Ebulições

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Ebulições


Universidade de São Paulo Reitora: Suely Vilela Vice-reitor: Franco Maria Lajolo Escola de Comunicações e Artes Diretor: Luiz Augusto Milanesi Vice-diretor: Mauro Wilton de Sousa Departamento de Jornalismo e Editoração Chefe: José Luiz Proença Suplente: Mayra Rodrigues Gomes Editora Com-Arte Editora: Josiane Camacho Laurentino Professores: Plínio Martins Filho e Ricardo Amadeo Júnior


Cristiana Passinato

Ebuliçþes


Copyright © 2007 by Cristiana Passinato

Catalogação na publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

P288e Passinato, Cristiana Ebulições / Cristiana Passinato. - São Paulo: COM-ARTE, 2007. ISBN: 978-85-7166-085-4 1. Poesia - Brasil - Século 21 I. Título. CDD 21.ed. – 869.15

Com-Arte Editora Laboratório do Curso de Editoração Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Departamento de Jornalismo e Editoração Av. Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443 - Bloco A - Sala 10 CEP: 05508-000 São Paulo - SP Telefone: (11) 3091- 4087 www.eca.usp.br/comarte


Aos meus av贸s Lygia e Ant么nio (in memorian), aos meus pais Maria In锚s e Jandir e aos queridos Filipe, Carolina e Marjorie. Aos amigos, mestres e leitores que tanto me estimularam a escrever, eis um sonho realizado.



Sumário Água Preciso de alguém . . . . . . . . . . . . . . . 13 Direito do homem . . . . . . . . . . . . . . 15 Poeta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 Medo do futuro . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 Não consigo mais sonhar . . . . . . . 18 Inocência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Um dia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 Sobrevivente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

Vinho

Cartas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 Decepção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 Identidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 Não se prenda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Íntimo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Lamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 Perseguição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 Poetas podem morrer . . . . . . . . . . 34 Parada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 Quer namorar, poeta? . . . . . . . . . . 37 Dono das letras . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 Punhal afiado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39


Café O algoz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Colcha de retalhos . . . . . . . . . . . . . . Espera . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Sentimental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Antigo amor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Paixão vil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O pranto da saudade . . . . . . . . . . . . Sabes que estou aqui . . . . . . . . . . . . Nada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Baú de letras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Mal súbito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Morfina Realidades impossíveis . . . . . . . . . . Novo amor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Quem sou eu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Perseguição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Samba de verdade . . . . . . . . . . . . . . Pergaminho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Vento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Máscara . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Vontades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Quem não sente saudade? . . . . . . Herança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Desejos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Meus erros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Metamorfose . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Olhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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ÁGUA



Preciso de alguém Preciso de alguém que me olhe nos olhos enquanto falo. Que ouça as minhas tristezas e neuroses com paciência. E, ainda que não compreenda, respeite os meus sentimentos. Preciso de alguém que venha brigar ao meu lado sem precisar ser convocado; alguém, amigo o suficiente, para dizer-me as verdades que não quero ouvir, mesmo sabendo que posso odiá-lo por isso. Nesse mundo de céticos, preciso de alguém que creia nessa coisa misteriosa, desacreditada, quase impossível: a amizade. Que teime em ser leal, simples e justo, que não vá embora se algum dia eu perder o meu ouro e não for mais a sensação da festa. Preciso de um amigo que receba com gratidão o meu auxílio, a minha mão estendida. Mesmo que isto seja muito pouco para suas necessidades. 13


Preciso de um amigo que também seja companheiro, nas farras e pescarias, nas guerras e alegrias, e que no meio da tempestade, grite em coro comigo: “Nós ainda vamos rir muito disso tudo”, e ria muito. Não pude escolher aqueles que me trouxeram ao mundo, mas posso escolher meu amigo. E nessa busca empenho a minha própria alma, pois com uma amizade verdadeira a vida se torna mais simples, mais rica e mais bela.

