteúdos
Projetos Temas Em.
ESTÁGIO Habildades dos P. E.
Teorias
Realidade Intervenções
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Metodologia
Ao explicar esse trabalho pela teoria dos conjuntos, temos ainda a expectativa de que as “operações” entre nossa escola e a universidade/faculdade, em um futuro próximo, evoluam dentro desse conceito de intersecção ou, quem sabe, se aproxime do que é uma operação de união. Para o desenvolvimento desse trabalho, foram seguidos ainda os princípios do método da pesquisa-ação e do método autobiográfico. Referência importante quando se trata da pesquisa-ação no cenário nacional, Michel Thiollent a define como: “(...) um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (THIOLLENT, 2003, p. 14)”.
Nessa mesma obra, Thiollent aponta algumas características da pesquisa-ação, como uma relação profunda entre pesquisadores e as pessoas envolvidas na situação social que se configura como o objeto de estudo, assim como aos problemas a ela relacionados. Tem como objetivo resolver essa situação e esses problemas e, ainda, desenvolver o conhecimento e a consciência das pessoas envolvidas, por meio da participação em todas as suas fases (p. 16). Além dessas características, aponta que: Em geral, a ideia de pesquisa-ação encontra um contexto favorável quando os pesquisadores não querem limitar suas investigações aos aspectos acadêmicos e burocráticos da maioria das pesquisas convencionais. Querem pesquisas nas quais as pessoas implicadas tenham algo a “dizer” e a “fazer”. Não se trata de simples levantamento de dados ou de relatórios a serem arquivados. Com a pesquisa-ação os pesquisadores pretendem desempenhar um papel ativo na própria realidade dos fatos observados (THIOLLENT, 2003, p. 16).
Pelo seu aspecto de aprendizado, a pesquisa-ação também se relaciona a condução e aos objetivos desse trabalho. No que se refere a sua condução, por exemplo, foram estabelecidos momentos intencionais e específicos para o aprendizado dos professores-estagiários, como reuniões, comunicações escritas, leituras e atividades. Esse aspecto de aprendizado se estendeu ainda aos colegas dos professores-estagiários participantes, por meio das palestras/aulas de encerramento dos projetos, apresentadas na universidade pública e na faculdade particular. Ainda que o aprendizado seja intencional
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nesse método, este é decorrente de um processo que possui outros objetivos. Thiollent (2003) afirma que a pesquisa-ação visa “(...) alcançar realizações, ações efetivas, transformações ou mudanças no campo social (p. 41)”. Como um dos objetivos desse trabalho era beneficiar também a escola, a realização desse trabalho nos trouxe diferentes benefícios, como o suporte dos estagiários ao trabalho do professor, o desenvolvimento de materiais pedagógicos e, um melhor atendimento aos escolares. Por outro lado, a pesquisa-ação “(...) não é constituída apenas pela ação ou pela participação. Com ela é necessário produzir conhecimentos, adquirir experiência, contribuir para a discussão ou fazer avançar o debate acerca das questões abordadas (p. 22)”. Nesse aspecto, a divulgação desse trabalho em eventos científicos e sua publicação foram algumas das primeiras ações. Ao nos propormos a estudar um problema e, ao se conhecer diferentes métodos de pesquisa, abrem-se diferentes possibilidades dentro de um trabalho. Nossa escolha pela pesquisa-ação, além da sua adequação a este trabalho, decorre de experiências anteriores, como em Freitas (2009) e, também, com o nosso posicionamento político, explicitado por El Andaloussi (2004) da seguinte maneira: “Quando os educadores, implicados em uma pesquisa-ação, tomam consciência da inadaptação de suas práticas educativas, por meio dos resultados da pesquisa, eles decidem e agem para melhorá-las (p. 147)”. Essas mesmas características, também são mencionadas por Barbier (2004), que diz que “(...) a pesquisa-ação é eminentemente pedagógica e política”. O método da pesquisa-ação, assim como outros, possui suas vulnerabilidades e limites. Por outro lado, o surgimento e a disseminação de trabalhos pautados pela pesquisa-ação se deram, justamente, pela ineficácia de outros métodos em determinadas situações. El Andaloussi (2004), afirma que A pesquisa-ação, em particular, parece ter nascido da falha atribuída aos métodos experimentais que não foram satisfatórios no campo da aplicação e, particularmente, na questão da relação entre teoria e prática. É justamente essa falha que permitiu a pesquisa-ação viver um intenso desenvolvimento nos últimos anos (p. 62).
Em relação às críticas sobre esse método, além daquelas procedentes dos que defendem métodos com rigor positivista, Barbier (2004) adverte os pesquisadores que trabalham com os métodos de pesquisa-ação e da história de vida sobre dois riscos a que se expõe: os institucionais, por não acreditar que esse seja o caminho mais fácil para a evolução no meio acadêmico e, ainda, por exigir de seus pesquisadores disposição, arrojo e equilíbrio e;
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Metodologia
os pessoais, em razão de que a subjetividade dessas pesquisas pode levar o pesquisador a “(...) regiões de si mesmo (e de outros, e, das instituições – comentário nosso) que ele, sem dúvida, não tinha a vontade de explorar (p. 33). Concordamos com essas duas advertências baseados em nossa própria experiência profissional e acadêmica, assim como a experiência somada por meio desse trabalho. Há muitos trabalhos interessantes sendo feitos nas escolas, mas, com pouco reconhecimento acadêmico e retorno para os que a eles se dedicam. Ao trabalhar com os desafios e problemas encontrados em nosso próprio trabalho e que também emergem no estágio curricular, acabamos enveredando por temas sensíveis, que demandaram muitos cuidados e, ainda assim, se mostraram muito desgastantes. Barbier (2004) afirma que a pesquisa-ação, por meio de sua ação de mudança, remexe no “lodo” do social. Não se trata de fazer agitação sob pretexto de análise, mas “(...) ela não poderia ser concluída sem levantar um certo número de questões incomodas para a ordem estabelecida, inclusive no seio de seu próprio processo (BARBIER, 2004, p. 107)”. Por essa razão, buscamos constantemente nos pautar pelo equilíbrio necessário para apresentar os problemas e desafios abordados nesse trabalho. O objetivo com essa atitude era, inicialmente, preservar o processo de formação dos professores-estagiários e, em um segundo momento, se alinhar a proposta de Thiollent (2003): No contexto das práticas educacionais, vistas numa perspectiva transformadora e emancipatória, as ideias dão lugar a uma reciclagem que é diferente da formação da opinião pública, pois não se trata de promover reações emocionais e sim disposições a conhecer de modo racional (p. 76).
Ainda que, de forma superficial, muitos dos problemas da escola são conhecidos pela sociedade. Essa superficialidade, por sua vez, resulta em opiniões errôneas ou rasas a respeito de suas causas, efeitos e processos de enfrentamento. De uma opinião pública rasa pode decorrer, ainda, a adoção de políticas ineficazes. Temos, por essa razão, a esperança que esse trabalho colabore para que esses problemas sejam conhecidos de forma mais racional e equilibrada pelo público em geral, agentes políticos e, especialmente, pelos futuros professores. Nesse ponto, chegados às limitações desse trabalho e dos métodos adotados. Por mais que se mostre útil e justificável, o “(...) papel da pesquisa-ação é o de provar a eficácia de uma solução, a qual resulta em uma transformação em escala restrita. O papel das instituições competentes é o de favorecer sua difusão em escala maior (EL ANDALOUSSI, 2004, p. 153)”.
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No que se refere às etapas previstas em uma pesquisa-ação, o leitor poderá observar que os participantes desse trabalho se envolveram em diversos momentos, ainda que em grau e ações diferentes. As participações nas etapas conclusivas, no entanto, foram prejudicadas pelo momento de vida que os estagiários estavam passando, de conclusão de curso e de inserção ao mercado de trabalho. No que se refere aos princípios metodológicos, além da pesquisa-ação e, com o objetivo de agregar ao processo formativo dos professores-estagiários outras informações referentes à nossa experiência profissional e as características de nosso ambiente de trabalho, foram elaborados textos, em cada um dos três projetos, denominados “experiência e opiniões do professor-colaborador de estágio”. Ainda que com características particulares, tentaremos comparar essa parte do trabalho com alguns dos diferentes métodos que se prestam a objetivos semelhantes, como a história oral, histórias de vida, narrativas e o método autobiográfico. Meihy (2005) descreve a história oral como “(...) um recurso moderno usado para a elaboração de documentos, arquivamentos e estudos referentes à experiência social de pessoas e de grupos. Ela é sempre uma história do “tempo presente” e também reconhecida como “história viva” (p. 17)”. Esta, no entanto, é caracterizada pela existência mínima de três elementos: o entrevistador, o entrevistado e os aparelhos de gravação (MEIHY, 2005, p. 18). Assim como o método da pesquisa-ação, a história-oral tem uma função política, e, no entendimento de Meihy (2005), dupla, pois “(...) se compromete tanto com a democracia – que é condição para sua realização – como com o direito de saber – que permite veicular opiniões variadas sobre temas do presente (p. 100)”. Quanto a seus objetivos, esse autor afirma que a história oral proporciona “(...) a revisão de situações estabelecidas, (e...) quase sempre propõe alterações interpretativas que contrastam com a ordem vigente e com a oficialidade da história acadêmica. É exatamente essa marca contestatória que a faz política (p. 116)”. Dos tipos de história oral, Meihy (2005) apresenta algumas de suas vertentes, como a história oral temática e, a história oral de vida que, “(...) como o próprio nome indica, trata-se de uma narrativa do conjunto da experiência de vida de uma pessoa (p. 147)”. Cita ainda uma variação dessa, conhecida como narrativa biográfica, mais direcionada que a primeira, já que o entrevistador se preocupa mais com a ordem cronológica, do que a história oral de vida, que se ocupa mais do sentido moral dos acontecimentos. O termo autobiográfico, no entanto, é o que se aproxima mais ao que foi realizado nas sessões desse trabalho denominadas “experiência e opiniões do
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professor-colaborador de estágio”, ainda que suas características práticas e políticas se alinhem aos pressupostos dos métodos apresentados anteriormente: esses textos foram elaborados com o objetivo de apresentar aos professores-estagiários um pouco de nossa experiência como professor, da história da escola em que realizaram seus estágios e, em especial, de alguns de seus problemas e desafios. Ao buscar por referências relacionadas ao termo autobiográfico, no entanto, encontramos trabalhos que o tratam não somente como um método, mas como uma abordagem, como pesquisa, ou, narrativas autobiográficas. Fonseca e Selva Guimarães (1997) citam António Nóvoa ao tratar dos objetivos das abordagens autobiográficas: Para Nóvoa (1988, p. 7-20) “o objetivo final das abordagens (auto)biográficas é contribuir para a elaboração de uma teoria da formação de adultos, ainda que não se possa lá chegar sem passar por uma reflexão centrada no nosso próprio processo de formação”. Para ele, é necessário mobilizar dimensões pessoais nos espaços institucionais; equacionar a profissão a luz da pessoa e vice-versa; aceitar que, por detrás de uma logia (razão), há sempre uma filia (um sentimento), e pelas histórias de vida pode passar a elaboração de novas propostas sobre a formação de professores e sobre a profissão docente” (p. 32).
Como características, Bueno (2002) diferencia o método autobiográfico do biográfico pela participação de apenas uma pessoa e, também, pela sua subjetividade, característica que o expõe as críticas relacionadas ao rigor acadêmico (p. 17). Citando outros autores, descreve a colaboração da autobiografia ao aproximar a percepção individual da social (p. 20). Finalizando as questões metodológicas, consideramos importante tratar da questão das imagens e de alguns termos utilizados nesse trabalho, incluindo os que aparecem nas citações.No que se refere às imagens, embora contássemos com uma grande quantidade de materiais (fotos e vídeos) que foram tomados antes ou durante a realização desse trabalho, optamos por não os utilizar para publicação. Quanto à definição de alguns dos termos utilizados, estabelecemos os seguintes: • Estágio, estágio curricular, estágio supervisionado ou estágio curricular supervisionado: representam a fase ou etapa dos cursos de graduação que os futuros professores têm que cumprir na escola. • Professor supervisor ou professor supervisor de estágio: é o professor da Universidade ou da Faculdade responsável pelo estágio de um gru-
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po de graduandos. • Professor-colaborador ou professor-colaborador de estágio: é o professor da escola que recebe os alunos de graduação para o estágio. • Estagiário ou professor-estagiário: são os graduandos que cumprem o estágio na escola. O termo de tratamento “professor-estagiário”, foi sugerido pelos próprios participantes durante a realização do segundo projeto. Para a identificação dos professores-estagiários, foram adotados oito códigos compostos por letras e números, de PE-1 a PE-8, sendo PE-2 e PE-8 do sexo feminino e, os demais, do sexo masculino Para a utilização das imagens, informações e declarações de todos os participantes, foram utilizados Termos de Consentimento Livre e Esclarecido(TCLE), como o modelo disponível no anexo 6.
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Estágio Curricular Supervisionado: implicações para formação inicial em Educação Física Hudson Fabricius Peres Nunes Mayra Fernandes Matias Ana Elisa Messetti Christofoletti
O Ensino Superior, responsável pela formação inicial de diferentes profissionais, deve estar compromissado com perfil profissional desejado, corpo de conhecimento científico teórico-prático, área de atuação, intervenção profissional, inserção no mercado de trabalho e questões éticas. Nessa direção, é preciso considerar as transformações e as demandas sociais como impulsionadoras de constantes processos de revisão, discussão, reflexão e reestruturação curricular. Especificamente para os cursos de Educação Física, o marco regulatório atual está sob a vigência da Resolução CNE/CES n. 06/2018 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos Cursos de Graduação em Educação Física. A Resolução estabelece que a graduação em Educação Física deva ter ao menos 3.200 horas para o desenvolvimento de atividades acadêmicas. Para as Instituições de Ensino Superior (IES) que oferecerem dupla habilitação, o ingresso no curso será único, sendo a primeira metade do curso organizada pela etapa comum denominada de formação geral (1.600 horas) voltada para as duas habilitações licenciatura e bacharelado, enquanto a segunda metade do curso chamada de formação específica (1.600 horas) direcionada para a definição de uma habilitação, conforme é definida no artigo 5º: 1 Etapa Comum - Núcleo de estudos da formação geral, identificador da área de Educação Física, a ser desenvolvido em 1.600 (mil e seiscentas) horas referenciais, comum a ambas as formações. 2 Etapa Específica - Formação específica a ser desenvolvida em 1.600 (mil e seiscentas) horas referenciais, na qual os graduandos terão acesso a conhecimentos específicos das opções em bacharelado ou licenciatura.
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A escolha da habilitação deve ser decidida no quarto semestre, sendo as IES responsáveis por fazer uma consulta prévia aos seus graduandos para que possam optar e/ou, dependendo dos critérios pré-estabelecidos, serem direcionados pelas IES para definirem a etapa específica de formação: licenciatura ou bacharelado. É fundamental, independente da habilitação, que os estágios curriculares obrigatórios e/ou não obrigatórios contribuam significativamente para a formação inicial dos graduandos. Observa-se que a lei primária de estágio advém da Lei n. 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) que preconiza o mínimo de 300 horas de estágio enquanto prática de ensino. A Resolução anterior (Resolução CNE/CES n. 02/15) sobre as DCNs dos cursos de licenciaturas previa o mínimo de 400 horas de estágio supervisionado, sendo superior ao mínimo estabelecido pela LDB. Nas atuais DCNs dos cursos de Educação Física foi apresentado um aumento de 240 horas de carga horária para o estágio curricular supervisionado, comparando-se à Resolução anterior, para a licenciatura e o bacharelado. O total de horas deve corresponder a 20% da carga horária do curso, totalizando 640 horas. Nas novas DCNs é indicado que o estágio supervisionado seja iniciado a partir da segunda metade do curso, ou seja, na etapa específica, podendo ser cumprido em ambientes de aprendizado escolares e não escolares. As DCNs mencionam o estágio do curso de licenciatura como meio de aproximação de ambientes reais de trabalho articulado às atividades de extensão das IES e aos ambientes escolares, considerando a importância da aquisição de habilidades e competências no processo formativo. Já a avaliação do aproveitamento e desempenho dos alunos em estágio supervisionado depende de cada Projeto Pedagógico Curricular do Curso e do Projeto Institucional. Portanto, o estágio curricular “(...) é uma área de conhecimento emergente, trazendo subjacente o Movimento de Profissionalização do Ensino que perpassa as reformas políticas docentes no âmbito internacional e nacional” (CIRYNO; SOUZA NETO, 2014, p. 87). Nessa direção, o estágio supervisionado tem como objetivo fundamentar a futura atuação docente por meio de processos que envolvam a leitura do contexto e a sistematização do ensino, sendo os docentes (coordenador e supervisor/preceptor) corresponsáveis pelo acompanhamento e formação dos futuros professores. Essa dinâmica se dá pela articulação entre as IES, representada pelo docente coordenador, aluno de graduação (futuro professor) e Escola de Educação Básica representada pela direção, coordenação e docente supervisor/preceptor responsável pelo componente curricular.
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Diante da compreensão da importância do estágio curricular, o Ministério da Educação (MEC) por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) criou programas nacionais de formação inicial de professores como o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID) em 2007, e o Programa de Residência Pedagógica (PRP) em 2017, regulamentados pela Portaria da CAPES n. 175/18. O PIBID tem como objetivo promover a iniciação do licenciado no ambiente escolar para que o(a) discente faça observações de como é a prática pedagógica desenvolvida por outros professores nas escolas públicas de Educação Básica, e reflita em conjunto com o professor supervisor que está em seu campo de trabalho e com o professor coordenador responsável pelo componente de estágio de sua IES, sobre as escolhas teórico-práticas, didático-metodológicas e processos avaliativos, desde a primeira metade do curso. No artigo 5º da Portaria da Capes define-se: 1 Iniciação à docência: para discentes que estejam cursando a primeira metade do curso de licenciatura; 2 Coordenador institucional: para docente da IES responsável pelo projeto institucional de iniciação à docência; 3 Coordenador de área: para docente da IES responsável por orientar o discente e coordenador o núcleo de iniciação à docência; 4 Supervisão: para professor da Educação Básica responsável por acompanhar o discente na escola. O PRP tem como objetivo aperfeiçoar a prática pedagógica e subsidiar as competências e as habilidades necessárias para a formação do futuro professor. Nesse momento, o trabalho é de regência de sala de aula em escolas públicas da Educação Básica. Esse estágio é realizado com intervenção pedagógica do(a) discente previamente planejada entre ele, professor coordenador do estágio de sua IES de origem e professor preceptor responsável pelo componente curricular da escola, a partir da segunda metade do curso. No artigo 4º da Portaria da Capes define-se: 1 Residente: para discentes com matrícula ativa em curso de licenciatura que tenham cursado o mínimo de 50% do curso ou que estejam cursando a partir do 5º período; 2 Coordenador institucional: para docente da IES responsável pelo projeto institucional de Residência Pedagógica; 3 Docente orientador: para o docente que orientará o estágio dos residentes estabelecendo a relação entre teoria e prática;
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4 Preceptor: para o professor da escola de Educação Básica que acompanhará os residentes na escola-campo. Em síntese o PIBID e o PRP são programas que visam inserir os futuros licenciados nas escolas da rede pública de educação, incentivar o papel e a responsabilidade dos professores supervisores/preceptores de sua importância no processo de formação de novos professores, aproximar as teorias científico-acadêmicas curriculares das IES (professores coordenadores) das práticas pedagógicas curriculares das escolas (professores supervisores/preceptores) por meio de programas específicos articulando teoria e prática, contribuir para melhoria da qualidade de formação inicial de professores nos cursos de licenciatura e para a valorização do magistério. O parágrafo único dos artigos 4º e 5º da Portaria da Capes definem os papeis e os tipos de bolsas de ambos os programas: 1 Residente e iniciação à docência: R$400,00 (quatrocentos reais); 2 Coordenador institucional: R$1.500,00 (um mil e quinhentos reais); 3 Docente orientador e coordenação de área: R$1.400,00 (um mil e quatrocentos reais); 4 Preceptor e supervisor: R$765,00 (setecentos e sessenta e cinco reais). Apesar das legislações que incentivam, normatizam e regulam os estágios supervisionados e dos programas como o PIBID e o PRP, observa-se a ausência de um debate qualificado na agenda da política nacional preocupada com a formação continuada de professores supervisores/preceptores, papel fundamental para tutoria dos futuros licenciados. De forma crítica, Silva e Cruz (2018, p. 243) enfatizam que a política de formação de futuros licenciados deve ser pensada e implantada em sua totalidade, chamando a atenção para a importância dos “elementos de formação e valorização docente, por meio da formação inicial e continuada, condição de trabalho, remuneração e carreira”. Assim os autores, enfatizam e corroboram com a concepção da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope) sobre a criação de um sistema nacional de formação que valorize: (SILVA; CRUZ, 2018, p. 243): (...) a sólida formação teórica e interdisciplinar, a unidade entre teoria e prática, a gestão democrática, o compromisso social e ético, a avaliação permanente, a articulação entre formação inicial e continuada e o trabalho coletivo. Este último é indispensável para a transformação da prática de ensino e da prática social mais ampla.
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Considerando toda a complexidade que envolve a formação docente, embora não seja regra, o fato de que os professores supervisores/preceptores deveriam ser os “experts” (aquisição de habilidades, experiência e domínio de conteúdo) no ensino da docência pressupõe que a preparação docente do estagiário e a intervenção pedagógica a ser adotada no campo de trabalho serão em grande parte, influenciadas positivamente e/ou negativamente pela atuação do professor expert. Nesse sentido, o estágio supervisionado é entendido como um meio que se busca fundamentar o ofício docente ao dar subsídios teóricos aplicados à prática pedagógica. Entretanto, é preciso aproximar e equilibrar o conhecimento científico-acadêmico do conhecimento prático-pedagógico. Esse ajuste necessita de um esforço coletivo dos atores envolvidos (Instituição formadora – professor coordenador, discente/estagiário e Instituição de estágio – professor supervisor/preceptor). Entre os estudos investigados, tem-se como apontamentos, a urgência em oferecer uma sólida formação aos professores supervisores/preceptores, valorizar a prática pedagógica como espaço e componente de formação, sistematizar o conhecimento produzido (Ciryno; Souza Neto, 2014; Benites; Sarti; Souza Neto, 2015), fazer parceria entre as IES e as escolas (agindo reciprocamente) e criar políticas de profissionalização do ensino (Iza; Souza Neto, 2015). De acordo com Carvalho Filho, Brasileiro e Souza Neto (2019), a interação entre os sujeitos participantes do processo de estágio supervisionado, ajuda a construir e a entender a prática pedagógica em ambientes futuros de atuação. Esses autores (2019, p. 157) também constataram que o estágio em Educação Física, ao abordar essa relação entre teoria e prática, contribui “para construção e mobilização dos saberes docentes” sobre o entendimento da dimensão pedagógica como bússola para a prática docente. As constatações encontradas nos estudos apresentados acenam para um modelo cíclico ou sistêmico, sendo retroalimentado pela dinâmica social de interação, criação, ação, crítica, reflexão e as possibilidades de diálogo entre os participantes. Todavia, a formação de professores supervisores/preceptores no Brasil carece de programas de professores formadores, papel de formação continuada que caberia fundamentalmente as IES. Essa lacuna deve ser preenchida por meio de políticas educacionais nacionais que invistam na seleção, preparação, reconhecimento e valorização da carreira docente para exercer essa função (Ciryno; Souza Neto, 2014). Essa compreensão necessita de um amplo debate e articulação orgânica entre o MEC, CAPES, IES, instituições públicas de Educação Básica e outras entidades pertencentes ao contexto educacional para propor novos
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caminhos de formação continuada, ao considerar a importância de alinhar o estágio supervisionado com a realidade de trabalho. Para fazer a diferença e contribuir com a formação qualificada e competente de futuros professores da Educação Básica, não se pode perder de vista, de que o estágio supervisionado precisa ser valorizado e concebido de forma séria, cooperativa, ética, compromissada e responsável.
Apresentação da escola A escola em que se realizaram esses projetos está situada em um bairro não muito distante da região central da cidade de Rio Claro. A maioria dos moradores desse bairro é de famílias das classes média ou alta. São poucos os filhos dessas famílias que frequentam nossa escola, uma vez que elas têm condições de pagar pelo ensino em escolas particulares. Nossos alunos, em sua grande maioria, são procedentes de bairros periféricos da cidade e da zona rural. Devido a essa distância, vêm para a escola de ônibus. A maior parte de suas famílias integra as faixas sociais mais baixas e são beneficiárias de programas sociais, como a Bolsa Família. Como boa parte das escolas que atende a comunidades de periferia, esta escola luta constantemente contra problemas relacionados à violência, às drogas, à evasão e, especialmente, ao baixo rendimento de seus alunos nas avaliações externas, ainda que esses resultados se enquadrem dentro da média estadual. Devido à distância entre a escola e os bairros onde residem as famílias dos alunos, a participação dos responsáveis nas reuniões de pais e mestres é pouco significativa. Apesar desses problemas, nossa escola se destaca em alguns aspectos, como o esportivo e o cultural. Muitos de seus egressos dão continuidade aos estudos, e tornam-se profissionais destacados em diversas áreas, incluindo a Educação Física. Seu corpo docente é constituído de uma mescla de professores efetivos experientes, que já estão nessa escola há vários anos e, também, de professores iniciantes e eventuais. Muitos desses professores possuem pós-graduação. Em termos de infraestrutura, possui dez salas de aula, uma biblioteca, uma sala de informática, sala de professores, depósitos, cozinha, cantina, um bom espaço para a Educação Física, além de espaços de convívio social, como o pátio e os jardins. A biblioteca e a sala de informática, no entanto, são pouco utilizadas, por não haver funcionários para cuidar delas e pela falta de atualização e manutenção.
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Estágio Curricular Supervisionado
Boa parte da comunidade que atende e, também, os vizinhos da escola, reconhecem seus problemas e desafios, ainda que com sentimentos e opiniões distintas: há os que criticam, há os que se penalizam e, alguns que oferecem apoio. De maneira geral, a escola tem evoluído em alguns aspectos, mas, continua lutando contra problemas recorrentes, alguns dos quais, poderão ser identificados na sequência desse trabalho.
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Primeiro projeto – Tema: Violência na escola “Agora há violência nas ruas (e, também, nas escolas) e, muito trabalho a ser feito” (Electric Avenue – Eddy Grant)
Objetivos e Justificativas Acolhendo professores-estagiários e pesquisadores há quinze anos, já houve diversas oportunidades para que esses estudantes presenciassem ou vivenciassem situações relacionadas à violência em nossa escola. Diante desses fatos, era normal que os compartilhassem com seus colegas e professores supervisores na universidade e nas faculdades que atendemos. Só por esse motivo, a violência na escola já se configurava como um dos temas a serem abordados nesse trabalho, que tem como objetivo desenvolver projetos em parceria com os professores-estagiários, sobre problemas e desafios que emergem do estágio curricular e do trabalho docente. A prioridade para a escolha desse tema, no entanto, se deu em razão de uma situação vivida em nossa escola no início do ano letivo de 2017. Em uma das primeiras ATPCs (Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo), comentávamos com os colegas professores que aquele começo de ano estava mais tranquilo. Por esse motivo, estava mais fácil trabalhar no período da tarde, que recebe os alunos dos 6º e 7º anos do Ensino Fundamental. Essa tranquilidade, porém, durou pouco. Na ATPC que se seguiu, uma das professoras nos disse que teria sido melhor se tivéssemos feito aquele comentário, pois uma sequência de brigas de alunas nas saídas do período da manhã “incendiou” o comportamento dos alunos do período da tarde. Contagiados pela violência e tumulto que presenciavam na troca de turno, os alunos da tarde entravam muito mais agitados para as aulas e, assim permaneciam até o seu final. Aproveitando a situação, definimos com os professores-estagiários que estávamos recebendo naquele ano, que a violência na escola seria o tema do primeiro projeto deste trabalho. Solicitamos, para tanto, a permissão da
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direção escolar e a colaboração dos colegas professores. Visando tanto à formação dos professores-estagiários, quanto o benefício da escola, esse projeto teve como objetivos: • Apresentar para os professores-estagiários a questão da violência em nossa escola; oferecer-lhes oportunidades para intervenções pedagógicas voltadas para esse problema; desenvolver, com base nessa experiência trabalhos científicos e/ou publicações e; • Conhecer melhor as violências presentes em nossa escola; identificar a compreensão e as ações de seus professores e da comunidade para com a questão da violência escolar; desenvolver atividades nas aulas de Educação Física com o objetivo de conscientizar os alunos sobre a questão da violência. Sendo que a violência está presente em muitas escolas que atendem realidades sociais semelhantes a nossa, entendemos que o desenvolvimento desse projeto poderia se configurar como um diferencial na formação profissional dos estagiários, fornecendo-lhes elementos que os capacitassem a compreender melhor a questão da violência, não apenas para “sobreviverem” as suas diferentes manifestações no ambiente escolar, mas, também, para intervirem pedagogicamente, de forma pontual ou preventiva.
Revisão bibliográfica É comum na introdução de qualquer estudo apresentar definições sobre o tema que será abordado. Ao buscar definições para os termos violência, violência escolar e, violência na escola, passamos por situações semelhantes às ocorridas em estudos anteriores, quando nos foi necessário definir o que é esporte e, também, o que é luta. Embora estes termos sejam comuns e compreensíveis para a grande maioria das pessoas, a diversidade de suas manifestações, bem como, as compreensões individuais sobre elas, dificulta a definição desses termos para além do senso comum. Dentre os autores que buscaram dar significado para o termo violência, Pinheiro e Silva (2009), por exemplo, utilizaram exemplos que ocorrem no trânsito para diferenciar acidente de violência, caracterizando a violência pelo seu aspecto de intencionalidade (p. 13). O que dizer, porém, de uma notícia que apresenta a seguinte manchete: “Batida violenta entre carros deixa duas vítimas”? Mesmo sem haver intencionalidade dos envolvidos nesse caso, o redator
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Primeiro projeto – Tema: Violência na escola
da notícia compreende que se trata de uma situação violenta, talvez pela força do choque, ou, das vítimas. Sendo assim, podemos questionar, relativizar ou estender a definição básica desses autores para o que definiram como violência: “(...) ação intencional que causa dano (p. 13)”. Buscando exemplificar melhor a individualidade na percepção e definição do que é violência, poderíamos afirmar que, se para algumas pessoas uma luta de boxe ou de MMA é violenta a ponto de não assistirem aos seus espetáculos, para lutadores que se preparam e participam dessas lutas parece não haver maiores problemas em se ferirem, ou, ferirem alguém. Para esses lutadores, as situações se tornaram comuns e aceitáveis pelo costume, o que nos leva a questão da banalização. Para Paula e Silva et al. (2010),: “(...) há violências tão banalizadas que não são percebidas (...) (p. 18)”. Para entender melhor a complexa tarefa de definir o que é violência, Pinheiro e Silva (2009) afirmam que “(...) há centenas de tipologias de violência, e nenhuma parece dar conta de todas as manifestações desse fenômeno (p. 21)”. Relacionam, então, alguns tipos, como: a violência autoinflingida, a interpessoal e a coletiva. Definir o que é violência na escola encontra a mesma dificuldade. Conforme Ruotti, Alves e Cubas (2007, p. 24): “trata-se de um objeto de estudo que está em constante construção e, só esse fato, da própria definição do fenômeno, gera uma série de discussões entre os pesquisadores (...)”. Dentre esses autores, citam Debarbieu, que verifica uma dificuldade de se delimitar o que seja realmente violência na escola, pela amplitude dos fatos que a compõe, “(...) indo desde agressões graves até as pequenas incivilidades (...)”. Esse mesmo autor se preocupa, no entanto, que uma visão limitada sobre o que possa ser definido como violência na escola acabe excluindo a experiência de algumas vítimas. Indica, ainda, que uma definição do que venha ser violência na escola “(...) deve ocorrer a partir das particularidades de um determinado contexto (p. 24)”. Consideramos essas orientações importantes para esse trabalho, que foi desenvolvido em uma escola pública que atende a uma clientela de periferia, ainda que esteja situada na região central da cidade. Como se poderá notar nos relatos desse projeto, as percepções e as ações de seus professores sobre a questão da violência na escola é muito particular, ainda que sigam diretrizes legais comuns. Para contextualizar a questão da violência na escola, no entanto, é interessante que apresentemos, inicialmente, um panorama nacional sobre essa questão. Em uma sociedade violenta como a do Brasil, parece não haver exceção no que se refere a setores, grupos ou indivíduos atingidos. Com as escolas não é diferente: elas sofrem com a violência que vem de fora, vivem suas próprias violências e, ainda, exportam violência para além de seus limites.
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Os números da violência no Brasil são, realmente, impressionantes. Somente em se tratando de mortes violentas, os dados apresentados pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) demonstram que no ano de 2015, 59.080 pessoas foram assassinadas, enquanto, em 2016, foram 62.517 pessoas (BRASIL, 2018). Esses números chegam a superar os casos registrados em certos continentes, ou mesmo, em países em guerra como a Síria (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2018). A maior concentração desses homicídios, também de acordo com o IPEA, se dá entre homens jovens e negros. Dentre tantos crimes ou fatalidades noticiadas pelas mídias, no entanto, foi a morte da estudante de treze anos, Maria Eduarda Alves Ferreira, em uma escola do Rio de Janeiro, que marcou o início desse projeto. Em nossa memória, permanece a imagem de seus pais segurando a blusa que a garota usava no dia de sua morte, perfurada por um tiro de fuzil (SCORZA, 2017). Notícias sobre professores que são atingidos pela violência dentro das escolas também são comuns na realidade brasileira. Basta fazer uma busca na internet para se encontrar muitas reportagens, imagens e vídeos sobre o assunto. Ao realizar esse levantamento, encontramos o caso de um professor da cidade de Rio Claro que teve o nariz fraturado, ao ser atingido por um peso que segurava a porta da sala de aula, atirado por um de seus alunos (GLOBO.COM, 2015). Se fizermos uma busca por brigas que ocorrem entre alunos, por sua vez, os resultados demonstrarão duas situações muito claras: que esses casos também são muito comuns nas escolas brasileiras e, que as pessoas que os presenciam, na maioria das vezes, incentivam e se divertem com as agressões. Poucas são as pessoas nessas situações que se mostram interessadas ou aptas para intervir, buscando a pacificação. Esses tipos de violência que atingem as escolas brasileiras não distinguem as redes pública e privada de ensino, mas, parece ser senso comum que é nas escolas públicas de periferias que acontece o maior número de casos de violência e, também, os mais graves. Alguns estudos apoiam essa percepção, como o realizado entre professores das Redes Pública e Privada da região metropolitana do Recife, que verificou que (...) a quantidade dos relatos de violência presenciada ou enfrentada pelos professores, é muito maior nos discursos dos professores da rede pública, enquanto que, nos discursos dos professores da rede particular, esses relatos aparecem bem mais reduzidos, inclusive dois professores afirmam nunca terem passado ou presenciado situações de violência nas escolas em que trabalhavam (SOARES, FRAGA, OLIVEIRA FILHO, 2018, p. 22).
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Embora os autores desse estudo não considerem que a violência é uma característica típica de grupos particulares (p. 22), ao tentar identificar as possíveis causas da violência escolar entre os professores consultados, levantaram-se possibilidades como a desestruturação familiar, a influência das mídias, questões de poder, estados emocionais e, também, a conjuntura social e econômica. Se este último item é verdadeiro, nos parece ser um tanto contraditória tal conclusão. Um dos professores da rede privada entrevistado, inclusive, afirma que não tem problemas de violência na escola em que trabalha, mas que conhece casos na rede pública, em que existe uma maior possibilidade dessas ocorrências (...) pelo nível social dos alunos (p.17). Nessa mesma linha, outro professor entende que (...) a realidade (das escolas públicas e privadas) é bem diferente (p. 18). O maior número de casos de violências em escolas de periferia, na verdade, reflete a própria violência vivida nessas regiões. Pinheiro e Almeida (2009), por exemplo, informam que as taxas de homicídios em diferentes capitais brasileiras (...) alcançaram nível epidêmico em certas comunidades, e as áreas com as maiores taxas são também aquelas com os mais baixos níveis socioeconômicos (p. 46). Quanto ao enfrentamento da violência escolar, Soares, Fraga e Oliveira Filho (2018) não encontraram coerência no discurso dos professores entrevistados, o que (...) evidencia que essa questão ainda não está estruturada na prática docente dos professores, tanto das escolas públicas quando de escolas particulares (p. 23). A aparente falta de um padrão nas atitudes e intervenções dos professores diante sobre violência escolar, no entanto, não se deve a falta de legislação e de estudos relacionados ao tema. Para esse trabalho, por exemplo, foram reunidos diversos artigos científicos em língua portuguesa disponíveis na internet e, ainda, diversos livros disponíveis na biblioteca de nossa escola. Direcionamentos legais que poderiam colaborar mais para essa questão, todavia, tem um caráter mais geral dado, provavelmente, a vasta diversidade das manifestações da violência nas escolas. Professores e diretores, muitas vezes, tentam desdobrar essas leis em regras mais específicas dentro dos regimentos escolares, a fim de se prevenirem em relação a problemas específicos da cada realidade. A forma como cada professor lida com a questão da violência em suas aulas, por sua vez, depende de fatores intrínsecos, como conhecimento e postura profissional, estrutura física e psicológica e; de fatores extrínsecos, como o tipo de comunidade, o apoio da direção, a faixa etária dos alunos etc. Os conhecimentos acadêmicos e mesmo as orientações legais para as intervenções dos professores nos casos de violência escolar, portanto, passam por esse filtro de realidade.
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No caso de realidades muito difíceis, provavelmente, haverá ainda professores que não acreditam que esse tipo de problema tenha solução. Nesses casos, algumas sugestões acadêmicas poderão parecer ineficazes ou, até mesmo, injustas. Para Pescarolo e Moraes (2013-2014), por exemplo (...) se uma criança se descontrola e bate em alguém ou chuta o professor, isso é ruim, mas deve ser trabalhado através da construção dos limites. A violência física de uma criança em hipótese alguma pode ser comparada à de um adulto, que deve apresentar uma capacidade de autocontrole muito maior (p. 7).
Um professor que presencia ou sofre situações de agressão como essa, primeiramente, dirá que isso não é ruim: é muito ruim! Para alguns professores, inclusive, uma agressão verbal “(...) pode ser pior que a física” (GOMES et al., 2006, p. 17). Quando um professor faz uma afirmação desse tipo, podemos ter uma ideia de quanto seus sentimentos e dignidade podem ser maltratados e, sua paciência, testada. Em realidades muito difíceis, multiplique essa situação pelos anos da carreira de um professor e, talvez assim, poderá imaginar suas condições de trabalho e sua qualidade de vida. Para refletir, uma pergunta interessante nessa situação é a seguinte: essas situações de abuso, a frequência com que acontecem e, as reações aceitáveis, são comuns a quais outras categorias profissionais? Para o aluno que agride um professor, por sua vez, poderia ser feita a seguinte pergunta: por que você não chuta um policial ou um criminoso do seu bairro? Menos educado, talvez, seria perguntar: por que você não chuta alguém de sua família? Antes que se pense que este discurso esteja caminhando para o político, ético e pedagógico incorreto, vale lembrar a humanidade e individualidade do professor. Em uma realidade inclusiva de alunos, às vezes, parece difícil aceitar que professores também são, sentem e reagem de maneiras diferentes. Ainda que respostas desse tipo possam ser proferidas como forma de desabafo em um momento de descontrole emocional, se utilizadas com uma entonação diferente, podem colaborar para a conscientização e educação desses alunos: um aluno não chuta um policial ou bandido e, sim um professor, porque sabe que ele não reagirá e, e que sofrerá pouca ou nenhuma represália da escola, da lei e da família. A percepção de que “não vai dar nada” é descrita, inclusive, por alunos que participaram de pesquisas como a de Gomes et al. (2006), em que são aplicadas advertências escritas que não são assinadas pelos pais – que, provavelmente, nem tomaram conhecimento delas – e, suspensões. Diante dessa frágil autoridade escolar, interessante notar que os próprios alunos culpam a escola por ser pouco rigorosa: “A escola não faz nada e não tá
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nem aí” (GOMES et al., 2006, p. 20). Esses alunos sabem, no entanto, que a escola não pode suspender o aluno por mais de cinco dias em casos graves. Fosse perguntar para os professores, provavelmente, esta falta de autoridade representaria uma segunda forma de violência. Seguindo o raciocínio, alunos agressores também não costumam chutar pessoas de sua família pela consideração, pois é a família que lhes protege e apoia (às vezes, mesmo estando errados). Seguindo agora os questionamentos educativos, outras perguntas que podem ser feitas para um aluno agressor são as seguintes: e os professores, não estão aqui também para te ajudar e te apoiar? Você gosta que respeitem teu pai e tua mãe, não é mesmo? Professores e professoras também são pais e mães. O controle necessário pelos professores quando sofrem esse tipo de agressão, no entanto, não advém apenas de sua consciência profissional e maturidade emocional. Eles sabem que podem ser penalizados profissionalmente e judicialmente se revidarem, ainda que, muitas vezes, nem tenham essa capacidade. Há uma dupla questão de poder nesse caso, tanto para os professores quanto para os alunos: o poder pessoal de agressão e reação e, o limite desses poderes estabelecidos por terceiros, seja a sociedade, família ou estado. Em uma perspectiva mais positiva, porém, os professores quase sempre arcam com o ônus dessas agressões, porque sabem que podem representar a única referência para muitas dessas crianças e adolescentes e, sua última chance de encaminhamento para o bem, antes que o mundo exterior cobre esses deslizes de forma muito mais violenta. Pescarolo e Moraes (2013-2014) reconhecem que, para as escolas de periferia, essa consciência e atitudes profissionais são mais importantes. Citam, para tanto, Bourdieu e Passeron (1967), que entendem que (...) a influência dos professores na vida dos alunos é ainda maior nas camadas sociais populares, visto que a escola é uma das poucas fontes de aprendizado para a comunidade. Nisso eles diferem dos alunos oriundos das elites, que têm o privilégio de se constituir através das inúmeras instituições pelas quais podem transitar (PESCAROLO E MORAES, 2013-2014, p-8).
