TFG Arquitetura e Urbanismo - Na Laje: a busca por uma Paraisópolis Sustentável

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na laje





Crislayne de Oliveira Marques

Na Laje: a busca por uma Paraisópolis sustentável

Trabalho Final de Graduação II apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo da FCT - UNESP de Presidente Prudente, como primeira proposta para o Trabalho Final para a obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo Orientador: Fernando Sérgio Okimoto

Presidente Prudente 2019


Ao Tio Laquinha, o homem que amou demais e partiu em busca de dias lindos


Nos atos finais deste espetáculo, é chegada a hora de agradecer o privilégio da atuação. Obrigada família, pelo apoio, dedicação, carinho e compreensão. Por todos os esforços diários que permitiram minha chegada até aqui. Minha eterna gratidão e juras de amor aos meus pais, Edileusa e João, que não mediram esforços para tornar realidade uma fantasia que eles nunca puderam ter. Agradeço aos meus irmãos, Vitor e Gabrielly, por serem a luz dos meus dias e à querida Vó Quitéria, meu alicerce e maior fraqueza.

Obrigada às minhas inspirações, Tia Kaia, Tia Lene, Tia Nalva, Tia Helena e Tia Ivete, as supermulheres, por me deram uma família enorme, que não cabe nos agradecimentos. Fica aqui a gratidão a cada Oliveira, Marques e Duarte por serem companhia, refúgio e salvação. Obrigada aos amigos que fizeram parte dos anos mais especiais da minha vida, pelos dias felizes e noites viradas. Em especial, agradeço aos jovens que me deram forças e motivos para sorrir: Aline, Ian e Thainá. Obrigada aos profissionais que se esforçam para garantir a educação pública, gratuita e de qualidade da UNESP. Minha gratidão ao Anderson, pela paciência e por cuidar tão bem do meu lugar preferido, a maquetaria. Obrigada aos professores que orientaram a construção deste trabalho, Eda Maria Góes e Fernando Sérgio Okimoto. Obrigada Universo e forças divinas por me aproximarem de pessoas tão fortes e inspiradoras. Devo tudo aos que comigo estiveram nestes cinco anos, que agora me parecem os cincos minutos de um sonho bom.


resumo


São Paulo cresceu baseada em um modelo segregacionista que se manifestou de diferentes formas ao longo do último século. Passando de uma cidade concentrada, para um modelo de oposição centro x periferia, ao qual se sobrepõem mais tarde os enclaves fortificados, a maior metrópole do Brasil reforçou a diferenciação entre ricos e pobres, seja com os tipos de moradias, local de habitação ou muros e sistemas de segurança, o que não mudou foi essa clara desigualdade das classes sociais e os seus respectivos espaços. A ânsia por separação de classes foi radicalizada com o tempo e o isolamento dos mais ricos acabou por reduzir o contato e as trocas entre os diferentes. Enquanto as classes média e alta se escondem atrás de muros, negando a vida nos espaços públicos e até negligenciando-os, as camadas populares fazem da sociabilidade uma ferramenta para melhoria das suas condições de vida. Em Paraisópolis os laços de vizinhança deram origem a importantes organizações, como a União dos Moradores e do Comércio e a Associação das Mulheres de Paraisópolis, que trabalham para promover o bem-estar social aos moradores da favela, a quem direitos básicos são negados diariamente. O projeto “Horta na Laje” é um exemplo das ações promovidas por tais instituições. Preocupado com a sustentabilidade ambiental, econômica e social na favela, aparece como iniciativa modelo, que merece apoio com vistas à sua ampliação, desenvolvida neste TFG a partir dos princípios da Permacultura, que busca soluções adequadas para contextos locais, partindo dos saberes e práticas populares de conexão entre pessoas e ambiente. Palavras-chave: Segregação – Favela - Paraisópolis – Cidade de São Paulo Horta Urbana - Permacultura


sumรกrio


Lista de Figuras Apresentação

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Introdução

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1 Urbanização 1.1 Brasil 1.2 São Paulo 1.3 Fragmentação 1.4 Favelas

24 26 28 45 49

2 Paraisópolis 2.1 A maior favela de São Paulo 2.2 Horta na Laje 2.3 Na prática

56 58 68 74

3 Implicações 3.1 Mudanças climáticas 3.2 Alimentação

78 78 83

4 Alternativas 4.1 Permacultura 4.2 Na Laje

86 88 94

5 Estudos de caso 5.1 Permaculturais 5.2 Hortas Urbanas

98 100 106

6 Proposta Projetual 6.1 Rede Permacultural

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7 Finais

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Referências

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figuras


Figura 1: Ruínas do morro do Castelo - Fonte: Guilherme Santos/Acervo IMS. Disponível em: <https://ims.com.br/wp-content/uploads/2017/07/arq_2271. jpg> Acesso em: 14 jun. 2019 Figura 2: Paraisópolis e Morumbi - Fonte: Tuca Vieira. Disponível em: <https://payload.cargocollective.com/1/10/338130/5428921/SPSP37.jpg> Acesso em: 14 jun. 2019 Figura 3: Casario em demolição – Fonte: Vicenzo Pastore/Acervo IMS. Disponível em: <http://201.73.128.131:8080/CIP/preview/image/portals-general-access/6441;jsessionid=41FD5A5EB936045D4E050DC42B8540AF?maxsize=728&showtransparencygrid=true> Acesso em: 15 jun. 2019 Figura 4: Avenida Tiradentes – Fonte: Guilherme Gaensly/Acervo IMS. Disponível em: <http://201.73.128.131:8080/CIP/preview/ image/portals-general-access/12467;jsessionid=41FD5A5EB936045D4E050DC42B8540AF?maxsize=728&showtransparencygrid=true> Acesso em: 15 jun. 2019 Figura 5: Rua 52 em Vargem Grande – Fonte: Luana Nunes/32xSP. Disponível em: <https://32xsp.org.br/especial/ruas-sem-asfalto/> Acesso em: 15 jun. 2019 Figura 6: Prédios no centro de São Paulo - Fonte Tuca Vieira. Disponível em: < https://payload.cargocollective.com/1/10/338130/5428921/SAO28.jpg> Acesso em: 14 jun. 2019 Figura 7: Vila Aurora, São Paulo – Fonte: Tuca Vieira. Disponível em: <https://payload.cargocollective.com/1/10/338130/11056335/005corrigida_800. jpg> Acesso em: 14 jun. 2019 Figura 8: Muros de São Paulo – Fonte: Lalo de Almeida/Folhapress. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/09/1918763-em-sao-paulo-muros-se-alastram-e-isolam-cidadaos-em-espacos-privados. shtml> Acesso em: 16 jun. 2019 Figura 9: Favela Jardim Panorama – Fonte: Tuca Vieira. Disponível em: <https://ep00.epimg.net/brasil/imagenes/2016/01/25/album/1453743937_932279_1453744377_album_normal.jpg> Acesso em: 14 jun. 2019

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Figura 10: Foto emblemática: Morumbi, Paraisópolis – Fonte: Tuca Vieira. Disponível em: <https://www.tucavieira.com.br/A-foto-da-favela-de-Paraisopolis> Acesso em: 14 jun. 2019 Figura 11: Córrego Antonico – Fonte: Prefeitura de São Paulo. Disponível em: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/upload/IMG_20170628_091632346.jpg> Acesso em: 15 jun. 2019 Figura 12: Menino brinca entre entulhos do PAC – Fonte: Francisco Cesar - Imagens do povo. Disponível em: <http://imagensdopovo.photoshelter. com/image?&_bqG=296&_bqH=eJzziC_NTAwwsAwwyQjOjSw2cvatKC. KtIh0Mk.3sjA2tTI0MABhIOkZ7xLsbJuWWJaak6gG5sQ7.rnYlgDZocGuQfGeLrahIIWW4alGhlFF7vmR6Wrxjs4htsWpiUXJGQCGAx.9&GI_ID=> Acesso em: 15 jun. 2019. Figura 13: Favela – Fonte: Tuca Vieira. Disponível em: <https://payload. cargocollective.com/1/10/338130/5428921/SAO27.jpg> Acesso em: 14 jun. 2019 Figura 14: Jogo de futebol no Morro do Bumba – Fonte: Francisco César Imagens do Povo. Disponível em: <http://imagensdopovo.photoshelter.com/ gallery-image/Cotidiano/G0000e0yNy3LF0w4/I0000OMQlQGf3q.Q> Acesso em: 15 jun. 2019 Figura 15: Mapa das Subprefeituras de São Paulo – Fonte: 32xSP (modificado pela autora). Disponível em: <https://32xsp.org.br/2018/09/06/telefones-das-subprefeituras-de-sao-paulo/> Acesso em: 15 jun. 2019 Figura 16: Vista aérea: Morumbi, Paraisópolis – Fonte: Rein Geurtsen. Disponível em: < http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.047/590/pt> Acesso em: 15 jun. 2019 Figura 17: Projeto de Franklin Lee para a sede da UMCP: Vista parcial – Fonte: Franklin Lee. Disponível em: <http://au17.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/181/subdv-sao-paulo-sp-2008-2009-sede-da-uniao-131083-1.aspx> Acesso em: 15 jun. 2019 Figura 18: Sede da UMCP – Fonte: Marcus Vinícius Figura 19: Sala do Coletivo Coca-Cola – Fonte: Marcus Vinícius

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Figura 20: Rádio Nova Paraisópolis FM – Fonte: Marcus Vinícius Figura 21: Sala de reuniões – Fonte: Marcus Vinícius Figura 22: Vista aérea da Laje UMCP – Bistrô Mãos de Maria. Disponível em: <https://www.facebook.com/Bistroecafemaosdemaria/photos /a.490932457638861/2144427565622667/?type=3&theater> Acesso em: 15 jun. 2019 Figura 23: Horta na Laje UMCP – Fonte: Marcus Vinícius Figura 24: Horta na Laje e Bistrô Mãos de Maria – Foto: da autora Figura 25: Cultivo em recipientes – Fonte: da autora Figura 26: Plantio em recipiente – Fonte: da autora Figura 27: Vista da Laje – Fonte: da autora Figura 28: Laje Gourmet de Paraisópolis – Fonte: da autora Figura 29: Impactos do Aquecimento global no PIB - Fonte: Earth System Science, Stanford. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-48148815> Acesso em: 17 Out 2019. Figura 30: Jardim Schreber, em Leipzig, Séc. XIX – Fonte: Levenston Figura 31: Éticas e princípios da Permacultura – Fonte: Holmgren Design Services Figura 32: Flor da Permacultura – Fonte: Holmgren Design Services Figura 33: Casa Ecoativa - Fonte: Geovana Ramos Figura 34: Casa Ecoativa - Fonte: Projeto Ecoativa. Disponíveis em: <https:// ecoativa.wordpress.com/2015/03/30/ecoativa/> Acesso em: 19 nov. 2019 Figura 35: Cultivo Agroecológico - Fonte: Kamilla Signarelli. Disponível em: < http://saopaulosaudavel.com.br/ecoativa/> Acesso em: 19 nov. 2019

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Figura 36: Morada Natural - Fonte: Pedro Torres. Disponível em: <https://www.facebook.com/moradanatural/photos /a.1930660393719130/1930664613718708/?type=3&theater> Acesso em: 19 nov. 2019 Figura 37: Bioconstrução - Fonte: Zélo Piva. Disponível em: <https://www.facebook.com/moradanatural/photos /a.2071682072950294/2071685102949991/?type=3&theater> Acesso em: 19 nov. 2019. Figura 38: Casa ecológica - Fonte: Veracidade. Disponível em: <https://veracidade.eco.br/projetos/casa-ecologica/> Acesso em: 19 nov. 2019 Figura 39: MUTS Rio Claro - Fonte: Veracidade. <https://www.facebook. com/AVeracidade/photos/a.1710961145706423/1710962069039664/?type=3&theater> Acesso em: 19 nov. 2019 Figura 40: Escola Bercy: La Travesine – Fonte: Dessine L’espair/Parisculteurs. Disponível em: <http://www.parisculteurs.paris/fr/sites/parisculteurs-saison-1/1377-ecole-de-bercy-12e.html> Acesso em: 12 jun. 2019 Figura 41: La Travesine – Fonte: Dessine L’espair/Parisculteurs. Disponível em: <http://www.parisculteurs.paris/fr/sites/parisculteurs-saison-1/ 1377-ecole-de-bercy-12e.html> Acesso em: 12 jun. 2019 Figura 42: Quanto jardim se convida ao Museu – Fonte: My Green City/Parisculteurs. Disponível em: <http://www.parisculteurs.paris/fr/sites/parisculteurs-saison-2/1446-bureaux-du-quartier-de-lhorloge-3.html> Acesso em: 12 jun. 2019 Figura 43: Escritório do Bairro do Relógio – Fonte: My Green City/Parisculteurs. Disponível em: <http://www.parisculteurs.paris/fr/sites/parisculteurs-saison-2/1446-bureaux-du-quartier-de-lhorloge-3.html> Acesso em: 12 jun. 2019 Figura 44: Telhado verde – Fonte: Shopping Eldorado/Archdaily Brasil. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/782874/shopping-de-sao-paulo-vence-premio-de-sustentabilidade-com-horta-e-composteira-em-sua-cobertura> Acesso em 12 jun. 2019 Figura 45: Windowfarms – Fonte: Windowfarms/Archdaily Brasil. Disponível

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em: <https://www.archdaily.com.br/br/01-53524/windowfarms-hortas-urbanas> Acesso em: 12 jun. 2019 Figura 46: Public Farm 1 – Fonte: WORKac e MoMa/Archdaily. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/01-62917/public-farm-1-hortas-publicas-no-queens-new-york> Acesso em: 12 jun. 2019 Figura 47: Paraisópolis e equipamentos - Fonte: da autora Figura 48: Zoneamento-Rede Permacultural - Fonte: da autora Figura 49: Módulo para horta horizontal - Fonte: da autora Figura 50: Módulo para horta vertical - Fonte: da autora Figura 51: Representação Zona 0 - Fonte: da autora Figura 52: Berçários - Fonte: da autora Figura 53: Composteiras - Fonte: da autora Figura 54: Desidratador solar - Fonte: da autora Figura 55: Representação Zona 1 - Fonte: da autora Figura 56: Caixa de abelhas - Fonte: da autora Figura 57: Meliponário - Fonte: da autora Figura 58: Representação Zona 2 - Fonte: da autora Figura 59: Ilha Flutuante - Fonte: da autora Figura 60: Representação Zona 3 - Fonte: da autora Figura 61: Representação Zona 4 - Fonte: da autora Figura 62: Representação Zona 5 - Fonte: da autora

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aprese ntação


Não sei quando comecei a entender o que era a cidade de São Paulo, ter noção da sua imensidão e diversidade de formas, pessoas, jeitos e oportunidades. Vivo no Campo Limpo, Zona Sul da capital paulista, num bairro de nome japonês – Mitsutani – que abrigou meus avós vindos do sertão pernambucano, onde seus seis filhos cresceram enquanto a casa tomava forma e as ruas, estrutura. Com o dinheiro de faxinas e obras eles garantiam o sustento das crianças, que cuidavam umas das outras, da casa e dos filhos de vizinhos. Com o tempo, o que era para ser uma casa grande para todos os filhos acabou se tornando um quintal de várias casinhas erguidas sobre as lajes, que viraram o lar das novas famílias que se formavam, inclusive a minha. A certeza de um teto era alívio, mas o sustento ainda precisava ser buscado e as oportunidades não eram muito diferentes das encontradas pelos meus avós: meu pai – mais um retirante nordestino -, dentre suas várias ocupações, encontrou no fazer pão a profissão, enquanto minha mãe – assim como a mãe dela - tira das faxinas o dinheiro para a casa e os três filhos. A rotina era sair de casa cedo e voltar tarde. A necessidade de pegar várias conduções para chegar e sair do trabalho nos bairros centrais fazia com que eles passassem a maior parte do dia fora, contando com a ajuda dos parentes para dar uma olhadinha nas crianças, meus irmãos e eu, que esperávamos já conformados com o caos do trânsito transmitido pela TV. Mesmo sem saber, já experimentávamos o que era viver “da ponte pra cá”, “no lado sul do mapa” - como dizem os Racionais MC’s. Esses versos eram trilha sonora das brincadeiras na rua de casa, mas levei um tempo para entender que eles falavam da realidade deste meu lugar. Foi durante as aulas de geografia na escola do bairro - cada dia mais sucateada e abandonada – que tive a oportunidade de ouvir explicações sobre as músicas que descreviam nosso dia a dia. Estas mesmas aulas também me levaram a mudar de escola no último ano do ensino médio, procurando estrutura melhor que a oferecida naquela que tinha as aulas suspensas por conta de lâmpadas queimadas, onde estudei até então. Aí que Paraisópolis virou meu destino, o ano frequentando a Etec recém-inaugurada me fez perceber que as questões do meu bairro eram sentidas de forma muito mais intensa pelos vizinhos pobres dos prédios mais luxuosos que eu já vi na vida. Só na Universidade, estudando Arquitetura e Urbanismo, conheci os termos que resumem todas as injustiças que eu via e sentia, que explicam o desconforto de frequentar lugares que “não são para mim”, a dificuldade de me sentir à vontade nos museus e prédios emblemáticos de São Paulo – assim como, muitas vezes, na própria faculdade -, a perseguição aos meus primos e irmão e o preconceito sofrido na cidade que deveria ser nossa casa. O Trabalho Final de Graduação foi a oportunidade que esperava para estudar sobre estas questões, entender como são produzidos os espaços de exclusão de São Paulo, nos quais seguimos resistindo, e começar a usar os conhecimentos adquiridos no curso de Arquitetura e Urbanismo em favor dessa resistência.

