Habitação, Gênero e Domesticidade na Rússia Soviética (1905-1964) - TFG FAU USP

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HABITAÇÃO, GÊNERO E DOMESTICIDADE NA RÚSSIA SOVIÉTICA 1905-1964 CRISTIANE NANAMI ITO ORIENTAÇÃO: FLÁVIA BRITO DO NASCIMENTO

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 2021


Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação Publicação Catalogação nana Publicação ServiçoTécnico Técnicode deBiblioteca Biblioteca Serviço Faculdade Arquiteturae eUrbanismo Urbanismoda daUniversidade Universidade de de São São Paulo Faculdade dede Arquitetura Paulo Ito, Cristiane Nanami Habitação, Gênero e Domesticidade na Rússia Soviética (1905-1964) / Cristiane Nanami Ito; orientadora Flávia Brito do Nascimento. - São Paulo, 2021. 254. Trabalho Final de Graduação (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. 1. Habitação. 2. Rússia Soviética. 3. Gênero. 4. Domesticidade. I. Nascimento, Flávia Brito do, orient. II. Título.

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HABITAÇÃO, GÊNERO E DOMESTICIDADE NA RÚSSIA SOVIÉTICA 1905-1964 CRISTIANE NANAMI ITO ORIENTAÇÃO: FLÁVIA BRITO DO NASCIMENTO

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 2021


СПАС И Б О ! AGRADECIMENTOS


Dedico este trabalho a minha avó Kazuko, que partiu um pouco antes de me ver arquiteta. Agradeço À minha família, por todo o apoio e amor, sempre. À Flávia, pela orientação impecável e por ter aceitado mergulhar comigo no universo soviético. À Joana e Sabrina, pela participação na banca. À Vivi, por se dispor a revisar este trabalho e estar sempre presente. Ao Rafael, pelo companheirismo, carinho e paciência. Aos amigos que a FAU me deu, em especial, Cris, Fla, Lari, Tici, Pedro, Karininha e Clau. Ao Nico, minha companhia em São Paulo e em Lisboa. Ao Novais, por compartilhar dos meus ideais e devaneios. Por fim, a todos que lutaram e lutam por um mundo sem distinções de classe, gênero e raça.


АБ СТ РА К ТНЫЙ RESUMO ABSTRACT The subjects of female emancipation and the role of the woman are part of a discussion that had been present during the entirety of the Soviet period. This debate reflected directly in the ways of life and in architecture, especially in the relation of women and home. This research seeks to understand the association between housing development, the governmental guidelines on architecture and the conception of the role of the socialist women in Soviet Russia since the revolutions to the Khrushchev Government. For that, it aims to study how the transition between three main stages took place: the post-revolutionary period of the Vanguards, marked by social condensers and a legislation based on women emancipation; the Stalin Government period, noted by the emphasis on militarization and industrialization, the Socialist Realism as the government's official architectonic guideline and a legislation focused on the nuclear family; and at last, Khrushchev's Government Modernism, in which the mass post-war housing production and politics of "de-stalinization" happen. Thus, it tries to perceive the complexity of architectonical and social phenomena and its reflection on housing development, with emphasis on the women question and the ways of life. Keywords: Housing, Soviet Russia, Domesticity, Gender


A questão da emancipação feminina e o papel da mulher fizeram parte de uma discussão que esteve presente durante todo o período Soviético. Esse debate teve reflexão direta nos modos de morar e de projetar, no que tange a relação entre a mulher e a casa. A pesquisa se propõe a compreender a relação entre a produção habitacional, as diretrizes governamentais sobre arquitetura e a concepção do papel da mulher socialista na Rússia Soviética, desde as Revoluções até o final do Governo Khrushchev (1905-1964). Para isso, objetiva estudar como se deu a transição entre três momentos principais: o período pós-revolucionário das Vanguardas, marcado pelos condensadores sociais e uma legislação pautada na emancipação feminina; o período do Governo de Stalin, notado pela ênfase na militarização e industrialização, o Realismo Socialista e uma legislação voltada à família nuclear; e, por último, o Modernismo do Governo Khrushchev, em que há a massificação da produção habitacional pós-guerra e uma política de “desestalinização”. Dessa maneira, busca-se perceber a complexidade dos fenômenos arquitetônicos e sociais e seus reflexos na produção habitacional, com ênfase na questão feminina e modos de morar. Palavras-chave: Habitação, Rússia Soviética, Domesticidade, Gênero


И Н Д ЕКС ÍNDICE


INTRODUÇÃO 10 AS REVOLUÇÕES CONTEXTO HISTÓRICO E POLÍTICO 14

As Revoluções Russas de 1905 e 1917 16

A Mulher Soviética e o Jenotdel 24

O Novyi Byt e a emancipação feminina

Arquitetura e Revolução: Panorama arquitetônico e as organizações de vanguarda

A morada socialista e a criação do Stroykom

32 34

56

NARKOMFIN TRANSIÇÃO E EXPERIMENTAÇÃO 62

A estatização do trabalho doméstico e os estudos do Stroykom sobre a cozinha

Unidades Stroykom A, B, C, D e F

Narkomfin: Experimentação

Narkomfin: Transição 110

64

78

86

O REALISMO SOVIÉTICO DEBATE SOBRE A ARQUITETURA NACIONAL E RETORNO DA FAMÍLIA NUCLEAR 124

A Perestroika Cultural de Stalin

O Edifício na Rua Mokhovaya e os interiores das Stalinkas

Políticas familiares em Stalin e inversão de valores

126 136

146

ERA KHRUSHCHEV HABITAÇÃO NA ERA ESPACIAL 158

Dos Kommunalki às Krushchevki 160

As Khrushchevki e a era Espacial 174

Uma família, um apartamento

O Way of Life Comunista

A cozinha de Khrushchev e o Kitchen Debate

Adeus, Khrushchevki! De Novye Cheryomushki à demolição em massa 202

178

184

CONSIDERAÇÕES FINAIS 214 CRONOLOGIA 218 REFERÊNCIAS 235 FIGURAS 243

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ВСТ У П Л Е Н И Е INTRODUÇÃO


11 INTRODUÇÃO

A experiência soviética é, até hoje, objeto de fascínio e alvo de críticas. Entretanto, o seu valor histórico é inegável quando o assunto é a emancipação feminina. A Revolução que derrubou o Tsarismo e instaurou o governo Socialista aconteceu em um país em que a grande maioria da população morava no campo e era extremamente religiosa. A primeira Constituição Soviética, de 1918, é considerada por alguns estudiosos a legislação mais abrangente e avançada da época (REIS, 2017, p. 185) e, atualmente, alguns dos direitos garantidos às mulheres soviéticas há mais de 100 anos, como a legalização do aborto, ainda são reivindicados pelos movimentos feministas (SENNA, 2016, p. 127). Dessa maneira, a população feminina russa obteve outro patamar social de direitos e de igualdade de gênero. Porém, assim como afirmou Marx, uma sociedade que acabou de sair do capitalismo traz “de nascença as marcas econômicas, morais e espirituais herdadas da velha sociedade de cujo ventre ela saiu” (apud LENIN 2017, p. 117). Enfim, “Reina uma igualdade aparente” (LENIN, 2017, p. 117). Às marcas de nascença de uma sociedade que sai do ventre do Tsarismo, soma-se um contexto histórico conturbado. Das Revoluções Russas até o final da era Khrushchev – recorte temporal escolhido para este trabalho – aconteceram: a Primeira Guerra Mundial, as Guerras Civis pós-Revolucionárias, a morte de Lenin e a escolha de Stalin para Secretário Geral do Partido, a Segunda Guerra Mundial e a Grande Guerra Patriótica, a morte de Stalin, a política de “desestalizinação” de Khrushchev e, por fim, a Guerra Fria.


O estudo da arquitetura do período demonstra uma produção

diversa e uma transição tipológica atrelada às diretrizes do governo. Nos quase 60 anos de história abordados nesete trabalho, de 1905 a 1964, a arquitetura soviética passou por três importantes movimentos: a Vanguarda Construtivista, o Realismo Socialista e o Modernismo Soviético. Nesse sentido, a Rússia Soviética foi palco de diversos experimentos de produção habitacional estatal, que estavam atrelados diretamente à discussão sobre o novo homem e a nova mulher socialistas. Por último, o papel da mulher também sofre modificações nesta trajetória. Primeiramente, a discussão gira em torno da emancipação total da mulher trabalhadora, extinção da família e estatização do trabalho doméstico. Depois, o centro das políticas natalistas passa a ser a família nuclear e o papel da mulher como mãe e esposa volta a ser reforçado. No terceiro período, há uma retomada dos valores revolucionários, porém o ideal da família nuclear permanece. Resumidamente, este trabalho tenta compreender as contradições e complexidades de uma sociedade de passado conservador em transição para um regime de ideais revolucionários e conjuntura política conturbada, em especial, como esses fatores influenciaram na habitação, na questão de gênero e nos modos de morar. Tendo em vista que o espaço residencial e a domesticidade são importantes fontes documentais, e a análise da escala cotidiana pode revelar muito sobre a história da arquitetura e da sociedade, foram escolhidos três edifícios a serem estudados a partir do contexto histórico e social em que estão inseridos: o Narkomfin, de Moisei Ginzburg, a casa na Rua Mokhovaya, de Ivan Zholtovksy, e o Microrayon de Novye Cheryemuski – especificamente a série habitacional K-7 – projeto liderado por Natan Osterman.


13 INTRODUÇÃO

Esse trabalho está dividido em quatro capítulos. O primeiro capítulo refere-se ao período das Revoluções, seu contexto histórico, político e arquitetônico. O segundo é dedicado inteiramente ao Narkomfin, desde seu desenvolvimento até a atualidade. O terceiro capítulo aborda o debate sobre a arquitetura nacional e o papel da mulher na era Stalin. Já no quarto e último capítulo, há uma retomada aos modos de morar pós-revolucionários – muito presentes na cultura soviética no final dos anos 1950 –, para então abordar a produção habitacional massificada da era Khrushchev, a atmosfera da Guerra Fria, seus desdobramentos na casa e o projeto de demolição em massa contemporâneo.



AS REVOLUÇÕES CONTEXTO HISTÓRICO E POLÍTICO

CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

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ГЛАВА ПЕРВАЯ

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AS REVOLUÇÕES CONTEXTO HISTÓRICO E POLÍTICO

As Revoluções Russas de 1905 e 1917

As Revoluções Russas de fevereiro e outubro de 1917 fizeram

parte de um processo amplo que se iniciou em 1905 e culminou no fim do Tsarismo. Apesar da Revolução representar um fenômeno de ruptura e transição de um regime autocrático para o Socialismo, a compreensão da história como processo contínuo é essencial para o entendimento de todas as contradições que permearam o processo revolucionário e o período socialista na Rússia.

Para Daniel Aarão Reis (2017, p. 17), recuperar os acontecimen-

tos da revolução de 1905 é importante para a compreensão de experiências de luta e organização que seriam retomados em 1917. O massacre do Domingo Sangrento, em janeiro de 1905, simbolizou o início de uma série de revoltas populares e evidenciou a insatisfação popular em relação às contradições sociais e políticas do Tsarismo. A passeata pacífica dos trabalhadores – por “anistia, liberdades cívicas, salário normal, entrega progressiva da terra ao povo, convocação de uma Assembleia Constituinte eleita por sufrágio universal e igual” (LENIN, 1917 apud SENNA, 2016, p. 118) – até o Palácio de Inverno, onde morava Nicolau II, foi recebida a tiros de metralhadoras. Segundo Alessandro de Moura (2014 apud SENNA, 2016, p. 119), o marco do início da revolução de 1905 demonstrou uma mudança de método da população: diferente das greves, que se voltavam aos patrões, agora os trabalhadores voltavam-se diretamente ao governo.

Fig. 1 Barricadas da Rua Arbat, em Moscou. 1905.

CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

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ГЛАВА ПЕРВАЯ


Fig. 2 Domingo Sangrento, manifestação em São Petersburgo. 1905.

Fig. 3 Domingo Sangrento, massacre no Palácio de inverno, São Petersburgo. 1905.


19 As medidas tomadas para controlar as revoltas populares não duraram muito. Como observado por Daniel Reis, entre 1906 e 1910 a autocracia se fortaleceu, e, em 1913, aconteceram as comemorações do tricentenário da dinastia Romanov. Ainda segundo o autor, em 1914, porém, os movimentos populares se revigoraram e a entrada da Rússia na I Guerra Mundial, iniciada em agosto de 1914, foi vista pelos revolucionários como um presente. (REIS, 2017, p. 25) Num primeiro momento unificada pelo sentimento patriótico trazido pela guerra, a sociedade russa logo foi impactada socialmente e economicamente pelas sucessivas derrotas, os números de feridos e os problemas de transporte e de abastecimento. Como os revolucionários previram, ficava cada vez mais evidente para a população o contraste entre a miséria das trincheiras e os setores privilegiados, que continuavam levando uma vida luxuosa (REIS, 2017, p. 31). 1

“Foi no contexto dessas manifestações que surgiu, num centro industrial ao norte de Moscou, uma organização original — o conselho de deputados operários ou soviete, uma palavra russa que se tornaria conhecida em todo o mundo. Por dificultar a repressão sobre lideranças populares visíveis, essa forma de organização ágil e flexível se disseminou rapidamente e foi adotada em outras cidades, como São Petersburgo e Moscou, com papel central no incentivo e na articulação dos demais movimentos populares na cidade e no campo” (REIS, 2017).

CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

Foi um ano turbulento, marcado por greves políticas, pela revolta dos marinheiros do encouraçado Potemkin, pela agitação de movimentos camponeses e a organização de movimentos nacionalistas não-russos (REIS, 2017, p. 20). A autocracia, pressionada pela população, convocou um Parlamento, a Duma, numa tentativa de igualar a Rússia aos países herdeiros da Revolução Francesa. Entretanto, seus poderes eram muito limitados: o Imperador, além do poder de veto, poderia dissolver a Duma se achasse necessário (SENNA, 2016, p. 119). Também foram legalizados os sindicatos e partidos políticos, e, nesse contexto, surgiram grupos e partidos que haviam sido organizados na clandestinidade. Os sovietes1, que viriam a se tornar elementos da Constituição de 1918, apareceram como organizações práticas em meio às lutas deste ano (SENNA, 2016, p. 118).


Como observa Tamires Leite (2020, p. 15), a Primeira Guerra Mundial transformou o papel social feminino e as mulheres ingressaram em massa na classe trabalhadora: em 1917, as mulheres representavam um terço do operariado de Petrogrado2 (SCHNEIDER, 2017). De 1914 a 1917, com o recrutamento dos homens para ocupar as trincheiras, as mulheres se viram obrigadas a ocupar postos industriais, ao mesmo tempo que ainda eram responsáveis pelo cuidado dos filhos e dos parentes idosos. O trabalho feminino foi recebido, em geral, pelo setor têxtil, por exigir menor qualificação e, consequentemente, ter uma menor remuneração. (LEITE, 2020, p. 15) Para contextualizar, até 1914, a mulher não podia trabalhar, obter educação, receber passaporte para trabalho ou residência3, ou assinar uma letra de câmbio sem autorização do marido (GOLDMAN, 2014). Apesar das condições exploratórias, é nesse período que a mulher ganhou uma pequena autonomia, por meio do trabalho. Se as mulheres eram submetidas à exploração nas fábricas, no campo, a situação era ainda pior, pois não possuíam autonomia nenhuma. Segundo Graziela Schneider (2017), eram até escravizadas e vendidas. Além de seu ofício na indústria, na casa e o cuidado dos filhos, a mulher também passava horas em filas, sob o frio intenso, para garantir alimento. Portanto, não é surpreendente que elas tenham sido vanguarda na Revolução de Fevereiro. As primeiras manifestações que resultariam na queda do Tsarismo foram iniciadas pelas trabalhadoras de Petrogrado: elas organizaram uma passeata em comemoração ao Dia Internacional da Mulher – dia 23 de Fevereiro4, estabelecido pela II 2

Em 1914, no contexto de exaltação patriótica trazido pela I Guerra, o nome da cidade

de São Petersburgo é alterado para Petrogrado (Петроград = Cidade de Pedro) 3

Na Rússia pré-revolucionária, os indivíduos tinham que registrar um endereço permanente junto ao Estado e não podiam deixar o local sem autorização legal. As mulheres só poderiam obter esse passaporte com a autorização do marido. (LEITE, 2020, p. 15) 4

23 de fevereiro pelo Calendário Juliano – calendário oficial russo até 1918 – e 8 de março, pelo Calendário Gregoriano. Por se tratar do calendário vigente da época, me refiro ao Calendário Juliano.


21 O cortejo recebeu a adesão de muitos operários que, incentivados pelo sucesso da passeata, dois dias depois, declararam greve geral. A greve foi seguida por uma série de manifestações e repressões até que, em 27 de fevereiro, foi imposto o fim do Tsarismo. Instalou-se um Governo Provisório – expressão da hegemonia burguesa e formado pela Duma – e foi formado o Soviete de Soldados e Operários, que coexistiriam até que fosse tomada a decisão sobre os rumos da Rússia (REIS, 2017, p. 36). A manutenção da Rússia na Guerra, o agravamento dos problemas de abastecimento, a descrença do povo no Governo Provisório, greves operárias e revoltas no campo, culminaram na Revolução de Outubro. Respondendo às demandas da maioria por “pão, paz e terra”, os bolcheviques, liderados por Lenin, instauraram o governo socialista. O contexto em que a revolução se verificou é marcado por um processo triplo: a desintegração do poder central e a multiplicação dos centros de autoridade; a intensa polarização das lutas sociais e políticas; e o desgaste e a fadiga extremos da população, apanhada num turbilhão revolucionário que, iniciado em fevereiro, parecia não ter fim (REIS, 2017, p. 40). 5

É importante ressaltar que as reivindicações pelos direitos das mulheres são anteriores a 1917. Em 1913, por exemplo, quatro anos antes, foi realizado o I Dia Internacional das Trabalhadoras pelo Sufrágio Feminino, também em São Petersburgo, e a manifestação foi reprimida. “Desde o século XIX, as russas se organizaram para estabelecer instituições como os cursos superiores para mulheres, fundados a partir de 1872. É notável que, entre 1913 e 1914, 40 mil mulheres estudassem em estabelecimentos de ensino superior no país. Além disso, entre o fim do século XIX e começo do século XX foram criados inúmeros órgãos associativos [...] entre tais instituições, destaca-se a União pela Igualdade das Mulheres, a maior organização feminista da Rússia. Surgido após a Revolução de 1905, o órgão teve de encerrar suas atividades durante a repressão que se seguiu ao fervor revolucionário. Outra associação de particular importância é Liga da Igualdade de Direitos das Mulheres. Foi ela a responsável por organizar a histórica marcha das mulheres em 8 de março de 1917” (SCHNEIDER, 2017).

CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

Internacional Socialista5 –, como forma de protesto contra suas condições de vida e de trabalho (REIS, 2017, p. 33).


Levando em conta a polarização das lutas sociais e políticas, eram evidentes as dificuldades que seriam enfrentadas para estruturar e consolidar o poder bolchevique. As guerras civis, de 1918 a 1921, ocorreram devido ao conflito de interesses políticos e econômicos entre bolcheviques, anarquistas, separatistas, nacionalistas e republicanos (LEITE, 2020, p. 17). As potências aliadas passaram a apoiar as forças contrarrevolucionárias, inconformadas com a saída da Rússia da Guerra6, e chegaram a enviar tropas ao território russo (REIS, 2017, p. 47). Ocorreu a polarização entre as forças revolucionárias e contrarrevolucionárias e o Exército Vermelho, organizado pelos bolcheviques, saiu vitorioso. As mulheres participaram dos conflitos de forma ativa e completamente voluntária, representando 2% das forças do Exército Vermelho (CLEMENTS, 1989, p. 220 apud LEITE, 2020, p. 17). Esses conflitos deixaram a Rússia completamente devastada, e a população, traumatizada. A partir de então, Lenin instituiu a Nova Política Econômica (1921-1928), que recuperou alguns elementos do capitalismo para reerguer a economia russa e o país da destruição das guerras civis. Esse foi um período muito rico culturalmente e politicamente, com a atuação das vanguardas, os avanços dos direitos dos trabalhadores e das mulheres, e as discussões sobre o novo homem e a nova mulher soviéticos.

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Logo após os Bolcheviques assumirem a liderança do país, é assinado o tratado de Brest-Litovski, que assegurou a saída da Rússia da I Guerra Mundial e estabeleceu a paz entre o Governo Bolchevique e as Potências Centrais.


23 CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES Fig. 4 A primeira das duas revoluções de 1917 centralizou-se em Petrogrado, então capital da Rússia, e teve início no dia internacional da mulher. Na foto, trabalhadoras têxteis reivindicam o aumento das rações para as famílias de soldados.

Fig. 5 Passeata na Praça Vermelha, em Moscou, 1 de maio de 1917



25 CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

A Mulher Soviética e o Jenotdel A Nova Política Econômica trouxe novos ares a um país que havia acabado de sair de um período de guerras civis, permitindo que o novo governo desviasse sua atenção das questões de tomada de poder para a cultura e a vida social (WOOD, 1997, p. 194). Com a chegada ao poder, os bolcheviques se depararam com a difícil tarefa de construção da sociedade comunista, desde as questões ideológicas, as relações de trabalho e interpessoais, o modo de vida e até a organização familiar. Os bolcheviques, seguindo a visão marxista, acreditavam que a opressão feminina era um efeito das condições capitalistas de exploração, e que a revolução proletária representaria a libertação dos trabalhadores das opressões de gênero e classe. Apesar da revolução em si não significar a libertação imediata dos trabalhadores das opressões e a abolição total da ordem burguesa, os primeiros passos tomados no contexto pós-revolucionário representaram grandes avanços. O governo revolucionário focou em eliminar leis familiares antiquadas e assegurar um novo marco legal sobre relações sociais, que correspondesse às suas convicções ideológicas e garantisse à mulher um novo patamar social (GOLDMAN, 2014). Em dois decretos breves, publicados em dezembro de 1917, os bolcheviques conquistaram mais do que o ministro da Justiça, os jornalistas progressistas, as feministas, a Duma e o Conselho de Estado jamais haviam tentado: substituíram o casamento religioso pelo civil e estabeleceram o divórcio a pedido de qualquer um dos cônjuges.

Fig. 6 Ignaty Nivinsky. “Mulheres, vão à cooperativa!”. 1918.


Um Código completo do Casamento, da Família e da Tutela foi ratificado pelo Comitê Executivo Central do Soviete (VTsIK) um ano depois, em outubro de 1918. O novo Código varreu séculos de domínio patriarcal e eclesiástico e firmou uma nova doutrina baseada em direitos individuais e igualdade de gênero (GOLDMAN, 2014).

A primeira Constituição Soviética, de 1918, como observa Reis, é considerada por alguns estudiosos a legislação mais abrangente e avançada da época (REIS, 2017, p. 185). Ela estabeleceu a igualdade de direitos e deveres entre todos os trabalhadores e trabalhadoras soviéticos, incluindo o direito ao voto e à equidade salarial (SENNA, 2016, p. 130). De uma perspectiva comparativa, como analisa Goldman (2014), o Código de 1918 estava substancialmente à frente de seu tempo. Segundo a autora, uma legislação semelhante em relação à igualdade de gêneros, divórcio, legitimidade e propriedade ainda está para ser promulgada nos Estados Unidos e em muitos países Europeus. Ainda em 1918, foi realizado o I Congresso Nacional das Mulheres Trabalhadoras e Camponesas, com a presença de aproximadamente 1200 delegadas. Foi um congresso muito importante no que diz respeito à organização das mulheres. Nele, é dada ênfase para a discussão sobre construção de equipamentos coletivos, como cozinhas, refeitórios, lavanderias, oficinas de costura e cooperativas para limpar apartamentos (REIS, 2017, p. 185). Essa questão ainda seria muito discutida, não só pelo Jenotdel, como também pela vanguarda arquitetônica e pelos teóricos do Novyi Byt. No ano seguinte, em 1919, o Partido criou o Jenotdel7, o departamento de mulheres do Partido Comunista, inicialmente liderado por Alexandra Kollontai. O departamento desenvolveu-se sob a premissa de que a mulher é, na concepção leninista, um indivíduo que, tal como o homem, deve servir à construção do sistema socialista, realizando atividades políticas, sociais e laborais. Como analisado por Thaiz Senna (2016, p. 113), há uma dupla face nessa reivindicação. 7

Também aparece como Zenotdel, Zhenotdel e Jenotdely (Женотдел).


27 CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

Primeiramente, isso era um direito, fruto das lutas feministas que reivindicavam que as mulheres ocupassem também esse espaço, tanto na Rússia, quanto no mundo. Mas também havia também uma questão estrutural para o desenvolvimento econômico: não era mais possível que metade da população mundial não participasse da produção de riquezas. A tarefa do Jenotdel era propaganizar o socialismo para as mulheres trabalhadoras e educá-las politicamente. O PC passa a investir, então, na transformação de toda a população feminina soviética em mulheres celibatárias, emancipadas, trabalhadoras, comunistas. Essa mulher futura idealizada será então vista como personagem nos cartazes de propaganda, como cidadã nas novas legislações, como parte do povo a ser pensado nas diversas políticas públicas e partidárias do PC (SENNA, 2016, p. 114).

Efetivamente, como departamento do Partido Comunista, o Jenotdel cumpria tarefas internas, ou seja, apenas com as militantes do Partido. Resumidamente, enquanto militantes, elas realizavam a agitação e a propaganda sobre as campanhas do Partido; redigiam publicações voltadas para as mulheres (Kommunistka, Krestiánka, Rabótnitsa), contendo linhas partidárias direcionadas ao público feminino e supervisavam os materiais publicados sobre as mulheres. Também cabia à liderança do Jenotdel participar de reuniões da direção, no que tangia às políticas voltadas às mulheres (SENNA, 2016, p. 253). Fig. 7 Revista Rabótnitsa (Trabalhadora). 1923. Fig. 8 Revista Krestiánka (Mulher Camponesa). 1926.


Em sua tese, Thaiz Senna (2016, p. 253) argumenta que as tarefas do Jenotdel que tiveram maior importância social foram aquelas voltadas às mulheres que não faziam parte do PC. Segundo a autora, a maioria das assembleias e congressos eram organizados e abertos ao público feminino em geral. O Jenotdel, inclusive, organizava comissões para planejar reuniões e conferências de mulheres trabalhadoras e camponesas sem partido. Por esse motivo, ele era visto como um exemplo para o restante dos departamentos do Partido. Por fim, o departamento também realizava tarefas de apoio social, como cuidados às crianças e órfãos, ajuda humanitária à guerra, distribuição de alimentos, estabelecimento de creches, orfanatos e escolas. Todas elas eram desenvolvidas por mulheres envolvidas no Jenotdel, e não apenas às membras militantes do PC (SENNA, 2016, p. 254). Dando continuidade aos avanços no âmbito legislativo, em 1920, a Rússia se tornou o primeiro país do mundo a conceder a todas as mulheres o direito de interromper a gravidez de forma gratuita. De acordo com Wendy Goldman (2014), a situação de fome e miséria fruto das revoluções e das guerras civis estimulava um número cada vez maior de mulheres a recorrerem ao aborto ilegal. Reconhecendo que a criminalização era ineficaz na redução dos casos de aborto, os Comissariados da Saúde e da Justiça (NKZdrav e NKIu) legalizaram a sua prática. O aborto legalizado gratuito seria realizado nos hospitais, com acompanhamento médico, e as babki seriam privadas de praticar a profissão, enfrentando sanções penais. Babka era o nome dado às parteiras, como Wendy Goldman esclarece, “A babka desempenhava um papel crucial no parto e no aborto na aldeia. Muitas mulheres camponesas, que nunca haviam ido a um hospital nem sido sequer examinadas por um médico, tinham muitos filhos com a ajuda da babka. Quando recorriam ao aborto, esta era a primeira pessoa que procuravam, com naturalidade e confiança. [...] As atividades das babki estavam cobertas de silêncio.


29 CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

Não só eram ilegais, como suas clientes tinham de manter suas gravidezes em segredo. As babki e as mulheres a que atendiam estavam unidas por um pacto de silêncio que frequentemente permanecia intacto até a morte” (GOLDMAN, 2014). Apesar da nova legislação conferir às mulheres um novo patamar social de direitos e de igualdade de gêneros, isso não se desenvolveu num cenário histórico favorável. Em primeiro lugar, as guerras civis e suas crueldades exacerbadas instauram um “quadro inédito de brutalização das relações sociais” (REIS, 2017, p. 186). Ainda de acordo com Reis, foi um período de miséria, fome e escassez de recursos além da centralização do poder político e militar, típica de contextos de guerra. Enfim, criou-se uma contradição aguda entre as liberdades legais e a dura realidade. Em um contexto de desemprego, baixos salários e ausência de creches, reforçava-se a dependência das mulheres em relação à família (GOLDMAN, 2014).

Fig. 9 Serguei Iagujínski. “Um aborto realizado por babka ou parteira não só mutila a mulher, mas, muitas vezes, leva à morte.” 1918.


Por outro lado, a facilidade de obtenção do divórcio teve como consequência o aumento do abandono de crianças e desagregação familiar. Os homens também começaram a casar várias vezes e não assumir responsabilidade em relação aos filhos, uma vez que o casamento não era mais considerado um pacto econômico (REIS, 2017, p. 187). Entretanto, as tradições conservadoras e as circunstâncias das guerras civis cobrariam seus tributos – e eles foram pesados. Não se pode subestimar a importância de legislações no que diz respeito a transformar ou conservar valores e comportamentos. Mas, em muitos momentos, era como se os revolucionários – e as revolucionárias – tivessem imaginado que a vontade e as leis pudessem criar, em termos imediatos, um futuro de harmonia e desenvolvimento das relações pessoais e dos potenciais humanos nelas encerrados (REIS, 2017, p. 186).