A proposta de se ensinar limites aos alunos, por sua vez, tem que se aliar a extensão dos limites de resistência do próprio professor: é a tal da resiliência. Já vai longe o tempo em que professores davam conta de problemas disciplinares por meio de reguadas nos alunos, puxões de orelha, os mandando ajoelhar sobre o milho e, dos mais variados tipos de castigos físicos. Contou-nos uma inspetora de nossa escola (já bem idosa), certa vez, que havia estudado em uma tradicional escola particular de nossa cidade, em que professores utilizavam
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uma bola de cera presa a uma corda, para acertar a cabeça dos alunos indisciplinados. Lembrava que, além de doer, essa cera ficava grudada nos cabelos. Faz tempo, também, que os alunos não temem professores e direção, ou mesmo, apanharem em casa por terem dado problemas na escola. Retrato dessa antiga opressão de professores contra os alunos pode ser visto no filme “Pink Floyd – The Wall” (PINK..., 1982), no trecho em que é apresentada a música “Another brick in the wall”. Em passagem emblemática, alunos com máscaras – indicando a supressão da identidade e liberdade – caminham em direção a uma máquina de moer carne. Já no final desse trecho, os alunos se revoltam, retiram as máscaras, quebram e incendeiam a escola. Trata-se, no entanto, de um devaneio de um dos alunos, que volta para a realidade ao ouvir a voz estridente de seu professor. Há de se perguntar se essa música e esse filme fossem produzidos na atualidade, se não seria o caso dos professores estarem na fila do moedor. É assim, pelo menos, que muitos professores se sentem. No caso já apresentado do professor que teve o nariz fraturado, por exemplo, ele afirma que tinha medo do aluno antes da agressão: “Quando tenho aula, já entro na sala com medo. Todos da escola sabem como o garoto é perigoso (GLOBO.COM, 2015)”. A agressão sofrida por um professor, no entanto, não é ruim apenas para esse profissional. Situações que se repetem tornam-se parte da cultura. Se a agressão a um professor já é tão banal a ponto de ser relativizada pela ciência, pelas leis e, ainda, ignorada pela sociedade, continuamos em uma relação de abuso como a apresentada em “Another brick in the wall”, embora, com os papeis trocados. Nesse contexto, que sociedade a escola está ajudando a formar? Não defendemos aqui, no entanto, que se reestabeleça o poder abusivo do professor e, nem que os professores reajam na mesma medida das agressões de seus alunos, mas que se faça algo, urgente, em termos de entendimento social e políticas para a segurança, educação e formação profissional. Se existe algo que justifique o reconhecimento de que a profissão docente é desgastante a ponto de merecer uma aposentadoria especial, é justamente esse tipo de violência e o senso de injustiça sentido pelos professores: se esta é uma profissão socialmente relevante; se muito da esperança para que haja mudanças positivas em nossa sociedade dependem da educação; se a função de um professor é colaborar para que seus alunos tenham uma vida melhor; se os professores dividem com as populações de baixa renda muitas das mazelas dessa sociedade desigual, perguntamos: por que, às vezes, parece que estamos jogando contra a sociedade que servimos? Por violência sofrida pelos professores, acrescente-se aí a questão da indisciplina que, ainda que tenha características próprias, é sentida por muitos professores de maneira semelhante. Casos graves de agressões físicas a
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professores, ainda que possam estar se tornando cada vez mais comuns nos noticiários, são poucos se comparados às agressões verbais e morais, quase nunca notificadas e noticiadas, além da extensiva indisciplina que consome as energias, o tempo e a voz dos professores. Professores entendem a indisciplina como uma forma de violência em razão desse desgaste e do impedimento para realizarem bem o seu trabalho. Negrão e Guimarães (2006) observam essa percepção dos professores e defendem “(...) o estudo e reflexão sobre o fenômeno da violência/indisciplina escolar de forma simultânea, pois ambos os conceitos parecem estar entrelaçados (...) (p. 404)”. Ao direcionar o trabalho docente para resolver problemas de indisciplina e, ao trabalhar limites ou qualquer outra noção de Educação Básica, os professores brasileiros acabam gastando tempo de aula que deveria ser utilizado para o ensino dos conteúdos. No que se refere a esse gasto de tempo com outras atividades que não o ensino, de acordo com pesquisa realizada pela OCDE em diferentes países, o Brasil tem a desonra de ser recordista mundial (ESTADÃO, 2014). Se os professores sofrem com a violência de seus alunos, também é verdade que sofrem quando seus alunos são atingidos pela violência, incluindo aí suas péssimas condições de vida. Nesse sentido, fazem o possível para mediar essas situações, seja por meio da instrução, do uso da força legal ou, até mesmo, do uso de sua própria força física. O noticiário do ano de 2017 apresentou o caso mais exemplar nesse sentido: Professora Heley de Abreu Silva Batista trabalhava em uma creche em Janaúba – MG e acabou morrendo queimada ao tentar salvar seus alunos de um incêndio, provocado por um homem com problemas mentais. Em nosso entender, uma foto dessa professora deveria ficar exposta em cada uma das escolas do Brasil, como um lembrete do que a profissão docente pode representar de mais elevado. Ainda que as iniciativas pessoais dos docentes sejam importantes para muitos casos, a legislação e as instruções oficiais para a proteção de menores da violência são bem claras, tanto para os professores, quanto para qualquer funcionário da escola ou adulto que tome ciência de tais situações. O capítulo VII, Art. 227, da Constituição Federal estabelece que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito (...) à dignidade, ao respeito (...) de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988)”. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece em seu Art. 5º que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais” (BRASIL, 1990). Para área da Educação Física, o código
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de ética da profissão estabelece no Art. 6º/item III que seus profissionais devem assegurar aos seus beneficiários um serviço seguro e, no item XIX que devem respeitar e fazer respeitar o ambiente de trabalho (CONFEF, 2015). O Estatuto do Magistério Paulista, por sua vez, indica que o professor deve incentivar “(...) o diálogo e a cooperação entre educandos, demais educadores e a comunidade em geral (...)” (SÃO PAULO, 1985). A partir desse nível governamental, as instruções passam a ser mais específicas, tanto para a detecção dos problemas relacionados à violência, quanto para seu enfrentamento. A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, por exemplo, relacionou diversas regras para tornar saudável a convivência no ambiente escolar, no folheto Normas Gerais de Conduta Escolar – Sistema de Proteção Escolar (SÃO PAULO, 2009a), como o direito dos alunos de receberem a educação em uma escola segura (p. 7) e, deveres como manter esse ambiente seguro; abster-se de condutas ameaçadoras; cuidar da infraestrutura e dos materiais; compartilhar com a direção informações sobre possíveis situações de risco a comunidade escolar; utilizar meios pacíficos para resolução de conflitos; ajudar a manter a escola livre de bebidas; drogas e armas (p. 10). Alguns desses itens, como se pode notar, interpretam potenciais situações de risco como violência, ainda que não contenham o aspecto da intencionalidade descrito por Pinheiro e Almeida (2009). Como faltas disciplinares dos alunos, o folheto Normas Gerais de Conduta Escolar – Sistema de Proteção Escolar (SÃO PAULO, 2009a) relaciona o desrespeito, desacato e afronta a diretores, professores e funcionários; adentrar a escola sob o efeito de bebidas ou drogas; distribuir material difamatório, racista ou preconceituoso (p. 11); danificar ou destruir equipamentos e instalações; intimidar com bombas; utilizar expressões verbais ofensivas ou de conotações sexuais agressivas; envolver-se em brigas; lesionar ou colaborar para o risco de ocorrência de lesões aos integrantes da comunidade por imprudência; comportar-se mal no transporte escolar, realizar contato físico sem o permitido; ameaçar; intimidar; furtar (p.12); vandalizar; consumir, portar, ou distribuir bebidas, drogas ou armas, entre outras (p. 13). Esse mesmo documento estabelece ainda as medidas disciplinares para essas infrações, bem como os responsáveis por sua aplicação. São elas: professores ou diretores são responsáveis por advertir verbalmente ou retirar o aluno da sala e encaminhar a direção; o diretor poderá comunicar os pais por escrito, suspender o aluno de atividades extracurriculares ou suspendê-lo das aulas por até cinco dias letivos. Suspensão de seis a dez dias letivos e transferência compulsória são medidas reservadas ao Conselho Escolar (p.13). Conhecendo o processo necessário para a realização de uma transferência compulsória, é importante lembrar que, além do conselho de escola, pais e Conselho Tutelar, também participa um juiz e, por vezes, é ele
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que tem a palavra final sobre esses casos. Como recursos disciplinares adicionais, orienta a escola a se utilizar do envolvimento dos pais no cotidiano escolar; realizar orientações individuais ou em grupo; orientar os pais; encaminhar o aluno para serviços de orientação, serviços de saúde, de assistência social, ao Conselho Tutelar, ou mesmo, comunicar as autoridades competentes, dos órgãos de segurança pública, Poder Judiciário e Ministério Público, os crimes cometidos dentro da escola (p. 14). Folheto semelhante também elaborado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo é o Manual de proteção escolar e promoção da cidadania: sistema de proteção escolar (SÃO PAULO, 2009b). Esse documento, inicialmente, apresenta os conceitos de cidadania e cultura da paz, bem como, os tipos de violência que podem ocorrer com a comunidade escolar dentro ou fora de seus muros, como: abusos, violência sexual, crimes, contravenções, furtos, calunias, preconceito, bullying, discriminação, racismo, entre outros. Apresenta, em seguida, as pessoas e órgãos responsáveis pela segurança da comunidade escolar, bem como, suas funções. A parte mais interessante desse documento, a nosso ver, são as instruções de como os professores, diretores e funcionários da escola devem agir diante dessas diversas situações. A orientação desse documento deixa bem clara, por exemplo, a obrigatoriedade da escola de proteger os alunos e, também, o seu raio de ação: (...) cabe à escola proteger os estudantes durante seu período de permanência nos prédios escolares e em horário de aula. Essa responsabilidade sobre os alunos abrange igualmente o caso das atividades complementares, regulares ou extraordinárias, dentro ou fora da escola (recreação, excursões, visitas monitoradas, grupos de estudo, oficinas culturais e artísticas, jogos ou campeonatos esportivos, laboratórios etc.). A responsabilidade da escola se estende aos danos que um aluno cause a terceiros, mas, neste caso, a escola pode entrar com uma ação de direito regresso para que a família do aluno que causou danos faça o ressarcimento à escola (SÃO PAULO, 2009b, p. 24).
Informa ainda que os alunos não estão sob a responsabilidade da escola no trajeto para a escola ou vice-versa: “Neste caso, se os estudantes estiverem dentro do Perímetro Escolar de Segurança (100 metros a partir do portão de acesso), a responsabilidade pela sua proteção é do policiamento escolar e dos órgãos de segurança pública (p. 24)”. Outras informações importantes se referem à necessidade de que os pais conheçam as normas escolares; que a escola deve fornecer essa informação logo no início do ano letivo; que essas normas devem ser revistas periodicamente
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para ver se estão adequadas a realidade (p. 27) e; também, a necessidade de preservar a identidade de alunos apenados (p. 30). Talvez a orientação mais interessante na seção desse documento se relacione as medidas que devem ser tomadas quando um aluno agride verbal ou fisicamente um colega ou funcionário: cabe a escola (...) mediar a situação de agressão de modo a garantir a integridade física e emocional dos envolvidos (...) agirem na sua contenção [nosso grifo], privilegiando o diálogo e promovendo oportunidades de solucionar conflitos de forma pacífica (...) (p. 33). Orienta ainda para que se chame a Polícia Militar e o SAMU ou o Resgate do Corpo de Bombeiros em casos que apresentarem feridos. O registro de boletins de ocorrência, no entanto, mesmo que orientado, na prática tem se restringido mais as agressões físicas do que as verbais. No caso do uso e do tráfico de drogas, a orientação é que a Polícia Militar deve ser acionada, por se tratar de um crime previsto na Lei. O artigo 241, item V, do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo, no entanto, orienta que todas as irregularidades que ocorrerem no exercício de suas funções devem ser apresentadas aos superiores que, no caso dos professores, é a direção escolar (SÃO PAULO, 1968). A medida de acionar a Polícia Militar, de acordo com o Manual de proteção escolar e promoção da cidadania (SÃO PAULO, 2009b), também vale para os casos de furto ou roubos, alunos que entram armados na escola, alunos embriagados e que estejam fora de controle, para o conhecimento de alunos que sofrem abuso físico ou sexual e servidores que agridem verbal ou fisicamente alunos ou colegas de trabalho. Manifestações de racismo racial ou religioso, por sua vez, devem ser encaminhadas para instauração de um boletim de ocorrência (p. 33-38), ainda que professores tenham medo de relatar às autoridades muitos desses problemas. No que se refere a necessidade de relatar esses casos as autoridades, a prática tem nos mostrado que, além desse medo, professores e diretores pesam bem as consequências a fim de se protegerem legalmente e evitar problemas para terceiros, optando por solucioná-los de forma local e educativa, desde que não haja vítimas de abuso ou violência grave. Medidas preventivas, no entanto, são descritas por todo o texto desse documento e, em especial, no capítulo VIII, como: trabalhar os temas transversais junto ao tema da paz; apresentar bons exemplos de personalidades ou ações; estar atento à saúde e autoestima da comunidade escolar, entre outros. Para fechar revisão sobre o tema da violência, não poderíamos nos esquecer da questão do bullying, tão antiga quanto atual nas escolas. No livro de Fante (2005), bullying é descrito como (...) palavra de origem inglesa, adotada em muitos países para definir o desejo consciente e deliberado de maltratar
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outra pessoa e colocá-la sob tensão (p. 27). Para caracterizar esse tipo de violência, essa autora descreve o bullying como uma violência oculta, de caráter repetitivo e com desequilíbrio de poder (p. 28). Esse desequilíbrio entre as partes, entre o(s) agressor(es) e a(s) vítima(s), impede, muitas vezes, uma reação ou mesmo denúncia desses atos e consequente detecção e combate ao problema. Dos casos relatados de bullying por Fante (2005), alguns se relacionam diretamente com a Educação Física, ou, com temas relacionados a ela, como a obesidade, a pouca habilidade esportiva, questões de gênero etc. No que se refere ao enfrentamento desse fenômeno, cita diversas ações desenvolvidas por governos e escolas de diversos países.
Propostas para a formação dos professores estagiários e contrapartidas PE-1 e PE-2, os professores-estagiários que participaram desse primeiro projeto, já nos conheciam de outras oportunidades. PE-1 havia sido nosso aluno de graduação nas Faculdades Claretianas, atual Claretiano Faculdade, onde lecionamos as disciplinas de Lutas, Pedagogia dos Esportes e Formação Profissional, para turmas do curso de Bacharelado em Educação Física. PE-1 complementava sua formação com o curso de Licenciatura, na universidade de Rio Claro. PE-2, aluna desse mesmo curso da universidade, havia sido bolsista do PIBID em nossa escola, programa em que atuamos como professor supervisor por vários anos. Foi com satisfação que os recebemos para o estágio curricular, por serem bons alunos de graduação, pacientes com os alunos e conhecedores da realidade de uma escola pública. Frequentando um curso de tempo integral, muito exigente em relação a leituras, trabalhos e atividades, nos preocupava o fato de sobrecarregar ainda mais os professores-estagiários com as atividades desse projeto. Por essa razão, a maioria de suas atividades foi desenvolvida no próprio horário de estágio, ou, por meio virtual. As atividades desse projeto envolveram: 1. Conversas informais com alunos que se envolveram ou passaram por situações significativas de violência. 2. Intervenções feitas junto aos alunos em casos de violência que surgiram durante as aulas. 3. Momentos de discussão/reflexão sobre as atividades desenvolvidas: a cada encontro presencial, ou, por correio eletrônico.
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4. Observação e participação em aula desenvolvida e aplicada pelo professor colaborador, em que o tema da violência foi abordado de maneira transversal. 5. Desenvolver e aplicar aula (regência), em que o tema da violência foi abordado de maneira transversal. 6. Participação na apresentação dos resultados do projeto em aula de estágio na Universidade. 7. Elaboração dos textos de apresentação e conclusão. Outras atividades desse projeto foram desenvolvidas sem a necessidade da presença dos professores-estagiários: 1. Entrevistas com alunos que viveram situações de violência (gravações de áudios). 2. Aplicação de questionários sobre o tema da violência na escola para professores e direção escolar. 3. Aplicação de questionários sobre o tema da violência na escola para pais e alunos (somente para as classes que receberam professores-estagiários). 4. Desenvolvimento da apresentação em PowerPoint acerca dos resultados desse projeto, destinada a uma das aulas de estágio na universidade. Assim como outros projetos desenvolvidos anteriormente em nossa escola, mantivemos o compromisso de cumprir a programação do Currículo Oficial do Estado de São Paulo. As atividades e objetivos desse projeto, portanto, se deram de maneira transversal e complementar a tal currículo, visando tanto a formação dos professores-estagiários, quanto a dos escolares. A presença dos professores-estagiários nesse período, portanto, colaborou com o processo de ensino–aprendizagem de nossos alunos no que se refere aos conteúdos curriculares, bem como, para o constante processo de conscientização sobre a questão da violência. Ao mesmo tempo em que colaboravam com nosso trabalho, tínhamos como objetivo colocar os professores-estagiários em situações que lhes proporcionassem o contato com diversas manifestações de violência que atingem nossa comunidade escolar, bem como, suas possíveis causas e efeitos, possibilitando, ainda, que realizassem algumas intervenções.
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Experiência e opiniões do professor colaborador A violência se manifesta de diversas maneiras nas aulas de Educação Física, assim como em outros momentos e espaços de nossa escola, trazendo sofrimento e prejuízos à comunidade e ao trabalho escolar. Pela nossa experiência, consideramos que deve ser comum para os professores dessa disciplina, especialmente para os que trabalham em escolas públicas que atendem às periferias, perceber ou vivenciar situações de violência na relação com seus alunos e comunidade. Entendemos, também, que as intervenções desses professores sobre as questões de violência escolar dependem de fatores como formação profissional, leis que regem a profissão e a convivência escolar, características físicas e psicológicas do professor, apoio dos superiores e da comunidade, entre outros. Essas intervenções, por sua vez, poderão ter como objetivo a solução de problemas pontuais ou a prevenção. Como exemplo, podemos relatar, primeiramente, os casos das brigas que acontecem durante os jogos de futsal. Resolvemos esse tipo de problema, já por várias vezes, retirando os envolvidos do jogo e colocando-os sentados, um em cada lado da arquibancada. Mesmo sem o acompanhamento de uma conversa esclarecedora, essa ação costuma ser educativa, especialmente para alunos que gostam do jogo. Outro caso, ocorrido há bem pouco tempo, se deu durante uma atividade em sala de aula, quando percebemos que um de nossos alunos estava em silêncio, mas não realizava as atividades. Ao invés disso, desenhava em seu caderno e na carteira algo que não tinha nada a ver com o assunto que tratávamos...
Desenho elaborado por aluno do 8º ano do Ensino Fundamental
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Para casos como esses temos tomado diferentes atitudes. Se estivermos enfrentando muitos problemas de indisciplina com a classe, por exemplo, talvez o silêncio desse aluno seja mais interessante do que perder o controle da classe. Se, por outro lado, tivermos condições de realizar alguma intervenção educativa em favor desse aluno (que, pelo significado desse desenho, já teve ou tem problemas relacionados à violência), costumamos não nos furtar desse trabalho extra. O desenrolar desse caso que nos é recente, porém, deixaremos para tratar no final desta seção. Em se tratando de violência na escola, se nossa experiência não é única, podemos afirmar que um professor de Educação Física não apenas vê, mais ouve e participa de muita coisa. Prossegue então a pergunta: qual a responsabilidade de um professor sobre muitas dessas questões? Nesses tempos em que os problemas relacionados às atitudes parecem ser menos relevantes para as políticas educacionais do que o rendimento dos alunos nas avaliações externas, gostaríamos de apresentar outros dois casos que poderão ajudar a responder esta pergunta ou, ao menos, proporcionar uma reflexão: no ano de 2006, na onda de ataques organizados por uma facção criminosa no Estado de São Paulo, um aluno nos contou que a “coisa pegou” no seu bairro aquela noite, quando incendiaram um ônibus. Em outra ocasião, uma aluna nos contava sobre a forma como seu pai ganhava a vida: “Meu pai é 1-7-1. Mas ele disse que não engana pobre ... Ah, mas eu acho que engana, sim...”. Tanto o caso do garoto do desenho quanto esses dois últimos nos apresentam tipos de violência muito comuns às escolas que atendem as periferias: as violências culturais, sociais e econômicas. O garoto do desenho, sob um rápido olhar, expressava seus sentimentos e cultura por meio de seus traços (um professor experiente, na verdade, analisaria essa situação em diversas perspectivas, como o tédio, a desmotivação, a falta de relação entre o que se apresenta na aula com a realidade do aluno, entre outras). Os relatos dos outros dois alunos dão conta de situações vividas, como residir em uma comunidade afetada pelo crime, ou, fazer parte de uma família que vive do crime. Para muitas escolas, não são raros os casos de alunos nessas condições. Para lidar com situações como essas nos tem valido a experiência profissional e de vida, uma vez que, em nossa antiga formação inicial, esses problemas sequer foram levantados. Mesmo mal preparados e sem respostas prontas para muitas dessas questões, porém, nunca acreditamos que estes problemas não faziam parte de nosso trabalho. Além da questão da consciência, havia a necessidade de intervenção em alguns casos, em razão de influenciarem a maneira como nossos alunos se relacionavam com a escola e com o processo de ensino–aprendizagem. Já que a cultura e os atos de violência não ficam restritos
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às famílias e aos bairros, invadindo o espaço e o trabalho escolar, isto requer dos trabalhadores da educação uma postura ativa, na falta de outras pessoas ou instituições que deem conta desse tipo de problema, e que deixem para os professores apenas a tarefa de ensinar. Um exemplo de código ou cultura de violência para as comunidades de periferia atuais, por exemplo, é que uma mulher que assedia o parceiro ou parceira de outra, fatalmente, deverá sofrer represálias. Essa, também, tem sido a razão principal para as inúmeras brigas que acontecem entre alunas nas saídas das escolas. Muitas dessas brigas são filmadas por alunos que assistem e incentivam esses atos e, quase que imediatamente, compartilham esses vídeos nas redes sociais. Em relação às brigas de meninas, já buscou-se discutir essa situação em aula, procurando saber suas motivações, bem como, o que tais atitudes acrescentavam à vida das pessoas envolvidas. Também se contou para os alunos que, antigamente, briga era mais coisa de homem. Tais reflexões, no entanto, parecem surtir pouco efeito. As traições, simplesmente, não são aceitas nas comunidades. Já presenciamos, inclusive, uma briga em que a mãe de um aluno, junto à sua nora, invadiu a escola para brigar com uma menina que estava se envolvendo com o rapaz. Resultado: na confusão, a coordenadora pedagógica da escola acabou sendo agredida ao tentar defender a aluna e, todos acabaram na delegacia. Essa cultura de violência também se expressa na escola, na maneira como os alunos compreendem e vivenciam a Educação Física e seus conteúdos. Nesse caso, a intervenção do professor da disciplina é uma necessidade direta. Do tempo em que éramos alunos, quando as aulas de Educação Física ainda aconteciam em período contrário das demais disciplinas e eram separadas por gênero, a lembrança das constantes brigas que aconteciam nas saídas, quase sempre motivadas pelas discussões ocorridas durante os jogos de futebol de salão (o futsal da época). Ainda que, como professor, observamos que as brigas entre garotos tenham diminuído ao longo dos anos, os jogos de “futebol” continuam sendo motivo e válvula de escape para boa parte da violência entre os meninos. Há poucos anos, por exemplo, tivemos um caso de uma agressão que quase resultou em tragédia. Durante uma partida de futsal, dois alunos discutiram, até que um deles agrediu o outro com um soco na cabeça, levando-o ao desmaio. Para piorar essa situação, não assistimos o momento da agressão, por nos encontrar na parte baixa da quadra. Estávamos arrumando os materiais quando nos chamaram. Ao chegar ao local, percebemos que o aluno estava convulsionando. Levamos o garoto amparado para fora da quadra e, em seguida, para o hospital. Para piorar ainda mais a situação, a mãe do aluno
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agredido estava viajando e, seu pai teve que deixar o trabalho para vir até o hospital. O pai nos informou, então, que seu filho não podia sofrer pancadas na cabeça, pois, quando pequeno, tinha passado por uma cirurgia no crânio, depois de ter caído de uma laje. Nosso temor e preocupação pela vida do garoto, nesse momento, eram equivalentes a nossa frustração profissional, de ter acreditado que uma turma disciplinada, da 3ª série do Ensino Médio, não poderia causar esse tipo de problema. A questão da supervisão, como se vê, é sempre necessária, inclusive para a segurança do próprio professor. Depois de passado o susto, a aluno agressor pediu desculpas e se arrependeu. Esse caso fará parte de seu conhecimento profissional, uma vez que está se preparando para ser professor de Educação Física. Além dos atos intencionais, algumas características da Educação Física, como o movimento, os confrontos e, até mesmo, as brincadeiras, podem proporcionar situações de violência e perigo. Logo que começamos a dar aulas, por exemplo, a diretora da escola nos orientou sobre o perigo dos alunos balançarem dependurados nas traves de futsal, que não tinham encaixe no chão. Fosse hoje em dia, já teríamos amarrado essas traves na tabela do basquete ou dado outro jeito. Acontece que, pela inexperiência da época, com tantas crianças correndo de um lado para outro, era muita coisa que tínhamos para ver e cuidar. Falar também não garante muita coisa com as crianças: apesar de termos instruído os alunos a não se dependurarem nas traves, foi só uma desatenção para que um grupo o fizesse e, na queda da trave, sobrasse para a testa de um dos alunos. A pancada lhe abriu o supercílio a ponto do osso da testa ficar a mostra, fora as lascas de tinta da velha trave que ficaram no corte. Mesmo que um professor tenha muito cuidado com as questões de supervisão e instrução, no entanto, a segurança dos alunos e sua tranquilidade nunca estarão totalmente garantidas. A falta de noção sobre consequências, o excesso de competitividade, a falta de habilidade, entre outros fatores, também pode transformar atividades normais em situações violentas e perigosas. Exemplo: ao desenvolver o conteúdo do handebol com uma turma de Ensino Médio, certa vez, colocamos as meninas para jogar com os meninos. Tal estratégia pode abrigar diversas justificativas pedagógicas, como desenvolver o respeito ao gênero, às diferenças físicas e de habilidades, incluir um número maior de alunos, entre outras. Além disso, alunos dessa faixa etária, normalmente, costumam compreender bem as instruções, de modo que ocorrem poucos problemas. Na prática, no entanto, nem todo esse cuidado é suficiente. Explicamos para os meninos irem devagar e, especialmente, para não saltarem nas finalizações a gol, a fim de não oferecerem perigo às meninas. Era para jogar “com” e, não “contra”. Para as meninas, ensinamos a se posicionarem na formação 6 x 0,
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com afastamento lateral e frontal dos pés, a fim de ajudar no equilíbrio e evitar quedas, no caso de algum choque. Mas, mal começou o jogo para parecer que havíamos ensinado tudo ao contrário! Um dos alunos, mais afoito (e que enxergava mal de uma das vistas desde a infância, depois de ter sido atingido por uma flecha atirada por seu irmão), partiu para o ataque e saltou para o tiro a gol, atingindo uma das meninas na altura do peito. A menina, que estava com os pés unidos como um soldado em posição de sentido, caiu dura para trás, batendo com a nuca no chão. Quem já presenciou algo parecido deve ter percebido que, no instante final de uma queda desse tipo, a cabeça ainda é jogada para trás pela extensão do pescoço, o que potencializa a pancada. Descrever o que pensamos e dissemos naquele momento seria pouco elegante, mas essa é uma história que costumamos contar para os nossos alunos. Talvez pela forma que contamos essa história, os alunos acabam se divertindo, mas, quando aconteceu, não teve a menor graça. Ao socorrermos a garota percebemos que o hematoma formado em sua cabeça era maior do que a palma de nossa mão. Na verdade, sobrava inchaço para fora de nossos dedos, algo muito assustador. Depois de acompanhá-la ao hospital junto a sua mãe, ficamos ainda muito preocupados pelo tempo que passou em observação. Esse é apenas um exemplo dentre muitos casos de alunos que não conseguem controlar seu instinto de vencer, fazer um gol, mesmo com toda a instrução. Para eles, vencer sempre será o aspecto principal de um jogo. Essa questão de priorizar o aspecto competitivo das atividades, no entanto, não é exclusividade dos alunos. Do tempo em que lecionávamos no Ensino Superior, nos recordamos das diversas discussões e brigas que aconteciam com um pessoal que alugava os campos da faculdade para jogos noturnos. Sinceramente, nos parecia incompreensível que alguém pudesse gastar dinheiro para passar por aquele estresse. Como professor que gostava e participava de competições escolares, no entanto, precisamos admitir que, muitas vezes, também nos estressamos em razão das competições. Fosse o principal objetivo dessas participações colaborar para a educação dos alunos, como acreditamos que deve ser hoje em dia, muitas dessas discussões sequer teriam acontecido. Mesmo com esse direcionamento, porém, a carga extra de competitividade e o controle das emoções em situações de pressão podem desiquilibrar alguns alunos. O que é inadmissível é que os professores percam seu controle emocional. Nesse sentido, vemos muita diferença entre nossa atuação profissional de início de carreira com a atual. Com o tempo, realmente, aprende-se a valorizar o que é mais importante. Pena que se chega a essas conclusões, muitas vezes, somente depois que aconteça algo mais grave. Dos alunos que perdemos pela violência das armas, por exemplo, alguns maltratavam os professores, davam trabalho na escola, ou,
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já a tinham abandonado. Sendo assim, quando chegavam as más notícias, era normal que alguns colegas se resignassem a comentar algo como: “encontrou o que estava procurando”, ou, “morreu da forma como viveu”. Mesmos nesses casos ou, talvez, especialmente nesses casos, permanecia na memória o esforço gasto pela comunidade escolar para tentar encaminhar essas crianças que acabaram se perdendo. Por diversas vezes, participamos de reuniões com os pais desses alunos e observamos colegas professores, coordenadoras pedagógicas e diretoras se emocionarem junto às famílias, ainda que, muitas vezes, também fossem vítimas da violência desses alunos. Situações como essa nos têm mostrado que é realmente importante manter as crianças na escola, mas, que isso tem um custo para quem trabalha na educação. De todas as formas de violência que um professor pode sofrer, porém, acreditamos que a mais incompreensível seja aquela que o coloca justamente em uma posição contrária a que defende. Esse tipo de violência já começa pelo discurso sobre o fracasso da escola pública, que coloca o professor como o culpado por todas as mazelas que atrapalham o processo de ensino– aprendizagem. O primeiro erro nesse discurso é que, mesmo entre as escolas públicas, há muita diferença. Há escolas públicas em nossa cidade, por exemplo, que têm melhores resultados do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) do que algumas escolas particulares. São as escolas técnicas, em que os alunos ingressam por meio de concursos. Anualmente, nossa escola costuma “perder” os alunos de melhor rendimento para as escolas técnicas e para a Guarda Mirim. O sentimento dos professores, nesses casos, se alterna entre a satisfação de saber que esses alunos terão melhores oportunidades e, a conformação de que os alunos que ficaram dão mais trabalho pedagógico e disciplinar. Esses alunos, além do mais, derrubam os resultados da escola nas provas externas, o que resulta em sua baixa classificação e, também, na perda de prêmios oferecidos aos professores por resultados. As escolas públicas que recebem alunos que participam da guarda-mirim (que cobra resultados escolares para que os alunos permaneçam em seu programa) e as escolas técnicas, eliminam a maioria desses casos pelo processo de seleção, o conhecido “vestibulinho”. Sucesso e fracasso nessas diferentes realidades, portanto, devem ter pesos e medidas diferentes. Para uma escola pública que enfrenta sérias dificuldades, às vezes, sucesso é alfabetizar minimamente um aluno que chega às séries adiantadas sem saber ler e escrever, ainda que ele não alcance bons resultados nas provas externas. É fácil notar que boa parte dos alunos com baixo rendimento escolar também apresenta problemas relacionados, como a baixa frequência, a falta de estudo, por não realizarem tarefas para casa, por não trazerem o material para a escola, além da indisciplina, incluindo os atos de violência. Trabalhar
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com esses alunos demanda muito mais energia e esforço dos professores e, para piorar, a visão de parte da sociedade sobre as escolas que vivem essa realidade, é a seguinte: a escola é que é o problema e, não que ela esteja tentando solucionar esses múltiplos problemas. No grupo de pessoas que já reclamaram dessa situação, nas escolas em que já trabalhamos, estão os que criticam alunos que não saem do meio da rua nas saídas, de alunos que brigam, falam palavrões, fazem barulho e realizam pequenos delitos na vizinhança, enquanto “a escola e os professores não fazem nada para acabar com esses casos”. Comparamos a injustiça dessa situação ao cenário de um policial que enfrenta os maiores desafios, sendo sempre o mais valorizado e que, geralmente, integra um pelotão de elite. Entendemos que escolas problemáticas deveriam ser consideradas locais de luta, podendo ser descritas como verdadeiras escolas de inclusão. Os professores que trabalham nessas condições deveriam ser formados e considerados como a tropa de elite da educação. Parece-nos, no entanto, que ocorre o inverso: um professor que realiza um bom trabalho e exerce a docência nessas condições, provavelmente, já deve ter recebido conselhos para mudar de trabalho ou, pelo menos, de escola. Escolas desse tipo espantam até mesmo os estagiários. Dentre os desafios enfrentados por essas “verdadeiras escolas de inclusão”, está o acolhimento de alunos apenados. Desconhecemos casos de alunos nessa situação que foram enviados para escolas técnicas e, muito menos, para escolas particulares, provavelmente pelo sigilo que envolve esse processo. Nós mesmos, no entanto, já trabalhamos com muitos desses casos. Entendemos que é nosso papel, como profissionais, oferecer uma ajuda para reintegrar esses jovens à sociedade. Menores que retornam ao convívio social depois de cumprirem período de internação na Fundação Casa devem frequentar uma escola que, por sua vez, terá o cuidado legal de manter as infrações e o período de internação desses alunos em sigilo. Na maioria das vezes, porém, os professores e os alunos já conhecem esses casos, pois esses jovens já faziam parte da comunidade, ou, eles mesmos revelam sua situação. Pela nossa experiência, observamos que há casos de alunos apenados que retornam mais educados e passam a respeitar os professores. Há, porém, casos mais difíceis, como o de um ex-aluno nosso que, em sua primeira aula de Educação Física, contava para seus colegas o seguinte: “agora que eu saí, eu quero é aproveitar”. Sempre que nos deparamos com esses casos, procuramos nos adiantar para evitar futuros problemas e, talvez, oferecer alguma instrução e ajuda. Nesse caso, procuramos saber o que esse aluno queria dizer com “aproveitar”, a fim de lhe oferecer algum conselho. Também procuramos saber se gostava de esportes, uma vez que suas irmãs,
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antes dele, haviam integrado nossas equipes escolares de atletismo e de futsal. Essa conversa e o período desse garoto na escola, no entanto, duraram pouco. Antes que viesse a ser morto por outros criminosos, quase custou a vida de uma de suas irmãs, que levou um tiro em seu lugar, por ser confundida com ele. Mesmo que tenham sido muitos os casos de alunos apenados com os quais já trabalhamos, nunca tivemos casos de desrespeito entre eles, talvez porque temam causar algum problema e acabarem voltando para o regime socioeducativo. A maioria dos alunos que recebemos nessa situação, porém, ficaram pouco tempo na escola. Formas de desrespeito que vivenciamos com outros alunos se resumiram a agressões verbais. Em outro caso, quando atendia a mãe de um aluno nos havia ofendido, ela nos informou que protegia seu filho por ser mãe e, porque os professores costumam proteger uns aos outros. Ao colocar os professores de um lado e o filho de outro, na verdade, essa mãe colaborava para desagregar o que deveria ser um mesmo time. Casos como esse também demonstram que o diálogo com a comunidade, às vezes, é tão ou mais complicado do que o que se estabelece com os alunos. Alunos que nos provocaram para a briga, no entanto, foram poucos. Em uma dessas vezes, um aluno pegou uma cadeira para nos agredir, mas foi contido por uma funcionária. Talvez por ter praticado lutas durante boa parte de nossa vida, não é tão difícil manter a tranquilidade em situações como essas. Mas vem o “depois”, o receio dos desdobramentos, o ambiente fica pesado e, fora o foco na educação, que se perde. No caso desse garoto, seu pai e irmão já estavam presos por assassinato. Talvez por essa razão, ele não gostava muito de policiais e os ofendia, inclusive, durante as aulas de Educação Física, já que a quadra dessa escola em que trabalhamos, dava vista para a rua. Por mais de uma vez precisamos intervir com os policiais que entravam na escola para pegar esse ou outro garoto, algumas vezes com sucesso, outras não. Com o tempo, conseguimos ganhar o respeito e estabelecer uma linha de conversa com esse aluno, depois que lhe emprestamos o livro “Carandiru”, de Dráuzio Varella. Esse livro ele acabou emprestando para seu pai e irmão que estavam presos e, posteriormente, chegou a nos mostrar fotos de seus familiares na prisão. Infelizmente, anos mais tarde, soubemos que esse aluno havia sido morto na vida do crime. Outro caso de provocação partiu de um aluno que parecia ter problemas mentais ou emocionais. A diretora da escola o havia retirado da sala de outro professor, por estar dando problemas. Deixou-o, justamente, em nossa classe. Continuou a dar problemas e começou a nos provocar, empurrando-nos com os ombros enquanto o conduzíamos de volta para a diretoria. Nesse dia, no entanto, parece que ficamos um pouco mais nervosos, tanto que a diretora nos
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pedia constantemente para não perdermos o controle, com medo que não suportássemos as provocações. Graças a Deus, terminou tudo bem: conseguimos conversar e manter uma relação de respeito com esse aluno, no curto período em que ele ainda permaneceu escola. Para lidar com todas essas situações, quanto de experiência nos foi necessário para compensar a falta de preparo durante a graduação? Um dos aprendizados experienciais mais relevantes para enfrentar essas situações de violência se refere ao equilíbrio entre firmeza e tato, disciplina e amizade. Esse processo tem sido longo e difícil, não somente para nós, mas, para muitos colegas. Em várias ocasiões, por exemplo, presenciamos professoras perderem o controle emocional e saírem chorando de uma classe em razão da indisciplina e das ofensas sofridas, especialmente, professoras substitutas. Em relação aos professores em formação, podemos mencionar o caso de uma ex-bolsista do PIBID, que veio fazer a aplicação de sua dissertação de mestrado em nossa escola, justamente em um dia que estávamos ausentes devido aos jogos escolares. A indisciplina da turma nesse dia foi tanta, que ela não conseguiu desenvolver seu projeto e abandonou a classe chorando. Em outro caso, um estagiário fez a observação de que havia aprendido muitos estilos de ensino na universidade (estilos de ensino de Muska Mosston), mas que, em razão da indisciplina de nossos alunos, só conseguia trabalhar com o método comando, que consiste em um controle maior do professor e, menor autonomia dos alunos. Essas experiências nos ajudam a compreender que a indisciplina dos alunos pode tanto impedir o trabalho de um professor, quanto direcionar suas formas de trabalho. O trabalho de um professor pode ser mesmo uma coisa bruta, porque não é qualquer profissional que se sujeita a passar por essas situações. Por essa razão, admiramos professores que, com uma atitude diferente, conseguem controlar uma classe por meio da gentileza e do diálogo, ainda que, não para todos os casos. Citamos o exemplo de uma colega professora, retrato de uma pessoa calma, muito paciente e carinhosa com seus alunos, até o momento em que levava uma bolada. Em alguns anos compartilhando a mesma quadra de aula, tivemos a infelicidade de ver isso acontecer por três vezes, já que essas pancadas foram muito fortes e, para piorar, eram acompanhadas das risadas dos alunos. Nesses casos, o humor dessa professora se alterava completamente. No descontrole, ofendia os alunos e abandonava as aulas. Pessoalmente, consideramos o caso das boladas como “ossos do ofício”. Tendo já levado algumas dessas pancadas durante nossa carreira, mesmo não sendo nada agradáveis, consideramos que provocações e ofensas acabam nos incomodando mais.