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intro dução


Neste Trabalho Final de Graduação falamos sobre Paraisópolis, a maior favela de São Paulo, que em primeiro de dezembro de 2019 foi cenário de um massacre cometido pela Polícia Militar do Estado. Neste dia, cerca de cinco mil pessoas estavam no Baile da Dz17, festa que acontece na rua Ernest Renan desde o início dos anos 2000 e atrai jovens de toda a cidade. A ação policial, que “buscava garantir o direito de ir e vir do cidadão e impedir a perturbação do sossego”, encurralou os frequentadores da festa com tiros, bombas de gás, balas de borracha, spray de pimenta e golpes de cassetetes, causando desespero, tumulto e a morte de nove jovens que foram se divertir no famoso baile. Gustavo Cruz Xavier (14 anos), Dennys Guilherme dos Santos Franco (16 anos), Marcos Paulo Oliveira dos Santos (16 anos), Denys Henrique Quirino da Silva (16 anos), Luara Victoria Oliveira (18 anos), Gabriel Rogério de Moraes (20 anos), Eduardo da Silva (21 anos), Bruno Gabriel dos Santos (22 anos) e Mateus dos Santos Costa (23 anos) tiveram suas vidas abreviadas na perseguição do Estado à população pobre, preta e periférica. De uma perspectiva diferente, tratamos aqui das muitas violências a que esta população está exposta, usando justamente o caso de Paraisópolis como símbolo das gritantes disparidades e injustiças sobre as quais se ergue a maior cidade do país. Padrões de diferenciação social e separação são perpetuados no Brasil há muito tempo, tanto que esta é a base da organização dos nossos espaços urbanos. A Lei de Terras de 1850, juntamente com o processo de substituição da mão de obra escrava pelo trabalho livre, nos fins do século XIX, foram cruciais para a construção do cenário de desigualdade das nossas cidades. As reformas urbanas no início do século XX serviram para agravar ainda mais tal situação, uma vez que importantes cidades, procurando se adaptar aos novos tempos e “sepultar a simbologia do passado escravista”, passaram por transformações que conduziram os pobres aos morros, periferias e várzeas. São Paulo não fugiu a esta regra, a cidade cresceu baseada em um modelo segregacionista, que se manifestou de formas diferentes ao longo do último século. Passando de uma cidade concentrada, para um modelo de oposição centro x periferia, ao qual se sobrepõem mais tarde os enclaves fortificados, a maior metrópole do Brasil reforçou a diferenciação entre ricos e pobres, seja com os tipos de moradias, local de habitação ou muros e sistemas de segurança, o que não mudou foi essa clara desigualdade das classes sociais e os seus respectivos espaços. Aos pobres, o direito à cidade continua sendo limitado e controlado, existem espaços em que são tolerados e outros onde isso não acontece, a forma

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urbana oferece frestas, resíduos, amontoados de construções que espremem as ruas, onde a vida pública insiste em acontecer. Os lugares negados pelos mais abastados, são ocupados pelos de menor poder econômico, que se articulam para compensar as dificuldades impostas pelo território que habitam e pelo estigma que carregam. Enquanto as classes média e alta se escondem atrás de muros, negligenciando a vida nos espaços públicos, as camadas populares fazem da sociabilidade uma ferramenta para melhoria das suas condições de vida. Em Paraisópolis, iniciativas dos moradores buscam atender às demandas da favela por educação, qualificação profissional, inclusão digital, cultura e saúde. Na luta por melhores condições de vida e oportunidades, a União de Moradores e do Comércio de Paraisópolis e a Associação de Mulheres de Paraisópolis, aparecem como organizações fundamentais na defesa dos interesses da favela. Dentre as iniciativas de transformação social promovidas por estas instituições, uma chamou atenção e tomou o papel de protagonista neste TFG: o projeto “Horta na Laje”, o primeiro passo na busca por uma Paraisópolis Sustentável. Com a pretensão de valorizar a atividade nascida dos moradores e estruturar sua expansão, buscamos compreender as problemáticas que estão por trás do aparecimento de iniciativas do tipo, a fim de seguir os caminhos mais adequados no projeto de propagação das hortas, que surgem para sanar carências sociais, econômicas e ambientais sentidas no contexto de Paraisópolis. Os avanços de um projeto como o “Horta na Laje”, preocupado com o meio ambiente, sociedade e economia, precisam ser pautados por técnicas e conceitos que valorizem sua complexidade, desde a atenção às três dimensões do desenvolvimento sustentável até a importância do protagonismo popular para a iniciativa. Por acreditar que a proposta da permacultura é buscar soluções adequadas para contextos locais, partindo dos saberes e práticas populares, fazemos uso de sua metodologia para atender à demanda de expansão das hortas pela favela de Paraisópolis. Os princípios e práticas da Permacultura foram aplicados na elaboração do produto aqui desenvolvido, o protótipo de rede permacultural: um sistema democrático de cooperação e troca de conhecimento, que cria ciclos de benefício mútuo ao relacionar sistematicamente os espaços da favela e envolver os moradores na implantação e manutenção de uma rede de hortas urbanas.

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urban


ização


1.1 BRASIL A organização dos espaços urbanos no Brasil é baseada em padrões de diferenciação social e separação que há muito vêm sendo perpetuados e se adaptam às variações econômicas, sociais e culturais da sociedade ao longo do tempo. Para entender o processo de industrialização e a formação do proletariado urbano, Ermínia Maricato em “Metrópole na periferia do capitalismo” (1995) diz que é necessário saber como ocorreu a passagem do Brasil Colônia para o país independente, o final da escravidão, a substituição dos escravos pela força de trabalho imigrante europeia e a emergência do trabalho livre. Afinal, a separação que tal dinâmica inaugurou ainda fundamenta a gritante disparidade do acesso à cidade entre a minoria abastada e a maioria excluída, a quem são relegadas as sobras. No Brasil, a substituição da mão de obra escrava pelo trabalho livre dos imigrantes europeus não significou a extinção das relações baseadas na dominação pessoal e no favor, menos ainda dos atrasados modos de produção. Os conflitos que acompanharam essa alteração - do escravo para o imigrante europeu - e a incorporação dos trabalhadores nacionais ao mercado de trabalho regular, constituem partes fundamentais das raízes da sociedade brasileira no final do século XX, quando ainda era possível encontrar trabalho escravo no campo (MARICATO, 1995).

Relações coloniais de produção sobrevivem sobre a nova legalidade iniciada com a Independência (1822), relações de trabalho baseadas no mando pessoal, no favor e no coronelismo político ultrapassaram a República até nossos dias. (MARICATO, 1995, p.16) A questão fundiária está entrelaçada a esse processo, já que os escravos eram os valiosos bens de seu proprietário, sem os quais a terra não tinha importância econômica. A propriedade de terras era legitimamente adquirida através da ocupação ou posse, uma vez que, pela ausência de mercado e abundancia de terras devolutas, elas praticamente não tinham valor. Isso até 1850, ano marcado por duas leis importantes, uma que instituiu o fim do tráfico de escravos e outra que tratou das questões de terra no país. De acordo com esta última, as

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terras devolutas poderiam ser adquiridas somente mediante compra e venda, o que limitava este acesso aos que tinham recursos, ou seja, aos senhores de escravos, de forma que o trabalhador “livre” se mantinha sujeito aos trabalhos antes ocupados pela mão de obra escrava. Apesar de ainda pouco importante, na segunda metade do Século XIX começou-se a estruturar aparatos legais para o mercado fundiário urbano, o que foi base para o início do mercado imobiliário capitalista e também da exclusão territorial, uma vez que a maior parte da massa pobre não conseguia obedecer às normas impostas, sendo afastadas do mercado formal (MARICATO, 1995). Com o início da República, importantes cidades brasileiras – Rio de Janeiro, São Paulo, Manaus, Belém, Curitiba, Santos e Porto Alegre –, inspiradas pelos feitos de Haussmann em Paris, passaram por transformações na busca pela adaptação aos novos tempos e por “sepultar a simbologia do passado escravista”. Para construir um cenário modernizante e consolidar o mercado imobiliário, as reformas urbanísticas expulsaram dos centros valorizados os negros, pedintes, pessoas sem documento e desempregados, ou seja, buscaram eliminar os resquícios da sociedade escravista às custas daqueles que ainda sofreriam com ela. A condução de pobres e seus estilos de vida aos morros, periferias e várzeas foi realizada sob o argumento do combate às epidemias, provocadas pela densidade habitacional e falta de saneamento, mas buscava mesmo uma nova ordem cultural com novo apelo estético e paisagístico (Figura 1).

1 - Ruínas do Morro do Castelo

Fonte: Guilherme Santos/Acervo IMS 27


1.2 SÃO PAULO Os princípios do espaço público do final do século XIX - que ganham evidência com a reforma urbana de Paris, por Haussmann – pretendiam também promover o convívio com as diferenças, consolidando a imagem de um espaço público aberto e igualitário. Mas, de acordo com Caldeira (2003), esses valores estão em xeque em São Paulo, onde o espaço público não mais se relaciona ao ideal moderno de universalidade, mas promove a separação e a ideia de que os grupos sociais devem viver em enclaves homogêneos, isolados daqueles percebidos como desiguais, acentuando assim as diferenças de classe e as estratégias de separação. Neste sentido, Maricato (1995) expõe a alienação da sociedade em relação aos excluídos, o profundo desconhecimento social sobre a cidade concreta, tendo na chamada “violência urbana” a manifestação de tudo o que ela procura esconder – a segregação espacial, o aumento da pobreza, o apartheid social -, mas que extravasa os espaços de confinamento e afeta a todos, inclusive os que buscam a proteção dos condomínios cercados por muros altos, guardas particulares e câmeras de segurança. A segregação, um processo segundo o qual diferentes classes tendem a se concentrar em regiões gerais distintas é também, de acordo com Villaça (2001), dialético à medida que a segregação de uns provoca, ao mesmo tempo e pelo mesmo processo, a segregação dos outros. Por ser um movimento de tendências necessário à dominação por meio do espaço, é fundamental compreender como se manifesta ao longo do tempo, moldando a estrutura urbana das cidades, tal qual as reformas do início do século XX. Sobre São Paulo, especificamente, ao longo do século passado a segregação se manifestou no espaço urbano de pelo menos três formas: 1) até os anos 1940 - produziu uma cidade concentrada em que os diferentes grupos sociais se comprimiam numa área urbana pequena e estavam diferenciados por tipos de moradia; 2) dos anos 40 até os anos 80 - baseia-se no padrão centro-periferia, segundo o qual diferentes grupos sociais estão separados por grandes distâncias: as classes média e alta concentram-se nos bairros centrais com boa

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infraestrutura, os pobres vivem nas precárias e distantes periferias; 3) desde os anos 80 - sobreposta ao padrão centro-periferia, tem espaços nos quais os diferentes grupos sociais estão muitas vezes próximos, mas separados por muros e tecnologias de segurança, tendendo a não circular ou interagir em áreas comuns (CALDEIRA, 2003) (Figura 2). Essa autora atribui aos “enclaves fortificados” papel fundamental nesse padrão, e sua manifestação é justificada pelo medo - que aqueles que estão abandonando a esfera pública tradicional das ruas aos pobres, aos “marginalizados” e aos sem-teto têm - do crime violento.

Essas mudanças espaciais e seus instrumentos estão transformando significativamente a vida e o espaço públicos. Em cidades fragmentadas por enclaves fortificados, é difícil manter os princípios de acessibilidade e livre circulação, que estão entre os valores mais importantes das cidades modernas. Com a construção de enclaves fortificados, o caráter do espaço público muda, assim como a participação dos cidadãos na vida pública. (CALDEIRA, 2003, p. 211 e 212)

2 - Paraisópolis e Morumbi

Fonte: Tuca Vieira 29


De 1890 até cerca de 1940, o espaço urbano e a vida social em São Paulo foram caracterizados por concentração e heterogeneidade. Com a industrialização, a cidade foi transformada num espaço caótico, no qual erguiam-se novas fábricas uma atrás da outra e residências tinham que ser construídas rapidamente para abrigar as ondas de trabalhadores chegando a cada ano. As funções não eram espacialmente separadas e as fábricas eram construídas perto das casas, que se intercalavam com comércios e serviços. No começo do século, a segregação social se expressava principalmente nas moradias: enquanto a elite e uma pequena classe média viviam em mansões ou casas próprias, mais de 80% das habitações de São Paulo eram alugadas. A propriedade de uma casa não era uma opção para os trabalhadores, que em sua maioria viviam em cortiços ou casas de cômodos, todos superpovoados. Numa São Paulo concentrada, as atenções a discriminação, classificação e controle da população eram intensas e se tornaram o tema central das preocupações da elite e das políticas públicas durante as primeiras décadas do século XX.