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direito do homem Deveria ser direito de cada homem morar pelo menos em um casebre, simples, singelo, mas quentinho e aconchegante que o abrigasse da chuva e do vento gélido. Deveria ser direito de cada homem ter educação e lá aprender o que realmente é importante não o que interessa aos outros. Deveria ser direito de cada homem ter saúde, ter como ir ao médico, não só de posto de saúde, mas médico de corpo e de alma. Deveria ser direito de cada homem ter liberdade. Essa que ninguém compra, e só conhece quem não a tem. Deveria ser direito de cada homem poder amar sem limite, poder caminhar de mãos dadas sem se envergonhar, poder beijar sem melindres e sem maledicentes olhares, todos invejosos por sabermos usar o direito de amar! 15


poeta Poeta ĂŠ aquele que transforma sandice em verso. Sai fantasiando e sonhando sem medo embelezando atĂŠ o que ĂŠ terror. Suavizando o horror vestindo suamente a dor descortinando o amor.

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medo do futuro Tenho medo do futuro não me sinto segura. Não só pelo abuso de poder não só pelo descaso de autoridades, mas pelo descaso com relação à natureza. A falta de cuidado com o meio ambiente o desleixo da humanidade com seu próprio habitat. Ignoram o impacto que causam as respostas cada dia mais intensas e revoltadas. A ignorância hoje assola crianças e jovens esquecem o que é primordial, essencial. Tínhamos medo de que o futuro chegasse. Tínhamos medo de um futuro sem esperança. Será que chegou?

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não consigo mais sonhar Quando criança tinha esperança sonhava imaginava. Crescia e me via cada dia mais linda e mais bem sucedida. Hoje não sonho mais. Tanto aconteceu até agora! Não dá mais para pensar que o mundo é só de algodão-doce, que tem gosto de bala. A criança dentro de mim, vive apenas em meus sonho. Será que fugiu? Cadê aquela menina? Eu a quero de volta um dia! Pelo menos um pouquinho um pouquinho de nada.

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inocência No escuro da inocência descoberto pela luz da ciência. Não deve subserviência essa humanidade em carência. Distante dos olhos perto dos sentidos. Instintos desmentidos pelos atos desmedidos. Grande vulcão em eterna extinção. Tomado pela mão às rédias da emoção. Páginas viradas de cartas marcadas. Inocências mascaradas, enfim, carnais formas encarnadas.

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um dia Um dia ainda me livro dos pesos de minha existência desisto da persistência e fujo. Com a coragem que não tive dou fim no que todos dizem que não presta em mim a minha infeliz e pesada dependência. Ou consigo isso ou desisto de viver. Vegeto até morrer.

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sobrevivente Para que sobreviver nesse mundo cão nessa overdose de sangrias? Balas perdidas de gente querendo apenas se dar bem? Para que suspirar nesse poluído ar, ver essas imagens deprimentes de uma gente sem conteúdo só mostrando sua carne? Quero viver num sonho numa eterna alegoria um carnaval de magia e me deixar levar por uma viagem sem fim. Não me deixem acordar! O sonho está bom... Acordar para sofrer? Para quê?

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vinho



Cartas Escrevo cartas inúmeras cartas ao vento amor que não chegou a tempo sem nem razão de ter acontecido. Só ficaram o simples bem querer a simpatia e a saudade o vazio e a distância a recordação de pequenos gestos. Parece coisa infantil mas são dos lúdicos momentos que sinto a febre mais ardente. Dói e corrói a sensação de que posso nunca mais olhar nos olhos de quem me passou essa paz essa segurança esse jeito menino e carinhoso. Quantas noites irei suspirar a insônia meu pranto calar meus sussurros insanos gemidos sem cúmplices?

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Quanto mereço ainda sofrer desse amor que não tem fim ao mesmo tempo não pode ocorrer proibido e cativo aqui dentro de mim? Sim, aos olhos e à mente de quem não sente não entende e julga banaliza esse tipo de paixão. Mas para quem vive, é diferente. Só quem vive um grande amor verdadeiro, puro entende a diferença. Pena que muitas vezes chegamos atrasados. O tempo é muito cruel O destino, o que quer de mim? O sofrer eterno? Por que fui condenada à solidão? Por que só sinto isso por quem não posso ter o coração? Por que não me deixar ser feliz incondicionalmente? Amar e ser amada? Por quê?