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Pelas escolas por que passamos, além de lidar com os próprios problemas, procuramos ajudar professores mais novos ou mais sensíveis às situações de violência. Já trabalhamos em escolas em que éramos a única figura masculina adulta presente em momentos de violência, tendo que socorrer as colegas na medida do possível, às vezes conversando, às vezes intervindo fisicamente. Como exemplo para o primeiro caso, uma funcionária veio nos chamar, certa vez, para socorrer uma professora substituta. Ao chegar à classe e ver a professora, uma frágil moça que aparentava ser evangélica, chegou a nos dar pena. Estava virada para a lousa com uma expressão de terror, escrevendo e chorando ao mesmo tempo, enquanto os alunos brigavam e atiravam as carteiras uns nos outros. Outra vez, tivemos que entrar em uma sala em que uma professora havia tentando separar uma briga, mas acabou caindo. Acredito que a professora havia passado mal, porque seus olhos variavam enquanto estava deitada. Mesmo assim, não pudemos atendê-la naquele momento, pois dois alunos se atracavam, um pelo pescoço e o outro pela bochecha, empenhando um dos dedos como um tipo de anzol. Avaliando rapidamente, não deu para saber quem estava brigando no bolo que havia se formado. Nessa confusão, os primeiros alunos que apartamos nos pediam calma, pois, também estavam tentando separar a briga. Essa pressa, no entanto, era pela preocupação de que a bochecha de um dos garotos rasgasse, ou, que ele mordesse e arrancasse o dedo do outro menino. Somente depois de separar os dois alunos foi que conseguimos socorrer a professora, que precisou ir embora para casa. Foi quando percebemos, também, que um dos garotos que brigava havia enroscado os pés entre as ferragens de uma das carteiras. Como seu pé conseguiu passar em um espaço tão estreito pode oferecer uma ideia da confusão. Conhecer um pouco de artes marciais também ajuda nessas situações em que é necessário intervir fisicamente. Por contarmos com esse conhecimento, além de nos sentirmos mais seguros para essas intervenções, procuramos instruir os alunos sobre os riscos dessas brigas. A maioria não tem noção das consequências e, no decorrer das situações, as coisas podem tomar proporções imprevisíveis. Para esse tipo de instrução, além de nossa experiência com as lutas, as próprias situações de violência vividas pelos alunos acabam servindo como subsídios para as aulas. Tratar da temática da violência nas aulas, além do mais, costuma chamar a atenção de nossos alunos pela proximidade com a própria realidade. A troca de experiências é um dos métodos mais utilizados nessas ocasiões. Conduzir essas aulas, alternando situações dramáticas e cômicas, também costuma motivar os alunos. Como momento pedagógico para tratar da questão da violência, o ensino dos conteúdos de lutas tem sido uma boa oportunidade: além dos
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elementos curriculares de cada uma das modalidades de lutas que são abordadas no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, procuramos passar o conceito de defesa pessoal pelos três passos: sentir, pensar e agir. Esses três passos são representados por sinais que significam estar preparado em três níveis: sentimento, conhecimento e ação. Para qualquer situação de risco, é válido seguir essa sequência. A esses três passos, relacionamos situações comuns da vida dos alunos, como sair para um baile ou festa. Nesse caso, o primeiro passo é sentir que seu objetivo é sair para se divertir e ser feliz, não para arrumar uma briga. Para algumas pessoas esse primeiro passo pode ser sentido ou desejado por meio da benção solicitada aos pais, por uma oração, ou, por uma simples meditação. O segundo passo é conhecer todas as situações de risco dessa atividade, seja durante a ida, permanência ou retorno. Um local de risco por onde será necessário transitar (falta de iluminação e movimento, por exemplo) ou pessoas que podem causar problemas, são itens que devem ser levados em consideração. O último passo é representado pela capacidade de executar algumas técnicas de defesa pessoal. Esses três passos podem ser relacionados às três dimensões dos conteúdos apresentadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais: atitudinal, conceitual e procedimental (BRASIL, 1998a). Na prática, uma abordagem pedagógica desse tipo enriquece o conhecimento das lutas, além de prevenir que alguns alunos façam uso de técnicas de defesa pessoal para a agressão. Sua ênfase está nos dois primeiros passos, que visam eliminar a maioria das situações que conduzam a necessidade do uso da força e das técnicas de combate. Essa sequência dos três passos também é utilizada em nossa vida pessoal e profissional. Não é apenas transmitir para os alunos a ideia de que, na vida, você não sabe o que vai encontrar pelo caminho. É estar consciente dessa possibilidade o tempo todo. Pelas situações que descreveremos a seguir, talvez seja mais fácil entender as razões que nos levam a acreditar que, um bom dia de trabalho na escola, começa sempre com uma oração antes de entrar em serviço. Certa vez, quando lecionávamos aos finais de semana para uma turma do EJA (Educação de Jovens e Adultos), recebemos um aluno que nunca havia aparecido nas aulas. Se é possível que alguém perceba o sentimento ou a intenção de uma pessoa pelo olhar, esse dia foi um bom exemplo. Os olhos desse aluno, mais do que vermelhos pelo possível uso de drogas, transmitiam maldade. Tanto que nosso primeiro pensamento ao vê-lo foi: “esse aluno vai dar problema”. Durante os jogos que participou, dava para sentir que sua motivação não era se divertir, tanto que fazia algumas jogadas mais duras e, sempre nos olhava para ver qual era nossa reação, que era fazer gestos para que maneirasse. Fora isso, não trocamos palavra alguma com esse aluno.
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Mesmo assim, o término da aula trouxe certo alívio, ainda que nada de mais grave houvesse acontecido. Esse caso passou, então, como algo natural até o meio da semana, quando uma das funcionárias da escola nos mostrou uma foto em um jornal e, nos perguntou se conhecíamos a pessoa. Era aquele aluno! Após aquela aula, junto a um comparsa, foram até um sítio para assaltar um casal de idosos. Acabaram assassinando o senhor, esmagando lhe os genitais com golpes de marreta e, a senhora, também quase morreu, porque a deixaram amarrada a uma cadeira por muito tempo. Na época, esse crime foi noticiado nos jornais e na TV. Mesmo que terrível, durante nossa carreira docente, soubemos de casos tão tristes e violentos quanto esse, a ponto de que, muitas vezes, preferíamos não saber de seus detalhes. Era o caso de crianças estupradas. Quando se chega aos autores desses crimes, muitas vezes, a própria comunidade tenta julgar e punir o infrator. Dentre os inúmeros vídeos compartilhados pelos nossos alunos nas redes sociais em um determinado ano, o que apresentava o linchamento de um criminoso que estuprou um bebê no bairro foi muito disseminado. Outro caso em nossa recordação se refere a uma aluna que havia sido abusada e engravidou de um parente próximo, quando ainda era criança. Espantava-nos, nessa época, ver que, apesar desse problema, a garota parecia estar bem. Depois de um tempo fora da escola, porém, soubemos que ela havia tentado o suicídio. Como se pode notar, casos graves de violência em escolas de periferia não são incomuns. Além de nossa própria experiência, podemos citar os inúmeros relatos de colegas que trabalham ou já trabalharam em condições semelhantes, como: o de uma professora que se escondia com seus alunos na parte mais baixa da quadra, durante tiroteios que ocorriam na comunidade; de colegas agredidos fisicamente; de professoras que saiam com marcas roxas pelo corpo ao tentar separar brigas; de bandidos que invadiam ou frequentavam o espaço da escola, entre tantas outras ocorrências. Além desses casos graves, situações menores vividas e divididas com as comunidades escolares também causam muitos danos e geram muito desgaste. As brigas nas saídas, além da péssima imagem que passam da escola, incendeiam as aulas subsequentes com o espirito da violência, tornando o trabalho dos professores muito mais difícil. Essa violência também chega aos motoristas dos ônibus que transportam alunos, que quebram os veículos, brigam e fazem baderna, a ponto de ser necessário, por vezes, suspender esse serviço. Um caso relacionado a esse problema e que nos marcou muito, aconteceu há alguns anos: um dos motoristas dos ônibus que iriam levar os alunos do período da tarde, pediu para a diretora dar um jeito na bagunça, pois estava impossível trabalhar. Como a reunião de ATPC (HTPC, na época) já havia começado, a diretora nos pediu para deixá-la por um
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momento e ir conversar com os alunos. Chegando ao ônibus, que mais parecia um circo, pedimos aos alunos para que se sentassem e se comportassem. Assim o fizeram e, pudemos voltar para a reunião. Depois de algum tempo, porém, ligaram para a escola e disseram que um dos ônibus havia se acidentado, e que muitos alunos haviam se machucado ou morrido. Antes que se verificasse a extensão e veracidade dos fatos, porém, (vários alunos se machucaram e, somente o motorista de um dos ônibus veio a falecer) nos dirigimos rapidamente até o local, primeiramente de moto e, depois a pé, pois a polícia havia fechado o acesso. Chegando ao local, bateu o desespero quando vimos os bancos de trás do ônibus arrancados, justamente onde os alunos que promoviam a bagunça haviam sentado. O pensamento nesse momento foi: “Pronto. Quis ajudar e acabei matando as crianças”. Depois de esclarecido o caso, quiseram saber os motivos desse acidente, sendo que houve até reportagens, relatando que os alunos começaram a cantar uma música nos ônibus, dizendo que não tinham medo de morrer. Casos desse tipo dão uma ideia da dimensão emocional do trabalho docente, que poucas pessoas devem conhecer. Outro problema que enfrentamos constantemente se relaciona a depredação do patrimônio da escola, o desprezo e a falta de cuidado com o material didático, que também consideramos como questões de violência escolar. Esse tipo de violência é muito banal em nosso meio, ainda que, incompreensível. Para um professor que trabalha nessas condições, ainda que muitos desses problemas lhe pareçam inaceitáveis, há a necessidade de aprender a conviver. Quando se chegam a situações de extrema opressão, porém, é mais fácil para as comunidades compreenderem o que as une e, o que as separa. Exemplo marcante dessa situação foi quando uma empresa de ônibus deixou de servir um bairro em que trabalhávamos, devido aos constantes assaltos: a própria comunidade deu um jeito, um “salve” para que esses assaltos tivessem fim. Sendo impossível que o estado coloque um policial em cada ônibus, escolas ou lugares onde ocorrem crimes, a própria comunidade acaba se mobilizando quando se sente prejudicada. Nesse sentido, as escolas deveriam ser consideradas pelas comunidades – entenda-se bem, por toda a comunidade – como são considerados os hospitais em casos de guerra: locais que servem a quem for preciso, e que, por essa razão, precisam ser protegidos e preservados. Para chegar a esse resultado, a escola precisa ser neutra a ponto de conquistar a confiança da comunidade que serve e, ao mesmo tempo, ativa no que se refere ao encaminhamento de seus alunos para o bem. Resumindo: fazer o seu trabalho. Mesmo nessas situações difíceis, é interessante notar o respeito e a consideração que muitos dos trabalhadores da educação encontram nessas comunidades, especialmente, se realizarem um bom trabalho.
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Trabalhar em condições difíceis, além do mais, oferece ao professor um ponto de vista privilegiado sobre os caminhos e as políticas que nossa sociedade está tomando. São os professores, também, uma das últimas esperanças de intervenção social para essas populações, além da repressão e do encarceramento. Reforçamos que a necessidade de intervenção profissional nos casos de violência escolar, muitas vezes, não é uma opção, mas uma necessidade para os professores e demais profissionais da educação. Temos procurado nos adiantar para diferentes situações de violência por meio das regras que estabelecemos para as aulas de Educação Física, com base na experiência acumulada dos anos. A maioria dessas regras visa a segurança dos alunos e a conservação de nosso patrimônio. No início de cada ano letivo os alunos devem anotar essas regras em seus cadernos. Feito isso, utilizamos uma aula para explicá-las e, os motivos que nos levaram a adotá-las. Essas regras balizam nossas intervenções nas aulas e estão disponíveis para os alunos e para os pais em um blog na internet. A escolha dessa ferramenta virtual se deu para facilitar o acesso da comunidade, bem como, pela possibilidade de realizar alterações de acordo com novas necessidades. As regras estabelecidas pela disciplina visam, ainda, facilitar o trabalho dos professores e garantir o direito de participação e aprendizado dos alunos, situação colocada em risco pelos casos de bullying. Temos notado que os alunos que sofrem esse tipo de violência, além das questões emocionais, também são prejudicados em relação à participação nas atividades, o que consideramos uma situação inaceitável. A repreensão nesse caso é firme, mas voltada a conscientização. Sendo que esse tipo de violência se caracteriza pelo uso do poder do mais forte contra o mais fraco, costumamos arguir os alunos da seguinte maneira: “Alguém aqui tem coragem de abusar ou tirar sarro de um aluno deficiente? Todos concordam que não. Por quê? A maioria responde que seria covardia. O que vocês acham de uma pessoa que faz isso? Respostas prováveis são que essa é uma pessoa do mal, covarde etc. Então é o seguinte, qual a diferença entre o sentimento de uma pessoa que sofre essa violência, seja deficiente ou não? Na escola não se pode fazer diferença de quem é gordo, magro, crente, católico, espírita, bonito, feio, rico, pobre, filho de polícia ou de bandido. Seus direitos e obrigações, do portão para dentro, são os mesmos”. Um último tipo de violência que observamos sobre nossos alunos têm sido sua própria condição social. Desde os alunos que tomam chuva nas saídas em tempos de frio e não têm ninguém da família com um veículo para lhes buscar (Compare com as saídas dos alunos nas escolas particulares), desde a corrida para a fila da merenda (É fome mesmo! Situação reforçada pelos casos de alunos que passam mal nas primeiras aulas, por não terem se alimentado antes de entrarem na escola
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e, das inúmeras vezes em que retornam para fila da merenda a fim de repetir a refeição, até que acabe a comida), desde os abusos, as carências etc. No que se refere às carências, um caso nos foi muito significativo: houve um ano que tivemos dois alunos gêmeos, muito educados e quietos, que vinham do sítio para a escola. Haviam perdido os pais e moravam com uma irmã. Os professores notaram que, quando um dos irmãos vinha à escola, o outro faltava. Ao procurarem descobrir a razão desse fato, ficaram sabendo que era porque eles só tinham um par de sapatos. Os próprios professores acabaram arrumando alguns pares de tênis e sapatos para que os irmãos pudessem vir juntos para a escola. Outras situações relacionadas aos calçados e as condições sociais, inclusive, vivenciamos como professores de uma escola em que a maioria dos alunos vinha para a escola de chinelos, fato muito comum nas periferias. De chinelos, tênis ou sapatos, no entanto, não importava: a maioria jogava descalço para não estragarem os calçados na quadra, que tinha um piso ruim. A economia com os calçados, por sua vez, causava vários machucados nas solas e dedos dos pés dos alunos. Ainda enquanto jogavam, servíamos como guardadores de seus calçados e materiais, uma vez que não os deixavam na classe ou com outras pessoas, por medo de serem roubados. Em uma realidade bem diferente, nessa mesma época, nossa própria filha viveu uma situação de bullying estudando como bolsista em uma escola particular, em razão de usar um tênis “sem marca”. Conhecer e vivenciar situações tão opostas como essas nos tem ajudado a compreender e suportar melhor as dificuldades de trabalhar em uma escola que atende comunidades carentes, além de nos trazer satisfação por realizar um trabalho importante socialmente. Ao mesmo tempo, temos que admitir que nossa paciência com quem fala mal dessa realidade sem a conhecer deve ter regredido. Controlando a indignação, acreditamos que, antes que se faça qualquer juízo sobre a escola pública, é preciso conhecer bem sua realidade. Esse conhecimento é especialmente necessário para as instituições que se dedicam a formação de professores. A nosso ver, falta também um reconhecimento político dessa situação. Trabalhando dentro do que nos é possível e, retornando ao caso apresentado no início dessa seção, sobre o garoto que desenhava no caderno e em sua carteira, procuramos resolver a situação da seguinte maneira: conversamos primeiro e, como nada se resolvia, encaminhamos o aluno para a direção. O aluno precisou limpar a carteira e, outros colegas de classe se dispuseram a completar suas tarefas na apostila. Mesmo tendo concordado em realizar as atividades junto à diretora, não o fez quando retornou para a classe. De forma a arrazoar a situação, na aula seguinte, procuramos melhorar o diálogo com esse aluno, indicando que utilizasse melhor seu tempo. Caso quisesse desenhar, que o fizesse em um local
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e momento apropriado. Colocamo-nos a disposição, inclusive, para lhe fornecer um material, caso fosse necessário. Ao mesmo tempo, questionamos o aluno se já havia visto vídeos na internet, de pessoas que eram torturadas por terem aquele tipo de desenho tatuado no corpo, o que também era o seu caso. Fizemos ainda elogios para os seus traços, indicando que aquilo poderia se tornar uma profissão e o questionamos sobre a preferência por temas que remetiam a violência. Ele nos contou, então, que devia ser por causa de sua família, que havia estado no crime. Na aula seguinte, solicitamos ainda sua permissão para que fotografássemos aqueles desenhos e explicamos nosso interesse em saber de suas motivações, pelo que se mostrou desconfiado. Por fim, ficou animado com o pedido para utilizar seu desenho nesse trabalho. Esse encaminhamento, ao menos, resolveu o problema daquelas aulas e melhorou o diálogo e a relação com aquele aluno. Se este problema irá se repetir, ou, se o processo de conscientização do aluno terá algum efeito para sua vida fora da escola, no entanto, só o futuro dirá. Deixar passar o tempo até que se pense em uma resposta melhor para muitas dessas situações, como aconteceu nesse caso, tem se mostrado uma boa atitude. Sempre nos lembramos dos casos antigos e pensamos nas respostas que poderíamos ter dado se soubéssemos o que sabemos hoje em dia. É o caso da garota que nos confidenciou que seu pai era 1-7-1, para quem diríamos: “Olha, eu não sou ninguém para julgar seu pai, ainda mais que não sou eu o responsável pela sua subsistência. Sendo seu professor, a única coisa que posso te dar é um conselho: aproveite o que a escola pode te oferecer para a construção de um futuro em que você não precise causar prejuízo e tristeza para as outras pessoas”. Infelizmente, voltar ao passado para corrigir o que já se passou é coisa de cinema. Ao refletirmos sobre questões como essas, pensamos em nossos próprios atos e, também, nos futuros professores que estamos ajudando a formar. Uma última experiência, ainda recente, se deu em um dia de chuva em que não pudemos utilizar a quadra. Usamos essas aulas para discutir a questão da violência na escola, separando os alunos em grupos e lhes disponibilizando os livros que foram utilizados nesse projeto. O objetivo era que fizessem um rápido levantamento sobre tipos, motivações e formas de enfrentar a violência na escola. Depois de realizado esse levantamento, os grupos apresentaram os resultados e, ainda, dividimos experiências relacionadas à questão da violência na escola (como as apresentadas nesse texto) com os alunos e, eles conosco. Em pouco tempo, muitos casos interessantes foram levantados e discutidos, sendo que, em uma das classes, alguns alunos até se propuseram a fazer um rap ou uma batalha de rimas sobre o tema. Pensamos ainda que, se apenas com a essa experiência muitas informações puderam ser reunidas para a formação de alunos e professores, imagine isso sendo feito em diversas escolas?
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Primeiro projeto – Tema: Violência na escola
Desenvolvimento e resultados Mesmo que a escolha do tema para esse projeto tenha se dado por uma situação ocorrida no início do ano letivo de 2017, os problemas com a violência em nossa escola são tanto antigos quanto atuais. Por esse motivo, a questão da violência tem requerido frequentes reflexões e tomadas de ação, pontuais ou preventivas. Para compartilhar formativamente a questão da violência em nossa escola com os professores-estagiários desse projeto, além de nossa própria experiência, achamos importante que a comunidade apresentasse suas percepções e experiências em relação a esse tema, sempre presente em nossa realidade. Com esse objetivo, foram aplicados questionários para os professores da escola (anexo 1), para alunos e pais – somente das classes em que atuaram os professores-estagiários – (anexo 2) e, também, foram tomadas cinco entrevistas entre alunos que viveram casos emblemáticos. Se tratando de um tema sensível, as questões legais de praxe, como a garantia de sigilo em relação à identidade dos participantes, além da permissão para participação e uso dos dados por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foram tomadas com o bastante cuidado. Sendo uma das diretrizes desse trabalho tratar temas emergentes de maneira transversal ao Currículo Oficial do Estado de São Paulo e, sendo que os professores-estagiários desse projeto cumpriram suas horas de estágio no primeiro semestre do ano letivo de 2017, as segundas-feiras, no período da tarde, com duas classes de 6º anos do Ensino Fundamental (aulas duplas), estavam previstas para ensino as seguintes atividades: Jogo e esporte – competição e cooperação; Organismo humano, movimento e saúde – capacidades físicas: noções gerais (agilidade, velocidade e flexibilidade) e a importância do alongamento e do aquecimento; Esporte – modalidade coletiva: futsal; Organismo humano, movimento e saúde – capacidades físicas: noções gerais (força e resistência) e a importância da postura adequada (SÃO PAULO, 2014-2017). Dentre esses conteúdos, o tema futsal foi selecionado para o desenvolvimento das atividades desse projeto porque, em sua prática, costumam ocorrer um número significativo de casos de violência, de diferentes tipos: agressões verbais, agressões físicas e bullying. Como consequência dessas violências, alunos já se machucaram física e emocionalmente e/ou foram excluídos ou se excluíram dessa atividade. Além das atividades curriculares normais, os professores-estagiários colaboraram com as aulas de aplicação que desenvolvemos com as turmas de 6º anos (temas o futsal e, a violência) e com uma das turmas de 8º anos
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(temas o karatê e defesa pessoal). Desenvolveram, também, sua própria aula de aplicação para as duas turmas de 6º anos que acompanhavam (temas o futsal e, a violência). Como primeiros resultados desse projeto, as respostas dadas nos questionários aplicados no formato de tarefa de casa, para alunos e pais, demonstraram que as brigas entre meninas e a violência verbal são os casos mais frequentes de violência percebidos em nossa escola. A maioria dos alunos relatou que aprende a evitar esse tipo de violência a partir das experiências dos colegas. Consideram, também, que os professores devem conversar e aconselhar os alunos sobre essa questão, mesma opinião de seus pais, que deram sugestões para melhorar a segurança na escola, especialmente, em seus arredores, como: “colocar câmeras de vigilância fora da escola”, ou, “deixar os alunos que brigam ou fazem bagunça nos ônibus voltarem a pé para casa”. As respostas que mereceram destaque nesses questionários foram apresentadas para os alunos em aulas posteriores, como foi caso de uma garota que relatou que, quando percebia que ia acontecer uma briga, “caminhava em sentido contrário”, atitude bem diferente da grande maioria de nossos alunos, que gostam de assistir e incentivar esses atos. Como resultados dos questionários destinados aos professores, nossos colegas relataram de maneira unânime que já presenciaram ou vivenciaram diferentes tipos de violência em seu trabalho, sejam verbais, físicas, ou, contra o patrimônio. Dentre os diversos relatos, casos como o de um aluno que cuspiu na garrafa de água de uma professora enquanto ela atendia outros alunos: embora seja meio nojento relatar esse caso, a professora acabou tomando essa água e, só depois foi que outras alunas lhe contaram o que havia ocorrido. Todos os professores também concordaram que o tema da violência deve ser trabalhado com os alunos e, o fazem de maneira preventiva ou pontual, seguindo as orientações legais, mas, no limite de suas capacidades. No caso de uma briga entre alunos, por exemplo, todos concordam que devem ajudar a separá-los, mas, enquanto uma professora relatou que prefere “chamar a direção”, outra pede “ajuda para os outros alunos” e, outra, ainda, intervém “diretamente na situação”. As cinco entrevistas colhidas entre os alunos (três meninas e, dois meninos), por sua vez, foram selecionados pela significância: eram casos de alunos que haviam perdido familiares para o crime, que haviam se envolvido em casos recentes de violência na escola, que já haviam tido problemas com a lei, ou, que ficaram com sequelas físicas em decorrência da violência. Pela proximidade com esses alunos e, também, pela notoriedade desses fatos, já tínhamos conhecimento sobre eles, assim como a maioria da comunidade. Mesmo
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Primeiro projeto – Tema: Violência na escola
assim, ao rememorá-los, sentimos o impacto de ouvi-los dos próprios alunos. Assim aconteceu com uma garota que perdeu seu irmão, morto em uma troca de tiros com a polícia. Esse caso foi noticiado pelas mídias, mas, nunca havíamos ouvido qualquer palavra dessa aluna sobre a perda do irmão, que também havia sido nosso aluno. O caso de outra aluna chegou ao nosso conhecimento, justamente, quando conversávamos com sua classe sobre a questão da violência, buscando conscientizar os alunos sobre as possíveis consequências das brigas que estavam acontecendo nas saídas das aulas. Contou-nos, de maneira emocionada, que nem chegou a conhecer seu pai, pois ele foi assassinado em frente à sua casa, enquanto sua mãe ainda a gerava. Pior é que, nesse caso, foi morto ao tentar separar uma briga. A terceira garota entrevistada ficou paraplégica ao cair da moto de seu namorado, enquanto ele fugia de uma perseguição da polícia. Nos relatos dessas entrevistas foram discutidos os precedentes, o aprendizado proporcionado por essas situações, além das mais variadas consequências (emocionais, afetivas, financeiras, falta de amparo, problemas de aprendizado, perda de ano letivo, entre outras). Também importantes, foram os relatos sobre a falta de informações que pudessem ter evitado esses problemas e a possibilidade de usar esses fatos para ensinar outras pessoas a se prevenirem. Os dois garotos que participaram das entrevistas, por sua vez, estiveram envolvidos em casos de violência que aconteceram próximos da escola. Um deles ficou detido por alguns dias, depois de se envolver em uma briga causada por um colega, que tentou assaltar um garoto que aguardava no ponto de ônibus, em frente à escola. A vítima era filho de um policial. O garoto que realizava o assalto, também nosso aluno, ficou preso na Fundação Casa por um bom tempo, não retornando mais para a escola. Já o garoto que nos cedeu a entrevista, não apresentou mais problemas desse tipo. O outro aluno entrevistado se envolveu em uma briga na saída da escola, devido a uma discussão ocorrida em um jogo de futsal. Segundo ele, sua classe estava de aula vaga e, como costumava acontecer, nossa colega professora de Educação Física, que estava dando aula para uma turma de alunos do período noturno, acabou cuidando também de sua classe. Acabou que esse aluno se desentendeu com outro do período noturno por um motivo fútil: revezar quem jogava na linha e no gol durante uma partida de futsal. Depois dos primeiros desentendimentos em aula, nos contou que levou um halter de cimento da escola para se defender, mas, que “já havia devolvido”. Um trecho dessa entrevista oferece uma ideia de como essas situações mexem com os alunos e, de como trabalhamos a conscientização sobre esse tipo de problema:
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Professor: O que você aprendeu depois dessa briga? Aluno: Não aprendi nada, só ganhei marcas pelo corpo. Professor: Mas, você não aprendeu nada com essa situação? Aluno: Ah... (entendendo melhor a pergunta). Lógico que sim. Professor: Para o próximo jogo de futebol... Aluno: Ah, eu não sou de briga, mas se tiver que brigar... Professor: De briga você não é, mas, de futebol, você gosta? Aluno: Sim. Professor: Para um próximo jogo, o que você poderia fazer de diferente se outro aluno começasse a arrumar confusão com você? Aluno: Eu vou deixá-lo... Vou responder no futebol... Professor: Você acha que seria feio se você virasse as costas e dissesse: pode ficar aí e jogar sozinho? Aluno: Lógico que não. Professor: Não seria uma atitude inteligente? Aluno: Seria. Mas a partir do momento em que ele agride... Professor: Então, mas, antes da agressão... A defesa pessoal não é feita para depois que começa a briga, ela tem que ser pensada antes... Aluno: Isso é verdade. Professor: Antes de você entrar na briga, o cara começou a zoar você, você poderia ter dito: Ó, eu não quero problema com você... Vou sentar-me no meu canto. Pode jogar aí à vontade. Aluno: É o certo. Problemas de disciplina e violência ocorridos com esse mesmo aluno em ocasiões posteriores, assim como muitos outros casos, porém, nos têm feito refletir sobre a eficácia dessas ações de conscientização. Seria o caso de repetir esse processo por mais vezes, talvez em um projeto permanente? Somos inclinados a pensar que outros fatores, além do conhecimento, estão relacionados às atitudes tomadas não somente pelos alunos, mas, por qualquer pessoa. Ao conversar com a garota que havia ficado paraplégica, por exemplo, ficou claro que sua família já a alertava sobre o perigo que estava correndo, pelo que nos contou: “Se eu tivesse ouvido pai e mãe, avó, tios... não era para eu estar nessa situação, porque eu debatia com todo mundo”. O processo de conscientização e aconselhamento que visa informar os alunos sobre situações de risco, como se vê, nem sempre é ouvido e acatado, mas não desistimos deles em nossas aulas. Na mesma época dessas entrevistas, outros dois garotos, um aluno e um ex-aluno de nossa escola, se acidentaram em circunstância semelhante a da garota, e se machucaram bastante. Essas
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Primeiro projeto – Tema: Violência na escola
situações acabaram se tornando exemplos para as aulas em que o tema curricular cuidados com a coluna vertebral é abordado. Os resultados dos questionários e dessas entrevistas, no entanto, só foram conhecidos pelos professores-estagiários durante a apresentação realizada no final desse projeto, em uma das aulas de estágio na universidade. Antes disso, as oportunidades para que entrassem em contato com a questão da violência na escola se deram por conversas informais com alunos, ao assistirem e colaborarem para as aulas de aplicação do projeto desenvolvidas pelo professor (temas futsal/violência – 6º anos e, caratê/defesa pessoal – 8º ano), ao desenvolverem sua própria aula de aplicação (tema futsal/violência – 6º anos), além de participações e intervenções pontuais nas aulas. No que se refere às conversas informais, indicamos para os professores-estagiários alguns alunos que tiveram problemas com a violência e, com os quais, deveriam entrar em contato. Nas aulas de aplicação que desenvolvemos com os 6º anos, os professores-estagiários colaboraram com uma atividade em sala de aula, quando grupos de alunos observaram imagens e discutiram pequenos textos relativos a casos significativos, embora antigos, de violência no futebol: a guerra do futebol, ocorrida entre Honduras e El Salvador no ano de 1969; a grave agressão que colocou fim a carreira esportiva do jogador Regis, do S.E.R. Caxias do Sul, em 1999 e; o chamado jogo da paz, realizado entre Brasil e Haiti, no ano de 2004. Na parte procedimental, colaboraram no desenvolvimento das atividades técnicas e no acompanhamento dos jogos, nas discussões que se estabeleceram em virtude de situações de violência, além de realizarem anotações em diário de campo e registrarem as atividades em fotos e vídeos. Na aula de aplicação que desenvolvemos para as turmas do 8º ano, por sua vez, tratamos do tema karatê. Essa aula contou com a realização de combates (shiai-kumite) e uma palestra sobre defesa pessoal. No final da aula, reunimos a turma em círculo, demonstramos algumas técnicas de defesa (contra estrangulamentos pelas costas, por exemplo), apresentamos o conceito de defesa pessoal pelos três passos: sentir, pensar e agir, além trocar experiências relativas à violência na escola. Para a aula de aplicação desenvolvida pelos professores-estagiários, PE-1 e PE-2 desenvolveram um material pedagógico composto por imagens que retratavam tipos de violência. No início das aulas, distribuíram essas imagens para grupos de alunos tentarem identificar esses tipos de violência, relatar casos vivenciados e discutir a questão. Como atividades práticas, desenvolveram o jogo “futebol de casais” (em que pares formados por um menino e uma menina jogam o futsal de mãos dadas), além do próprio jogo de futsal.
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Como acontece frequentemente, a atividade realizada em duplas não teve maiores problemas, a não ser pela maior competitividade dos meninos, que forçavam as meninas nas corridas e disputas de bola. A fim de minimizar esse problema, foi estabelecido que só as meninas poderiam finalizar a gol. Durante um dos jogos de futsal entre meninos, porém, os professores-estagiários tiveram a oportunidade de intervir pedagogicamente, depois que dois garotos se chocaram em uma disputa de bola: enquanto um dos alunos achou que foi um lance normal, o outro começou a chorar e afirmou que havia sido agredido. Como atividade final desse projeto, os resultados dos questionários, das entrevistas e das atividades desenvolvidas, foram apresentados em uma das aulas de estágio na universidade. Para tanto, elaboramos uma apresentação em slides do PowerPoint que trazia essas informações e que mesclava textos, imagens e vídeos. Infelizmente, pela proximidade do final do semestre letivo, havia poucos alunos presentes. Nessa aula, os professores-estagiários PE-1 e PE-2 participaram tanto como apresentadores, quanto audiência, já que não participaram de algumas das atividades desse projeto, como da aplicação dos questionários e das entrevistas. Ainda não conheciam, portanto, seus resultados. Antes do início da apresentação, foi interessante ouvir uma conversa entre outros professores-estagiários e o professor supervisor de estágio: comentavam sobre a desmotivação dos alunos durante as regências realizadas em outras escolas. Por meio desses relatos, percebemos sentimentos de desânimo e frustração entre esses futuros professores, talvez pela diferença entre suas expectativas e o que encontraram em diferentes escolas. Refletimos, nesse momento, qual seriam os seus sentimentos em relação à carreira que escolheram depois dessas experiências e, também, se a apresentação que viria a seguir iria contrariar ou colaborar ainda mais para esses sentimentos. Mesmo que o objetivo da apresentação não fosse causar qualquer mal estar, retratava uma realidade que muitos não gostariam de vivenciar, nem mesmo em seu período de estágio. Essa precaução se confirmou logo em um dos primeiros slides, um vídeo que apresentava brigas de alunas dentro e fora da escola, montado a partir de outros vídeos, que foram gravados e partilhados pelos alunos nas redes sociais. Nesse momento, um dos universitários nos perguntou com certo estranhamento: “mas isso aconteceu em sua escola?” Apoiados pelo professor supervisor de estágio e pelos “nossos” professores-estagiários, o direcionamento dessa apresentação deu ênfase as questões positivas do trabalho docente frente a esses problemas, sentimento que tem
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colaborado, também, para nossa própria percepção em relação à profissão docente, desafiadora e complexa em muitos aspectos, mas, de suma importância para o desenvolvimento dos alunos.
Conclusões do primeiro projeto No desenvolvimento desse primeiro projeto foram necessários muitos ajustes para se alcançar algum resultado, dentro das limitações que já conhecíamos do processo de estágio curricular, como o pouco tempo que os professores-estagiários permanecem na escola, a concorrência com outras atividades que os professores-estagiários precisam realizar nesse mesmo período, como provas, trabalho de conclusão de curso e, ainda, as dificuldades de combinar a agenda da escola com a da universidade. Os problemas e deficiências encontrados, no entanto, forneceram dados para corrigir rumos na sequência desse trabalho. Mesmo assim, observamos avanços em relação ao estágio curricular que, até então, vinha acontecendo em nossa escola. São eles: -
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Integração: Professor-colaborador e professores-estagiários desenvolveram esse projeto em estreita colaboração, contando ainda com a participação de outros integrantes da comunidade escolar, como professores, direção, coordenação escolar, alunos e pais. Relevância para a comunidade: a violência é um problema recorrente em nossa escola, que têm o interesse contínuo por qualquer ação que venha a combatê-lo. O desenvolvimento desse projeto, ainda que tenha se restringido a poucas classes, ofereceu a um grupo de alunos uma discussão diferenciada sobre o tema da violência. Transversalidade: O desenvolvimento desse projeto não atrapalhou o ensino dos conteúdos previstos no currículo oficial, já que teve caráter complementar e transversal. As atividades constantes nos cadernos dos alunos foram finalizadas antes do final do bimestre. Formação profissional: além das atividades normais do estágio curricular, os professores-estagiários puderam conhecer um pouco sobre o problema da violência que atinge nossa escola, a partir de diferentes atores da comunidade e, ainda, tiveram a oportunidade de discutir com os alunos essas questões, desenvolver atividades temáticas e fazer intervenções pontuais em casos de violência que ocorreram durante as aulas. Retorno para a Universidade: A apresentação dos resultados desse projeto em uma aula de estágio na universidade abre perspectivas para
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uma evolução na parceria escola-universidade e, possibilitou a divulgação das experiências que estão sendo realizadas em nossa escola, dentro do estágio curricular. Produção de Conhecimento: os conhecimentos produzidos nesse projeto devem servir para a formação de novos professores-estagiários que vamos receber em nossa escola e, também, já estão sendo divulgados em eventos científicos e publicações.
Das lacunas desse projeto, faltou uma devolutiva para a comunidade escolar, ainda que, como costumamos proceder, a partir da publicação desse material, uma cópia será destinada a biblioteca de nossa escola. O tempo passou rápido e as atividades da escola e da universidade impediram essa devolutiva que foi pensada, inicialmente, para acontecer durante uma das reuniões de ATPCs. Um dos aspectos mais interessantes desse projeto, acreditamos ter sido a comunidade falando sobre o tema da violência para os professores em formação. Esse processo de abertura, de exposição, no entanto, não foi tão simples. Algumas coisas não podem ser ditas enquanto, outras, somente podem ser tratadas de maneira reservada, a fim de preservar a imagem, a segurança e o trabalho das pessoas envolvidas. Ainda assim, procuramos esclarecer ao máximo o que ocorre em nossa comunidade, relatando, inclusive, nossas próprias falhas: sem dúvida, a violência que nos afeta é pesada, mas, qualquer reação que ultrapasse o que deve ser a postura de um profissional, cobra um preço mais caro, por vezes, do que o próprio problema. Entre a omissão e o exagero, a percepção e o trabalho com a questão da violência na escola é só mais uma entre tantas lutas, que exige disposição, conhecimento e equilíbrio dos professores.
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Segundo projeto – Tema: Infraestrutura e materiais (Professor/Adulto) “A quadra é chata? Por quê?” (Aluno/Criança) “Porque a quadra não tem nada (...) A quadra é chata!” (VEJAPONTOCOM, 2008)
Objetivos e Justificativas Como disciplina escolar, a Educação Física se caracteriza pela necessidade de espaços e materiais diferenciados para o ensino de seus conteúdos. Tal característica se relaciona à outra: ser uma disciplina tradicionalmente prática. A disponibilidade ou não desses dois itens afetam alunos e professores e o processo de ensino– aprendizagem. Frente a realidades quase sempre carentes, podemos afirmar que, não fosse a criatividade e o empenho de muitos professores, as restrições de espaços e materiais inviabilizariam o ensino e a prática de diversos conteúdos. Em nossa escola, com o passar dos anos, houve uma melhora significativa da infraestrutura e da disponibilidade de materiais para as aulas de Educação Física, dado a continuidade de ações tomadas junto à comunidade. Se houve uma época que a infraestrutura de nossa escola era deficiente e desconfortável e, ainda, quase não havia materiais disponíveis para as aulas, atualmente, contamos com espaços e materiais adequados para o ensino dos conteúdos propostos em nosso diversificado currículo. A situação relativa aos espaços e materiais em nossa escola, no entanto, boa ou má, nem sempre era percebida pelos professores-estagiários que acolhíamos. Somente alguns deles, mais recentemente, chegaram a comparar nossa situação com a de outras escolas, e nos relataram que dispúnhamos de uma boa condição. Observando essa situação e, conhecendo as influências que a disponibilidade ou a falta de espaços e materiais exerce sobre o trabalho do professor e aprendizagem dos alunos, entendemos que seria importante incluir um projeto com esse tema nesse trabalho. Para tanto, além solicitar a autorização da direção escolar e convidarmos os professores-estagiários, encaminhamos um projeto para a Diretoria de Ensino de Limeira no ano de 2018 (anexo 3), a fim de tornar esse trabalho oficial.
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Visando tanto à formação dos professores-estagiários quanto o benefício da escola, esse projeto teve como objetivos: • Apresentar para os professores-estagiários o processo de desenvolvimento, aquisição, administração e uso dos espaços e materiais destinados às aulas de Educação Física em nossa escola; oferecer-lhes oportunidades para intervenções pedagógicas relacionadas a esse tema; conhecer a situação dos materiais e da infraestrutura em outras realidades; desenvolver, com base nessa experiência, trabalhos científicos. • Produzir, montar e fazer a manutenção de materiais utilizados nas aulas de Educação Física; desenvolver atividades nas aulas de Educação Física utilizando esses materiais e sua infraestrutura.
Revisão bibliográfica Diversas pesquisas realizadas, de norte a sul do Brasil, dão conta que as condições de infraestrutura e de materiais para as aulas de Educação Física são, quase sempre, insatisfatórias. Essas condições precárias ora se referem à infraestrutura, ora aos materiais, ou, a ambas. Em uma pesquisa realizada na cidade de Porto Velho – RO, por exemplo, verificou-se que a maioria das escolas tinha uma quadra, mas, não dispunham de materiais adequados (SOUZA; PAGANI, 2012, p. 113). Já outra pesquisa, realizada na cidade de Canoas – RS, um professor relata que as condições de sua escola “(...) são péssimas. As quadras deterioradas, o material esportivo é o que a gente consegue, não é o que o estado manda” (SEABRA, 2007, p. 38). Relatos semelhantes podem ser encontrados em pesquisas realizadas em diferentes estados brasileiros. Tal situação, infelizmente, não reflete o que determina a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 25, da seção que trata da Educação Básica: “Será objetivo permanente das autoridades responsáveis alcançar relação adequada entre o número de alunos e o professor, a carga horária e as condições materiais do estabelecimento” (BRASIL, 1996).