A elite paulista diagnosticou as desordens sociais da cidade em termos de doença, sujeira e promiscuidade, ideias logo associadas ao crime. (CALDEIRA, 2003, p. 214) Além de controlar os pobres, começou a separar-se deles. Temendo epidemias, os membros das elites começaram a mudar-se das áreas densamente povoadas da cidade para regiões um pouco afastadas e com empreendimentos imobiliários exclusivos. Ao mesmo tempo, seus representantes influentes estavam planejando organizar, limpar e abrir o centro de São Paulo (Figura 3), tal como Haussmann em Paris:

Identificaram a concentração de trabalhadores e as condições anti-higiênicas a eles associadas como um mal a ser eliminado da vida da cidade. Imaginaram a dispersão, o isolamento, a abertura e a limpeza como soluções para o meio urbano caótico e suas tensões sociais. (CALDEIRA, 2003, p. 215) No âmbito municipal, os prefeitos e seus secretários procuraram abrir avenidas, alargar ruas, embelezar e organizar o centro da cidade (Figura 4). O Plano de Avenidas elaborado por Francisco Prestes Maia em 1930 - mais famoso empreendimento urbanístico do governo municipal, na época - muda

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3 - Casario em demolição

Fonte: Vicenzo Pastore/Acervo IMS

4 - Avenida Tiradentes

Fonte: Vicenzo Pastore/Acervo IMS 31


o sistema de circulação da capital paulista ao abrir uma série de avenidas partindo do centro até os subúrbios e, assim, transforma o padrão de segregação. Ele exigiu uma considerável demolição e remodelação da região central, o que estimulou a especulação imobiliária e expulsou do centro aqueles trabalhadores que não podiam arcar com o aumento dos aluguéis. O Plano de avenidas também optou por investir nas vias em vez de expandir o serviço de bondes, dando espaço para o lançamento de um sistema de ônibus, que, associado à progressiva abertura de novas avenidas, possibilitou a expansão da cidade em direção à periferia. O Governo Federal também foi relevante neste processo e estava interessado em cortar despesas com aluguel e disseminar o valor da casa própria, que considerava uma das bases da estabilidade social. Deste modo, tomou várias iniciativas que acabaram por propagá-la, como a Lei do Inquilinato, que - num cenário de crise associada à Segunda Guerra Mundial - congelou todos os aluguéis residenciais nos valores de dezembro de 1941. Essa medida que deveria durar dois anos, foi sucessivamente renovada até 1964 e diminuiu o mercado de aluguéis em São Paulo, acelerando a partida de trabalhadores para a periferia, onde poderiam encontrar terrenos baratos (e irregulares) para construir suas casas. A interseção dessas várias iniciativas e políticas levou a um novo padrão de segregação urbana, o chamado centro-periferia, que dominou o desenvolvimento de São Paulo a partir dos anos 40. Esse padrão tem como características principais a dispersão, o distanciamento das classes sociais a média e alta nos bairros centrais, legalizados e bem-equipados; os pobres na periferia, precária e quase sempre ilegal -, aquisição da casa própria pelos ricos e pobres, além do sistema de transporte baseado no uso do ônibus para a classe trabalhadora e automóveis para as média e alta. Longe do centro, sem muita preocupação, numerosos loteamentos clandestinos eram abertos e seus lotes irregulares, vendidos a preços acessíveis à população pobre. A baixa (ou inexistente) qualidade urbanística acompanhou a ilegalidade, uma vez que o pouco investimento na construção do loteamento era destinado à, basicamente, abertura de ruas e demarcação dos lotes. Junto dos loteamentos clandestinos, o lançamento do sistema de transporte público baseado em ônibus foi fundamental para o desenvolvimento do novo padrão de urbanização. Precisando de menos infraestrutura e mais

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flexíveis, os ônibus passaram a circular por ruas não asfaltadas de bairros distantes do centro da cidade. O principal agente da expansão desses serviços foram empresários particulares que estruturaram um sistema irregular e aleatório, projetado para servir aos interesses imobiliários. Assim, foi possível vender lotes localizados “no meio do mato”, o que ajudou a criar um espaço urbano no qual áreas ocupadas e vazias intercalavam-se aleatoriamente, de modo que estas fossem colocadas no mercado mais tarde por preços mais altos. A urbanização da periferia foi deixada principalmente para a iniciativa privada, com pouco controle das autoridades governamentais até a década de 70. Enquanto uma legislação rigorosa e detalhista regulamentava o uso do solo urbano das áreas centrais, nas margens o processo de ocupação era anárquico e desastroso.

A legislação garantia a excepcionalidade da periferia: enquanto regulava cuidadosamente o que definia como perímetro urbano, deixava as zonas suburbana e rural quase sem regulamentação e abertas às mais diversas formas de exploração. (CALDEIRA, 2003, p. 220)

Como resultado, os especuladores imobiliários fizeram de tudo para maximizar os lucros e a maioria dos trabalhadores compraram, na periferia, terrenos prejudicados por alguma forma de ilegalidade. Esta condição de ilegalidade dos lotes e da construção - e o caráter legal precário da periferia como um todo - foi exatamente o que permitiu que os trabalhadores se tornassem proprietários das casas onde moravam, mesmo que elas estivessem em bairros que, além de não contarem com infraestrutura adequada (Figura 5) ou acesso a serviços básicos, estavam distantes dos centros, ou seja, dos locais de trabalho. Os moradores da periferia nunca puderam contar com nenhum tipo de financiamento para construir suas casas, portanto recorreram à autoconstrução, processo que mudou radicalmente o status residencial da maioria da população: a aquisição da casa própria aumentou enquanto a locação diminuiu naquele contexto.

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5 - Rua 52 em Vargem Grande

Fonte: Luana Nunes/32xSP 34


6 - Prédios no Centro de São Paulo

Fonte: Tuca Vieira 35


A classe média de São Paulo também teve seu padrão de habitação alterado, seus membros se tornaram proprietários, como os mais pobres, mas através de um processo completamente diferente: as classes média e alta receberam financiamento e não precisaram construir suas casas. Mudaram-se para prédios de apartamentos (Figura 6), cujo mercado se expandiu de forma significativa nos anos 70, transformando os bairros centrais. Este mesmo mercado estava fechado para a população de baixa renda, os apartamentos se tornaram uma forma de moradia quase exclusiva da classe média, que, por conta dos empréstimos baratos subsidiados pelo governo – por meio do BNH e SFH -, se mudou para o tipo de residência que antes rejeitava – por associala a cortiços e pobreza -, abandonando o sonho de morar em casas. Assim, o Estado estrutura um mercado imobiliário capitalista restrito a uma parcela da população, enquanto a maioria fica com as favelas, cortiços ou loteamentos ilegais na periferia sem urbanização. Na década de 70, São Paulo tinha se tornado uma cidade na qual pessoas de diferentes classes sociais não estavam separadas só por grandes distâncias, mas também tinham tipos de habitação e qualidade de vida urbana radicalmente diferentes. Tal separação entre grupos sociais na cidade esteve associada a um período de relativa desatenção às diferenças de classes. Ao menos três fatores contribuíram para essa alienação e ajudaram a criar um silêncio que muitos interpretaram como um sinal de paz social.

Primeiro, a separação espacial das classes tornou seus encontros pouco frequentes e restritos principalmente à circulação em algumas regiões centrais. Segundo, o crescimento econômico a partir dos anos 50, e especialmente durante os anos 70 - os “anos do milagre” -, gerou otimismo e ajudou a fortalecer a crença no progresso e na mobilidade social. Terceiro, a repressão dos governos militares baniu organizações políticas e a expressão pública de oposição ao regime. (CALDEIRA, 2003, p. 230) Assim constitui-se o mais conhecido padrão de segregação da metrópole brasileira, o de centro x periferia. O primeiro, com mais serviços urbanos, é ocupado pelas classes de mais alta renda, enquanto a segunda, subequipada e longínqua, é o lugar dos excluídos (Figura 7). É o que Villaça (2001) entende por espaço como um mecanismo de exclusão.

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7 - Vila Aurora, São Paulo

Fonte: Tuca Vieira 37


Nos últimos anos do regime militar, o movimento sindical foi reorganizado na região metropolitana de São Paulo e movimentos sociais, exigindo serviços e equipamentos urbanos, articularam-se por toda a periferia, os moradores se organizaram na busca por qualidade de vida em seus bairros. Tal mobilização política dos excluídos tornou visível a periferia e evidenciou o padrão de organização espacial e segregação social da cidade. A São Paulo do final dos anos 90 é mais diversa e fragmentada, uma combinação de processos transformou o padrão de distribuição de grupos sociais e atividades através da cidade - e sua região metropolitana -, que continua a ser altamente segregada, mas cujas desigualdades sociais são agora produzidas e inscritas no espaço urbano de modos diferentes. Caldeira (2003) afirma que a oposição centro rico x periferia pobre continua a marcar a cidade, mas agora com menor protagonismo, uma vez que os processos que produziram esse padrão mudaram e novas forças estão gerando outros tipos de espaços e uma distribuição diferente das classes sociais e atividades econômicas. A violência criminal se manifesta e atinge a todos, de modo que diferenças de classes e concentração da miséria não sejam mais ignoradas ou escondidas, mas sirvam de desculpa para a transformação de São Paulo em uma cidade de muros composta por obcecados em segurança e discriminação social. Mudanças demográficas na São Paulo dos anos 80 e 90, combinadas com uma transformação nos padrões residenciais - os ricos começaram a deixar as regiões centrais da capital para habitar regiões distantes, ao mesmo tempo em que a aquisição da casa própria por meio da autoconstrução na periferia tornou-se uma alternativa menos viável para os trabalhadores pobres - e com o aumento do crime violento e do medo provocaram a fortificação da cidade, à medida que moradores de todas as classes sociais buscaram proteger seus espaços de residência e trabalho (Figura 8).

Além disso, como o medo e o crime aumentaram, os preconceitos articulados na fala do crime não só ajudaram a exacerbar a separação de diferentes grupos sociais, mas também a aumentar as tensões entre eles. (CALDEIRA, 2003, p. 232)

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8 - Muros de SĂŁo Paulo

Fonte: Lalo de Almeira/Folhapress 39


9 - Favela Jardim Panorama

Fonte: Tuca Vieira 40


Estas décadas foram de significativas inversões na cidade de São Paulo, ocorreu um acentuado declínio do crescimento populacional nos anos de 1990 e as únicas áreas que continuaram a ter taxas altas de crescimento foram aquelas nos limites da cidade e que não tinham sido urbanizadas antes. A expansão da cidade em direção a suas áreas fronteiriças causadas pelo assentamento de moradores mais pobres continuou, num ritmo muito mais lento do que nas décadas anteriores, mas ainda baseada na autoconstrução e ilegalidade. A mesma época apresentou condições paradoxais para os pobres: as classes trabalhadoras se tornaram importantes atores políticos, organizando movimentos sociais e exigindo seus direitos à cidade e a melhores condições de vida, assim a periferia melhorou significativamente em termos de infraestrutura urbana, mas, ao mesmo tempo, suas rendas diminuíram e a capacidade dos moradores de tornarem-se proprietários através da autoconstrução restringiuse. A conquista da regularização dos lotes na periferia inseriu-a no mercado formal de imóveis, encarecendo não só o preço dos lotes, mas os custos de se viver nestes bairros agora melhor servidos. Assim, a já empobrecida população não conseguiu se manter neles e foi forçada a viver em favelas (Figura 9) ou cortiços. Enquanto isso, as classes média e alta alteram seu estilo de vida e uso da cidade. Os bairros mais tradicionais pela concentração de renda – que na década de 1970 haviam crescido associados com o financiamento de apartamentos - sofrem a diminuição mais acentuada no número de habitantes, abrindo espaço para um dos fenômenos que mais impactaram a maneira de morar dos privilegiados, os condomínios fechados, fortificados, controlados e homogêneos. A implantação deste tipo de condomínio horizontal requer a disponibilidade de grandes áreas, o que impossibilita a construção nos bairros centrais tradicionais, que já contam com alta taxa de adensamento. Por isso, os novos empreendimentos imobiliários dos ricos trocam o centro pelas regiões periféricas, como no caso do Morumbi/Vila Andrade. Esses distritos de São Paulo que já eram habitados, em certa medida, por pessoas pobres, passaram a apresentar uma nova organização espacial, que cria outro padrão de desigualdade social e de heterogeneidade funcional ao aproximar ricos e pobres, mantendo, entretanto, a separação com os muros (FIgura 10).

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10 - Emblemรกtico: 10- Morumbi, Paraisรณpolis

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Fonte: Tuca Vieira 43


O Morumbi exibe um quadro impressionante de desigualdade social e exemplifica a nova face da segregação social na cidade. (CALDEIRA, 2003, p. 247)

Os apartamentos das classes altas erguem-se ao lado de imensas favelas, o luxo das edificações de alto padrão contrasta com a visão que se tem dos milhares de barracos da favela Paraisópolis, onde vivem os empregados domésticos dos condomínios vizinhos. A proximidade geográfica é compensada por imensos muros, cercas, câmeras e guardas particulares que oferecem aos moradores dos condomínios a sensação de viver exclusivamente entre seus pares, ignorando a realidade que chega pelas suas janelas. Na medida em que moradores ricos e pobres vivem mais próximos uns dos outros nas novas áreas de expansão de São Paulo, a desigualdade não só aumenta, como se torna mais visível e explícita, fazendo com que essas novas áreas tenham:

as mais chocantes paisagens de coexistência de pobreza e riqueza. (CALDEIRA, 2003, p. 255) No contexto de crescente medo do crime e de preocupação com a decadência social, ao invés da busca por soluções comuns para os problemas enfrentados por todos, os moradores parecem não tolerar pessoas de diferentes grupos sociais. Pelo contrário, a regra é a sofisticação das técnicas de distanciamento, tendo nos enclaves fortificados o centro da nova organização da cidade, baseada na discriminação social e separação das diferentes classes por barreiras físicas e sistemas de controle.

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1 . 3 f r a g m e n ta ç ã o O desenvolvimento de São Paulo se baseia numa economia concentradora de renda, terra e poder e, como tal, reflete em sua organização espacial o aprofundamento da exclusão. O crescimento da maior cidade do país foi regido pelos interesses dos mais ricos e sua ignorância a respeito das condições de vida da maior parte da população, que encontrou na ilegalidade e precariedade a chance de integrar a cidade. A ilegalidade relacionada à propriedade de terra foi o principal agente da segregação ambiental. A população pobre se instala nas áreas públicas desvalorizadas e naquelas rejeitadas pelo mercado imobiliário privado: beira de córregos (Figura 11), encostas de morros, terrenos sujeitos a enchentes, regiões poluídas, ou áreas de proteção ambiental. Essas condições impostas pela ilegalidade dos mais pobres só é notada – e combatida - quando interfere na vida das camadas mais ricas. A ocupação ilegal de terras se desenvolve sem a interferência do estado enquanto os imóveis não têm valor como mercadoria, inclusive em áreas de proteção ambiental. A partir do momento em que os imóveis adquirem valor de mercado, as relações passam a ser regidas pela legislação e pelo direito oficial, que trabalham para defender a propriedade privada, não para prevenir deslizamentos de terras, enchentes ou epidemias que afetam moradores de morros, encostas, beiras de córregos e bairros sem saneamento básico. Um outro fator que atrai as atenções para os excluídos é a violência, que eclodiu nas metrópoles brasileiras a partir dos anos 1980. O mau desempenho da economia e aumento da pobreza nesta época contribuíram para que a sensação de insegurança ultrapassasse os limites da cidade informal e chegasse aos setores privilegiados da sociedade que passaram a se esconder nos condomínios fechados atrás de muros, guardas e câmeras de segurança. O processo de urbanização de São Paulo produziu uma cidade segregadora como reflexo da concentração de pobreza. A desigualdade inerente a tal processo afeta em grandes proporções a vida da população excluída, que sobrevive à precariedade do acesso a serviços, infraestrutura urbana, justiça e lazer, menores oportunidades de emprego,

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11 - CĂłrrego Antonico

Fonte: Prefeitura de SĂŁo Paulo 46


discriminação racial e grande exposição à violência (muito frequentemente do próprio Estado). Maricato (1995) afirma que essa violência se manifesta na exclusão econômica, social, cultural e ambiental, restringindo o acesso à cidade ao negar aos mais pobres a qualidade de vida que a maior e mais rica cidade do país deveria proporcionar.