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decepção Nunca espere algo a mais de quem não sabe o que pode lhe dar. Não esqueça de todos os momentos e choros onde tudo não deu certo para não sofrer ainda mais. Se fez algo errado nesses momentos, esqueça, mas não repita os mesmos erros. Não deixe de tentar ser mais esperto do que eu, seja mais malandro. Espere que essa pessoa venha a você e demonstre algo. Não entregue de cara o seu ouro, ele é precioso demais pra que qualquer um pegue e o faça de esmola. Não deixe de se valorizar. Use todas as armas de que dispõe para sentir que realmente valeu a pena. Não deixe suas oportunidades passarem. Tudo tem seu tempo. Desgastar o que é mágico, pode acabar na vala, na lama. Faça tudo sem maldade, só com carinho, mesmo que seja por poucos momentos. Mas faça com que sejam eternos, para que lá fiquem sua memória, seu livro, sua vida.

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identidade Não quero me perder do horizonte. Não quero deixar de avistar o arco-íris. Não vou perder meus limites nem meus objetivos, minhas diretrizes mais íntimas. Quero meu pé no chão! Porém, nunca quero corromper essa essência imatura, ao mesmo tempo profunda, mãe da minha orientada mas divertida rotina, essa minha forma de vida. São maneiras de conseguir respirar e não sofrer. Fugas normais de todo ser. Não é possível que se julgue por alguém ser assim! Não acredito que sinceridade e ingenuidade sejam defeitos. Podem não ser os adjetivos perfeitos, mas mal nenhum podem fazer.

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não se prenda Não se reprima a monossílabos se tudo de dentro do seu coração for para o bem e o amar. Mostre todo o seu perdão sua compreensão sem falsas pretensões. A doçura da visão da verdade sem limites do amor que poderia vir servido como comprimidos em doses diárias. O amor não se deve temer não se deve correr não se teme a overdose. Creia nele, não fuja como criança do bicho-papão venha com tudo, sem amarras, solte as asas e voe para sempre.

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íntimo Minto a cada dia. Minto quando digo que esqueci. Minto quando me aproximo de outro para esquecer e me lembro de um nada, de tudo. Lembro de um olhar, de um brilho da voz do calor sem ter sentido. Sinto um vazio difícil de ser preenchido. Talvez nunca possa ser preenchido. Doído, amargo, distante de ser curado. Quero sentir mas não consigo pelo menos não por inteiro. Apenas pela metade só pela metade tenho tudo. Estou acostumada. 30


Solidão por toda a eternidade solidão que vive em meu ser. Vem a indagação será que algum dia apagarei a luz e não sentirei medo? De caminhar, de esticar minha mão e não encontrar uma outra para me acompanhar? De contar meus medos os mais íntimos sem enrubescer? De fazer confidências e poder viver todas elas? Sem culpa de ser feliz?

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lamentos Chuva cai na flor, bate ácida tanto assim que corrói. Descolore com o tempo, Só dói todo amor que constrói. A flor não tem mais perfume. Só consome o azedume do mesmo ácido que a fez morrer. Pena que se vai toda a beleza. Só fica o ardor esvai o fervor.

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perseguição Corro por um socorro, por um porto seguro que apareça na minha frente. Mas a gente não se deu conta do tempo que havia. Sempre corria e perdia, que agonia de ver a saída. A partida desse trem da sua vida da minha que se esvaía sem sintonia com a minha melodia.

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poetas podem morrer Navegante viajante diletante? Mas não é distante! Pobre de ouro mas pensava ser rica de boa-fé. Mas a boa-fé é fama que o ouro compra. Não tem mais por quê? Não é assim que se faz... Não consigo entender não sei como fazer não sei como lidar com esse tipo de ser. São vis os seres que mentem usam artifícios e pobreza de espírito. Articulam maneiras de tripudiar Mais ainda, manipular... 34


Dói no peito orvalho nos olhos brotam. Não quero mais sentir isso pesar meus versos vieram pra sintetizar. Elementos... Amor Paz Amizade Carinho. Não! Nunca Falsidade Maldade Mentira Má-fé. Nunca faça isso com um poeta ele pode morrer. Pode sofrer até adoecer. Fisicamente pode não parecer mas apaga aos poucos sua alma. Não faça isso com um poeta ele pode morrer... 35


parada Inconscientemente corremos esbarramos com o tempo remamos contra a maré. Não respeitamos o nosso próprio tempo. Para quê? Para onde nós vamos? O tempo é algo tão relativo... Vamos fazendo sem pensar, amando sem amar, usando coisas e consumindo outras sem cessar. Ansiosamente, compulsivamente, freneticamente. Somos seres que pensamos, porém não parece. Podemos parar um pouco? Mesmo que seja pra pensar?