Grande parte das pesquisas que tratam da questão dos materiais e da infraestrutura para as aulas de Educação Física demonstra, também, que nas escolas públicas a situação ainda é mais precária. Tavares (2011), que estudou a questão dos materiais e da infraestrutura em um grupo de seis escolas – duas particulares, duas estaduais e, duas municipais – em Araranguá – SC, verificou
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Segundo projeto – Tema: Infraestrutura e materiais
que nas duas escolas estaduais havia bons espaços originais, mas, careciam de manutenção há anos: em uma dessas escolas o ginásio havia caído, enquanto, a outra, teve grande parte da cobertura da quadra destruída pelas intempéries do tempo. Em outros espaços disponíveis, descreve quadras esburacadas, falta de pintura e demarcação, banheiros e bebedouros distantes desses espaços e, sombra, apenas a oferecida por algumas árvores. Em relação aos materiais relata que, em uma das escolas, a única bola de futsal foi cedida pelo professor, enquanto, na outra, boa parte dos materiais é conquistada pelos professores, por meio de campanhas ou trocas efetuadas com outras escolas. Ainda assim, pelo que conhecemos, consideramos essas escolas privilegiadas em relação a grande disponibilidade de espaços e materiais diferenciados, como o espiribol, modalidade de jogo popular no sul do Brasil. Em outra pesquisa realizada na cidade de Canoas–RS, uma professora experiente descreve o processo de deterioração da escola pública e, a influência desse fato sobre a percepção de seu irmão: “Eu estudei em escola pública e a escola pública se deteriorou materialmente e, por consequência houve uma deterioração acadêmica também na escola pública”. Como diz o meu irmão: a escola pública é feita para o pessoal que vai obedecer e a escola particular é feita para o pessoal que vai mandar (SEABRA, 2007, p. 44).
Historicamente, as carências de infraestrutura e de materiais para a Educação Física têm influenciado o trabalho dos professores, ainda que, nem sempre, de forma negativa. É o que se verifica no relato do professor La Torre de Faria, que lecionava na época em que a Educação Física seguia uma linha militar: “(...) naquele momento (essa característica da disciplina) era um bem, porque os espaços eram restritos e o professor tinha mais comando sobre a turma” (CASTELLANI FILHO, 1994, p. 142). Por esse texto, entende-se que o tipo do conteúdo desenvolvido e a restrição dos espaços facilitava o controle do professor, algo importante em uma época que a disciplina apresentava forte influência militar, pois, uma “(...) Educação Física mais liberal, mais aberta, solicitava de um trabalho maior do professor (...)” (CASTELLANI FILHO, 1994, p. 142). Por sua vez, em pesquisa realizada em oito escolas de nossa própria cidade, Rio Claro – SP, a Prof.ª Dr.ª Irene Rangel verificava, já há mais de vinte e cinco anos, que um número reduzido de conteúdos vinha sendo desenvolvido nas aulas de Educação Física. Indica também nesse trabalho que a compreensão dos professores sobre a falta de espaços e materiais seria um dos prováveis motivos para tal restrição (BETTI, 1992, p. 28).
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A percepção e as ações dos professores, portanto, representam o diferencial sobre a maneira como se tratará a questão da falta de materiais e de infraestrutura, junto aos objetivos, orientações e a compreensão dos currículos: se o objetivo for desenvolver uma disciplina conceitual, por exemplo, uma sala de aula, um caderno e uma caneta podem ser o bastante. Se, no entanto, se deseja atender as características tradicionais da Educação Física, que necessita de materiais e espaços para as práticas corporais, isto requererá dos professores capacidades de luta, de criação e de adaptação. Pela individualidade dos professores, porém, alguns entrarão “(...) num processo acelerado de desmotivação (...) devido à falta de estrutura para poder desenvolver suas aulas”; outros irão “(...) investir na sua carreira de docente, adquirindo livros e outros materiais para a aula (...) e improvisar, mostrando sua criatividade” (...); (SOUZA; PAGANI, 2012, p. 113); enquanto outros, ainda, irão “(...) solicitar recursos para adquirirem e melhorarem seus materiais e estruturas” (DIAS; NEVES JUNIOR, 2015, p. 88), ainda que verifiquem, muitas vezes, que “(...) as reivindicações quanto ao espaço físico e materiais (para as aulas de Educação Física, serão) sempre atendidas por último (...)” (GASPARI, et al., 2006, p.115). A valorização da disciplina e do trabalho do professor pela direção escolar, portanto, pode ser a primeira batalha a ser travada para se conquistar os desejados avanços na questão da infraestrutura e dos materiais. Detendo-nos um pouco mais na relação entre a individualidade de um professor de Educação Física e a questão da infraestrutura e dos materiais, poderíamos fazer uma comparação com o trabalho de um cozinheiro e os ingredientes de uma receita. Maior número de ingredientes pode oferecer mais possibilidades para a elaboração de um bom prato, mas, o que garante o resultado depende, e muito, da habilidade do profissional. Este, inclusive, pode conseguir bons resultados utilizando-se de poucos ingredientes. Da mesma maneira, um professor de Educação Física que trabalha com um vasto universo de conteúdos, pode ter habilidades que o capacitem para trabalhos excelentes, com muito ou pouco espaço e materiais, dependendo das escolhas que fizer ou a que estiver sujeito. Para um professor que tenha habilidades para o ensino de alguns conteúdos, como lutas, danças ou jogos de tabuleiro, por exemplo, a disponibilidade de uma sala pode ser mais interessante do que uma quadra. Dito isto, nos remetemos à menção feita por Platonov, sobre as 14.000 salas desportivas que já integraram a infraestrutura esportiva da extinta União Soviética, que eram destinadas ao boxe, às ginásticas desportivas, ao halterofilismo e aos jogos desportivos (PLATONOV, 2008, p. 69). Pensamos, então, nas salas de aula que estão ociosas em muitas escolas. Com pouco investimento e formação do professor, poderiam se configurar como excelentes possibilidades para o ensino dessas e de outras atividades.
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Segundo projeto – Tema: Infraestrutura e materiais
Em relação às influências da falta de materiais e infraestrutura para os alunos, em pesquisa realizada por Brandolin, Koslinski e Soares (2015), os autores chegam à conclusão de que a infraestrutura pode estar ligada a satisfação dos alunos com as aulas de Educação Física (p. 602), mas verificam que (...) “a experiência com infraestrutura pauperizada da escola pública não permite provocar nos alunos a demanda por mais qualidade nas instalações esportivas” (p. 606). É como escreveu Fernando Pessoa, (...) “de que serve a liberdade de pensamento, a quem, por sua condição social, não pode pensar” (PESSOA, 1917? p. 259). Em outras palavras: como solicitar algo que, nem se conhece ou se crê possível? Por outro lado, assim como acontece com os professores, a falta de materiais e infraestrutura podem provocar (ou, serem provocadas), atitudes de superação nos próprios alunos: se as condições para as práticas corporais em bairros periféricos podem ser tão precárias quanto a das escolas, capacitar o aluno (...) para criar equipamentos alternativos, respeitando suas possibilidades e potencialidades (SEBASTIÃO; FREIRE, 2009, on-line), pode ser uma forma de educar para a prática autônoma da atividade física em suas comunidades, para a cidadania e, também, para o trabalho. O trabalho de professores, alunos e demais atores da comunidade escolar podem, portanto, oferecer diversas alternativas para esse problema comum que, se não for enfrentado, pode (...) “comprometer o alcance do trabalho pedagógico” (BRACHT, 2003, p. 39). Mesmo assim, tal atitude e disposição têm seus limites, ainda que possam agregar elementos educacionais que, fosse de outra maneira, não seriam contemplados. Sobre os limites das adaptações, podemos citar um estudo de caso desenvolvido por Sebastião e Freire (2009), em que um dos professores entrevistados relata uma atividade que visava desenvolver o equilíbrio corporal dos alunos: Uma coisa é pintar uma linha no chão e pedir para ela (a criança) andar em cima, e outra coisa é você fazer em cima da trave, com uma distância do chão. Então, nesse ponto, deu pra ver a evolução. As crianças conseguiram desenvolver um pouquinho mais essa habilidade (SEBASTIÃO; FREIRE, 2009, on-line).
As limitações relacionadas ao uso de materiais e espaços alternativos, além da questão da motivação e aprendizado dos alunos, deve incluir sempre a questão da segurança. Entre o “não fazer” e o “fazer com riscos”, qualquer professor deve pesar bem suas escolhas, pendendo muito para a primeira opção. O profissional compromissado com seu trabalho, no entanto, trabalhará para solucionar essas deficiências, ainda que leve tempo.
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Para os professores em formação e os que estão entrando na carreira, as dificuldades com a questão dos materiais e da infraestrutura podem ser as primeiras a serem notadas. Colabora para essa situação uma formação deficiente, ainda que muitos professores do Ensino Superior se preocupem em oferecer, em suas respectivas disciplinas, algumas alternativas para a falta desses dois elementos. Esse choque de realidade vem sendo percebido em nosso trabalho de acompanhamento dos professores-estagiários e, também, é mencionada em pesquisas como a de Saldanha e Silva (2006): (...) O profissional graduado quando ingressa no campo de trabalho, se defronta com situações em que deve solucionar problemas, das mais variadas ordens, que se distanciam dos enunciados teóricos a que teve acesso nos cursos de graduação (e, também, nos de pós-graduação). Tem que recorrer a algo que lhe foi dado pouca oportunidade (ou nenhuma) de desenvolver sua inventividade, seu potencial para resolver problemas, enfim, sua criatividade (SALDANHA, SILVA, 2006, p. 3).
Sendo assim, o estágio curricular pode ser uma boa oportunidade para se vivenciar a problemática da infraestrutura e dos materiais nas aulas de Educação Física, ainda mais se o professor-estagiário encontrar uma escola comprometida a superar esse tipo de carência. É o que aconteceu com Sebastião e Freire (2009), que relatam o que encontraram em seu período de estágio curricular: esperavam uma condição precária e professores que se utilizariam dessa situação para se desculparem por aulas ruins. A professora da escola que as recebeu, no entanto, procurava superar as dificuldades utilizando materiais alternativos. A partir dessa experiência, realizaram um trabalho que buscou responder outras questões, como: (...) qual a origem do comportamento desses professores? Quais os materiais utilizados? Como os materiais são construídos? A utilização de recursos diferenciados resulta de um planejamento coletivo ou parte de iniciativas individuais? (SEBASTIÃO; FREIRE, 2009, on-line). Em pesquisa realizada por Andrade, Dias e Oliveira (2014), por outro lado, os autores descrevem uma triste realidade que os futuros professores podem encontrar: a escola onde cumpriram seu estágio, na cidade de Aparecida de Goiânia – GO, não contava com um professor de Educação Física, nem com materiais destinados para essa disciplina, uma vez que haviam sido furtados, exceto uma corda. Esta corda era emprestada aos alunos para um momento de recreação de 45 minutos, uma vez por semana. Para poderem jogar futebol, os próprios alunos traziam uma bola. Nessas condições, as próprias estagiárias organizaram uma gincana a fim de arrecadar materiais de Educação Física para essa escola.
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Nesse ponto, um de nossos objetivos como professor de escola pública, que também colabora para a formação de professores-estagiários dos cursos de Licenciatura em Educação Física, se alinha com os da pesquisa realizada por Canestrado, Zulai e Kogut (2008): trabalhar para que algumas das dificuldades que enfrentamos em nosso trabalho sejam conhecidas pelos professores-estagiários, construindo uma (...) “ponte para reduzir o distanciamento existente entre a instituição que prepara os profissionais e a realidade concreta de seu campo de atuação nas escolas públicas.” (p. 12328).
Propostas para a formação dos professores-estagiários e contrapartidas Além das atividades normais do estágio curricular supervisionado, como propostas formativas específicas para o tema desse projeto – “Infraestrutura e Materiais para a Educação Física” – foram desenvolvidas as seguintes atividades: 1. Elaboração das cartas de apresentação dos professores-estagiários. 2. Apresentação da infraestrutura e dos materiais disponíveis na escola e de artigo da Revista Nova Escola para os professores-estagiários. 3. Leitura do texto “Experiência e opiniões do professor colaborador”. 4. Montagem, manutenção, cuidados e uso dos materiais da escola. 5. Produção de novos materiais na escola. 6. Produção e aquisição de materiais fora da escola, de acordo com o “Quadro descritivo e avaliativo do material pedagógico” (Anexo 4). 7. Aplicação didática e avaliação dos materiais produzidos ou adquiridos. 8. Observações, conversas, entrevistas ou questionários temáticos com professores de outras Unidades Escolares. 9. Momentos de discussão e reflexão sobre as atividades desenvolvidas e/ ou leitura dos textos produzidos: a cada encontro e, na reunião final do projeto. 10. Apresentação do projeto em aula de estágio na Universidade e na Faculdade. A primeira atividade desenvolvida pelos professores-estagiários nesse projeto, os textos de apresentação individuais, seguiram um roteiro pré-estabelecido. Esses textos tiveram como objetivo principal esclarecer os interesses e habilidades dos professores-estagiários para o professor-colaborador. Esses interesses se referiam ao que os professores-estagiários gostariam de ver, fazer, aprender e ensinar durante o estágio curricular.
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Com base nessas informações, direcionamos algumas das atividades e discussões desse projeto, dentro das possibilidades do calendário escolar e do currículo oficial. Sobre as habilidades dos professores-colaboradores, estas informações nos possibilitaram saber em quais situações eles poderiam enriquecer o processo de ensino-aprendizagem e, também, colaborar para o nosso trabalho e aprendizado profissional. A apresentação da infraestrutura e dos materiais da escola para o grupo de professores-estagiários, por sua vez, aconteceu logo na primeira visita e, antes que eles iniciassem o estágio. Nessa mesma ocasião lhes apresentamos uma reportagem realizada em nossa escola pela revista Nova Escola (WINKEL, 2014) e conversamos sobre o projeto. As atividades de montagem, manutenção, produção e aquisição de materiais didáticos, realizadas em diversas aulas do estágio curricular, tiveram como objetivo, por um lado, deixar um legado material ou virtual para a escola. Nas primeiras conversas estabelecidas com os professores-estagiários sobre esse item do projeto, destacamos que esses materiais poderiam ser desde um simples cabo de vassoura ou corda encontrada na rua, ou, um material mais elaborado. Além disso, poderiam ser destinados tanto para as atividades teóricas quanto para as práticas, incluindo itens como vídeos ou músicas baixados da internet, imagens impressas, materiais reciclados, entre outros. A fim de se reforçar o aprendizado e a reflexão profissional sobre a elaboração e uso desses materiais pedagógicos, foi elaborado e utilizado como guia o “Quadro descritivo e avaliativo do material pedagógico” (anexo 4). As observações, conversas, entrevistas ou questionários realizados com professores de outras unidades escolares também seguiram um roteiro, que incluiu um termo de consentimento (anexo 5). Foram realizadas de acordo com as possibilidades dos professores-estagiários, uma vez que seriam realizadas fora da escola e dos momentos de estágio. A ideia original era que levantassem informações sobre realidades distintas, como: escolas que não tinham ao menos uma quadra; escolas em que as aulas de Educação Física eram realizadas em espaços externos e; escolas com boas condições de infraestrutura e materiais. Além desses aspectos, consideramos que o conhecimento sobre a forma de trabalho e a percepção de outros professores sobre a questão da infraestrutura e dos materiais, em diferentes realidades, enriqueceriam as informações e o processo formativo construídos em nossa escola. Os momentos de conversa e reflexão com os professores-estagiários foram realizados a cada encontro, no final de cada aula, enquanto os alunos retornavam para as salas, ou, no decorrer das aulas, de acordo com os acontecimentos e as necessidades.
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Para a apresentação dos resultados desse projeto em uma das aulas de estágio na Universidade e na Faculdade, elaboramos uma apresentação em PowerPoint. Durante sua apresentação, um dos professores-estagiários colheu vídeos, fotos e a autorização de seus colegas para utilizarmos as informações e imagens que ajudaram a compor os resultados finais desse projeto.
As cartas de apresentação PE-3 Ano/Semestre na Graduação: 5º ano da Licenciatura. Instituição: Universidade Pública. Eu escolhi cursar e trabalhar na Educação Física por ter diferentes possibilidades de ensinar coisas de que eu gosto muito. Ser professor é fazer algo concreto para um futuro próximo. Meus principais planos, hoje, são os de levar a recreação para vários lugares, mas, tenho também o intuito de estar na escola, principalmente a pública. Estagiando em uma escola pública eu gostaria de aprender detalhes da dinâmica escolar, das rotinas, de como as coisas funcionam administrativamente e, também, sobre a relação entre os professores. Vivenciar aulas que desenvolvam conteúdos que eu tenha pouca familiaridade, como as ginásticas, as danças e as lutas (menos a capoeira, que já conheço) também seriam muito importantes para mim. Acredito que os momentos ruins nas aulas podem ser evitados, como indisciplina e falta de respeito por parte dos alunos. Estas situações são ruins no momento, mas, importantes para o professor que faz estágio aprender a reagir. Do professor colaborador eu espero ações de tutoria, no sentido de “abrir o jogo” e oferecer possibilidades de ação, para podermos fazer algo diferente e sermos protagonistas do processo de ensino–aprendizagem. Espero também que o professor-colaborador nos forneça dicas de como as coisas funcionam na escola, mas não de maneira muito técnica, e que ele tenha uma visão rica de todo o universo escolar. A questão específica que iremos tratar nesse projeto, sobre os materiais e a infraestrutura, é muito importante para o aprendizado docente. A escola que nos recebeu segue o currículo do Estado de São Paulo, tem instalações simples, porém, plurais. Foram conquistadas com o tempo e esforço da comunidade. Os alunos respeitam o professor colaborador pela sua postura e pelo tempo que está na escola. Esse trabalho deixará como legado um depósito repleto de materiais. Para mim, um aprendizado muito rico.
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PE-4 Ano/Semestre na Graduação: 6º ano do curso, sendo os quatro primeiros do Bacharelado e, o atual, o 2º ano da Licenciatura. Instituição: Universidade Pública. Escolhi cursar Educação Física, pois sempre gostei muitos de esportes. Durante minha infância e juventude frequentei categorias de base de alguns clubes de futebol. Sendo assim, optei pelo curso de Educação Física para poder trabalhar no meio esportivo. Meu objetivo principal para depois de formado é trabalhar com o futebol de alto rendimento, podendo ser treinador ou preparador físico, mas a área escolar é uma escolha que me interessa, porque gosto de trabalhar com os jovens. Minhas experiências práticas, como aluno ou professor, foram voltadas para o esporte de alto rendimento. Com isso, não tenho muita experiência como professor no âmbito escolar. Pela pouca experiência neste contexto, acredito que o professor–colaborador tem a condição de contribuir de maneira extremamente significativa para minha formação. Durante o período de estágio poderei trabalhar as melhores formas de me comunicar com os alunos, aprender a trabalhar de forma eficaz a despeito das dificuldades pela falta de materiais e/ou infraestrutura, ter contato com conteúdos que não tive até o momento e, o mais importante, aprender outros aspectos da docência, pois ser professor envolve outras coisas além de transmitir os conteúdos. Acredito que não há nenhum tipo de experiência que eu não queira ter durante o estágio, pois todas as situações que ocorrerem serão um aprendizado importante para quando eu for um professor formado. Gostaria que o professor–colaborador me fornecesse dicas para todas essas questões e, nos problemas que serão enfrentados, ele fornecesse possibilidades de soluções ou pistas para encontrá-las. Acredito que estudar a questão de “Infraestrutura e materiais para a Educação Física” durante o estágio é importante, pois é uma dificuldade que a maioria das escolas do estado de São Paulo enfrenta, atualmente, devido ao sucateamento de muitas escolas, que têm cada vez menos materiais, visto que a questão da infraestrutura para a Educação Física parece ser pouco valorizada. Sendo assim, muitas vezes, os professores também se sentem desvalorizados e desmotivados para exercer sua função de maneira eficaz, tendo como desculpa a falta de materiais ou de um espaço decente para suas atividades. Com o estudo dessa questão, poderemos entender os fenômenos que ocorrem derivados desse problema, além de verificar formas de contribuir para as escolas e encontrar meios de tornar
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nossas aulas atrativas e significativas para os alunos, por meio de materiais ou espaços alternativos. Nosso local de estágio é uma escola estadual que tem um prédio bom e uma boa quadra coberta para as aulas de Educação Física, porém, alguns materiais estão em falta ou são poucos. O professor– colaborador parece ser empenhado e zela pela formação integral de seus alunos e pelo ambiente escolar. Encontra formas de produzir materiais para dar suas aulas, mesmo quando os alunos não contribuem. Com isso os alunos e funcionários respeitam o professor e todos participam de suas aulas.
PE-5 Ano/Semestre na Graduação: 4°ano de Educação Física. Instituição: Universidade Pública. Escolhi cursar Educação Física por ser apaixonado por esportes e por ter familiares nessa área. Depois de formado, tenho como objetivo trabalhar em escolas, clubes e, se possível, cursar ainda o Jornalismo. Tenho como expectativa para o meu período de estágio vivenciar o dia a dia de uma escola, e aprender a como me comunicar com os alunos. Espero do professor-colaborador vários conselhos que eu possa levar para minha vida profissional. Acredito que estudar a questão “Infraestrutura e materiais para a Educação Física” é importante, pois esse é um problema para muitas escolas. Pesquisar sobre esse tema pode não só ajudar as escolas, mas, também, a carreira profissional, pois melhora a criatividade do professor e o ajuda a ter mais autonomia. Ao iniciar meu estágio nessa escola fui muito bem recebido pelo professor e pude ver a solução que ele encontra para a falta de material, que é um fator negativo. A estrutura da escola é excelente, com uma quadra oficial coberta e, outra menor, descoberta. O estágio vai ser bom, pois a vivência com os alunos está sendo boa.
PE-6 Ano/Semestre na Graduação: 3º ano/5º semestre de Educação Física. Instituição: Faculdade Particular. Costumo dizer que a Educação Física me escolheu, pois tanto essa disciplina quanto os esportes sempre chamaram a minha atenção. A escola que estudei durante sete anos antes da faculdade me proporcionou vivências de diversos conteúdos que integram a cultura corporal do movimento, e foi essa experiência que me motivou a cursar a Educação Física.
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Sobre o direcionamento de minha carreira, no decorrer da graduação, venho tendo contato com diversas áreas da Educação Física. Pretendo me especializar no campo da educação e/ou da saúde e, se possível, estabelecer uma ligação entre essas duas áreas. De qualquer forma, pretendo trabalhar com a Educação Física escolar. Tenho como expectativa que, durante o meu estágio, eu possa aprender a passar os conteúdos programados para cada turma, conhecer os métodos de ensino que o professor utiliza e, saber como intervir durante as aulas, se assim for necessário. Gostaria de poder intervir em situações como: bagunça dos alunos, dificuldade na aprendizagem etc. Ao mesmo tempo, quero observar como o professor age nessas mesmas situações, para que eu possa aprender maneiras e métodos que me ajudem nas aulas que irei ministrar. Além disso, acredito ser importante estudar alguns temas específicos durante o estágio, pois acho necessário observar como o professor trabalha e qual o nível de profundidade no ensino que consegue alcançar com seus alunos. Dentre os diferentes conteúdos da Educação Física escolar, gostaria de conhecer melhor o trabalho com as danças e as lutas. Por ter estudado nessa escola durante o Ensino Fundamental II e Ensino Médio, já conhecia sua infraestrutura, que considero muito boa: possui um espaço para a Educação Física onde podemos trabalhar quase tudo que aparece no currículo estadual da área. Fui, além disso, muito bem recebido pela equipe gestora. Quanto ao tema desse projeto, sei que o professor zela pela quadra e pelos materiais. Também é bem atencioso com seus alunos e está disposto a sanar dúvidas e ajudar a superar dificuldades. Percebo que há uma condição de trabalho muito boa para a Educação Física nessa escola. Porém, verifiquei que alguns materiais importantes estavam em falta no início de meu estágio. Pensando nisso, o professor constrói alguns materiais com os alunos, sendo boa parte deles reciclados.
Experiência e opiniões do professor–colaborador Consideramos que o local onde trabalhamos dispõe, atualmente, de boas condições de infraestrutura e de materiais para as aulas de Educação Física. Essas condições são o resultado de anos de esforço coletivo para melhorar uma situação, inicialmente, muito precária. Ao iniciarmos nosso trabalho nessa escola no ano de 2004, a quadra ainda não era coberta. Os materiais – poucas e velhas bolas de basquete e futsal – eram guardados em um saco de estopa, junto com os materiais de limpeza, em um depósito distante da quadra. Ao
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lembrarmos essa situação, nos questionamos o quanto isso pode ter influenciado o trabalho de nossos antecessores e, também, a compreensão dos alunos sobre o que era a Educação Física: além da dificuldade de reverter a situação precária dos materiais e da infraestrutura, foi também difícil superar a cultura de que “meninos jogavam bola e, meninas ouviam rádio”. Há de se questionar de maneira inversa, o quanto essa cultura colaborou para que as condições dos materiais e da infraestrutura da escola não evoluíssem. A superação dessas condições e dessa cultura, realmente, levou tempo e exigiu muito trabalho. Sem ajuda da comunidade, no entanto, a maior parte do que foi feito jamais teria se tornado realidade. Um apoio constante que tivemos em todos esses anos veio da Assistente de Administração Escolar e Arquiteta, Maria Ângela Navarro Pereira, grande entusiasta no cuidado e embelezamento da escola. Por sua influência, muitos investimentos foram feitos na quadra e em materiais para a Educação Física, durante a gestão de cada uma das diversas diretoras e diretores que passaram pela nossa escola, nesses últimos quinze anos. Antes desse projeto, porém, professores-estagiários, pesquisadores, ou, qualquer visita que recebíamos em nosso espaço de trabalho, não faziam a menor ideia de como ele era há alguns anos. Essa situação, de certa maneira, nos incomodava. Mal sabiam essas pessoas, por exemplo, que nossa quadra, além de não ser coberta, era inclinada a ponto de impossibilitar que uma bola ficasse imóvel na marca central, para as saídas dos jogos de futsal. Em dias de verão com muito sol e calor, o único conforto era à sombra de duas árvores próximas as arquibancadas. Uma coisa que aprendemos em decorrência dessa situação foi que essas árvores não perdiam as folhas na mesma época do ano, o que era algo bom. Os alunos que não participavam das atividades disputavam esses poucos espaços de sombra, enquanto seus colegas “cozinhavam” os pés no chão da quadra. O chão aquecia demais em razão de uma pintura em cinza escuro, tornando muito desgastantes as aulas que aconteciam entre as dez horas da manhã e três horas da tarde. Essa situação era semelhante a da escola que trabalhamos anteriormente. Naquela escola, plantamos algumas mudas de árvores com o objetivo de sombrear a quadra e, hoje temos a satisfação de passar por lá, de vez em quando, e ver que uma das “sete copas” (Terminália Catappa) cresceu e faz sombra para aquela quadra, que ainda não foi cobertura. É importante mencionar que a disposição das árvores ao redor das quadras, além da sombra, possibilita a realização de diversos tipos de atividades. Com esse conhecimento e intenção, já antes de plantar novas mudas de árvores ao redor de nossa quadra, calculamos seu melhor posicionamento, para que fizessem sombra nos locais desejados e, mais adiante, pudessem ser utilizadas
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em atividades como tirolesa, slack-line e, ainda, como suporte para balanços, sacos de bater e polias para exercícios de musculação. Ao mesmo tempo, esse posicionamento das árvores não deveria atrapalhar outros espaços, reservados para atividades como o arremesso do peso, por exemplo. Tratar da questão das árvores é trazer um pouco do trabalho possível em situações de carência, em que a iniciativa, a imaginação e a adaptação fazem toda a diferença. Considerando que essas habilidades e capacidades do professor podem ter sido adquiridas em diferentes fases de sua vida, gostaríamos de mencionar alguns fatos relacionados à nossa própria formação: na época de nossa graduação, contamos para uma ex-professora do Ensino Médio que estávamos cursando Educação Física, um curso que não tinha nada a ver com o que havíamos feito anteriormente, o Técnico em Agropecuária. Essa professora, no entanto, considerou que esses cursos tinham relação pelo gosto pela liberdade, o que consideramos, de certa maneira, correto. Ter frequentado o colégio agrícola, mais que isso, nos possibilitou adquirir conhecimentos úteis para lidar com a questão de infraestrutura e dos materiais na escola, pois tivemos a oportunidade de trabalhar na marcenaria e na serraria, além de realizar estudos e atividades relacionadas a construções. Por estar localizado em área rural, tivemos ainda a oportunidade de vivenciar muitas atividades na natureza, como nadar no açude, saltar curvas de nível, entre tantas outras. Recuando um pouco mais nesse raciocínio, consideramos que a escolha pelo curso Técnico em Agropecuária também teve relação como o gosto pela liberdade. Na infância, sempre apreciamos atividades na natureza, tendo participado, inclusive, de um clube semelhante ao dos escoteiros. Mais tarde, viemos a saber que esse tipo de formação guardava inúmeras semelhanças com as propostas feitas por Jean Jaques Rousseau, em “Emílio, ou Da Educação”. Essas experiências no colégio e na natureza, posteriormente, se mostraram úteis em muitos aspectos para o trabalho docente. Como exemplo, podemos relatar uma brincadeira que aprendemos no horto florestal de nossa cidade: uma folha de uma palmeira pode ser transformada em um “carrinho” ou “carroça”, da seguinte maneira: uma criança se senta em uma das extremidades da folha e faz o papel do “carroceiro”. Outras crianças ou um adulto seguram a outra extremidade da folha e a arrastam pelo gramado. Essa mesma brincadeira, anos mais tarde, realizamos em uma escola que lecionamos anteriormente, no Ensino Fundamental I: contando com um gramado inclinado, assim como o horto florestal de nossa cidade, mas, sem contar com as folhas das palmeiras, improvisamos a tal “carroça” amarrando uma corda a uma tampa de carteira. Essa brincadeira foi muito apreciada pelos alunos em virtude de seu aspecto de aventura, a ponto de esgotar as pessoas que puxavam a “carroça”.
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Além das brincadeiras e jogos apreendidos, as habilidades para construir utilizando de materiais reciclados nos têm sido muito úteis na escola. Como exemplo, podemos mencionar a construção de dois postes para o salto em altura, para os quais utilizamos dois canos metálicos e duas rodas de automóvel. A construção desse material se deu em uma oficina da E. E. Prof. João Batista Leme, quando lá completávamos nossa jornada de trabalho, no ano de 2005. Esta oficina contava com diversas ferramentas, incluindo uma máquina de solda elétrica (inversor), bem como, alguns eletrodos. Esses postes são utilizados em nossa escola até os dias atuais, tanto para sua função original quanto para outras atividades.