Ser pobre não é apenas não ter, mas sobretudo ser impedido de ter, o que aponta muito mais para uma questão de ser do que de ter. (DEMO, 1993, p. 2 apud MARICATO, 1995, p.30) Ainda assim, a população carente de inúmeros serviços urbanos não vê o transporte precário ou a falta de saneamento como grande preocupação, mas sim o tráfico de drogas, como destaca Maricato (1995), ao expor levantamento da prefeitura de Florianópolis-SC, aplicado entre os moradores de favelas da cidade. De acordo com o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (1991) e do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião (1994), citados por Maricato (1995), num contexto de explosão da violência urbana, o medo passa a fazer parte do cotidiano das áreas concentradoras de pobreza, onde a população já exposta às agressões ambientais e urbanas, se preocupa também com o aumento das mortes de jovens, que podem ter origens em brigas, ações de bandidos ou procedimento policial. Existe uma evidente imbricação entre espaço, economia e sociedade no desenvolvimento da violência. Os processos socioeconômicos de exclusão produzem a violência, que tem o ambiente construído como parte integrante (OLIVEN, 1982; KOWARICK e ANT, 1982 apud MARICATO, 1995). A presença ambígua e arbitrária do Estado – ora permissivo, ora opressor –, ilegalidade generalizada e segregação tornam as áreas de exclusão solo fértil para reações locais, que acabam sendo os mecanismos de defesa com os quais essa população pode contar. Alguns distritos de São Paulo que apresentam maior ocorrência de violência também se destacam negativamente nos levantamentos de saúde, renda, congestionamento habitacional, ocorrência de favelas e analfabetismo ou baixa escolaridade, o que revela o quão profunda é a marca da segregação. Segundo Maricato (1995), nossa sociedade produz “bombas socio ecológicas” de efeitos perversos que recaem principalmente sobre os moradores das regiões que reúnem os piores indicadores socioeconômicos e ambientais, resultados da desigualdade e segregação espacial.

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A concentração de infraestrutura e equipamentos urbanos aliada ao mau funcionamento dos transportes públicos, vão determinar os locais onde todos aqueles problemas serão mais ou menos recorrentes. Esses circuitos fornecem às classes médias e dominantes da sociedade a ilusão de espaços relativamente homogêneos, o que só é agravado pelo seu confinamento a uma área de circulação restrita. A explosão da violência urbana foi a justificativa usada para o abandono dos espaços abertos da cidade por essas classes dominantes, que buscaram o isolamento e a “segurança” de viver entre os iguais, cercadas por muros, grades e câmeras. São Paulo se torna mesmo uma cidade de muros, tal como afirma Caldeira (2003), onde a qualidade do espaço público muda diariamente em direção oposta ao que se poderia esperar de uma sociedade em tempo de redemocratização, como aquela pesquisada pela autora entre os anos 1980 e 90. Assim é a implosão da vida pública na cidade contemporânea, cujos muros e grades reforçam o abandono dos espaços públicos, que deveriam proporcionar encontros entre pessoas de diferentes grupos sociais. Os padrões de circulação, trajetos diários, hábitos e gestos relacionados ao uso de ruas, transporte coletivo e parques são comprometidos na cidade de muros. Encontros cada vez mais raros e tensos, até violentos, à medida em que estereótipo e medo se tornam as únicas referências e a separação e discriminação, as marcas da vida pública. As mudanças dos espaços urbanos contribuem para a ampliação das desigualdades na cidade de São Paulo, com novas estratégias para separação entre grupos sociais que estão cada vez mais confinados em enclaves homogêneos, de um lado, luxuosos espaços residenciais fechados, de outro, favelas, com todas as carências e estereótipos à elas associados.

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1 . 4 f av e l a s Paralelo ao crescente investimento em segurança e autoproteção nos enclaves fortificados, as favelas, cortiços e loteamentos ilegais passam por adensamento na ocupação, acompanhado pela articulação dos pobres que buscam soluções para problemas que o Estado não se propõe resolver. Diante deste contexto, é fundamental que se compreenda o que são os espaços das favelas. Com tal objetivo, o Observatório de Favelas buscou estabelecer novos modos de apreensão do fenômeno da favelização e, a partir das discussões realizadas no seminário “O que é Favela, afinal?” (2009), elaborou uma declaração na qual formula um conceito de favela que abrange a complexidade e a diversidade desse território no espaço urbano contemporâneo. Presente em diferentes sítios geográficos e com variadas características socioambientais, as favelas constituem-se como territórios diversificados, porém, de modo geral, são entendidas de forma homogênea, como o espaço da ausência, destituído de infraestrutura urbana,

globalmente miserável, sem ordem, sem lei, sem regras e sem moral, a expressão do caos. (SILVA, 2009, p. 16) Apesar da origem negativa da definição focada na ausência, ela foi importante para o reconhecimento de reivindicações dos moradores de muitas favelas. A organização popular permitiu a ampliação do acesso aos serviços de água, esgoto, coleta de lixo, asfaltamento e iluminação, além da construção de escolas, creches e postos de saúde, todos fundamentais para a qualidade de vida dos moradores. Porém, apesar das diversas intervenções nas favelas, elas continuam sendo percebidas – no imaginário dos moradores da cidade formal - como um espaço de ausências – urbanas, sociais e morais -, o que revela um longo caminho a ser percorrido quando se trata da presença da favela na cidade, em especial do conjunto de direitos sociais que envolve a apropriação e uso de seus espaços urbanos. A representação das favelas – e de seus moradores – orienta políticas e projetos públicos, investimentos privados e ações de organizações sociais que, na maioria das vezes, acabam sendo fundamentadas em

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estereótipos que não permitem a compreensão aprofundada sobre a realidade social, econômica, política e cultural em sua totalidade e complexidade. Os estigmas que recaem sobre a favela e seus moradores são centrados em parâmetros negativos, que desconsideram sua diversidade e são utilizados como referência hegemônica na representação social e nas definições deste espaço urbano. Por entender que as favelas devem ser reconhecidas em sua especificidade socio territorial, o Observatório de Favelas considera que este é um território constituinte da cidade, caracterizado por1: 1. Considerando o perfil sociopolítico, a favela é um território onde a incompletude de políticas e ações do Estado se fazem historicamente recorrentes. São, de modo geral, territórios sem garantias de efetivação de direitos sociais, fato que vem implicando a baixa expectativa desses mesmos direitos por parte de seus moradores (Figura 12); 2. Considerando o perfil socioeconômico, a favela é um território onde os investimentos do mercado formal são precários, principalmente o imobiliário, o financeiro e o de serviços. Há, portanto, distâncias socioeconômicas consideráveis quando se trata da qualificação do tempo/espaço particular às favelas e das condições presentes na cidade como um todo; 3. Considerando o perfil sócio urbanístico, a favela é um território de edificações predominantemente caracterizadas pelas autoconstruções, sem obediência aos padrões urbanos normativos do Estado. A Favela significa uma morada urbana que resume as condições desiguais da urbanização brasileira e, ao mesmo tempo, a luta de cidadãos pelo legítimo direito de habitar a cidade (Figura 13); 4. Considerando o perfil sociocultural, a favela é um território de expressiva presença de negros (pardos e pretos) e descendentes de indígenas, de acordo com região brasileira, configurando identidades plurais no plano de existência material e simbólica. Superando os estigmas territoriais violentos e miseráveis, a favela se apresenta com a riqueza de sua pluralidade de convivências de sujeitos sociais em suas diferenças culturais, simbólicas e humanas (Figura 14).

1 SILVA, Jailson de Souza e (ORG.). O que é favela, afinal?. Rio de Janeiro: Observatório de Favelas, 2009.

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12 -Menino brinca entre entulhos da PAC

Fonte: Francisco CĂŠsar/Imagens do Povo 51


13 - Favela

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Fonte: Tuca Vieira 53


14 - Jogo de futebol no Morro Bumbรก

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Fonte: Francisco CĂŠsar/Imagens do Povo 55


parais


รณpolis


2.1 A Maior de São Paulo As grandes proporções de São Paulo, maior e mais populosa metrópole do Brasil, demandam uma organização administrativa específica. A cidade é dividida em 96 distritos que, por sua vez, se agrupam em 32 subprefeituras (Figura 15), descritas como “pequenos municípios” dentro da capital paulista. Às subprefeituras é atribuído o compromisso de ser o canal direto entre administração municipal e população local, de forma que cada território administrativo tenha autonomia e poder de decisão, priorizando suas demandas locais, principalmente quando se trata de zeladoria urbana. Uma destas regiões se destaca em números um tanto quanto indesejáveis. Composta por três distritos – Campo Limpo, Capão Redondo e Vila Andrade -, Campo Limpo figura como a mais populosa da cidade, com cerca de 670 mil habitantes, além de ser a líder no número de residências em favelas no município, 59 mil, ou seja, 32% do total de residências da região, segundo o levantamento do Mapa da Desigualdade, baseado nos dados do IBGE e da SEHAB. A expressividade das favelas é evidente na região que compreende bairros marcados pelos indicadores de analfabetismo, mortalidade infantil e homicídios. Dentro do distrito da Vila Andrade está Paraisópolis, a maior favela de São Paulo, de acordo com o último censo do IBGE, que aponta 13 mil casas e 42 mil habitantes, enquanto a União de Moradores e Comércio de Paraisópolis já conta 100 mil pessoas em 21 mil moradias – barracos, construções de alvenaria e sobrados. Paraisópolis é vizinha de um dos bairros mais ricos de São Paulo, o Morumbi, símbolo dos enclaves fortificados. A relação dicotômica estabelecida no espaço de morada dos ricos e da favela guia o trabalho de Maria da Glória Gohn no artigo “Morumbi: o contraditório bairro-região de São Paulo” (2010). Segundo Gohn (2010), o Morumbi é ainda um território onde há muito verde e mansões, porém, o que predomina são os condomínios, verticais ou horizontais, resultado da ressignificação pela qual o bairro passou nos anos 70, decorrente do marketing imobiliário. A ocupação da área pelos loteamentos de alto padrão foi simultânea à construção da favela.

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15 - Mapa das Subprefeituras de SĂŁo Paulo

Fonte: 32xSP (modificado pela autora) 59


1516- - Mapa das Subprefeituras de São Vista aérea: Morumbi , Paraisópolis Paulo

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Fonte: Rein Geurtsen 61


Formam-se, então, um mosaico, onde um morro, uma declividade, ou até mesmo uma rua podem separar a moradia de grupos sociais distintos socioeconomicamente, gerando um padrão híbrido de ocupação do território. (GOHN, 2010, p. 269) (Figura 16) A população de Paraisópolis é, na imensa maioria, de origem nordestina, efeito dos grandes fluxos migratórios do Nordeste para a capital paulista, intensificado pelo boom da construção civil na cidade nos anos 70, em especial na Zona Sul, com o estádio do São Paulo Futebol Clube servindo de marco.

Em São Paulo, a partir dos anos 1970, ocupar terrenos passou a ser a forma de alojamento dos operários da construção civil, pois os canteiros de moradia na própria obra não eram usuais. Assim surgiu Paraisópolis, singular também por ter sido criada a partir da ocupação de um loteamento de classe média. (GOHN, 2010, p. 273)

Alguns destes operários ficaram na região, trabalhando na construção civil nos anos posteriores. Atualmente, grande parte desses trabalhadores são faxineiros e porteiros dos edifícios que ajudaram a construir e suas mulheres e filhas, empregadas domésticas nos muitos apartamentos que se ergueram na região. As condições de vida e infraestrutura urbana em assentamentos irregulares, como as favelas, não são as melhores, justamente por isso os moradores conseguem se manter ali. Mas, com a abertura política, passaram a se posicionar cada vez mais incisivamente na busca por seus direitos, através de movimentos populares, como as emblemáticas Sociedades Amigos de Bairros, presentes em toda a cidade. A favela de Paraisópolis se sobressai não apenas por sua origem e localização – entre mansões e condomínios de luxo -, mas também pelo apoio de entidades e, especialmente, organização de seus habitantes. As redes de vizinhança e parentesco existentes em Paraisópolis proporcionam uma sociabilidade não encontrada nos condomínios vizinhos. Os contatos pessoais – além das associações, ONGs e entidades de apoio – são os principais responsáveis pela vida sociocultural existente, uma vez que proporcionam a criação de laços e experiência cotidiana entre os diferentes grupos sociais, que compartilham valores, estruturas de parentesco e amizade.

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Os pobres garantem sua sobrevivência trabalhando no setor de serviços para os ricos ou camadas médias do Morumbi. E sobrevivem também graças às redes de sociabilidade que desenvolveram entre parentes e ‘conhecidos da terra’. Duas cidades convivem lado a lado e a dos pobres consegue alguns melhoramentos graças às ações solidárias e às redes de associativismo existentes. (GOHN, 2010, p. 279) Aqui as diferenças de uso dos espaços públicos entre os mais ricos e mais pobres se faz evidente. Enquanto as classes média e alta continuam cercando-se de muros e câmeras de vigilância, as camadas populares têm no convívio social uma alternativa para melhorar suas condições. Sociabilidade e associativismo são os caminhos para que a voz da periferia seja ouvida; sem a teia de influências das elites, a massa consegue se fazer ver e ouvir na sua organização. Gohn (2010) mostra que, nos últimos anos, inúmeros projetos sociais têm se destacado em Paraisópolis, que conta com a atuação de ONGs e instituições filantrópicas, além das iniciativas dos próprios moradores, trabalhando para atender às demandas da favela. É interessante realçar a atenção dada à cultura e educação, sendo esta última, pelos baixos índices de escolaridade da população de Paraisópolis, uma questão crítica.

Eles demandam equipamentos que “ocupem” os jovens e adolescentes, que os afastem do mundo das drogas (...) Na área da cultura, os jovens se interessam mais, pois fala sobre o mundo deles. (GOHN, 2010, 271) A inauguração de um CEU (Centro Educacional Unificado) e uma ETEC (Escola Técnica Estadual) somadas a criação de projetos de alfabetização são exemplos dos esforços que Estado e população vêm fazendo para melhorar os índices educacionais em Paraisópolis. De acordo com Gohn (2010), a União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis (UMCP) foi a responsável por criar o projeto Escola do Povo, que seguiu programas governamentais de alfabetização e mobilizou cerca de 600 alfabetizadores para atender 1040 alunos.

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O programa cresceu tanto que extrapolou a capacidade da União em desenvolvê-lo em sua sede e passou a ocupar outros espaços como ONGs, igrejas, garagens, danceterias e salas da unidade do Hospital Einstein que funciona na favela. O projeto de alfabetização da Escola do povo dura seis meses e funciona duas vezes por semana, com aulas de três horas. (GOHN, 2010, 274)

Fundada em 1983, a UMCP atua na defesa dos interesses da favela e na promoção de iniciativas voltadas à melhora das condições de vida das pessoas que nela residem. Por meio de programas educacionais, qualificação profissional, inclusão digital, projetos culturais, de esporte e lazer, acesso a emprego e saúde se revela como um importante agente de promoção social em Paraisópolis. Sua relevância é tanta que, em 2009, teve uma nova sede idealizada pelo arquiteto Franklin Lee: o programa conta com salas, quadras esportivas, anfiteatro e horta comunitária, pensados para criar um centro cultural que acolhesse as várias iniciativas sociais já desenvolvidas na favela. O projeto (Figura 17) que seria erguido num local estratégico, na escadaria Manuel Antônio Pinto, ligação entre o Morumbi e Paraisópolis, nunca foi construído, a União de Moradores continua sediada na estreita Rua Ernest Renan, num imóvel de paredes grafitadas (Figura 18) e laje tomada por hortaliças. Visitamos esta modesta edificação, que abriga os diversos programas mantidos pela União dos Moradores, em duas ocasiões1 , quando conhecemos a estrutura de seus espaços. No primeiro andar funcionam uma cozinha, a sala do coletivo de jovens (Figura 19) – nomeado como Coca-Cola – e a recepção, onde a população pode conseguir, além de informações, declaração de residência, o cartão de crédito específico de Paraisópolis – aceito em toda a favela, sem consulta às listas de inadimplência - e a esperança de um emprego: os que se enquadram nos requisitos de idade e escolaridade são inscritos no chamado curso Coca-Cola, que promete boas chances de admissão em empresas parceiras; os demais, às segundas e sextas-feiras, entre nove da manhã e meio-dia, fazem fila para realizar cadastro e entregar currículo a uma 1 A primeira visita foi realizada em 18 de abril de 2019, quinta-feira. Neste dia, um funcionário da União de Moradores apresentou as dependências da sede, bem como as iniciativas que são realizadas nestes espaços. Já a segunda aconteceu na sexta-feira 24 de maio de 2019, ocasião em que tive a oportunidade de conhecer mais a fundo o projeto “Horta na Laje” por conta da conversa com Elizandra Cerqueira, uma das responsáveis pelo projeto.