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quer namorar, poeta? Com quem o poeta quer namorar? Com o vento que passa pelos seus cabelos? Com o tempo que sempre deixa vestígios de ansiedade? Com a beleza que é relativa? Com o bem querer que nunca chega ao outro? Com qual desses quer o poeta namorar? Poetas tendem a querer somente mirar o infinito olhar para o impossível se esconder no vazio dos seus sentidos usando a fantasia e o sonho para se esconder do real. O que pode doer quando não se concretiza? O que pode levar para a morte o lado secreto do todo romântico? O poeta sempre corre linhas tortuosas e íngrimes nunca consegue chegar onde gostaria de fato. Se quer namorar? Sempre deixa o rastro de mistério no ar...

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dono das letras Não preciso de letras, palavras, sons. Sou eu. São palavras de uma alma. Prova. Verdade. Não preciso de nome. Tão logo se lê, se vê. Não preciso de forma nem forma para escrever. Jogo e brinco elas se arrumam. O som nasce. A poesia cresce em meu ser.

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punhal afiado Podemos querer dizer coisas boas para Deus e para o mundo. Mas sem que os ouvidos estejam abertos ou mesmo quando abertos pouco receptivos, ou ainda pior, receptivos a uma interpretação própria, invertida de tudo o que é dito, tudo que é falado nada vale, é jogado ao vento. Quem vence na maioria das vezes fecha-se, não fala. Cala-se e aprende a observar e sentir até quando estão chegando, pelo instinto, com a faca em punho para lhe fincar pelas costas. Já, então, virando para o peito olham nos olhos de quem não teria a mesma coragem. 39



CAFÉ



O algoz Ele nunca desiste enquanto não espolia não suga a energia não vampiriza a vivacidade. Tira o sorriso do rosto arranca lágrimas até o sangrar da alma. Não sossega. A felicidade desse ser está no ardor da alma se alimentando da maldade. A cada momento um toque de perversidade. Infelizmente, ainda tenho que conviver com esse mal. Um dia, hei de poder ver a luz não mais as trevas turvas pelas lágrimas que não secam.

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colcha de retalhos Sensibilidade... Está na pele, no ar, aquecendo meus momentos de solidão. Sonho... Dormindo ou acordando, saio voando em busca do clarão. Vida... sem isso ou aquilo é muito difícil porque viver é um desafio.

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espera Espero tua sombra, dias e noites na varanda, na janela, seja onde for. Espero teu cheiro invadindo e sendo exalado como o aroma da dama-da-noite que junto ao cair da madrugada vem mais forte, ao mesmo tempo suave. Seu colo, esse é o que mais quero. Só quero poder recostar e de meu travesseiro fazer minha paixão por ti. Não me deixe como tua Penélope, pois tu não és meu Ulisses, mas preciso de ti. Não me moleste com tua ausência venha para esse leito. Não tens como fugir de tua essência. 46


sentimental Só há um amor válido o amor da renúncia. Não aquele egoísta tolhe e causa angústia. Ás vezes utópico não consegue sobreviver não prevalece. Sobra o egoísmo mata o sentimento. Com dúvidas não se estabelece. Feridas não se curam, rachaduras não se colam, dores não passam. Confiança não se reconquista.

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antigo amor Bela mulher, um desenho de menina. Rosto, feição feminina. Seus olhos não imaginavam o que um dia viriam a querer. Bela época da meninice não sofreria com a sandice do amor que a flecharia deixando-a em prantos um dia. Provocante e com ousadia destacaria-se um dia com sua postura de bailarina dançando em salões pela marina. Soldados, civis e marinheiros mesmo de seus veleiros avistavam sua silhueta travavam disputas pelas suas piruetas. Um dentre eles seria o felizardo do beijo dado olhares e valsas rodopiaria com o faisão das águas de coração armado.