Além do contexto de destruição causado pela turbulência política, devemos considerar quão novo era o movimento feminista na época. De acordo com Thaiz Senna (2016, p. 210), a tentativa de emancipação feminina russa foi um movimento que se estabeleceu num período em que essa luta ainda não havia se consolidado. Por exemplo, ao citar a polêmica dentro do Partido que circundou a criação do Jenotdel, Senna faz um apontamento de grande relevância: dada a novidade que era o movimento feminino para a época, muitos membros masculinos do PC enxergavam a criação de um departamento apenas de mulheres como uma espécie de segregação. Acreditamos que, assim como a Revolução de Outubro é referência por tentar colocar em prática o comunismo de teóricos anteriores a ela, bem como, dialeticamente, tentar abarcar teoricamente as experiências vividas no próprio momento, também o Jenotdel e a tentativa de emancipação feminina incorrem nesse caminho. Usufruindo do acúmulo de alguns poucos teóricos que convergiam classe e gênero, Kollontai e as outras militantes do Jenotdel colocaram em prática e em teoria uma experiência que futuramente seria referência de reflexão e prática sobre experiências que convergem classe e gênero (SENNA, 2016, p. 213).


31 8

A legalização do aborto, tornado direito público em 1918 é ainda hoje, mais de 100 anos depois, pauta de muitos movimentos feministas. Na imensa maioria dos países, essa prática é ainda proibida, não havendo instituições públicas que o realize, tal como havia na antiga União Soviética dos anos 1920. A equidade de salários é outro exemplo. Para ter uma noção, tornou-se obrigatória na maioria dos países a partir dos anos 1940, na França em 1946, na Alemanha em 1940, nos Estados Unidos em 1963, no Reino Unido em 1970, na Áustria em 1979 e em Portugal em 1997. No Brasil, excepcionalmente, deu-se formalmente em 1932, pela conjuntura populista em que se inseria o país (SENNA, 2016, p. 127).

Fig. 10 Jenotdel regional de Amur, Rússia. 1920.

CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

Em suma, uma legislação à frente de seu tempo8 ia de encontro a questões sociais enraizadas e intensificadas por um contexto de guerras e miséria. As práticas sociais possibilitadas pelas leis evidenciavam contradições em sua realização, e as mulheres revolucionárias necessitariam, para além do aparato legal, de muita prática, teoria e do tempo. Era necessário um trabalho de gerações.



33 CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

O Novyi Byt e a emancipação feminina

O cenário histórico, político e a legislação apresentados in-

dicam a conjuntura do período revolucionário, repleto de debates e produção teórica. Na discussão sobre a revolução cultural e a construção da sociedade soviética, a língua russa empregou um termo vinculado etimologicamente aos conceitos de existir e habitar, e que dificilmente pode ser traduzido para outros idiomas. No período pós-revolucionário, o conceito que, no russo antigo, significava “bens” ou “propriedade” passa a relacionar-se à subjetividade das relações entre pessoas e objetos materiais. Expressões como dia a dia, vida familiar, cultura material, vida privada ou vida doméstica passam a ideia desse conceito de difícil tradução. O conceito de byt 9 se aproxima da tradução de “modo de vida”, estando relacionado à experiência material cotidiana (LEITE, 2020, p. 18).

Com a queda do Tsarismo, o debate sobre a construção da nova

sociedade comunista e o papel do novo sujeito soviético, o termo byt adquiriu essa conotação política e esteve presente nos debates sobre a reestruturação da sociedade. Os teóricos da nova vida cotidiana, novyi byt, comprometeram-se com a reorganização da vida de indivíduos, dedicando-se ao alcance da realização do comunismo na sociedade soviética (MOVILLA VEGA, 2015, p. 89).

9

Do russo “быт”.

Fig. 11 A nova vida cotidiana é filha da Revolução de Outubro. Ao lado: завком = Comitês de Fábrica, столовая= refeitórios, ясли = berçários”. 1931.


A questão do byt, segundo Christina Kiaer (2005, p. 53), chegou à discussão pública em 1923, com a publicação de Leon Trotsky no jornal Pravda e também em seu livro Questões do Modo de Vida. Os artigos de Trotsky inauguraram uma explosão de debate público sobre a possibilidade de uma forma nova de vida cotidiana socialista. As palavras novyi byt já apareciam regularmente na atmosfera utópica do período de guerra civil, representando um conjunto de ideias vagas de estratégias para modernização da vida camponesa10 que almejavam um modo de vida radical coletivo. Entretanto, essas ideias, até então, não haviam recebido a devida atenção do Partido. Como menciona Elizabeth Wood (1997, p. 195) em seu estudo sobre o Jenotdel, em 1923, as ativistas do departamento das mulheres chamaram atenção para o fato de que suas persistentes demandas ao partido sobre o byt tiveram resultados insignificantes, enquanto os artigos de Trotsky ocasionaram uma avalanche de discussão pública. Por exemplo, quando o Jenotdel recorreu ao PC reivindicando a criação de instalações coletivas como creches, lavanderias e refeitórios, o PC considerou a proposta um "desvio feminista" (KIAER, 2005, p. 58). Parte disso, evidentemente, estava relacionado à influência política do intelectual bolchevique. Para além disso, o entusiasmo do PC no byt em 1923 pode ser visto, principalmente, como consequência dos novos ares trazidos pela NEP. Ainda, havia a preocupação do PC de que o retorno a um período de normalidade conduzido pela Nova Política Econômica poderia resultar numa influência burguesa na moralidade, sexualidade e vida doméstica (KIAER; NAIMAN, 2005, p. 54). Dentre as preocupações de Trotsky, estavam os costumes do proletariado russo, de origens camponesas, hábitos e até objetos ma10

Como já foi citado, no final dos anos 1920, a população russa era majoritariamente camponesa (84%), e vivia em um sistema de agricultura com séculos de existência (GOLDMAN, 2014).


35 teriais que o seguiriam nessa nova fase urbana, afetando sua vida e sua consciência socialista. De acordo com Kiaer (2005, p. 57), Trotsky alertou que as relações opressivas entre maridos e esposas, pais e filhos, fruto da irracionalidade do capitalismo, eram os fatores mais perniciosos das origens camponesas do proletariado.

Para este estudo, a articulação de Trotsky sobre o byt é im-

portante pela forma que ele relaciona a subjetividade socialista às relações pessoais não apenas entre indivíduos, mas também entre pessoas e elementos materiais. Trotsky argumentou que o novyi byt poderia ser alcançado somente pela eliminação virtual de possessões: a completa racionalização da ordem material da vida doméstica pelo Estado. Ele elencou os seguintes pontos a serem reconstruídos no byt pessoal e familiar: a libertação da mulher da escravidão doméstica, a socialização do cuidado da criança e a libertação do casamento de relações de propriedade privada. Como esses objetivos apontam, o conceito de novyi byt estava intrinsecamente ligado à libertação feminina e às vozes feministas bolchevistas (KIAER, 2005, p. 60).

CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

Fig. 12 Dentre as preocupações dos teóricos dos novyi byt, estavam alguns costumes considerados insalubres. Na imagem, uma família de trabalhadores de Leningrado utiliza um único prato. 1925.


Fig. 13 “A cooperativa liberta a mulher dos fardos das tarefas domésticas. Por uma nova forma de vida coletiva!” À esquerda, a mulher presa às tarefas domésticas e os filhos retratados como delinquentes, à direita, o novyi byt. 1924


37 Em outros termos, apesar da formulação de Trotsky do novyi byt, em 1923, ser de extrema importância – por articular a relação entre indivíduos e objetos, desde estratégias simples para a modernização da vida camponesa atrasada, como a utilização de utensílios domésticos, até arranjos radicais de vida coletiva, como a estatização do trabalho doméstico – muito já havia sido discutido sobre a emancipação feminina até então, tanto pelas mulheres bolchevistas quanto por teóricos marxistas. Engels foi pioneiro na abordagem da questão da libertação feminina e socialização das tarefas domésticas. Em seu livro de 1884, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, ele se aprofunda na discussão sobre a relação estrutural entre gênero, família e Estado. A mesma razão que assegurara à mulher o predomínio dentro de casa, isto é, sua limitação ao trabalho doméstico, assegurava agora a dominação do homem dentro de casa: o trabalho doméstico da mulher perdeu importância diante do trabalho de subsistência do homem [...] Aqui já se mostra que a libertação da mulher, sua equiparação com o homem, é e continuará impossível enquanto a mulher for excluída do trabalho social produtivo e permanecer restrita ao trabalho doméstico privado. A libertação da mulher só se torna possível no momento em que ela pode participar da produção em grande escala, ou seja, em escala social, e o trabalho doméstico lhe toma apenas um tempo insignificante.

CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

Ou seja, é paradoxal debater o problema do byt sem caracterizá-lo explicitamente como uma questão das mulheres. Para Kiaer (2005, p. 58), ao introduzir o debate à discussão pública, e convocar todos os trabalhadores para a reconstrução do byt, o PC deliberadamente cooptou o assunto do Jenotdel e retirou a reivindicação da liderança das mulheres. Entretanto, na prática, o novyi byt estava associado diretamente às questões femininas: as suas propagandas eram direcionadas diretamente às mulheres, porque a vida cotidiana era vista como esfera da influência feminina. Os homens, apesar de também participarem da vida cotidiana, tinham – e ainda têm – sua figura relacionada à esfera pública e do trabalho.


E isso só se tornou possível graças à grande indústria moderna, que não só admite o trabalho feminino em grande escala, mas de fato também o exige e, ademais, aspira a dissolver cada vez mais o trabalho doméstico privado em uma indústria pública (ENGELS, 2019, p. 202).

Outra pioneira a examinar diretamente a situação das mulheres trabalhadoras russas sob um viés social-democrata foi Krupskaya11, em seu livro A mulher Trabalhadora, escrito em 1889. Segundo Elizabeth Wood (1997, p. 29), Krupskaya, em suas discussões sobre as mulheres enquanto trabalhadoras e mães, mencionou algumas questões concretas que as afetavam – incluindo problemas de abuso físico e assédio, salários desiguais e subnutrição por causa de salários mais baixos do que os homens – e almejava, como solução, a socialização dos cuidados das crianças que a revolução traria. Em seu livro A nova mulher, escrito em 1913 e publicado em 1918, Alexandra Kollontai, futura líder no Jenotdel, descreveu a mulher celibatária: “esse novo tipo de mulher é caracterizado pela liberdade frente às necessidades que antes a prendiam ao lar e independente dos sujeitos que antes a sujeitavam. Em última instância, as mulheres modernas podiam (ao contrário das antigas) escolher não casar e não ter filhos. Isso se dava com o trabalho não-doméstico, que lhes garantia autonomia” (SENNA, 2016, p. 111). Lenin escreveu em março de 1917 que “sem levar a mulher ao serviço social… e à vida política, sem tirá-la do sufoco da cozinha e das tarefas domésticas, é impossível garantir a liberdade genuína e impossível construir até a democracia, quem dirá o socialismo” (LENIN, 1917 apud KHAN-MAGOMEDOV, 1987, p. 342). Em 1920, na edição especial de Dia da Mulher do jornal Pravda12, foi publicado um artigo em que Lenin dizia que “inserir a mulher ao trabalho socialmente produtivo e tirá-la da es11

Apesar de muitas vezes ficar à sombra de seu marido, Lenin, Nadezhda Krupskaya foi militante comunista e revolucionária. Participou do corpo editorial da revista Rabotnitsa, do Jenotdel e possui uma rica contribuição no campo da pedagogia socialista. 12

Pravda foi o principal jornal da União Soviética, e se tornou a publicação oficial do Partido Comunista. правда em russo significa “verdade”.


39 Em suma, a emancipação feminina e a socialização do trabalho doméstico foram objetos de muito debate e eram pautas das revoluções, tendo por trás dos discursos a ideia do novyi byt e da mulher celibatária. Com o estabelecimento do socialismo, o governo liderado por Lenin inicia a disseminação dessas ideias. Do ponto de vista bolchevique, seriam necessários anos de desenvolvimento socialista para a superação do byt tradicional, tão profundamente enraizado. Por isso, a questão da criação das crianças era algo tão fundamental, estando sempre em destaque nas campanhas soviéticas (LEITE, 2020, p. 51). A coletivização dos cuidados infantis era prioridade, e as creches tornaram-se algo imprescindível nos projetos arquitetônicos, além de ser bastante comum o uso de cartazes para incentivar as trabalhadoras urbanas e camponesas a deixarem suas crianças nas creches públicas. Dentro desse contexto, os arquitetos possuíam uma responsabilidade grande em relação ao novyi byt. Eles eram os responsáveis pela construção do mundo material, baseado nos princípios revolucionários de propriedade estatal, relações de trabalho comunistas e superação das opressões de classe e gênero. Além disso, levando em conta os conceitos de condensadores sociais – de que o ambiente em que o indivíduo vive influencia diretamente em seu comportamento e em suas relações sociais – essa responsabilidade era maior ainda. Essa mudança, obviamente, não viria da noite para o dia. Tendo em vista o contexto apresentado de defasagem econômica e material, além de uma população com mentalidade atrelada a outros tempos, e ainda um cenário nacional pós-revolucionário de guerras civis, podemos definitivamente concluir que as ideias da época estavam muito à frente da realidade concreta. 13

Traduções próprias da edição em inglês.

CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

cravidão doméstica, libertá-la da sujeição que a humilha incessantemente na cozinha e berçário – essa é a tarefa principal. É uma longa batalha que exige uma reforma radical em ambas as práticas sociais e éticas” (LENIN, 1920 apud KHAN-MAGOMEDOV, 1987, p. 342)13.



41 CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

Arquitetura e Revolução: Panorama arquitetônico e as organizações de vanguarda

A década de 1920 na União Soviética foi marcada por uma

efervescência de ideias e liberdade para os movimentos arquitetônicos se expressarem. Antes de tudo, é importante ressaltar que não houve uma linearidade no surgimento e manifestação dos movimentos de vanguarda russos. Ainda, tendo em vista o cenário de contradições econômicas e sociais, fica claro que o surgimento desses movimentos aconteceu antes das revoluções14.

Nos anos 1910, os Futuristas já estavam em plena atividade

e se organizavam em grupos, realizavam exposições e publicavam manifestos. Na pintura, Maliévitch, Lissitzky, Tátlin, Popova e Tcháchnik exploravam a não-objetividade e abriam espaço para o surgimento do Construtivismo no design e na arquitetura (LIMA; JALLAGEAS, 2020, p. 48).

14

“A arte de “esquerda” na Rússia aparece como resposta ao conceito de arte como

representação realista: “no início dos anos 1860, alinhados ao narodismo, passaram a tematizar a opressão, o trabalho no campo, os massacres, a miséria, tornando-se, com isso, seus principais ilustradores e os primeiros, no campo pictórico, a justamente tornar visível as injustiças sociais e a opressão do povo russo sob a autocracia Tsarista. Porém, idiossincraticamente, eram estes mesmos pintores que retratavam os imperadores, a nobreza, a alta burguesia e a vida luxuosa dos salões da Corte.” (LIMA; JALLAGEAS, 2020, p. 48).

Fig. 14 Vladimir Tatlin. Monumento à Terceira Internacional. 1920.


Fig. 15 Maliévitch. Exposição “0,10”. Símbolo do Suprematismo, choca o público e os críticos com a sua nãoobjetividade. 1915.

Fig. 16 El Lissitzky. Tatlin at work. 1922


43 Fig. 18 Vladimir Tatlin. Marinheiro (Autorretrato) 1911.

Fig. 19 Liubov Popova. Painterly Architectonic. 1917.

CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

Fig. 17 El Lissitzky. Proun 19D. 1920 ou 1921.


Após as revoluções de fevereiro e outubro de 1917, a necessidade de construir uma cultura proletária tornou-se urgente e passou a receber respaldo direto do governo. Segundo Milka Bliznarov (1976, p. 208), ao concluir que toda cultura é uma superestrutura baseada em um sistema econômico específico, Marx assume que uma economia socializada seria pré-requisito para uma sociedade sem classes, que automaticamente criaria sua cultura própria. Isso pode explicar o suporte inicial do governo soviético aos artistas de vanguarda e nas suas buscas por um vocabulário artístico de formas puramente geométricas, divorciadas de conotação histórica ou nacional, em direção à uma cultura internacional sem precedentes. Para Catherine Cooke (1983, p. 12), na Rússia dos anos 1920, a arquitetura profissional se dava pela interação entre quatro grupos distintos. O primeiro, de membros da meia-idade, atuantes na profissão no período pré-revolucionário, que responderam positivamente à situação, porém sem alterar seu posicionamento em relação à estética. O segundo era composto por profissionais mais jovens, com menos de 40 anos, e com experiência sólida, que se tornariam os líderes da vanguarda. O terceiro grupo era de jovens líderes, que completaram sua formação antes da Revolução, se beneficiando de um background consistente, porém sem a oportunidade de construir. Por fim, o quarto grupo era formado pela primeira geração de estudantes após a Revolução, matriculados dos ateliês livres, particularmente em Moscou. A mais velha dessas quatro gerações de arquitetos russos incluía exponentes do Classicismo, Ecletismo, e da art-nouveau russa, também chamada de moderne, antes da Revolução. Eles constituíam uma elite artística cuja educação na Academia Imperial de São Petersburgo ou na Escola de Moscou rivalizava com as instituições ocidentais. A maioria havia viajado ou até estudado no exterior. Dentre eles, Ivan Zholtovsky, Ivan Fomin e Alexei Shchusev. Zholtovsky tinha como inspiração o Classicismo Renascentista, em especial Palladio, e lecionava desde 1900 na Escola de Stroganov. Fomin era designer fluente em Classicismo e art nouveau e Shchusev era especialista em arquitetura tradicional russa e artes decorativas (COOKE, 1983, p. 13).


45 Fig. 21 Ivan Zholtovsky. Mansão para Gustav Tarasov. Moscou, 1909-12

Fig. 22 Ivan Fomin. Golodai Island, São Petersburgo. 1912.

CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

Fig. 20 Aleksei Shchusev. Igreja da Intercessão, Claustro Maria-Marta. Moscou. 1908–1912


Fig. 23 Irmãos Vesnin. Projeto para o jornal Pravda, Leningrado, atual São Petersburgo. 1924.

Os arquitetos em ascensão em Moscou eram os irmãos Vesnin, Viktor e Alexander – que se tornariam líderes do Construtivismo de vanguarda pós-revolucionária –, Ladovsky – que se tornaria líder dos Racionalistas – e Vladimir Shchuko –, que possuía, na época, alguns apartamentos ecléticos em seu nome, e viria a ser um dos principais arquitetos do Realismo do governo Stalin, juntamente com Zholtovsky (COOKE, 1983, p. 13). Um tanto mais jovens, estavam aqueles que se formaram um pouco antes da Revolução de Outubro de 1917. Moisei Ginzburg terminou a Politécnica de Riga em 1917 e foi estudar em Milão. Vladimir Krinksy terminou a faculdade em Petrogrado15, também em 1917 e, como El Lissitzky, se identificava com Ladovsky e o Racionalismo. Konstantin Melnikov completou sua graduação em Moscou no mesmo ano e logo seria reconhecido por lecionar nas escolas reorganizadas, juntamente com Ilia Golosov. 15

Atualmente, São Petersburgo


47 Fig. 25 Nikolai Ladovsky. Estação de Metrô, Moscou, 1931.

Esses jovens arquitetos conheciam muito bem as práticas arquitetônicas pré-revolucionárias, porém se dedicariam ao debate de uma arquitetura moderna como um fenômeno sui generis, e não uma reinterpretação do antigo (COOKE, 1983, p. 14). Apesar de, em 1920-1925, existir pouco dessa nova arquitetura, exceto manifestos, discursos, decretos e esboços, as conquistas colhidas posteriormente foram plantadas nesse período de fome, miséria e ruínas. Segundo Kopp (1970, p. 32), não é possível apresentar uma síntese dos vários aspectos que deram início à nova arquitetura entre 1920 e 1925, sendo que nesse período o novo e o velho se misturavam, e muitas vezes as novas ideias vinham vestidas em trajes antiquados. Para Catherine Cooke, os membros da geração nascida em 1900 eram as verdadeiras crianças da Revolução. Sua formação ocorreu em um novo contexto, moldadas por um novo programa social, limitadas apenas por condições técnicas e econômicas.

CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

Fig. 24 Vladimir Shchuko. Edifício de apartamentos em São Petersburgo 1908-1910.


Fig. 26 Ilya Golosov. Clube de Trabalhadores de Zuev. 1927-29.

Fig. 27 e 28 Konstantin Melnikov. Casa em Moscou. 1929.


49 CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES Fig. 29 Moizei Ginzburg, Gosstrakh Apartments, 1926. Fig. 30 Ivan Leonidov. Lenin Institute. 1928. Fig. 31 Barshch. Planetário de Moscou. 1929.


Fig. 32 Liubov Zelliesskaia. Projeto para bloco de habitação e oficinas. 1926.

Fig. 33 Lidia Komarova. Comitern. 1929.

Da escola de Moscou VKhUTEMAS – criada a partir da junção da Escola de Moscou e de Stroganov – emergiram Ivan Leonidov, Mikhail Barshch, e Andrei Burov, para se juntar ao Construtivismo; Mikhail Turkus e Georgi Krutikov se juntaram ao Racionalismo; e Georgi Golts seguiu os ensinamentos de Zholtovsky (COOKE, 1983, p. 14). É possível notar que a presença das mulheres, quando se trata do cenário arquitetônico do período, é praticamente inexistente. Isso acontece devido às barreiras impostas ao ingresso feminino nos cursos de ensino superior na Rússia Tsarista. De acordo com Rosalind Blakesley (2019, p. 113), as instituições de ensino de arquitetura eram inacessíveis às mulheres até 1906, ano em que ocorreu a abertura dos cursos politécnicos para mulheres, e, em 1908, a Academia começou a admitir mulheres no seu departamento de arquitetura. Anteriormente a isso, as mulheres podiam assistir às aulas como ouvintes na Academia Imperial de Belas Artes, em uma sessão separada. Outras escolas possuíam cursos direcionados ao público feminino –


51 CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

que compreendiam aulas de bordado, pintura em porcelana, rendas e gravuras – como é o caso da escola de Stroganov e Stieglitz. Segundo Tamires Leite (2020, p. 25), a produção artística adequada às mulheres era aquela relacionada às tarefas do lar. Ainda, até 1917, a maior designação referente às mulheres artistas era “Artista de Terceiro Grau”, não sendo concedidos títulos acadêmicos às mulheres. Dentro do projeto socialista do governo, é tomada como medida a admissão de mulheres em todas as escolas russas de ensino superior (LIMA; JALLAGEAS, 2020, p. 79). Na primeira turma da Faculdade de Arquitetura dos VKhUTEMAS, em janeiro de 1921, 48 alunas estavam matriculadas. Foram centenas de arquitetas formadas até o fechamento da escola, em 1930 (LIMA; JALLAGEAS, 2020, p. 79). Dentre as alunas da VKhUTEMAS, estavam Lídia Komarova, uma das arquitetas mais bem-sucedidas da União Soviética, e Liubov Zaliesskaia, um dos grandes nomes do paisagismo soviético.

Fig. 34 Lídia Komarova (à esquerda, primeiro plano). Foto de estudantes e professores da VKhUTEMAS, entre eles Vesnin e Popova. 1920-23.


Ainda, a escola tinha como professoras Liubov Popova e Varvara Stepanova, no departamento têxtil, e Nadiejda Udaltsova, como mestra-assistente no curso de Cores para Pintura (LIMA; JALLAGEAS, 2020, p. 254).

Enfim, essa série de nomes e movimentos diferentes nos aju-

dam a entender a realidade e a diversidade artística e profissional de época. Esse período tende a ser narrado de forma bastante sintética e reducionista, com foco na rivalidade entre as organizações dos racionalistas, identificados como Associação de Novos Arquitetos (ASNOVA) e os construtivistas, organizados na Associação de Arquitetos Contemporâneos (OSA) (MOVILLA VEGA, 2015, p. 85). Apesar dessas duas se destacarem, é importante ressaltar que havia diversas outras organizações de artistas e arquitetos16 e que, mesmo na VKhUTEMAS, conhecida pelos nomes de vanguarda que emergiram da Instituição, se formaram discípulos de arquitetos aderentes ao Classicismo.

Composta por membros da ZhIVSKUL’PTARKh, InKhUK17 e

estudantes da VKhUTEMAS, a ASNOVA foi uma organização mais heterogênea que a OSA, porém o seu número de membros era menos significativo. Fundada em 1923 por Ladovsky, Krinsky e Dokuchayev, a associação se caracterizou pela luta contra a arquitetura velha de forma pouco militante; entre 1923 e 1932, seus anos de atividade, publicou apenas um número de sua revista, em 1926. 16

Organizações de artistas e arquitetos como a ZhIVSKUL’PTARKh (1919-1920); Instituto de Cultura Artística, INKhUK (1920-1924), Os Fundadores da Arte Nova, UNOVIS (1919-1922); e a própria escola VKhUTEMAS (MOVILLA VEGA, 2015, p. 85). 17

INKhUK foi organizado em Moscou em março de 1920 pelo pintor Wassily Kandinsky. Era formado por pintores, escultores, arquitetos, poetas e compositores, assim como críticos e historiadores de arte. Tinha como mote estabelecer os critérios objetivos do valor artístico na medida que este seja definido como valor profissional; os critérios a serem investigados eram material, fatura (faktura), cor, espaço, tempo, forma e técnica (KIAER, 2005, p. 7).


53 CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

Seus membros, dentre os quais se destaca Melnikov, buscavam novas soluções arquitetônicas que pudessem sintetizar o novo modo de vida socialista18 (MOVILLA VEGA, 2015, p. 85).

Fig. 35 El Lissitzky. Primeira e única edição da revista da ASNOVA. 1926.

18

De acordo com os princípios de seu ideólogo, Ladovsky, a arquitetura deveria ser capaz de expressar seu conteúdo ao exterior através de sua forma, configuração espacial e cor, chamar atenção e transformar os hábitos dos cidadãos. Autodenominados racionalistas, devido a suas crenças de que os problemas arquitetônicos deveriam ser resolvidos exclusivamente dentro da disciplina arquitetônica, ficando isentos do contexto político e social da época, frequentemente eram chamados de formalistas. A ASNOVA se separa em 1928, quando Ladovsky e os que consideravam as questões sociais, políticas e econômicas prioritárias no momento fundam a Associação de Arquitetos e Urbanistas (MOVILLA VEGA, 2015, p. 85).


No final dos anos 1920 a OSA se consolidou como principal corrente arquitetônica de vanguarda, destacando-se por sua unidade na busca de soluções de desenho. Inclusive, alguns de seus membros migraram da ASNOVA, primeira organização profissional de arquitetura de vanguarda e sua grande rival. A OSA, de acordo com Victor Buchli (2017, p. 161), emergiu como a organização arquitetônica mais relevante na busca de soluções para o novyi byt, e sua revista Sovremennaya Arkhitektura era a publicação de arquitetura mais importante e a única dedicada à arquitetura durante o Primeiro Plano Quinquenal. Neste contexto, a OSA teve um papel protagonista como catalizador da transformação social durante a segunda metade da década de 1920. A Nova Política Econômica e o Primeiro Plano Quinquenal se caracterizam pelo impulso da industrialização da economia soviética, por um lado, e a revolução cultural por outro, que aspirava reestruturar a vida social e cultural do país (MOVILLA VEGA, 2015, p. 87).

Para Daniel Vega (2015, p. 89), a OSA tenta solucionar o problema do byt gerando uma arquitetura racionalizada completamente nova, uma cultura material baseada em teorias comunistas de produção industrial e os padrões de consumo guiados pela estética socialista. Em termos leninistas e em prol da reforma do byt, a OSA apostou na construção de elementos apropriados para uma sociedade em desenvolvimento que, num processo dialético, contribuiria para o avanço da sociedade. Indo conta os reformistas sociais, os membros da OSA ponderaram a dificuldade e complexidade de levar a cabo uma transição serena desde os padrões de vida burgueses até os socializados. Seu conhecimento da realidade soviética, o suporte de suas abordagens por premissas científicas, a ampla difusão de suas propostas e seu comprometimento com a sociedade a converteria no grupo mais forte, dinâmico e ideologicamente unido, conquistando o apoio do partido na segunda metade dos anos 1920 (MOVILLA VEGA, 2020b, p. 89).


55 CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES 1. Gurevich 2. A. S. Nikol’sky

11. V. Kratyuk 12. R. I. A. Khiger

20. M. Gaken 21. M. Barshch

Fig. 36 e 37 Primeira Conferência da

3. Viktor Vesnin 4. Alexander Vesnin 5. R. Shilov 6. Alexis Gan 7. M. Sinyavsky 8. Nabel’baum 9. Mal’ts 10. Ya. Kornfel’d

13. G. Vegman 14. Ivan Leonidov 15. Nina Vorotyntseva 16. V. Vladimirov 17. L. Slavina 18. T. Chizhikova 19. Nadyezhda Krasheninnikova

22. G. Orlov 23. I. Millinis 24. S. Leviatan 25. Moizei Ginzburg 26. F. Yalovkin 27. N. sokolov

OSA. 1928.



57 CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

A morada socialista e a criação do Stroykom

Na terceira edição da revista SA, publicada em 1926, a OSA

anunciou a convocatória para um concurso entre seus membros: uma competição para desenhar a nova habitação do proletariado. Ela convocou os integrantes do grupo a elaborarem uma nova tipologia residencial, com novos parâmetros sociais e técnicos. Do ponto de vista social, visavam um modelo de habitat comunitário capaz de suprir novas necessidades fruto de novas relações produtivas e domésticas entre trabalhadores. Do ponto de vista técnico, havia a busca por novos métodos construtivos com enfoque moderno, contestando os métodos construtivos tradicionais.

O caráter interno do concurso assumia que os membros da

OSA compartilhavam dos mesmos pontos de vista sobre o assunto: o leitor da SA se revelava cúmplice de uma série de artigos e programas investigativos. Direcionada para os futuros usuários e profissionais, essa investigação tentava elucidar o que se esperava de um novo modo de vida – o novyi byt –, e o que era questionável nas antigas formas de morar (MOVILLA VEGA, 2015, p. 103).