Atividade do arremesso da marreta
A aquisição, a adaptação e o uso desses materiais e espaços, além das habilidades e capacidades do professor, dependem de inúmeros outros fatores, como: os objetivos do professor, dos alunos ou do currículo; o que há disponível ou pode ser adquirido pela escola, em seus arredores, ou, junto à comunidade; questões de segurança; parcerias; entre outros. Com base na imagem acima, uma foto tirada nos arredores de nossa quadra entre os anos de 2005 e 2006, pode-se exemplificar melhor essa afirmação: como um de nossos objetivos era estimular a prática do atletismo entre nossos alunos, utilizamos dois postes de cimento (A) para delimitar uma pista de aproximação para a “caixa de saltos” que, na verdade, se tratava de uma quadra de areia. Demarcada a pista, foi necessário retirar parte de um muro baixo (B) que cercava a quadra de areia, para fazer a entrada para a “caixa de saltos”. Em uma das extremidades desse espaço, construímos ainda uma caixa para o arremesso do peso (C). A atividade realizada pelo aluno, por sua vez, o “lançamento da marreta”
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(D), remete a uma atividade ancestral, que deu origem a prova do lançamento do martelo. Por questões de segurança e espaço limitado, essa atividade não poderia ter como objetivo lançar esse implemento à longas distâncias, pelo que foi adaptada para uma prova de precisão, que teve como objetivo acertar um arco (E) que serviu como alvo, e que estava preso entre os dois postes confeccionados para o salto em altura. Para complementar a análise dessa imagem, é importante informar que, na disponibilidade de alguns recursos, não é apenas o professor que adapta atividades. Na parte inferior direita dessa fotografia, pode-se observar a parte superior de um pneu de caminhão (F). A parte inferior desse pneu, oculta na imagem, estava enterrada no solo pela metade. Esse pneu acabava servindo como uma espécie de “cavalo sem alças”: ao iniciar nosso trabalho nessa escola no ano de 2004, ficamos surpresos ao ver que alguns alunos conseguiam realizar giros apoiando as mãos sobre esse pneu, tal como se faz no cavalo com alças. Pelo que nos contaram, essa atividade não teve origem no ensino ou treinamento, sendo realizada espontaneamente pelos alunos. A única relação que conseguimos estabelecer com os movimentos dessa prática foi o hip-hop que, naquela época, estava mais em voga em nossa escola. Para tratar um pouco mais sobre as origens dos materiais utilizados nas aulas de Educação Física de nossa escola, podemos oferecer ainda outros exemplos. Muito do que a escola possui, atualmente, é resultado do aproveitamento de sucatas, como colchões velhos, cordas, cabos de vassoura, entre outros materiais. Além do que trazemos, solicitamos doações aos alunos, no mesmo blog onde estão as regras da disciplina. Outros materiais, por sua vez, são resultado de trocas, doações e parcerias. Nosso primeiro peso para arremessos, por exemplo, foi adquirido por meio de uma troca efetuada com o professor de outra escola, que estava precisando de uma bola de futsal. Isso ocorreu, também, com o primeiro dos colchões utilizados para os saltos em altura: este foi doado, inicialmente, por uma empresa de estofados para a escola que trabalhamos anteriormente. Como não o estavam utilizando, foi proposta uma troca com um material à escolha do professor. Outro material muito interessante existente em nossa escola foi doado pela prefeitura municipal: três mesas de ping-pong feitas de concreto. Já conhecíamos uma mesa desse tipo que está instalada no parque do Lago Azul, fato que demonstra suas qualidades de resistência e durabilidade. As mesas de madeira que eram compradas para nossa escola duravam pouco tempo, pelo que redigimos um ofício para à prefeitura solicitando a doação dessas mesas de concreto. Conseguimos três delas, sendo que duas foram instaladas no pátio da escola e, a outra, no espaço da Educação Física. Como pontos positivos desse material, além da resistência e durabilidade, o baixo custo em longo prazo e, a motivação dos alunos para a prática do ping-pong/tênis de mesa. Essa motivação foi tanta que
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chegou a causar alguns problemas para o andamento das aulas, pois os alunos que jogavam nas mesas do pátio demoravam a entrar para as aulas depois dos sinais. Era interessante observar, no entanto, essa motivação dos nossos alunos que, durante os intervalos, jogavam com uma das mãos enquanto, a outra, segurava o prato da merenda. Outro aspecto observado eram os equipamentos improvisados pelos alunos: jogavam somente com as mãos, construíam raquetes de madeira e, utilizavam bolinhas que retiravam de desodorantes roll-on. Como pontos negativos desse material, as redinhas confeccionadas em metal: embora resistentes (a última durou até o ano de 2018), acarretavam a quebra de inúmeras bolinhas, especialmente as oficiais, que são mais finas. As bolinhas de roll-on, embora mais resistentes, podem ser perigosas para os olhos dos alunos. Na febre do ping-pong e, em razão das redes metálicas, a escola não vencia a necessidade de comprar novas bolinhas frente as que se quebravam, ou, que eram furtadas. Esse problema de furtos também acontecia com as raquetes. O furto de materiais é um problema que, infelizmente, ainda acontece em nossa escola. Questões como essa geram grande preocupação quanto ao cuidado desses materiais. No caso das bolinhas e das raquetes, assim como de outros materiais de rápido consumo, como bolas de futsal e voleibol, temos estimulado os alunos para os trazerem de casa, além de estabelecer diversas regras de cuidados com os materiais da escola, no já mencionado blog. Tais ações têm permitido que os alunos tenham o material necessário para praticar suas atividades preferidas (e que, em decorrência do uso frequente, se desgastam mais rapidamente) e, também, que as verbas destinadas para a Educação Física sejam utilizadas para a compra de materiais mais duráveis. Um exemplo de material durável que conquistamos para a nossa Educação Física são as vinte e cinco placas de tatame, compradas com verbas destinadas ao programa “Escola da Família”, que acontecia em nossa escola aos finais de semana. Tendo trabalhado nesse programa no cargo de Educador Profissional e, tendo participado das reuniões que estabeleciam a destinação de suas verbas, sugerimos a compra desses tatames para as oficinas de hip-hop e de lutas, pensando também nas atividades que ocorriam durante as aulas de Educação Física. Parecia justo e estava previsto que o programa “Escola da Família” utilizasse as instalações e materiais da escola, e vice-versa. Mesmo com o fim desse programa em nossa escola, esses tatames ainda são utilizados nas aulas de Educação Física, quase quinze anos após sua compra. Servem para o ensino do judô, das ginásticas, sessões de alongamento e relaxamento, entre outras atividades. A maior conquista em termos de infraestrutura e de materiais para nossa escola, no entanto, foi a cobertura de nossa quadra. Como já mencionado, as
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aulas que aconteciam no período mais quente, eram muito desconfortáveis. A cobertura de nossa quadra, é importante salientar, não estava prevista. Foi uma conquista decorrente do destaque esportivo que nossa escola teve no município e, também, de uma ação política. No ano de 2006, a administração municipal de Rio Claro resolveu reativar os Jogos Infantis na cidade, um evento que já não era realizado há anos. Escolas públicas e particulares foram convidadas a participar desse evento, sendo que, ao final, nossa escola conquistou o maior número de vitórias. Na edição seguinte dessa competição, programaram a cerimônia de abertura para o Estádio Municipal, como se fazia mais antigamente, com desfile das escolas, apresentação de ginástica, juramento dos atletas e discursos das autoridades. Sabendo que nessa solenidade estaria presente um deputado que representava nossa região, resolvemos redigir uma carta para ele, versando sobre a vocação esportiva de nossa escola e, também, sobre a dificuldade de não contarmos com uma quadra coberta. Relatamos que nosso esforço só resolvia alguns problemas da escola e, que a cobertura da quadra só ocorreria por meio de uma intervenção política. A parte interessante dessa ação, no entanto, aconteceu durante a entrega dessa carta para o tal deputado. Sendo que os alunos de nossa escola foram posicionados na arquibancada do lado oposto onde estavam as autoridades, solicitamos para que duas alunas cruzassem o campo e entregassem a carta para o “senhor que estava de terno azul-marinho”, no alto da arquibancada coberta. As duas meninas até que tentaram, mas foram barradas na entrada de um corredor formado por escoteiros, que dava acesso a tribuna de honra. Retornaram e, ainda ofegantes, nos disseram que foram impedidas de subir, pois, por lá, só passavam as autoridades. Insistimos para que voltassem e subissem até a tribuna pelo meio do público, evitando o corredor dos escoteiros. Ficamos observando com os outros alunos essa nova tentativa, até que elas chegaram ao último degrau da arquibancada. Dava para ver, de longe, as meninas chamando pelo deputado. Como ele estava conversando com outras pessoas e a tribuna era alta e, ainda, havia o barulho do evento, demorou até que alguém as ouvisse e avisasse o deputado, que alguém o estava chamando. Logicamente que, do nosso lado, nos divertimos e torcemos muito ao observar aquela cena. Enfim, quando foram ouvidas, uma das meninas precisou ficar nas pontas dos pés para entregar a carta ao deputado. Uma semana depois, nossa escola recebia a visita dos engenheiros que iriam cobrir a quadra, que ficou pronta em 2008, com direito a festa de inauguração. A cobrança política, no entanto, não cessou com a entrega da carta. Durante as reformas, trabalhamos para que as coisas saíssem da melhor maneira possível, o que não deve ser algo comum, tanto que nossa presença deve ter incomodado
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alguns dos gerentes e engenheiros das obras, das diversas empresas que foram contratadas para aquele serviço. Certamente que esses profissionais conhecem o serviço que fazem, mas, quem sabe o que precisa, ou, pelo menos, deveria saber, é o professor da escola. A primeira intervenção foi quanto à reforma do piso. Perguntamos aos responsáveis se iriam nivelar o chão da quadra, tendo nos colocado a disposição, junto a algumas pessoas da comunidade, para ajudar nessa tarefa, se assim fosse preciso. Fomos informados que não, o que nos pareceu um desperdício de oportunidade. Por essa razão, escrevemos para a Secretaria da Educação, utilizando o canal de contato na internet. Fizemos essa reclamação e, fomos atendidos. A reclamação seguinte foi quanto a necessidade decorrente de se nivelar a arquibancada. Procedemos da mesma maneira e, também fomos atendidos. Como a escola passava por um processo de adequação para atender alunos com deficiências, as obras de reforma na área da Educação Física (era pra ser só a cobertura) e da adequação para os deficientes precisaram se organizar para construir uma rampa de acesso para a quadra. Inicialmente, resolveram construir a tal rampa pelo lado onde se localizava nosso depósito de materiais, passando sobre uma área coberta, que utilizamos para realizar diversas atividades. Antes de reclamar pelo site da Secretaria, fizemos como das outras vezes: perguntamos para o engenheiro responsável sobre a possibilidade de direcionar essa rampa para o outro lado. Pela resposta um tanto áspera, talvez motivado pelo fato de que já haviam iniciado as fundações da rampa, foi necessário realizar a reclamação pelo site da Secretaria, o que resultou na visita de um grupo de engenheiros, que parecia não estar muito contente com nossas observações. Ao final, acabaram executando o serviço como solicitamos. Essa fiscalização, por assim dizer, ainda precisou solicitar para que refizessem a pintura das linhas do voleibol, pois haviam demarcado, erroneamente, uma quadra de nove por doze metros. Tivéssemos mais experiência na época, haveríamos ainda solicitado um sistema de escoamento de águas de chuva mais adequado e, teríamos pintado o chão da quadra antes que houvessem feito as riscas de demarcação para os diferentes esportes. Essa pintura, realizada posteriormente em mutirão com os alunos, se tornou muito mais difícil em razão do cuidado necessário para não estragar essas linhas demarcatórias. Durante a reforma da quadra, foi necessário abrir um dos muros da escola para a entrada dos caminhões que traziam os materiais. Essa entrada acabou inutilizando as caixas de saltos e arremessos, além de ter sido necessário cortar duas árvores e mudar a localização da mesa de ping-pong e do “pneu sem alças”. As antigas traves de futsal e um dos suportes metálicos de uma das tabelas de basquetebol, substituídas por outras durante a reforma, foram guardadas e instaladas, posteriormente, na mini-quadra, que está localizada ao fundo da quadra
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principal. Todos esses trabalhos não estavam incluídos nos serviços de reforma e foram realizados com recursos próprios da escola e/ou por meio de mutirões destinados, por exemplo, para a remoção dos tocos das árvores que foram cortadas. Já a construção de uma nova caixa de areia teve de aguardar mais tempo. Em 2011, foram gastos R$ 1.500,00, entre pedreiro e materiais para essa obra. A retirada da terra da caixa e o preenchimento com a areia foram feitos pela comunidade. O posicionamento dessa caixa ao lado do muro deixou espaço para um setor do arremesso do peso. Dois corrimãos que haviam sido retirados de uma das escadas da escola foram ainda adaptados e instalados para servirem como barras paralelas. Com todas essas benfeitorias, já estamos próximos ao limite do que nosso espaço pode abrigar. Essa limitação de espaço de nossa escola, muitas vezes, nos levou a utilizar as ruas e terrenos vizinhos para algumas atividades. Essas saídas com os alunos da escola, porém, trazem seus riscos e problemas. Por esse motivo, a cada saída, orientávamos nossos alunos sobre as atitudes de segurança, como: andar pela calçada; não se adiantar ou atrasar na caminhada; não tocar campainhas; não mexer com animais ou pessoas; não responder às provocações; deixar o celular e a carteira guardados na escola; não atirar objetos; não fazer barulho etc. Todas essas instruções se baseavam no que já havia dado errado anteriormente. Já tivemos casos de alunos que atiraram pedras em janelas, que chutaram um coco que acabou batendo em um carro e pessoas que elogiavam ou ofendiam nossos alunos. Essas ocorrências, somadas ao crescimento dos bairros vizinhos e ao aumento do trânsito, acabaram inviabilizando as saídas. Atualmente, procuramos realizar todas as atividades dentro da escola, incluindo as provas de corrida de velocidade e de resistência, tão importantes para a formação de nossas equipes de atletismo. No início da carreira, porém, admitimos que a falta de experiência e a energia dos primeiros anos nos levavam a fazer primeiro e perguntar depois. Compreendíamos que era importante “fazer” alguma coisa e, se possível, fazer algo diferente, para não dar margem às críticas de que na Educação Física não se faz nada, só se joga futebol. Querendo contrariar essa ideia, na primeira escola em que trabalhamos como professor efetivo, por exemplo, organizamos uma caminhada com alunos do Ensino Médio, até uma ponte onde se fazia rapel. Sequer chegamos a informar a direção da escola sobre essa atividade, o que nos rendeu uma bela bronca no retorno. Com o tempo e com a experiência, o professor descobre que, ao organizar uma caminhada externa com os alunos, deverá levar em conta, por exemplo, a cultura dos bairros periféricos, onde as pessoas têm o costume de caminhar pelo meio da rua. Por esse motivo, muitos alunos “esquecem” de andar pela
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calçada, ainda que sejam advertidos diversas vezes. No caso de um passeio ciclístico o professor descobre, rapidamente, que muitos alunos não sabem pedalar em linha reta, ainda mais quando se distraem nas conversas com os colegas. Ao admitirmos nossa falta de experiência, assim como a imaturidade de nossos alunos, agradecemos a proteção Divina, nosso único amparo na época, dado que nunca havíamos sido instruídos sobre tais questões. Realmente, não há nada mais assustador para um professor de Educação Física do que um aluno se machucar, seja por sua culpa ou não. Por outro lado, em uma disciplina que envolve o movimento, a necessidade de equilibrar a questão da prática com a segurança é muito complexa. Exemplo: há alguns anos, havíamos montado alguns balanços nas árvores, com cordas e pneus. Brincar nesses balanços era uma atividade muito popular entre os alunos, até que uma menina caiu e quebrou o braço. No dia seguinte, a diretora subiu para a quadra e cortou todas as cordas dos balanços. Ironicamente, alguns dias depois, um aluno quebrou um braço ao cair de um corrimão, fora do espaço da Educação Física. Este corrimão, porém, não teve o mesmo destino das balanças, o que demonstra a preocupação com as atividades “diferentes” que acontecem na Educação Física. Esse fato também nos faz refletir sobre a responsabilidade e as escolhas do professor. Ele terá que escolher entre não correr risco algum com seus alunos, solicitando para que se movimentem o mínimo possível e, somente em “coisas normais”, como o “jogo de bola”, ou oferecer uma grande diversidade de possibilidades, tomando o maior cuidado possível. Optamos pela última e, somos gratos porque, em todos esses anos, nada de mais grave aconteceu. No que se refere à questão da infraestrutura e dos materiais, a intenção em nossa escola, realmente, sempre foi oferecer mais e o melhor para nossos alunos. Experiências nesse sentido já foram descritas em outras ocasiões, como em nossa dissertação de mestrado, que tratava do ensino do salto com vara na escola (FREITAS, MATTHIESEN, 2016). Nesse trabalho, a construção dos implementos, feitos com a colaboração dos alunos, envolveu desde questões de custo e segurança, habilidades manuais para a fabricação, até conhecimentos matemáticos para calcular a perda de peso das varas de bambu durante o processo de secagem. Outro trabalho que tratou da questão da infraestrutura e dos materiais em nossa escola se originou da orientação de nosso ex-aluno de graduação Rúben Mota Couto, em seu trabalho de conclusão de curso intitulado “Treinamento de força muscular em crianças” (COUTO, 2012). Ao nos questionar sobre a possibilidade de orientação para esse trabalho, lhe perguntamos, inicialmente, qual seria seu tema de interesse. Ao nos informar que estava interessado em trabalhar com o tema “ginástica com pesos para crianças”, lhe indicamos para que o realizasse na escola onde também lecionávamos, adaptando seu tema ao currículo do Estado
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e, também, ao interesse de nossos alunos. Uma vez que o tema de interesse do Professor Rúben se encaixava com o tema “ginástica de academia” do currículo e, também, se alinhava ao interesse de muitos de nossos alunos pela prática da musculação, vimos uma oportunidade para que Rúben e a escola se beneficiassem. Parte desse trabalho envolveu a construção de um material pedagógico em parceria com nossos alunos. A utilização pedagógica desses materiais, posteriormente, foi apresentada em um artigo na Revista Nova Escola (WINKEL, 2014). Como se pode ver por meio dessas experiências, procuramos não perder oportunidades para que nossa escola melhore suas condições, bem como, para que se aprenda a partir desse processo e de seus resultados. Como já foi mencionado, foram várias as fontes de recursos materiais para nossa escola. Por meio das participações esportivas, por exemplo, temos recebido muitos materiais da Delegacia de Ensino de Limeira, destinados aos treinos e as competições. No caso do atletismo, nossa especialidade, conseguimos reunir uma variedade e quantidade de materiais, como diversos pares de sapatilhas para corrida, disco, dardo, pesos, barreiras, colchões para salto, varas para salto etc. Outra fonte de recursos provém das parcerias e projetos que já participamos, como o PIBID. A continuidade dessas ações e parcerias, realmente, tem ajudado nossa escola a melhorar suas condições de infraestrutura a de materiais para a Educação Física. Tal avanço, por sua vez, trouxe melhores condições de trabalho e de qualidade de vida para o professor, assim como melhores oportunidades de aprendizado para nossos alunos. Essa luta, no entanto, é cansativa e, muitas vezes, inglória, principalmente se estiver pesando mais para o lado do professor. Talvez o maior desafio para melhorar essas condições seja envolver a comunidade. Na perspectiva de que as verbas para alguns setores da educação diminuam em face da crise econômica dos últimos anos e, sabendo que tudo se deteriora com o tempo, fica cada vez mais importante a colaboração de todos para que nossa escola, assim como qualquer outra escola pública, conquiste e mantenha bons padrões. Por essa mesma razão, abandonar essa luta não significa apenas estagnar, mas sim, retroceder no que já se conquistou. Para se criar em nossos alunos esse senso de responsabilidade, temos lhes solicitado a colaboração para a aquisição de materiais e para sua manutenção. Tais ações visam, também, criar uma identidade de nossos alunos com a escola. Em razão de nossa escola não estar localizada no bairro onde a maioria de nossos alunos reside, sentimos que esse é um de nossos pontos fracos. Como estímulo para a continuidade desse trabalho, as próprias lembranças de “como era antes” e, os elogios das pessoas que conhecem a condição diferenciada que temos atualmente. Essas boas condições são, também, uma das razões para permanecermos trabalhando nessa mesma escola, dado que
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seria muito trabalhoso e cansativo começar tudo de novo. Houvéssemos ainda a juventude e a necessidade para tanto, provavelmente escolheríamos uma escola com mais espaço, que é o que nos falta. Como incentivador da prática do atletismo, por exemplo, poderíamos citar escolas de nossa cidade que têm condições de abrigar uma pista para corridas e caixas para saltos e arremessos, ainda que em tamanho e formato não oficial. Em uma realidade dessas, não seria necessário sair com os alunos para realizar algumas atividades que, por contarmos com pouco espaço, eram desenvolvidas com melhor resultado – e mais risco – fora da escola. Por outro lado, há escolas em nossa cidade que não contam sequer com uma quadra e, outras que contam com a área da Educação Física externa a seu perímetro. Comparando o problema da falta de espaço com a falta de materiais, então, pensamos que o primeiro é mais limitante para o trabalho do professor. Em nossa escola, ainda que o espaço seja um tanto restrito, tem sido suficiente e adequado para se realizar as atividades propostas no Currículo Oficial do Estado de São Paulo. Colabora para essa situação o fato de que o horário das aulas de Educação Física tem sido organizado de modo que não haja mais que uma turma ocupando a quadra. Em se tratando dos materiais, nossa escola dispõe de quase tudo que se necessita para o ensino e para as competições do atletismo; de materiais para a ginástica rítmica e circo (rola-rola, fitas, bolas, arcos etc.); bolas para os mais diferentes esportes, além de uma fit-ball e de uma medicine ball; colchões; tatames; colchonetes; jogos de tabuleiro; bastões; cordas; raquetes de tênis; frisbee; halteres feitos de cimento; caneleiras... Além desses materiais utilizados para as atividades práticas, contamos com uma coleção de materiais virtuais, como imagens, textos, vídeos e músicas, organizados em nosso computador em pastas por ano/ série. Outros materiais virtuais foram desenvolvidos e disponibilizados especialmente para nossos alunos na internet, como a história das lutas em nossa cidade1. Porém, há ações que ainda não pudemos realizar, como: a) melhoria da infraestrutura: construção de uma caixa para o arremesso do peso e de um parque para skate e patins; b) aquisição de materiais: uma barra para o salto em altura, implementos de atletismo para alunos com deficiências, uniforme para a equipe de atletismo, além de novos aparelhos externos para as ginásticas, como barras e argolas, e; c) reformas necessárias: troca de telhas furadas por uma chuva de granizo; saídas mais eficientes para as águas de chuva; pintura e demarcação das linhas da quadra; nivelamento da miniquadra, entre outras. 1
Disponível em: <http://rcfightshistory.blogspot.com/2017/10/historiasdas-lutas-na-cidade-de-rio_78.html>. Acesso em 22 abr. 2018.
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Pensando em quantos alunos podem ser beneficiados por essas ações, no pequeno investimento necessário e, também, no que já se perdeu ou foi desviado de dinheiro público no Brasil, entendemos que nossos esforços profissionais e políticos devem continuar, até que alcancemos o patamar desejado e merecido pela nossa comunidade.
Desenvolvimento e resultados A recepção dos três professores-estagiários da universidade se deu no início do ano letivo da universidade que, geralmente, ocorre um mês após o início do ano letivo escolar. Dos três, conhecíamos apenas PE-3, por ter sido bolsista do programa PIBID em nossa escola, ainda que por pouco tempo. Em sua breve passagem deixou uma boa impressão, pelo empenho e pelo bom relacionamento com a comunidade. Também já sabíamos de sua experiência com a recreação em hotéis e eventos e, mais recentemente, soubemos que havia aberto uma empresa nesse segmento. Ficamos, por essa razão, com a expectativa de que suas participações nas aulas colaborassem para que o aprendizado e a diversão caminhassem juntos. PE-4 e PE-5 completaram o grupo, sob a supervisão do professor supervisor de estágio. Logo no primeiro contato, convidamos os três professores-estagiários para participarem desse projeto, pelo que pediram mais informações. Da mesma forma que ocorreu no projeto anterior, conhecíamos a situação desses estudantes universitários nessa fase de conclusão da graduação, pelo que explicamos que esse projeto não demandaria muito mais trabalho do que já estava previsto para o estágio. Sendo aceito o convite, levamos os três professores-estagiários para conhecer o espaço e os materiais da Educação Física, enquanto continuávamos a conversa sobre o tema do projeto. Tendo realizado estágio em outras escolas anteriormente, PE-4 fez uma observação de que, na outra escola, quase não “havia materiais para as aulas”. Durante essa visita de reconhecimento, apresentamos ao grupo uma revista que continha uma reportagem sobre um trabalho realizado em nossa escola: a produção de materiais para o ensino e prática da musculação e da ginástica (W I N K E L , 2014). Também lhes esclarecemos os objetivos e algumas das particularidades de nossa realidade, além de solicitar seus e-mails para enviar o material didático do “Estado” (Cadernos do Aluno e Cadernos do Professor), em arquivos PDF. Ao mesmo tempo, nos informaram que realizariam seus estágios às segundas-feiras, no período da tarde, das 14:10 as
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17:50 horas. Esses dias e horários coincidiram com as aulas de duas turmas de 7º anos do Ensino Fundamental. A recepção do PE-6, aluno da faculdade particular, ocorreu dias mais tarde, em razão de seu trabalho. Estudando no período noturno e, trabalhando durante o dia em período parcial, foi necessário ajustar seus horários para que pudesse realizar seu estágio. Seus dias de estágio na escola eram as quintas e sextas, no período da manhã. Antes que recebêssemos esses professores-estagiários, porém, a experiência com o projeto “violência na escola” nos fez pensar e programar novas ações formativas para esse novo projeto. A primeira delas foi solicitar aos professores-estagiários uma carta de apresentação com redação própria. As cartas de apresentação que recebíamos dos professores-estagiários, anteriormente, eram de responsabilidade da universidade e seguiam um modelo padrão. Tinham como objetivo principal solicitar à direção escolar a realização do estágio. Continham, além dessa solicitação, os nomes da instituição, do professor supervisor, do professor estagiário, seus contatos e os agradecimentos. As cartas que solicitamos, no entanto, tinham outros objetivos: conhecer melhor os professores-estagiários, tanto em relação a seus anseios e interesses pelo estágio, quanto a suas habilidades individuais, que poderiam enriquecer o processo de ensino-aprendizagem em nossa escola. Itens como interesses e habilidades, portanto, foram incluídos nos tópicos a serem abordados em sua redação (anexo 6). A elaboração dessas cartas pelos professores-estagiários, no entanto, levou algum tempo. Foram entregues algumas semanas após sua primeira visita a escola. Todo esse processo se deu por meio de correio eletrônico. Nesse tempo, redigíamos a seção, desse projeto, “Experiência e opiniões do professor colaborador”. Essa parte seria, de certa maneira, a nossa carta de apresentação para esses e para futuros professores-estagiários. Nas primeiras aulas que os professores-estagiários acompanharam na escola, o grupo da universidade observou e participou das atividades de ensino, que envolveram os conteúdos do currículo oficial para as turmas de 7º anos no primeiro bimestre: o atletismo (corridas e saltos) e os ritmos e danças regionais do Brasil. Também participaram da montagem de nosso colchão para o salto em altura, constituído por colchões velhos, paletes, lonas e cordas. Logo nessas primeiras atividades os professores-estagiários já vivenciaram algumas das dificuldades, dúvidas e dilemas de um professor de Educação Física. Em relação ao ensino das danças regionais, por exemplo, o que fazer diante da recusa de alguns alunos a participar das atividades, especialmente, os meninos? E sobre a empolgação de algumas alunas que queriam dançar com os professores-estagiários? Um professor pode pegar na mão de um aluno
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ou aluna para ensinar esse conteúdo? Os alunos terão por bom exemplo se os professores-estagiários segurarem as mãos de seus colegas para dançar? Tais questões, na verdade, ainda representam um desafio para nosso próprio trabalho, pois envolvem questões psicológicas, legais, profissionais, culturais, entre tantas outras, mesmo passados dez anos da adoção do currículo paulista. Antes disso, os professores podiam escolher conteúdos que dessem menos trabalho, que dominavam mais, que eram mais do gosto dos alunos, ou, por lhes causassem menor constrangimento. Em relação à montagem do colchão para o salto em altura, os professores-estagiários puderam vivenciar a dificuldade de manusear os colchões, paletes e cordas, utilizados na montagem da estrutura. Os colchões são reciclados e, embora tenham sido higienizados quando vieram para a escola, já estão bem avariados pelo uso constante. Por isso, ao manuseá-los é normal que levantem alguma poeira, o que pode provocar espirros e alergia. De nossa parte, a percepção da importante colaboração dos professores-estagiários: enquanto ajudavam com o ensino das danças para a segunda turma, trazíamos os colchões para a quadra com a ajuda de um aluno, que não quis participar das atividades. A montagem da estrutura se deu ao final da aula, em um espaço de tempo reservado para a realização de atividades à escolha dos alunos. Com ou sem a ajuda dos professores-estagiários, no entanto, a montagem do colchão para saltos é um processo repetido no início de cada ano letivo, para o ensino do atletismo e, também, para as provas diagnósticas anuais, destinadas a formação das equipes que competem nos Jogos Escolares. Para o ano de 2018, no entanto, foi necessário aguardar a chegada de uma verba destinada à compra de materiais, pois carecíamos de uma nova lona plástica para cobrir os colchões, a fim de protegê-los da chuva e tornar a prática dos alunos mais saudável. A estrutura montada, ao final, ficou firme e segura, necessitando de pouca manutenção durante as práticas, ao contrário do que acontecia em anos anteriores, quando as espumas se moviam muito em decorrências dos saltos. Essa melhora da estrutura se deu em razão de termos passado as cordas de amarração por entre as tábuas dos paletes. Durante essa primeira aula na quadra, percebemos que o PE-4 não conseguia tirar os olhos do jogo de futsal. Como ainda não havia entregue sua carta de apresentação, que nos contava que apreciava e já havia treinado esse esporte, fomos conhecendo aos pousos seus interesses e habilidades. Na aula seguinte, quando utilizamos alguns canos velhos e uma serra de arco para a construção de bastões para as corridas de revezamento, PE-4 nos contou que “nunca havia feito aquilo” (trabalhado com uma serra de arco).
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Os bastões para corridas de revezamento foram os primeiros materiais construídos nesse projeto. Essa atividade foi realizada no final das aulas e ocupou pouco tempo. Para tanto, foram cortados cinco bastões de um cano velho, um pedaço de uma antiga trave de futsal. Como geralmente acontece na escola, o calendário de eventos oficiais e, também, alguns imprevistos, acabaram impossibilitando o desenvolvimento do estágio em alguns dias. Em razão de nossa participação nos Jogos Escolares em uma segunda-feira, o grupo da universidade não veio à escola, pois lhes informamos que não haveria professor substituto formado em Educação Física. Sendo assim, um professor de outra disciplina pode até assumir as aulas temporariamente, mas fica impossibilitado, por lei, de subir para a quadra e desenvolver atividades físicas. Em outra ocasião, devido a uma greve dos caminhoneiros, os alunos de nossa escola ficaram sem o transporte escolar, já que faltou combustível para os ônibus. Como a maioria dos alunos mora longe da escola, poucos estiveram presentes durante essa semana. Aproveitando esse momento, realizamos a manutenção da quadra e construímos novos materiais, além de repetir algumas atividades com os alunos presentes. Nesse dia, na parte de manutenção, desentortamos um aro de basquete e recolocamos as redinhas, prendendo-as com lacres plásticos. Ao solicitar a colaboração do PE-4 para desentortar o aro de basquete, ele nos relatou, novamente, pouca habilidade no manuseio de ferramentas. Esse aro havia sido entortado devido à queda de um dos parafusos de sustentação e, também, porque os alunos brincam de se dependurar no aro ou na redinha, mesmo motivo por este ter caído. Lembrando que essa brincadeira está proibida nas regras da disciplina, é importante mencionar a necessidade de supervisão constante para que esses danos não voltem a ocorrer. Ao mesmo tempo em que consertávamos o aro de basquete com a ajuda de PE-4, PE-3 e PE-5 davam conta da aula, realizando uma atividade introdutória aos jogos coletivos. Devido à continuidade da greve dos caminhoneiros, não houve transporte de alunos na semana seguinte, razão pela qual tivemos a presença de menos alunos. Aproveitamos a ocasião para iniciar a construção de uma escada de agilidade e outra de aceleração, utilizando velhos sarrafos de madeira e uma corda fina de nylon, que havia sido comprada com verbas do governo. Também construímos alguns bastões para ginástica utilizando cabos de vassoura velhos, além de reinstalar o aro de basquete na tabela da miniquadra, com a ajuda de PE-6 e de alguns alunos. Durante a realização dessas atividades, PE-6 também sentiu algumas dificuldades para manusear as ferramentas. Ao solicitarmos para que nos ajudasse
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a serrar um dos galhos de uma árvore que tampava a frente da tabela da miniquadra, lhe perguntamos se era destro ou canhoto, a fim de poder apoiar a escada do lado que favorecesse seu trabalho. Ao nos informar que era ambidestro, foi necessário que experimentasse essa tarefa pelos dois lados. Este também deve ter sido o motivo para que encontrasse dificuldades para saber em que sentido se apertava ou soltava os parafusos. Noções básicas de trabalho também foram transmitidas aos alunos que ajudaram em atividades como a pintura. Ainda que dispuséssemos de materiais para a limpeza das mãos, como aguarrás e retalhos de panos, nossa maior preocupação era com as roupas dos alunos, uma vez que pintávamos com tintas sintéticas. Também nos preocupamos com a possibilidade de sujarem outras coisas enquanto pintavam os sarrafos. Por essa razão, explicamos como tirar o excesso de tinta na beira da lata, o sentido das pinceladas, a distância entre um colaborador e outro, entre outras dicas de trabalho. Essa colaboração dos alunos se deu por solicitação deles e, também, devido à situação extraordinária de poucos alunos presentes. Os materiais construídos e as manutenções, por fim, ficaram muito bons. Também não houve qualquer tipo de acidente ou prejuízo, uma vez que foram tomados muitos cuidados. Os materiais construídos e a manutenção das tabelas nessas aulas iriam servir, mais adiante, para o desenvolvimento de atividades relacionadas ao ensino do basquete, tema curricular que viria na sequência para os 7º anos e, também, para a revisão do conteúdo do atletismo, além do treinamento das equipes escolares dessa modalidade esportiva, que estavam competindo nos jogos escolares. Os bastões para corridas de revezamento cortados pelo grupo de professores-estagiários da universidade, por sua vez, foram levados pelo PE-7, integrante do terceiro projeto (sobre “jogos escolares”), que se dispôs a lixar suas bordas e pintá-los. Enquanto PE-6 e os alunos cortaram e pintaram os sarrafos, o grupo da universidade ajudou a montar as escadas, passando os fios de nylon pelos sarrafos e testando esse material durante as aulas, junto aos alunos. A escada de coordenação, caracterizada pelos sarrafos posicionados nas cordas de nylon a uma mesma distância uns dos outros e, a escada de aceleração, onde os sarrafos foram afixados aumentando-se progressivamente a distância entre um e outro, se mostraram muito funcionais: ao contrário do que acontecia antigamente, quando escadas desse tipo eram montadas com cabos de vassouras soltos, as escadas confeccionadas ofereciam menos perigo, em razão de que os sarrafos retangulares não rolam no caso de algum aluno pisar sobre eles. Também era mais fácil posicioná-los ou arrumá-los depois que eram movimentados, sendo suficiente, para tanto, esticar os fios das escadas,
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puxando-as pelas suas extremidades. Dentre as atividades desenvolvidas com esse material, uma delas combinou exercícios de coordenação de corrida com a bandeja do basquetebol. Próximos das férias do meio de ano e, portanto, do final do estágio desse grupo de professores-estagiários, faltava ainda construir materiais fora da escola, seguindo o “Quadro descritivo e avaliativo do material pedagógico” (anexo 4), utilizar esse material em aula, conversar ou entrevistar professores de outras escolas, além de combinar com os professores supervisores a reserva de umas aula de estágio para apresentar os resultados desse projeto. Essas atividades foram realizadas somente no final do segundo semestre, em razão dos imprevistos que atrasaram o projeto. No que se refere ao grupo da universidade, a produção de material pedagógico fora da escola e a utilização desse material em uma aula de aplicação, bem como, a apresentação do projeto em uma aula de estágio, aconteceram somente no início do mês de novembro. Das atividades desenvolvidas com materiais construídos pelos professores-estagiários, PE-3, PE-4 e PE-5 desenvolveram uma semelhante à “caça ao tesouro”, onde os alunos tinham que encontrar bilhetes confeccionados por eles, que haviam sido afixados em diferentes locais da área da Educação Física. Esses bilhetes, feitos com papel e caneta, eram numerados e continham questões relativas aos conteúdos estudados durante o ano, como as capacidades físicas, atletismo, danças regionais e basquetebol. Além de papel e da caneta, PE-4 e PE-5 utilizaram tesoura e fita adesiva para afixar os bilhetes e, gizes coloridos para desenhar um tipo de escada no chão da quadra, que foi numerada de 1 a 20, a mesma quantidade de perguntas impressas em duas folhas, que também correspondiam aos vinte bilhetes espalhados pela quadra. Explicaram para os alunos, então, como transcorreria essa atividade: PE-4 se posicionaria na posição 1 da escada, enquanto PE-5 se posicionaria na posição 20. A turma foi dividida em dois grupos: um grupo ficou com PE-4 e, o outro, com PE-5. A um sinal, os grupos deveriam sair à procura dos bilhetes da seguinte maneira: a turma de PE-5 deveria encontrar os bilhetes na ordem decrescente, de 20 a 1 e, a turma de PE-4 na ordem inversa, ou seja, de 1 a 20. Todos os alunos deveriam sair juntos para essa busca e, ao encontrarem a pergunta correta (sem retirar os bilhetes), deveriam voltar até PE-4 e PE-5 para respondê-las corretamente. A cada resposta correta, os professores avançavam uma casa na escada, até que um deles chegasse a última casa, determinando a equipe vencedora. Ao final dessa atividade, a equipe que acompanhava PE-5 conquistou a vitória. Talvez pela grande motivação dos alunos, PE-4 e PE-5 comentaram que essa havia sido a melhor aula que eles tinham desenvolvido durante o estágio.
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PE-5 nos fez esse mesmo comentário via WhatsApp, quando aproveitou para agradecer o aprendizado e afirmar que iria desenvolver essa atividade quando se tornasse professor. Para compartilhar os conhecimentos produzidos nesse projeto com uma das turmas de estágio da universidade, foi elaborada uma apresentação em PowerPoint, com informações escritas, fotos e um vídeo. Esta apresentação aconteceu no dia 6 de novembro de 2018, no final do período da tarde. Em razão de outros compromissos, apenas PE-4 pôde nos acompanhar nessa apresentação, colaborando para tomar imagens e vídeos dessa aula. No início da apresentação, questionamos os graduandos presentes sobre as condições de infraestrutura e de materiais que haviam encontrado em outras escolas. Como essa turma estava realizando o estágio no Ensino Fundamental I, que em nossa cidade é restrito às escolas municipais, nos informaram que essas escolas tinham boas condições. Questionamos também os graduandos se eles consideravam a questão da infraestrutura e dos materiais importantes para a Educação Física e, em seguida, lhes apresentamos um vídeo que mostrava a entrada dos alunos do período da tarde e, a correria para chegarem até as mesas de ping-pong, onde ficam jogando até o sinal da primeira aula. Embora não tenham ocorrido muitos questionamentos durante a apresentação para os graduandos, o professor supervisor de estágio fez importantes observações. Uma delas, questionava os alunos sobre como seria dar aulas em um lugar que tem todas as condições materiais e de infraestrutura. Sabendo que a maioria das escolas têm dificuldade em relação a infraestrutura e materiais, questionou seus alunos sobre o que fariam em uma realidade oposta. Será que estariam preparados para trabalhar em um lugar com essas condições? Nas discussões que seguiram a essa observação, foram dados exemplos de escolas com essas condições, inclusive, em nossa própria cidade. Ao mesmo tempo em que transcorria a apresentação, observamos que uma das graduandas confeccionava um material (fitas). Ela nos contou que estas fitas seriam utilizadas durante as regências em seu estágio, para o ensino da ginástica rítmica. Com essa informação, ficamos interessados em saber o resultado da utilização desse material em suas regências de estágio, pelo que ela nos enviou uma foto e nos contou que preferiu utilizar um barbante para segurar as fitas, ao invés de uma varinha. Isto por uma questão de segurança, pensando na faixa etária dos alunos. Para finalizar esse projeto, faltava ainda o cumprimento de algumas horas de estágio de PE-6, com a dificuldade adicional de que, agora, ele estava trabalhando em tempo integral.
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A apresentação desse projeto na faculdade de PE-6 aconteceu no dia 28 de novembro de 2018, junto a apresentação dos resultados do projeto dos jogos escolares, desenvolvidos junto a PE-7 e PE-8. Mesmo estando atentos às apresentações, assim como aconteceu na universidade, os alunos de estágio da faculdade não fizeram muitas perguntas. Dessa vez, PE-7 e PE-8 se responsabilizaram pela gravação dos vídeos e por fotografar essa apresentação.
Conclusões do segundo projeto No desenvolvimento desse projeto verificamos avanços em relação ao anterior. As cartas de apresentação redigidas pelos professores-estagiários demonstraram que eles gostariam de conhecer os problemas e desafios da profissão, o que representa, justamente, um dos objetivos desse trabalho. Essa expectativa pôde ser facilmente atendida, por exemplo, no que se refere à questão da indisciplina. Outras solicitações, no entanto, não puderam ser totalmente atendidas, como foi o caso de observarem ou desenvolverem alguns conteúdos durante as aulas. Mesmo que houvéssemos nos colocado à disposição para tanto, a necessidade de cumprir o currículo e os imprevistos que nos roubaram algumas aulas, impossibilitou tal intento. De qualquer forma, entendemos que essas solicitações feitas pelos professores-estagiários demonstraram coragem e real preocupação em relação ao aprendizado profissional. Outras ideias, além das cartas de apresentação, surgiram no decorrer desse projeto, como foi o caso da forma de tratamento desejada pelos estagiários: solicitaram para que nos referíssemos a eles como professores. Essa ideia partiu de PE-3, que considerou que a utilização do termo professor, ao invés de estagiário, colaboraria para que os alunos os respeitassem mais. Para haver uma diferenciação na escrita desse trabalho, concordaram que o termo professor-estagiário poderia ser utilizado. As ideias surgidas durante esse projeto, por sua vez, afetaram retroativamente o anterior, de modo que foi necessário revisar sua escrita para padronizar alguns termos que, também, foram utilizados no projeto dos jogos escolares. Em se tratando de uma pesquisa que segue os pressupostos da pesquisa-ação, em que problemas urgentes são tratados de forma coletiva (escola e universidade, formação de alunos e formação de professores) e “(...) no qual os participantes tenham voz e vez” (THIOLENT, 2003 p. 8), essas alterações não podem ser considerados como falta de planejamento, visto que fazem parte de um processo, do qual emergem novas perguntas e soluções.
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Consideramos que o desenvolvimento desse projeto reafirmou a possibilidade de abordar um tema referente aos desafios da educação durante o estágio, sem deixar de cumprir os objetivos estabelecidos na legislação do estágio, bem como, sem deixar de cumprir o currículo escolar. Essa combinação, na verdade, enriqueceu o processo de formação dos professores e dos escolares. Em relação à experiência dos professores-estagiários durante as aulas, ainda que não tenham sido utilizadas ferramentas de registro como diários de campo, as falas principais dos envolvidos foram anotadas depois das aulas e, foram tomadas muitas fotos e vídeos. Dentre as falas mais interessantes dos professores-estagiários, consideramos as observações de PE-4 durante a construção dos materiais, dando conta de que ele não tinha experiências anteriores com o uso de ferramentas. Isto nos levou a duas reflexões: a primeira trata-se da cultura jovem atual, desprovida de muitas das práticas físicas e profissionais que eram comuns há algumas décadas. Por outro lado, esta é uma geração com muitas experiências tecnológicas. Sem o intuito de criticar esta situação, consideramos ser muito importante refletir sobre as motivações e caminhos que levam muitos jovens a trocar as ferramentas por um jogo virtual, por exemplo. Tal situação se reflete constantemente nessa profissão, a qual professores lutam para afastar alguns de seus alunos dos celulares, a fim de que participem das atividades físicas. Em outro nível, temos observado que os cursos de graduação e pós-graduação em Educação Física têm valorizado muito a questão da tecnologia, em detrimento de práticas corporais tradicionais. A segunda reflexão decorre da primeira: no caso de os jovens professores desconhecerem muitos dos meios e processos mais antigos (porém, ainda úteis profissionalmente), um dos caminhos para a formação seria, justamente, fornecer o que lhes falta. Essa reflexão nos levou a fazer um paralelo com a afirmação de António Nóvoa sobre os objetivos da educação escolar, defendendo que (...) a escola deve fornecer às crianças, primordialmente, o que elas não têm na sociedade (NÓVOA, 2011, p. 39). Para a formação dessas futuras gerações de professores e, levando-se em consideração o processo de “virtualização” cultural e, as precárias condições de infraestrutura e de materiais em grande parte das escolas brasileiras, talvez seja o momento de levar os futuros professores para as oficinas, ferros-velhos, serrarias, entre outros locais, onde o fazer é real, com o objetivo de criar condições que favoreçam o ensino. Seria ainda melhor, a nosso ver, se esses locais e recursos estivessem disponíveis na escola, e que esse processo fosse desenvolvido em conjunto com os alunos, visando experiências e formação conjunta. Como exemplo aqui apresentado, a construção dos suportes do salto em altura, que utilizou ferramentas de uma oficina situada em uma escola.
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Segundo projeto – Tema: Infraestrutura e materiais
Consideramos, finalmente, que os objetivos principais desse projeto foram atendidos, mesmo com a perda de alguns dias de aulas. Os professores-estagiários participaram de todo o processo de aquisição, preparo, manutenção e uso de materiais destinados as aulas de Educação Física em nossa escola. Deixaram, além disso, um legado físico no que se refere aos materiais construídos, além dos que passaram por manutenção e, também, um legado intelectual, no que se refere ao aprendizado e motivação dos alunos.
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Terceiro projeto – Tema: Jogos escolares “Uma vida sem desafios não vale a pena ser vivida” (Sócrates)
Objetivos e Justificativa Dentre os temas escolhidos para serem desenvolvidos neste trabalho, o dos jogos escolares se diferencia dos demais por não se configurar como um desafio ou problema que os professores têm que enfrentar em seu trabalho, a não ser que assim o queiram. As participações das escolas regulares da Rede de Ensino do Estado de São Paulo nos Jogos Escolares do Estado de São Paulo (JEESP) não são obrigatórias. Para as escolas de tempo integral, no entanto, a participação nesses eventos é item a ser avaliado, o que gera uma maior participação. Muitos dos professores de Educação Física paulistas que participam do JEESP ou de outras competições escolares, portanto, o fazem por vontade própria, ou, para atender as expectativas das escolas e de seus alunos. Uma exceção, nesse caso, são os torneios esportivos internos, os tradicionais jogos interclasses, comuns para a maioria das escolas. Torneios esportivos e festivais de dança, inclusive, são conteúdos curriculares da Rede Estadual para os 9º anos do Ensino Fundamental e, para as 3ª séries do Ensino Médio, no 4º bimestre. A decisão de organizar e participar de competições esportivas escolares com base apenas no desejo dos professores e dos alunos, no entanto, não se relaciona com a missão educativa, que é primordial para as escolas. A menos que o professor planeje utilizar esses eventos para este fim, ou mesmo, procurando alcançar outros objetivos, tais participações podem, inclusive, atrapalhar o processo educativo dos alunos e o andamento das demais atividades escolares. Na seção experiência e opiniões desse capítulo, apresentamos nossa experiência com esse tema, na qual poderão ser observados diversos objetivos relacionados à participação de nossa escola nos jogos escolares. Para os professores-estagiários que recebemos em nossa escola, os dias em que participamos dos jogos escolares representam, na maioria das vezes, a
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impossibilidade da realização do estágio. Tentando minimizar esse problema, já há vários anos convidamos os professores-estagiários para que nos acompanhem nesses eventos, a fim de que não percam seus dias de estágio e, também, para que conheçam esse outro aspecto da Educação Física escolar, marcante para a vida de muitos alunos. No entanto, não sendo comum para o estágio curricular, as poucas vezes que pudemos contar com a presença de professores-estagiários nesses eventos, dependeram da autorização de seus professores supervisores, de vagas no transporte, das possibilidades individuais pela questão do horário, entre outros fatores. Para este projeto, visando tanto melhorar a formação dos professores-estagiários, quanto, beneficiar as condições da escola em relação a sua participação nos jogos escolares, foram estabelecidos os seguintes objetivos: • Apresentar para os professores-estagiários o processo de formação e treinamento das equipes esportivas da nossa escola; oferecer-lhes oportunidades para intervenções no processo de formação das equipes, nos treinamentos e participações da escola nos jogos escolares; proporcionar aos professores-estagiários um contato com outras pessoas que participam dos jogos escolares, como: organizadores, professores, alunos, entre outros; apresentar referências que tratam do esporte escolar; desenvolver, com base nessa experiência, trabalhos científicos. • Os professores-estagiários poderão colaborar para o processo de formação, treinamento e acompanhamento das equipes esportivas da escola nos jogos escolares, assim como outras atividades complementares. Como nos projetos anteriores, as atividades normais da escola e do estágio curricular não deverão ser penalizadas pela realização desse projeto.
Revisão bibliográfica O direito e o incentivo legal para a prática esportiva no Brasil tomam por base o artigo 217 da Constituição Federal, que determina que “é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais como direito de cada um”. O item II desse mesmo artigo, por sua vez, prevê “(...) a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento” (BRASIL, 1988) (grifo nosso). Para as pessoas com deficiência, o artigo 30, item 5, do Decreto Legislativo nº 186, ato internacional que equivale a uma
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Terceiro projeto – Tema: Jogos escolares
emenda constitucional, garante o acesso, o incentivo e oportunidades para que essas pessoas usufruam do esporte em suas diferentes manifestações (BRASIL, 2008). Um documento legal menos citado, mas também importante para a questão do esporte escolar em nosso estado, é a Constituição do Estado de São Paulo, que em seu artigo 245 determina que “(...) nos três níveis de ensino será estimulada a prática de esportes individuais e coletivos, como complemento à formação integral do indivíduo”. Como parágrafo único desse artigo, determina ainda que “(...) a prática referida no caput, sempre que possível, será levada em conta em face das necessidades dos portadores de deficiências (SÃO PAULO, 1989)”. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, por sua vez, estabelece como uma das diretrizes para a Educação Básica, no artigo 27, item IV, a “(...) promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não formais” (BRASIL, 1996). Além do amparo legal, foi necessário para esse estudo, inicialmente, definir o que é esporte, desporte ou desporto, bem como, compreender seus objetivos, especialmente, no ambiente escolar. Ao longo da história e, em diferentes locais, esses termos tiveram diferentes significados. Tubino, Tubino e Garrido (2007), descrevem a origem, o desenvolvimento e a utilização desses termos em diferentes países: No século XII, a palavra francesa desport era uma variante de outra palavra – deport – que significava divertimento. No século XIV, os ingleses começaram a utilizar a palavra desport já com o sentido de passatempo, recreação e jogo. A partir do século XIV, os marinheiros mediterrâneos usavam a expressão se desporter para se referir a diversões de confronto entre as suas habilidades físicas. Na Alemanha, por ocasião da reforma educacional de 1950, logo após o segundo grande conflito mundial, ocorreu a substituição do termo leibesserziehung korperrerziehung, que significava Educação Física, pelo termo sportunterricht, traduzido por esporte, que passou a considerar todas as atividades físicas e esportivas (...). Atualmente o termo esporte é traduzido por esporte em vários idiomas, como o inglês, o francês, o alemão e o italiano. Os espanhóis usam deporte, e em Portugal a palavra desporto é mais utilizada. Pela sua universalidade, o termo esporte deve ser o mais empregado (p. 36).