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Mal sabia ela que seria somente usada. Após desalmada jogada pela janela. Após a tragédia, nada seria mais colorido nunca mais haveria sorriso nem mesmo um gracejo fazendo-lhe média. Para a bela donzela a vida teria ali o fim, o triste destino seria um só: a solidão com a maturidade e falta de glamour.

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paixão vil Gostaria de poder ser sem ter medo de ser feliz. Gostaria de achar meus erros e não ter o peso da consciência. Gostaria de estar sempre prestes à loucura e explodir por um triz. Gosto de rompantes. Sou estopim, viro cor de carmim, quando zombam de mim. Não ouse tratar-me assim, como qualquer uma, não sou sua, nem de ninguém. Vá daqui, sem nada nas mãos, não volte com nada nos braços, como aquele ramalhete de vis rosas rubras. Amor não tem fim, paixão sim. Foi apenas isso que senti. 50


o pranto da saudade Como conviver com a distância como se pode dormir assim? Sem carinho imagino fantasio. Chego a sentir os beÄłos e carinhos que me fazem surtar queimar. A saudade que me consome o tempo esconde meus olhos se emocionam enďŹ m, choram.

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sabes que estou aqui Sou aquela que beija-te dentro do teu coração. Aquela que sentes com a brisa macia tocando a tu’alma. Toco com carinho teus cabelos. Quero teu amor. Sabes que sou aquela que te quer com muito ardor. Sentes mesmo com a distância a minha ânsia o meu fervor. Cura essa minha febre, essa minha agonia que para sempre se inicia. Quando lembro de teu chegar ninguém sente, ninguém vê, só eu. Só eu, tua menina, tua mulher. 52


nada Estou me destilando estou me purificando derrentendo-me em saudade e poesia sustentando meu amor mais intenso. Pedaços de mim reluzem por todo canto. Neste aqui só quero revelar a sombra brilhar pra quem vale à pena esconder na penumbra o mistério para aqueles que quero conquistar. Me omitir no eclipse profundo dos que não me querem bem.

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baú de letras Estou com saudade de mim mesma, com saudades dos meus amigos de verdade... Não tem como voltar no tempo, não? Ou então, juntar todo mundo, juntar os caquinhos da vida e sonhar em remoçar. Usar melhor a nossa máquina, dançar até o sol raiar. Esquecer de tudo e só viver e lembrar. Pegar as mágoas e jogar na latrina. Unir pessoas com quem tivemos discussões, e resolver abraçar e sonhar que esqueceu... Tudo isso é uma utopia gostosa de ser vivida. Como na vista das fotos antigas de um baú mal resolvido de uma vidinha truncada. Ainda tenho mesmo tanta coisa para viver? Não é que queira me prender ao passado, mas ele foi tão saudável e o mundo está tão cruel! Prefiro os sofrimentos bobos e meus medos infantis.

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mal súbito Pisaram, chutaram, sugaram. Até onde? Até quando? Não é justo morrer suando, esse suor malvado, essa dor maldita, sem despedida. Alegria passa ao lado, a emoção passa batida. Não mais seguro o rojão da vida. Pára tudo! Sai fora! Arrego! Seu mal agouro, sai do pensamento, desejo insano, sem discernimento. Sai mal nojento, tão súbito quanto o vento. Não fica perturbando, vai pro esquecimento. Canto e assim sinto-me segura.

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MORFINA



Realidades impossíveis Queria poder ser a música que te tocou o verso que soou som que não sai do ouvido seu. Vontade de ver! Ah! Como queria... Como gostaria que a saudade fosse maior que me procurasse, mesmo que pelo pensar, e, enfim, poderia ter todo seu calor. Meu coração procura o bater do tambor ritmado pelo desejo pelo olhar mais ansioso sem medo de ser feliz esperando, minha boca seca o beijo que nunca vem. Imagino o seu tocar mas isso não me satisfaz, nem ao menos o sonhar. Só queria uma chance de mostrar todo esse amor.

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InconseqĂźente, eu sei mas, sim, eu merecia pelo menos uma forma de poder te mostrar tudo que eu quero, todo alcance do prazer pois feliz te realizaria. Mas enquanto isso a Ăşnica coisa que posso oferecer ĂŠ minha dor.