Nesse sentido, destacam-se os termos empregados para

expressar os objetivos do concurso, com a finalidade de transmitir uma ideia inequívoca do que se esperava das propostas.

Fig. 38 Capa do álbum publicado pelo Stroykom. 1929.


“Objetivo principal: A criação de um novo organismo-casa que facilite as novas relações produtivas e domésticas dos trabalhadores, induzindo a ideia de comunidade”19. Se as antigas habitações burguesas perpetuavam relações domésticas hierárquicas, em que os membros da família dependiam economicamente um dos outros, a morada socialista deveria induzir padrões comportamentais horizontais, próprios da vida em comunidade. Segundo essa definição, considerava-se que a residência tinha papel fundamental para a definição do homem e da mulher soviéticos. Os redatores da SA enfatizavam o potencial da habitação como ferramenta capaz de guiar seus habitantes a terem modos de vida mais saudáveis e frutíferos (MOVILLA VEGA, 2015, p. 107). De forma generalizada20, nas propostas apresentadas foram incluídas aos projetos comedorias, cozinhas, bibliotecas, salas de leituras, lavanderias e creches; entretanto, foram utilizadas estratégias diferentes. Em geral, a socialização de uma parte dos processos domésticos resultou na redução da superfície residencial de forma satisfatória. 19

Na edição dupla de 1927 da S.A., os redatores ilustraram um total de oito propostas apresentadas por integrantes da OSA. Dentre elas, seis eram de membros da OSA de Moscou: Moisei Ginzburg, Alexandr Pasternak, Vyacheslav Vladimirov, Nina Vorotyseva, Raisa Polyak, Ivan Sobolev e Geogiy Vegman. As duas propostas restantes eram de membros da OSA de Leningrado: Andrey Ol’ e o estúdio de Aleksandr Nikol’skiy. Os projetos se caracterizaram, de forma geral, pela adoção da linguagem moderna de referência Ocidental. Em todas as propostas, o sistema de comunicação entre as células habitacionais recebeu atenção especial; foram apresentados núcleos de circulação reduzidos e corredores que serviam a várias plantas. A solução de Ginzburg para o corredor recebe destaque; ele diferencia as zonas de acesso, de descanso e armazenamento, e prevê a iluminação por meio de janelas elevadas (MOVILLA VEGA, 2015, p. 116). 20

Vladimirov e Pasternak situaram as áreas de uso comum no térrreo do edifício residencial; Ginzburg e Vegman segregaram os usos comuns, inserindo-os nas plantas mais elevadas; Vorotyntseva e Polyak, Ol’ e Sobolev optaram por concentrar as áreas comunais em edifícios separados. Apesar da coletivização desses espaços estar presente em todos os projetos, todas as propostas representaram uma socialização contida. Elas ainda incorporaram pelo menos um elemento de cozinha e banheiro, respeitando a privacidade doméstica e mantendo a coletividade dentro de limites razoáveis.


59 lulas residenciais, diminuindo a área das unidades habitacionais e o volume dos edifícios. Essa pesquisa resulta em projetos mais econômicos, uma vitória objetiva da OSA frente aos projetos residenciais da época, que viria a ser objeto de investigação sobre habitação proletária na URSS durante os próximos anos (MOVILLA VEGA, 2015, p. 158).

Essas atividades tiveram papel fundamental na criação do

Stroykom, em 1928, por chamar a atenção das autoridades para a importância da pesquisa na área da habitação pública. O Stroykom, liderado por Moisei Ginzburg – editor chefe da revista SA e membro da OSA –, era o departamento estatal de pesquisa e design de habitação padronizada, conhecido como o Comitê de Construção da R.S.F.S.R. As propostas do grupo foram publicadas e ficam conhecidas como “unidades Stoykom” (KOPP, 1970, p. 130).

O nascimento da Seção de Padronização acontece de maneira

solidária ao contexto político e econômico soviético. No ano de 1928 inicia-se o Primeiro Plano Quinquenal, cujas medidas de escala nacional visavam o alcance da industrialização acelerada do país, de forma a garantir uma infraestrutura econômica autossuficiente. Essa modernização não poderia deixar de lado o setor da construção civil, setor defasado tecnologicamente e com déficit de trabalhadores qualificados, o que demandava uma atenção urgente por parte do Estado. Era necessária a adoção de medidas para otimizar os processos de trabalho, reduzir custos e aumentar a eficácia do setor. Ou seja, a rapidez, barateamento e melhora dos padrões de construção seriam consequência da padronização dos projetos e racionalização de processos construtivos. Além disso, é essencial ressaltar a necessidade de abrigar famílias trabalhadoras em residências que cumprissem condições mínimas de higiene e privacidade (MOVILLA VEGA, 2015, p. 177).

CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

Com isso, os participantes conseguiram otimizar a superfície das cé-


Nesse contexto, o Stroykom realizou uma série de pesquisas

para a elaboração de novos modelos habitacionais, como o coeficiente volumétrico21, análises científicas de racionalização da cozinha e do banheiro, estudos sobre mobiliário, entre outras. É importante notar que, apesar da posição influente do Stroykom em relação ao Estado e ao Partido, suas diretrizes foram cumpridas de forma limitada. Isso pode ser explicado pela pouca produção habitacional no período, além das mudanças na política estatal e em sua estrutura, afetando os movimentos de reforma do byt com a ascensão do Governo Stalin. Apenas seis projetos envolvendo as diretrizes do Stroykom foram construídos, sendo o mais notável o Narkomfin, em Moscou (BUCHLI, 2017, p. 161).

21

Segundo Daniel Vega (2015, p.189), o Coeficiente volumétrico (Volume construído divido pela Superfície habitável) média a eficiência econômica das células residenciais. Quanto maior o valor do coeficiente volumétrico K, pior seria sua eficácia econômica.


CAPÍTULO I AS REVOLUÇÕES

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NARKOMFIN EXPERIMENTAÇÃO E TRANSIÇÃO

CAPÍTULO II NARKOMFIN

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ГЛАВА ВТОРАЯ

2



CAPÍTULO II NARKOMFIN

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ГЛАВА ВТОРАЯ

NARKOMFIN EXPERIMENTAÇÃO E TRANSIÇÃO A estatização do trabalho doméstico e os estudos do Stroykom sobre a cozinha Dentro de uma perspectiva ideológica, os esforços para alcançar o novyi byt na URSS colocaram como prioridade a definição do papel que a mulher deveria desempenhar no novo regime social. Concomitante à ruptura da unidade entre Burguesia e Estado que caiu por terra com a Revolução, a reforma do byt tinha como prioridade o desmantelamento da relação mulher-casa característica do regime Tsarista. Se o homem se encaminhava para a libertação da opressão capitalista, a mulher também teria que se libertar de suas amarras, o que aconteceria a partir da socialização da esfera residencial e desmantelamento do modelo tradicional de família (MOVILLA VEGA, 2015, p. 475). Pragmaticamente, a igualdade de gêneros em âmbito doméstico era considerada necessária pelo Partido, como consequência da conjuntura econômica. O incentivo à rápida industrialização dentro do território nacional demandava um aumento no número de trabalhadores e a inserção da mulher como mão-de-obra correspondia a uma solução rápida e que fortalecia a questão ideológica (MOVILLA VEGA, 2015, p. 476). Segundo Daniel Vega (2015, p. 479), a cozinha foi, durante os anos 1920, identificada pelos arquitetos partidários, políticos e reformistas como o coração da casa pré-revolucionária russa. Para eles, a cozinha era um lugar simbólico da família pequeno burguesa e uma oportunidade de projeto para a definição do novo marco doméstico na União Soviética.

Fig. 39 Narkomfin. Foto tirada imediatamente após conclusão do projeto.


Por um lado, essas reformas deveriam viabilizar a socialização de tarefas atribuídas tradicionalmente às mulheres. Por outro, a concepção da cozinha como ferramenta a serviço do novo regime social igualitário estimularia a vida coletiva.

A investigação da Seção de Padronização foi realizada a partir

de um estudo gráfico dos processos que aconteciam na cozinha feito por Margarete Schütte-Lihotzky para a cozinha de Frankfurt. A arquiteta vienense fazia parte do grupo multidisciplinar dirigido por Ernst May entre 1925 e 1930, a Oficina de Arquitetura e Urbanismo da cidade de Frankfurt. Margarete ficou encarregada do departamento de acondicionamento da cozinha, cujo objetivo era a melhora da sua eficiência através racionalização dos trabalhos domésticos da “alma da casa”. Pensada a partir de critérios estritamente funcionais, a Cozinha de Frankfurt foi concebida como uma máquina de trabalho, símbolo da vida moderna, que permitiria à mulher uma redução da carga de trabalho doméstico1 (MOVILLA VEGA, 2015, p. 480). A cozinha de Frankfurt, produzida industrialmente e instalada em onze mil apartamentos de trabalhadores, revelava uma cisão que em outras reformadoras sociais aparecia de maneira mais matizada: a cozinha era apenas para o trabalho, visto como um fardo para a dona de casa. Outros lugares da habitação poderiam oferecer conforto e relaxamento – e a segregação dos odores e ruídos do lugar de trabalho deveria garantir a qualidade dos espaços para se relaxar (RUBINO, 2017, p. 175 apud FONTENELE, 2019, p. 26).

O modelo projetado pela equipe de Ginzburg possuía, de fato, algumas semelhanças com o modelo da arquiteta austríaca. Em ambos os casos, havia o desejo de racionalização da casa e a

1

Os princípios de aplicação do método de produção para os processos da esfera doméstica já haviam sido antecipados pela norte americana Christine Frederick. Os estudos da engenheira, junto com os manuais das norte americanas Catherine Beecher e Lillian Gilbreth seriam os primeiros a situar o usuário no centro da casa, modernizá-la e racionalizá-la (MOVILLA VEGA, 2015, p. 480).


67 CAPÍTULO II NARKOMFIN

confiança em serviços centralizados, como creches e lavanderias automatizadas, para libertar a mulher da escravidão do lar. Entretanto, o modelo de Grete não tinha nenhuma intenção em modificar a estrutura da família nuclear tradicional, e sim proporcionar uma cozinha individual autônoma, destinada à família nuclear, que consolidaria o funcionamento de cada habitação de forma independente. Para a equipe de Ginzburg, de maneira oposta, a racionalização da cozinha era uma medida paliativa e temporária, uma ponte para a coletivização total dos serviços domésticos em cozinhas comunitárias (MOVILLA VEGA, 2015, p. 489).

Fig. 40 Margarete SchutteLihotzky. Esquema de deslocamento em uma cozinha normal e na cozinha de Frankfurt. 1926.


Fig. 41 Cozinha de Frankfurt. 1926.

Fig. 42 Cozinha de Frankfurt, Cozinha de Stutgartt e uma cozinhaarmário americana. Páginas do artigo publicado por Ginzburg na Sovremennaya Arkhitektura. 1929.


CAPÍTULO II NARKOMFIN

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Fig. 43 “Racionalização da Cozinha, Stroykom, RSFSR” Sovremennaya Arkhitektura., 1929.

Nesse contexto, a equipe de Ginzburg iniciou um trabalho de análise de dimensões e da circulação na cozinha tradicional. A partir das dimensões da cozinha tradicional soviética – uma cozinha de 7,13 m², considerada uma amostra representativa da época – o estudo evidenciou a utilização irregular do espaço, em que ocorriam movimentos excessivos por parte de quem utilizava a cozinha, e, consequentemente, havia o desaproveitamento da superfície (MOVILLA VEGA, 2015, p. 193).

Ao levar em conta os estudos contemporâneos sobre a cozinha

e considerar que a cozinha ideal seria aquela com deslocamento mínimo na execução de tarefas, o Stroykom desenvolveu uma cozinha racionalizada, cuja superfície tinha 4,5 m². Nesta solução, armário, geladeira, pia e fogão foram distribuídos sequencialmente, de forma a reduzir os movimentos ao alocar os equipamentos na ordem que seriam utilizados. Porém, esse modelo de cozinha se mostrou pouco econômico, representando uma solução onerosa ao Estado, principalmente quando incorporada em projetos cuja área útil era inferior a 50 m² (MOVILLA VEGA, 2015, p. 193).

A Seção de Padronização elaborou então a cozinha-armário, que

se organizava por meio de quatro módulos independentes, de 50 centímetros por 70 centímetros de profundidade, que podiam ser dispostos da forma desejada, configurando um móvel de dois metros de largura. Um dos módulos abrigava a pia em sua parte superior, uma mesa retrátil na frente e uma porta para depositar o lixo. Outros módulos formavam a bancada, e na sua parte inferior ficavam uma geladeira e espaço para as louças. Um quarto módulo abrigava o fogão na parte superior e o forno na parte inferior. Num armário superior, ficavam os armários para armazenar alimentos básicos e espaços para guardar utensílios de cozinha. Por último, um banquinho, giratório e ajustável em altura, que permitiria realizar as tarefas sentado (VEGA, 2015, p. 195).


CAPÍTULO II NARKOMFIN

71


Fig. 44 Esquemas de

Fig. 45 Planta, Elevação e corte

deslocamento realizados na cozinha tradicional russa (7,13m²), na cozinha racionalizada do Stroykom (4,5 m²) e na cozinhaarmário (1,4 m²). 1929.

da cozinha-armário. 1929.


73 Quanto à economia espacial, a cozinha-armário ocupava apenas

1,4 m², o que representava uma economia de superfície de 80% em relação à cozinha tradicional e 69% em relação à cozinha racionalizada do Stroykom. Quando não estivesse sendo utilizada, a cozinha poderia ser ocultada por meio de uma porta de quatro folhas, adquirindo um aspecto de armário ou vestiário e deixando o ambiente doméstico livre para a realização de outras atividades (VEGA, 2015, p. 195). A concepção de cozinha como móvel modular permitia sua instalação por fases, de acordo com as possibilidades econômicas de cada proprietário, possibilitando a supressão de alguns módulos e uso do armário como cozinha auxiliar. Por fim, para modos de vida mais socializados, a cozinha poderia ser extinguida completamente da esfera doméstica, sendo feita sua completa estatização (MOVILLA VEGA, 2015, p. 197). Depois de anos de estudos sobre a cozinha, o trabalho doméstico continuou – e ainda continua – sendo atrelado à prática feminina. Na prática, a estatização do trabalho doméstico representa uma das maiores contradições no processo de emancipação da mulher, pois manteve as velhas divisões do trabalho. Ou seja, sob uma ótica de tarefas vistas historicamente como naturais ao gênero feminino, as atividades domésticas, mesmo que passassem para o âmbito estatal e remunerado, ainda se restringiam às mulheres.

Para Senna (2016, p. 168), [...] embora o discurso e intenção de romper com a histórica opressão contra as mulheres, pelo reforço dos estereótipos e das funções sociais de mãe, gestora-do-lar, cozinheira, lavadeira, etc., as práticas do PC indicaram mais para uma ratificação da opressão ideológica e material da mulher, do que para a superação dessa, e das funções não inatas que essa sempre cumpriu.

Ou seja, tanto na racionalização da cozinha como na estatização do trabalho doméstico, a mulher continuava sendo o sujeito que realiza as funções relacionadas à casa e à maternidade.

CAPÍTULO II NARKOMFIN


A cozinha racional modular foi pensada cientificamente a partir da estatura feminina, nas imagens e diagramas a mulher era sempre a usuária e, como Senna (2016, p. 183) aponta em sua tese, muitos anúncios e propagandas da época ainda designavam à mulher os papéis de mãe e dona de casa. Para ela, se, por um lado, a legislação soviética foi extremamente progressista no que tange igualdade entre gêneros e emancipação feminina, a condição ideológica parece não ter acompanhado a condição material. Ou seja, o PC conseguiu superar as contradições do período por parte, ainda que não tenha conseguido alterar as enraizadas ideologias retrógradas. A mulher foi colocada como trabalhadora nas leis, assim dizendo, legalmente, conseguiria colocar-se em qualquer papel até então considerado masculino2. As novas leis proibiam a demissão de grávidas e lactantes, legalizavam o aborto como questão de saúde pública, possibilitavam o divórcio direto, estabeleciam a igualdade salarial, davam às mulheres o direito de pensão alimentícia etc (SENNA, 2016, p. 183). Ideologicamente, porém, o contrário não ocorria. Ou seja, não havia um incentivo para os homens ocuparem os lugares designados como femininos, o que acabava reforçando os papéis históricos delegados à mulher. Cabe aqui uma reflexão sobre as tarefas vistas como biologicamente femininas e o “instinto materno”. Nas sociedades anteriores à sociedade de classes, as mulheres ficavam responsáveis por cuidar dos filhos, doentes e idosos, porque era necessário que o homem, que não paria ou amamentava, passasse longos períodos caçando. Na sociedade contemporânea ocidental, esses longos períodos não existem mais, contanto, a relação que se faz entre mãe e filho nunca foi maior. Em suma, é uma relação social historicamente construída, não é natural ou atemporal (SENNA, 2016, p. 180). 2

A inserção da mulher no mercado de trabalho de forma massificada recebeu um grande peso do PC. Houve também um grande incentivo por parte do Partido para a participação das mulheres na política, até então majoritariamente ocupada por homens.


75 Essa problemática pode ser bem representada por esses dois cartazes (Fig. 46 e 47), ambos de 1931. O primeiro (Fig 46), “Abaixo à escravidão na cozinha!”3, apresenta a nova mulher, trabalhadora comunista, abrindo uma porta e mostrando à velha mulher, que realiza tarefas domésticas, um novo universo soviético, representado pela arquitetura modernista. Nele, aparece o termo já mencionado novyi byt, e simboliza um mundo de refeitórios, creches e tecnologia, em contraponto à escravidão doméstica (SENNA, 2016, p.177). Já no segundo cartaz (Fig. 47), “Trabalhadora, lute por uma sala de jantar limpa! Por uma alimentação saudável!”4, chama atenção a ilustração, em que os homens aparecem em segundo plano no que parece ser uma cozinha comunitária com refeitório. Outro elemento a ser enfatizado é o vocativo, trabalhadora, dirigindo-se diretamente às mulheres. Assim, esses dois cartazes, do mesmo ano, conseguem sintetizar a contradição do período. Por um lado, uma legislação completamente progressista, muito à frente de diversos países que nem sequer pensavam em questões como aborto e igualdade entre gêneros na época. Por outro lado, um país materialmente pouco desenvolvido e com uma população majoritariamente camponesa de costumes enraizados, em que a figura feminina está fortemente atrelada ao trabalho doméstico, mesmo que a casa agora seja do Estado.

3

Tradução própria do Russo, долой кухонное рабство!

4

Tradução própria de работница борись за чистую столовую! за здоровую пищу!

CAPÍTULO II NARKOMFIN

Como é possível observar em muitos cartazes e propagandas da época, esse papel natural da mulher como mãe, dona de casa e responsável pela educação dos filhos não era negado, pelo contrário, era reforçado. Não parecia possível observar os homens realizando tarefas domésticas ou cuidando dos filhos; inclusive, apenas as mulheres recebiam licença maternidade, um aspecto incompatível ideologicamente com o novo sistema (SENNA, 2016, p. 179), porém bastante avançado para o contexto da Rússia.


Fig. 46 “Abaixo à escravidão na cozinha!”. 1931.

Entretanto, essa contradição torna-se compreensível quan-

do considerado todo o panorama geral já apresentado. Não é possível idealizar a Revolução a ponto de acreditar que a transição entre Tsarismo e Comunismo se daria da noite para o dia, colocando fim em todas as opressões e transformando o modo de pensar historicamente construído da população, em alguns anos. É essencial entender que houve muitos avanços tanto na ocupação feminina de funções classicamente masculinas, nos direitos das mulheres e nas tentativas de emancipação feminina do trabalho doméstico, porém, esses avanços não ficaram livres das contradições de seu tempo.


77 Apesar do trabalho doméstico não ter se dissociado completamente da mão de obra feminina, segundo Sabrina Fontenele (2019, p. 26), “a busca dos arquitetos modernos soviéticos da década de 1920, de coletivizar espaços domésticos e reduzir os espaços de convivência familiar, iria impactar a discussão sobre habitação mínima que ocorria no campo da arquitetura europeia nas décadas seguintes”. Para a autora, o projeto do Narkomfin possui diálogo direto com o debate sobre habitação mínima também abordado pelos alemães, que viria a ser tema do II CIAM, realizado em 1929, em Frankfurt. As ideias, portanto, circulavam e se fortaleciam entre os grupos de arquitetos, alimentando o debate sobre novos arranjos habitacionais em um período de alto déficit habitacional na Europa.

CAPÍTULO II NARKOMFIN

Fig. 47 “Trabalhadora, lute por uma sala de jantar limpa! Por uma alimentação saudável!”. 1931.



79 CAPÍTULO II NARKOMFIN

Unidades Stroykom A, B, C, D e F Diferente do que pode se pensar, os arquitetos do Stroykom não eram utopistas, estando cientes de que as transformações da moral e de hábitos enraizados não poderiam ser mudados de forma repentina. Segundo Ginzburg: Nós consideramos que um dos pontos a serem levados em consideração na construção de novos apartamentos é a dialética do desenvolvimento humano. Nós não podemos mais obrigar as pessoas a morar coletivamente, como tentamos no passado, com resultados geralmente negativos. Nós devemos prover uma possibilidade de transição natural e gradual para a utilização comunitária de um número de áreas diferentes. É por esse motivo que tentamos manter cada unidade isolada uma da outra, em que a cozinha aparece como elemento de tamanho mínimo que pode ser removida do apartamento, a qualquer momento, para a introdução de uma cantina comunitária. Nós consideramos absolutamente necessária a incorporação de certos elementos que iriam simular a transição para um modo de vida superior, simular e não ditar ( GINZBURG, 1929, p. 5 apud KOPP, 1970, p. 141).

A partir disso, foram elaboradas uma série de unidades residenciais, designadas pelas letras A, B, C, D, E e F, que exploravam o conceito de habitação mínima e economicamente eficaz e diferiam na escolha da circulação, tipo de cozinha, quantidade de quartos e número de pavimentos. As tipologias A e B representavam o modelo de apartamentos dispostos em ambas as laterais de um único núcleo vertical de comunicação. O tipo A correspondia a um sistema espacial disposto em torno de uma escada, em que as dependências de serviços e as habitáveis possuíam a mesma altura. Já no tipo B, o pé direito das áreas de serviço era reduzido, e as áreas habitáveis compensavam a altura.

Fig. 48 Matéria na revista Sovremennaya Arkhitektura sobre as Unidades Stroykom e o cálculo de eficiência volumétrica. 1929.


Fig. 49 Maquete e interior da tipologia F. Sovremennaya Arkhitektura. 1929.

As categorias restantes, C, D e E correspondiam a um empilhamento convencional, em que um único corredor dava acesso a uma, duas e três plantas, respectivamente. O tipo F era o mais singular, por intercalar o corredor entre dois andares, que dividiam esse corredor. Comparada aos outros layouts, que eram mais tradicionais, como os do Concurso de Camaradas de 1926, a tipologia F era completamente nova. Ela providenciava a melhor solução arquitetônica, não apenas no quesito economia e qualidade, mas era um protótipo de modelo de habitação em transição para o novyi byt.


81 CAPÍTULO II NARKOMFIN Fig. 50 Diagrama de eficiência econômica das células A, B, C, D, E e F do Stroykom. Sovremennaya Arkhitektura. 1929.

O tipo F se popularizou rapidamente pela URSS (BLIZNAKOV, 1993, p. 109 apud VEGA, 2020, p. 9). Entre 1928 e 1929, o Stroykom apresentou diversas propostas teóricas para edifícios desse tipo. Alguns exemplos são o edifício desenhado por Ginzburg e Pasternak em Sverdlovsk e o complexo habitacional para ‘Construção exemplar’ em Moscou, desenhado por Barshch, Vladimirov, Pasternak, Milinis, Lyubov Slavina e Sergey Orlovsky (KHAN-MAGOMEDOV; COOKE; LIEVEN, 1987). Entretanto, indubitavelmente, o exemplo mais significativo e de sucesso é o Narkomfin.



83 CAPÍTULO II NARKOMFIN Fig. 51 Tipologia E-1 desenvolvida pelo Stroykom, publicada no álbum " Projetos e estruturas típicas de construção de moradias recomendados". 1929.



85 CAPÍTULO II NARKOMFIN Fig. 52 Tipologia F-1 desenvolvida pelo Stroykom, publicada no álbum " Projetos e estruturas típicas de construção de moradias recomendados". 1929.



87 CAPÍTULO II NARKOMFIN

Narkomfin: Experimentação

O Narkomfin foi projetado para ser um protótipo para todos os

subsequentes edifícios habitacionais estatais a serem construídos na URSS (BUCHLI, 2017, p. 162). O edifício deveria abrigar 50 famílias de funcionários do Partido, trabalhadores do Comissariado do Povo para Finanças. Para Victor Buchli (2017, p. 387), o Narkomfin é o arquetípico condensador social e representa uma das mais completas realizações da arquitetura da vanguarda soviética, exercendo o slogan da época de que “a existência material determina a consciência”. Ainda de acordo com Buchli, o projeto foi pensado de forma a possibilitar a transição do capitalismo burguês para o socialismo, e então para uma sociedade comunista, através de suas formas arquitetônicas.

A sua natureza experimental, junto à vocação de protótipo com

a qual foi concebido e avaliado, fizeram dele o maior exemplo do trabalho do Stroykom colocado em prática (MOVILLA VEGA, 2015, p. 311). O conjunto habitacional soviético também ficou conhecido na historiografia da arquitetura como edifício moderno pioneiro na utilização da tipologia duplex como solução arquitetônica. É perceptível o impacto das tipologias duplex F e do Narkomfin no Ocidente, influenciando diretamente Le Corbusier no projeto de Unidade de Habitação de Mar-

Fig. 53 Robert Byron. Fachada Sul do Narkomfin. 1930s.


selha(1946-1952)1. Para o processo de desenho e construção, Ginzburg – então coordenador do Stroykom – contou com a ajuda de alguns profissionais. Nos desenhos, seu aluno Ignaty Milinis; o engenheiro Sergey Prokhorov, para direção da obra; o pintor e professor da Bauhaus Hinnerk Scheper2 para direção de plano de cores; e outros colaboradores pontuais, como o próprio Comissário Milyutin, que interviria de forma ativa no desenho (MOVILLA VEGA, 2015, p. 311). Ginzburg era o arquiteto construtivista mais celebrado na Rússia e o cliente, o Comissário Milyutin, era um dos mais influentes teóricos do planejamento urbano soviético (BUCHLI, 2017, p. 160). O edifício está localizado na Avenida Novinsky, região central de Moscou, ao Norte do Rio que leva o nome da cidade. O local abrigava o Monastério de Novinsky, construído no século XV e demolido no 1

Segundo Sabrina Fontenele (2018, p. 30), em 1930, Le Corbusier sugere que a próxima edição do CIAM acontecesse em Moscou, devido às pesquisas e produção arquitetônica que vinham sendo realizadas pelos soviéticos. O impacto das visitas de Corbusier à URSS é visível em sua obra, principalmente no que diz respeito à habitação. O conjunto de Marselha é desenvolvido sob influência direta da tipologia F, procurando eficiência econômica e aproveitamento de áreas. O edifício também se insere em um contexto histórico de necessidade de produção habitacional em grande escala em uma França pós-Guerra. 2

Hinnerk Scheper encabeçava o Workshop de “House-Painting” da Bauhaus entre 1925-1933 (com exceção de sua estadia em Moscou de 1929-1930). Utilizava um esquema de cores instintivo, em que o contraste de tons tornava os elementos arquitetônicos facilmente distinguíveis. Esse esquema é utilizado na casa de Oskar Sklemmer em Deassau, projetada por Heinrich Schlemmer, onde as portas de cômodos adjacentes são pintadas em cores fortes de tons diferentes. Scheper incorpora essa técnica ao edifício da Bauhaus em Dessau (ambos de 1925-1926). Ginzburg visita ambos os edifícios em 1927, durante sua estadia na Alemanha, e incorpora esses elementos na sua obra. Nos corredores e as escadas do Narkomfin, são utilizados tons que permitem um rápido entendimento da organização espacial. Por exemplo, as portas são pintadas de preto ou branco para que os residentes não confundam seu apartamento com o do vizinho; nas escadas, os degraus têm seus planos verticais pintados de cores diferentes dos planos horizontais, para evitar tropeços; e cada andar do edifício recebe uma cor distinta (VRONSKAYA, 2015, p. 95).


89 CAPÍTULO II NARKOMFIN

século XVIII, de grande importância na memória histórica da Moscou. O terreno era vizinho de duas mansões aristocráticas de caráter neoclássico, então utilizadas como habitação coletiva para trabalhadores que chegavam à cidade3, e de um grande parque arborizado, aberto ao que então ainda era campo (BUCHLI, 2017, p. 167). O projeto do conjunto passou por modificações até seu estado final. No projeto original, havia dois blocos de caráter residencial, um centro comunitário ligado ao bloco residencial principal, um volume cilíndrico que abrigaria a creche para os filhos dos moradores do complexo e dois volumes de serviço retangulares, que abrigariam a lavanderia mecanizada coletiva e uma garagem comunitária. A creche, o bloco secundário residencial e o segundo volume de bloco de serviços foram descartados no projeto final e não chegaram a ser construídos (GOMES, 2020, p. 67). A ideia inicial era que as famílias utilizassem seus apartamentos para tarefas que necessitassem de privacidade, como dormir, relaxar, higiene pessoal, vida sexual, e projetos pessoais de trabalho ou estudos. As atividades domésticas deveriam ser realizadas de forma coletiva nos equipamentos alocados nos outros volumes. Por meio do projeto, Ginzburg e sua equipe procuraram induzir uma convivência intensa entre seus habitantes (FONTENELE, 2019, p. 21).

3

Resultado da migração a trabalho da NEP (1921-1926) e início do Primeiro Plano Quinquenal.

Fig. 54 Hinnerk Scheper. Design de cores para apartamento F do Narkomfin. 1929.