Matos, Silva e Souza Lopes (2005), por sua vez, apresentam o conceito do que é o esporte, bem como, seus objetivos:
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“(...) esporte ou desporto é toda atividade corporal consciente, lúdica, que envolve o confronto com algum adversário humano ou com o próprio indivíduo, de modo a alcançar objetivos no plano simbólico e concreto, tendo suas regras estabelecidas e reguladas por federações em nível mundial e comuns a todos os países (p. 76, grifo nosso)”.
Ao destacarem que, por intermédio do esporte, pode-se buscar objetivos simbólicos (exemplo: distinção) ou concretos (exemplo: prêmios), esses autores já dão pistas das razões pelas quais as pessoas se dispõem a praticá-lo. No Currículo Oficial do Estado de São Paulo, o conceito de esporte é apresentado, ao mesmo tempo, que o diferencia do jogo. Esse conteúdo está previsto para ser ensinado para os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, no terceiro bimestre. Ao buscar definir o que é esporte, o currículo oficial observa a seguinte dificuldade: “(...) O próprio termo “esporte”, sob o patrocínio das mídias, adquiriu caráter polissêmico, passando a designar, além das modalidades tradicionais (handebol, atletismo etc.), atividades tão diversas como os esportes radicais e a ginástica aeróbica (SÃO PAULO, 2012, p. 226)”. Além da extensão e diversidade do termo e, das características semelhantes ao jogo, complica-se ainda mais a diferenciação dessas duas atividades pela questão linguística: por mais que o esporte de competição seja definido como uma atividade que requer regras, tempo, arbitragem, uniformes, espaços oficiais e organização de nível mundial, os escolares confundem facilmente esses termos em razão de que o esporte que veem pela televisão é, muitas vezes, descrito como jogo e, seus participantes, jogadores, e não esportistas. Se essa diversidade de práticas entendidas como esporte dificulta sua definição, por outro lado, representa um vasto campo de possibilidades para a Educação Física escolar, multiplicadas ainda pelas diversas abordagens e objetivos que se queiram atingir por meio do ensino de cada modalidade. Ao longo dos tempos, o esporte já teve diferentes características e objetivos dentro da Educação Física escolar. A fase em que o esporte começou a ganhar mais espaço nas aulas de Educação Física se deu com a adoção modelo desportivo generalizado, desenvolvido inicialmente na França, no Institut National des Sport: Nesse sistema de Educação Física, o esporte tem lugar em todas as aulas, com supremacia perante qualquer outro componente da cultura corporal, ou seja, sobre a ginástica, o jogo, a dança, a mímica e as lutas. Chegando ao Brasil por volta dos anos 40 do século XX e difundido principalmente através dos cursos de aperfeiçoamento pedagógico ministrados pelo profes-
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sor Auguste Listello, a Educação Física desportiva generalizada normatiza o esporte como conteúdo preponderante a ser veiculado pela Educação Física no universo escolar. O ensino do esporte na escola se dá, exclusivamente, a partir dos parâmetros fornecidos pela instituição desportiva, ou seja, a partir de suas normas e regras. Se dá, portanto, nos limites que a técnica específica de distintas modalidades esportivas exige (SOARES, TAFFAREL, ESCOBAR, p.216, 2014).
Ao pautar-se pela lógica das instituições esportivas (rendimento, seleção, competitividade exacerbada, obediência acrítica a seus pressupostos, valorização da vitória), o esporte na escola deixou em segundo plano uma de suas características mais desejáveis para esse ambiente: sua utilização como ferramenta educativa e de integração social. Esta característica educativa do esporte, por sinal, não é assunto recente. Ao considerar o esporte como “entidade multifuncional”, Tubino (1987) menciona o educador Thomas Arnold como criador de uma pedagogia educativa para o esporte, separando-o em três características: jogo, competição e formação, já em 1928 (p. 24). Na década de 1980, porém, ao ensinar o “esporte pelo esporte”, professores que haviam vivenciado esse tipo de aula em seu período de alunos, e que, mais tarde, aprenderam a ensinar com base em métodos como o desportivo generalizado, se descobriram integrantes do grupo de professores “esportivistas” ou “tecnicistas”. Isto passava longe de ser um elogio, uma vez que, nessa época, o esporte escolar estava se tornando “(...) objeto de severa crítica a partir de desdobramentos no plano social mais geral (BRACHT, 2000, p.14)”. Bracht, no entanto, considera a utilização desses termos como um dos equívocos cometidos frente à má compreensão das teorias críticas da educação e da sociologia crítica do esporte, muito discutidas naquela época. Outras incompreensões citadas nesse mesmo trabalho dão conta de que as críticas que se faziam ao esporte na escola não pretendiam excluí-lo, mas sim, modificá-lo e tratá-lo pedagogicamente (p. 16); que não se era contra a técnica, mas sim, que ela tivesse um sentido humano (p. 16-17); que não se era contra o rendimento e a favor do lúdico quando, na verdade, se era contra a hegemonia da primeira opção e, finalmente; que era a favor da reflexão em detrimento da prática, quando, o que se advogava é que a prática fosse acompanhada da reflexão (p.18). Bracht defende ainda que o esporte na escola esteja menos voltado para o máximo rendimento e para a competição e, mais para o rendimento possível e para a cooperação (p. 19). Valter Bracht, assim como outros autores, já tinha colaborado anteriormente para as discussões sobre os aspectos ideológicos contidos no ensino do esporte nas aulas de Educação Física. Ao citar a valorização do rendimento, da
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competitividade, da submissão aos valores dominantes e do vencer por meio do esforço, identifica esses valores relacionados ao sistema burguês ou capitalista. Ao ensinar o esporte para os alunos nessa perspectiva, o professor estaria colaborando para acomodar os alunos a essa sociedade e, não a questioná-la. Propunha, então, que o esporte escolar deveria estar mais voltado ao (...) jogar “com” e não “contra” o adversário (BRACHT, 1986, p. 67). Ao contrário do que uma rápida leitura possa sugerir, no entanto, mesmo que uma proposta desse tipo visasse transformar de alguma maneira a sociedade, não defendia uma polarização entre conformação e transformação, mas, a superação por meio da crítica ao que a educação (incluindo a esportiva) possa oferecer para transformar a sociedade (p. 65). É importante mencionar que, para a construção dessas propostas para o esporte na escola, Bracht (2000) defende a necessidade da democracia e do debate (p. 19). A crise que se abateu sobre a disciplina de Educação Física nos anos 1980 também se deu pelo fracasso do modelo piramidal que, além da melhora da aptidão física da população em geral, visava formar uma grande massa de praticantes (a base da pirâmide), que resultaria em melhores possibilidades para se encontrar atletas de elite, que representariam o Brasil em competições internacionais (a ponta da pirâmide). Acontece que esse modelo não aumentou o número de esportistas, nem colocou o Brasil entre as potências olímpicas do mundo. O fracasso desse modelo, junto aos estudos, pesquisas e debates ocorridos naquela época, colaborou para o surgimento de novas tendências da Educação Física no Brasil (BRASIL, 2001, p. 23). Nessas novas tendências, o esporte como conteúdo das aulas de Educação Física foi tratado de diferentes maneiras. No caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os esportes eram apenas um dos conteúdos a serem ensinados nas aulas, junto aos jogos, brincadeiras, danças, lutas e ginásticas. Já na abordagem da Psicomotricidade, o esporte nem figurava como conteúdo das aulas (BRASIL, 1998b, p.23). De conteúdo hegemônico a negação completa, portanto, o esporte tem vivido diferentes momentos no ambiente escolar. A utilização dos termos “esporte na escola” e “esporte da escola”, inclusive, tem sido motivo para diversos estudos e discussões. Vago (1996), ao dialogar com os estudos de Valter Bracht, diz que “esporte na escola” significa a submissão da instituição de ensino aos objetivos e pressupostos do sistema esportivo. Pondera, porém, que ao assumir o esporte como justificativa para sua presença na escola, dado a importância que representa para a sociedade, a “(...) Educação Física conquista a sua legitimidade pedagógica na medida em que perde a sua autonomia pedagógica (p. 8)”. Questiona, a partir de então, a possibilidade de convivência do esporte na escola e o esporte da escola, menciona o uso do esporte para fins políticos e
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ideológicos no decorrer da história e, avança ao defender o processo de escolarização do esporte, transformando-o no “esporte da escola”. Até aqui, tratamos apenas do esporte como conteúdo das aulas de Educação Física. Mas, e as competições esportivas escolares? Seriam elas consequência do ensino do esporte nas aulas de Educação Física, ou, um anexo fora do contexto educacional? Tentaremos responder essas questões analisando, inicialmente, os objetivos dos Jogos Escolares do Estado de São Paulo (JEESP), contidos no regulamento do ano de 2018: Artigo 2º - Os JEESP têm por objetivo promover por meio da prática esportiva, a integração e o intercâmbio entre os alunos das Unidades Escolares da rede de ensino fundamental e médio em todo Estado, favorecer a descoberta de novos talentos esportivos que possam ser indicados para participar dos programas “Bolsa Talento Esportivo” e “Centro de Excelência Esportiva”, além de fomentar o desporto escolar no Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2018, p. 4).
Como se pode observar, não há referência a questões educativas nos objetivos apresentados no regulamento desse evento, mesmo em se tratando de jogos escolares. O aspecto da socialização apresentado, inclusive, pode se transformar facilmente em um problema, caso o professor responsável não desenvolva objetivos educacionais para as participações de seus alunos nessas competições e, mesmo assim, correndo o risco de fracasso, dado o “calor” das disputas: deve ser da experiência de muitos professores – mais adiante, descreveremos algumas das nossas – ter vivenciado situações de discussões e brigas ocorridas em competições escolares. Brigas em competições escolares, na verdade, são bastante comuns. É fácil encontrar vídeos na internet sobre esse assunto e comentários que dão conta de que isso é algo normal. Em estudos acadêmicos, a violência em competições escolares aparece em artigos como o de Frizzo (2013), que teve como objetivo verificar a lógica competitiva na escola e suas relações com o processo de formação dos alunos. Ao questionar uma professora que participava de competições escolares no estado do Rio Grande do Sul, ela mencionou que, até mesmo os professores brigam e desconfiam uns dos outros. Outros relatos desse mesmo artigo apresentam outros problemas presentes nas competições escolares, como as dificuldades com o transporte, o afastamento das aulas e o desrespeito à arbitragem. Conclui que há divergências entre o discurso de que os “(...) jogos escolares contribuem para a cidadania, a saúde, participação, respeito às regras etc. (...) (p. 169)”, e o que se encontra na realidade, como tripudiar colegas, sentimentos de decepção, exclusão (muitas vezes em razão da participação nas
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competições escolares se tornar moeda de troca com o comportamento em outras aulas), competitividade exacerbada, entre outros. É interessante notar no relato dos professores participantes dessa pesquisa, que eles percebem esses problemas e têm o desejo de que ocorram mudanças, mas, parecem ser impotentes diante disso, chegando a relatar desânimo frente a essas situações. Frizzo (2013) destaca a submissão à lógica esportiva nas competições escolares, o que corresponde, por exemplo, ao artigo 22 do regulamento do JEESP -2018, que determina que os participantes devem obedecer “(...) as regras oficiais em cada modalidade e ao regulamento geral do JEESP (SÃO PAULO, 2018, p.13). Mas, e as regras que visam garantir ao esporte escolar um caráter educacional, onde se encontram? Estariam inseridas no currículo oculto, ou, nem isso? Outros autores também percebem esses e outros problemas nas competições escolares. Destes, há os que propõem sua transformação. Reverdito et al. (2008), por exemplo, propõem “(...) uma ação educativa para a participação democrática de todos, diminuindo a ênfase sobre o produto, para acentuar a preocupação de um processo para o sujeito que aprende na e por meio da competição (p. 37)”. Justificam essa proposta pela percepção de que os jogos escolares não têm uma clareza quanto a sua finalidade educativa e, muitas vezes, não estão presentes no projeto político pedagógico da escola, sendo tratados como atividades extracurriculares. Ainda que a proposta que apresentem para as competições escolares se restrinjam as competições internas, os jogos interclasses, avançam por uma abordagem educativa para esses eventos, com uma abordagem interdisciplinar, buscando “(...) maximizar os aspectos positivos e minimizar os efeitos negativos (p. 40)”. Tal proposta levanta ainda diversos princípios norteadores, como o desenvolvimento de valores, o equilíbrio da competitividade, a inclusão de atividades alternativas como jogos e, a coparticipação dos alunos e da comunidade em todo o processo de organização. Lovisolo, Borges e Muniz (2013), por sua vez, ainda que não tratem diretamente da questão das competições escolares, apresentam uma contraposição aos discursos que defendem a cooperação ao invés da competição e, no campo da Educação Física, os jogos cooperativos ao invés dos jogos competitivos. Além de reclamarem por mais dados que evidenciem o poder transformador dos jogos cooperativos para a transformação individual dos alunos (e, por consequência, da sociedade), criticam a polarização de discursos que defendem o poder do estado, mas negam a importância do mercado (e vice-versa), e que no campo da educação se desdobraram, por exemplo, nas discussões que envolvem a cooperação e a competição. Questionam ainda a possibilidade de que o esporte seja uma forma civilizada de confronto, a falta de equilíbrio em julgar as atitudes a serem ensinadas como desejáveis e indesejáveis (exemplos:
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colaborar x competir) e, até mesmo, a contradição de que defensores dos jogos cooperativos estabeleçam um desafio entre eles e os que defendem os jogos competitivos (LOVISOLO, BORGES, MUNIZ, 2013, p. 136). Concluem que comparar as qualidades e os defeitos dos jogos cooperativos com os jogos competitivos se utilizando da retórica, em que cada lado procura estabelecer seu ponto de vista excluindo o outro, empobrece a discussão. Defendem, então, que esta discussão se paute pela dialética, em que os pontos positivos e negativos de cada proposta são tratados de maneira crítica. Propõe, finalmente, uma repedagogização, tanto da cooperação quanto da competição (p. 141).
Propostas para a formação dos professores-estagiários e contrapartidas Além das atividades normais do estágio curricular supervisionado, como propostas formativas específicas para o tema desse projeto – “Jogos Escolares” – foram desenvolvidas as seguintes atividades: 1. Elaboração dos textos de apresentação dos professores-estagiários. 2. Participação na formação e treinamento das equipes esportivas da escola. 3. Leitura e discussão de textos que tratam do esporte escolar, incluindo a seção experiência e opiniões do professor-colaborador desse projeto. 4. Acompanhamento das equipes nos jogos escolares. 5. Entrevistas com professores organizadores e, com outros professores participantes dos jogos escolares. 6. Momentos de discussão e reflexão sobre as atividades desenvolvidas e/ ou leitura dos textos produzidos: a cada encontro e, na reunião final do projeto. 7. Apresentação do projeto em uma das aulas de estágio na Faculdade. O texto de apresentação desses professores-estagiários seguiu um roteiro pré-estabelecido. Por eles serem noivos e, nossos ex-alunos no Ensino Fundamental e Médio, a opção de apresentação conjunta nos pareceu ser mais conveniente. Ainda que os conhecesse, nos interessava saber o que gostariam de vivenciar e aprender durante o estágio, para que pudéssemos orientar a organização das discussões e das atividades formativas. Preocupava-nos, também, suas condições de estudantes que também trabalhavam em período integral. Por esse motivo, PE-7 e PE-8 tiveram que ajustar suas férias para a realização de
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seus estágios e, ainda, combinar com seus empregadores para que pudessem acompanhar as equipes esportivas da escola em um dos dias de competição. PE-7 e PE-8, além de terem sido nossos alunos, integraram por muitos anos nossas equipes escolares de atletismo e futsal. A motivação de ambos para esse tipo de competição se estendeu para além do Ensino Médio, ocorrido em 2015, sendo que chegaram a acompanhar nossas equipes esportivas no ano seguinte, em seu primeiro ano de faculdade. Sabendo desse interesse, já havíamos pensado em seus nomes para esse projeto, vislumbrando a colaboração que ambos poderiam oferecer. Conhecendo a motivação deles, também nos preocupamos em apresentar “o outro lado” das competições escolares, selecionando alguns textos que orientam, fazem restrições ou críticas ao esporte e as competições escolares, como Bracht (1986) e Machado (2002). As entrevistas realizadas com um professor de outra unidade escolar e com a professora organizadora dos jogos escolares em nossa região tiveram o mesmo objetivo: ampliar o conhecimento desses professores-estagiários para além do que haviam visto na escola como alunos e, passando para a perspectiva de professores. Estas entrevistas foram realizadas durante a competição do jogo de damas, na fase Diretoria de Ensino, realizada na cidade de Iracemápolis. Os momentos de conversa e reflexão com os professores-estagiários foram realizados a cada encontro, ainda que de maneira informal. Aconteceram, na maioria das vezes, no final de cada aula, nos minutos reservados para o retorno dos alunos para as salas. Em outras vezes, breves conversas se estabeleceram no decorrer das aulas e, de acordo com os acontecimentos e as necessidades. Na reunião final desse projeto foram discutidos seus resultados, desde as participações nas aulas, nos treinamentos, na competição e, ainda, a apresentação que seria feita em uma das aulas de estágio na faculdade.
A carta de apresentação PE-7 e PE-8 Ano/Semestre na Graduação: 3º ano/5º semestre de Educação Física. Instituição: Faculdade Particular. Nossa escolha pelo curso de Educação Física é resultado das aulas no Ensino Fundamental e Médio e, também, de nossas participações nos jogos escolares, nas modalidades de futsal e atletismo. Durante essas competições tivemos boas experiências e amadurecemos muito com o que foi passado pelo professor. Com isso ganhamos ainda mais estímulo para cursar a faculdade de Educação Física.
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Depois da nossa graduação pretendemos trabalhar na área escolar, pois esta é a profissão que queremos exercer. Pretendemos passar nossos conhecimentos para outros jovens, ajudando-os não somente no conhecimento específico da Educação Física. Queremos ser profissionais de Educação Física que também desenvolvem o caráter das pessoas. De maneira geral, esperamos que o estágio nos ajude a obter mais conhecimentos e a experiência necessária para melhorar o controle das classes e o convívio com os alunos. Particularmente, a experiência que gostaríamos de vivenciar durante o estágio é desenvolver alguns dos conhecimentos que conquistamos na faculdade, e ver como os alunos estão aprendendo. Acreditamos que toda experiência é importante para a profissão docente e, por essa razão, esperamos que o professor passe o seu conhecimento de anos de experiência, nos ensinando cada modalidade que é proposta pelo Estado de São Paulo, nas apostilas dos Ensinos Fundamental e Médio. Tratar de alguns temas específicos durante o estágio é uma oportunidade para obtermos um conhecimento mais aprofundado sobre questões importantes para a profissão. Sendo que o tema que trabalharemos são os jogos escolares, temos como expectativa aprender mais sobre o que já conhecemos. Quando éramos alunos dessa escola, aprendemos sobre jogos escolares na prática, mais especificamente sobre o atletismo. Após termos conhecido o atletismo na escola, tivemos a oportunidade de entrar para a equipe de atletismo de Rio Claro e, com isso, melhoramos nossa condição física e técnica para participar das competições. Agora, como estagiários e participantes desse projeto, temos a expectativa de conhecer outras pessoas que trabalham com os jogos escolares. Também gostaríamos de poder passar para os alunos o que aprendemos na escola, nos treinamentos e na faculdade. Sobre a escola, já a conhecíamos bem, uma vez que foi aqui que concluímos nossa Educação Básica. Acreditamos que essa escola tem um ótimo espaço para a Educação Física, ainda que faltem alguns materiais, tanto para as aulas quanto para as competições esportivas, mas, nada que impeça o desenvolvimento dessas atividades. Também já conhecíamos nosso ex-professor e atual professor colaborador de estágio e, sabemos que ele ensina vários esportes, danças e brincadeiras.
Experiência e opiniões do professor-colaborador Nossa experiência com os jogos escolares se divide em dois momentos, sendo o primeiro, como aluno. No ano de 1978, participamos dos Jogos Infantis de Rio Claro, na modalidade do judô, representando a E. E. Prof. João Batista Leme.
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Já no final do Ensino Médio, em 1984, quando cursávamos o Técnico em Agropecuária em um colégio interno no Norte do Paraná, participamos de provas de natação e corrida. Essa motivação pelo esporte acabou por influenciar nossa escolha pela faculdade de Educação Física, ao invés de um curso ligado a agropecuária. Já na faculdade, participamos pela primeira vez das competições escolares como professor-estagiário, cumprindo nosso estágio na E. E. Prof. Luiz Augusto de Oliveira, que era vizinha de nossa faculdade, a Escola de Educação Física de São Carlos. A professora de Educação Física da “Luiz Augusto”, Dona Dirce Gobato, era também nossa professora de Recreação na faculdade. Durante o estágio, Dona Dirce solicitou nossa ajuda para levar alguns de seus alunos para treinar atletismo na pista do SESI e, posteriormente, para as disputas dessa modalidade. Dona Dirce, assim como muitos professores, usava seu próprio carro para levar seus alunos para as competições, não recebendo nada por conta dessas despesas e, tampouco, pelas horas extras de trabalho. Seu pagamento era a satisfação de ver alguns alunos se destacarem. Naquele ano de 1987, uma de suas alunas foi campeã na prova do salto em altura, enquanto outro garoto venceu uma corrida de meio-fundo: Janaina e Jeremias. Talvez de maneira inconsciente, Dona Dirce nos apresentava o significado das competições escolares para os alunos e, também, o que devia ser feito pelo professor. Participar dessas atividades foi a parte mais interessante de nosso estágio. Somente oito anos depois da graduação foi que voltamos a participar das competições escolares, desta vez com a E. E. Prof. Pedro Raphael da Rocha, da cidade de Santa Gertrudes – SP. Essa foi a primeira escola em que lecionamos, ainda que eventualmente. No “Pedro Raphael” chegamos a organizar uma corrida de rua, partindo da escola e seguindo por uma estrada de terra, tudo de maneira muito improvisada: colocamos um aluno em um ponto de retorno e, de cima do muro da escola, observávamos a corrida e aguardávamos a chegada dos alunos. As medalhas para essa competição foram doadas pelo dono de um posto de gasolina. Participamos também de alguns jogos com o time de vôlei feminino da E. E. “Pedro Raphael”, que era treinado pelo saudoso professor Cláudio Cesar Magesto. Montamos ainda uma equipe de basquete masculino que foi campeã entre as escolas da Diretoria de Ensino de Rio Claro, na época, ainda separada da D.E. de Limeira. Depois de vencerem nessa fase, levamos essa equipe para disputar a fase sub-regional contra um time de Limeira. Assim como Dona Dirce, utilizamos nosso próprio veículo para a viagem, uma velha Kombi furgão, sem vidros ou assentos e, que ainda queimava muito óleo. Pelo espelho retrovisor dava para ver os alunos sentados sobre o assoalho da Kombi, em meio à fumaça que saia do motor.
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Mesmo nessas condições, não havia desânimo algum. Nessa época, na verdade, o que não faltava era entusiasmo e inexperiência. Fosse nos perguntar o porquê de participarmos dos jogos escolares em condições tão precárias e, sem receber nada em troca, talvez a única resposta fosse essa: porque gostávamos! Proporcionar essa oportunidade para os alunos era, também, quase que uma obrigação para muitos professores, ainda que a participação das escolas nos jogos tenha sido sempre de caráter voluntário. Tal sentimento também era carregado pela tradição e pela antiga formação, como a que tivemos com a professora Dirce. Não foram poucas as vezes que observamos colegas professores colocando a mão no próprio bolso para comprar um lanche para seus alunos (especialmente quando venciam), para ajudar algum aluno mais carente pagar a foto necessária para o documento de identidade, ou, usando o próprio veículo e combustível para levar seus alunos para as competições. No ano 2000, quando nos efetivamos no magistério público do Estado de São Paulo, tivemos condição de participar das competições escolares de maneira mais frequente e organizada. Tendo escolhido como nossa primeira sede de trabalho a E. E. Prof. Antônio Perches Lordello, da cidade de Limeira, solicitamos permissão à direção daquela escola para participar dos jogos escolares, fato que já não ocorria há algum tempo. Essa participação, na verdade, era reivindicada por muitos de seus alunos. A escola “Perches”, tradicionalmente, sempre foi muito conceituada na cidade de Limeira, se destacando pela disciplina e rendimento acadêmico. Essa situação era decorrente do trabalho incansável de sua diretora, Minerva Jorge Gabriel Santi, bem como, de seu corpo docente e demais funcionários. A questão da disciplina era tão importante para essa escola, que esse deve ter sido um dos motivos para seu afastamento dos jogos. Algumas pessoas acreditam que as competições escolares atrapalham o andamento das outras atividades escolares. Mesmo assim, Dona Minerva nos autorizou participar dos jogos daquele ano, pelo que começamos a montar equipes de handebol e de basquetebol. Naquela época, a participação de alunos federados ainda era proibida nos jogos escolares. Fosse diferente, o “Perches” teria equipes prontas de basquete e voleibol, pois quase todos os jogadores de clubes da cidade, como o Nosso Clube e o Gran São João, estudavam nessa escola. Na reunião que antecedeu os jogos escolares daquele ano, nosso amigo professor José Luiz Germano nos questionou a razão de não estarmos inscrevendo o “Perches” no atletismo, uma vez que um de nossos alunos havia sido vice-campeão estadual. Acabamos acatando sua sugestão e inscrevemos a escola também nessa modalidade, por causa do tal aluno. Thiago
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Francisco Miranda, havia sido vice-campeão estadual no arremesso do peso, competindo no ano anterior por outra escola. Sem saber, essa aproximação com o atletismo iria direcionar muitos de nossos futuros estudos e trabalhos acadêmicos. Além do referido atleta, montamos uma equipe completa de atletismo, tomando por base os resultados das provas de corridas que realizávamos na vizinhança da escola e do “olhômetro”. Essa equipe sagrou-se campeã da fase Diretoria de Ensino de Limeira. Thiago conquistou novamente o vice-campeonato estadual, dessa vez na corrida dos 100 metros rasos. Infelizmente, não pudemos acompanhá-lo naquela final estadual por problemas de saúde. Já o time de basquete, ficou com o vice-campeonato. Ao mesmo tempo em que a escola Perches começava a se destacar nas competições esportivas, Dona Minerva se afastava da direção escolar para um tratamento de saúde. Mesmo doente, não deixava de pensar nos problemas da escola, incluindo a questão do esvaziamento das aulas de Educação Física que, por sua insistência, foram separadas das demais aulas, passando a ser realizadas em período contrário, assim como era feito antigamente. Como Dona Minerva conseguiu essa mudança não sabemos, mas ela sempre dava um jeito, uma vez que era muito respeitada, tanto na escola quanto na cidade de Limeira, onde também foi vereadora. Para se ter uma ideia, Dona Minerva chegou a fechar uma das ruas vizinhas da escola, por meio da construção de um jardim suspenso, a fim de oferecer mais segurança para seus alunos. Também por sua influência, utilizávamos o centro esportivo municipal, situado ao lado daquela escola, para as aulas de Educação Física. Do pouco que conversamos com Dona Minerva, a recordação de quando lhe apresentamos o uniforme da equipe de basquete. Acreditando que tínhamos feito bem ao economizar na compra, Dona Minerva sugeriu que, da próxima vez, comprássemos algo mais bonito, pois seus alunos mereciam. Dona Minerva dava o seu melhor para o “Perches” e era reconhecida pelo seu trabalho, tanto que era aplaudida em pé pelos seus alunos quando visitava a escola, na época em que já estava adoentada. Por essa consideração, estabelecemos junto com alguns alunos o objetivo de conquistar um troféu para Dona Minerva nos jogos escolares de 2001, mesmo sabendo da dificuldade, uma vez que havia uma disputa muito grande entre as escolas de Limeira. Tentamos com o que podíamos. Inscrevemos a escola nas oito modalidades dos jogos escolares, masculino e feminino, alcançando desde desempenhos muito bons, como no atletismo e no handebol, até uma derrota inesquecível do basquete feminino para uma equipe de Iracemápolis, que havia sido campeã estadual: 0 a 100.
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Esse, por incrível que pareça, foi o jogo mais divertido de que já participamos. As meninas mal sabiam arremessar. As pessoas que assistiam o jogo, torciam para que nosso time fizesse ao menos uma cesta, mas só conseguimos acertar uma ou duas bolas na tabela. As infrações às regras, então, eram bizarras: o árbitro apitava uma falta e apontava para um lado e, as meninas colocavam a bola embaixo do braço e seguiam para o outro. No final, todo mundo ria: os árbitros, o público, as meninas e, nós mesmos. Se para algumas pessoas esse jogo representou uma vergonha, para outros foi muito divertido. As atitudes e o sentimento durante esse jogo, inclusive, foram melhores do que os apresentados em outros jogos que vencemos, talvez pelo excesso de competitividade. O objetivo das meninas do basquete, na verdade, era marcar pontos para a escola, pois só havia três times disputando. No final daqueles jogos, mesmo com todo o esforço do “Perches” – incluindo o sacrifício das meninas do basquete – ficamos apenas na quarta colocação. Entre os pontos positivos, muito aprendizado acerca das modalidades que nos eram menos familiares, como o handebol. A chance para o troféu da Dona Minerva acabou aparecendo, naquele ano, por conta de uma carta convite, para o Meeting de Atletismo da UNIMEP (Universidade Metodista de Piracicaba). Como já tínhamos uma equipe montada, alugamos o ônibus mais barato que pudemos encontrar e, além da equipe de atletismo, convidamos outros alunos para ajudarem na despesa. Essa foi uma situação que, ainda bem, Dona Minerva não presenciou. O ônibus que contratamos devia fazer serviços rurais há muito tempo, pelo que era muito sujo e acabado. Só a folga do volante parecia ter mais de meia volta e, para o bem e para o mal, o motorista dirigia muito devagar, até mesmo nas descidas. Era a média de uns 30 ou 40 quilômetros por hora. Como resultado, chegamos atrasados para aquela competição, que começou nas primeiras horas da tarde. Professor Riciere Dezem, árbitro e organizador daquele evento, mesmo sendo muito disciplinado, permitiu que nossos atletas entrassem na competição, ainda que atrasados. Foi o tempo de descer do ônibus e correr para fazer as inscrições e colocar os alunos para competir. Qualquer professor que leve, sozinho, uma equipe de atletismo para competir, sabe da correria que é acompanhar as diversas provas que acontecem simultaneamente, preencher papeletas e passar as últimas instruções. Nos pequenos intervalos, no entanto, admirávamos com os alunos os três troféus colocados sobre uma mesa e, também, o uniforme e os equipamentos da escola Mackenzie. Por brincadeira, um aluno nos disse que só o uniforme daquela escola já nos derrubava. Essa competição seguiu até a noite, quando professor Ricieri, finalmente, divulgou os resultados. Com vários de nossos alunos tendo alcançado o
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pódio, estávamos na esperança de termos vencido, quando foi anunciado o nome de uma escola da cidade de Americana como campeã entre as escolas públicas e, do Mackenzie, como escola campeã entre as escolas particulares. Já regressávamos desanimados para o nosso ônibus, acreditando que uma daquelas escolas ficaria também com o último troféu, o de campeã geral da competição. Foi quando professor Ricieri anunciou o “Antônio Perches Lordello” como equipe campeã. A festa por essa conquista já começou no próprio local, seguiu na viagem de volta e, conseguiu parar as aulas do período noturno. Descrever a alegria alcançada nesse dia talvez ofereça alguma ideia sobre o porquê de se investir tanto em algo que, materialmente, se traduza apenas por algumas medalhas e um troféu. Ao regressarmos para casa, já bem à noite, fazendo o caminho de Limeira para Rio Claro de moto, a alegria e a adrenalina da competição não baixavam. Já em casa, o sono tanto veio quanto se foi rapidamente, por esse mesmo motivo. No dia seguinte, contamos para os alunos que não havíamos dormido por causa da adrenalina da competição. Foi quando nosso aluno Thiago nos disse que a mesma situação havia ocorrido com ele. Explicação para esse sentimento: pura paixão. Naquela mesma manhã levamos o troféu para Dona Minerva, que convalescia em sua casa. Infelizmente, Dona Minerva não veria a próxima conquista daquela equipe, vindo a falecer pouco tempo depois. Na sequência dos jogos escolares daquele ano, somente a equipe masculina de atletismo se classificou para a Final Regional, que aconteceu na cidade de Atibaia. Naquela época, além dos campeões de cada prova na final regional, seguia para a final estadual a equipe que conquistasse maior pontuação. Como já era esperado, Thiago se classificou nas provas dos 100 metros rasos e no arremesso do peso. A equipe de revezamento, que havia vencido a fase Diretoria de Ensino, acabou ficando em segundo lugar, perdendo para a equipe do Cotil, também de Limeira. Nossos alunos ficaram um pouco desapontados com essa derrota, mas todos acabaram seguindo para a final estadual, por conta de terem alcançado a melhor pontuação. Para a final estadual, realizada em Pindamonhangaba, pudemos nos preparar melhor, tendo feito, inclusive, uma rifa destinada a compra de suplementos. Thiago ganhou uma sapatilha de corrida de uma indústria de Limeira, enquanto os outros alunos emprestaram sapatilhas de outros atletas. Naquele ano, foi a nossa vez de acompanhar um atleta de outra escola, cujo professor não pôde viajar. Esse atleta era outro Thiago, o popular “Siri”. Sozinho, “Siri” acabou sagrando-se vice-campeão estadual por equipes, ao vencer a prova dos 1.000 metros, com direito a recorde estadual e, também, o segundo lugar na prova do salto em altura.
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O Thiago da nossa escola, por sua vez, seguia a escrita conquistando o terceiro vice-campeonato estadual na prova dos 100 metros rasos e, a quarta colocação no arremesso do peso. A última chance de nosso Thiago tornar-se campeão estadual seria na prova do revezamento, a última da competição. Sendo que aquela final contou com cronometragem eletrônica, a nossa escola e o Cotil correram em baterias separadas. O resultado, então, foi dado pelo tempo alcançado pelas equipes. Nossa escola acabou campeã do revezamento 4 x 100 metros e, o Cotil, ficou na segunda colocação. Somados os pontos, três escolas da cidade de Limeira foram para o pódio por equipes: Perches campeão, Marciliano em segundo e Cotil em terceiro. Nos comentários de um colega organizador, uma coisa dessas nunca mais vai acontecer nessa vida. Daquela primeira participação em uma final estadual, a lembrança dos trotes, da bagunça que não deixava dormir e do encontro com professores egressos da faculdade de São Carlos, que se formaram antes de nós. Com o “Perches” ainda participamos de outras competições, como a “OliEinstein” e, até mesmo, de uma competição de supino, depois que o pai de dois alunos nos emprestou diversos aparelhos de musculação. Essas foram às últimas participações do “Perches” em competições escolares por alguns anos, uma vez que houve mudanças nas regras para os jogos de 2002, que passaram a exigir que as escolas participantes tivessem turmas de treinamento. Essa boa experiência no “Perches” acabou por incentivar ainda mais nossa disposição para participar dos jogos escolares. Por outro lado, esses bons resultados postergaram reflexões importantes e necessárias sobre muitas das questões que envolvem as competições escolares. Com o tempo, foi necessário buscar novas justificativas para que continuássemos participando das competições escolares, frente às necessidades e características de cada uma das escolas por onde passamos. No ano de 2003, solicitamos remoção para uma escola localizada na periferia da cidade de Rio Claro. Como é comum para muitas escolas, seus alunos só queriam “jogar bola” nas aulas de Educação Física. Atendendo a cultura local, montamos dois times de futsal e, ainda, levamos alguns alunos para participar, pela primeira vez, do atletismo. A participação no atletismo, no entanto, demandou muito esforço, pois era algo muito diferente para a cultura local. Houve, por exemplo, um dia em que levamos alguns alunos para correr uma prova de velocidade fora da escola e, muitos outros alunos nos acompanharam. Alguns desses alunos seguravam areia em suas mãos e, no momento da largada, atiraram-na no rosto dos competidores. Além desse tipo de dificuldade, a escola também não contava com materiais, que não fossem algumas bolas esportivas, pelo que os alunos que treinaram o arremesso do peso, por exemplo, o faziam com uma anilha ou com uma pedra.