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novo amor Como sofrer se tudo que fiz foi querer um dia te ter e fazer do som o amor? Cada nota faz o toque mas agudo, infindo e profundo. Gosto assim, quando você não diz o que quer de mim. Só me faz feliz. Do nada, aparece como um vulto revolto, solto, trazendo uma paz, no susto. Calma da confusa bagunça, solta em mim o riso, luz e vida, mostrando por onde seguir. Sem querer, o caminho que vai dar no seu. Deixa então o meu riso, uníssono ao seu, mostrar o que é a verdade. 61


quem sou eu Está difícil eu me ver, me reparar. Reparar e detalhar. Reparar e consertar. Cadê aquela que fazia mazelas? Cadê aquela que fazia gracejos? Cadê aquela que falava fazendo carinha de anjo? Não sei. Não encontrei. Era capaz de seduzir. Era capaz de olhar sem medo de ser olhada. Era olhada e não ridicularizada. Era olhada e não penalizada. Era olhada e não banalizada. Era olhada e desejada. Cadê aquela que era eu? Cadê o que eu era? Não, eu sei que não. Adormeceu...

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perseguição Corro por um socorro, por um porto seguro que surja na minha frente. Mas a gente não se deu conta do tempo que havia. Sempre corria e perdia. Quanto desespero para encontrar a saída. A partida desse trem, da sua vida da minha que se esvaía sem sintonia com a minha com a sua. Comigo com quem por quê?

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samba da verdade Quero hoje compreender toda a forma de perdão para poder chorar sem dor as libertas crias do coração. Sem palavras para dizer minha surdez cega minha mão calejada e suada de não ter. Querendo, implorando, estendida por mais compaixão. Cadê a compreensão? Cadê a criança? Que tipo é essa de esperança que tira todo pensar sem maldade? Quero sua palavra impressa em letras garrafais mostrando que não foi à toa, nem em vão todo o discurso mesmo com o vai-e-vem do percurso. Vem, me mostra de vez! Para que essa chaga essa ferida funda da fatalidade seja curada com amor e com a tua palavra cicatrizada. 64


pergaminho Saudade é grande tão imensa que dá vontade de escrever um pergaminho colocar numa garrafa e jogar lá longe no mar. Sim, para ver se chega algum dia a tempo, mas algum dia lá do outro lado de onde possa avistar o seu olhar. No dia que chegar, quando ler, não me interprete mal só saiba que guardo um imenso bem querer. Que na garrafinha vá meu perfume minha esperança e meu amor. Só quero poder um dia mostrar sem culpa que te amo de verdade. 65


vento Veloz como vento, tranqüila feito brisa macia. Tranco-me em mim como ostra vazia. Como num convento esperando aquele que me acaricia. Viajo sobre nuvens branquinhas vendo todos seus movimentos. Não me conformo por não estar em seu templo com a pérola da sua companhia, dádiva que me alumia. Preciso como do ar de um momento. Minuto que esclareça essa enorme desavença. Ilusão do lindo dia fulgor da noite em eterna agonia. Preciso ver, acreditar que está perto para não parar de respirar. Voltar suspirando vida sem despedidas. 66


Sou como o vento. O Sol irradia o doce calor ardĂŞncia dando alento sombreando o dissabor. Quisera eu que nunca parassem seus raios de minha pele tocar, meus pĂŞlos arrepiar, minha vida iluminar e meu amor soar.

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máscara Essa máscara que não sai. Que aderiu tão completamente. Que não sai. Quero tirá-la, mas dói. Dói mostrar o que tem por trás. Será que é o de antes? Antes... Muito tempo atrás? Será? Ela vai sair? Vai tirar algum pedaço pedaço de mim? E me aleijar aleijar o meu criar?

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vontades Quero ir embora quero sair fora. Quero o mundo de longe quero sair de mim. Um anjo poderia me puxar para longe desse ninho onde as cobras comem a alma.

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quem não sente saudade? Quem um dia disser que de saudade nunca sofreu de amor nunca quase morreu que de soluços quase se engasgou do pranto doído que no peito guarda cativo Pode se dizer mentiroso. Mentiroso aquele que diz que é cético aos sentimentos mais insanos daqueles que nos tiram o sono nas noites pensando e vagando sozinho esperando sem nunca ninguém receber. Quem nunca foi até a janela e ficou esperando? Nem ouviu uma canção que o fez chorar? Quem nunca pensou ou quem nunca sonhou o que não devia imaginar?