O bloco residencial consiste em um volume linear elevado sobre pilotis, orientado segundo a direção norte-sul, de modo a receber maior luminosidade. O bloco se organiza em 6 pavimentos elevados, um sótão e cobertura habitável, alcançando uma altura de 17,05 m por 82,86 m de comprimento. São 47 apartamentos, destinados a abrigar em torno de 200 pessoas, ou seja, uma média de 4 habitantes por unidade habitacional (MOVILLA VEGA, 2015, p. 335). Em seu interior, o edifício organiza-se por meio de corredores de circulação, com altura de 2,30 m, que servem as células habitacionais. O projeto original consistia em células do tipo K e do tipo F, e o restante eram variações dessas mesmas plantas. O projeto construído mantém essas células residenciais, porém introduz o tipo C4. As unidades K, dispostas ao longo do primeiro corredor do bloco, foram projetadas com o objetivo de acomodar arranjos domésticos pré-existentes. Em outras palavras, eram células autossuficientes, que não necessitavam das dependências coletivas do complexo. No primeiro piso, cada apartamento possuía uma pequena cozinha e um cômodo coletivo de pé direito de 5 metros. No segundo, havia mais três cômodos e um mezanino interno que dava para o grande cômodo coletivo (BUCHLI, 2017, p. 170). Buchli (2017, p. 171) nomeia dois apartamentos específicos como tipo “K-articulado”, por serem significativamente maiores e mais elaboradas que as unidades K, com um banheiro adicional e uma sala de jantar no térreo. Os dois apartamentos possuíam varandas em formato de meio-círculo: o primeiro apartamento, onde morava Ginzburg, tinha uma única varanda no primeiro andar, já o segundo, uma varanda em cada andar. 4

O número de unidades e sua nomenclatura apresentaram divergências na bibliografia consultada. Assim, optou-se por não quantificar as tipologias devido à irrelevância que isso tem para este estudo. De acordo com Daniel Vega, seriam no total 47 unidades, diferente do que considera Cramer, um total de 51 unidades. Outro exemplo, para Buchili, são 9 células tipo K; Vega considera 8. Já as questões de nomenclatura são mais relevantes para essa tese e serão apresentadas a seguir.


91

A

CAPÍTULO II NARKOMFIN

E

B A

C

D

Fig. 55 Plantas das unidades K. (A) Cômodo Coletivo (B) Cozinha (C)Quarto do casal (D) Quarto dos filhos (E) Banheiro.

Fig. 56 Varanda das Unidades “K-articulado”, localizadas na fachada sul do edifício. 1930.


Entretanto, para Vega (2015, p. 368), essa denominação é con-

fusa. O autor considera que o tipo K, não representava uma tipologia específica, mas sim um esquema espacial interior característico: disposição em dois pavimentos de altura precisa, articulação espacial da casa por meio de um cômodo principal de pé direito duplo, e a presença de um programa diurno no nível inferior, e um programa noturno, no nível superior. O esquema K seria o aprimoramento das tipologias A e D definidas pelo Stroykom.

As unidades F se distribuíam ao longo do segundo corredor do

edifício. Desenhadas para um morador ou casais que não pretendiam ter filhos, ou os deixavam aos cuidados da creche, no prédio anexo, eram a expressão da vida coletiva e do novyi byt (BUCHLI, 2017, p. 172). O corredor do pavimento dava acesso ao hall dos apartamentos, onde também se localizavam os banheiros com espaço para duchas. Todas as unidades possuíam duas alturas, 2,30 m e 3,60 m; as do piso inferior eram de planta única e, as do piso superior possuíam dois níveis (VEGA, 2015, p. 371).

Resumidamente, as funções básicas a serem realizadas nesse

modelo de apartamento seriam: dormir, higiene pessoal e trabalho intelectual. Essas unidades, adaptações das Tipologias F do Stroykom, não tinham cozinha; elas possuíam um pequeno nicho para acomodar a cozinha-armário (BUCHLI, 2017, p. 172). Segundo Gomes (2020, p. 70), durante o processo de execução do projeto, a parede que acomodaria o armário, no primeiro piso, foi retirada, resultando em uma maior integração física e visual do espaço. Entretanto, com a concretização do byt socialista, a cozinha se tornaria desnecessária e poderia ser facilmente removida.

De acordo com Buchili (2017, p. 171), nas unidades F e K, os

espaços cujas funções não eram compatíveis com o modo de vida coletivizado eram propositalmente escondidos da visão pública, como


93

A

C

os quartos para as crianças – que contrariavam a ideia de cuidado Estatal da prole – ou as cozinhas individuais – utilizadas em vez dos refeitórios coletivos. Os únicos espaços enclausurados das unidades eram banheiro, cozinha5, e quarto para as crianças, no caso da unidade K. As disposições desses elementos sofrem diversas variações durante o processo de desenho. Posteriormente, como relata Vega (2015, p. 373), a cozinha, a ducha e o lavabo das células superiores F alocam-se junto ao quarto, liberando o espaço da sala principal. Assim, as unidades duplex do Narkomfin, tipo K e tipo F, ofe-

reciam uma variedade espacial que não era necessariamente a representação do novyi byt, porém eram claramente entendidas por Ginzburg como tipologias experimentais de transição, ou, como cita Wilfried Wang (2016, p. 31), tipologias vestigiais. 5

A

C B

CAPÍTULO II NARKOMFIN

A

Como já vimos, a cozinha-armário podia ser facilmente ocultada. Já nas unidades K, a cozinha era um cômodo separado

B

Fig. 57 Plantas das unidades F. (A) Cômodo Coletivo (B) Dormitório (C) Nicho removível para cozinha-armário.



95 CAPÍTULO II NARKOMFIN

As unidades 2-F – basicamente a junção de duas unidades F – destinavam-se às famílias nucleares e possuíam duas configurações; a primeira em duplex, com cozinha completa, banheiro, sala de jantar no nível da entrada, e dois cômodos com pé direito de 5 metros – um dormitório e um de estar – no andar debaixo. As unidades de um andar só possuíam os mesmos elementos. As tipologias C, concebidas durante o processo construtivo, seguiam o esquema do Stroykom, em que um corredor servia apartamentos de planta única. As quatro unidades C construídas se situavam na cobertura e tinham 2,60 m de altura. Duas delas tinham aproximadamente 15 m², destinando-se a casais sem filhos. As outras duas tinham aproximadamente 12 m² e se destinavam a solteiros. As habitações tinham cômodo único e as células se organizavam por pares em torno de um núcleo compartilhado de ducha e lavabo6.

6

Por serem concebidas durante o processo construtivo, não há documentação gráfica dessas unidades anteriores a sua edificação. Para esse estudo, foram levados em conta os levantamentos posteriores do edifício. A informação dos núcleos compartilhados é citada por Daniel Vega (2015, p. 397), que utiliza como fonte o próprio Ginzburg (Opyt pyatiletney raboty nad problemoy zhilishcha. Moscú: Gosudarstvennoye nauchno tekhnicheskoye izd-vo stroitelnoy industrii i sudostroyeniya, 1934. p. 86).

Fig. 58 e 59 Cozinha e banheiro de unidade Tipo F. 1929-1933. Fig. 60 e 61 Cozinha de uma Unidade K, em cômodo separado e “enclausurado”. 1970. Fig. 62 Plantas das unidades 2-F.


Fig. 63 e 64 Fotografias do apartamento de Milyutin. Armário embutido e por trás, a cozinha ocultada. Pós-1930.

Um apartamento na cobertura, desenhado por Milyutin para seu uso próprio também foi adicionado ao projeto durante seu processo construtivo. De acordo com Buchli (2017, p. 180), a cobertura assemelha-se às unidades K. No primeiro piso, possuía hall com cozinha e um cômodo principal de pé direito duplo; no segundo piso, possuía dois quartos, dois closets, mezanino para o cômodo principal e acesso a uma varanda. A relação entre os elementos de circulação e as tipologias estabelecia um alto grau de eficiência. A aposta no aumento do pé direito das unidades e na concentração do sistema de circulação, proporcionada pela redução do número de corredores, teve resultados positivos. Os apartamentos compactos transmitiam amplidão devido ao pé direito duplo e o compartilhamento de corredores por dois andares de apartamentos tornava encontros entre moradores mais prováveis, além de possibilitar a ventilação cruzada (UDOVICKI-SELB et al., 2016, p. 37). O programa deste bloco de apartamentos era fundamentalmente residencial, porém, ele também abrigava elementos de uso coletivo em alguns níveis do edifício. É o caso da cozinha coletiva, localizada no terceiro pavimento e organizada em quatro ambientes de 30 m².


97 CAPÍTULO II NARKOMFIN

Ginzburg concebeu esse espaço de cozinha coletiva como serviço auxiliar, principalmente para as células F, complementando os serviços do centro comunitário (GOMES, 2020, p. 70). As unidades habitacionais se conectavam por meio de uma ponte ao bloco comunitário do Narkomfin. O bloco consistia em dois pavimentos de pé direito duplo. No primeiro, havia um ginásio com vestiários, duchas e banheiros. No segundo andar, havia um refeitório, com área para descanso e sala de leitura. O bloco da lavanderia foi construído de acordo com o projeto original, e funcionou plenamente até meados dos anos 1960 (BUCHLI, 2017, p. 174). Já o bloco comunitário, imediatamente foi utilizado como creche para substituir o edifício que abrigaria essa função, no centro do parque, mas que não chegou a ser construído (UDOVICKI-SELB et al., 2016, p. 69). Dessa forma, a creche acabou migrando para o centro comunitário, e ocupou o seu volume inteiro, com exceção da cozinha. Consequentemente, o ginásio, as salas de leitura e descanso, e o refeitório nunca chegaram a funcionar. Apesar da cozinha operar plenamente e conseguir suprir as necessidades da maioria dos inquilinos, eles preferiam retirar a comida e levá-la para comer em casa. Posteriormente, o centro comunitário fechou as suas portas por motivos econômicos (VEGA, 2015, p. 534).

Fig. 65 Interior do Centro Comunitário. Data desconhecida. Fig. 66 Georges Dedoyard. Centro Comunitário. 1932.



99 CAPÍTULO II NARKOMFIN Fig. 67 Proposta da Casa

Fig. 68 Proposta da Casa

Narkomfin desenvolvida por Ginzburg e Milinis (1929–30): térreo e segundo andar, primeira versão.

Narkomfin desenvolvida por Ginzburg e Milinis (1929–30): quarto, quinto e sexto andares (acima), primeira versão.



101 CAPÍTULO II NARKOMFIN Fig. 69 Proposta da Casa Narkomfin desenvolvida por Ginzburg e Milinis (1929–30): seções dos edifícios residenciais e comunitários, primeira versão.


Fig. 70 e 71 Interior do Mezanino de apartamento tipo K de Ginzburg, usado como estúdio.


103 CAPÍTULO II NARKOMFIN Fig. 72 Interior do Mezanino de

Fig. 73 Sala de jantar de Milyutin

apartamento tipo K de Ginzburg, usado como estúdio.

nos anos 1970s.



105 CAPÍTULO II NARKOMFIN Fig. 74 e 75 Charles Dedoyard. Narkomfin. 1932.


Fig. 76 e 77 Robert Byron. Narkomfin. 1930s.


CAPÍTULO II NARKOMFIN

107


Fig. 78 e 79 Robert Byron. Narkomfin. Centro Comunitário. 1930s.


CAPÍTULO II NARKOMFIN

109



111 CAPÍTULO II NARKOMFIN

Narkomfin: Transição Sabrina Fontenele (2019, p. 22), ao estudar o Narkomfim, chama atenção para uma foto tirada por Vladimir Gruntal, na década de 1930. A fotografia retrata uma mulher na sala do apartamento duplex, provavelmente um pouco depois da inauguração do conjunto habitacional em Moscou. A mulher, centralizada no enquadramento, concentra-se na realização da atividade intelectual, que é reforçada pelos livros na estante em frente à leitora. Ela e o móvel em que ela se debruça têm protagonismo no ambiente. Para a autora, na imagem, a sala se coloca como local da mulher trabalhadora que se utiliza da leitura como lazer ou aperfeiçoamento intelectual, e reflete as transformações sociais pelas quais a mulher soviética passou após 19177. A segunda imagem, é do apartamento da cobertura do Comissário Milyutin, um dos últimos elementos a serem adicionados ao projeto durante sua construção, mas que retrata muito bem as contradições do período. O contraste entre o apartamento do Comissário Milyutin em relação aos compactos apartamentos dos trabalhadores é gritante, e se opõe à ideia dos condensadores sociais – que rejeita modelos unifamiliares, hierárquicos e aposta na habitação coletiva experimental de transição como catalisador de novas relações entre indivíduos. 7

A Rússia era em grande parte analfabeta e esse fenômeno incidia de forma ainda mais intensa sobre o sexo feminino (SENNA, 2017. p. 110). “Dadas as suas responsabilidades domésticas, não era surpreendente que as mulheres tivessem uma taxa mais alta de analfabetismo e menor interesse em política e atualidades. Uma mulher dificilmente poderia compartilhar das mesmas preocupações e interesses de seu marido quando seus horizontes estavam bloqueados, dia após dia, por pilhas de lençóis e louça suja" (GOLDMAN, 2014).

Fig. 80 Vladimir Gruntal. Fotografia do apartamento de Ginzburg. Pós-1930. Fig. 81 Vladimir Gruntal. Fotografia do apartamento do Comissário Milyutin. Pós-1930.


Assim, segundo Vega (2015, p. 533), a construção da casa de Milyutin transgredia a regra com o seu caráter mais tradicional, e restringia o caráter estritamente coletivo com o qual a cobertura tinha sido idealizada, limitando seu potencial.

Todas as mudanças que o projeto sofreu durante sua constru-

ção apenas demonstram as contradições da época. A atmosfera política em que o Narkomfin tinha sido desenvolvido, fruto das pesquisas da OSA e do Stroykom, era diferente da atmosfera em que ele foi construído. Em 1928, quando Ginzburg e Milinis estavam iniciando a construção do Narkomfin, o conflito entre duas tendências, aqui sintetizadas nessas duas fotografias, já existia. De alguma forma, o internacionalismo, coletivismo e a NEP de Lenin ainda eram princípios vigentes. Segundo Vlamdimir Paperny (2016), em 1927 acontece a primeira exposição de arquitetura contemporânea organizada por Ginzburg. Em 1928, Le Corbusier ganha a competição para o edifício Centrosojuz, em Moscou, enquanto a União Central de Cooperativas Habitacionais publica as diretrizes para a casa-comuna, que repreendia “bêbados e vândalos”.

Ainda de acordo com Paperny, essas diretrizes, ao mesmo tem-

po que endossavam a coletividade, reforçavam uma conduta rigorosa do modo de vida. Em 1928, medidas ainda foram tomadas para maximizar o uso do capital privado na construção de habitação, porém, o 15º Congresso do Partido Comunista da URSS demandou explicitamente “reduzir e eliminar os elementos capitalistas da economia” (PAPERNY, 2016). Em 1928, o contato com os estrangeiros começa a ser restringido.

Muito foi debatido sobre coletivização da agricultura nos anos

1920, mas é só em 1929 que se inicia a política de “liquidação dos kulaks como classe, baseando-se na coletivização total” (STALIN, 1929 apud PAPERNY, 2016). A chegada do Primeiro Plano Quinquenal, entre


113 mica da URSS, caracterizada por um capitalismo controlado pelo próprio Estado. Durante a NEP, os arquitetos soviéticos desfrutaram de liberdade para pesquisar e experimentar, enquanto o Partido, focado nas questões bélicas, políticas e econômicas do país, oferecia apoio às vanguardas, porém não interferia diretamente no debate sobre arte e arquitetura.

O Novo Plano redirecionava as prioridades do país por um perío-

do de 5 anos, estabelecendo diretrizes de planificação central e autossuficiência, e o desenhava como um forte rival, capaz de fazer frente ao bloco Capitalista. Stalin passa a conduzir todos os esforços para o desenvolvimento militar e industrial, coletivização da indústria e dos meios de produção. Durante a primavera de 1930, o Comitê Central emitiu a opinião oficial do Partido sobre a reforma da vida cotidiana (MOVILLA VEGA, 2015, p. 519).

Com as mudanças das diretrizes governamentais, os pensado-

res do novyi byt enfrentaram um período de hostilização: em 1930, a escola de arquitetura VKhUTEMAS fechou suas portas e, em 1931, a revista SA foi substituída por uma revista oficial e centralizada (BUCHLI, 2017, p. 174). Em 1930, ocorreu o desmantelamento do Jenotdel e iniciou-se o período de coletivização e reestruturação estatal. Os espaçosos apartamentos K-articulado e 2-F, rodeados pelas unidades F, a cobertura de Milyutin e a precarização ou supressão dos serviços coletivos, indicam como as prioridades sociais do projeto também foram mudando ao longo desse ponto crucial de transição da história soviética. Nesse contexto, o Narkomfin reflete uma sociedade estratificada da mesma forma que também reflete os ideias coletivistas e emancipatórios (UDOVICKI-SELB et al., 2016, p. 70).

CAPÍTULO II NARKOMFIN

1928 e 1929, colocava um ponto final na década de transição econô-


Fig. 82 Vladimir Gruntal. Narkomfin. Pós-1930. Fig. 83 Narkomfin. Data desconhecida.

Apesar de sua repercussão positiva no Ocidente, Buchli (2017, p. 387) argumenta que, como projeto social e avant-garde, o Narkomfin foi bastante subestimado. Em apenas alguns anos, o projeto se tornou obsoleto. Com o estabelecimento do Realismo como diretriz oficial das artes do governo Stalin, o edifício deixou de ser símbolo da vanguarda e do futuro e passou a ser considerado uma relíquia do passado avant-garde. Entretanto, a obra do Narkomfin vai muito além do projeto em si: sua atmosfera experimental, seu rico contexto político, intelectual e material, despertam interesse não apenas na obra construída e seus significados, mas também no seu processo produtivo. Segundo Vladimir Paperny (2016, p. 22), entre 1937 e 1938 ocorreu um esvaziamento do edifício, caracterizado pelo autor como resultado da política de coletivização8 e dos campos de trabalho. De acordo com Natasha Fedorenko (2014), a situação do edifício piorou durante esses anos devido à repressão do Governo Stalin e a crise habitacional. Três apartamentos de três quartos foram transformados em apartamentos comunitários e a fachada do edifício foi pintada de amarelo. 8

Para lista de desaparecidos, ver https://mos.memo.ru/shot-39.htm#s6 (PAPERNY, 2016).


115 CAPÍTULO II NARKOMFIN

Durante a Segunda Guerra Mundial, ocorreram mais alterações no edifício. O térreo livre do Narkomfin foi fechado e foram construídos apartamentos – assim como ocorreu com o Centrosojuz de Le Corbusier –, descaracterizando a obra original. A primeira tentativa de restauro do edifício aconteceu em 1980 pelo filho e pelo neto de Ginzburg, Vladimir e Aleksej. Nos anos 1990, as incorporadoras começaram a demonstrar interesse pelo restauro do edifício (PAPERNY, 2016, p. 22). Nos anos anteriores ao seu restauro, que se inicia em 2017, devido aos baixos aluguéis e à sua memória histórica, o prédio passou a ser ocupado por vários artistas (FONTENELE, 2019, p. 38). Entretanto, devido ao intenso processo de deterioração física, ele figurou três vezes na lista bianual da UNESCO de Patrimônios culturais em perigo, em 2002, 2004 e 2006 (SANTOS, 2018, p. 116). O Narkomfin começou a ganhar maior visibilidade, após anos de abandono, por estar localizado em uma área central de Moscou, adjacente às áreas de interesse para especulação imobiliária. Com fácil acesso a uma das principais ruas da cidade, Garden Ring Road, em frente à Embaixada dos EUA e próximo ao Centro Internacional de Negócios de Moscou, tornou-se uma localização de interesse para investidores e corretores (SANTOS, 2018, p. 116).

Fig. 84 e 85 Anna Marchenkova. Narkomfin. 2014.


Fig. 86 e 87 Ludvig. Narkomfin. 2017.


CAPÍTULO II NARKOMFIN

117


Fig. 88 e 89 Narkomfin. Studio de Anton Totibazde e Sasha Partenak. 2015.


119 CAPÍTULO II NARKOMFIN Fig. 90, 91, 92 Luciano Spinelli. Studios de artistas e cozinha improvisada. 2014.


Fig. 93 Yuri Palmin. Fachada e Interior de unidade tipo F. 2020.

De acordo com Miguel Santos (2018, p. 116), devido a acordos com os antigos moradores na década de 1980, a prefeitura sempre deteve parte dos apartamentos do complexo. Nesse período, as autoridades soviéticas passaram a se preocupar com a segurança dos moradores do Narkomfin, e começam a oferecê-los apartamentos compatíveis. Muitos aceitaram a proposta e se mudaram. Com o fim da URSS, em 1998, os residentes receberam a permissão de privatizar seus apartamentos (PAPERNY, 2016, p. 25). Em 2006, um dos maiores grupos de investimentos de Moscou passou a comprar individualmente alguns apartamentos, mas as tentativas de reformas foram bloqueadas pelo Departamento de Patrimônio Cultural de Moscou (SANTOS, 2018, p. 116). Quando se iniciou a compra dos apartamentos, apenas 12 estavam ocupados, alguns deles privatizados. O restante estava abandonado, sendo que algumas células eram utilizadas pelos moradores como depósito (PAPERNY, 2016, p. 25). De acordo com Santos (2018), em 2016, em leilão realizado pelo Departamento de Patrimônio Cultural de Moscou, 95% das unidades foram vendidas para uma companhia de investimentos pelo valor de 1,6 milhões de dólares, com o objetivo de restaurar o conjunto para torná-lo uma habitação premium. O projeto foi coordenado pelo neto


121 É interessante notar que o discurso historicamente seletivo utilizado no projeto de restauro não menciona a relação de Ginzburg com o Politburo Soviético, ou a conexão do Narkomfin com os ideais socialistas. No site do empreendimento a história do edifício se resume na busca por soluções tecnológicas dos construtivistas, na racionalização das formas e na rejeição dos ornamentos. Segundo Santos, [...] a menção, vale-se dizer, ao construtivismo não chega a expor, aliás, o seu objetivo-chave: a criação dos condensadores sociais, a forma-tipo da vida socialista. Por fim, na descrição do processo de “restauração da pérola do construtivismo dos anos 20-30” os projetistas afirmam que “[...] preservaram cuidadosamente o patrimônio avant-garde, mas repensaram e readaptaram profundamente o espaço do edifício aos modernos padrões de uma moderna habitação de classe premium” (SANTOS, 2018, p. 118)

Ou seja, a história do edifício é utilizada para gerar valor imobiliário, dentro de uma lógica econômica que difere completamente do momento em que o projeto foi pensado. Como Sabrina Fontenele (2019, p. 39) questiona, a nova proposta de ocupação do conjunto, marcado historicamente pelo uso coletivo, pode apontar para uma tentativa de apagar o passado soviético do edifício. A gestão do patrimônio cultural soviético e o restauro do Narkomfin, para Santos (2018, p. 119) são um reflexo da maneira seletiva que a Rússia contemporânea lida com a memória do seu passado soviético. De uma maneira que, de fato, talvez só a dialética marxista consiga explicar, o Narkomfin, um conjunto de edifícios uma vez concebido para opor-se de forma absoluta ao modo de vida capitalista, é hoje utilizado como apenas mais uma propaganda da capacidade do “capitalismo Putinista neonacionalista” (Buchli, 2017) de articular não só diferentes modos de produção (Harvey, 1997) e de gestar a política de imagem de uma Moscou “globalizada” (Sassen, 2005), mas também de produzir, em relação à arquitetura modernista soviética [...] uma política de memória assentada na desapropriação da característica mais fundamental deste patrimônio histórico-cultural específico: a sua capacidade de apresentar, no passado e no presente, uma forma-tipo alternativa ao modelo de habitação capitalista [...] (SANTOS, 2018, p. 120).

CAPÍTULO II NARKOMFIN

de Ginzburg, o arquiteto Alexey Ginzburg.


Fig. 94 e 95 Narkomfin. Renders externos do projeto de restauro.


123 CAPÍTULO II NARKOMFIN Fig. 96 e 98 Narkomfin. Renders internos do projeto de restauro. Unidades F eK. Fig. 97 e 99 Yuri Palmin. Narkomfin. Interiores das unidades F e K.



ГЛАВА ТРЕТЬЯ

O REALISMO SOVIÉTICO DEBATE SOBRE A ARQUITETURA NACIONAL E RETORNO DA FAMÍLIA NUCLEAR

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O REALISMO SOVIÉTICO DEBATE SOBRE A ARQUITETURA NACIONAL E RETORNO DA FAMÍLIA NUCLEAR A Perestroika Cultural de Stalin A “stalinização”1 da Arquitetura Soviética nos anos 1930, seguindo as diretrizes do 16º Congresso do Partido, foi um processo longo e complexo. Ela não só despertou intenso debate entre os arquitetos, como também encontrou resistência de parte do público, que continuava a admirar a arquitetura moderna de concepção da vanguarda dos anos 1920. Ao mesmo tempo, o uso de estilos históricos na arquitetura era uma prática bem estabelecida na Rússia antes do início da intervenção estatal na arte, arquitetura e literatura, e competia diretamente com os projetos dos Modernistas. Os fundamentos do Realismo Socialista já existiam na prática arquitetônica, e alguns dos modelos que se tornariam símbolos a partir de 1929 foram concebidos na URSS antes do Estado considerar qualquer tipo de intervenção (UDOVICKI-SELB, 2009, p. 492). O adiamento repetido do Primeiro Congresso da União Stalinista de Arquitetos Soviéticos, inicialmente agendado para 1934, é reflexo da lentidão desse processo. Isso foi causado pela dificuldade que a liderança comunista da União enfrentou ao controlar o processo de tomada de decisões. O adiamento do CIAM, agendado para 1933, ocorre pelo mesmo motivo (UDOVICKI-SELB, 2009, p. 467). Segundo Danilo Udovicki-Selb (2009, p. 467), o fato de o Politburo desejar sediar um congresso desses em Moscou nos próximos anos, embora 1

As aspas em Stalinização se devem pelo fato de que Stalin não foi o único responsável pela transformação arquitetônica abordada, além de que "Stalinismo" é um termo bastante complexo e debatido no âmbito da historiografia política.

Fig. 100 Cartão postal retrata cidadãos em barco passando pelo edifício residencial Kotelnicheskaia Embankment. 1957.

CAPÍTULO III O REALISMO

127

ГЛАВА ТРЕТЬЯ



129 Os eventos envolvendo a competição de 1928 para a Biblioteca de Lenin demonstraram os atritos no cenário arquitetônico da época. O júri do concurso era composto pela MAO, organização arquitetônica pré-revolucionária, reestabelecida em 1923 por Alexei Shchusev. Tirando os construtivistas irmãos Vesnin, vários arquitetos conservadores atuantes no período Tsarista também foram convidados para participar da competição, entre eles Shchuko, Shchusev e o engenheiro Il’ja

CAPÍTULO III O REALISMO

rejeitasse o modernismo, demonstra a complexidade do discurso arquitetônico iniciado por Stalin em 1928, com a Revolução Cultural ou Perestroika (reconstrução). Além disso, o autor cita alguns exemplos que explicitam a pluralidade arquitetônica deste período, em que o espírito da modernidade e do modernismo ainda sobrevivia. Dentre eles, o Palácio da Cultura de Moscou (1937) projetado pelos irmãos Vesnin, e o sanatório em Kislovodsk (1938), projetado por Moisei Ginzburg. Em contraste aos interiores modernos do Palácio e o modernismo característico de Ginzburg, Udovcki-Selb menciona a monumental arquitetura “hiper-stalinista” do Palácio dos Sovietes (1934) projetado por Boris Iofan e Vladimir Shchuko.

Fig. 101 Viktor e Aleksandr Vesnin. Palácio da Cultura. Moscou. 1935-?.

Rerberg. A comoção do público moscovita foi grande e resultou em um apelo modernista pela ajuda do Partido na defesa da arquitetura racional e moderna; estudantes, professores e arquitetos organizaram um abaixo-assinado contra os arquitetos em atividade antes da Revolução, que pertenciam aos círculos aristocráticos e burgueses. O que mais preocupava os assinantes do abaixo-assinado era a tendência crescente, em todo o país, de regaste de formas antigas de arquitetura nacional em direção à reintrodução dos estilos (UDOVICKI-SELB, 2009, p. 469). Portanto, no final dos anos 1920, as visões conflitantes em relação ao byt e os questionamentos em relação à viabilidade e legitimidade da reforma da vida cotidiana se manifestaram nos debates sobre arquitetura do período, e as organizações de arquitetos continuaram a se multiplicar. Neste período, os ataques à OSA e à VKhUTEMAS ganham força nos círculos arquitetônicos (BUCHLI, 2017, p. 164).

Fig. 102 Boris Iofan. Palácio dos Sovietes. 1932.


Em 1928 um grupo de membros insatisfeitos da ASNOVA fundou a ARU (União de Arquitetos e Urbanistas). Um ano depois, em 1929, surge a VOPRA – Sociedade de Arquitetos Proletários da União –, que reivindicava mudanças compatíveis com o espírito da Revolução Cultural e o Primeiro Plano Quinquenal2. É importante ressaltar que a formação de grupos artísticos e culturais não era bem recebida pelo Partido, particularmente quando sua política se direcionava a um governo centralizado que controlava de perto as atividades na URSS. Os Construtivistas previram o perigo do partidarismo e da onda crescente do ecletismo (BLIZNAKOV, 1976, p. 232). Em 1930, por iniciativa da OSA, é criada a VANO – Sociedade Cientifica Arquitetônica da União – cuja ideia era reunir vários movimentos em uma associação, a fim de manter algum controle sobre o inevitável (UDOVICKI-SELB, 2009, p. 473). O ano de 1932 foi marcado por uma volta ao passado no trabalho de muitos arquitetos. Isso é bastante visível na competição para o Palácio dos Sovietes em Moscou (1931-32), em que são submetidos diversos projetos de inspiração Classicista, com destaque para o trabalho de Zholtovsky, arquiteto consagrado do Tsarismo. Para Khan-Magomedov (1987, p. 260), “o centro de gravidade da arquitetura soviética mudou gradualmente durante os anos 1930s, da busca por tipologias novas em termos sociais e novas formas, para a criação de composições monumentais envolvendo o uso generoso de formas tradicionais”. O projeto vencedor foi o de Boris Iofan (fig. 102), design que serviria de protótipo para o Realismo Socialista nos próximos anos (BLIZNAKOV, 1976, p. 231). 2

A VOPRA defendia uma proletarização mais rápida da profissão e demandava que os estudantes de arquitetura de origem proletária fossem admitidos e recebessem maior incentivo na profissão do que os de origem burguesa (BUCHLI, 2017, p. 164). Inicialmente, o design arquitetônico da VOPRA era modernista na sua aparência, e muito se aproximava da linguagem da OSA. De acordo com Udovicki-Selb (2009, p. 473), os primeiros líderes da organização eram antigos estudantes do ateliê de Alexander Vesnin na Vkhutemas. Porém, segundo Buchli (2017, p. 165), posteriormente, os arquitetos da VOPRA desenvolvem uma linguagem “stalinista” de inspiração clássica, assim como muitos ex-membros da OSA também fizeram.