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Embora essa remoção para uma escola em Rio Claro tenha nos colocado frente a uma realidade mais desafiadora, nos proporcionou uma aproximação com a universidade: começamos a frequentar algumas disciplinas da pós-graduação, dos cursos de Educação Física e de Educação. Foi por intermédio dessas disciplinas que entramos em contatos com estudos que teciam críticas ao esporte escolar, o que, na época, nos trouxe certa decepção. Depois da vinda para Rio Claro, pedimos nova remoção, para uma escola ainda mais próxima de nossa residência. Desde então, esta tem sido nossa sede de trabalho, onde procuramos avançar em diferentes aspectos. No que se refere à participação em jogos escolares, essa escola havia participado, até então, somente do futsal. Em toda sua história, a escola tinha conquistado apenas um troféu nessa modalidade. Em nosso primeiro ano nessa escola, seguimos trabalhando com o futsal e formamos sua primeira equipe de atletismo, com as condições culturais e materiais já relatadas no projeto anterior. Aos poucos a escola foi melhorando suas condições e os alunos se adaptaram à outras modalidades esportivas. Foi trabalhando nessa escola e, também, em razão dos estudos na universidade, que começamos a pensar o esporte escolar em outras perspectivas. Perguntas como “para quê” e “por quê” participar dos jogos começavam a fazer mais sentido. Começamos a nos questionar, por exemplo, sobre a cobrança exagerada sobre nossos alunos durante as competições, além do excesso de zelo e competitividade. Se há uma desculpa para essas atitudes é que, foi dessa maneira que nos ensinaram. Com o tempo, passamos a valorizar outros aspectos ligados a competição escolar além das vitórias como, por exemplo, a conquista de melhores condições de trabalho. Além da cobertura da quadra, fato já relatado no projeto anterior, a participação de nossos alunos nos jogos escolares nos garantia o recebimento de materiais para os treinamentos e competições, doados a cada ano pela Diretoria de Ensino. Esses materiais acabavam sendo utilizados, também, nas aulas de Educação Física. A possibilidade de melhorar a identificação dos alunos com a escola por meio das competições é outro um aspecto importante. Em razão de nossa escola estar localizada fora do bairro onde reside a maioria de nossos alunos, a falta de envolvimento com a comunidade é muito sentida. Essa distância geográfica com a comunidade também impede a manutenção de turmas de treinamento, ou melhor, turmas de Atividades Curriculares Desportivas (ACDs). Sendo assim, a formação das equipes e os treinamentos em nossa escola são realizados nos intervalos e em partes das aulas de Educação Física. Até já tentamos alocar os horários de algumas turmas de treinamento para as saídas de período, mas
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tivemos diversos problemas, como alunos que demoravam a voltar para casa e assédio às meninas que esperavam no ponto de ônibus. Além da questão dos materiais e da identidade, o objetivo mais importante para nossas participações nos jogos escolares, atualmente, é colaborar para o aprendizado e para a educação geral de nossos alunos. Somando-se aos objetivos previstos nos regulamentos dos Jogos Escolares, que visam a “integração e o intercâmbio entre os alunos das Unidades Escolares”, a “descoberta de novos talentos esportivos” e “fomentar o desporto escolar no estado” (SÃO PAULO, 2018), temos nos esforçado para que os jogos escolares se transformem em uma oportunidade diferenciada de aprendizado, mesmo que somente para alguns. Estes, por sua vez, devem colaborar para a educação de seus colegas e, isso é feito de maneira proposital e planejada. Tanto nos treinamentos quanto nas competições, não se perdem momentos de aprendizado voltados tanto para as questões da disputa esportiva, quanto para outros aspectos da vida. Os alunos participantes dos jogos acabam “puxando a fila” na escola, ao colaborarem com o ensino e treinamento de seus colegas, além de relatarem suas experiências nas competições. Nos primeiros anos de trabalho na atual escola, foram estabelecidas parcerias que beneficiaram nossos alunos. Tendo iniciado um trabalho simultâneo em um projeto de atletismo da Prefeitura, pelo ABCD Bandeirantes, nossos alunos começaram a treinar nas pistas do SESI e da universidade, com direito a suco e lanche. Além dos Jogos Escolares, os alunos da escola passaram a competir no circuito da Associação Regional de Atletismo (ARA), em etapas do circuito Caixa de Atletismo, organizado pela Federação Paulista de Atletismo, nos Jogos Infantis de Rio Claro e, no projeto “Atleta do Futuro”, do SESI. No ano de 2006 nossos alunos participaram de treze competições, somente na modalidade do atletismo. Em uma dessas participações receberam ajuda financeira da ASPACER (Associação Paulista das Cerâmicas de Revestimento), para contratar um ônibus que os levou para competir em Cubatão. Fato interessante dessa viagem é que, muitos dos alunos jamais tinham visto o mar. Ao chegarem à descida da serra, os alunos se deslocaram para o lado do ônibus que dava vista para o mar, chegando a incliná-lo. Infelizmente, na volta, não foi possível parar ao menos um pouco na praia, pois, além do tempo reduzido, estava proibido o estacionamento de ônibus na cidade. Ao relatar esse caso, temos a oportunidade de salientar o aspecto social presente nas competições escolares. Esse aspecto, na verdade já era percebido quando auxiliávamos alguns de nossos alunos a tirarem seus documentos de identidade, que são necessários para as competições. Muitos de nossos alunos
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não tinham dinheiro para a foto. Outros não tinham como se deslocar até a delegacia. Conhecemos até um fato raro, de uma aluna que não tinha digitais, sendo necessário um comprovante médico que a autorizasse a retirar seu documento. Tivemos ainda casos de mães que não permitiam que seus filhos tirassem a documentação, antes que seus pais os reconhecessem na certidão de nascimento. Nessa época, perdemos a conta de quantas fichas preenchemos em máquina de escrever, para que nossos alunos tirassem o “R.G.”, além de levar alguns até a delegacia, ou mesmo, ao “Poupatempo” de outra cidade (sempre acompanhado por um pai ou funcionário). Além desses problemas para a retirada dos documentos, tivemos dois casos de alunos que foram registrados em anos diferentes de seu nascimento, o que caracteriza, no meio esportivo, o chamado “gato”. Um desses casos apresentava dois irmãos que foram registrados em datas trocadas: o mais velho no lugar do mais novo e, o mais novo no lugar do mais velho. Algumas coisas, realmente, são difíceis de acreditar. No outro caso, o aluno só foi registrado dois anos após seu nascimento. Como a inserção escolar desses alunos se deu de acordo com a data de registro, eles se sobressaiam esportivamente a seus colegas de classe. Mas a razão dessa diferença, soubemos apenas no dia da competição, quando o aluno nos relatou esse fato e, queria saber como deveria proceder. Foi quando lhe aconselhamos explicar a situação para um dos árbitros da competição. O árbitro, então, lhe aconselhou a competir seguindo o que estava em seu documento. Naturalmente, esse garoto venceu a prova, mas ficou muito sem graça ao receber as medalhas ao lado de outros atletas menores do que ele. Tal fato o desanimou a ponto de abandonar a competição nas fases seguintes. As competições escolares, realmente, são um grande campo de testes, tanto para o professor quanto para os alunos, em diversas questões que envolvem a necessidade de conhecimento e formação acadêmica, prática, ética e crítica. No que se refere à questão religiosa, por exemplo, conhecemos alunos que eram desaconselhados por seus pais ou pelo pastor da igreja a participarem das competições. Baseavam essa crença em versos da Bíblia, como Gálatas 5:20, ou, pelo fato das competições esportivas, em sua origem, conterem aspectos de adoração a outros deuses. Tal postura em relação às competições podia variar, inclusive, dentro de uma mesma denominação religiosa, de acordo com o que acreditavam cada aluno, família ou pastor. Em relação a essa questão, sempre fomos bastante compreensivos, uma vez que fazemos parte desse meio, o que facilita entender que, as crenças são um assunto muito pessoal. Já era difícil para esses alunos terem que explicar para seus colegas, por exemplo, as possíveis contradições em não participar dos jogos, mas, participarem de outras atividades, como o funk. Não podemos negar, no entanto, que a ausência
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de alguns desses alunos fazia muita diferença para nossas equipes. Por outro lado, esses alunos com formação religiosa costumam ser muito disciplinados. Respeitar suas crenças e individualidade não era mais do que nossa obrigação e, além do mais, a participação dos alunos sempre foi voluntária, assim como a dos professores. Questões de gênero e sexualidade também permeiam os treinamentos e as competições esportivas, assim como qualquer outra atividade na escola. Tivemos problemas, por exemplo, com famílias de alunas que utilizavam o horário de treinamento para namorar, ou, o caso de alunos que aprontaram durante uma competição. Situações como essas são muito complicadas para qualquer professor e para seu trabalho. Trazem também o desânimo, uma vez que, mesmo com pouca experiência, os professores costumam gastar tempo conversando com pais e alunos, estabelecendo contratos para que não ocorram tais situações. Temos visto, também, que a enorme responsabilidade de sair com alunos menores, o cansaço pelo trabalho extra e a falta de colaboração de alguns alunos e da comunidade, têm afastado muitos colegas das competições escolares. Mesmo assim, há os que criticam os professores que participam dessas competições, alegando que estes preferem se afastar das aulas para irem aos jogos. As pessoas que fazem essas críticas não conhecem a realidade vivida por esses professores, o esforço e o desgaste despendido, nem a variedade de problemas que eles podem enfrentar: falta de alunos no dia da disputa, perda de documentos e de materiais, controlar os alunos durante os momentos de estresse e das eventuais brigas, a grande quantidade de documentos que precisam ser preenchidos, entre outros. Ao retornar para as aulas, vele lembrar, esses professores ainda têm que colocar os conteúdos e diários em dia. Os aspectos positivos dos jogos escolares para nossa escola, como a alegria, o aprendizado, a melhora da imagem e da identificação dos alunos, a conquista de materiais e a melhoria da infraestrutura, porém, têm superado os problemas e justificado sua continuidade e evolução, ainda que alguns desafios persistam. Participar com qualidade das competições escolares, no entanto, leva tempo. Depois da conquista do campeonato paulista com o “Perches” em 2001, somente conseguimos chegar à outra final estadual no ano de 2006, em Barretos, com os atletas Jorgyelson, nos 1.000 metros e, Cristiano, popular “Fuminho”, no arremesso do peso. Jorgyelson havia superado por pouco seu colega de escola Ataíde Felipe de Souza, na final regional que aconteceu no SESI de Campinas. Ambos corriam muito próximos nas provas realizadas na escola, mas Jorgyelson levava vantagem pelas passadas mais largas. Infelizmente, nessa época, nossa escola só tinha o Ensino Fundamental, o que limitava nossa melhor participação à
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categoria mirim, para alunos com idade até quatorze anos.Jorgyelson parou de correr depois que saiu da escola. Cristiano foi contratado para jogar em uma equipe de futebol profissional, mas, ficou pouco tempo, talvez porque não gostasse muito de treinar. Ataíde, por outro lado, começou a treinar sistematicamente e chegou a fazer parte da seleção brasileira de corridas cross-country, tendo participado de provas em outros países, como Paraguai e Espanha. O ano de 2006 marcou também nossa escola pela primeira das três conquistas dos Jogos Infantis de Rio Claro. Foi também um ano de muito estudo, em que participamos de cursos como o de arbitragem, da Federação Paulista de Atletismo. Sentimos que era importante conhecer melhor as regras para que, se fosse preciso, reclamar com propriedade de possíveis erros da arbitragem. Já o curso técnico de Nível I, da Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF) foi útil para o trabalho de iniciação ao atletismo, especialmente das provas mais exóticas ao meio escolar. Com esse investimento e com a tradição que começávamos a formar no atletismo, foi natural que nossa escola evoluísse nos resultados. Em 2007, conseguimos classificar outro aluno para a final estadual no arremesso do peso, Felipe, mas este não pode competir em razão de seu trabalho. A partir do ano de 2010, nossa escola engatou uma sequência de classificações para as finais estaduais no atletismo, que somente foi quebrada em 2016. Em 2010, outro Felipe, um dos irmãos de Ataíde, se classificou para a final estadual que aconteceu na cidade de Atibaia, na prova dos 200 metros rasos. Em 2011, a equipe feminina do revezamento 4 x 75 (Mirian, Mayara, Karine, Jenifer e Rafaela), Akemili nos 250 metros, Nicolas no salto em altura e, Gustavo no santo em distância, se classificaram para final estadual, categoria mirim, que aconteceu na cidade de Botucatu. Nesse mesmo ano, o atleta Davi Ferreira se classificou na prova do arremesso do peso, categoria infantil, para a final estadual realizada em Penápolis. Mais tarde, Davi integraria o grupo de atletas que defendeu a Seleção Brasileira de Atletismo, no Campeonato Mundial de Menores, realizado na cidade de Donetsk - Ucrânia, no ano de 2013. Nessa competição ele disputou a prova do lançamento do disco. Em 2012, nossa escola esteve presente, também, nas duas finais da OEESP (Olimpíada Escolar do Estado de São Paulo), nova designação que substituía a antiga OCESP (Olimpíadas Colegiais do Estado de São Paulo). Na categoria mirim, os alunos da escola estiverem presentes na cidade de Itapeva com os dois revezamentos (Mirian, Monique, Rafaela, Michaela, Akemili e, David, Matheus, Alexandre, Danilo, Isaak). Nessa mesma competição, outro Gustavo, disputou uma prova de corrida com cadeira de rodas (PCDs). Nessa ocasião,
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Gustavo participou com uma cadeira de rodas improvisada, que havíamos emprestado do “Centro de Habilitação Infantil – Princesa Vitória”. A pista de carvão, que parecia ter sido reformada a pouco tempo, estava fofa em alguns pontos e, travava as rodas frontais da cadeira. Mesmo assim, Gustavo conquistou o primeiro lugar em sua categoria. Já na final da final da categoria infantil, que aconteceu em Araraquara, participamos apenas com o Gustavo, que competiu na prova do salto triplo. O início da nova década também tirou nossos times de futsal da fila. Depois de uma sequência de segundos e terceiros lugares, nosso time de futsal feminino mirim engatou uma sequência de vitórias a partir do ano de 2011. Já com a abertura do Ensino Médio regular em nossa escola, em 2013, as meninas do futsal e as equipes de atletismo puderam seguir competindo na categoria Infantil (que vai dos 15 aos 17 anos). Um dos jogos mais emocionantes disputados pela nossa equipe de futsal feminino aconteceu na cidade de Iracemápolis: depois de termos perdido o primeiro jogo por 3 x 10 para uma equipe da cidade de Limeira, iriamos enfrentar um dos times de Iracemápolis, que já havia vencido o time de Limeira. A previsão para esse jogo, portanto, era de que encontraríamos ainda mais dificuldade. Nesse dia, no entanto, parece que as meninas de nossa escola estavam mais inspiradas, pois venceram esse jogo por 6 x 2. Somente a pequena Samara fez cinco gols, o que desequilibrou emocionalmente as adversárias, resultando na expulsão de uma de suas jogadoras e momentos de estresse na saída. Resultado: as duas equipes foram desclassificadas. Do ano de 2013 em diante, a competição escolar mudou de nome novamente: JEESP (Jogos Escolares do Estado de São Paulo). A disputa da final estadual do atletismo foi separada das outras modalidades, ocorrendo, desde aquele ano, na pista do Ibirapuera. Em termos de pista melhorou muito a competição, especialmente para as provas do paratletismo. O alojamento em hotéis da cidade também ficou muito mais confortável do que o oferecido pelas escolas que servem de alojamento para as outras modalidades, onde se dorme em espumas espalhadas pelo chão. Por outro lado, sentimos com essa mudança a falta de conhecer novos lugares, de estarmos juntos com as outras modalidades e, também, que a supervisão dos alunos ficou um pouco mais complicada nesse tipo de alojamento. Na final do atletismo de 2013, mesmo com a arbitragem comandada pelos árbitros da Federação, tivemos duas decepções que acabaram nos custando duas medalhas. Roberto, um de nossos atletas, estava em primeiro lugar depois do primeiro dia na prova combinada do octatlo. Ele também iria competir no salto em altura, prova em que havia se classificado na cidade de Piracicaba, assim como outra aluna, Carla Rocha. Acontece que os regulamentos ainda não
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estavam unificados e, o atleta foi proibido de competir na prova do salto em altura, mesmo tendo uma marca suficiente para a primeira ou segunda colocação. Com as meninas do revezamento (Carla, Daniele, Lays, Livia e Sophia) foi ainda pior. Depois de uma largada falsa devido a falha no equipamento, a garota que abria o revezamento, Karolaine, chegou a parar na pista e voltar alguns passos. Quando ela percebeu que as outras equipes continuaram, voltou a correr e, mesmo assim, a equipe conseguiu chegar na segunda colocação. Os árbitros assumiram essa falha e disseram que somente realizariam uma nova prova, se todas as equipes participantes concordassem. Somente a equipe que ficou em primeiro lugar na bateria, no entanto, não concordou. No final essa equipe acabou prejudicando a si mesma e todas as demais, pois acreditando que tinham alcançado o pódio, ficaram na quarta colocação e, nossa escola, em quinto. Nos anos de 2014 repetimos as finais estaduais na categoria mirim com os revezamentos feminino (Daniela, Giovana, Leticia, Maiara e Karolaine) e masculino (Felipe, Gabriel, Alisson, Samuel e Jonas). O atleta Felipe ainda competiu na prova dos 80 metros com barreiras, conquistando a medalha de bronze. No ano de 2015, pretendíamos realizar algumas mudanças na forma como conduzíamos as competições escolares. Pela segunda vez na carreira, inscrevemos a escola em todas as modalidades e, pela primeira vez, conquistamos o troféu de equipe campeã geral dos jogos escolares, na fase da Diretoria de Ensino de Limeira. Nesses Jogos de 2015, na categoria infantil, um fato interessante aconteceu com o time de futsal masculino. Tradicionalmente nossos times de futsal nunca treinaram muito, até em razão de não contarmos com turmas de treinamento. Mesmo assim, conseguimos montar um time forte, contando com os talentos individuais. O que sobrava em talento, no entanto, faltava em disciplina e compromisso. Tivemos ausências e expulsões em todos os jogos disputados, além de excessos de jogadas individuais. Na disputa do terceiro lugar com aquele time, enfrentamos uma escola da cidade de Limeira, que havia perdido sua semifinal de maneira um tanto nervosa. Para esse jogo, já havíamos sido alertados por um colega professor, que um dos jogadores adversários provocava faltas de maneira dissimulada, tentando forçar uma expulsão. Mesmo passando essa informação para nossos jogadores, um deles não resistiu e acabou sendo expulso. Para piorar o clima, o ginásio em que aconteceu esse jogo ficava ao lado da escola que estávamos enfrentando, o que resultou em um grande público. Outro de nossos jogadores, habilidosos e indisciplinado, já tinha tomado um cartão amarelo, quando foi disputar uma bola na área adversária. Nesse momento, o jogo estava empatado e muito “pegado”. Nessa disputa de bola,
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nosso jogador empurrou o goleiro adversário, que veio a se chocar com um de seus companheiros. Resultado: os dois saíram carregados da quadra para atendimento médico. Com mais um de nossos jogadores expulsos e, portanto, com apenas três jogadores de linha no final da partida, quem segurava o empate era nosso goleiro, que pegava bolas quase impossíveis. Depois de uma longa prorrogação, sem boas opções para substituição para aquele momento, o jogo finalmente terminou empatado, o que levaria a decisão para os pênaltis. Foi quando nos reunimos com a professora da outra escola e resolvemos dividir o terceiro lugar, até por uma questão de justiça. No final, depois de tanto estresse, ficou uma coisa bonita, com as duas equipes se reunindo no centro da quadra para um “Pai Nosso”. Ao final dos jogos de 2015, como havíamos planejado, fizemos uma reunião com os alunos participantes e apresentamos o balanço daqueles jogos, bem como, propostas de mudanças para os próximos anos. Tínhamos a intenção de que os alunos tivessem um maior protagonismo na organização e acompanhamento das equipes que competiam. Depois de vinte anos, já estávamos cansados de assumir todas as responsabilidades das competições, que se somavam ao nosso trabalho e estudos. No ano de 2016, então, inscrevemos nossos alunos apenas no atletismo e, solicitamos para que outra professora os acompanhasse nas disputas. Da equipe mirim, se classificaram para a final estadual o revezamento e o salto em altura feminino e, o lançamento do disco masculino. Essa final acabou não acontecendo por falta de verbas do governo. A equipe infantil também classificou os dois revezamentos, mas, devido ao mesmo problema, mudaram a data da competição várias vezes, até que nossos alunos desistiram. No ano de 2017 nossa escola, pela primeira vez, não classificou ninguém para a final estadual do atletismo. Todos esses anos de participação nos jogos escolares, portanto, proporcionaram a nós e aos nossos alunos grandes oportunidades de aprendizado, conhecer lugares e pessoas, vivenciar emoções positivas e desafiadoras e, favorecer e presenciar a revelação de diversos talentos. Além dos casos já citados, tivemos vários alunos que passaram a competir pelas equipes de atletismo da cidade, ou, passaram a jogar em times profissionais de futebol. A maior satisfação, no entanto, é ver que alguns desses alunos escolheram cursar a Educação Física e, que essas competições esportivas tiveram influência sobre suas escolhas. Por meio das competições escolares e dos estudos que tratam de seus mais diferentes aspectos, tivemos ainda a oportunidade de aprender mais sobre a profissão docente, sobre o esporte, sobre o ser-humano e, sobre nós mesmos. Esse aprendizado, por sua vez, tem definido, por exemplo, quem participará
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das competições, que pode ser desde um atleta promissor, até um aluno que esteja passando por um problema com as drogas ou com a lei, e que esteja necessitando de mais atenção. Nessa caminhada, além dos alunos, temos tido a agradável companhia dos colegas professores, entusiastas e compromissados a oferecer a oportunidade da experiência esportiva para seus alunos. Dentre tantos nomes, lembramos o caso de um professor que já era aposentado, seu Athayde Silva: continuava participando dos Jogos Escolares como incentivador, oferecendo até um troféu transitório para as escolas que ficassem campeãs na fase Diretoria de Ensino. Outra grande satisfação é encontrar ex-alunos que participaram das competições escolares. Seus nomes, como se pode ver por esse texto, vêm facilmente à memória. Depois de muitos anos, encontramos alguns desses alunos trabalhando em farmácias, mercados, oficinas e, assim que nos veem, vem nos cumprimentar. Com tanto tempo na profissão e, envolvendo tantas pessoas, é normal que alguns desses ex-alunos e atletas da escola tenham se mudado para longe e, que outros, tenham se tornado professores de Educação Física, sendo alguns mestres ou doutores. Invariavelmente, lembram com carinho dessas antigas competições. Ainda que as competições escolares tenham esses aspectos positivos e sejam importantes para alguns alunos, é preciso relativizar suas influências. Há alguns anos, ao visitar um aluno que havia se acidentado, nos dirigimos para o bairro em que residia, sem saber ao certo o seu endereço. Como a maioria dos jovens desse bairro já estudou em nossa escola, paramos a moto ao lado de uma ex-aluna que foi jogadora de nosso time de futsal, a fim de lhe perguntar o endereço do tal aluno. Ao mesmo tempo, vimos pelo retrovisor outro ex-aluno, já mais “das antigas”. Voltamos então com a moto para cumprimentá-lo, mas ele não nos reconheceu de momento e, pareceu um tanto assustado. Depois que nos reconheceu, a primeira coisa que lembrou foi “que levávamos a turma para jogar”. Mais tarde, soubemos que esse ex-aluno era o “irmão” do bairro, termo que designa um tipo de gerente local do crime. Ainda que esta situação não seja incomum ao meio em que trabalhamos, nos proporcionou diversas reflexões, como considerar os limites de nosso próprio trabalho e da educação, inclusive a que se faz ou pretende-se fazer por intermédio do esporte. Por essas experiências, nos parece claro que alunos que passaram pela mesma escola, que tiveram as mesmas aulas e participaram das mesmas atividades podem, eventualmente, seguir caminhos diferentes. Mesmo assim, é interessante notar que o ponto comum de diálogo com esses ex-alunos eram as boas lembranças das competições escolares, algo tão simples, mas muito significativo e marcante para algumas pessoas, especialmente para as que pertencem às camadas mais carentes de nossa sociedade.
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Profissionalmente, a participação nos jogos escolares tem nos proporcionado experiências diferenciadas e aprendizado pela prática e pelos estudos direcionados a essas competições. Seja pelo estudo das regras de cada modalidade, pela participação nos congressos técnicos, ou, pela troca de experiência profissional, soma-se muito ao conhecimento esportivo e humano. Em 2018 voltamos a participar dos jogos com os alunos, conscientes da necessidade de dividir essa responsabilidade e, ao mesmo tempo, lutando contra o velho costume e ditado que diz que, se quiser fazer algo direito, faça você mesmo. Ainda que toda a experiência e os estudos nos ajudem a trabalhar melhor com a questão das competições escolares, entendemos que é preciso manter um pouco da paixão e da energia dos primeiros anos. Estas, no entanto, não são suficientes para justificar a participação da escola nessas competições. É importante que as competições escolares se justifiquem, principalmente, pela colaboração a missão educativa. Aí sim, valem a pena.
Desenvolvimento e resultados Como estava previsto para esse projeto, os professores-estagiários participaram do processo de ensino e aprendizagem das classes que acompanharam e, também, da formação, treinamento e acompanhamento das equipes esportivas da escola. Como mencionado na sessão anterior, nossa escola não mantém turmas de treinamento esportivo ou turmas de ACDs (Atividades Curriculares Desportivas). A formação e treinamento de nossas equipes esportivas, portanto, acontecem durante as aulas normais, nas “janelas” do professor e, também, nos intervalos. Dentro dessa realidade, a colaboração dos professores-estagiários tem se mostrado muito importante. Já há alguns anos que contamos com a colaboração proporcionada pelos professores-estagiários para dar conta dos múltiplos desafios da escola, quando assim nos é permitido. A diferença é que, em anos anteriores, os professores-estagiários colaboravam cuidando da turma e desenvolvendo as atividades curriculares, enquanto dávamos uma atenção à parte esportiva ou a outro problema. Nesses casos, ao contrário do que possa sugerir um abandono da classe aos cuidados dos professores-estagiários, como diz o ditado, é necessário manter “um olho no peixe e outro no gato”. Essa situação, na verdade, é muito comum na parte prática das aulas de Educação Física, que contam com muitos alunos em um espaço relativamente grande. Em nosso caso particular, ainda há um desnível da quadra e muros que impedem a visão de todo o espaço. Os cuidados e a necessidade de supervisão acontecem,
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portanto, com ou sem a presença dos professores-estagiários, especialmente nos momentos em que há divisão das atividades por interesse dos alunos. A presença dos professores-estagiários na escola, portanto, traz a possibilidade de atender essas múltiplas demandas com maior efetividade. Essa questão, por fim, acabou se tornando tema de discussão com PE-7 e PE8. A colaboração desses professores-estagiários acabou se estendendo, inclusive, ao tema de estudo do projeto “infraestrutura e materiais”. Por trabalhar em uma loja de ferragens, PE-7 se dispôs a lixar e pintar os bastões que haviam sido cortados pelos professores-estagiários do outro projeto, que seriam utilizados para o ensino e treinamento das corridas de revezamento. Pela sua experiência esportiva nessa prova e, também, pela sua habilidade no uso de ferramentas, os bastões ficaram muito bons, tanto em termos estéticos, quanto funcionais: as pontas dos implementos foram lixadas para não deixar arestas afiadas ou rebarbas que pudessem machucar os alunos. PE-7 acabou utilizando esse material para os treinamentos das equipes mirins do revezamento. A colaboração dos professores-estagiários também se estendeu para o treinamento das equipes do jogo de damas, uma modalidade que já não era disputada nos jogos escolares há vários anos. Por casualidade, no ano anterior, havíamos organizado um campeonato interno do jogo de damas, com direito a premiação para os campeões de cada classe. Para que os alunos aprendessem a jogar, foram instruídos por meio de cópia e discussão de texto que apresentava as regras simplificadas dessa modalidade esportiva. Sendo assim, com a volta das disputas dessa modalidade no ano de 2018, foi fácil montar as equipes, tomando-se por base os resultados do campeonato interno, realizado em 2017. Para os professores-estagiários procuramos apresentar os objetivos desse jogo e suas possibilidades e oportunidades pedagógicas: costumamos aliar ao ensino do jogo de damas a noção de como obter “lucro”, questionando nossos alunos sobre como um comerciante obtém lucro ao vender seus produtos. A resposta correta é: vender mais caro do que comprou. No jogo de damas, da mesma forma, o lucro é obtido ao se obrigar o adversário a realizar uma captura (lei da obrigatoriedade) que, no lance seguinte, possibilite ao jogador capturar duas ou mais peças. O jogo de damas também oferece diversas oportunidades para se discutir importantes questões atitudinais, como atenção, concentração, paciência, controle emocional, honestidade, entre outros. Explicamos para os alunos que participaram das equipes de damas no corrente ano que, de certo modo, são privilegiados, pois têm oportunidades diferenciadas para aprenderem e se aprofundarem nas questões relativas ao jogo e, a outras que se relacionam a diferentes aspectos da vida. Uma regra utilizada nas competições escolares
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do jogo de damas, por exemplo, serve para discutir a questão da honestidade versus a possibilidade de levar vantagem no jogo. Essa regra determina que, ao se cometer a terceira jogada irregular, o jogador perde a partida. Acontece que, quem deve indicar essas jogadas irregulares são os próprios jogadores. Tais jogadas irregulares, por sua vez, podem tanto ajudar quanto prejudicar o jogador. Sendo assim, é normal que os alunos perguntem o que deve ser feito nesses casos: se manifestarem, ou, se calarem, dependendo se a jogada irregular do adversário os ajuda ou prejudica. O item 56 das regras da Confederação Brasileira de Jogos de Damas (CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DO JOGO DE DAMAS, 2018) define, nesses casos, que o jogador que sofreu a infração pode solicitar tanto a retificação quanto a manutenção da jogada. Tal regra, na verdade, acentua a necessidade de atenção ao jogo, o que pode ser transferido, pedagogicamente, para o “jogo da vida”. Exemplo: quando alguém lhe dá um troco errado, seja a mais ou a menos, como se deve proceder? Tais situações, além de serem abordadas com os alunos, foram discutidas com os professores-estagiários, no dia em que acompanharam a equipe de damas para a disputa da fase Diretoria de Ensino, realizada na cidade de Iracemápolis. Essa discussão se deu em virtude do desejo manifesto pelos professores-estagiários na carta de apresentação, de que gostariam de ajudar a desenvolver, além do esporte, o caráter de seus alunos. Nessas conversas com os professores-estagiários, foi levantado que o encaminhamento dado a algumas situações dependem dos objetivos e do caráter do próprio professor. Se ao participar das competições escolares o professor tiver como objetivo principal a vitória, haverá muitas oportunidades para que ele procure vantagens ilícitas para chegar ao seu intento. Se, por outro lado, seu objetivo for a educação de seus alunos e a colaboração para que, no que depender dele, construir uma sociedade mais justa e honesta, terá que ensinar para seus alunos que, às vezes, perder uma partida é menos importante do que perder a honra, palavra que parece estar sendo pouco utilizada nos dias atuais. Durante a competição, na cidade de Iracemápolis, os professores-estagiários aproveitaram o tempo para as entrevistas com outro professor participante e, com a professora organizadora dos jogos, a Professora Coordenadora de Oficina Pedagógica (PCOP) de Educação Física. Colaboraram ainda com a premiação dos alunos e tiveram a satisfação de ver seus “sucessores” vencerem, a despeito da equipe feminina ter participado com uma jogadora a menos. A colaboração dos professores-estagiários com as equipes esportivas da escola seguiu, então, com o atletismo. Como ex-atletas de corridas de velocidade de nossa escola, PE-7 e PE-8 puderam colocar em ação suas melhores habilidades: participaram das instruções iniciais e treinamentos, desde o aquecimento
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até os exercícios de coordenação, das saídas, das chegadas e das passagens do bastão. Também puderam passar um pouco de suas experiências para os alunos, que ficaram curiosos ao saber que “aqueles professores” já haviam estudado na escola e, também, que haviam participado das equipes esportivas. Assim como nos outros momentos de seus estágios, os professores-estagiários, além das colaborações com as equipes esportivas, tiveram participação nas atividades normais, desde a realização das chamadas, até os momentos finais das aulas, reservados para atividades a escolha dos alunos. Por vezes, esses momentos serviram para conversar com os professores-estagiários. Em uma dessas conversas, tratávamos com PE-7 sobre os textos impressos que deixamos para que ele lesse, juntamente com PE-8. Explicamos que alguns daqueles textos tinham uma abordagem crítica ao esporte por seus princípios capitalistas, pelo seu uso como controle social, pela adaptação de seus praticantes aos valores e normas dominantes, por desenvolver atitudes competitivas ao invés de cooperativas, entre outras. Foi quando PE-7 nos solicitou maiores explicações sobre o que viria a ser “essa coisa de esquerda e direita”. Essa pergunta acabou nos surpreendendo de duas maneiras. Primeiro: pensávamos que estes conceitos eram comuns para os estudantes universitários, especialmente diante das discussões políticas que aconteceram nesse período e; Segundo: porque mesmo conhecendo esses conceitos, foi difícil tentar explicá-los em pouco tempo e, com poucas palavras. Acabamos, infelizmente, caindo no lugar comum e polarizado das discussões que envolveram esse tema naquela época de eleições, ao tentar dar uma ideia do que seria direita e esquerda e, pior, tentar responder de que lado estávamos naquele debate. Para não deixar essa explicação no nível de “esquerda representa o comunismo, o pobre, o empregado, Cuba e o PT, enquanto, direita representa o capitalismo, o rico, o patrão, os EUA e o PSDB”, discutimos mais sobre esse assunto na reunião final do projeto. Infelizmente, as férias de PE-7 e PE-8 acabaram, pelo que não puderam mais acompanhar as equipes que ajudaram a formar e treinar. Mais uma vez, as disputas do atletismo na fase Diretoria de Ensino foram canceladas, dessa vez por falta de pista. Dessa forma, a organizadora dos jogos precisou escolher dentre as escolas que queriam participar, quais delas seguiriam diretamente para a final regional, uma vez que, dessa fase, só participam os campeões e vice-campeões da fase Diretoria de Ensino. Talvez, pela tradição e pelo trabalho com o atletismo em nossa escola, fomos uma das escolas escolhidas. É importante mencionar que, ao deixar de realizar a competição na fase Diretoria de Ensino, se perdem oportunidades importantes, especialmente para a categoria mirim, que abriga os alunos mais jovens e, que estão ingressando nas competições, como atingir um maior número de participantes, oferecer uma
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premiação e proporcionar experiência de pista. Da maneira como foi, nossos alunos chegaram à final regional para competir com atletas que já conheciam esse ambiente. Felizmente, depois de muitos “quase”, os dois revezamentos conseguiram se classificar. Dois dias antes, as equipes do jogo de damas encontraram oponentes mais preparados e acabaram perdendo a final regional. Essa foi uma derrota muito sentida, em razão do esforço de todos e da perspectiva de seguirem para uma inédita final estadual com essa modalidade. Essas emoções, no entanto, PE-7 e PE-8 já conheciam como alunos e atletas de nossa escola. Lembramos, especialmente, de uma final regional, quando PE-7 aguardava o resultado das provas dos 100 e 200 metros: ao anunciarem os resultados, suas mãos tremiam, mesmo tendo se classificado em ambas. O aprendizado profissional necessário para lidar com essas emoções, no entanto, também foi discutido na reunião final desse projeto, juntamente com as leituras realizadas pelos professores-estagiários e a elaboração da apresentação para a aula de estágio. Assim como nos outros projetos, o tempo passou muito rápido. Permanecessem PE-7 e PE-8 mais tempo na escola, teriam participado de nossa decepção ao saber que, as provas dos revezamentos, as únicas que nossa escola venceu na final regional, não participariam da final estadual. Por outro lado, teriam tido o prazer de ver as equipes infantis de damas obterem ainda mais sucesso: depois de defenderem a escola nos jogos escolares, passaram a treinar pela prefeitura e defenderam a cidade nos Jogos Regionais, conquistando a medalha de prata e a classificação para os Jogos Abertos do Interior. Temos a satisfação de afirmar, inclusive, que já está difícil vencer esses alunos que aprenderam a jogar na escola. Mesmo com esse sucesso, cortamos a participação da equipe masculina de damas em uma das fases da competição escolar, por não terem comparecido a um compromisso na escola. Nosso trabalho, portanto, está cada vez mais relacionado a questão educativa. Professor Marcos, nosso colega responsável pelos treinos das equipes de xadrez e damas da cidade, também tem reclamado das ausências dos alunos nos treinamentos. O esporte, por fim, assim como qualquer atividade humana, dá o retorno de acordo com aquilo que se investe. De qualquer forma, ao menos a parte que nos cabe continua sendo feita.
Conclusões do terceiro projeto Antes mesmo do início desse projeto, já prevíamos a satisfação das pessoas envolvidas com ele, pelo grande interesse que têm para com os jogos escolares. Reafirmando que os alunos que participam das competições são privilegiados
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em diversos aspectos, como foi o caso dos PE-7 e PE-8, nos prendemos a questão de seu aprendizado profissional e de vida, durante a realização desse projeto. Já enquanto aluno e atleta da escola, porém, conversamos muito com PE-7, por exemplo, sobre o controle emocional necessário durante os jogos de futsal, bem como, sobre a necessidade de não “soltar” a corrida antes que se cruze a linha de chegada, isso em se tratando tanto da prova atlética quanto da vida. Acreditamos que essas experiências lhe serão úteis no futuro. Enquanto alunos de nossa escola PE-7 e PE-8 puderam, também, alcançar um aprendizado mais aprofundado das modalidades esportivas de que participaram, no que se refere a questões técnicas, táticas, físicas, emocionais, sociais, entre tantas outras. A realização do estágio e desse projeto com esses professores-estagiários, portanto, visou acrescentar o ponto de vista do professor e, também, fazer uma contraposição a tudo o que viam de bonito e de positivo nos jogos escolares. Para isso é que foram selecionados os textos críticos as competições e as entrevistas com outros atores que participam desses eventos, a fim de se obter uma visão diferenciada. Com base na leitura dos textos selecionados, o questionamento que PE-7 nos fez sobre o que seria “direita” e “esquerda”, no entanto, acabou por nos colocar em dúvida sobre a utilidade e pertinência dessas leituras nessa fase da formação profissional, uma vez que, para se discutir essas questões de maneira aprofundada, seria necessário muito mais estudo. Por outro lado, essa observação nos deixou em paz em relação a aqueles que acusam professores de ideologizar os alunos. A verdade é que, em todos esses anos de magistério, jamais havíamos tocado nesses assuntos com os alunos da escola ou com os estagiários. Para nós, a preocupação em ensinar algo relativo a “direita” ou “esquerda” sempre esteve restrita a questão da lateralidade. Quanto às opções políticas desenvolvidas e formadas por esses alunos, sabem-se lá como, não nos faz a menor diferença. Temos muito orgulho e satisfação de nossos ex-alunos que defendem ideologias diferentes e, que agora estão atuando na docência da Educação Física, como é o caso de Ataíde Felipe de Souza, bem como de PE-7 e PE-8: foram excelentes alunos e atletas da escola e ainda servirão como exemplos para nossos alunos por um bom tempo. PE-7 e PE-8 foram excelentes professores-estagiários e, estamos certos que serão ótimos profissionais. Ataíde, por sua vez, já é um excelente professor da Rede Municipal e personal-trainer. Se “falhamos” em ideologizar esses ex-alunos (ainda que essa nunca tenha sido nossa intenção) “falharam” também os professores da universidade que nos apresentaram as diferentes influências que a Educação Física e o esporte escolar sofreram, desde as concepções higienista, militar, esportiva, e recreacionista, até as concepções surgidas a partir da década de 1980, em função da
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abertura política: as abordagens da psicomotricidade, desenvolvimentista, construtivista, crítico-superadora, crítico-emancipatória, da saúde renovada e os PCNs (DARIDO, SANCHES NETO, 2005, p. 2-21). Mesmo que os professores da universidade não quisessem exercer qualquer influência, conhecer essas abordagens não nos tornaram simpatizantes de qualquer ideologia, mas, proporcionaram uma reflexão acerca das contribuições que cada uma delas ofereceu para o nosso campo de estudo e trabalho. Estudamos e discutimos essas abordagens, pela primeira vez, na disciplina “Tendências da Educação Física Escolar”, que frequentamos como aluno ouvinte no ano de 2005. Como uma de suas estratégias de aula, grupos de alunos deveriam apresentar seminários sobre cada uma das abordagens estudadas. Em uma dessas aulas, um dos colegas fez um questionamento interessante: não seria possível fechar todos os autores que deram as bases para essas diferentes abordagens em uma sala, até que chegassem a um consenso e “saísse fumaça branca pela chaminé?” Mais que o aspecto cômico da pergunta, ali se apresentavam as dúvidas comuns do grupo, frente aos diferentes objetivos que cada uma dessas abordagens perseguia e, das possibilidades de aplicação em diferentes realidades. O fato é que todas essas abordagens tinham boas justificativas, mas, também estavam sujeitas a críticas. Outra pergunta que nos marcou nessa época, foi nos feita por uma colega professora: Você deseja uma Educação Física (e, aqui, incluímos o esporte escolar) que ajude a transformar essa sociedade, ou, que ajude a manter as coisas como estão? Ainda que nos lembremos dessa pergunta, não nos lembramos da resposta que demos na época, e que tentaremos responder, novamente, no final dessa seção. Antes, porém, tentaremos esclarecer o que esperávamos dessas discussões com os professores-estagiários. Ainda que o objetivo das leituras não fosse estabelecer uma discussão política, houvesse mais tempo para seu estudo, poderíamos esclarecer para os professores-estagiários que, embora a profissão docente tenha um caráter acentuadamente social, ela depende de recursos produzidos por uma sociedade capitalista. Assim, até mesmo o mais alienado dos professores de Educação Física perceberá em sua vida e prática profissional, que é a política que define tanto os gastos que possibilitam a realização dos Jogos Olímpicos em seu país, quanto à indisponibilidade de recursos para a realização dos jogos escolares em alguns anos. Com um pouco mais de tempo e estudo poderíamos, também, apresentar para os professores-estagiários as influências de nossa antiga formação universitária, que englobava noções militares de voz de comando e ordem unida, mas, atuais no que se refere as propostas de criação de colégios militares. Também poderíamos mencionar que, tanto capitalistas quanto socialistas
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utilizaram o esporte como meio de propaganda ao longo da história, incluindo métodos fraudulentos de doping: assim foi com a fábrica de campeões da antiga Alemanha Oriental e, também, com diversos atletas americanos, incluindo a equipe americana de revezamento 4 x 100 metros masculina dos Jogos Olímpicos de 2000, que ficou com a medalha de ouro, mesmo com um de seus atletas tendo sido flagrado nos exames antidoping. Poderíamos ainda falar de nossa admiração pelo antigo sistema esportivo cubano, que transformou esse pequeno país do Caribe em uma potência olímpica, a despeito de seus graves problemas econômicos e, também, de nossa admiração pelo esporte escolar e universitário dos Estados Unidos da América, base da maior potência esportiva do mundo. A intenção maior desse projeto, incluindo as leituras, era que nossos professores-estagiários conhecessem os aspectos positivos e negativos das competições escolares e, principalmente, discutissem as possíveis justificativas e objetivos do esporte na escola. Só a leitura do título do artigo de Walter Bracht, “a criança que pratica esporte respeita a regra do jogo... capitalista”, por exemplo, já bastaria para provocar reflexões como: se incentivo a prática do esporte na escola, sou um professor capitalista ajudando a criar crianças capitalistas? Leituras e discussões mais aprofundadas possibilitariam, ainda, reconhecer o contexto em que foram escritos tais textos, bem como, as possíveis mudanças de opinião desses autores ao longo do tempo e, quais as influências que exerceram sobre a Educação Física e sobre o esporte escolar. Ainda que essas leituras sejam quase obrigatórias para professores que prestam concursos de ingresso ou de evolução funcional, o mais interessante desses estudos é formar professores mais conscientes. Machado (2002), por exemplo, observa que a competição esportiva entrou de maneira inapropriada na escola, e que os professores precisam se preparar melhor para lidar com ela. Entende que excluir a competição do processo de formação esportiva da criança é um erro pedagógico, mas, que isso deve ser utilizado conscientemente como um recurso. Tentando, finalmente, responder à pergunta que nos fez a colega professora há alguns anos, sobre nossa intenção com a Educação Física e o esporte escolar, acreditamos que, atualmente, nossa perspectiva em relação a esses temas contem aspectos ideológicos e pragmáticos. Por meio de nosso trabalho esperamos tanto transformar quanto manter e resgatar algumas questões e, somente dentro de nosso campo de atuação. Se desenvolver a consciência e a crítica dos alunos é uma visão marxista, esquerdista ou socialista, nos parece que a alternativa alienante faz pouco sentido para os escolares e, nenhuma para os professores. Um professor sem informação e consciência, que não pensa e não faz pensar, corre o risco de ser substituído por uma máquina que, por sinal,
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é muito mais econômica. Por outro lado, se a questão do esforço próprio e do mérito é uma questão da direita e do capitalismo, continuamos lutando, com dificuldade, para conscientizar nossos alunos e futuros professores, para se esforçarem ao máximo e, fazerem valer todo o investimento que lhes é oferecido, seja por governos de direita ou de esquerda. Percebemos, com tristeza, que o que sobra de competitividade nos jogos de futsal para nossos alunos, falta – e muito – em seus planos de vida e em seus estudos, ao contrário do que acontece na rede particular de ensino. De qualquer forma, tanto para a Educação Física quanto para as competições escolares, alcançar os resultados que se pretende depende muito da orientação que os professores dão para essas atividades. No desenvolvimento de nossas aulas, nas competições de que participamos e, na orientação dos professores-estagiários, temos a consciência de que transformar a sociedade por meio da educação ou do esporte é uma utopia. Nesse sentido, concordamos com Lovisolo, Borges e Muniz (2013) quando tratam dos limites dessa fé transformadora, salientando que as lutas e os personagens que levaram as primeiras revoluções socialistas emergiram, justamente, de sistemas educacionais tidos como tradicionais, reprodutores e conservadores (p. 131). As experiências relatadas aqui sobre o destino de diversos ex-alunos reforçam essa informação: enquanto para alguns as competições escolares influenciaram diretamente na escolha da carreira, para outros, significou apenas uma boa lembrança, sem poder os livrar, sequer, de uma vida no crime. Ainda assim, Lovisolo, Borges e Muniz (2013) defendem que essa luta não deve ser abandonada, opinião que também compartilhamos. Ainda que a educação e o esporte não tenham o poder de mudar a sociedade por completo, mudar seu ambiente e suas condições de trabalho é um sonho possível, por meio das ações tomadas nessa pequena realidade. Uma frase do talmude também nos estimula a seguir nesse caminho: “quem salva uma vida salva o mundo inteiro”. Ainda que sonhemos com uma sociedade melhor e mais justa, trabalhamos dentro de uma realidade restrita, que busca a inclusão de todos os alunos em seu direito de aprendizado. Acreditamos, finalmente, que enquanto houver alunos que se interessem pelos esportes, caberá aos professores apresentarem suas possibilidades e objetivos, incluindo a competição. A escola, nesse sentido, pode representar a única oportunidade para muitos.