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17 - Projeto de Franklin Lee para sede da UMCP

Fonte: Franklin Lee

das diretoras da organização, que os encaminha a possíveis empregadores, comprometendo-se a manter contato com os que estão entre os 13 milhões de brasileiros que amargam o desemprego. Subindo as escadas, encontra-se a sala de transmissão da Rádio Nova Paraisópolis (Figura 20) que, na frequência 87,5 FM, põe no ar a programação que vai da literatura à cultura Geek; em outra sala, as máquinas de costura estruturam uma oficina onde se ensina, aprende e pratica o ofício; um terceiro espaço, destinado a reuniões, ostenta na parede o desenho do Grotão Fábrica de Música (Figura 21), outro projeto premiado e prometido, mas nunca construído. Mais degraus levam ao último pavimento do “prédio”, a laje, reduto do promissor projeto Horta na Laje e do Bistrô Mãos de Maria, mantido por mulheres que preparam as refeições servidas no agradável espaço dedicado ao cultivo de alimentos orgânicos e apreciação da culinária nordestina, pelo qual nos interessamos e com base no qual, esse Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo começou a ser elaborado.

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18 - Sede da UMCP

Fonte: Marcus Vinícius

19 - Sala do Coletivo Coca-Cola

Fonte: Marcus Vinícius 66


20 - Rádio Nova Paraisópolis FM

Fonte: Marcus Vinícius

21 - Sala de reuniões

Fonte: Marcus Vinícius 67


2 . 2 h o r ta n a l a j e

As primeiras informações a respeito desta iniciativa que toma a cobertura da sede da União de Moradores e do Comércio de Paraisópolis foram obtidas com uma rápida pesquisa em sites. Páginas de notícias apresentam a “Laje gourmet de Paraisópolis” que, com a horta orgânica e o bistrô, busca estimular a alimentação saudável, promover a economia doméstica e “esverdear” outras lajes da favela. O projeto que, desde 2017, ensina a plantar, colher e montar hortas em ambientes domésticos é uma parceria entre a Associação das Mulheres de Paraisópolis, a União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis e o Instituto Stop Hunger. Apesar de informativos, esses conteúdos são incapazes de transmitir as dimensões do projeto que aparece como uma alternativa - inesperada de ocupação dos espaços na favela, onde a habitação é a prioridade. Neste sentido, o contato com os agentes diretamente envolvidos no projeto foi essencial. A União dos Moradores e a Associação das Mulheres coordenam diversos programas ativos na favela, carga de trabalho que dificulta o diálogo mais permanente que pretendemos estabelecer com os representantes destas organizações. Contudo, depois de alguma insistência1 , o encontro com a Elizandra Cerqueira - atual presidente da Associação de Mulheres de Paraisópolis - aconteceu na laje da horta e do bistrô, que além de sede foi protagonista da conversa. Elizandra é uma das fundadoras da Associação que nasceu em 2006 como uma rede de apoio entre mulheres, que, segundo ela, representam a maioria em tudo na Paraisópolis. Há dois anos à frente da organização, nos contou um pouco da favela em que mora desde que nasceu. Conforme já discutimos, o preconceito sofrido pelos moradores de favelas no Brasil não é novidade, desde a formação destes aglomerados subnormais, o processo de estigmatização social relaciona sua população a uma classe perigosa, que ocupa ambientes dominados pela miséria e violência, ameaçando a ordem da cidade (SANTOS, 2002; VALLADARES, 2005; RAMOS e PAIVA, 2007; FERNANDES, 2009 apud RODRIGUEZ et al., 2013). O medo que justifica a construção dos enclaves fundamenta a discriminação que, por exemplo, impele os habitantes de Paraisópolis,

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1 Foram realizadas diversas tentativas de contato – por telefone, e-mail e visitas presencias – que não tiveram resultados satisfatórios. Após algumas semanas de insistência, quando já procurava conhecer o projeto por outras fontes, a presidente da Associação de Mulheres, uma das responsáveis pela implantação e manutenção das hortas, se disponibilizou para reunião.


na candidatura a vagas de emprego, a escreverem “Morumbi” nos campos destinados ao bairro de residência. Diante deste contexto, organizações populares se engajam para “mudar a visão” a respeito da favela, tanto a dos vizinhos amedrontados pelo caos imaginado, quanto a dos próprios moradores, que penam com o estigma. A atuação de entidades sociais, como a Associação das Mulheres e a União dos Moradores, está fortemente empenhada em tal propósito. Guiadas por temas considerados relevantes para o desenvolvimento da coletividade, baseiam suas ações em lemas como “Todos unidos por uma nova Paraisópolis” e “Paraisópolis avançando” para promover a integração entre os moradores, a disseminação do acesso à cultura e educação, além de projetos de urbanização – que contam também com a participação do Estado em seus três níveis administrativos. A vez agora é da sustentabilidade, a busca por uma “Paraisópolis Sustentável” se relaciona aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) traçados pela ONU e tem como símbolo o projeto Horta na Laje (Figuras 22 e 23), apresentado como ambiental, social e economicamente sustentável.

A ideia nasceu dos integrantes da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis, que pensavam em aproveitar o espaço da laje de sua sede de outra forma, que não fosse o depósito improvisado que havia ali. O conceito da Horta na Laje veio então para aliar o desejo de ocupar a cobertura ao anseio de ser exemplo de sustentabilidade na comunidade. Com o apoio do Stop Hunger – instituição independente e líder no combate à fome e a má nutrição -, o espaço foi preparado para receber as hortaliças, proporcionando um ambiente adequado não só para o cultivo destas plantas, mas também para a aplicação de oficinas que capacitam os moradores em técnicas que permitem o desenvolvimento de habilidades para plantar, cuidar e semear horta em espaços adaptados, estimulando a criação de pequenos refúgios verdes em lajes de toda a favela. Inicialmente pensado como um uso alternativo para a laje da UMCP, o projeto das hortas foi aprimorado pela Associação das Mulheres, que estruturou um ciclo de qualificação, cultivo e geração de renda de modo a atender as mulheres da comunidade, em especial aquelas vítimas de violência doméstica.

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22 - Vista aerea da Laje UMCP

Fonte: Bistrô Mãos de Maria

23 - Horta na Laje UMCP

Fonte: Marcus Vinícius 70


No Brasil, a violência contra a mulher é um problema que se agrava a cada dia, tomando proporções alarmantes que colocam o país na quinta posição no ranking mundial de feminicídio, segundo dados do Alto Comissionado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Elizandra reconhece que, embora este seja um problema enfrentado por mulheres de todas as classes sociais e níveis de instrução, situações de vulnerabilidade social tendem a intensificar o sofrimento das vítimas ao reduzir suas expectativas de se verem livres do agressor. Levando isto em consideração, à horta somou-se o Bistrô Mãos de Maria, que emprega alunas do curso de culinária nordestina – oferecido pela Associação das Mulheres desde 2007 – para o preparo das refeições que, feitas com os ingredientes cultivados na própria horta, são vendidas de segunda a sábado na “laje gourmet de Paraisópolis”. Tem-se, assim, o ciclo completo: uma vez capacitadas, as mulheres estão aptas a exercer a profissão – como autônomas ou contratadas, como no caso do bistrô -, adquirindo renda que lhe confere o sustento e, quem sabe, também certa independência. Em conjunto, a Horta e o Bistrô (Figura 24) constituem um projeto transformador, que incentiva o empoderamento feminino, gera empregos, promove a educação ambiental e estimula a alimentação saudável, além de contribuir, em algum nível, para a mudança da imagem que fazem da favela. A laje da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis virou notícia e atração, moradores de dentro e de fora da favela frequentam os eventos que são realizados no local, interação que ao menos remete à ideia de comunidade, que não é efetiva na relação de vizinhança Morumbi-Paraisópolis.

O potencial deste projeto parece não ter se esgotado. A presidente da Associação das Mulheres afirma que o próximo passo é disseminar as hortas pela favela, que, segundo ela, tem hoje mais de dezoito mil lajes. Neste ambiente de luta por espaço, onde a habitação é prioridade, as lajes aparecem como oportunidade para mais construções, mas também são sinal de ascensão social e reduto de lazer nas casas sem quintal da favela, caracterizada pelas ruas estreitas e ocupação desordenada. Como primeira evidência da aceitação da proposta, soubemos da ação de alguns moradores que reproduzem a horta em suas casas. Apesar do suporte oferecido pelo projeto, algumas questões ainda limitam a difusão adequada dos canteiros: a obtenção destes espaços verdes não pode estar condicionada a grandes investimentos de implantação e manutenção, como impermeabilização e dedetização, por exemplo. Deste modo, o desafio que pretendemos ajudar a enfrentar com esse TFG é encontrar uma solução tecnicamente adequada e financeiramente viável que possibilite a ocupação verde das lajes.

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24 - Horta na Laje e BistrĂ´ MĂŁo de Maria

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Fonte: da autora 73


2 . 3 n a p r át i c a Para que a ideia da Horta na Laje fosse colocada em prática, a União de Moradores e a Associação das Mulheres contaram com o apoio do Instituto Stop Hunger, que viabilizou a implementação do projeto – com as adequações necessárias no espaço, como a impermeabilização da laje – e o integrou a uma de suas ações, o Programa Hortaliças, iniciativa criada em 2003, em parceria com a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP. Deste modo, os professores Arthur Bernardes e Antônio Ismael – que trabalham, respectivamente, nos campi da UNESP em Jaboticabal e Botucatu - foram convidados a auxiliar na implementação da horta, estruturando um projeto sobre o que, como e quando seria plantado. A visita ao local e conversa com os idealizadores do projeto possibilitou que fossem feitas as escolhas mais adequadas para a situação, assim, o plantio em recipientes como vasos, caixotes e tubos plásticos cortados (Figuras 25 e 26) possibilitou a combinação de usos que existe atualmente na laje.

De forma complementar, os professores se encarregaram de ministrar oficinas sobre hortas domésticas e, a cada 3 meses, dão aulas a grupos diferentes de moradores, na própria laje da UMCP. De acordo com os professores1 , num período de cerca de duas horas, aproximadamente 30 moradores – a maioria mulheres – aprendem técnicas de cultivo e cuidados necessários para a manutenção de hortas domésticas. Apesar de essencialmente práticas, as oficinas são baseadas em materiais de apoio estruturados por alunos do curso de Agronomia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, no campus de Jaboticabal, sob a coordenação do Professor Antônio Ismael, que disponibilizou estes arquivos para nossa consulta. Um deles é a cartilha “Horta em casa”, que alerta para a importância do consumo regular de hortaliças e fornece informações básicas sobre plantio, manejo e colheita. As orientações vão da escolha do local de instalação da horta às propriedades de diferentes hortaliças, que podem ser cultivadas no solo ou em recipientes, como no caso da Horta na Laje da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis.

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1 Arthur Bernardes e Antônio Ismael compartilharam informações do tipo via e-mail, em maio de 2019.


25 - Cultivo em recipientes

Fonte: da autora

26 - Plantio em recipientes

Fonte: da autora 75


Para espaços muito limitados, como as lajes, são diversas as possibilidades de canteiros que respeitam as condições de luz e ventilação necessárias. De acordo com as instruções desta mesma cartilha, qualquer recipiente resistente à umidade – vaso de cerâmica, sacos ou tubos plásticos, latas, garrafas ou caixotes – pode ser usado para o plantio de hortaliças, desde que colocados em locais arejados e iluminados. Estes recipientes devem ser furados e postos sobre suportes que permitam o escoamento da água. O tamanho dos recipientes determina o que pode ou não ser plantado neles. Naqueles com 20-25 cm de profundidade são cultivados agrião, alface, almeirão, beterraba, cebolinha, coentro, espinafre, morango, rabanete, rúcula e salsa. Enquanto os maiores – 30-50 cm de altura e 20-30 cm de diâmetro – são destinados ao plantio de berinjela, jiló, couve, brócolis, couve-flor, repolho, feijão-vagem, ervilha, pepino, pimentão, pimenta, quiabo e tomate. Essas são as hortaliças cultivadas e usadas na “laje gourmet de Paraisópolis” (Figura 27 e 28) que, como ressalta o Professor Antônio Ismael , é mantida com trabalho dos moradores, que se empenham no cuidado da horta para garantir a continuidade e disseminação deste importante projeto.

27 - Vista da Laje

Fonte: da autora 76


28 - Laje Gourmet de Paraisรณpolis

Fonte: da autora 77


implic


ações


3 .1 M u d a n ç a s C L I M át i c a s O presente Trabalho Final de Graduação vem se construindo e tomando forma com os contatos, indagações e descobertas feitos ao longo do processo de elaboração. Novas questões aparecem todos os dias e se ligam aos pontos antes levantados, incrementando a discussão que se iniciou com os processos de urbanização excludentes das metrópoles brasileiras, especialmente São Paulo, a maior delas. Debatendo sobre segregação e fragmentação socioespacial chegamos ao emblemático caso de Paraisópolis, a maior favela paulistana, vizinha de um dos bairros mais luxuosos da cidade, o Morumbi. Expostos os problemas enfrentados pelos moradores desta favela – comuns à maior parte da população favelada do Brasil -, conhecemos importantes agentes na luta por melhores condições de vida neste espaço, tal qual a União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis e a Associação das Mulheres de Paraisópolis, que desenvolvem iniciativas de transformação, como o projeto “Horta na Laje”, que passou a ser protagonista desta discussão, trazendo novas perspectivas com a vontade de tornar realidade o slogan “Paraisópolis sustentável”. Como há aqui a pretensão de valorizar atividades nascidas dos moradores e estruturar sua expansão, é fundamental que compreendamos as problemáticas que estão por trás do aparecimento de iniciativas populares do tipo, a fim de seguir os caminhos mais adequados no projeto de propagação das hortas, que surgem para sanar carências sociais, econômicas e ambientais sentidas no contexto de Paraisópolis. Neste sentido, nos atentamos às questões que afetam o meio, a sociedade e a economia, como a manifestação ambiental da violência e a dificuldade do acesso à segurança alimentar e nutricional pelos mais pobres. A população que se instala em beiras de córregos, encostas e áreas de proteção o faz por necessidade, porque a ilegalidade relacionada à propriedade dessas terras – desvalorizadas e rejeitadas pelo mercado imobiliário – permite sua ocupação. A situação de vulnerabilidade nestes cenários é tão evidente quanto preocupante e vem sendo agravada pelas mudanças climáticas, que afetam mais as pessoas desfavorecidas, como mostra Graciela Mariani no artigo “Efectos del cambio climático sobre la pobreza urbana” (2012), em muitas partes validado por estudos como os da Universidade de Stanford e do Banco Mundial, por exemplo.