131 Dessa maneira, os problemas estéticos relacionados à forma ganham importância central no debate sobre arquitetura, assim como ocorreu durante os primeiros anos soviéticos. Nos anos 1920, ocorre a rejeição das tradições arquitetônicas e a exclusão, no ensino, de princípios relacionados a seus antigos mestres feita pelos Construtivistas e Racionalistas. Essa exclusão se dá como contraponto aos antigos métodos de ensino, em que os estudantes eram treinados para fazer composições baseadas numa miscelânea de formas do passado. Como já foi mencionado, os fundadores da nova arquitetura, como Aleksandr Vesnin, Ladovsky, Ginzburg, Lissitzky, Krinsky e Gosolov, tiveram uma formação pautada em princípios Clássicos. Entretanto, a segunda geração de Racionalistas e Construtivistas foi mais receptiva às influências classicistas do que aqueles que alcançaram a nova arquitetura por meio de uma rejeição consciente da ornamentação. Muitos jovens arquitetos que se depararam com o Classicismo, depois da sua formação, enxergaram nele um grande potencial criativo (KHAN-MAGOMEDOV, 1987, p. 262). Ainda em 1932, o Partido extingue todas as organizações artísticas existentes, com o objetivo de direcionar e controlar a produção dos artistas. Todos os arquitetos agora faziam parte da União Total dos Arquitetos Soviéticos e, a partir de 1933, o design arquitetônico passaria a ser realizado apenas em estúdios subordinados aos governos locais 3. 3

Anteriormente, os arquitetos tinham direito de aceitar comissões e realizar projetos em seus escritórios privados (BLIZNAKOV, 1976, p. 232).

CAPÍTULO III O REALISMO

Essa competição ficou marcada como a última ocasião em que os Construtivistas, Racionalistas ou Utilitarianistas tiveram para provar a validade de sua abordagem do design. A ideia de construir um edifício para simbolizar o poder e expressar a ideologia do socialismo surgiu em 1923, com a competição para o Palácio do Trabalho, que nunca chegou a ser construído. Com o Primeiro Plano Quinquenal, o país saiu do período de transição marcado pela NEP, e o governo forte e centralizado de Stalin viu a necessidade de demonstrar poder e imortalizar sua vitória (BLIZNAKOV, 1976, p. 231).


A revista Sovetskaya Arhitektura foi substituída pela revista oficial Arkhitektura SSSR, e o antigo líder da VOPRA, Alabjan, foi designado editor chefe (UDOVICKI-SELB, 2009, p. 474). Também foi criado um órgão chamado Arplan, sob a direção de Kaganovich4, cuja função era revisar e aprovar todos os projetos antes de serem aprovados para construção, não apenas por uma questão funcional, mas também estética. A estética oficial do Estado foi estabelecida, e os resultados seriam refletidos nas futuras décadas (BLIZNAKOV, 1976, p. 231). O Classicismo era visto por Kaganovich e por muitos como uma alternativa progressista ao arraigado estilo Bizantino, incansavelmente revivido desde o Século X, quando os eslavos do nordeste adotam o Cristianismo e a sua arquitetura. No fim da sua vida em 1933, Lunacharsky5 explica que o classicismo, longe de ser contrarrevolucionário, poderia efetivamente simbolizar as aspirações do proletariado, com sua ligação direta à Grécia Antiga e seus ideais democráticos (UDOVICKI-SELB, 2009, p. 477)6.

Entretanto, o reavivamento da Renascença encontrou resistência, até na imprensa geral. Em novembro de 1934, na Conferência de Arquitetos Soviéticos em Moscou, Viktor Vesnin declarou que “depois da competição para o Palácio dos Sovietes, todos os arquitetos foram levados por grande entusiasmo, mas muitos erraram ao escolher o caminho do esforço mínimo, que era o caminho do ecleticismo e do kitsch, em vez de dedicarem-se ao trabalho criativo”7 (VESNIN, 1934 apud UDOVICKI-SELB, 2009, p. 477).

Isto significa que, apesar da maioria dos arquitetos logo sucum-

birem à nova linguagem imposta, aqueles que dedicaram dez anos de suas vidas desenvolvendo uma arquitetura proletária racionalista resistiram. Aleksandr e Viktor Vesnin e Moisei Ginzburg voltaram-se, 4

Kaganovich era membro do Politburo, conhecido por ser confidente de Stalin.

5

Lunacharsky foi um russo marxista revolucionário e o Primeiro Comissário da Educação do Povo Soviético, responsável pela cultura e educação. 6

Tradução própria do texto em inglês.

7

Tradução própria do texto em inglês.


133 CAPÍTULO III O REALISMO

do design de edifícios públicos, à liderança de grupos de projeto para o Comissariado da Indústria Pesada (Narkomtyazprom), onde o funcionalismo parecia ser mais aceito (BLIZNAKOV, 1976, p. 232). Os arquitetos dos movimentos de vanguarda também permaneceram encabeçando a maioria das novas instituições arquitetônicas. Muitos das novas gerações foram presos, deixando os mestres suspensos numa espécie de vazio. Viktor Vesnin tornou-se Secretário Geral da União Total dos Arquitetos Soviéticos. Em 1936, um dos anos mais marcados pela repressão do Estado, ele foi eleito ao Supremo Soviete da URSS. Nos anos 1930, Ginzburg se responsabilizou pelo time que construía sanatórios e casas de descanso na Crimeia, e também ocupava uma posição proeminente na União dos Arquitetos (UDOVICKI-SELB, 2009, p. 477). Assim, por maior que tenha sido a repressão do período, o Partido foi cauteloso em relação aos modernistas. Era importante para o Politburo não passar a imagem de que o governo estava abandonando posições progressistas, tendo em vista que a intelligentsia internacional havia apoiado a Revolução de Outubro e a arte da vanguarda.

Fig. 103 N. Petrov e Konstantin Ivanov. “Glória ao grande Stalin, o arquiteto do comunismo!”, 1952.


Muitos Construtivistas ainda estavam envolvidos em projetos em andamento, como estações de metrô, sanatórios, casas de repouso e instituições culturais. Por exemplo, o Palácio da Cultura dos irmãos Vesnin é inaugurado em 1937, o pior ano do “Terror” (UDOVICKI-SELB, 2009, p. 479). O lento processo de construir na URSS (projetos desenhados no final dos anos 1920 frequentemente eram completados na próxima década), orientações misturadas de poderes centrais, o caráter técnico e científico de certos edifícios, assim como a resiliência da utopia revolucionária, contribuiu para preservar as tendências modernistas e anti-historicistas até o final dos anos 1930. Somente após a Segunda Guerra Mundial o gosto parvenu da crescente nomenklatura, ansiosa por participar do luxo resplandecente antes disponível apenas para a aristocracia deposta, prevaleceu plenamente (UDOVICKI-SELB, 2009, p. 492)8.

Também cabe aqui esclarecer que, apesar do prevalecimento

da diretriz oficial do governo, o Realismo não era apenas ditado por Stalin ou Kaganovich, sem ocorrer nenhum tipo de debate. De acordo com Catherine Cooke (1997, p. 141), o espírito da experimentação e criatividade foram endereçados a diferentes problemas quando os objetivos estéticos mudaram. A autora rebate vários julgamentos clichê em relação ao período, como o de que os arquitetos soviéticos eram desprovidos de conhecimento histórico e engajamento teórico, ou que as preocupações do Partido com a beleza em arquitetura tornaram-se uma mera fascinação pelas estruturas clássicas, ou então, que a vitória do Realismo Socialista representou a morte da arquitetura da esperança, cooperação humana, e decência (HUDSON, 1994 apud COOKE, 1997, p. 140).

Para Cooke, (1997, p. 137) a historiografia produzida em relação

à arquitetura soviética no período Stalin tem mais ajudado a reduzir os entendimentos ao oferecer nada mais do que julgamentos clichê. 8

Tradução própria do texto em inglês.


135 CAPÍTULO III O REALISMO Fig. 104 Khukhlaev Konstantinovich. Estação de metrô Mayakovskaya. 1953.

No Ocidente, a maioria dos comentários tem sido feita por quem sabe a língua russa, mas desconhece a arquitetura, partindo de uma abordagem sobre política ou história social, e realizando leituras ideologicamente enviesadas. Segundo a autora, para os russos, o problema é mais sutil. Ainda não há uma distância crítica dos eventos traumáticos do período Stalin ou do fim do controle sobre o acesso histórico ao período.

No período Stalin, os edifícios individuais ainda eram separada-

mente comissionados por times de master architects apropriados e eram considerados tarefas individuais de projeto. O processo não se baseava no conceito capitalista de propriedade e lucro para o escritório, porém era multitarefas, parte técnico, parte social, e enfaticamente estético (COOKE, 1997, p. 142). Cooke cita dois edifícios como exemplos do Realismo Socialista: o prédio residencial de Ivan Zholtovsky, de 1934, na Rua Mokhovaya, e a estação de metrô Mayakovskaya, de 1938, desenhada por Dushkin e o escultor Matvei Manizer (COOKE, 1997, p. 142).



137 CAPÍTULO III O REALISMO

O Edifício na Rua Mokhovaya e os interiores das Stalinkas Dois anos depois da construção do Narkomfin, e três anos após a construção da casa de Melnikov, Zholtovsky projetou a habitação em Mokhovaya e enxergou neste projeto um ponto de inflexão em sua carreira. Ivan Zholtovsky foi escolhido dentre os arquitetos das novas e velhas escolas para construir em um dos nove terrenos disponibilizados pelo Soviete de Moscou. Os projetos habitacionais deveriam ser símbolos de conforto e estética, e estavam localizados nas principais ruas de Moscou (REVZINA; SHVIDKOVSKY, 2019, p. 98). Assim como os edifícios dos arquitetos avant-garde, o edifício na Rua Mokhavaya também era um tipo de manifesto, porém com ideias completamente opostas: uma declaração do retorno do Historicismo, uma demonstração da possibilidade de pensar que as formas do passado eram necessárias à modernidade socialista. O prédio consiste em seis andares com 30 apartamentos no total, com colunas geminadas conectando os seis andares, um poderoso ático acima do entablamento quebrado, e detalhamentos de altíssima qualidade9. Além disso, possuía apartamentos duplex no último andar, em que as áreas comuns e cozinhas ficavam na “parte com as colunas” e os quartos ficavam no andar do ático (REVZINA; SHVIDKOVSKY, 2019, p. 99-101). 9

Dando lugar ao projeto original, que possuía estátuas que deveriam continuar os eixos das colunas, foi colocado o slogan “Comunismo vencerá” e mais tarde “Glória ao grande povo Soviético”. As referências de Zholtovsky para este projeto são claras: Palazzo Valmanara e Loggia del Capitaniato em Vicenza. De fato, Zholtovsky era um grande seguidor de Palladio. No momento em que inicia o projeto, em 1932, ele tinha 65 anos de idade, e já havia traduzido e preparado a publicação dos Quatro Livros de Arquitetura de Palladio (REVZINA; SHVIDKOVSKY, 2019, p. 98-99).

Fig. 105 Ivan Zholtovsky. Edifício na Rua Mokhovaya. 1934.


Fig. 106, 107 e 108. Detalhes dos interiores do edifício na Rua Mokhovaya. Arkitektura SSSR. 1934.


139 Os exteriores de Zholtovsky são bem conhecidos, enquanto o interior dos edifícios, sua organização e decoração, nem tanto. Os apartamentos possuíam muitos detalhes, nas portas, janelas e tetos. A variedade de detalhes é complementada pela variedade de soluções de planejamento; os apartamentos diferem em número e disposição dos cômodos. 10

A reação dos construtivistas pode ser representada pelo discurso de Viktor Vesnin, em que diz que o edifício da Rua Mokhovaya é um “prego” no caixão do Construtivismo, e que deveria ser arrancado. Também há a indignação pelo fato de Zholtovsky ter sido o arquiteto escolhido pelo Mossovet, dentre os representantes das velhas e novas escolas (REVZINA; SHVIDKOVSKY, 2019, p. 98). 11

É interessante notar que os artigos davam enfoque especial aos ornamentos de portas, teto, capitéis, pinturas de paredes, pisos e revestimentos. No artigo aparece uma única planta (fig. 109) e cerca de dois parágrafos sobre disposição dos cômodos. A maioria das imagens são da fachada do apartamento e de detalhamentos internos. 12

Tradução do inglês rooms. Entende-se que um a seis quartos diz respeito aos cômodos íntimos e sociais, como quarto, sala de jantar e de estar. Por exemplo, um apartamento de seis quartos teria uma sala de jantar, uma sala de estar e quatro quartos.

CAPÍTULO III O REALISMO

O projeto de Zholtovsky foi recebido por dois tipos de reação – por um lado, admiração, e por outro, criticismo10. O prédio de apartamentos, próximo ao Kremlin, foi visto com entusiasmo por parte do público e da profissão. Quando os tapumes foram removidos para a preparação para o 1º de Maio de 1934, as pessoas que passavam espontaneamente aplaudiram. A revista Arkhitetkura SSSR publicou três artigos separados sobre este edifício na Edição de junho de 1934 (MITROVIC, 2009, p. 260). Os artigos enfatizavam a qualidade artística do edifício11 – em especial para os capitéis suntuosos –, assim como a qualidade dos detalhamentos e decoração dos interiores. Apartamentos como esses, de um a seis quartos12, atraíram os novos habitantes, membros da intelligentsia do Partido. O público em geral, incluindo pessoas que nunca tinham ouvido sobre Palladio ou as tendências da arquitetura soviética durante a segunda metade dos anos 1920 e a primeira metade dos anos 1930, apreciava esse tipo de fachada (REVZINA; SHVIDKOVSKY, 2019, p. 98-101).



141 Em habitação, o Realismo se manifestava por meio da elevação da expressão arquitetônica de elementos próprios do edifício em si – varandas, janelas, corredores – e não a aplicação de elementos de falsa monumentalidade (COOKE, 1997, p. 152). Em sua tese, Ksenia Choate analisa os parâmetros residenciais do período a partir do livro Interyer Zhilogo Doma [Interior Residencial], de 1954. Nele, os autores dão exemplos de composições consideradas ideais para interiores residenciais do período Stalin. Em apartamentos de dois ou mais cômodos, os espaços eram diferenciados em quartos e cômodos compartilhados – utilizados para refeições, receber convidados, descansar e, às vezes, possuíam mesas para estudo. O cômodo compartilhado ideal teria entre 15 e 20m², e pé direito entre 3,1 e 4,3 m. Ele deveria funcionar como o centro do apartamento, estando localizado no meio da planta, com uma área maior e acabamentos, mobiliário, tamanho de portas e janelas diferenciados (CHOATE, 2010, p. 32). A planta representada a seguir (fig. 112) demonstra um exemplo típico de planejamento espacial e layout para uma Stalinka. Neste apartamento, o Hall de entrada e a sala são conectadas por meio de portas de vidro. A cozinha e o banheiro concentram-se no lado esquerdo do apartamento. O quarto tem duas entradas, uma a partir do hall e outra a partir da sala (CHOATE, 2010, p. 26). No outro exemplo (fig. 113), é apresentada uma sugestão de layout em que a cozinha aparece perto da entrada, e o quarto mais afastado. 13

Basicamente, a divisão dos cômodos seguia a tripartição burguesa: área social, íntima e de serviços. Esse conceito é originário das casas burguesas pós-Revolução Industrial, que possuíam essa setorização funcional.

Fig. 109 Planta tipo do bloco de apartamentos na R. Mokhovaya. Arkitektura SSSR. 1934.

Fig. 110 Ivan Zholtovsky. Fachada da Casa em Mokhovaya. Data desconhecida.

CAPÍTULO III O REALISMO

As instalações sanitárias são isoladas dos quartos por meio de um hall, que leva à cozinha e aos quartos de empregados, lavabo e casa de banho13. Nos apartamentos menores, as instalações sanitárias estão combinadas no banheiro. Os quartos encontram-se localizados atrás das colunas salientes, o que restringe o contato em relação ao exterior (URBAN, 1936).


Fig. 111 Sugestão para sala de jantar de apartamento de quatro quartos.

Fig. 112 Sugestão de planta mobiliada de apartamento de dois quartos.


143 CAPÍTULO III O REALISMO Fig. 113 Sugestão de planta mobiliada de apartamento de dois quartos.

A adjacência conveniente entre a cozinha e a área de jantar e a proximidade entre banheiro e quarto são apontadas como positivas. O autor também enfatiza mais uma vez a importância da sala servir como o centro compositivo do apartamento14 (CHOATE, 2010, p. 30). É importante ressaltar que, apesar do livro Interyer Zhilogo Doma ter sido escrito baseado na ideia de que cada apartamento seria habitado por uma família, na realidade, durante essa época, a maioria das famílias não vivia em apartamentos separados. Ao invés disso, compartilhavam barracas e dormitórios, ou ocupavam um quarto ou dois nas kommunalkas15 (CHOATE, 2010, p. 42). 14

Nos apartamentos do Narkomfin, a sala também aparece como o centro compositivo, por meio do pé direito duplo. Nas Stalinkas, o destaque se dava por meio da ornamentação e da localização central na planta. Também, aqui a sala aparece como o cômodo de reunião e interação da família nuclear, diferente do Narkomfin, em que a intenção do cômodo coletivo era destinar-se, além da interação, ao desenvolvimento pessoal e atividade intelectual. Como já foi mencionado, no projeto do Narkomfin é dada ênfase à interação pessoal por meio dos aparatos estatais, como refeitórios, creches, clubes de trabalhadores, entre outros. 15

Apartamentos comunitários divididos por várias famílias, bastante comuns durante o período pós-revolucionário e a era Stalin. Para maior aprofundamento, ver Capítulo IV "Dos Kommunalki às Khrushchevki".


Apartamentos unifamiliares foram construídos durante a era Stalin, porém eles eram reservados para membros do estado e da elite do Partido, ou para trabalhadores que possuíam títulos honorários. O que é significativo em relação ao governo Khrushchev, é a extensão da promessa do conforto doméstico para toda a classe trabalhadora, um gesto representativo do igualitarismo que o regime Khrushchev procurou promover (VARGA-HARRIS, 2008, p. 562). É interessante observar a diferença entre dois projetos construídos em um período tão curto de tempo. Zholtovsky inicia o projeto da Casa em Mokhovaya apenas dois anos depois da inauguração do Narkonfim. Além de ser um bom exemplo da mudança do cenário arquitetônico da NEP para o Primeiro Plano Quinquenal, o layout dos apartamentos revela bastante sobre quem seria o público a quem seriam direcionadas as políticas públicas em Stalin. Uma política habitacional voltada aos membros do Partido, e apartamentos projetados para a tradicional família nuclear.

Por último, vale mencionar o contexto de guerra e de destruição

em que se desenvolveu parte do governo de Stalin, como é citado por Christine Varga-Harris, o que justifica a intensificação do déficit habitacional e a falta de uma política habitacional concreta no período. A promessa da habitação massificada nasce com a Revolução de Outubro de 1917, e a expropriação e redistribuição das habitações privadas que seguiram os meses da vitória Bolchevique [...]. Entretanto, a oferta de espaço habitável do regime Tsarista estava longe de ser suficiente, e a migração da população rural para os centros urbanos [...] exacerbou a crise habitacional. [...] Nos anos 1930, Joseph Stalin direciona capital, recursos e a energia humana das necessidades de consumo – incluindo habitação – para intensa industrialização, coletivização de terras, e preparação para a guerra. Então, durante a II Guerra Mundial, o estoque de habitação soviético se deteriora ou é esgotado pela destruição. Esse déficit perdurou durante toda a década de 1950 [...] (VARGA-HARRIS, 2015, p. 2).


145 CAPÍTULO III O REALISMO Fig. 115 "O Comunismo vencerá!" Data desconhecida.



147 Entre 1917 e 1936, além da mudança de diretrizes em relação à arquitetura, houve uma inversão completa da visão soviética oficial sobre a família. Depois do compromisso libertário com a igualdade de gênero e a extinção do núcleo familiar, o período terminou com uma política pautada no fortalecimento da unidade familiar. Para Wendy Goldman (2014, p. 389), os acontecimentos ideológicos aconteceram de forma desigual e um tanto contraditória. O encerramento das atividades do Jenotdel, em 1930, eliminou um órgão importante de ideias e atividades em prol da questão feminina na URSS. Debilitado por falta de fundos e apoio ao longo da década de 1920, o departamento foi perdendo forças até ser extinto no final da década (GOLDMAN, 2014, p. 390). Para Senna (2016, p. 284), a burocratização e enfraquecimento do departamento das mulheres foi um processo longo, e ocorreu gradativamente de acordo com as mudanças de diretrizes do PC, de fortalecimento interno do Partido e foco nas questões militares. Um segundo elemento considerável do contexto é o processo de stalinização, iniciado em 1922. Tal processo transformou o jogo político, já que se fortaleceu uma oposição frente ao novo líder. Além disso, como é conhecido, houve uma fortificação, também, do processo de burocratização do partido. Essa, ao colocar o novo foco para a captação de militantes, fortalecimento interno, construção do partido, acabou por, em parte, marginalizar as questões femininas (SENNA, 2016, p. 284).

Como argumentado por Senna (2016, p. 266), o fim do Jenotdel cessou uma das possibilidades de maior poder de transformação quanto ao trabalho das mulheres: o contato entre elas próprias, por meio de atividades como espaços de alfabetização, leitura, ensino de noções de higiene, saúde e educação.

Fig. 116 Iraklii Toidze. "A bondade de Stalin ilumina o futuro de nossas crianças!" 1947.

CAPÍTULO III O REALISMO

Políticas familiares em Stalin e inversão de valores


Além disso, o desaparecimento do departamento das mulheres representou a transferência da tomada de decisões sobre questões femininas para o Partido, em grande parte composto por homens (STITES, 1976, p. 192 apud SENNA, 2016, p. 287). Entretanto, depois que o Jenotdel foi desarticulado, o Primeiro Plano Quinquenal recuperou as ideias de emancipação feminina e extinção do núcleo familiar. Segundo Wendy Goldman (2014, p. 390), muitos ativistas do Partido, motivados pela entrada da mulher no mercado de trabalho, abraçaram com entusiasmo a causa do cuidado das crianças, refeitórios comunitários e a estatização do trabalho doméstico feminino. O Código de 1926 é notado por ser o último conjunto de leis soviéticas introduzidas para proteger as mulheres como população distinta. A partir de então, a legislação concentraria suas forças na proteção da família, e a mulher passaria a ser vista como a personificação das questões familiares, e suas necessidades inextricavelmente relacionadas às necessidades da família e dos filhos (KAMINSKY, 2011). Como já foi abordado no Capítulo I, o Código Soviético da Família de 1918 constituiu um compromisso entre os ideais bolcheviques e medidas pragmáticas. O Código estabeleceu o casamento civil, simplificou o processo de divórcio, revogou o conceito de filhos ilegítimos e estabeleceu a pensão no caso de divórcio. O novo Código das Leis sobre o Casamento, a Família e a Tutela foi aprovado por decreto em novembro de 1926 (KAMINSKY, 2011, p. 65), e definiu o reconhecimento do casamento de facto, o estabelecimento da propriedade conjunta e o procedimento de divórcio simplificado. O casamento de facto16 era baseado na coabitação, lar compartilhado, educação mútua das crianças e o reconhecimento da união por parte de um terceiro (GOLDMAN, 2014, p. 298). Ou seja, foi estabelecida a igualdade 16

Tradução da edição em português, nos textos em inglês aparece como factual marriage.


149 CAPÍTULO III O REALISMO

de direitos entre casais registrados e não registrados, em especial o acesso à pensão em caso de separação para esposas de casamentos não registrados em cartório17 (KAMINSKY, 2011, 68). Esse Código revela, mais uma vez, o contraste entre visão libertária das relações sociais e a realidade material, ao cooperar com a visão socialista de que todos os impedimentos para o divórcio tinham que ser removidos e, ao mesmo tempo, demandar que a lei amparasse mulheres e crianças abandonadas. O novo Código teve impacto imediato sobre a taxa de divórcios na Rússia Soviética (GOLDMAN, 2014, p. 298).

Moscou

Leningrado

Divórcios/ Divórcios/ 100 100 Casmentos Divórcios casamentos Casamentos Divórcios casamentos

1918 7,5 2,1 28 14,4 - 1919 14,5 3,4 19 19,5 - 1920 19,1 3,7 19 27,7 1,9 1921 16,9 5,1 30 20,9 2,4 1922 15,3 3,5 23 14,9 2,3 1923 16,1 3,8 24 14,9 3,4 1924 14,9 4,5 30 12,4 3,2 1925 13,6 5,6 41 13,2 3,1 1926 12,7 6,0 47 13,6 3,6 1927 12,6 9,3 74 15,0 9,8 1928 12,7 9,6 76 16,5 - 1929 12,9 10,1 78 16,2 -

17

Tabela Divórcios em Leningrado e Moscou (a cada mil habitantes)

- Fonte: S. N. Prokopovich, - 7 1952 apud GOLDMAN, 11 2014, p. 347 15 23 26 23 26 65 -

O Código de 1918 garantiu reconhecimento apenas ao casamento de registro civil como forma de deslegitimar o casamento religioso. Durante a discussão sobre o Código de 1926, o Comissário da Justiça Kursky justifica que o casamento civil já havia superado o casamento religioso. Em 1925, apenas um terço dos casamentos envolviam a Igreja, enquanto dois terços eram puramente civis. Kursky argumenta que, a partir do momento que o casamento por meios religiosos não representava mais uma ameaça, os casamentos registrados e não registrados deveriam se igualar no que tange os direitos matrimoniais (KAMINSKY, 2011, p. 66).


O número de divórcios aumentou entre 1926 e 1927 na zona

europeia de URSS de 1,6 para 2,7 a cada mil habitantes. Nas áreas rurais, o aumento foi de 1,4 a 2 na taxa de divórcios, e nas cidades duplicou de 2,9 a 5,8. Nas cidades da zona industrial, que incluem Moscou, a taxa de divórcio subiu mais que o dobro; em Leningrado, atual São Petersburgo, chegou quase a triplicar. Em 1927, aproximadamente 20% de todos os homens e 17% das mulheres que se casaram nos povoados já havia se divorciado; no campo, 11% dos homens e 9% das mulheres (GOLDMAN, 2014, p. 346).

O Novo Código motivou muitas mulheres, principalmente em

casamentos de facto, a iniciarem processos por auxílio financeiro após processos de divórcio ou abandono. Em 1927, o número de processos por apoio financeiro, na região siberiana, aumentou 30% em relação a 1926, com 23 mil processos no ano18. Ainda que o procedimento de divórcio tenha sido facilitado, as dificuldades que as mulheres divorciadas enfrentavam continuavam as mesmas em sua essência. Apesar da volta das mulheres ao mercado de trabalho nos anos 1920, na maioria dos ramos da indústria, o número de mulheres não excedia o período pré-guerra, ou seja, muitas mulheres ainda eram completamente dependentes financeiramente. Além disso, o número de creches ainda era relativamente pequeno, e o Estado concentrava seus esforços no cuidado de crianças pré-escolares, ficando o restante sob responsabilidade da família (GOLDMAN, 2014, p. 348-349). Em adição às dificuldades financeiras e de cuidado das crianças, essas mulheres ainda sofriam o peso do julgamento da sociedade. As mudanças em relação ao casamento, divórcio, e a política de pensões evidenciaram tensões entre a moral e a lei. Em seu trabalho, Lauren Kaminsky (2011) reúne algumas cartas enviadas para a revis18

Goldman cita como exemplo os 179 casos apresentados aos tribunais populares no distrito de Novosibirsk: 79% estavam relacionados à pensão para crianças, 10% eram pais anciãos processando os filhos adultos e apenas 7% pediam pensão alimentícia.


151

As jovens mães que aceitavam o pagamento de pensão eram

vistas não só como destruidoras de lares saudáveis, mas também parasitas, criminosas, vagabundas, elementos não-produtivos que se aproveitavam da confiança e boa vontade do Estado Soviético, da lei e da sociedade (KAMISNKY, 2011, p. 79). Segundo as autoras das cartas, o problema da legislação sobre pensão era que os filhos ilegítimos muitas vezes tinham o direito a uma porcentagem fixa do salário do pai que o filho legítimo não possuía. Elas argumentavam que o estado seria mais efetivo às mulheres se mudasse o foco da proteção feminina para a integridade familiar (KAMINSKY, 2011, p. 83).

Para Sheila Fitzpatrick (1996 apud KAMINSKY, 2011, p. 65), o

hábito de escrever cartas públicas era uma forma essencial de comunicação individual e privada com as autoridades, em assuntos públicos e privados. A autora vincula este hábito à tradição de escrever petições ao Tsar, e menciona que as cartas são o mais próximo da esfera pública durante o período Stalin de que se pode chegar. A oposição às leis de pensão em particular expõe uma diferença entre o discurso oficial do estado e os valores familiares não oficiais, que em breve seria erradicada.