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Sofrer disso tudo é se eternizar humanizar marcar como mero mortal levar os doces sentimentos a fundo mostrar que não é de pedra e sim de carne e osso. Quem me dera mostrar ainda mais poder gritar a quem pudesse que sou eterna, humana e de carne e osso. Amo incondicionalmente, mas não devia.

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herança Quando avisei julgaste-me criança. Quando acudi, não viste meu esforço em auxiliar-te. Não assumiste tuas culpas, colocando-as em cima de mim. Vislumbras meus defeitos como se teus os fossem. Sou tua filha, mas nada a mais tenho além de teus genes. Sou concepção tua, mas eu sou eu. Gosto do teu amor, mas não do teu jeito de amar. Sufocas-me com a tua frustração, projetando-me em sua imaginação como tua perfeita criação. Não fui criada por ti, mas pelo mundo. Consegui não ser uma qualquer, mas por um segundo podia ter-me revirado. 72


Enfim, algo de bom deste-me: tua força, tua coragem, teu senso de luta. Mas graças ao Pai, em quem tu teimas em não acreditar, mas a quem em tua difícil reclusão pões a chorar, pedi e consegui por orações e pedidos. Não tenho tua conduta, que de canhota e torta, faz por vezes tuas vistas rumarem para vias tortas. Quero-te bem não quero tua herança não quero teu rancor. Quero um pouco mais desejo-te algo maior juízo.

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desejos Um dia, o homem não terá mais que se humilhar não terá que pedir migalhas de felicidade. Terá direito ao seu canto, onde poderá fazer o que desejar o que achar que tem direito. Por que se culpar por ser feliz? Por que achar que o prazer é pecado e que tudo tem que ser conquistado pelo sofrimento e ardor? Não é justo o homem ter de sentir dor até um dia conseguir ser feliz.

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meus erros Quero me redimir e não consigo. Seria tão bom poder não ter escrúpulos e nem vergonhas. Será que adiantaria quebrar o orgulho? Os muros do senso e da razão? Seguir o coração? São tantos os erros, mas não se tem mais tempo. Esse tempo que queria correr revolta e desarvoradamente para trás. Ter a chance de retornar, de tentar acertar. Não tem como! Já perdi! Nem sempre se tem o perdão, como e quando se quer. Depois que se fez e falou o que se quis. 75


metamorfose O olhar embaçado enquadrado pela janela a chuva caindo do céu cinza e escuro demonstrando a tristeza do mundo. Ruídos que embaralham misturam-se com o sonho enganam e nos fazem achar que são dos nossos amores se aproximando. Visões turvas que nos levam à semelhança da realidade, vemos o que não temos que ver imaginamos o que não devemos sentir. A dor lateja pois nunca podemos fazer a dor virar afinal amor.

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olhos Olhos normais que parecem querer descobrir algo valioso onde ninguém viu. Olhos que vêem de um jeito olham do jeito de menino olham com fome de lobo olham desejando como homem. Olhos que sorriem e brilham quando não podem. São olhos que gostam do sabor do proibido mas logo lembram do gosto da distância e da rotina. Olhos que se cerram para tudo isso olhos que se perdem, se ofuscam. Saudade de deixar o olhar curioso e livre saudade de cruzar com esse olhar que fazia o coração pulsar e o corpo queimar. Mistérios são necessários segredos são direitos de todos nós. Sonhar é preciso, viver é obrigatório.

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Título Autora Supervisão Diagramação Produção editorial Capa Ilustração da capa Revisão de texto Formato Tipologia Papel Número de páginas Tiragem Impressão

Ebulições Cristiana Passinato Plínio Martins Filho Josiane Camacho Laurentino Josiane Camacho Laurentino Vanessa Sayuri Sawada Vanessa Sayuri Sawada Josiane Camacho Laurentino 14 x 20 cm Sylfaen 11/15 Palatino Linotype 18/21 Pólen Bold 90 g/m² (miolo) Cartão Supremo 250 g/m² (capa) 80 500 exemplares Prol Editora Gráfica


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