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Mariani (2012) afirma que as mudanças climáticas afetarão de maneira diferente cada lugar do planeta, sendo os países em desenvolvimento os mais prejudicados. O Departamento de Ciência do Sistema Terrestre – Earth System Science –, da Universidade de Stanford, é responsável por uma pesquisa que corrobora a hipótese da autora ao apontar para o aumento da desigualdade social, causado pelas mudanças climáticas do último século: com a elevação das temperaturas globais, os países de clima quente – como Brasil e Índia - tiveram seu crescimento reduzido, enquanto países mais desenvolvidos – Noruega e Suécia, por exemplo - ficaram ainda mais ricos (Figura 29). Os estudos demonstraram que, nos anos com maiores temperaturas médias, o crescimento econômico acelerou nos países mais frios e reduziu nos mais quentes, isso porque, de acordo com Noah Diffenbaug, líder da pesquisa, a temperatura é elemento crucial para o desempenho econômico das nações, afetando a capacidade de produção agrícola e trabalho, que declinam em condições climáticas extremas.

29 - Impacto do Aquecimento Global no PIB

Fonte: Earth System Science, Stanford 81


Os países mais suscetíveis aos efeitos das mudanças climáticas vêm enfrentando situações incompatíveis com a busca pelo desenvolvimento. De acordo com a autora, os desajustes ambientais causam muitos problemas sociais, sobretudo nos assentamentos informais e precários, tais quais as favelas: secas, inundações e tempestades dificultam o acesso à direitos básicos, como água, comida, saúde e moradia. Se as alterações climáticas acentuam a desigualdade entre nações, o efeito sobre as pessoas é ainda mais perverso: características econômicas, sociais e culturais, somadas à localidade geográfica, acabam por agravar os impactos das mudanças climáticas sobre as populações carentes.

Submetidas a doenças, falta de saneamento básico e agora aos efeitos climáticos, as populações urbanas carentes estão na linha de frente dos impactos das mudanças no meio ambiente. Elas são particularmente afetadas por serem relegadas a zonas urbanas sem serviços básicos confiáveis. (MARIANI, 2012, p.1) No relatório “Gerenciando os impactos da Mudança climática na pobreza” (2015), o Banco Mundial chegou à conclusão de que os desdobramentos da crise climática – como os desastres naturais, as perdas de safras e a propagação de doenças – atingem os mais pobres de forma mais dura, uma vez que alteram os preços dos alimentos, pondo em risco a segurança alimentar desta população, o que agrava as dificuldades já enfrentadas por ela. Se as políticas de mitigação não forem aplicadas, tal fenômeno incrementará a pobreza, por isso, é urgente que sejam tomadas medidas para diminuir as emissões dos gases de efeito estufa, ao mesmo tempo que se estabeleça ações de atenuação e adaptação para reduzir a vulnerabilidade das populações mais pobres.

A adaptação das comunidades pobres aos efeitos das mudanças não poderá ser enfrentada de um ponto de vista de políticas isoladas: são necessárias políticas integradas de desenvolvimento humano, institucional e financeiro, fundindo as áreas relacionadas ao ambiente, à energia, à economia e ao bem-estar social. (MARIANI, 2012, p.1) 82


3 . 2 A l i m e n ta ç ã o Como pontuado no item anterior, os efeitos da crise climática em curso agravam um problema há muito enfrentado pela população empobrecida: a dificuldade de acesso a alimentos em quantidade suficiente e qualidade adequada para uma vida saudável – e digna. No relatório divulgado em setembro de 2018 – “El Estado de la seguridad alimentaria y la nutrición en el mundo” -, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês) anunciou que, pelo terceiro ano consecutivo, houve aumento no número de pessoas que sofrem com a fome no mundo, chegando a 821 milhões – uma em cada nove. A Organização aponta as condições climáticas extremas como um dos fatores responsáveis pelo recente aumento da fome mundial, mas a pobreza continua sendo a causa principal desse mal. (FAO, 1974 apud SILVA, 2014) De acordo com a própria FAO (2016, apud IANDOLI, 2016), a produção mundial de alimentos é suficiente para suprir toda a demanda por comida e, consequentemente, acabar com a fome na Terra. Mas isso não acontece, porque, como bem expõem Bezerra e Schneider (2012), o que predomina é um modelo predatório de produção e consumo de alimentos em larga escala, baseado no emprego maciço de insumos químicos - como fertilizantes e agrotóxicos – e orientado para a obtenção de lucro a qualquer custo, inclusive da destruição dos recursos humanos e naturais. Diante disto, percebe-se que o problema da fome global não é causado exclusivamente pela disponibilidade de alimentos, mas deriva da pobreza de grande parte da população, que não tem acesso a esta comida. Como aponta Silva (2014), fome e pobreza estão estreitamente ligadas, como dois fenômenos que se influenciam de forma mútua: ao atingir principalmente a população mais pobre, a fome - advinda da ingestão de alimentos em baixa qualidade e/ou quantidade - implica deterioração da saúde e, consequentemente, compromete o desempenho produtivo e integração social de indivíduos, que, por sua vez - em um ciclo vicioso e perigoso -, determinam o acesso destas pessoas a bens e serviços para o suprimento das necessidades básicas, como alimentação, água, saúde e educação (JONSSON, 1989 apud SILVA, 2014).

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Os fatores determinantes da fome em uma sociedade praticamente se justapõem aos determinantes da pobreza, e vice-versa (SILVA, 2014 p. 11)

Ilustrando bem a relação entre fome e as desigualdades econômicas e sociais, Iandoli (2016) diz o seguinte:

Uma criança que vive na favela do Rio de Janeiro, por exemplo, está mais suscetível a passar fome e conviver com a insegurança alimentar do que uma outra criança que mora em um condomínio de luxo, três quarteirões de distância. Se a comida chega pra uma, também chega pra outra. A diferença é que uma pode compra-la, mas a outra não (IANDOLI, 2016 p.1) Cientes do vínculo entre a produção de alimentos voltada para o lucro, fome e desigualdades sociais, precisamos analisar como isso afeta a segurança alimentar e nutricional da população, tendo em vista que os mais pobres são, ainda, os mais vulneráveis neste contexto. Ao se dizer “segurança alimentar e nutricional”, reforça-se o caráter fundamental da alimentação, em quantidade e qualidade, para a garantia da sobrevivência humana. Começamos por entender as duas dimensões desse conceito: a alimentar se refere aos processos de produção, comercialização e disponibilidade de alimentos; e a nutricional diz respeito mais diretamente à qualidade desses alimentos e sua relação com a saúde humana1. No cenário atual das monoculturas e distanciamento da relação social entre produção e consumo, a padronização e homogeneização dos hábitos alimentares vem sendo reforçadas, representando riscos importantes em termos de saúde e qualidade dos alimentos. Quando falamos em garantir a segurança alimentar e nutricional da população, a preocupação com a toxicidade do que é produzido em larga escala - graças ao uso massivo dos agrotóxicos – se junta à apreensão a respeito da disseminação de alimentos industrializados - que não oferecem os nutrientes necessários para o desenvolvimento normal. (BEZERRA; SCHNEIDER, 2012)

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1

MACEDO et al., 2009; BURITY et al., 2010 apud SILVA, 2014)


A falta de renda é uma das mais sérias ameaças à capacidade das famílias em suprir suas necessidades alimentares, de modo que o preço dos alimentos acaba por definir o padrão de consumo destas pessoas, numa espécie de “superimposição” da indústria que potencializa o consumo de processados – mais acessíveis -, a despeito dos alimentos naturais e/ou orgânicos, geralmente mais caros. Assim, mesmo quando se tem acesso ao sustento, os mais pobres ainda estão muito suscetíveis à insegurança nutricional, uma vez que, quanto maior a carência, maior o peso dos gastos com alimentação sobre a renda total e menor a possibilidade de “escolha”. O combate à fome exige a criação de ações permanentes e estruturais de desenvolvimento local e sustentabilidade, que envolvam a colaboração entre produção e consumo, levando-se em conta o principal causador do problema: a pobreza. Para Caporal e Costabeber, é necessário contrapor o atual modelo de produção destrutiva com uma agricultura sustentável, a única capaz de produzir alimentos de elevada qualidade, na quantidade adequada, de forma permanente.

Decididamente, a segurança alimentar e nutricional sustentável não poderá ser alcançada sem a construção de uma agricultura também sustentável (CAPORAL; COSTABEBER, 2006, p. 7)

O projeto “Horta na Laje” é exemplo de política local – vinda da iniciativa popular - que pode contribuir nesta missão. O programa promove a educação ambiental, estimula a alimentação saudável e gera renda, mas ainda não atingiu todo seu potencial de transformação. Como se encontra hoje, é um protótipo de agricultura urbana que pode ser integrado às ideias da permacultura e trabalhado para atingir o objetivo de uma “Paraisópolis Sustentável”.

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Altern


ativas


4 . 1 P e r m a c u lt u r a Por ser o “Horta na Laje” um exemplo de agricultura urbana, é necessário que se compreenda, de forma geral, seus aspectos mais importantes, especialmente no que se refere às hortas urbanas em sua relevância histórica. Para isto, utilizamos a dissertação de mestrado de Rita Gonçalves Galvão Gonçalves (2014), engenheira agrônoma que aborda o assunto ao discorrer sobre o caso de Lisboa. De acordo com Gonçalves (2014), o constante aumento da população urbana em todo o mundo resultará na piora da qualidade ambiental das cidades. A progressiva ocupação dos espaços urbanos e a má gestão dos recursos naturais provocam a diminuição da disponibilidade de terra para cultivo, o que, por sua vez, compromete a segurança alimentar. Como alternativa para inverter esta situação, surgem as hortas urbanas, espaços agrícolas no interior e nas bordas das cidades, que podem contribuir significativamente para o seu desenvolvimento sustentável, fomentando segurança alimentar, geração de renda e criação de ambientes ecologicamente saudáveis. Hortas urbanas constituem um conjunto de atividades integrantes da agricultura urbana, conceito amplamente difundido, que emerge como alternativa em momentos de crises sociais. Antes da década de 1970, elas eram consideradas práticas transitórias, tentativas de solucionar a escassez de alimentos causada por guerras e crises econômicas. Fundamental para a segurança alimentar nos períodos conturbados da História (Figura 30), com o passar do tempo, esta prática ganha espaço e importância estética, social, ambiental e didática, de modo que, nos dias de hoje, representa fonte de subsistência e resposta a problemas ambientais (GONÇALVES, 2014). Esta atividade pode assegurar provisão de populações mais pobres, que têm a alternativa de consumir produtos frescos e saudáveis, poupando algum dinheiro, além da possibilidade de obter renda extra com a sua comercialização. A preocupação com o ambiente e a atividade recreativa e lúdica são outras motivações que também contribuem para o reaparecimento do movimento das hortas urbanas, que têm se tornado presença assídua no cotidiano das cidades e parte integrante de sua paisagem, sendo encontradas em espaços de gestão comunitária, ao longo de ruas ou até mesmo nas lajes de casas (GONÇALVES, 2014).

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30 - Jardim Schreber, em Leipzig

Fonte: Levenston

As hortas urbanas são, sem dúvida, enriquecedoras também para as relações humanas, biodiversidade e equilíbrio ecológico. Segundo McKelvey (apud GONÇALVES, 2014), elas estimulam a interação entre pessoas - ajudando na construção de coesão social e vitalidade, o que fortalece o sentido de vizinhança -, funcionam como instrumento educativo e apresentam a capacidade de modificar microclimas – já que sua prática diminui a temperatura do ar, melhora a qualidade atmosférica e proporciona níveis mais elevados de oxigênio, baixando os de dióxido de carbono, o que é essencial para a redução do efeito estufa. Apesar dos aspectos positivos das hortas urbanas, a atividade agrícola neste meio é, muitas vezes, considerada prejudicial. A sua prática incorreta pode levantar questões sobre poluição, qualidade sanitária e saúde das pessoas (MOUGEOT, 2000 apud GONÇALVES, 2014). Por esta razão, é importante que haja algum suporte técnico que oriente a população para implantação e manutenção adequadas destas hortas. Neste sentido, a fim de oferecer uma alternativa de expansão responsável do projeto “Horta na Laje”, apresentamos o conceito de Permacultura, desenvolvido por Bill Mollison e David Holmgren em 1978.

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De imediato, pode-se tentar definir a Permacultura pela semântica da palavra, que transmite a ideia de “cultura permanente”. Porém, tal termo não abrange todos os significados que este conceito carrega atualmente, não traduz a complexa concepção de sociedade sustentável – para além da agricultura – e pensamento sistêmico envolvidos nesta filosofia. Em “Introdução à Permacultura”, Mollison e Slay (1991) a definem como a integração sistêmica entre homem, sociedade e natureza, que abrange todos os aspectos do nosso ser e tem o cooperativismo como a melhor forma de organização. É uma estratégia de design que junta conhecimentos tradicionais à tecnologia da ciência moderna para a criação de ambientes humanos sustentáveis. O objetivo da permacultura é a elaboração de sistemas ecologicamente corretos e economicamente viáveis, que supram suas próprias necessidades, de modo a serem sustentáveis à longo prazo. Por ser uma filosofia de trabalho com a natureza, busca incentivar o uso dos recursos naturais abundantes, sem destruir a vida na Terra, estimulando práticas estruturadas para a automanutenção, diferente da agricultura moderna de latifúndios, que é totalmente dependente de energias externas. (MOLLISON; SLAY, 1991) No Livro “Uma alternativa para a sociedade: caminhos e perspectivas da Permacultura no Brasil” (2018), Ferreira Neto diz que esta é uma ciência voltada ao planejamento de assentamentos humanos sustentáveis, utilizada para desenhar espaços – de casas a cidades – sistematicamente relacionados, criando ciclos de benefício mútuo. A fim de gerar uma nova relação entre as pessoas e o ambiente que as cerca, a permacultura foi estruturada a partir de um conjunto de princípios orientadores: ela possui uma ética, doze princípios e quatro grandes eixos de trabalho. A ética da permacultura guia-se para o reconhecimento do valor intrínseco de tudo o que vive e é composta por três premissas: o cuidado com o Planeta Terra; o cuidado com as pessoas; e a distribuição justa de excedentes. Na prática da permacultura, todas as ações planejadas e executadas precisam considerar tais valores e premissas, para que se consolide seu papel como ferramenta portadora de intencionalidade. (FERREIRA NETO, 2018) Também foram definidos alguns princípios a serem usados como indicadores de projetos sistêmicos e funcionais, que conectam as esferas ambiental, social e econômica do desenvolvimento sustentável. Organizados e apresentados por David Holmgren, os 12 princípios são os da Figura 31:

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31- Éticas e Princípios da Permacultura

Fonte: Holmgren Design Services 91


32- Flor da Permacultura

tura

de ne

MANEJO DA TERRA E DA NATUREZA

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POSSE DA TERRA E GOVERNO COMUNITÁRIO

a

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ESPAÇO CONSTRUÍDO

Éticas e Princípios de Design

ECONOMIA E FINANÇAS

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FERRAMENTAS E TECNOLOGIA

CULTURA E EDUCAÇÃO SAÚDE E BEM-ESTAR ESPIRITUAL

o de uso

orks 2.5 Australia License. Para ver uma cópia desta licença, visite http://creativecommons. Suite 300, San Francisco, Califórnia 94105 , E.U.A.. A “flor da permacultura” foi adaptada de ção: Juliano Riciardi e Teresa Dominot. Cartaz Flor da Permacultura 1.0

Fonte: Holmgren Design Services 92


Finalmente, os eixos de trabalho são grandes áreas nas quais as ações e aprofundamentos são divididos, de modo a propor soluções alternativas para criação de uma cultura de sustentabilidade para cada uma delas: água, energia, habitação e alimentos. Essas áreas representam as necessidades humanas básicas, que precisam ser supridas de formas distantes das convencionais, tendo em vista a insustentabilidade que as caracteriza. Ferreira Neto (2018) sinaliza algumas tecnologias que, se incorporadas pela permacultura, podem fazer frente aos modelos postos: a bioconstrução, a agricultura orgânica e natural, as energias limpas e o manejo ecológico de água demonstram que é possível suprirmos nossas demandas materiais de formas mais responsáveis. Todos esses preceitos são graficamente resumidos pela “Flor da Permacultura” (Figura 32) que, num caminho evolucionário em espiral, reúne todos os campos de atividades necessários para a sustentação humana, iniciando por um nível pessoal e local em evolução para um nível coletivo e global. A estratégia é de reintegração e comprometimento com os ciclos de produção e consumo em torno da figura motivada de uma comunidade atuante. Em síntese, a permacultura não trata apenas de paisagens, jardins orgânicos, fazendas sustentáveis ou eficiência energética, mas pode – e deve – ser utilizada como ferramenta de projeto capaz de estabelecer, gerenciar e desenvolver iniciativas de indivíduos, famílias e comunidades em direção a um futuro sustentável de produção e consumo responsáveis, onde o senso de comunidade e diversidade são fortalecidos. Por estes motivos, ela se mostra como alternativa adequada para guiar o avanço do projeto das hortas de Paraisópolis, idealizado, erguido e mantido pelos moradores da favela paulistana, aqui neste Trabalho Final de Graduação estudado, discutido e planejado com a indispensável contribuição da Associação de Mulheres e União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis.