CAPÍTULO III O REALISMO

ta Rabotnitsa em resposta a um artigo publicado em junho de 1940, cuja intenção era guiar as mulheres no processo de reivindicação da pensão. As leitoras da revista enviaram cartas emitindo suas opiniões sobre a legislação soviética, e os editores encaminharam essas cartas ao Comissariado de Justiça. Protestos em forma de carta expressavam discordâncias em relação às leis de pensão após divórcio e argumentavam a favor da restauração da distinção entre famílias legalmente registradas e famílias baseadas somente na relação biológica, demonstrando a convicção popular de que algumas famílias eram mais valiosas do que outras, e deveriam receber maior suporte financeiro e atenção das autoridades.


A priorização da família na legislação soviética aconteceu concomitantemente ao retorno da ordem tradicional e uso extensivo do terror como arma extralegal contra os inimigos (SALOMON, 1996 apud KAMINSKY, 2011, p. 69). Em fevereiro de 1935, o Comitê Central anunciou a intenção de Stalin de revisar a Constituição de 1924, mas em julho é divulgada a elaboração de um novo documento. Contraditoriamente, o renovado comprometimento do governo em relação à lei e à legalidade como uma característica permanente do estado socialista aconteceu ao mesmo tempo que inúmeros cidadãos foram acusados, sentenciados e, em alguns casos, até executados por meios extralegais (KAMINSKY, 2011, p. 69).

As medidas da Constituição de Junho de 1936 caminhavam

para a alegada necessidade de garantir proteção às mães e crianças. Em 26 de Maio, o Jornal Pravda publicou o esboço da nova legislação, cuja discussão pública durou menos de um mês. A lei proposta proibia o aborto e penalizava médicos, não médicos e até as mulheres que fizessem o procedimento. A nova lei proporcionava apoio para mães trabalhadoras, garantia quase quatro meses de licença maternidade e estabelecia penalidades criminais para empregadores que se recusavam a contratar mulheres grávidas. Mulheres com seis filhos ou mais eram remuneradas a cada criança nascida depois, assim como mães com onze crianças recebiam auxílio por cada criança adicional por um período de cinco anos. O esboço expandia o número de clínicas maternidade, de creches e de cozinhas de leite.

Além das medidas pró-natalistas, acabava com a prática oni-

presente do divórcio por carta postal – exigindo que ambos os cônjuges comparecessem em Zags

19

para ter o divórcio registrado em

seu passaporte – e aumentava a taxa gradativamente de acordo com o número de divórcios que a pessoa já havia solicitado. Estabelecia 19

Escritórios de estatísticas para o registro de casamento, divórcio, nascimento e morte (GOLDMAN, 2014).


153 Em 1936, os jornais publicaram uma série de artigos com opinião da população sobre o rascunho da nova Constituição. Em resposta ao Artigo 122, explicitamente direcionado aos direitos das mulheres, os cidadãos debateram a necessidade desse artigo, questionando se as mulheres deveriam receber essa proteção especial da Constituição, como as crianças, ou se deveriam ser consideradas nos direitos e deveres de todos os cidadãos (KAMINSKY, 2011, p. 69). Além disso, as cartas ao jornal Pravda sugerem que havia um respaldo considerável aos casos de aborto em casos de gravidez não desejada, e forte apoio às medidas mais restritivas ao divórcio e à pensão alimentícia, e à expansão de instalações de cuidado infantil (GOLDMAN, 2014, p. 387). Em suma, a legislação de 1936 oferecia às mulheres uma “barganha implícita” (GOLDMAN, 2014, p. 387) ao ampliar a responsabilidade do Estado e dos homens pela família, mas em troca exigir que as mulheres assumissem o duplo fardo de trabalhar e ser mãe, abandonando a ideia de que o Estado assumiria as funções da família. Conforme Wendy Goldman expõe, essa legislação possuía raízes nas críticas populares e oficiais da década de 1920, mas a sua concretização representou uma ruptura com os ideais e práticas revolucionários. A responsabilidade parental garantida pelo governo, ao mesmo momento que o aborto volta a ser proibido, não se tratou de uma coincidência. Foi uma política voltada ao fortalecimento da família como um incentivo positivo para as mulheres terem mais filhos, ao mesmo tempo que foram instituídas medidas coercitivas para proibir o aborto. Depois de um aumento temporário do número de nascimentos, em 1938 a taxa declina novamente e não volta a crescer aos níveis pré-industrialização, o que torna a efetividade das medidas pró-natalistas questionável (HOFFMANN, 2000 apud KAMINSKY, 2011, p. 69).

CAPÍTULO III O REALISMO

níveis mínimos de apoio à criança em um terço do salário do réu para uma criança, 50% para duas crianças e 60% para três ou mais. Também aumentava a penalidade para o não pagamento para mais de dois anos de prisão (GOLDMAN, 2014, p. 382).


Em 1944, a política pró-natalista se intensifica, num contexto de conter a escassez populacional e o desequilíbrio proporcional de gênero fruto da alta taxa de mortalidade e baixa taxa de natalidade durante a Segunda Guerra Mundial. O objetivo da lei familiar de 1944 era a mudança de foco das grandes famílias camponesas para o incentivo, por meio de subsídios, às majoritárias famílias pequenas para terem mais de dois filhos (KAMINSKY, 2011, p. 84). O Édito sobre a família desse ano abdicou dos traços remanescentes da legislação progressista dos anos 1920: retirou o reconhecimento do casamento de facto, proibiu os julgamentos pela paternidade, reintroduziu a categoria da ilegitimidade dos filhos e transferiu os divórcios de volta para os tribunais (GOLDMAN, 2014, p. 393). O conflito de vinte anos entre a esposa legal e a amante pela renda do homem assalariado foi finalmente resolvido a favor da família. As disposições mais revolucionárias dos Códigos de 1918 e 1926 foram erradicadas. As raízes da reversão do direito familiar datam dos anos 1920. O legado do subdesenvolvimento russo, a falta de recursos estatais, o peso da economia, da sociedade e das tradições camponesas atrasadas, a devastação da base industrial durante o período de guerra, o desemprego, a fome e a pobreza foram fatores que minaram gravemente a primeira visão socialista. [...] Muitas das sugestões oferecidas pelas mulheres na década de 1920 [...] foram finalmente adotadas pela lei e política familiar stalinistas. A dura retórica da responsabilidade familiar encontrou sem dúvida um público agradecido (GOLDMAN, 2014, p. 393).

Ou seja, as novas diretrizes políticas simbolizam o sacrifício dos direitos das mulheres conquistados até então em detrimento do crescimento populacional, que se tornou uma pauta urgente após o início da guerra entre URSS e a Alemanha nazista. Inclusive, foi feito o uso massivo de propaganda como forma de espalhar esse novo retrato da mulher. O título honorário de Mãe Heroína (fig. 118) foi criado em 1944 para mães que tivessem uma grande família. O pôster ao lado (fig. 117) é do mesmo ano que o título e o Édito sobre a Família. Nele, é possível observar uma família grande, a ausência do pai – correspondente à falta de responsabilidade paterna na criação dos filhos – e dois filhos vestidos em uniformes militares, da marinha e do exército.


155 lhos para apoiarem as ações militares da nação e restringir à mulher a esfera doméstica, ao honrar seus papéis de mães de múltiplas crianças (LIU, 2019, p. 255). Fig. 117 "Viva à mãe heroína!" 1934.

Fig. 118 Medalha do título honorário de Mãe Heroína.

CAPÍTULO III O REALISMO

O propósito do governo era claro, incentivar as mulheres a terem fi-


Entretanto é importante mencionar que a política do governo

de Stalin nunca sustentou que o lugar da mulher era o lar. O Partido continuou estimulando o ingresso das mulheres na força de trabalho e utilizando o discurso de libertação feminina (GOLDMAN, 2014, p. 387). Apesar do regime ter demonstrado falta de comprometimento com a questão das mulheres desde o fim do Jenotdel e a declaração de que a questão feminina havia sido resolvida na URSS, o trabalho feminino continuou sendo vital durante o segundo e o terceiro Plano Quinquenal. Dessa maneira, as autoridades promoveram inúmeras campanhas encorajando as mulheres a assumir papéis então considerados masculinos e ingressar na força de trabalho industrial (REID, 2014, p. 135).

Isto é, o conceito da mulher soviética no governo de Stalin en-

volve dois elementos principais: a produção e a reprodução. A produtividade referia-se à produção industrial; as mulheres eram incentivadas a trabalhar nas fábricas, seja na manufatura, na produção de metais pesados ou de armamento militar (LIU, 2019, p. 250). Ao mesmo tempo, a política de fortalecimento da família como uma instituição de reprodução e socialização designou papéis às mulheres que intensificaram a divisão sexual do trabalho, seja nos espaços públicos, ou dentro da própria família (REID, 2014, p. 136).

Enfim, esperava-se que a mulher fosse uma excelente mãe

e esposa, e ao mesmo tempo uma trabalhadora exemplar. A visão de que a mulher enfrentaria a dupla jornada, enquanto o homem se responsabilizaria apenas financeiramente pela família divergia das ideias iniciais bolcheviques de estatização do trabalho doméstico, emancipação feminina e fim da família nuclear burguesa. Posteriormente, durante a era Khrushchev, as dificuldades combinadas da maternidade, responsabilidades domésticas e compromissos profissionais seriam muito debatidas pela imprensa e pelos decisores políticos (ILIC; REID; ATTWOOD, 2004).


157 ta, o período Khrushchev atribuiu importância ainda maior às noções de moralidade comunista originalmente forjadas nos anos de Stalin.

Fig. 119 Mikhail Solov’ev. “Essas mulheres não existiam e não poderiam existir nos velhos tempos” I.V. Stalin. 1950.

Fig. 120 Marina Volkova e Natalia Pinus. “Vida longa aos direitos igualitários às mulheres na URSS, uma participação ativa na administração do estado, da economia e da cultura da nação”. 1938.

CAPÍTULO III O REALISMO

E, como Deborah Field (1998 apud KAMINSKY, 2011, p. 91) argumen-



ГЛАВА ЧЕТВЕРТАЯ

ERA KHRUSHCHEV HABITAÇÃO EM MASSA NA ERA ESPACIAL

4



161 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

Dos Kommunalki às Krushchevki A habitação no período Stalin, ao deparar-se com um contexto de intensa industrialização, coletivização de terras e preparo para a guerra, recebeu pouca atenção do Estado. A escassa produção de unidades unifamiliares de que se tem conhecimento foi voltada à elite estatal e membros do partido, além de trabalhadores titulares honorários. Em julho de 1957, Nikita Khrushchev declarou prioridade à construção residencial ao anunciar um decreto ambicioso, cujo objetivo era resolver a crise habitacional e proporcionar a cada família um apartamento (VARGA-HARRIS, 2015, p. 2). A política habitacional de Khrushchev simbolizou uma reestruturação da vida doméstica dos cidadãos soviéticos, com a transição da moradia comunal ou kommunalka, para os apartamentos unifamiliares. De acordo com Christine Varga-Harris (2015, p. 2), a produção habitacional durante o Plano Quinquenal de 1956-1960 foi maior do que em todo o período de 1918 a 1946, produzindo mais de 145 milhões de metros quadrados de espaço habitável, e excedendo em quase 8% a meta projetada para este plano, de aproximadamente 140 milhões de metros quadrados. Além disso, nos dois planos quinquenais que coincidiram com o governo Khrushchev, de 1956 a 1965, é estimado que, apenas na Rússia Soviética (RSFSR), aproximadamente 13 milhões de apartamentos foram construídos e cerca de 65 milhões de indivíduos tiveram melhora nas condições de moradia. Ainda que milhões de apartamentos tenham sido construídos no período, a demanda continuava maior que a oferta.

Fig. 121 "Entrega de domicílios”.


Além dos moradores dos kommunalki estarem desesperadamente apelando para saírem dos apartamentos lotados e desconfortáveis, a II Guerra Mundial teve um impacto devastador no estoque habitacional. De acordo com uma estimativa oficial, de 2,5 milhões de unidades habitacionais localizadas em cidades ocupadas na União Soviética, mais de 1 milhão foi destruída. Os combates de guerra tornaram aproximadamente um terço do estoque habitacional inabitável de cidades grandes como Leningrado1, e deixaram cidades como Novgorod, Stalingrado2, Kiev, Sebastopol e Minsk completamente destruídas, resultando em torno de 25 milhões de cidadãos soviéticos sem teto (VARGA-HARRIS, 2015, p. 4). Enfim, a política da era Stalin, voltada ao incentivo da natalidade, levou ao fortalecimento da ideia de família e ao retorno do ideal da casa unifamiliar. Ao mesmo tempo, a crise habitacional demonstra que poucas famílias tinham acesso ao “luxo” de possuir apartamentos próprios.

1

A cidade de Leningrado, hoje São Petersburgo, é um caso singular. A cidade possuía a maior concentração de kommunalki na União Soviética, ficando conhecida como “a capital mundial da habitação comunitária” (BATER; STAPLES, 2000 apud VARGA-HARRIS, 2015, p. 20). Dezenas de milhares entre o número total de moradores de Leningrado que se mudaram a cada ano durante a era Khrushchev receberam ou expandiram suas moradias em edifícios antigos do fundo habitacional do estado. Nos anos 1990, 10% dos apartamentos em Leningrado eram comunais, e é estimado que 40% das moradias tinham menos do que os 9m² considerados parâmetros mínimos pela norma sanitária durante a Revolução. A experiência de guerra da cidade também é distinta. Cercada pelas tropas da Alemanha por mais de dois anos, a cidade perdeu aproximadamente 3,000,000 de pessoas e aproximadamente 16% das suas habitações. Os edifícios foram destruídos por incêndios ou bombardeios, casas de madeira foram destruídas para uso da lenha, e outros edifícios ficaram inabitáveis devido aos danos da guerra (VARGA-HARRIS, 2015, p. 20). 2

Atual Volgogrado.


163 Ao mesmo tempo em que a dom-kommuna 3 não era mais promovida, o número de kommunalki – uma espécie de paródia do antigo ideal de vida comunitária – era grande. As famílias tentavam estabelecer uma vida privada nos alojamentos4, hostels ou kommunalki, característicos da paisagem urbana do período Stalin (ATTWOOD; ILIC; REID, 2004, p. 179). Os alojamentos eram uma medida paliativa para lidar com a crise habitacional resultante da migração massiva camponesa, durante a coletivização e industrialização, e a falta de moradia resultante da destruição da guerra. Eram comuns na paisagem urbana pré-revolucionária e consistiam em grandes quartos divididos por um número de famílias ou indivíduos, com cortinas que proviam alguma privacidade. Os hostels também acomodavam famílias temporariamente; consistiam em longos corredores com quartos em ambos os lados, com várias pessoas dividindo cada quarto. Já os kommunalki, eram considerados um pouco melhores, visto que as instalações eram divididas com menos pessoas, e cada família normalmente possuía o seu quarto (ATTWOOD et. al., p. 179). 3

Segundo Daniel Vega (2015, p. 69), durante a primeira metade da década de 1920, podem ser citadas duas formas paralelas de novos modelos de habitação trabalhados pelos arquitetos. O primeiro modelo se desenvolve a partir de construções nas proximidades de novas fábricas e indústrias, de forma a proporcionar alojamento para os seus trabalhadores. Já o segundo modelo, estava integrado aos exercícios teóricos de elaboração de um novo tipo de casa-comuna (dom-kommuna), tentativa de formular hipóteses experimentais que conduziriam a socialização do modo de vida. 4

Tradução própria do inglês “barracks”.

CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

Fig. 122 Alojamento familiar, Magnitogorsk, 1930.


Fig. 123 Bairro de trabalhadores russos em Hughesovka. 1890-1912.

Fig. 124 Trabalhadores da fábrica Putilov em um apartamento compartilhado.

Fig. 125 Apartamento familiar. Início do século XX.


165 Muitas das kommunalki já haviam sido residências de unifamiliares, desapropriadas após a revolução. Desde o início do governo revolucionário, medidas foram tomadas para abolir a propriedade privada da terra. Em 1918, durante o Comunismo de Guerra, ocorreu a socialização e coletivização das vivendas burguesas5. Portanto, os primeiros kommunalki foram inicialmente criados a partir das casas da elite aristocrática pré-revolucionária, no período de redistribuição habitacional (1917-21), a fim de fornecer a cada família um quarto próprio (GERASIMOVA, 2002, p. 211). Outros foram construídos sob encomenda já como apartamentos comunais, uma prática que era comum na era de Stalin e continuou até a promessa de Khrushchev – e mesmo um pouco tempo depois (ATTWOOD et. al., 2004, p. 180). Uma parte considerável das habitações na região central das grandes cidades russas consistiam em apartamentos espaçosos6, que foram condensados e tiveram seu espaço de convivência reduzido. 5

Aprovado em 26 de outubro de 1917 no II Congresso dos Sovietes, o Decreto Sobre a Terra preparava terreno para a confiscação imediata dos bens imóveis que se faria efetiva com as ordens de 1918. O Decreto de 20 de Agosto de 1918 transferia a propriedade privada para o Estado ou as autoridades locais, dispondo das condições necessárias para realojar grupos de famílias em habitações que até então serviam a uma única família burguesa (MOVILLA VEGA, 2015, p. 65). 6

Enquanto a burguesia e a nobreza desfrutavam de aposentos luxuosos, os trabalhadores não possuíam fornecimento de água, esgoto e eletricidade adequados, ruas pavimentadas ou transporte público, e viviam em alojamentos superlotados. Esses alojamentos consistiam em um grande edifício térreo com grandes dormitórios e cozinhas de uso comum. Já nas franjas das cidades, predominavam as casas em madeira (VERLAG, 2016, p. 226)

CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

Fig. 126 Zakhar Vinogradov. Vilarejo da época do império Russo. Região do Volga.


Após a Revolução, todas as habitações foram expropriadas pelo Estado. Uma proporção dos antigos proprietários foi expulsa de seus apartamentos, enquanto foi permitido que alguns ficassem e dividissem seus antigos lares com famílias menos abastadas provenientes das regiões mais pobres (GERASIMOVA, 2002, p. 211). Os apartamentos da elite aristocrática tinham 3 ou 4 quartos para uso privado da família, 2 ou 3 cômodos sociais, como salões e salas de jantar, 2 a 3 quartos para empregados, uma cozinha ampla, pelo menos dois lavabos, um banheiro e duas entradas, para uso dos empregados e da família. A família vivia na gospodskaia chast (parte do mestre). Esses cômodos estavam localizados na parte frontal do apartamento, junto à fachada, e cada um tinha acesso ao corredor principal. Os cômodos dos empregados ficavam adjacentes à entrada traseira, junto com as instalações de serviço. Afinal, o desenho dos apartamentos correspondia às normas culturais dos habitantes da época; apartamentos para os menos abastados tinham menos cômodos dedicados à funções especializadas, mas ainda exibiam essas características do lar familiar (GERASIMOVA, 2002, p. 213). A principal mudança imposta ao apartamento familiar quando reformulado para se tornar uma kommunalka era a divisão do espaço em dois tipos: lugares de uso comum e cômodos para famílias ou indivíduos. Por exemplo, era típico que um banheiro no apartamento burguês ficasse adjacente aos quartos, enquanto outro ficava próximo à parte social do apartamento e outro se localizasse perto da cozinha, para uso dos serventes. Num apartamento transformado em kommunalka, nenhum dos banheiros permanecia privado; não era raro encontrar um banheiro compartilhado por mais de 20 pessoas (GERASIMOVA, 2002, p. 217). A cozinha era o cenário principal da kommunalka, era o espaço central devido à sua multifuncionalidade e acesso aberto. As cozinhas comunais continham uma série de funções diferentes das exercidas em cozinhas individuais ou familiares. Nelas, raramente se comia, recebia visitas ou assistia a televisão. Mas, eram um espaço público e de encontros (GERASIMOVA, 2002, p. 215).


167 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV Fig. 127 Sala de jantar da cantora de ópera Maria Aleksandrovna Mikhailova, na época do Império Russo.

Fig. 128 Sala de estar do Barão Alexander Vladimirovich Ikskul von Hildenbrandt em São Peterburgo prérevolucionária.


Fig. 129 e 130 Banheiro e sala de estar do comerciante Solovyov e família.


169 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

Os cômodos privados familiares também adquiriram uma dinâmica particular. As diferentes zonas funcionais do cômodo eram sinalizadas pela presença dos móveis e equipamentos domésticos; por exemplo, a cama sinalizava onde se dormia, a escrivaninha onde se estudava, a mesa de jantar representava a sala de jantar etc (GERASIMOVA, 2002, p. 217). De acordo com Christine Varga-Harris (2015, p. 152), os desafios de viver coletivamente foram reconhecidos nos jornais e revistas. Os leitores expunham suas frustrações em morar com inquilinos que violavam as normas de conduta social, ou direcionavam-se às autoridades locais pela inefetividade em garantir ordem nos apartamentos. Ainda segundo a autora, ter que fazer fila para amenidades domésticas como utilizar o fogão ou o banheiro privava os moradores de autonomia corporal, enquanto a falta de controle do território doméstico os colocava em posição de desconforto perpétuo (apud GERASIMOVA, 2002, p. 223). Os locais de interação social no apartamento comunal tinham características tanto da esfera pública quanto da privada. Por um lado, os espaços continham atividades que usualmente ocorriam no privado, como cozinhar, lavar ou conversar no telefone.

Fig. 131 Planta de uma típica kommunalka em São Petesburgo. Os cômodos numerados de 1 a 10 abrigavam uma família inteira.


Por outro lado, ao sair do seu quarto era, para o inquilino, ir a público (GERASIMOVA, 2002, p 216). Ou seja, fica claro que esse tipo de casa não pode ser definido como espaço inteiramente privado, e a vida no apartamento comunal não pode ser descrevida como puramente doméstica ou pessoal, uma vez que inclui relações sociais impessoais típicas do ambiente externo à casa. É importante ressaltar que essa discussão tem como pressuposto o conceito de casa Ocidental, que está intrinsicamente relacionado à privacidade. Katerina Gerasimova traz uma questão muito interessante ao abordar a mistura de esfera pública e privada dentro dos apartamentos. A autora aponta que o conceito ocidental de privacidade nunca foi um aspecto aprofundado na cultura Russa e Soviética; inclusive, o termo privacidade é difícil de ser traduzido para o russo. "[…] as categorias êmicas de ‘privacidade’ podem ser reconstruídas pelo uso de conceitos como ‘de alguém’ (svoi), ‘familiar’ / ‘pessoal’ (smeinoe/ lichnoe) e ‘fechado’ / ‘escondido’ (zakrytoe/skrytoe)" (GERASIMOVA, 2002, p. 225). Ao coletar relatos dos moradores, a autora cita que eles frequentemente falavam de sentimento de humilhação, desconforto e tensão similares àqueles sentidos pelos ocidentais quando sua privacidade é violada7 (GERASIMOVA, 2002, p 208). Enfim, o apartamento comunal foi pensado como um fenômeno temporário que seria superado num futuro próximo. Entretanto, como já foi mencionado, uma constelação de diferentes fatores e circunstâncias permitiram que esse tipo de habitação se espalhasse, tornando-se uma forma típica de morar nas cidades grandes. 7

O desconforto dos moradores fica evidente quando observado o uso de diferentes táticas para minimizar a tensão causada pela falta de privacidade. O exemplo mais latente é o uso de cortinas nas portas para ocultar os quartos quando a porta está aberta, ou para separar espaços. Também é possível notar a falta de higiene e cuidado nos locais de uso comum, que eram percebidos pelos inquilinos como pertencentes ao Estado. Os direitos iguais e deveres em relação a eles se transformavam em irresponsabilidade geral e dependência em relação ao Estado. Isso gerava o abandono, sujeira e impessoalidade dos locais (GERASIMOVA, 2002, p 224).


171 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV Fig. 132 e 133 Cozinha de Kommunalka em São Petesburgo. 1997.


Fig. 134 Kommunalka em Moscou. 1983.


173 de suas habitações precárias para os apartamentos confiscados da burguesia em Moscou e 300.000 em Petrogrado8, atual São Petersburgo (KHAN-MAGOMEDOV; COOKE; LIEVEN, 1987, p. 342).

Segundo Christine Varga-Harris (2005, p. 221), assim como

as krushchevkas, os apartamentos comunais também sobreviveram imediatamente ao colapso do comunismo. Em São Petersburgo, no ano de 2000, os kommunalki ainda representavam cerca de 9% dos apartamentos na cidade, um decréscimo em relação aos quase 16% em 1991. Ainda segundo a autora, durante os anos 90, uma estimativa de 40% apartamentos comunais de São Petersburgo ainda tinham menos de 9m² de living space 9, declarado como o mínimo na norma sanitária revolucionária.

De certa forma, isso se deve também devido a preferência pes-

soal. Alguns moradores de kommunalki relutaram em se mudar por causa da localização central dos apartamentos, o que configura uma proximidade de serviços e transporte, e além disso, por causa do charme do centro histórico de São Petersburgo (VARGA-HARRIS, 2015, p. 221). Além da conveniência e da beleza, como relata Gerasimova, indivíduos que cresceram em uma kommunalka e se mudaram para um apartamento individual reportaram um sentimento de perda em relação à vida comunitária (apud VARGA-HARRIS, 2015, p. 221).

8

Petrogrado passa a se chamar Leningrado em 1924 e, em 1991, São Petersburgo

9

Em 1919, a norma sanitária estabelece o parâmetro mínimo de 8.25 m2 de living space por pessoa, mas os parâmetros reais eram consideravelmente menores. Em 1931, a média de espaço por pessoa em Leningrado era 6.72 m2. Imediatamente depois da Segunda Guerra Mundial, a norma sanitária oficial foi expandida em 3m2, após ser gradualmente aumentada para 12m2 nos anos 1990. (GERASIMOVA, 2002, p. 211)

CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

De 1918 até 1924, aproximadamente 500.000 pessoas mudaram-se



175 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

As Khrushchevki e a era Espacial O ano de 1957 foi memorável para a história da União Soviética, marcado pelo lançamento do Sputnik – o primeiro satélite artificial a orbitar a terra – e o início do “talvez mais ambicioso programa habitacional estatal na história humana” (RUBLE, 1993 apud VARGA-HARRIS, 2015, p. 24). O programa espacial soviético em 1961 levou o primeiro homem ao espaço, Yuri Gagarin e, em 1963, a primeira mulher, Valentina Tereshkova. Assim como a campanha espacial, a campanha habitacional também produziu resultados impressionantes. Foram construídos aproximadamente 70 milhões de apartamentos para quase 300 milhões de cidadãos, no final dos anos 1980 (VARGA-HARRIS, 2015, p. 24). O Plano de Sete Anos, lançado em 1958, ambicionava construir 15 milhões de apartamentos nas áreas urbanas e 7 milhões de habitações rurais – a serem distribuídas a partir do princípio “uma família, um apartamento” –, o que só poderia ser alcançado a partir de um barateamento de custos radical (ATTWOOD et. al. 2004, p. 177). Em 1954, Nikita Khrushchev já discursava a favor de novas diretrizes para os padrões construtivos na União Soviética. Na Convenção dos Trabalhadores da Construção da União, ele celebrou seu novo cargo de Secretário Geral do PC e colocou a culpa da crise habitacional de Moscou nos arquitetos que se importavam apenas “em construir edifícios de caráter individual… monumentos para si próprios”. Ainda, afirmou que os arquitetos “haviam esquecido a questão mais importante – o custo por metro quadrado do espaço – eles foram levados pela decoração desnecessária da fachada, e permitiram muitos excessos” (BITTNER, 2008, p. 115).

Fig. 135 Construção de Kommunalki.


Ainda, é nesse contexto que a Academia de Arquitetura é renomeada para Academia de Construção e Arquitetura. Ao passo que a provisão habitacional respondia às mesmas autoridades dos outros setores da economia, as autoridades centrais – o Partido Comunista, o Soviete Supremo e o Conselho de Ministros da URSS – detinham o controle da indústria da construção. Eles eram responsáveis por fornecer diretrizes, supervisionar o design arquitetônico e a construção, e o planejamento urbano de toda a União Soviética, enquanto a Academia de Construção e Arquitetura deveria implementar as resoluções destes órgãos. A Academia também ficava responsável pela padronização, mecanização e organização construtiva, planejamento e equipamento das unidades (desde infraestrutura básica até mobiliário), e pela expansão de serviços de consumo e estabelecimentos culturais nos blocos habitacionais (VARGA-HARRIS, 2015, p. 25). Nos meses que seguiram a convenção, a construção padronizada de partes pré-fabricadas – tipovoe proektirovanie – tornou-se o dogma arquitetônico oficial da União Soviética. De acordo com o Banco de Construções da RSFSR, mais de 80% de toda a habitação produzida na Rússia Soviética em 1959 era de pré-fabricados. Em 1955, o Comitê Central emitiu um comunicado oficial, denunciando o excesso na arquitetura do período Stalin e endossando as reformas propostas por Khrushchev (BITTNER, 2008, p. 117). Esse excesso não só era visto como custoso para o Estado, mas também relacionado ao gosto datado e pequeno-burguês: a opulência deveria ser substituída pelo utilitarianismo (ATTWOOD et. al. 2004, p. 177). A partir de então, as construções foram baseadas em modelos padronizados, substituindo a alvenaria por materiais mais econômicos, como concreto, plástico, e o amianto, então uma novidade. O método industrial de construção consistia na produção dos elementos pré-fabricados nas indústrias e a montagem dos edifícios nos terrenos. O gabarito ideal pensado foi de quatro a cinco andares, tornando desnecessário o uso de elevadores, o que barateava ainda mais o processo construtivo. Além disso, apesar do conhecimento de que pés direitos altos permitiam uma maior circulação do ar e eram mais


177 É possível notar que as circunstâncias do pós-guerra desempenharam um papel determinante nos métodos construtivos e de projeto. A arquitetura simples e funcional apareceu como alternativa barata e rápida para reconstrução em massa numa Europa destruída (VARGA-HARRIS, 2004, p. 27). Segundo Lynne Attwood (2004, p. 178), Khrushchev admitiu que os apartamentos não pretendiam ser luxuosos10: “Pergunte a qualquer dona de casa, e ela dirá que os benefícios superam as desvantagens. Você tem que decidir entre construir mil apartamentos adequados ou setecentos muito bons. E um cidadão iria preferir um apartamento adequado hoje, ou esperar dez ou quinze anos por um muito bom?”. Quando se tratava da paisagem urbana, de forma mais ampla, a típica arquitetura monumental da era Stalin – em que as fachadas voltadas às ruas principais eram ostensivamente ornamentadas –, era considerada mais apropriada para prédios administrativos (VARGA-HARRIS, 2015, p. 35). Depois de Stalin, o conceito de mikroraion se dissemina: bairros independentes de blocos de apartamentos padronizados, com acesso universal para escolas e creches, estacionamentos, transporte público, áreas verdes e recreação. Além da construção em massa ser uma resposta à crise habitacional, ela também incorporava os ideais socialistas soviéticos. Teoricamente, todos teriam acesso à habitação moderna, e todos os apartamentos eram similares e equipados com instalações contemporâneas (GUNKO; BOGACHEVA; MEDVEDEV; KASHNITSKY, 2018, p. 393).