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Conclusões do trabalho
Chegando próximos à finalização desse trabalho e, vivenciando um momento de transição em diversas frentes, nos recordamos de uma discussão ocorrida durante uma das reuniões do PIBID, do qual participávamos como professor supervisor, no ano de 2017. Depois de diversas ameaças de fechamento desse programa por conta da crise econômica, uma das bolsistas reclamava que tal situação não lhe oferecia segurança e, também, que estava insegura e sem estímulo para continuar no projeto. Em dado momento, desabafou que não conseguia ter certeza de mais nada. Na educação e na vida, infelizmente, é difícil ter certeza sobre o destino dos acontecimentos. Mesmo que a escola guarde muitas tradições e seja resistente a muitas mudanças, em se tratando de problemas e desafios, há sempre algo novo para o trabalho dos professores e, consequentemente, para seu processo de formação. Quanto às mudanças políticas, das quais decorrem mudanças na educação, é importante lembrar que a grande maioria dos professores brasileiros é constituída por funcionários que seguem legislação e currículos, seja da união, dos estados, das prefeituras, ou, da rede particular. A cada mudança significativa, portanto, resta aos professores se adaptarem da melhor maneira possível. Lembramos que, há dez anos, era adotada uma nova proposta curricular no Estado de São Paulo que, posteriormente se tornaria currículo oficial. Vivenciamos esse período nos adaptando, por exemplo, para o ensino de conteúdos que não foram abordados em nossa graduação, ou ainda, que nos eram totalmente desconhecidos. Esse processo não foi absorvido pelos professores sem qualquer questionamento ou resistência. Ao participar de diversos cursos de formação continuada promovidos naquela época, tanto como aluno quanto palestrante, nos recordamos de colegas que questionavam se o ensino de alguns conteúdos não encontraria resistência entre os alunos, se o ensino de
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outros conteúdos não estimulariam a violência ou a sensualidade e, ainda, de que as escolas não dispunham de recursos para o ensino desses conteúdos. Na virada do ano de 2018 para 2019, os professores se preparam, novamente, para enfrentar as mudanças decorrentes da troca de governo e, também, pela adoção da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) em todo o Brasil. Antevemos a mesma insegurança e trabalho dos professores para se adequar a esses novos tempos, já questionando para a área da Educação Física, por exemplo, como se dará o ensino dos jogos eletrônicos, indicados na BNCC para os 6º e 7º anos do Ensino Fundamental. Isto, pensando apenas na formação dos professores e na disponibilidade dos recursos: Será que a solução será desenhar esse conteúdo em uma lousa para poder ensiná-lo? Temos observado que bons professores de Educação Física podem ensinar qualquer coisa em suas aulas. Pode-se ensinar a esgrima, por exemplo, utilizando-se de cabos de vassoura ou pedaços de flutuadores. Por outro lado, nos questionados sobre quais seriam os limites dessas adaptações, para que o processo de ensino-aprendizagem se torne, realmente, efetivo. Essas são apenas algumas das perguntas que, certamente, afligirão os professores nos próximos anos, somadas as preocupações com as possíveis mudanças em seus planos de carreira, na previdência social e, ainda, sobre problemas recorrentes enfrentados diariamente na docência, situação que inspirou a elaboração desse trabalho. Por outro lado, estaríamos por demais enganados ao nutrir alguma esperança a respeito de mudanças que favoreçam a educação no Brasil? Pelos baixos salários, pelas sequências de más notícias (corrupção, superfaturamento na merenda escolar, agressão a professores etc.), pela distância entre as políticas adotadas e as reais necessidades da escola, há boas razões para a falta de perspectiva do professorado. Esta situação afeta, entre outras coisas, a atratividade pela carreira docente. Em notícia recente, foi divulgado que, entre 35 países, o Brasil ocupa o último lugar em um ranking sobre o prestígio dos docentes (VITORINO, 2018). Mesmo nessas condições, é emocionante observar colegas professores tentando solucionar tantos problemas e deficiências, ainda que não recebam nada a mais por esforços extras. Essa mesma disposição foi importante para a realização desse trabalho. Destinado aos futuros professores em seu período de estágio, apresentou problemas e desafios reais da escola e possibilidades de enfrentamento em parceria. Além dos resultados locais desse trabalho, vislumbramos a possibilidade de que políticas educacionais relacionadas aos seus objetivos possam um dia serem adotadas. Para tanto, é importante dialogar com os professores, que não enfrentam os desafios e problemas da escola por ideologia. Esse enfrentamento não é uma escolha do professor, mas, uma necessidade. Qualquer política que
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Conclusões do trabalho
for adotada que permita aos professores se dedicarem mais ao ensino do que ao enfrentamento desses problemas e desafios será muito bem-vinda, seja para aqueles aqui apresentados, seja para outros. Assim, se a solução para a violência na escola for colocar seguranças em seus arredores, ou mesmo, em seu interior, em nossa opinião, melhor. Acabam-se as brigas, as agressões, o vandalismo, o uso e o tráfico de drogas etc. Até lá, professores continuarão intervindo – às vezes, até fisicamente – tanto por uma questão legal quanto moral. Por outro lado, continuarão perdendo tempo de aula e de preparação de aula. Assim também será excelente se as famílias se ocuparem da educação sexual e ensinarem o respeito à diversidade humana em casa. Com isso o professor de Educação Física não necessitará mais explicar que futebol não é coisa só de meninos e, que as meninas têm o mesmo direito de jogar que eles, se assim o desejarem. Também não será necessário explicar que alunos com orientações sexuais diferentes não gostam de ser ofendidos por sua condição, assim como qualquer pessoa, seja lá qual for sua peculiaridade. Trabalhar só para o ensino seria, antes de tudo, menos desgastante para os professores. O professor de escola pública – a escola pública de inclusão, não a de seleção – porém, trabalha e vive muito próximo de uma sociedade carente e desestruturada. Sabe, de antemão, que muitos dos discursos políticos não têm o menor cabimento para a realidade de muitos de seus alunos. Como esperar, por exemplo, que muitos desses alunos, que moram com irmãos, avós, tios, ou, sabe se lá quem, sejam educados pela família? E os filhos de pais que estão no crime ou encarcerados? Quais exemplos e orientações recebem em casa? Esses alunos chegam à escola com quais perspectivas de vida e, com qual disposição? Com essa percepção, possíveis resistências de professores à necessidade de mudanças estarão relacionadas a continuidade desses problemas e desafios e, também, pela cultura formada em anos de enfrentamento e pela formação para tanto, implementados por políticas que colocaram o professor e a escola como responsáveis por quase todos os problemas da sociedade. Persistindo esse cenário, o professor que trabalha nessas condições continuará se desdobrando entre esses dois papeis, descritos por Veiga (2009) como dois tipos de professores: o tecnólogo do ensino e o agente social. Em condições muito difíceis, com certeza, seu papel social será muito mais solicitado, fato reconhecido por essa mesma autora, que defende que “(...) precisamos inovar, urgentemente, a proposta de formação de professores, a fim de atender às necessidades dos alunos provenientes das camadas mais pobres da população (Veiga, 2009, p. 21)”. Segue-se a partir daqui outras perguntas: Ainda que este ou qualquer outro trabalho pretenda colaborar para a formação de professores, especialmente para este tipo de realidade, quais políticas poderiam colaborar para esse objetivo?
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Nesses anos de magistério, não podemos negar que observamos diversas tentativas de aproximação com a escola, por parte dos governos e da academia. O que faz, no entanto, que essas tentativas e essas consultas pouco reflitam nas políticas educacionais? Essa pergunta se estende, também, para a formação dos professores. Ao participar de grupos de estudo na universidade, por exemplo, tivemos a oportunidade de conhecer trabalhos muito interessantes voltados à formação de professores e, em especial, ao estágio curricular. Por outro lado, ao receber os estagiários na escola, percebemos que problemas antigos permanecem e, sequer têm perspectivas de solução, como é o caso dos graduandos que estudam à noite e trabalham durante o dia. Eles fazem, assim como nós, o que é possível dentro dessa realidade. Recordando o início de nossa colaboração para com estágio curricular em 2004, admitimos que tínhamos pouco a apresentar além dos nossos problemas. Essa situação nos causava certo constrangimento, além de desapontamentos ocasionais, causados pelas críticas que os estagiários levavam para a universidade. Para que nossa escola colaborasse de uma melhor maneira para a formação dos professores nos estágios, foi necessário que ela evoluísse em muitos aspectos. Tendo evoluído, nossa colaboração passou por um segundo momento: tínhamos prazer em receber os estagiários, para lhes apresentar o que tínhamos alcançado de positivo. Atualmente, acreditamos viver uma terceira fase nessa relação. Ao longo dos anos, percebemos que os estagiários colaboravam com o nosso trabalho e eram bem recebidos pelos nossos alunos. A proximidade com os estagiários e com a universidade, além disso, colaborava para nossa própria formação. Atualmente, está relação está mais próxima de uma parceria do que de uma colaboração por camaradagem. Nesse cenário, acreditamos que esse trabalho é mais um avanço, ainda apresente ações bem simples. As cartas de apresentação elaboradas pelos professores-estagiários, por exemplo, tiveram um significado e utilidade muito diferentes das convencionais cartas de apresentação e solicitação de estágio. O desenvolvimento dos projetos temáticos, por sua vez, se mostrou não somente possível, mas colaborou para a formação dos professores e para o enfrentamento de problemas e desafios que estão presentes em nossa escola, sem deixar de lado os objetivos do currículo escolar e do próprio estágio. No desenvolvimento desses projetos, foi interessante aproximar os futuros professores de alguns dos aspectos mais desafiadores de nossa escola. Isto se aproxima dos princípios e propostas da epistemologia da prática profissional e de uma pesquisa-ação, pois: colocou a escola e o professor como protagonistas na formação de seus pares, abordou saberes úteis à docência,
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se utilizou da coletividade para compreender e resolver problemas comuns de maneira cooperativa e, deu voz ativa a diversos atores envolvidos nas diferentes etapas dos projetos. É interessante também afirmar que, partes desse trabalho já vinham sendo divulgadas em eventos científicos. Esperamos, porém, que a publicação de seus resultados não se configure como seu último esforço. Pretendemos trabalhar com novos e desafiadores temas. Esperamos, ainda, que esses trabalhos sirvam como referência para as próximas gerações de professores-estagiários que devemos receber. A experiência com esse trabalho também apresentou os seus limites, sendo a questão do tempo uma das mais significativas. Universidade, escola, professores supervisores, professores-colaboradores, professores-estagiários, cada vez com menos tempo e, cada vez mais sobrecarregados com seus próprios problemas e desafios. Por essa razão, reafirmamos que são necessárias políticas diferenciadas que favoreçam esse tipo de aproximação colaborativa e o diálogo entre as escolas e as entidades que formam os professores. A fase de transição de graduandos para candidatos ao mercado de trabalho também impediu a participação dos professores-estagiários no que seria uma parte importante desse trabalho: o relato de suas conclusões. Na verdade, a ideia inicial era que os professores-estagiários participassem como coautores desse trabalho. A despeito da intenção de passar o máximo de conhecimento e, de que os professores-estagiários tivessem o mesmo envolvimento, foi preciso respeitar seu momento e interesses, lembrando que estavam na faculdade para se formarem e seguirem com suas vidas. Já nos precavendo também sobre possíveis críticas a esse trabalho, nos questionamos antecipadamente se, em se tratando da formação dos escolares e dos professores-estagiários, o melhor a se fazer é o possível, o que se pede, ou, avançar o máximo dentro de suas capacidades e possibilidades? Tentaremos responder essa questão por meio de uma situação vivida em nossa própria escola: No ano olímpico de 2012, desenvolvemos com um grupo de bolsistas do PIBID, um projeto interdisciplinar relacionado ao evento esportivo que iria acontecer em Londres. Lembrando que o currículo de São Paulo já é bastante diversificado em relação aos conteúdos esportivos e, que nossa escola participa dos jogos escolares, os bolsistas e os professores envolvidos se animaram a fazer algo bonito e original. Sendo que o projeto PIBID da época tinha caráter interdisciplinar (era formado por graduandos dos cursos de Educação Física, Geografia e Pedagogia), houve produções muito interessantes, como cartazes, artes visuais, palestras e atividades esportivas. Na parte que coube a Educação Física, foram incluídas modalidades que já fizeram parte dos Jogos Olímpicos,
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como o “cabo de guerra” e, outras, pouco representadas na escola. Uma dessas modalidades foi o tiro. A razão para essa escolha se deu, primeiramente, porque nos Jogos Olímpicos daquele ano, nossa cidade estaria representada por Filipe Fuzaro, atirador da modalidade fossa olímpica dublê. A ideia original, inclusive, era trazer esse atleta para nossa escola, se assim fosse possível. Cheios da boa vontade, foi comprada uma pistola de pressão e chumbinhos com recursos próprios e, adaptou-se um stand de 10 metros, tal qual uma das provas olímpicas, em um espaço vago atrás das salas de aula. Foram impressos alvos e foi montado um suporte de madeira para afixá-los. Essa estrutura ficou muito boa em razão de que, o espaço disponível, parecia ter sido pensado para tal atividade. Como se tratava de uma atividade com fins educacionais, o objetivo se estendia para além do fazer. Assim, foram selecionados textos que tratavam de acidentes com armas, a fim de conscientizar os alunos sobre os perigos de manuseá-las de maneira incorreta, ou, de fazer brincadeiras (como foi o caso do ex-jogador do Corinthians, Leandro Castán, que atingiu um amigo com uma arma de chumbinho e o deixou em estado grave). Além da leitura desses textos, instruções de segurança foram repetidas por diversas vezes, como jamais apontar uma arma para uma pessoa. Na parte prática, outros cuidados foram tomados, como o posicionamento dos alunos, além de uma supervisão aproximada, já prevendo possíveis acidentes ou brincadeiras. O objetivo da atividade era fazer uma competição interclasses, somando-se os pontos de todos os atiradores. Cada aluno poderia efetuar somente dois disparos, devido à limitação de tempo e de recursos. Para essa atividade, todos os alunos se mostraram muito animados, a despeito de ser uma pistola não oficial e relativamente pesada. Somente algumas classes, porém, puderam participar: a diretora proibiu sua continuidade, porque alguém ligou para a escola e disse que iria denunciar, por estarmos desenvolvendo algo que não estava previsto no currículo. Na época, todo o grupo organizador ficou chateado com o ocorrido, devido ao esforço e recursos despendidos, a incompreensão e, ao possível preconceito que colocou fim a tal atividade. É aquele momento em que fazer mais, às vezes, não compensa. Essa questão do fazer a mais, no entanto, nem precisaria usar exemplos tão extremos. Questionamo-nos continuamente, sobre nossas colaborações para a manutenção e limpeza do espaço da Educação Física, ou, sobre a realização das provas para formar as equipes de atletismo. Mal devem imaginar as pessoas o desafio que é realizar uma simples corrida de velocidade ou de resistência e, os acidentes que já ocorreram: quedas com machucados, falta de ar, vômito e, casos tão insólitos como o de uma aluna que conseguiu um galo
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na testa, depois de se distrair conversando durante uma corrida e, ter dado de encontro com uma parede. Isso, mesmo como todas as instruções, como: não começar muito forte, correr em linha reta, aquecer, não forçar o ritmo para além do que se sente confortável, executar uma corrida progressiva, não empurrar nem passar o pé no colega etc. Quando isso não basta, mudam-se os locais das provas, desenham-se raias, divide-se os alunos participantes em grupos menores, questiona-se os alunos sobre possíveis problemas de saúde (lembrando que, há muito tempo, não se faz mais o exame médico para a Educação Física nas escolas) e, por aí vai. Mesmo assim, o receio de que aconteça alguma coisa pior está sempre presente. Ao fazer mais do que se pede, portanto, sabemos do risco de que algo de errado e sejamos penalizados, mesmo com boa intenção e boa vontade. Por outro lado, houvéssemos nos restringido a fazer apenas o que se pede durante a nossa carreira, com certeza ainda estaríamos sofrendo com a falta de materiais, dando aulas no sol e, muitos de nossos ex-alunos, nunca teriam tido a oportunidade de conhecer o esporte competitivo, só para mencionar alguns exemplos. Somos obrigados a admitir, por outro lado, que em nossa realidade, às vezes, é mais fácil fazer mais do que se pede, do que o que se pede nos currículos. Admitimos, também, que esse algo a mais realizado, apesar de seus efeitos positivos, serve as vezes como compensação pelos baixos índices de aprendizado dos nossos alunos, pela baixa retenção do que se ensina, pelo baixo número de tarefas e trabalhos de casa realizados, entre outras exigências básicas do processo de ensino-aprendizagem. Isso em se tratando dos escolares. Em se tratando da formação dos professores-estagiários, a situação se repete. Além desse trabalho, já foram realizados outros esforços, mas, problemas antigos persistem. Em ambos os casos, talvez o que mais falte seja o diálogo, inclusive para se saber as intenções e encaminhamentos para o ensino escolar e para a formação profissional e, isso vale nos dois sentidos: as políticas podem não compreender os professores e, os professores podem não entender as políticas adotadas. Assim como aconteceu com a atividade do tiro, uma política que valorize o conceitual na Educação Física, por exemplo, pode ser interpretada por alguns professores como aulas teóricas e provas escritas. Por essa razão, além do diálogo, entendemos que é necessário equilibrar o nível de intervenção e fiscalização às políticas e práticas educativas e formativas: um currículo muito diretivo, por exemplo, pode melhorar o nível para trabalhos abaixo de um padrão aceitável e, por outro, podar talentos e iniciativas que resultem em avanços. Essa afirmação se apoia nas lembranças de uma época em que não havia currículos diretivos para a nossa disciplina, talvez um dos motivos do criticado modelo
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“rola-bola”. Nessa mesma época, porém, já se destacava o trabalho de professores que realizavam trabalhos diferenciados, relacionados, na maioria das vezes, às suas melhores habilidades e interesses. Há muita coisa acontecendo na educação brasileira que preocupa os professores. Muitos estão discutindo questões como ideologização e “escola sem partido”, mas, poucos estão questionando a possibilidade de um ensino sem escola ou sem professor. Apresentam-se soluções como o ensino à distância, mas, pouco se faz para aproximar as políticas da realidade escolar. Valoriza-se no meio acadêmico teorias e artigos nível A, mas, estes dificilmente chegam ao exercício profissional. Ao mesmo tempo, os trabalhos e pesquisas dirigidos para este ambiente são pouco valorizados, advertência já apresentada na seção de metodologia, em referência de Barbier (2004). Pensando na formação de professores diante dessas condições, a primeira pergunta que se deveria fazer para aqueles que se dispõe a se tornar professores seria a seguinte: Você tem certeza de que quer seguir por esse caminho? Em caso afirmativo, a pergunta seguinte seria: Você conhece a realidade que vai encontrar e as perspectivas dessa profissão? Mesmo que tais perguntas pudessem desestimular alguns, valeriam pela honestidade e utilidade. Mesmo com todos esses problemas e com toda a evolução tecnológica, as escolas ainda precisam de bons professores. Em especial, carecem de bons professores aquelas escolas que enfrentam as maiores dificuldades. Para isso, esses professores precisam ser reconhecidos, assim como suas condições de trabalho. Em nossa opinião, precisam também ser formados e remunerados especificamente para essas realidades. Neste trabalho, já foi feita uma comparação entre os professores que trabalham nessas escolas com os soldados de elite que enfrentam os maiores desafios. Talvez outra comparação oportuna nesse momento seria entre os professores e os médicos que atuam em programas sociais: quais as razões para que regiões mais afastadas atraiam poucos desses profissionais? A resposta parece ser bem simples: esses locais, assim como as escolas mais desafiadoras, de periferia, proporcionam aos profissionais que aí trabalham menor condição de evolução profissional, piores condições de trabalho, baixa qualidade de vida e, pouca ou nenhuma compensação financeira para tanto, a não ser a satisfação de servir as populações mais carentes. Ao fazer essa afirmação, não excluímos as dificuldades do trabalho docente em realidades diversas a essa, onde padrões de excelência têm de ser mantidos e superados. As escolas com maiores dificuldades, no entanto, se constituem como o gargalo para a evolução educacional e, provavelmente, social do Brasil. Mesmo lutando nessa realidade, não queremos acreditar que os problemas das escolas no Brasil sejam motivo para sua extinção, antes que, pelo menos, se
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ouçam suas histórias e seus anseios por mudanças. Formar bons professores, nesse sentido, é apenas uma das ações necessárias. Antes disso, porém, advogamos que deveriam ser dados incentivos para atrair bons professores para essas escolas e, para que permaneçam trabalhando nessas realidades desafiadoras. Não sendo assim, a docência permanecerá na dependência de uma mescla de serviço social e docente que, inexplicavelmente, muitos ainda querem desabonar. Em um pior cenário, a docência se tornará um “bico” profissional, ou local de trabalho dos menos qualificados, o que só aumentará os problemas. Estas não são palavras alentadoras para a final de um trabalho voltado para a educação, que necessita de muita disposição e esperança, qualidades presentes no trabalho de muitos professores que trabalham nessas realidades desafiadoras. Essa fé transformadora, porém, precisa chegar também ao nível político, de modo que este reconheça os desafios da educação, valorize seus profissionais e lhes proporcione melhor formação e condições para o exercício profissional.
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Anexos
ANEXO 1 Questionário sobre o tema da violência – Professores Solicitamos as colegas professores a gentileza de responderem a esse questionário, que faz parte do projeto “Temas Emergentes 1: Violência na Escola”. Este projeto tem como objetivo trabalhar a questão da violência com a comunidade escolar e com estagiários da UNESP. Esse material poderá ser utilizado para discussões em classe, nas reuniões dos professores, bem como, em discussões e trabalhos acadêmicos, mas sem identificar seus participantes. 1. Qual foi o ato de violência que o(a) professor(a) viveu ou presenciou que marcou sua carreira docente nessa unidade escolar? Descreva esse fato a partir das razões que o motivaram, o desenrolar dos acontecimentos e os resultados acarretados para você e/ou para outras pessoas que estiveram envolvidas. Com base nessa experiência, o que você aprendeu que poderia lhe ajudar ou a um colega em uma situação semelhante? 2. Qual foi o ato de violência que o(a) professor(a) viveu ou presenciou, que marcou sua carreira docente em outras unidades escolares? Descreva esse fato a partir das razões que o motivaram, o desenrolar dos acontecimentos e os resultados acarretados para você e/ou para outras pessoas que estiveram envolvidas. Com base nessa experiência, o que você aprendeu que poderia lhe ajudar ou a um colega em uma situação semelhante? 3. Descreva outras situações de violência que você observa em seu trabalho e, dentre elas, indique a que ocorre com maior frequência e, também, a maneira como costuma lidar com essas situações.
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Eu não estudei para isso!
4. Em relação a questão da violência na escola, você acredita que os professores ( ) Devem tratar dessa questão em suas aulas. ( ) Podem trabalhar essa questão com seus alunos. ( ) Não devem tratar dessa questão, pois não faz parte do currículo. ( ) Outra:................................................................................................................. .................................................................................................................................. 5. Caso o(a) professor(a) tenha considerado que os professores devam ou podem trabalhar com a questão da violência com seus alunos, quais iniciativas já tomou ou que pode sugerir nesse sentido?
ANEXO 2: Questionário sobre o tema da violência – Alunos e Pais Solicitamos aos Senhores Pais a gentileza de responderem a esse questionário, junto ao(s) seu(s) filho(s), que faz(em) parte do projeto “Temas Emergentes 1: Violência na Escola”. Este projeto tem como objetivo trabalhar a questão da violência com a comunidade escolar e com os estagiários da UNESP. Esse material poderá ser utilizado para discussões em classe, nas reuniões de professores, bem como, em discussões e trabalhos acadêmicos, mas sem identificar seus participantes. 1. Qual foi o ato de violência por que você passou ou presenciou que mais marcou a sua vida fora da escola? Descreva esse fato a partir das razões que o motivaram, o desenrolar dos acontecimentos e os resultados acarretados para você e/ou para outras pessoas que estiveram envolvidas. 2. O que você aprendeu com esta situação que poderia lhe ajudar ou a um colega em uma situação semelhante no futuro? 3. Qual foi o ato de violência por que você passou ou presenciou que mais marcou a sua vida dentro da escola ou em seus arredores? Descreva esse fato a partir das razões que o motivaram, o desenrolar dos acontecimentos e os resultados acarretados para você e/ou para outras pessoas que estiveram envolvidas. 4. O que você aprendeu com esta situação que poderia lhe ajudar ou a um colega em uma situação semelhante no futuro? 5. Descreva outras situações de violência que você observa na escola e, dentre elas, indique a que ocorre com maior frequência.
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Anexos
6. Você considera que a escola e os professores podem colaborar para que os alunos e a comunidade estejam mais preparados para lidar com a questão da violência e desenvolver uma cultura de paz? De que maneiras isso pode ser feito (dê sugestões)? Agora, não esqueça de registrar também a resposta de seus pais.
ANEXO 3 Projeto submetido a Diretoria de Ensino de Limeira (Ano 2018)
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO COORDENADORIA DE ENSINO DO INTERIOR DIRETORIA DE ENSINO - REGIÃO DE LIMEIRA EE. Prof. “Odilon Corrêa” Ensino Fundamental de 5ª a 8ª séries e Ensino Médio (suplência) Rua 17, nº 1726 – Cidade Claret – Fone (019) 3524-4988. CEP 13.503-092 – Rio Claro - SP Projeto: Temas emergentes: parceria, ensino e formação.
1- Objetivo Geral: - Desenvolver estudos e ações sobre os problemas e desafios da escola, que emergem dos processos de ensino-aprendizagem e, também, do estágio curricular supervisionado em Educação Física, em parceria com instituições de Ensino Superior. 2- Objetivos Específicos: - Identificar problemas e desafios que emergem do processo de ensino-aprendizagem geral da escola e, em particular, da disciplina de Educação Física. - Identificar problemas e desafios que emergem do processo de estágio curricular supervisionado em Educação Física. - Desenvolver estudos sobre os problemas e desafios identificados, em parceria com os estagiários de Educação Física e com suas entidades de origem. - Promover ações com que visem à solução dos problemas e enfrentamento dos desafios identificados no processo de ensino e aprendizagem, bem como, no processo de estágio curricular supervisionado em Educação Física. - Estimular a produção do conhecimento científico-pedagógico em parcerias entre escola e universidade e entre escola e faculdade, visando colaborar tanto para o ensino escolar quanto para a formação docente.
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Entidades envolvidas: - E. E. Prof. Odilon Corrêa. - UNESP - Universidade Estadual Paulista, “Júlio de Mesquita Filho”. - Faculdades ASSER – Rio Claro.
Participantes: Da escola e da comunidade: - Prof. Ms. Fernando Paulo Rosa de Freitas: Professor da disciplina de Educação Física e responsável pelo projeto. - Diretora de escola: Thelma Regina Abiles Aguiar. - Vice-Diretora de escola: Cristiane Cristina Borges Sartori. - Professora Coordenadora Pedagógica: Adriana Cristina Faria Massine Franco. - Professores das demais disciplinas. - Funcionários. - Alunos. - Pais. - Outros integrantes da comunidade. Das entidades de Ensino Superior: - Prof. Dr. Alexandre Janotta Drigo. - Prof. Dr. Roberto Tadeu Iaochite. - Prof. Dr. Samuel de Souza Neto. - Profª. Ms. Giselda de Angela Costa. - Prof. Dr. Bruno Nascimento Alleoni - Estagiários dos cursos de Licenciatura em Educação Física da UNESP e das Faculdades ASSER de Rio Claro. Disciplinas envolvidas: Todas as disciplinas (Ênfase na Educação Física) Justificativa: - A formação de escolares e a formação de futuros professores entram em contato durante a realização do estágio curricular supervisionado. É nesse período que os futuros professores terão a oportunidade de vivenciar alguns dos problemas e desafios da escola, já na perspectiva de profissionais da educação.
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Anexos
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A resolução desses problemas e o enfrentamento dos desafios fazem parte do trabalho escolar. Ao mesmo tempo, se configuram como temas importantes para a formação dos professores. Com essa perspectiva, este projeto pretende aperfeiçoar as parcerias estabelecidas entre essa unidade escolar e as entidades de formação superior, visando a um trabalho que beneficie tanto a escola quanto a universidade ou faculdade.
Desenvolvimento: 1. Proposta de participação: Será proposto aos estagiários que recebemos no início de cada semestre letivo a participação neste projeto. Caso aceitem participar, lhes serão apresentados os objetivos e responsabilidades de cada um dos participantes dos diversos projetos temáticos. 2. Levantamento e seleção de temas: problemas ou desafios presentes na escola serão propostos como temas de estudo e de ações, que constituirão diferentes subprojetos. Esse tema poderá ser sugerido por qualquer integrante da comunidade escolar ou pelos estagiários e professores supervisores dos cursos de Educação Física. 3. Estudo do tema: revisão bibliográfica, entrevistas, observações e registros em aula etc. 4. Elaboração das propostas de ação na escola. 5. Desenvolvimento e aplicação das propostas de ação na escola. 6. Avaliação dos resultados alcançados na escola. 7. Partilhar dos resultados com as entidades de Ensino Superior participantes em aulas de estágio ou eventos. 8. Avaliação dos resultados alcançados com as entidades de Ensino Superior. 9. Organização, elaboração e divulgação do material resultante: produção de material didático-científico e participação em eventos científicos. Duração do projeto: Quatro anos (2018 -2021).
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ANEXO 4 Quadro Descritivo e Avaliativo do Material Pedagógico 1 Descrição do material pedagógico: ............................................................... 2 Aplicabilidade do material pedagógico I: Esse material pedagógico se destina ao ensino de conteúdos que constam no currículo oficial? Quais e, de que ano? ( ) Sim ( ) Não ................................................................................................ 3 Aplicabilidade do material pedagógico II: Esse material pode ser utilizado para o ensino de outros conteúdos que não constam no currículo oficial? Quais? ( ) Sim ( ) Não ................................................................................................. 4 Esse material foi comprado pronto em lojas físicas ou pela internet? Em caso afirmativo, qual foi o seu custo e qual foi a fonte desses recursos? ( ) Sim ( ) Não ................................................................................................. 5 Esse material foi construído ou reciclado a partir de sucatas ou materiais de baixo custo? De quais materiais e qual a origem? ( ) Sim ( ) Não ................................................................................................. 6 Caso a resposta anterior tenha sido afirmativa, como ocorreu o processo de construção desse material, desde sua concepção até a finalização?............................ 7 A utilização pedagógica desse material requer cuidados de segurança especiais? Quais? ................................................................................... ( ) Sim ( ) Não 8 Durante as aulas em que esse material foi utilizado: - Se mostrou adequado para o ensino do conteúdo? ( ) Sim ( ) Não ( ) Parcialmente - Os alunos se mostraram motivados a utilizá-lo? ( ) Sim ( ) Não ( ) Parcialmente - Demonstrou fragilidades e limites? ( ) Sim ( ) Não ( ) Parcialmente. Quais? ............................................. - Ocorreram acidentes com o material ou alunos ( ) Sim ( ) Não ( ) Parcialmente. Quais? .............................................
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Anexos
Você considera que esse material pedagógico: - É de baixo custo ( ) Sim ( ) Não ( ) Parcialmente - É relativamente durável ( ) Sim ( ) Não ( ) Parcialmente - É atrativo para os alunos ( ) Sim ( ) Não ( ) Parcialmente Informações adicionais sobre o material pedagógico:.....................................
ANEXO 5 Termo de Conhecimento Livre e Esclarecido – (TCLE) (Conselho Nacional de Saúde, Resolução 466/12) O(a) Sr(a) está sendo convidado(a) para participar de uma pesquisa intitulada “Eu não estudei para isso! Temas emergentes do estágio em Educação Física – infraestrutura e materiais” que será desenvolvida por Guilherme Ceriani do Monte, Nathan William Stahl, Luís Eduardo Malvezzi Nunes e Alexandre Martinez Pardo de Assis Pinto, sob a responsabilidade e orientação do Prof. (a) Ms.(a) Fernando Paulo Rosa de Freitas, Professor de Educação Básica II da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo, RG 15.164.525-5. O objetivo da referida pesquisa é o estudo de temas ligados aos problemas e desafios da disciplina de Educação Física dentro do estágio curricular supervisionado em Educação Física. Os benefícios da pesquisa são: Favorecer a formação inicial de professores de Educação Física no que se refere ao conhecimento de alguns dos problemas e desafios da escola; estabelecer parcerias entre escola e universidades e faculdades, que colaborem simultaneamente para a formação de escolares e graduandos; elaborar novas propostas de formação para o estágio curricular supervisionado em Educação Física. Caso o(a) Sr(a) aceite participar desta pesquisa deverá ceder uma breve entrevista (máximo de trinta minutos) tratando de sua experiência relativa a infraestrutura e materiais para a Educação Física e temas correlatos. Para minimizar qualquer risco relativo a aplicação dessa entrevista, os participantes não serão coagidos a prestar qualquer informação que lhes cause constrangimento, dúvida ou receio. A qualquer momento, antes, durante ou após sua participação, colocamo-nos à disposição para esclarecimentos sobre eventuais dúvidas que possam surgir com a pesquisa. A participação é voluntária e sua recusa em participar não lhe provocará nenhum dano ou punição. Você poderá se recusar a participar, ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalidade alguma. Será garantido o sigilo e a privacidade de sua participação. Os dados coletados são confidenciais e serão
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Eu não estudei para isso!
utilizados unicamente para fins de pesquisa. Para participar não terá nenhuma despesa, bem como, não terá qualquer tipo de remuneração. Se o(a) senhor(a) se sentir esclarecido sobre a pesquisa, seus objetivos, eventuais riscos e benefícios, convido-(a) a assinar este Termo, elaborado em duas vias, sendo que uma ficará com o senhor(a) e a outra com os pesquisadores. Rio Claro, 11 de junho de 2018.
Assinatura do Pesquisador Responsável
Assinatura do participante da pesquisa Dados sobre a Pesquisa: Título do Projeto: “Eu não estudei para isso – Projetos sobre temas emergentes do estágio em Educação Física – infraestrutura e materiais para a Educação Física”. Pesquisador Responsável: Fernando Paulo Rosa de Freitas. Cargo/função: Professor de Educação Básica II. Instituição: Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo. Endereço: Avenida 40, número 110, Vila Saibreiro, CEP 13.504.004, Rio Claro – SP. Dados para Contato: fone (19) 98349-3462 e-mail: fer_edfis@hotmail.com
Aluno/Pesquisador: _______________________________________________ Instituição: _______________________________________________________ Endereço: ________________________________________________________ Dados para Contato: tel. ________________e-mail: _____________________ Dados sobre o participante da Pesquisa: Nome:___________________________________________________________ Documento de Identidade (R.G):____________________________________ _____ Sexo:__________________ Data de Nascimento:______/______/__________ Endereço: ________________________________________________________ Telefone para contato: tel. __________________________________________
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Anexos
ANEXO 6 Roteiro das cartas de apresentação dos professores-estagiários 1- Formatação: Fonte: Times New Roman; Tamanho da fonte: 12; Espaço entre Linhas: 1,5; Especial: primeira linha, 1,25cm; Margens: normal (sup. e inf. 2,5 e esq. e dir. 3). 2- Tópicos: - Nome. - Ano ou Semestre na graduação. - Instituição em que estuda. - Motivos que o levaram a cursar Educação Física. - Qual o direcionamento que pretende dar para sua carreira e, especialmente, se tem planos de trabalhar com a Educação Física escolar. - O que espera do estágio de maneira geral: O que você gostaria de aprender em seu estágio? Quais experiências você gostaria (e, quais não) de vivenciar durante seu estágio? Quais ações e atitudes você espera (e, quais não) do professor colaborador (o professor da escola) que possam ajudar em seu aprendizado durante seu estágio? - Qual a importância de estudar o tema ou questão específica durante o estágio? - Quais são suas impressões iniciais sobre a escola, o professor colaborador, os alunos e as condições de trabalho? (em termos gerais e, específicos ao tema abordado no projeto). 3- Exemplo para a redação: Meu nome é..., sou aluno do... semestre/ano, na... (instituição). Escolhi cursar Educação Física porque... (motivos). Tenho como objetivo depois de formado... (o que pretende fazer). Tenho como expectativa durante meu período de estágio... (o que deseja aprender, vivenciar e o que espera do professor-colaborador). Acredito que estudar a questão... (tema que estão trabalhando no projeto) durante o estágio é importante, pois... (em que este conhecimento pode colaborar para a sua futura atuação profissional). Ao iniciar meu estágio nessa escola... (como foi recebido; o que viu de positivo e negativo na escola de maneira geral e, específica no que se refere ao tema abordado no projeto; como acha que vai transcorrer seu estágio). Observação: Esse texto deve ser breve e não precisa seguir a ordem dos temas. Também pode conter outras observações e comentários que não foram sugeridos.
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Livros da Coleção Literária 1.
Fragmentos Históricos da Regulamentação da Profissão de Educação Física e da Criação e Desenvolvimento do CREF4/SP
2.
O Desporto Paralímpico Brasileiro, a Educação Física e profissão
3.
Treinamento de força: saúde e performance humana
4. Faculdade Aberta para a Terceira Idade: educação para o envelhecimento e seus efeitos nos participantes 5.
Gestão, Compliance e Marketing no esporte
6.
Ginástica laboral e saúde do trabalhador Saúde, capacitação e orientação ao Profissional de Educação Física
7.
Projeto Desporto de Base (PDB): 30 Anos de História e Realizações (1989/2019)
Um breve relato de experiência da cidade de Piracicaba/SP e uma proposta metodológica para programas de formação e lazer físico-esportivo
8. Estratégias de Recuperação e Controle de Carga de Treinamento 9. Atividade Circense Ações pedagógicas na licenciatura e no bacharelado
10. Os primeiros passos em Fisiologia do Exercício: Bioenergética, Cardiorrespiratório e gasto energético 11. Eu não estudei para isso: temas emergentes no estágio em Educação Física 12. Métodos contemporâneos para elaboração de programas de treinamento de esportes de alto rendimento 13. Dinâmicas lúdicas no ambiente corporativo: da teoria à prática 14. Futebol profissional: metodologia de avaliação do desempenho motor 15. Leis de incentivo ao asporte: novas perspectivas para o desporto brasileiro 16. Memórias de Boas Práticas no Esporte: Profissionais de Educação Fisica no contexto do olimpismo 17. Paralelos entre a iniciação competitiva precoce e a formação de técnicos de Judô 18. Hiit Body Work: a nova calistenia 19. Recomendações para prática de atividade fisica e redução do comportamento sedentário 20. Orientações para avaliação e prescrição de exercícios físicos direcionados à saúde
Este livro, composto com tipografia Palatino Linotype e diagramado pela Malorgio Studio, foi impresso em papel Offset 90g pela Teixeira Impressão Digital e Soluções Gráficas Ltda para o CREF4/SP, em Novembro de 2019.
COLEÇÃO LITERÁRIA EM HOMENAGEM AOS 20 ANOS DA INSTALAÇÃO DO CREF4/SP O Conselho Regional de Educação Física da 4ª Região – CREF4/SP foi instituído pela Resolução CONFEF nº 011/1999 e a designação e posse de seus primeiros conselheiros, membros efetivos e suplentes, pela Resolução CONFEF nº 017, de 29/10/1999, com jurisdição no Estado do São Paulo e sede na sua capital. No dia 06 de dezembro de 1999, em ato solene de sua instalação nas dependências do prédio de administração do Ginásio do Ibirapuera, o CREF4/SP iniciou sua história. Passados 20 anos, com sede em local privilegiado e de fácil acesso aos Profissionais de Educação Física do Estado, mudaram Conselheiros e Diretorias, mas os objetivos deste Conselho permanecem os mesmos: garantir à sociedade o direito de ser atendida com excelência por Profissionais de Educação Física, habilitados pelo registro; normatizar, fiscalizar e orientar o exercício da profissão, de acordo com o que preconiza o Código de Ética Profissional. Organizamos uma Coleção de 20 livros com o objetivo de proporcionar atualização de conhecimentos do Profissional com leituras variadas e de qualidade, tendo como proposta a orientação e o aumento do acervo de obras destinadas à Educação Física. Os livros que compõem esta coleção possuem temas diversificados, abrangendo as áreas de: história, desporto paralímpico, treinamento, gestão, atividades para terceira idade, ginástica laboral, desenvolvimento de projetos, controle de carga, atividades circenses, fisiologia do exercício, escola, esportes, ludicidade, legislação, relatos de experiências, exercício e saúde, e combate ao sedentarismo. Esperamos que a Coleção Literária, em Homenagem aos 20 anos da Instalação do CREF4/SP, colabore com o fortalecimento de nossa Profissão.
Conselheiros do CREF4/SP “Somos nós, fortalecendo a Profissão”
ISBN 978-85-94418-44-9
9 788594 418449 >