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4.2 NA Laje A permacultura pode ser vista como um modo de vida e organização duradouro que contribui para a construção de sociedades mais justas e sustentáveis. Contraditoriamente, acredita-se que exista certa elitização acerca deste conhecimento, que deveria, nas palavras de Ferreira Neto (2018), chegar às periferias dos grandes centros urbanos, aonde é especialmente necessária. Porque não atinge as parcelas marginalizadas da sociedade, a permacultura acaba não alcançando ampla difusão popular, o que põe em xeque seu potencial de transformação e levanta a questão: como proporcionar o acesso à permacultura também pelas camadas populares? Ainda de acordo com Ferreira Neto (2018), é importante frisar que a popularização da permacultura não se restringe unicamente à difusão do conhecimento, mas está especialmente atrelada ao empoderamento das camadas mais pobres, que se dá pelo contato com tal prática, hoje restrita a grupos socioeconomicamente favorecidos. Se trata de integrar essas pessoas como sujeitos fundamentais que

ao acessar a permacultura, ajudem a transformá-la, trazendo para dentro suas demandas, sua estética e todas as formas de contribuição que a tornem mais acolhedora e identificada também com esses segmentos historicamente marginalizados. (FERREIRA NETO, 2018; p. 116) No presente Trabalho Final de Graduação, busca-se intermediar a conexão entre a permacultura e a iniciativa popular, aplicando as práticas de uma para sanar as necessidades da outra. Os avanços de um projeto como o “Horta na Laje”, preocupado com o meio ambiente, sociedade e economia, precisam ser pautados por técnicas e conceitos que valorizem sua complexidade, desde a atenção às três dimensões do desenvolvimento sustentável até a importância do protagonismo popular para a iniciativa. Por acreditar que a proposta da permacultura é buscar soluções adequadas para contextos locais, partindo dos saberes e práticas populares, fazemos uso de sua metodologia para atender à demanda de expansão das hortas pela favela de Paraisópolis.

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A expansão do programa “Hortas na Laje” visa alcançar o maior número de pessoas possível, ultrapassando os limites da laje da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis, onde se concentra atualmente. Para atingir tal objetivo de forma efetivamente sustentável, responsável e duradoura desenvolvemos uma proposta centrada na ideia de integração sistêmica entre homem, sociedade e natureza, fundamental em projetos permaculturais. Para que os espaços sistemáticos de benefício mútuo se concretizem, duas coisas são essenciais: cooperativismo e tempo. O trabalho coletivo e autogerido, que envolve a construção desse sistema, possibilita trocas e fortalece os laços e relações comunitárias, mas não deve ser aplicado às pressas na esperança de resultados imediatos. Assim como não se apressa a natureza, não se estabelecem laços estáveis da noite para o dia. Num cenário ideal, as práticas permaculturais são graduais, aplicadas em fases, de modo a responder as demandas surgidas ao logo do processo. Por não dispormos deste tempo de maturação, nos preocupamos em desenvolver uma espécie de protótipo que, considerando a especificidade das relações estabelecidas nos espaços de Paraisópolis, busca reproduzir os benefícios que a integração bem estruturada das hortas a um sistema permacultural pode trazer à comunidade e seus moradores. A aplicação da permacultura neste contexto contribui para o desenvolvimento sustentável em todas as suas dimensões – ambiental, econômica e social. Na dimensão ambiental podemos destacar que as hortas urbanas oferecem a alternativa do cultivo de alimentos agroecológicos – cultivados sem o uso de agrotóxicos, de modo a preservar a diversidade biológica dos ecossistemas; favorecer o uso saudável do solo, da água e do ar; e reduzir o uso de recursos não-renováveis, por meio do reaproveitamento de resíduos de origem orgânica no próprio sistema -, além de contribuírem para o equilíbrio de microclimas, já que sua prática diminui a temperatura do ar, melhora a qualidade atmosférica e proporciona níveis elevados de oxigênio, baixando os de dióxido de carbono, o que é importante para a redução do efeito estufa. A comercialização dos alimentos produzidos de forma comunitária abre espaço para atividades econômicas coletivas, que geram renda e dinamizam a economia local ao alterar os padrões de vida e consumo dos moradores. Aliado a isso, ainda ocorre a redução dos preços dos alimentos produzidos dentro da própria favela, uma vez que o ciclo de produção e consumo passa a funcionar em uma área próxima, reduzindo os custos de transporte, por exemplo.

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No âmbito social, os benefícios são vastos. As hortas estimulam a interação e colaboração entre pessoas diferentes – ajudando na construção de coesão social e vitalidade, o que fortalece o sentido de comunidade – e também funcionam como instrumento educativo, ao promoverem um ambiente democrático de cooperação e troca de conhecimento. O cultivo agroecológico dentro da favela contribui também para a segurança alimentar e nutricional desta população, ao produzir alimentos de qualidade que podem ser distribuídos a preços acessíveis. Além de tudo isso, a estrutura verde nas lajes também melhora as condições de habitabilidade das edificações, funcionando como regulador de temperatura. Enfim, esta prática é benéfica para o bem-estar físico, mental e social não só de quem se envolve diretamente com ela, mas de toda a comunidade em que está inserida. Considerando este panorama geral de possíveis benefícios, estudamos alguns exemplos de manifestações permaculturais urbanas – prática muito relevante no Brasil pós anos 80 –, além de projetos de hortas aplicadas em lajes e terraços de todo o mundo, em busca de referencial para o exercício projetual de consolidação das hortas em Paraisópolis.

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97


estudos


de caso


5 . 1 P e r m a c u lt u r a i s C a s a E c o A t i va Iniciativa: Moradores da região Localização: Ilha do Bororé, extremo-sul de São Paulo, SP Sobre: A Casa EcoAtiva é um centro eco cultural - totalmente autossustentável -, situado às margens da Represa Billings, que promove agroecologia, atividades culturais e o desenvolvimento da comunidade através da biodiversidade local. O projeto realiza atividades voltadas para o desenvolvimento regional sustentável, como oficinas, saraus e mutirões de plantio, além de promover iniciativas tais quais os “Encontros Permaperifa”, que visam divulgar as práticas de permacultura para a comunidade local, e a “Comunidade que Sustenta Agricultura”, que oferece Cestas Orgânicas a preços justo aos moradores da região (Figuras 33, 34 e 35).

33 - Casa EcoAtiva

Fonte: Geovana Ramos 100


34 - Casa EcoAtiva

Fonte: Projeto EcoAtiva

35 - Cultivo Agroecolรณgico

Fonte: Kamilla Signorelli 101


M o r a d a N at u r a l Localização: Conceição de Rio Verde, MG Sobre: A Morada Natural é um projeto familiar que “busca formas de integrar a vida do ser humano em comunhão com os demais reinos da natureza”. É uma espécie de laboratório vivo, onde se pesquisa e experimenta tecnologias sustentáveis para a autossuficiência, como: bioconstrução e bioarquitetura, saneamento e manejo das águas, agroecologia, permacultura, bambu, energias renováveis, alimentação consciente, apicultura, ecoeducação, ecovilas, relações e convivência humana de cooperação e confiança. Dentro deste leque de assuntos, o projeto atua com: cursos, consultorias (comunidades, terrenos urbanos, edificações, áreas de produção de alimentos, áreas para recuperação) e projetos técnicos de bioarquitetura, saneamento ecológico e paisagismo produtivo (Figuras 36 e 37).

36 - Morada Natural

Fonte: Pedro Torres 102


37 - Bioconstrução

Fonte: Zélo Piva 103


Veracidade Localização: São Carlos, SP Sobre: A Associação Veracidade tem o objetivo de transformar a realidade urbana a partir da permacultura, agroecologia, educação ambiental crítica e economia solidária, apontando para a construção de sociedades sustentáveis através de ações que promovem o acesso às necessidades materiais à vida humana. Em sua sede há um laboratório de boas práticas socioambientais a disposição da comunidade. A ideia é colocar tais tecnologias a prova, de modo a entender suas potências, limites, dificuldades e detalhes. A chamada Casa Ecológica abriga coisas como: horta orgânica, sistema agroflorestal, compostagem, energia solar fotovoltaica, captação de água da chuva, banheiro seco, forno a lenha e bioconstrução (Figuras 38 e 39). Com a missão de ser uma ferramenta de organização popular para pautas socioambientais, a associação promove cursos, oficinas e projetos que pretendem rediscutir o território urbano: ƬƬ Agro é floresta: Implementação de Sistemas Agroflorestais em Minas Gerais; ƬƬ Plano popular de regularização fundiária e urbanização do Jardim Nova Esperança; ƬƬ GIRO – Gestão Integrada de Resíduos Orgânicos; ƬƬ MUTS – Moradias Urbanas com Tecnologia Social (em Rio Claro, Rio Branco, Registro e Taubaté); ƬƬ Uma horta pra chamar de minha: Hortas urbanas em terrenos urbanos ociosos.

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38 - Casa Ecolรณgica

Fonte: Veracidade

39 - MUTS - Rio Claro

Fonte: Veracidade 105


5 . 2 H o r ta s u r b a n a s P R O G R A M A P A R I S C U LT E R S Nos últimos anos, as autoridades de Paris promoveram uma série de iniciativas para tornar a cidade mais verde e, assim, enfrentar seus problemas ambientais. Dentre elas se destaca o plano “Parisculteurs”, lançado em 2016 pela capital francesa em colaboração com agricultores, arquitetos, artistas, empresas, jardineiros e organizações da sociedade civil. Com o objetivo de ter novos 100 hectares de áreas verdes na cidade até 2020, o programa vem realizando chamadas de projetos que farão dos edifícios parisienses locais mais verdes e aptos para o desenvolvimento da agricultura urbana. As chamadas buscam selecionar iniciativas de cultivo em telhados, fachadas, muros, paredes e até sob viadutos da cidade. Desta forma, são escolhidos os projetos a serem desenvolvidos nos prédios de Paris, como os que buscaram ocupar as coberturas da Escola Bercy e do edifício administrativo do Centro Pompidou.

L a T r av e s i n e Autoria: Dessine L’espoir Local: terraço da escola primária de Bercy, em Paris. Área: 200 m² Sobre: Projeto de horta que tem como premissa a economia de água, materiais e energia. Combina agricultura e descoberta de outras culturas, com produção anual esperada de 500 kg de frutas, legumes e flores, que serão distribuídos no bairro (Figuras 40 e 41).

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40 - Escola Bercy: La Travesine

Fonte: Dessine L'espoir/Pariscultures

41 - La Travesine

Fonte: Dessine L'espoir/Pariscultures 107


Quando o jardim se convida para o museu Autoria: My Green City Local: telhado de um edifício administrativo do Centro Pompidou, localizado em frente ao museu, em Paris. Área: 280 m² Sobre: O projeto propõe o desenvolvimento de ambientes diversificados no telhado, misturando os usos de lugar de relaxamento e horta participativa. Já que será visível aos visitantes da Grande Galeria do Centro Pompidou, a ideia é que o terraço do escritório se transforme em uma extensão do museu, um espaço de exposição de obras de arte (Figuras 42 e 43).

42 - Escritório do Bairro do Relógio

Fonte: My Green City/Paisculteurs

43 - Quando o Jardim se convida ao Museu

Fonte: My Green City/Paisculteurs 108


TELHADO VERDE Iniciativa: Shopping Eldorado Local: cobertura do Shopping Eldorado, em São Paulo Sobre: Em 2012, o Shopping Eldorado, em São Paulo, decidiu implementar uma composteira em sua cobertura, oferecendo destino adequado aos mais de 400 kg de resíduos gerados em sua praça de alimentação. O chamado “Telhado Verde” permitiu ao shopping transformar grande parte dos dejetos em fertilizante, que é aplicado em uma horta orgânica, também localizada na parte superior do edifício. Nesta horta, cultiva-se vegetais e hortaliças completamente livres de pesticidas, produção que é destinada aos colaboradores do shopping. A cobertura verde ainda ajuda a diminuir o consumo de energia elétrica e água do local, uma vez que ameniza a temperatura interna - reduzindo o consumo de energia com ar-condicionado –, reutiliza mais de 100 mil litros de água na rega das hortas e redireciona a água da chuva para os banheiros do prédio (Figuras 44).

44 - Telhado Verde

Fonte: Brasil

Shopping

Eldorado/Archdaily

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WINDOWFARMS Iniciativa: Windowfarms Local: janelas de casas, escritórios ou apartamentos. Projeto piloto realizado em Nova Iorque. Sobre: Projeto social e ambiental que busca incentivar a sustentabilidade nos espaços urbanos e o cultivo de alimentos durante todo o ano, a partir a implementação de hortas inteligentes no interior de edifícios. Através de ações conjuntas em comunidades, os jardins verticais - produzidos com materiais recicláveis – são estrategicamente dispostos nas janelas de casas e escritórios, aproveitando a luz natural, essencial para a saúde das plantas cultivadas (Figura 45). As Windowfarms usam uma técnica de cultivo livre de sujeira chamada hidroponia, que permite o desenvolvimento das plantas sem a utilização de solo, uma vez que elas são nutridas por solução aquosa com todos os elementos essenciais para o seu crescimento. Num sistema que envolve a utilização de tubos e bombas, um temporizador e recipientes para as plantas em crescimento, a água é bombeada da base ao topo e, percorrendo lentamente todo o sistema, encharca as raízes.

45 - Windowfarms

Fonte: Windowfarms/Archdaily Brasil 110


PUBLIC FARM 1 Autoria: Work Architecture Company (WORKac) + MoMa Local: Cobertura do edifício do PS1 Contemporary Art Center, em Nova Iorque. Sobre: Desenvolvida em 2008 com a intenção de criar espaços verdes alternativos na cidade de Nova Iorque, a instalação – localizada num polo urbano de entretenimento e educação - buscou incentivar a relação das novas gerações com os espaços urbanos, ao mesmo tempo que trabalhou na conscientização sobre um estilo de vida amigável com o meio ambiente. A construção da horta (Figura 46) utilizou materiais reutilizáveis e biodegradáveis, como tubos de papelão que serviram de jardineiras. Cada um destes tubos possuía um sistema de irrigação conectado a uma cisterna coletora de 6000 galões, abastecidos por águas pluviais. Bombas de irrigação alimentadas por energia solar distribuíam água entre as jardineiras. Durante o tempo de funcionamento da instalação, foi possível observar o crescimento das diversas espécies de plantas e verduras cultivadas e perceber a importância dos espaços verdes no desenvolvimento urbano.