10

Os apartamentos adquiriram o apelido de “khrushchoby”, mistura do nome do Secretário Geral do Partido e da palavra em russo para “guetos”, trushchoby (ATTWOOD et. al. 2004, p. 178).

CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

saudáveis, eles tiveram que ser diminuídos, em prol dos interesses econômicos (ATTWOOD et. al. 2004, p. 178).



179 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

Uma família, um apartamento

Quando Khrushchev iniciou o seu programa habitacional, ele

declarou que toda família, inclusive recém-casados, teriam direito a seu próprio apartamento. A percepção geral era de que duas ou três tipologias seriam capazes de acomodar todos os tipos de famílias. Isso pode ser visto tanto como um fator ideológico – de que existiria uma imagem ideal da família soviética – quanto um fator econômico – era mais barato produzir um número limitado de tipologias em massa (ATTWOOD et. al. 2004, p. 182).

Essa produção em massa é comumente responsabilizada por

criar a paisagem urbana mais monótona da humanidade (MEUSER; ZADORIN; KNOWLES, 2015, p. 7). De acordo com o arquiteto M.G. Barkhin (1961 apud ATTWOOD, 2004, p. 182), de Brest a Vladivostok, foram construídos distritos idênticos de casas idênticas. Embora fossem feitas referências à necessidade de acomodar famílias com várias crianças, de 5 ou mais pessoas, a “família média” – um casal com duas crianças – era o foco principal do programa habitacional.

Apesar da promessa de Khrushchev de que recém-casados te-

riam direito ao apartamento próprio, na realidade, havia poucas chances de isso acontecer. Muitas famílias jovens continuavam a viver com seus pais, seja por escolha ou por necessidade. Com o crescimento da família, o apartamento poderia ficar tão cheio como uma kommunalka, agora ocupado por várias gerações de uma única família. Às vezes, as famílias alugavam quartos em seus apartamentos para estranhos.

Fig. 136 Henri Cartier Bresson. Família caminha em Moscou. Ao fundo, construção das kommunalki. 1954.


Attwood (2004, p. 183) cita o relato de Alexander Werth, que visitou Moscou na era Khrushchev, e notou que era comum ver anúncios de aluguéis de quartos de khrushchevki recém-construídas nos jornais. Se uma família possuía um apartamento de três quartos e uma renda baixa, era comum que se alocassem em dois quartos e alugassem o terceiro em troca de uma renda extra. À questão da renda, somava-se o fato de que muitas mulheres soviéticas trabalhavam, e, como não havia creches e jardins de infância que atendessem a todas, morar com a avó ou a mãe significava ter alguém para dividir as tarefas de casa e cuidados das crianças. Muitas mulheres também recorriam às babás – jovens meninas que vinham do interior e não tinham acomodação na cidade –, que acabavam morando junto com a família para quem trabalhavam, em quartos improvisados (ATTWOOD et. al. 2004, p. 184). Ainda de acordo com Lynne Atwood (2004, p. 185), a distribuição dos apartamentos era desigual11. A maioria das novas habitações estava sob controle de fábricas ou empresas, que as distribuíam entre os trabalhadores de acordo com o seguinte critério: quão produtivos eles eram em seus trabalhos, e o quanto eles precisavam da casa. O período em que o funcionário estava na empresa também contava como critério de seleção. Entretanto, a corrupção encontrou o seu lugar nessa distribuição, e era comum que apartamentos fossem dados em troca de favores políticos, por exemplo. Além disso, as mulheres sofriam uma discriminação considerável quando se tratava da distribuição. Devido a fatores demográficos do pós-guerra, muitas mulheres eram mães solteiras e não eram consideradas uma “família” quando se tratava de alocação em apartamentos. Para se ter uma noção, no pós-guerra, o número de mulheres supera o número de homens na União Soviética. 11

Os Órgãos Municipais tinham algumas habitações à sua disposição, a serem atribuídas para pessoas cujas habitações eram tão precárias que deveriam ser demolidas (ATTWOOD et. al. 2004, p. 185).


181 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV Fig. 137 Jurij Pimenov. "Casamento na Rua do Amanhã". 1962.


De acordo com o censo de 1959, havia 81.9 homens a cada 100 mulheres, sendo a diferença maior em certas idades. Por exemplo, para a faixa etária de 45-59 anos, havia 62.3 homens para 100 mulheres (FIELD, 1998, p. 612). Como se pode notar, a ideia de família, consolidada na era Stalin, continuou sendo parte do ideário socialista na era Khrushchev. De acordo com Deborah Field (1998, p. 201), a reconstrução da cidadania soviética nos anos 1950 tinha como princípios a moralidade Comunista e um código de ética que governava a vida privada e pública, combinando, de forma mais branda, valores do ativismo de 1920 com virtudes domésticas endossadas nos anos de Stalin. As formulações da moralidade comunista incluíam valores Soviéticos familiares: devoção ao comunismo, coletivismo, trabalho diligente para o bem da sociedade, patriotismo, honestidade, modéstia, assim como atitude consciente em relação às responsabilidades familiares, em especial cuidados das crianças. A conduta social e política correta era enfatizada em numerosos livros, artigos, palestras e programas de rádio. Era enfatizado também que qualquer decisão pessoal, desde questões de sexualidade e reprodução, até a decoração de interiores, tinha impactos na sociedade como um todo. Tais ideias se aproximam muito do discurso da era Stalin. Entretanto, durante o período Khrushchev, devido ao uso limitado da coerção, convencer as pessoas a viverem de acordo com a moral Comunista era essencial para a realização da sociedade ideal. O que mudou não foi o conteúdo da moralidade, mas sim a importância dada a ela. Por exemplo, os cidadãos que cumprissem a demanda moral de trabalhar duramente forneceriam força de trabalho para o desenvolvimento econômico nacional. Aqueles que internalizassem a conduta social ideal conduziriam a segurança e estabilidade social, levando uma vida ordenada e certificando-se de que seus vizinhos e colegas fizessem o mesmo (FIELD, 1998, p. 602).


183 Fig. 138 Elena Zharinov e filhas observam a construção dos apartamentos. Life Magazine. 1963.

CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

Olhando pelo viés da domesticidade, houve um engajamento intenso por parte do Estado na esfera doméstica. Segundo Victor Buchli (1999 apud REID, 2004, p. 153), não aconteceu a liberalização de atitudes mediante ao âmbito doméstico, muito pelo contrário. Ocorreu uma problematização do byt e uma participação intensa do Estado na vida doméstica, que deveria ser altamente racionalizada e disciplinada.



185 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

O Way of Life Comunista A negação do passado “stalinista”12 simbolizada pelo discurso de Khrushchev no vigésimo Congresso do Partido, em fevereiro de 1956, configurou o início de uma campanha contra o ornamentalismo e o retorno do debate em torno de questões como o byt, domesticidade e consciência pequeno-burguesa (BUCHLI, 1997, p. 161). Com isso, a discussão sobre os interiores residenciais ganhou destaque e o cultivo da sensibilidade estética e bom gosto passam a ser reafirmados como aspectos essenciais para a construção do comunismo, sendo atrelados diretamente à moral comunista. Ou seja, enquanto as pessoas estivessem cercadas de objetos que remetiam à estética burguesa ou à era Stalin, sua mentalidade também estaria atrelada esses valores do passado (ATTWOOD et. al., 2004, p. 156).

Esse discurso do way of life comunista foi intensificado diante

do contexto da Guerra Fria. Na corrida espacial, a ciência socialista provou sua superioridade com o lançamento do Sputnik em 1957. Entretanto, na American National Exhibition, em Moscou, a cozinha modelo Americana foi utilizada pelo Vice-Presidente Richard Nixon para confrontar o socialismo. A cozinha, e as condições do trabalho feminino em geral, eram um símbolo do atraso soviético (REID, 2005, p. 290).

12

Neste Congresso, Khrushchev expõe os horrores do sistema “Stalinista”. Ficou conhecido como “discurso secreto” ou “degelo”.

Fig. 139 e 140 Interior no "estilo contemporâneo". Moscou. 1962.


A questão do modo de vida soviético, para além das polêmicas

da Guerra Fria, representava uma questão de fé para os socialistas. A vitória global do socialismo seria alcançada pelos padrões de vida superiores que o regime garantiria, dando as melhores condições de vida possíveis para o maior número de pessoas. Dessa maneira, o governo Khrushchev enfatizava repetidamente a transição para o comunismo com o alcance da superabundância e prosperidade nunca vistas antes, dedicando uma atenção extraordinária a questões de consumo e vida doméstica cotidiana (REID, 2005, p. 290).

Apesar dos métodos industriais limitarem os anseios criativos,

os arquitetos, engenheiros e planejadores urbanos assumiram uma tarefa vital. Conforme menciona Christine Varga-Harris (2015, p. 26), era o papel deles enxergar o potencial da nova construção na reestruturação da vida cotidiana, pois eram vistos como especialistas quando o assunto era estética e gosto13. Como afirmado por Victor Buchli (apud VARGA-HARRIS, 2015, p. 82), a palavra russa para design – dizain – adquiriu uma conotação ideológica, e relacionava funcionalidade à erradicação da consicência pequeno-burguesa. O design, no sentido mais verdadeiro, serve ao ser harmonioso, torna-o “esperto”, e humaniza o mundo em que ele vive. O design nos ensina a viver democraticamente, e racionalmente. A importância da aparência e do fenômeno do design, desse novo aspecto de atividade, só pode ser apreendido com a realização de que o mundo dos objetos tem um efeito poderoso nas pessoas em sua volta. O design amplia não apenas a sensibilidade estética, mas também a sensibilidade ética (KOSHELEVA, 1976 apud BUCHLI, 1997, p. 162)14.

13

Como Deborah Field demonstra (apud VARGA-HARRIS, 2015, p. 83), a moralidade comunista enfatizada na era Khrushchev reforçava que os interesses pessoais deveriam estar de acordo com os interesses públicos. Essa visão que conecta anseios pessoais e questões sociais significava uma conduta estrita no lar, assim como nos espações públicos. Para tanto, uma série de profissionais definiam as normas da vida cotidiana, desde especialistas em interiores, psicólogos, educadores, advogados etc. 14

Tradução própria de texto publicado na revista feminina Rabotnitsa.


187

Do ponto de vista da habitação, para Buchli (1997, p. 166), um

dos aspectos mais significativos do boom habitacional foi a reintrodução das plantas abertas aos layouts dos apartamentos – também muito semelhantes aos primeiros apartamentos construtivistas e outros esquemas dos anos 1920 na Europa Ocidental, que enfatizavam flexibilidade. Os apartamentos da era Stalin eram caracterizados por cômodos com funcionalidade única, reminiscentes da habitação pré-revolucionária. Como é demonstrado a seguir (fig. 145), os apartamentos pequeno-burgueses15 e da era Stalin tinham como centro a mesa de jantar familiar, e os móveis organizavam-se de forma centrípeta ao redor desse núcleo, que era iluminado pela única fonte de luz do cômodo, normalmente uma grande luminária. Essa configuração passou a ser vista como antiquada, e deveria ser substituída pela divisão racional de zonas funcionais, como demonstra a figura (BUCHLI, 1997, p. 166). A eliminação completa da stolavaia ou sala de jantar transfere o local do ritual familiar de fazer refeições juntos para as áreas mecânicas do apartamento, onde a comida era preparada. 15

Nos anos 1920s, a planta de apartamento descrita como pequeno-burguesa estava atrelada politicamente à família nuclear burguesa reacionária. No final dos anos 1950 e 1960, a rejeição não ocorre pelo mesmo motivo (BUCHLI, 1997, p. 166).

CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

Essa reestruturação da vida cotidiana em todas as esferas, por meio de profissionais especializados, está relacionada ao cientificismo da época. O Terceiro Programa do Partido – declaração ideológica definitiva do período Khrushchev – adotado em 1961, identificou o progresso social com o progresso científico e tecnológico. Assim, iniciou-se uma campanha educacional persuasiva com o objetivo de inserir a consciência científica no lar, introduzindo formas modernas de organização no trabalho doméstico. Mesmo que a casa ainda representasse uma esfera de influência feminina, ela deveria aproximar-se do comunismo científico (REID, 2005, p. 290).


Fig. 141 Família em apartamento típico da era Stalin. 1954.

A stolavaia perde sua centralidade espacial e cerimonial na vida doméstica. Se uma cozinha era muito pequena para a realização de refeições, o mobiliário retrátil era recomendado (fig, 143). Uma das inovações significativas na cultura material dos interiores foi o desenvolvimento do mobiliário transformável, minimizando o número de móveis e mascarar funções consideradas inapropriadas ou secundárias para certos cômodos. Por exemplo, o “quarto comum” deveria ser o local em que os membros da família se reuniam ou recebiam convidados. Os usos secundários poderiam ser escondidos por meio do mobiliário retrátil: um sofá ou uma estante poderiam virar uma cama, um armário poderia virar uma cama para criança, a mesa de jantar poderia desaparecer. Enfim, um apartamento de um quarto poderia adquirir um visual amplo e integrado (BUCHLI, 1997, p. 168).

O slogan dos anos 1920 dos reformadores do byt, nichego

lishnego – nada supérfluo – passou a ser muito utilizado nos anos 1960. O objetivo era eliminar todos os itens desnecessários, como os armários buffets, papéis de parede extravagantes, cortinas, janelas e luminárias excessivamente ornamentadas (BUCHLI, 1997, p. 168). A batalha pela nova cultura material da vida cotidiana era fomentada


189 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV Fig. 142 Família em apartamento da era Khrushchev. 1966.

no nível da produção – desde a construção até a manufatura do mobiliário – e no nível do discurso, direcionado ao consumo (ATTWOOD et. al. 2004, p. 165). A aceitação voluntária das novas normas da vida doméstica era constantemente encorajada pela proliferação de artigos e manuais sobre família e vida cotidiana, gosto e etiqueta16. Segundo Buchli (1997, p. 168), os consumidores também aspiravam por ambientes similares às imagens da vida doméstica e próspera do Ocidente Capitalista. Sob o espírito da competição pacífica de Khrushchev, imagens das condições ocidentais chegavam por meio da imprensa popular, pelos profissionais de design e, mais especificamente, pelas competições internacionais e exposições no Centro Panrusso de Exposições.

16

As editoras estatais passaram a produzir esses tipos de publicações em números crescentes no fim dos anos 1950, alegadamente a partir de pedidos dos leitores (ATTWOOD et. al. 2004, p. 165).


Fig. 143 Cozinha da era Khrushchev com mobiliário retrátil. 1962.

Fig. 144 Interiores modernos. Desenho para a revista Tekhnika Molodezhi 1957.


191 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV Fig. 145 Interior "pequeno-burguês" típico da era Stalin e interior moderno da era Khrushchev. Revista Ekonomika. 1966.



193 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

A cozinha de Khrushchev e o Kitchen Debate

O ideal de família e da residência centrada na figura feminina

da era Stalin deixaram um legado na era Khrushchev e encontraram nela uma contradição. A recuperação do discurso de emancipação feminina, do byt e do fim da escravidão doméstica contrastava com a narrativa do viver moderno soviético, centrado na habitação unifamiliar como o ambiente de trabalho reprodutivo, em que a dona de casa representa a mão-de-obra não remunerada. Agora, as mulheres também eram as responsáveis por ensinar as famílias como viver corretamente em seus novos apartamentos, ou adaptar seus modos de vida em apartamentos antigos, porém com padrões modernos. A tarefa estética feminina de mobiliar e decorar o interior da residência familiar era vista como uma missão cívica, de importância ideológica. Ademais, elas deveriam reconhecer que a reforma do byt era interesse delas próprias. Por exemplo, o uso excessivo de objetos decorativos estaria entre as correntes que as prendiam ao trabalho doméstico, pois ficavam empoeirados e precisavam ser polidos (ATTWOOD et. al., 2004, p. 166). Além de serem responsáveis pela família e pelo lar, assim como na era Stalin, esperava-se que a mulher também fosse uma trabalhadora exemplar. Lynne Attwood, em sua pesquisa sobre a imagem da mulher nas revistas femininas da era Khrushchev, afirma que uma das funções das publicações femininas neste período, como a Rabotnitsa e a Krestianka, era enfatizar às leitoras a importância de trabalhar fora de casa.

Fig. 146 Kitchen Debate. American National Exhibition 1954.


Fig. 147 Vsevolod Tarasevich. Mulher trabalhadora da construção civil. Anos 1960. Fig. 148 Vsevolod Tarasevich. Mulher pedreira. 1958-1960.


195 No final da era Khrushchev, as mulheres ocupavam um espaço significativo na força produtiva da União Soviética, representando, por exemplo, um terço de todos os trabalhadores da construção civil (VARGA-HARRIS, 2004, p. 30). Na revista Ratbonitsa e nas fotografias do período, eram bastante comuns imagens de mulheres operando máquinas e atuando em setores da indústria. Elas eram fotografadas não apenas cozinhando em seus novos apartamentos, mas também construindo-os fisicamente (ATTWOOD, 2002, p. 161). Entretanto, a despeito da retomada da discussão sobre a emancipação feminina, os papéis de gênero continuavam a ser reforçados e o trabalho doméstico raramente era apresentado como uma responsabilidade mútua. Era comum, nas revistas citadas, que os homens fossem aconselhados a ajudar suas esposas, e não dividir as tarefas de forma igualitária. Além de que, algumas tarefas eram vistas como mais masculinas do que outras: ir buscar água no poço ou tirar o lixo eram frequentemente mencionadas como tarefas que os homens poderiam fazer, mais prováveis do que cozinhar ou trocar fraldas (ATTWOOD, 2002, p. 168). A revista Rabotnitsa também publicou vários artigos sobre treinar as crianças para ajudar nas tarefas de casa; as garotas deveriam ser ensinadas para se tornarem ajudantes da mãe, enquanto os meninos eram retratados ajudando seus pais com as tarefas masculinas. Ainda, as ilustrações dão a impressão de que o trabalho doméstico, uma função apenas feminina, era também extremamente satisfatório para as mulheres (ATTWOOD, 2002, p. 168-169).

CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

O trabalho era visto como um dever moral e, as mulheres que se contentavam em devotar-se apenas à família eram vistas como socialmente irresponsáveis. Apesar de que ter filhos também fosse visto como um dever social da mulher, isso não era o suficiente para pagar a sua dívida com a sociedade, tendo que se dedicar simultaneamente ao trabalho produtivo e reprodutivo (ATTWOOD, 2002, p. 161-162).


Em suma, conforme argumenta Attwood (2002, p. 162-64), ocorre uma “confusão de gênero" nas revistas da era Khrushchev: ao mesmo tempo que celebravam o ingresso das mulheres em trabalhos tradicionalmente masculinos, sua feminilidade também era enfatizada. A autora cita como exemplo artigos sobre Valentina Tereshkova, a primeira mulher cosmonauta, que descrevem sua “voz de menina” e a timidez que ela sentiu ao fazer seu primeiro pulo de paraquedas. Para Reid (2005, p. 293), depois da guerra, a figura da mulher “essencialmente feminina”, preocupada com sua aparência, família e casa, torna-se central para a iconografia da normalização, num contexto que envolvia traumas da repressão do governo anterior e da guerra. A mulher e a domesticidade confortável relacionada a ela eram um símbolo otimista de retorno da paz e construção do futuro. Na prática, a construção habitacional e o discurso do final dos anos 1950 e início dos anos 1960 também contradiziam diretamente as previsões mais radicais de atrofiamento da família e apartamentos sem cozinha, que, como já foi apontado, tiveram papel de destaque nos anos 1920. Longe de tornar a cozinha obsoleta, a política habitacional visava prover a cada família sua própria cozinha, para alguns, pela primeira vez na vida (REID, 2005, p. 295). Mesmo que permanecesse como “trabalho feminino” localizado no lar familiar, o tradicionalmente isolado, não regulamentado e artesanal trabalho doméstico deveria ser trazido para perto do comunismo científico. A cozinha deveria estar alinhada com os outros projetos da era: industrialização, progresso tecnológico, supremacia na Guerra Fria, e a transição final para o comunismo (REID, 2005, p. 296).17

Enfim, a modernização da casa apareceu como uma resposta para aliviar a dupla jornada feminina e minimizar o tempo a ser utilizado para realização do trabalho doméstico. Junto dela, emergiu uma ideologia higienista como um aspecto da modernização – assim como em muitas sociedades ocidentais no final do século XIX e no século

17

Tradução própria da edição em inglês.


197 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

XX –, e a domovodstvo 18, disciplina de ciência doméstica ou economia doméstica, foi inserida na reforma educacional de Khrushchev. A ciência moderna adentrou as práticas domésticas por meio do discurso que associa sujeira à doença e, na União Soviética, tornou-se parte do projeto de “alcançar o Ocidente” e educar os antigos camponeses, introduzindo-os aos modos de vida urbanos (REID, 2005, p. 298). Fig. 149 Cozinha racionalizada com mesa para refeições. Data desconhecida.

18

O Ministério da Educação da Rússia publicou um currículo e livros didáticos sobre ciências domésticas, professores foram treinados e arquitetos e designers começaram a trabalhar no projeto de instalações especializadas. Reportagens da imprensa no final dos anos 1950 citam que houve uma campanha para ampliar e sistematizar a formação em ciências domésticas com o objetivo de profissionalizar um domínio antes deixado para as amadoras do lar. Em outras palavras, para promover um afastamento das práticas espontâneas e desregulamentadas, baseadas em tradições, e fomentar práticas conscientes, informadas por especialistas médicos, pedagógicos e outros (REID, 2005, p. 299).


Fig. 150 O. Baiar and R. Blashkevich. Aproveitamento de espaço nas cozinhas. 1962.

Já que desistir do trabalho fora de casa não era uma opção, a maneira encontrada para aliviar a exaustão e reduzir o tempo envolvido nas tarefas de casa foi o planejamento e organização racional do ambiente residencial e seus equipamentos. O objetivo era eliminar os movimentos desnecessários na cozinha, aproximando as instalações mais utilizadas, como pia, bancada e fogão. Como resultado, a cozinha se tornou um local de produção, em que cada movimento é estritamente calculado e reduzido, e a dona de casa deveria operar este espaço como uma espécie de máquina (REID, 2005, p. 304).

É perceptível que a racionalização da cozinha de Khrushchev –

espaços mínimos, bancadas com fogão e pia, armários padronizados e agrupamento de instalações de acordo com o uso – não era novidade. Como já foi demonstrado, esses estudos se desenvolveram na Europa e Estados Unidos nos anos 1920 e foram retomados no período pós-guerra. A cozinha de Khrushchev é fundada a partir de princípios


199 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

de planejamento industrial moderno, assim como a cozinha americana promovida na American National Exhibition, em 1959, que representava a materialização do American Dream (REID, 2005, p. 308). Um dia depois da exposição, o jornal soviético Izvestiia publica a foto da dona de casa Zinaida Ershova, que diz “Nossa cozinha é tão boa quanto a cozinha americana demonstrada na exposição em Sokolniki”. A cozinha de Zinaida exibe armários embutidos, um escorredor de louças na pia e um misturador de torneiras demonstra que há água quente e fria disponíveis. A dona de casa feliz era um símbolo de como era boa a vida nos Estados Unidos; na imagem idealizada, a dona de casa de tempo integral era cercada por eletrodomésticos e a vida em família era retratada como um espaço de liberdade, livre de trabalho ou ansiedade. Diferente do estereótipo ocidental capitalista de que a dona de casa soviética era pobre, deselegante e desgastada pelo trabalho, Zinaida aparece sorridente (OLDENZIEL; ZACHMANN, 2009, p. 83).

Fig. 151 O vice-presidente americano Richard Nixon apresenta a cozinha da General Electric a Nikita Khrushchev. Ao fundo, o seu sucessor, Leonid Brezhnev. 1959.


Fig. 152 A cozinha de Zinaida. 1959

Khrushchev tinha outras cartas na manga, então, no jogo dos padrões de vida. A capacidade superior do comunismo de oferecer a melhor qualidade de vida para a maioria das pessoas, mensurada pelo número e qualidade dos benefícios estatais (habitação, saúde, sanatórios, educação, e o direito de trabalho e descanso) era repetidamente reforçada. No entanto, o regime não seguiu apenas um único curso. Embora priorizasse serviços, habitação social e consumo coletivo como meio de melhorar os padrões de vida, o Plano Econômico de Sete Anos de 1959 também prometia aumentar a quantidade, a escolha e a qualidade dos bens de consumo. Cozinhas comunais, lavanderias públicas e outros serviços eram a forma preferida de "aliviar a carga doméstica das mulheres", mas Khrushchev também prometeu que todos os cidadãos teriam apartamentos modernos para uma família completos com aquecimento central, um local bem equipado cozinha, fogão a gás, coleta de lixo, água quente, banheiro, armários embutidos e outras conveniências (OLDENZIEL et. al., 2009, p. 93).

Como o jornal abordou, a cozinha soviética de Zinaida (fig. 152) era tão boa quanto a americana, mas era diferente. De acordo com Susan Reid (2009, p. 105), a cozinha americana não ganhou os cora-


201 A cozinha soviética também acabou se apresentando como o lugar da mulher na casa, feita sob medida para ela servir à sua família. A ideologia de poupar trabalho mascarou os efeitos da modernização do trabalho doméstico: o design racional da cozinha naturalizou e reproduziu a divisão do trabalho na casa. Novos padrões de higiene, manutenção e estética criaram responsabilidades extras ligadas à figura feminina. Para Reid (2005, p. 308), a cientifização da prática doméstica colaborou com a reafirmação do trabalho doméstico como trabalho de mulher, e diminuiu a autoridade das tradições das donas de casas ao inserir os profissionais e seus conhecimentos teóricos. Ademais, a Revolução Científica-Tecnológica falhou em adentrar o lar das pessoas, não por motivos de resistência, mas sim pela realidade econômica soviética. Máquinas de lavar roupas, por exemplo, eram um símbolo de status, inalcançável entre quem não tinha privilégios ou contatos. Por motivos econômicos e de urgência, cozinhas completas raramente eram instaladas nos novos apartamentos, sendo proporcionado apenas um equipamento mínimo19. Enfim, a cozinha compacta e padronizada, equipada com aparelhos eletrônicos e superfícies higiênicas, deve ser compreendida como um símbolo da era Khrushchev. Apesar de ter falhado em sua materialização, demonstra a intenção do governo de estender a Revolução Científica-Tecnológica para os lares soviéticos, a partir de um viés socialista. 19

A cozinha de Khrushchev não era uma unidade pré-montada, como a cozinha de Frankfurt; ela necessitava de um esforço recíproco de seus ocupantes, dependendo de suas habilidades para montar e instalar o equipamento (REID, 2005, p. 315).

CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

ções do público soviético; era muito espaçosa e tinha muitos utensílios para serem viáveis ou acessíveis em grande escala nas condições soviéticas. O tamanho dos eletrodomésticos não era condizente com os pequenos novos apartamentos, cujo layout dificilmente comportava uma geladeira. Ainda, a cozinha do American Way of Life era ideologicamente inapropriada, desenhada não para ajudar a mulher trabalhadora a alcançar realização própria, mas sim proporcionar à “dona-de-casa profissional” de classe média um domínio substituto que compensasse sua falta de lugar na arena pública.



203 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

Adeus, Khrushchevki! De Novye Cheryomushki à demolição em massa A construção dos micro-distritos e a migração das habitações precárias para residências unifamiliares parecia um sonho. No filme Cheryomushki – em inglês Cherry Town – o personagem Sasha e sua noiva comemoram quando descobrem que o teto do quarto em que Sasha morava desabou e o local foi completamente destruído, tornando-os prioritários na fila para os novos apartamentos. Eles sonham em ter seu próprio quarto, cozinha, uma sala para receber os amigos e, como Sasha canta para a esposa, “sua própria janela”.

A opereta Cheryomushki, de 1963, refere-se a um novo distrito

na cidade de Moscou, que desabrocha como uma cerejeira nas fundações da antiga Cherry Town. O distrito de Cheryomushki, a Sudoeste de Moscou, e o território adjacente à Rua Shchemilovka, em Leningrado, tornaram-se os primeiros terrenos de construção experimental de pré-fabricados no país (VARGA-HARRIS, 2015, p. 33). O nono bairro20 do distrito de Novye Cheryomushki, projetado por Natan Osterman e sua equipe, se tornou protótipo de todas as áreas residenciais que seriam construídas na União Soviética nas próximas décadas. O nome Cheryomushki em si se tornou uma metáfora para habitações estatais padronizadas com sistema de serviços públicos e blocos monótonos de cinco andares, ou apartamentos feitos de extensos painéis pré-fabricados (GUNKO et al., 2018, p. 294).

20

Tradução própria de квартал, que pode ser lido como bairro, vizinhança, quarteirão.

Fig. 153 Mudança no nono bairro de Novye Cheryomushki. 1958.


Fig. 154 V. Belouson Vista aérea de maquete da décima vizinhança de Novye Cheryomushki. 1954.