46- Public Farm 1

Fonte: WORKac e MoMa/Archdaily Brasil 111


proposta


projetual


6 . 1 r e d e p e r m a c u lt u r a l Considerando a potencial contribuição da Permacultura para a efetivação da Paraisópolis Sustentável, seus princípios e práticas foram aplicados na elaboração de um protótipo de rede permacultural: um sistema democrático de cooperação e troca de conhecimento, que cria ciclos de benefício mútuo ao relacionar sistematicamente os espaços da favela e envolver os moradores na implantação e manutenção de uma rede de hortas urbanas. O fator fundamental desta rede permacultural é a conexão – dos moradores entre si e para com o espaço que ocupam. Como vimos no decorrer deste trabalho, no contexto de Paraisópolis, os laços de vizinhança são essenciais para a sobrevivência da comunidade, os contatos pessoais e experiências cotidianas entre os diferentes grupos sociais proporcionam a vida sociocultural da favela. Esse associativismo será importante também para a consolidação do sistema proposto, que só se efetivará pelo trabalho cooperativo e harmonioso dos moradores. Pretendemos estabelecer um ciclo completo e equilibrado de produção e consumo sustentáveis, que funcione num esquema autossuficiente, em que as demandas sejam supridas por recursos provenientes do próprio sistema. Para isto, é importante compreender as relações postas neste contexto e reconhecer as potencialidades locais, utilizando da ferramenta de zoneamento, para classificar as áreas do espaço trabalhado, enumerando-as de acordo com a complexidade e frequência das atividades nelas desenvolvidas. Partimos então da observação atenta do local, procurando entender as relações dos moradores com os espaços de Paraisópolis. A Figura 47 mostra o resultado desta investigação e evidência aspectos importantes, como: o forte adensamento da área e a infraestrutura disponível – que envolve a presença de equipamentos de saúde e educação, além do comércio local, organizações populares e centros religiosos.

114


47- Paraisópolis e equipamentos

Saúde Educação Centros religiosos Organização popular Mercados , bares e restaurantes

Fonte: da autora

Cursos d’água

115


A partir daí, estabelecemos as zonas de acordo com o fluxo energético das áreas, compatibilizando ofertas e demandas, de modo a completar o clico da autossuficiência. Condorme Figura 48, foram fixadas seis zonas (numeradas de 0 a 5) de complexidades distintas e interdependentes, que suprem as necessidades umas das outras. As Zonas 0 concentram o cultivo de hortaliças, ervas e flores, que são preparadas e distribuídas nas Zonas 1, os pontos de troca, onde se estabelece forte relação de proximidade com a comunidade local, que tem contato aprofundado com as práticas permaculturais nas Zonas 2, locais de experimentação, que possibilitam a investigação de novas técnicas, apresentadas nos pontos de referência, ou Zonas 3, tão frequentes quanto as Zonas 4, que oferece matéria prima para a estruturação dos equipamentos utilizados em todas as outras, reduzindo o uso de materiais externos e, consequentemente, a geração de resíduos, inadequadamente descartados nos córregos, onde serão instaladas as Zonas 5, ilhas flutuantes que auxiliam no processo de despoluição de cursos d’água. Como um sistema colaborativo projetado para autossuficiência, a interdependência entre as diferentes zonas aparece como ferramenta fundamental para a consolidação da prática permacultural neste cenário idealizado.

116


48- Zoneamento - Rede Permacultural

Zona 0: Hortas domésticas Zona 1: Postos de troca Zona 2: Experimentação Zona 3: Referência Zona 4: Silvicultura

Fonte: da autora

Zona 5: Ilhas Flutuantes

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Z o n a 0 : H o r ta s d o m é s t i c a s As hortas domésticas são o elemento central do sistema, o primeiro passo na busca pela Paraisópolis sustentável, sem as quais a rede permacultural aqui proposta deixa de fazer sentido, uma vez que boa parte de suas atividades se concentra na manutenção das hortas e manejo do que produzem. Dada sua importância, elas estão presentes em todas as zonas, mas há uma destinada especialmente para o cultivo das hortaliças, ervas e flores, a Zona 0, que ocupa os espaços das moradias: lajes, beirais, paredes e quintais de todos os tipos podem receber a estrutura simples das hortas e integrar a rede comunitária de trocas e conexões. O trabalho colaborativo nesta zona promove a diversidade da produção e o fortalecimento das relações entre vizinhos, que passam a se esforçar por um objetivo comum, o bem-estar coletivo. Os locais que integram a Zona 0 não demandam estruturas complexas e dispendiosas, o cultivo das hortaliças exige, basicamente, boas condições de ventilação e iluminação, aliadas à adequada manutenção dos canteiros, o que abre caminho para as mais variadas formas de plantio: hortas baixas, elevadas, horizontais, verticais ou até em espiral são alternativas interessantes. Em busca de um sistema simples, eficiente e acessível, projetamos módulos para hortas horizontais e verticais – construídos com material proveniente das silviculturas da Zona 4 -, que podem ser montados e dispostos de diversas formas, se adequando às possibilidades dos moradores que querem ter uma horta em casa.

M ó d u l o H o r i z o n ta l : As peças de bambu, previamente cortadas e preparadas (em pontos de apoio especializados, como a Zona 1), se encaixam e formam o módulo básico de 1 m², que pode ser repetido e disposto de acordo com a demanda, resultando em canteiros de configurações diversas. Alguns elementos deste módulo podem ser alterados a fim de melhor atender à demanda dos produtores, como a profundidade para o substrato e altura de elevação dos canteiros, por exemplo. Uma lona plástica separa o substrato da estrutura de bambu e age como condutor da água residual da rega, possibilitando a coleta e reutilização deste elemento no sistema (Figura 49).

118


49- Mรณdulo para horta horizontal

1m Substrato

Esteira em bambu Guadua

Estrutura em bambu Guadua

1m

Lona de preparo

1m

Fonte: da autora 119


Módulo Vertical:

Um quadro de madeira – produzida nas silviculturas da Zona 4 -, garrafas PET, tubos de PVC, mangueira e alambrado são os materiais necessários para a montagem das hortas verticais, uma alternativa de cultivo mais compacta. As mudas são plantadas nas garrafas cortadas e presas ao quadro de madeira, que conta com o alambrado para a sustentação das folhas de ramos maiores. O alinhamento das garrafas permite a eficiência do sistema de irrigação, que consiste no reaproveitamento do excesso de água utilizada na rega: deposita-se água na parte mais alta, de modo que o líquido excedente caia, nutrindo as que estão abaixo, até chegar ao reservatório no último nível, ligado a uma mangueira que leva esta água de volta ao início do sistema. (Figura 50).

120


50- Mรณdulo para horta vertical

Alambrado

Madeira

2m

Garrafa PET

0,8

m

Mangueira

Cano de PVC

Fonte: da autora 121


51- Representação Zona 0

122


Fonte: da autora 123


ZONA 1: Postos de troca

Grandes quantidades de hortas domésticas, que pretendem funcionar colaborativamente, necessitam de pontos de apoio que promovam a organização efetiva dos moradores. A Zona 1 existe justamente para atender a esta demanda. Tais espaços de concentração estão sempre na vizinhança próxima às zonas 0, viabilizando o escoamento de sua produção. As hortas domésticas ainda podem estar presentes nestes locais, mas sua atuação como ponto de apoio é essencial para a manutenção do sistema. Em espaços como estes são distribuídos os kits para as hortas – módulos de canteiros e mudas; a matéria orgânica da vizinhança é destinada à compostagem; alimentos cultivados no entorno são desidratados, embalados e vendidos. É aqui o contato mais efetivo da comunidade geral com o sistema permacultural, pois envolve o cotidiano e afeta diretamente a população como um todo, inclusive os que não têm uma horta para chamar de sua. Esta ainda é uma área altamente produtiva, que atende às demandas do entorno imediato contando com estrutura para processamentos primários, como bancadas, fornos, berçários, composteiras e desidratadores solares. Neste contexto, desenvolvemos modelos de alguns destes equipamentos, utilizando-nos, principalmente, da matéria prima cultivada nas áreas de Zona 4.

Berçário: Os berçários seguem a mesma estrutura básica dos módulos para hortas horizontais. As peças de bambu são preparadas e montadas para receber as mudas, que podem ser plantadas em materiais diversos, como copos plásticos e vasos, por exemplo (Figura 51).

124


52- Berçário

Berçário de borracha Bambu Guadua

1m

1m

Fonte: da autora 125


Composteira: Por ser uma estrutura destinada à decomposição de materiais orgânicos, a madeira e o bambu, provenientes das silviculturas, não podem ser matéria prima das composteiras. Há diversos modelos de composteiras, que utilizam de galões de água a baldes velhos para transformar o lixo orgânico em húmus. No nosso caso, optamos por caixas plásticas, que se sobrepõem em 3 níveis, destinados à deposição da matéria orgânica e recolhimento do chorume resultante da decomposição (Figura 52).

D e s i d r ata d o r s o l a r :

Os desidratadores são caixas de madeira, revestidas internamente com material refletor (papel alumínio), com porta e tampos de vidro, que permitem a entrada e retenção da luz e calor solares (Figura53).

53- Composteira Tampa plástica

Depósito de resíduos domésticos 1

Depósito de resíduos domésticos 2

Coleta de chorume

1m

5m

0,4

0,15m

Recipientes plásticos

Torneira

Fonte: da autora 126


54- Desidratador solar

Superfície de reflexão

1m

Madeira

Porta de Vidro

1m

Tampo de Vidro

Grelha

0,6

0m

Fonte: da autora 127


55- Representação Zona 1

128


Fonte: da autora 129


Tampa Su

Z O N A 2 : E x p e r i m e n ta ç ã o Locais de investigação e aprendizado, as Zonas 2 estão distribuídas de forma pulverizada, alocadas em edificações com maior área, estrutura e poder de atração, como escolas, instituições e igrejas, por exemplo. Estes são os espaços que abrigam reuniões e pequenos eventos ligados a sustentabilidade, além de canteiros experimentais para novas práticas. Para fins educacionais e experimentais estes lugares também receberão produções mais complexas e farão uso de equipamentos como fornos, fogões, composteiras grandes, hortas em espiral e meliponários. Projetamos um modelo de meliponário que viabiliza a criação de espécies de abelhas sem ferrão, essenciais para a polinização da região, produção de mel, além da comercialização dos próprios enxames.

Melg

Mel

Sobre

Meliponário:

A estrutura em bambu forma um abrigo para os enxames repousados sobre as prateleiras de madeira. Toda a estrutura é permeável, contando apenas com alambrados de segurança instalados em suas laterais (Figuras 54 e 55).

Tampa Superior

56 - Caixa de Abelhas

6m

0,0

Melgueira 1

0,39m

Melgueira 2

Sobre-Ninho

Ninho

Base Ninho 1

Fonte: da autora Porão

130

9m

0,1

Base


57- Meliponรกrio Cobertura de Bambu Guadua

Alambrado

Prateleira de madeira

Estrutura de Bambu Guadua

2,30m

1,5

2,50m

0m

0m

2,2

Fonte: da autora 131


58- Representação Zona 2

132


Fonte: da autora 133


ZONA 3: referência As Zonas 3 são os pontos de referência da rede, elas centralizam os ideais do programa e usam de sua infraestrutura e influência para aprimorar as práticas permaculturais do sistema. Delimitamos quatro pontos para desempenhar esta função: a unidade local do Hospital Albert Einstein, a Etec Abdias do Nascimento, o CEU Paraisópolis e as sedes da Associação das Mulheres e da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis - as duas últimas especialmente importantes por criarem o projeto “Horta na Laje”. A estrutura destes locais é ideal para abrigar equipamentos mais complexos - como prensa de tijolos, processador de alimentos, filetadores de garrafas PET e fogões industriais –, que atendam demandas específicas sem comprometer as atividades já realizadas pelas instituições em questão.

Z O N A 4 : S i lv i c u lt u r a As zonas 4 são espaços residuais visitados com baixa frequência, que serão destinados à silvicultura: o aproveitamento, exploração e manutenção racional dos espaços verdes, podendo-se criar determinadas espécies de plantas, com o interesse ecológico, científico, econômico e social. Para suprir as necessidades da rede permacultural – construção dos equipamentos propostos e possível comercialização da matéria prima-, serão cultivados o Bambu Guadua angustifólia e árvores da espécie Tectona grandis, conhecida como Teca.

ZONA 5: Ilhas flutuantes Para as áreas de córregos a céu aberto, propomos um tratamento alternativo com ilhas flutuantes - construídas de garrafas PET e material geotêxtil -, onde serão cultivadas espécies de plantas aquáticas, como os aguapés (Eichornia Crassipes), uma “peneira natural” que se alimenta de resíduos orgânicos – lixo e esgoto -, ajudando na despoluição do córrego, ao impedir que esses resíduos se decomponham em seus cursos d’água (Figura 56).

134


59- Ilha Flutuante 1m

0m

0,6

Garrafa PET

Estrutura GeotĂŞxtil

Ancoragem

Fonte: da autora 135


60- Representação Zona 3

136


Fonte: da autora 137


61- Representação Zona 4

138


Fonte: da autora 139


62- Representação Zona 5

140


Fonte: da autora 141


FINAIS


O desenvolvimento desta monografia me ajudou a perceber que as dificuldades enfrentadas nas periferias e favelas de São Paulo resultam das dinâmicas de sua formação, que seguiram os interesses dos mais abastados. Finalmente encontrei explicação para as angústias sentidas no dia-a-dia dos bairros pobres da metrópole mais rica do país: a cidade é fragmentada e a população, dividida de acordo com sua riqueza – ou falta dela. Os espaços públicos, que deveriam proporcionar a integração e tolerância, vêm sendo esquecidos, “implodidos” e o medo nascido do preconceito ganha corpo e forma cada vez mais assustadores. Mas isso não é tudo, o contato com a União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis foi fundamental para evidenciar a força das pessoas que lutam por soluções para os problemas que o Estado se nega a enfrentar. Contando apenas umas com as outras, elas se organizam em busca de educação, saúde, emprego, lazer, enfim, da qualidade de vida e dignidade a que têm direito. Ocupam os becos, vielas e lajes da favela e direcionam esforços na elaboração de projetos inovadores - como o “Horta na Laje” -, que nascem da criatividade dos moradores, os verdadeiros agentes de transformação do espaço em Paraisópolis. Ouvir aqueles que estão à frente de projetos tão importantes na maior favela de São Paulo despertou em mim a vontade de somar esforços na busca por reconhecimento e apoio para estas iniciativas nascidas na própria favela. Minha intenção nunca foi impor algo que, como futura Arquiteta e Urbanista, eu entendesse como ideal para estes locais, pelo contrário, desde o início das pesquisas procurei reconhecer as manifestações populares e entender onde eu poderia contribuir com as habilidades técnicas adquiridas ao longo do curso. Felizmente, o projeto das hortas apareceu como uma oportunidade de colocar em prática esta intenção. Social, econômica e ambientalmente responsável, o programa tem inegável relevância para a vida de muitas moradoras de Paraisópolis, além de ser um potencial exemplo de sustentabilidade e segurança alimentar para o resto da cidade. O presente Trabalho Final de Graduação foi desenvolvido para contribuir com a disseminação deste projeto, as discussões e propostas apresentadas pretendem ser mais um passo na busca pela Paraisópolis Sustentável, que se concretizará pela força e ação de seus moradores.

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refer ĂŞncias


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