O projeto do distrito consistia em blocos de apartamentos pa-

dronizados agrupados em dez vizinhanças, cujos edifícios possuíam diferentes tamanhos e formas, como parte do programa experimental. Assim como a arquitetura dos anos 1920, Novye Chyeromuski representou uma arena para tipologias experimentais e métodos de construção (THOMAS, 2013, p. 26). Pode-se dizer, que os primeiros apartamentos erguidos em Novye Cheryomushki foram protótipos da série habitacional K7 – a mais popular dentre as séries de pré-fabricados. Muitos a consideram a tipologia mais difundida do início dos anos 1960. Os edifícios foram produzidos de 1958 a 1959, ficaram conhecidos também como “Lagutenko’s Houses”, levando o nome do engenheiro chefe do projeto. O layout original dos apartamentos consistia em uma variação de configurações 1-2-3 e 2-2-221. Levando em conta que a quantidade era prioritária em relação à qualidade, é surpreendente ver três apartamentos por andar ao invés de quatro, o que providenciava uma boa ventilação para a maioria das unidades. Além disso, as salas de estar eram confortáveis, mas não eram grandes – a largura dos cômodos era fixada em 3,2 m –, as cozinhas tinham por volta de 7m², e banheiros e lavabos separados também eram algo impressionante para a época. Em troca do conforto, as unidades não possuíam varanda, o que viria a ser desenvolvido nas próximas séries (MEUSER; ZADORIN; KNOWLES, 2015, p. 172) . 21

Esse número é referente ao número de cômodos de “estar”, no caso do apartamento de um “quarto”, a sala de estar também é dormitório. O de dois quartos possui uma sala de estar e um quarto, e assim por diante.


205 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV Fig. 155 e 156 K-7 planta típica de cinco andares 2-2-2 e 1-2-3.


Fig. 157 N. Khorunzhy e A. Alexandrov. Um plano detalhado de apartamento padrão de dois cômodos. Revista a União Soviética, n. 99, 1958.

Em um artigo na revista The Soviet Union, o autor utiliza um

exemplo de um apartamento de um bloco desenhado por Lagutenko como representativo do “Apartamento de 1958” (fig 157). O apartamento é compacto, uma característica comum aos apartamentos padronizados, e é composto por “uma sala de jantar compacta e atrativa, quarto e sala de estar”.Também é ressaltado que os interiores dessas unidades tinham que ser cuidadosamente planejados para garantir que todo o espaço fosse aproveitado (GRIBACHEV, 1958 apud THOMAS, 2013, p. 27).

Diferente do layout, a estrutura da série K-7 precisou de bas-

tante improviso, fazendo com que ela fosse tirada de produção ao final dos anos 1960. A causa desse insucesso foi a singularidade da sua construção: uma mistura atípica de painéis e sistemas estruturais. A ideia original era gerar a construção mais leve possível para economizar material e possibilitar o transporte e montagem por guindastes que suportavam capacidade de apenas três toneladas. Para a redução da quantidade de concreto a ser utilizada, foram empregados painéis com vigas reforçadas, ao invés de lajes de concreto maciço. Para se ter uma ideia, as paredes tinham apenas quatro centímetros, e, en-


207 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

tre dois apartamentos, eram reforçadas para oito centímetros, e os painéis externos tinham 16 centímetros. Enfim, durante a construção ficou claro que elementos tão finos só poderiam ser sustentados por meio de concreto reforçado de alta qualidade; como resultado, o m² dos apartamentos K-7 ficou mais caro que a média, se tornando economicamente desvantajosos (MEUSER et. al., 2015, p. 173).

O conceito de Microrayon, proposto nos anos 1940, ganha for-

ça com a construção deste distrito, que fica conhecido como um projeto de bairro moderno de prestígio (GLENDINNING, 2021, p. 307). A massificação teve impacto no desenho urbano dos bairros, resultando em uma paisagem urbana bastante homogênea, próxima aos ideais Modernistas. Acontece o retorno dos edifícios enfileirados – o padrão mais eficiente do ponto de vista econômico –, e os prédios de configuração retangular também simplificavam o processo construtivo. Além disso, de acordo com as normas, o uso de serviços públicos no térreo deveria ser evitado, para aumentar a velocidade de construção e diminuir os custos médios por metro quadrado (MEUSER et. al. , 2015, p. 167).

Fig. 158 e 159 Protótipo de K7 1-1-1-2 e 1-2-3-3 em Cheryomushki.


Fig. 160 e 161 Edifícios de 5 andares no nono distrito de Novye Cheryomushki. 1964.


CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

209


Fig. 162 Construção do distrito de Novye Cheryomushki. 1960-61.

Os khrushchevki retornaram à discussão pública 50 anos depois da sua construção, devido a um projeto de demolição das unidades habitacionais, que resultou em uma série de protestos. Nos anos 1980, muitos edifícios já estavam em condições precárias; inclusive, em 1988, quatro prédios foram pontualmente demolidos em Novye Cheryomushki. Em 1999, o Governo de Moscou iniciou um programa de Reconstrução das áreas de habitações de cinco andares, erguidos durante o primeiro período da construção em massa. Em 2017, 12 de 20 milhões de metros quadradaos habitacionais já haviam sido demolidos (PERTSOVA, 2017 apud GUNKO et. al, 2018, p. 305), a partir de uma seleção criteriosa individual, em que as condições de cada edifício eram particularmente examinadas. Para realocar os moradores, novos apartamentos foram construídos no mesmo distrito por investidores privados, contratados pelo Governo de Moscou. Também havia a possibilidade de mudar para apartamentos maiores pagando um valor extra; genericamente, nos distritos em áreas mais valorizadas, foram construídos apartamentos de elite no lugar dos khrushchevki, e, em outras áreas, foram construídos típicos apartamentos pré-fabricados pós-soviéticos (GUNKO et. al., 2018, p. 305).


211 CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV Fig. 163 Oleg Yakovlev Demolição da séries K-7. 2017.

Fig. 164 Demolição de Khrushchevki. 2018.


Em 2017, um novo programa é lançado pela prefeitura do Moscou, provavelmente “o maior programa de apagamento da herança da arquitetura modernista na história” (SNOPEK, 2017 apud ALONSO, 2018, p. 94). Diferente do programa de 1999, o programa de 2017 consistia em uma demolição em massa, sem considerar as condições do edifício. O Governo de Moscou publicou uma lista preliminar que consistia em 4566 prédios de apartamentos, localizados em 85 distritos. O critério de demolição era: data de construção entre 1957 e 1968, uso de técnicas e material de construção padronizados e altura máxima 5 andares. Em adição aos krushchevki, a lista incluía cerca de 100 edifícios stalinki, avant-garde e pré-revolucionarios (GUNKO et. al., 2018, p. 305). Os protestos contra o programa demonstram o descontentamento dos moscovitas. Uma das justificativas dadas pelas autoridades foi a relação entre os conjuntos habitacionais e a criminalidade na cidade de Moscou (ALONSO, 2018, p. 96), além da condição física precária dos edifícios aliada ao alto custo de substituição de peça pré-fabricadas. Esses argumentos parecem válidos, quando não é considerado o valor que esses edifícios têm para seus moradores – muitos moram nesses apartamentos desde que foram construídos, recebidos com otimismo e vistos como uma melhoria significativa de qualidade de vida em relação às moradias anteriores – e para as áreas em que estão localizados. Como foi citado, a produção em massa das khrushchevki e dos Microrayons tem um imenso valor histórico e despendeu esforços enormes de arquitetos, engenheiros e planejadores urbanos (SNOPEK, 2017). Para além disso, a falta de planejamento para realocação dos moradores também é preocupante. Para Pedro Alonso (2018, p. 102), a inciativa de destruição em massa desses símbolos do passado socialista pode ser explicada pela teoria marxista de que a burguesia precisa revolucionar constantemente os instrumentos de produção a fim de rotacionar o capital. De fato, esse programa faz parte da gentrificação das antigas zonas industriais de Moscou, e trará grandes mudanças à paisagem urbana da cidade (GUNKO et. al., 2018, p. 305).


213 Fig. 166 Protesto contra a demolição dos Khrushchevki. Moscou. 2017.

CAPÍTULO IV ERA KHRUSHCHEV

Fig. 165 Oleg Yakovlev. Protesto contra a demolição dos Khrushchevki. Moscou. 2017.


ВЫВОД CONSIDERAÇÕES FINAIS


215 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do recorte temporal escolhido possibilita compreender a relação entre a habitação e os modos de morar com o contexto histórico e político, e reforça a importância da casa como objeto de estudo. Neste período de três fases, divididas a partir dos líderes políticos e suas diretrizes de governo, aparecem três figuras principais femininas. Num primeiro período, a mulher celibatária, de Alexandra Kollontai, caracterizada pela liberdade frente às necessidades que antes a prendiam ao lar, garantida pela estatização do trabalho doméstico e pelos condensadores sociais. No segundo momento, a mãe-heroína da era Stalin, que habita os apartamentos de aspiração pré-revolucionária, é responsável pelo cuidado das crianças, mas também é incentivada a exercer o trabalho produtivo. No terceiro momento, Zinaida, mãe, esposa, dona-de-casa e trabalhadora, cuja inserção nos papéis antes vistos como masculino era celebrada, ao mesmo tempo que a sua feminilidade deveria ser preservada. No contexto soviético, este mergulho no universo socialista explicita as complexidades e contradições internas da URSS, em que se estabelece um conflito entre o passado conservador e os ideais revolucionários. Mas também, suscita um debate bastante contemporâneo. Mais de 100 anos depois da Primeira Constituição Soviética, em 1918, os papéis de gênero continuam a ser reforçados, e o desmantelamento da relação entre mulher e casa ainda não foi concluído. Além disso, neste trabalho surge uma questão que permeia os debates sobre feminismo e habitação.


Como foi citado, os estudos sobre a racionalização da casa, com o intuito de diminuir a carga de trabalho feminina, acabaram reforçando o ambiente doméstico como lugar essencialmente feminino, e fortalecendo os papéis de gênero. Pode-se deduzir que, apesar de todo o discurso e dos aparatos tecnológicos desenvolvidos e, levando em conta que esses eletrodomésticos eram pouco acessíveis e vistos como símbolo de status (REID, 2005), na prática, a dona-de-casa continuou tendo papel central na vida familiar e doméstica.

Entretanto, ao mesmo tempo que a relação mulher-casa não

foi completamente destruída, a experiência socialista merece reconhecimento pela tentativa de materialização de uma sociedade sem distinções de gênero. A iconografia de revistas como a Rabotnitsa, – em português, mulher trabalhadora –, exibe uma série de imagens de mulheres em papéis antes – e muitas vezes hoje – considerados masculinos, como trabalhadoras da construção civil, pesquisadoras e operadoras de máquinas agrícolas. Além disso, no período Stalin, apesar do retorno aos valores familiares, a discussão sobre a inserção da mulher no trabalho produtivo se manteve. Enfim, o estudo de todas as complexidades internas da União Soviética permite uma desmistificação do debate, a partir de uma visão crítica dos acontecimentos, sem idealização ou depreciação. Ainda, fica claro que a Revolução de Outubro e seus desdobramentos continuam sendo referências por tentar colocar em prática o comunismo de teóricos anteriores a ela, bem como, dialeticamente, tentar abarcar teoricamente as experiências vividas no próprio momento (SENNA, 2016).

Ainda, considerando a atual lógica do mercado e sua forte influ-

ência na produção habitacional contemporânea, a questão da moradia humanizada e à serviço da sociedade também deve ser vista como um tema relevante. Os estudos tipológicos dos anos 1920 e na era


217 série de experimentações no campo habitacional muito ricas arquitetonicamente. Além disso, a velocidade e o número de habitações produzidas – de 1956 a 1960, foram produzidos mais de 145 milhões de metros quadrados de espaço habitável (VARGA-HARRIS, 2015) – no contexto de destruição pós-guerra é impressionante.

Por fim, ao abordarmos estes edifícios na sua contempora-

neidade, fica evidente o processo de gentrificação e apagamento do passado soviético numa Moscou globalizada e inserida na lógica capitalista. A transformação do Narkomfin – um conjunto concebido para opor-se ao modo de vida capitalista – em um edifício de apartamentos premium, e o projeto de demolição dos khrushchevki, surgem como um triste desfecho quando estamos cientes do contexto histórico em que se inserem, sendo um reflexo da maneira seletiva que a Rússia contemporânea lida com a memória do seu passado soviético (SANTOS, 2018).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Khrushchev tinham respaldo direto do governo, e resultaram em uma


Panorama Geral

ХРО НО Л О Г И Я CRONOLOGIA Questão Feminina

Arquitetura

Habitação


1914

Criação do Partido Operário Socialdemocrata Russo (POSDR), em Minsk.

22 de janeiro. Domingo Sangrento. Outubro.

Primeira Guerra Mundial: Rússia declara guerra contra a Áustria e Alemanha, em apoio à França e Grã-Bretanha.

14 de junho. Motim no encouraçado Potenkim. Surgimentos dos Sovietes.

São Petersburgo é renomeada como Petrogrado.

18 de outubro. Nicolau II assina o Manifesto de Outubro e estabelece a Duma, Assembleia legislativa eleita. Reformas limitadas permitem o divórcio e obtenção do próprio passaporte pelas mulheres.

O Governo Tsarista fecha todas as Universidades até o ano seguinte, sob a premissa de serem fonte de ideias contrarrevolucionárias.

219

1905

ANEXO CRONOLOGIA

1898


1918

1917 23 de Fevereiro. Operárias de Petrogrado vão às ruas pedir por “Pão e Paz”. 27 de Fevereiro. Primeira Revolução. 2 de Março. Primeira composição do Governo Provisório.

4 de Abril. “Todo poder aos sovietes!”. Lenin apresenta aos bolcheviques as Teses de Abril. 26 de Outubro. Lenin anuncia a formação do novo governo no II Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia.

3 de março. Assinado o Tratado de Brest-Litovski. 12 de Março. Moscou passa a ser a capital da Rússia. Eclode a Guerra Civil entre Bolcheviques e Contrarrevolucionários, que vai até 1920.

27 de Outubro.Os sovietes proclamam cessar-fogo com a Alemanha. No fim do ano, são promulgados dois decretos pelos Bolcheviques, um sobre o divórcio e outro sobre o casamento civil e os filhos. Eles revogavam todos os dispositivos anteriores relativos a tais temas.

Primeiro Congresso Nacional de Mulheres Trabalhadoras e Camponesas, no qual foi votada a criação de conselhos femininos, que, no ano seguinte, seriam reorganizados, formando o Jenotdel.

União de artistas na Galeria Tretiakov declara prioridade absoluta na preservação de monumentos.

Os Svomas – Ateliês Livres de Artes – Substituem as instituições imperiais Academia de Arte Industrial Stroganov e Academia Imperial de Artes.

Socialização e coletivização das vivendas burguesas durante o Comunismo de Guerra. Os Kommunalki foram inicialmente criados a partir das casas da elite pré-revolucionária a fim de fornecer minimamente a cada família um quarto próprio.


21 de março. Início da Nova Política Econômica para resolução de problemas causados pelo comunismo de guerra. A NEP incentivava a promoção do desenvolvimento através da iniciativa privada e do investimento externo.

10 de Julho. Primeira Constituição Soviética estabelece a igualdade de direitos e deveres entre todos (as) os(as) trabalhadores(as) soviéticos.

Fim dos conflitos da Guerra Civil.

Código completo do Casamento, da Família e da Tutela foi ratificado pelo Comitê Executivo Central do Soviete. Substituição do casamento religioso pelo civil, estabelecimento do divórcio a pedido de qualquer um dos cônjugues.

Legalização do aborto como questão de saúde pública

Período da Grande Fome após o Comunismo de Guerra, perdura até 1922.

Os ateliês consolidam-se em uma instituição de nível superior de nome Vkhutemas – Ateliês Superiores de Arte e Técnica.

Os exercícios de desenho de habitação comunitária são introduzidos na VkHUTEMAS.

Aluguel acessível definido por lei, não poderia ultrapassar 10% da renda familiar. Recomendável o mínimo de 9m2 por habitante. Como as condições econômicas não permitiam proporcionar uma vivenda convencional a cada família, manteve-se a coabitação “forçada”.

221

1921

ANEXO CRONOLOGIA

1920


1922

1923

Abril. Stalin é apontado Secretário Geral do Partido.

1924 Morte de Lenin. Promulgada a Constituição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Dezembro. Fundação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Petrogrado é renomeada Leningrado.

Entra em vigor o decreto da NEP que proíbe demissão de gestantes e lactantes, além de também dar prioridade à permanência do emprego a mulheres que tivessem filhos com até 1 ano de idade. (SENNA, 2016) Competição do Palácio do Trabalho. Vencedores: irmãos Vesnin.

Primeiro concurso para habitação de trabalhadores em Moscou. Exige-se a construção de vivendas e serviços públicos em setores rodeados por edificação urbana. Vencedores: Leonid Vesnin e Sergey Chernyshov. Se destaca o projeto de Melnikov pela negação das vivendas unifamiliares.

Fundação da ASNOVA por Ladovskiy, Krinskiy e Dokuchayev. A associação caracterizou-se pela luta contra a arquitetura antiga a partir de uma atitude fechada e não muito militante: entre 1923 e 1932, durante os seus anos de atividade, só conseguiu publicar um número da sua revista. Melnikov e El Lissitzky chegaram a participar do grupo.

Competição do Edifício de oficinas do jornal Leningradskaya Pravda, em Moscou.

Construção da cooperativa Sokol, de Nicolay Markonikov, com inspiração nos Falanstérios, construída ao Norte da cidade de Moscou. Na Rússia pós-revolucionária, pairava a discussão sobre o adensamento ou não das edificações. O impacto das Cidades Jardim foi considerável, e as “cottage houses” e seus layouts dispersos chegaram a ser adotadas.


Décimo Quarto Congresso do Partido, em que estabelece-se como diretriz principal a rápida industrialização.

No Sexto Congresso de Sindicatos, em 1924, tirou-se uma resolução de que “as assembleias gerais dos sindicatos devem assumir as discussões sobre as questões das mulheres, onde anteriormente tinham sido tratados em reuniões de mulheres especiais". Criação da OSA por um grupo de indivíduos reunidos em torno de Aleksandr Vesnin, professor da VkHUTEMAS, e ficaram conhecidos como os Construtivistas.

O Concurso de habitação de Mossovet e a “casa comuna”: primeira casa-comuna construída em Moscou (Vol’fenzon, Leontovich e Barulin - Communal House RJSKT).

223 ANEXO CRONOLOGIA

1925


1926

1927

1928 Fim da NEP e início dos Planos Quinquenais. Início da Revolução Cultural de Stalin.

Código da Família dificulta o divórcio, dá direito à pensão alimentícia, suporte infantil, propriedade obtida durante casamento.

Primeira exposição de Arquitetura Moderna na URSS - VKhUTEMAS Uma reforma transforma os VKhUTEMAS em VKhUTEIN (Instituto Superior de Arte e Técnica), instituição de caráter eminentemente técnico.

O concurso dos camaradas da OSA: a emancipação feminina como pauta no projeto arquitetônico.

Competição da Biblioteca de Lenin, projeto de Vladimir Scuko and Vladimir Gelfreich. Le Corbusier ganha a competição para o edifício Centrosojuz, em Moscou.

Criação do Departamento de Padronização no Stroykom RSFSR, um departamento oficial para desenvolvimento de tipologias e padronização de habitação. Início da construção da “House on the Embankment”, de Boris Iofan, edifício residencial destinado à elite soviética. Foi o edifício mais alto de Moscou, até 1952. Início da construção do Narkomfin, de M. Ginzburg e I. Millinis.


Trotsky é expulso da URSS.

Décimo Sexto Congresso do Partido.

1931

Início da coletivização.

O Jenotdel encerra suas atividades. Criação da VOPRA - All Union Society of Proletarian Architects.

Última edição da Revista SA, dos arquitetos da OSA. Fim da Vkhutein. Criação da VANO – Sociedade Cientifica Arquitetônica da União

“Ratsionalizatsiya kukhni”, publicado por Ginzburg na revista Sovremennaya Arkhitektura, SA, discute a racionalização da cozinha, influenciado por Margareth Lihotzky.

Inauguração do Mausoléu de Lenin, de Aleksei Shchusev.

Finalização da construção do Narkomfin.

225

1930

ANEXO CRONOLOGIA

1929

Competição do Palácio dos Sovietes, em Moscou. Tem como vencedor Boris Iofan. A revista SA é substituída por uma revista oficial e centralizada, Arkhitektura SSSR.


1932

1933

1934

Adiamento do CIAM, que ocorreria, em Moscou, em 1933.

Adiamento do Primeiro Congresso da União Stalinista de Arquitetos Soviéticos.

1º Congresso dos Escritores Soviéticos: institucionaliza o realismo soviético – estilo artístico oficial, adotado como política do Estado para a estética, que abarcava todos os campos da arte – cartazes, literatura, cinema, pintura, arquitetura, etc.

O Partido extingue todas as organizações artísticas existentes, com o objetivo de direcionar e controlar a produção dos artistas. Criação da SSA (organização arquitetônica monolítica) e do órgão oficial da SSA: Arhitektura SSSR (substitui o jornal Sovetskaja Arkitektura).

Criação da Academia Soviética de Arquitetura. Criação do Arplan, sob a direção de Kaganovich, órgão responsável por aprovar os projetos de arquitetura.

Boris Iofan projeta o sanatório de Barviha e os seus interiores, de aspiração modernista.

"O prego no caixão do Construtivismo”: O bloco de apartamentos na Rua Mokhovaya, de Ivan Zholtovsky aponta as novas diretrizes que a arquitetura viria a seguir. A sua fachada tem inspiração Loggia del Capitaniato de Palladio. Novembro de 1934, na Conferência de Arquitetos Soviéticos em Moscou, Viktor Vesnin discursa contra o ecletismo e o kitsch.


1937

Fevereiro. O Comitê Central anuncia a intenção de Stalin de revisar a Constituição de 1924.

Dissolução do Partido de Lenin, de 1936 a 1938.

Início das prisões políticas e estabelecimento do trabalho forçado de criminosos nos Gulags.

Julho. Divulgada a elaboração de uma nova Constituição.

Junho de 1936. Promulgada a nova Constituição.

Nova Proibição do Aborto. As medidas da Constituição de Junho de 1936 caminhavam para a alegada necessidade de garantir proteção às mães e crianças.

Plano Urbanístico de Moscou e inauguração do Metrô.

Visita de Frank Lloyd Wright e Le Corbusier à URSS.

I Congresso de Arquitetura da União Soviética. O “Sepultamento”do Construtivismo: Viktor Vesnin faz a última defesa ao construtivismo no Governo Stalin. Kaganovich faz discurso em prol da busca pela “beleza”na arquitetura (COOKE, 1997) Boris Iofan projeta o Pavilhão Soviético na exposição de Paris. Finalizado o Palácio da Cultura de Moscou, dos irmãos Vesnin.

227

1936

ANEXO CRONOLOGIA

1935


1938

1939

1941

Assinado Pacto de não agressão Alemão-Soviético.

Participação da URSS na Segunda Guerra Mundial, até 1945. Alemanha invade a União Soviética.

Apesar das medidas natalistas, a taxa de nascimentos declina novamente e não volta a crescer aos níveis pré-industrialização.

Construção do sanatório de Kislovodsk, no norte do Cáucaso, Ginzburg.

Exibição do Pavilhão Soviético, em Nova York, de Boris Iofan.

Construção da estação de metrô Mayakovskaya, desenhada por Dushkin e o escultor Matvei Manizer. A Segunda Guerra Mundial teve um impacto devastador no estoque de moradias. De acordo com uma estimativa oficial, das 2,5 milhões de moradias situadas em cidades ocupadas na União Soviética, mais de 1 milhão foram destruídas.


Vitória Soviética na Batalha de Stalingrado.

1945 As forças Soviéticas invadem a Alemanha em Janeiro, entram em Berlim em Abril; Alemanha se rende em 8 de Maio, pondo fim à Grande Guerra Patriótica.

Édito sobre a Família: As disposições mais revolucionárias dos códigos de 1918 e 1926 foram erradicadas. O título honorário de mãe heroína foi criado para mães que tivessem uma grande família.

229

1944

ANEXO CRONOLOGIA

1942


1947-51

1953

1954

5 de Março. Morte de Josef Stalin. Khrushchev se torna Secretário Geral do PC. Reabilitação dos prisioneiros do Gulag e da “polícia do terror” geral do Partido.

All Union Builders Congress. Krushev demanda industrialização e construção em massa, e condena o realismo socialista.

Construção dos “prédios altos” (Vysotnye Zdaniia) que moldassem a silhueta secular de Moscou. Conhecidas como as Sete Irmãs. Ivan Zholtovsky, bloco de apartamentos na Smolenskaia Square, Moscou, projetado em 1940, completado em 1951. Em 1951, uma média de 3.3 famílias viviam em cada apartamento de Leningrado, famosa pela maior porcentagem de habitação comunal dentre as cidades soviéticas(GERASIMOVA, 2018).

O distrito de Cheryomushki em Moscou e o território adjacente à rua Shchemilovka em Leningrado se tornaram os primeiros canteiros de obras experimentais no país.


Vigésimo Congresso do Partido; Krushchev faz discurso acusando Stalin de crimes.

Lançamento do Sputnik.

1958

Início do Plano Quinquenal (19561960).

“Enquanto a ciência socialista possibilitava o lançamento do Sputinik, em outubro de 1957, a cozinha, e as condições do trabalho da mulher em geral, continuavam a dar argumentos para a humilhação do Sistema Soviético e um símbolo de seu atraso“ (REID, 2015). O Comitê Central emite um comunicado oficial, denunciando o “excesso” na arquitetura do período Stalin e endossando as reformas propostas por Khrushchev.

A produção habitacional durante o Plano Quinquenal de 1956-1960 foi maior do que em todo o período de 1918 a 1946.

Concurso do Palácio dos Pioneiros. Projeto vencedor: Viktor Egerev, Vladimir Kubasov, Felix Novikov, Igor Pokrovskiy, Boris Paluy and Mikhail Khazhakyan, 1958-1962.

31 de julho. O partido emite um decreto sobre construção habitacional em massa. O início do “talvez mais ambicioso programa habitacional estatal na história humana”.

231

1957

ANEXO CRONOLOGIA

1956

São construídos os primeiros e canônicos conjuntos habitacionais Khrushchevki, na nona quadra do distrito de Novye Cheryomushki. Planejados em 1955 por Natan Ostermann. Lançado o Plano de Sete Anos, que ambicionava construir 15 milhões de apartamentos nas áreas urbanas e 7 milhões de habitações rurais. Também prometia aumentar a quantidade, a escolha e a qualidade dos bens de consumo.


1959

1960

1961 XXII Congresso do Partido e adoção do “The Third Party Program”, a declaração ideológica definitiva do período Krushchev, que relacionava o progresso social, científico e tecnológico. Estavam no plano o fornecimento de energia elétrica para o país inteiro, mecanização da produção e aplicações civis de energia atômica e química. 12 de abril. Yuri Gagarin torna-se o primeiro ser humano a viajar para o espaço.

De acordo com o Censo de 1959, no pós-guerra a proporção entre homens e mulheres é bastante afetada, resultando em muitas mães solteiras e viúvas.

American National Exhibition Moscou. Na Exposição de 1959, em Moscou, a cozinha-modelo Americana de última geração que o Vice-Presidente Nixon apresenta como modelo desafia o Socialismo de estado soviético. Estabelecimento da primeira empresa de montagem de construção de moradias.

13 de agosto. Início da contrução do Muro de Berlim.

Sugerindo uma ênfase pronunciada na organização doméstica, o número de manuais domésticos atingiu seu pico durante a era Khrushchev, quando subiu para 63 em 1960 (VARGA-HARRIS, 2015).

Exposição em Moscou “Art into Life”. Apresenta o trabalho de artistas em toda a União Soviética que estavam criando itens para a habitação e vida cotidiana; promovendo mercadorias novas e “progressistas”, como plásticos e eletrodomésticos; e demonstrando combinações de móveis, aparelhos de iluminação, produtos têxteis, pratos e louças com o interior residencial contemporâneo de pequeno porte (VARGA-HARRIS, 2015).


Valentina Tereshkova é a primeira mulher a orbitar a Terra.

Criação, por decreto, do All-Union Scientific-Research Institute for Technical Aesthetics (VNIITE). O propósito do órgão era fornecer às empresas responsáveis pela produção de produtos de consumo a perícia estética de uma ampla gama de profissionais, incluindo arquitetos, designers industriais, sociólogos e historiadores.

É lançada operetta Cheryomushki, que conta a história do novo distrito habitacional.

1964

233

1963

O comitê central substitui Khrushchev por Brezhnev.

ANEXO CRONOLOGIA

1962


БИ Б ЛИ О Г РАФ И Я REFERÊNCIAS


235 REFERÊNCIAS

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CRONOLOGIA

12min
pages 218-234

REFERÊNCIAS

6min
pages 235-242

CONSIDERAÇÕES FINAIS

3min
pages 214-217

Adeus, Khrushchevki! De Novye Cheryomushki à demolição em massa

8min
pages 202-213

A cozinha de Khrushchev e o Kitchen Debate

10min
pages 192-201

O Way of Life Comunista

6min
pages 184-191

Uma família, um apartamento

4min
pages 178-183

As Khrushchevki e a era Espacial

4min
pages 174-177

Políticas familiares em Stalin e inversão de valores

15min
pages 146-157

Dos Kommunalki às Krushchevki

12min
pages 160-173

O Edifício na Rua Mokhovaya e os interiores das Stalinkas

8min
pages 136-145

Narkomfin: Transição

10min
pages 110-123

Narkomfin: Experimentação

13min
pages 86-109

Unidades Stroykom A, B, C, D e F

3min
pages 78-85

A estatização do trabalho doméstico e os estudos do Stroykom sobre a cozinha

11min
pages 64-77

As Revoluções Russas de 1905 e 1917

8min
pages 16-23

A morada socialista e a criação do Stroykom

5min
pages 56-61

A Mulher Soviética e o Jenotdel

9min
pages 24-31

O Novyi Byt e a emancipação feminina

1min
pages 32-33

Arquitetura e Revolução: Panorama arquitetônico e as organizações de vanguarda

20min
pages 34-55

INTRODUÇÃO

3min
pages 10-13
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