Arquitetura e Agroecologia: projeto em apoio à Reforma Agrária Popular

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Arquitetura e Agroecologia Projeto de praça e armazém no assentamento Milton Santos em apoio à Reforma Agrária Popular


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arquitetura e agroecologia -

Cristina de Castro Kesselring

projeto de praça e armazém no assentamento Milton Santos em apoio à Reforma Agrária Popular

Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo/ 2020

Orientação por Felipe de Araújo Contier, Guilherme Motta, Lizete Maria Rubano, Sásquia Obata e Luiz Eduardo Guimarães Dias

Universidade Presbiteriana Mackenzie

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E aprendi que se depende sempre De tanta, muita, diferente gente Toda pessoa sempre é as marcas Das lições diárias de outras tantas pessoas E é tão bonito quando a gente entende Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá E é tão bonito quando a gente sente Que nunca está sozinho por mais que pense estar

E é tão bonito quando a gente pisa firme Nessas linhas que estão nas palmas das nossas mãos É tão bonito quando a gente vai à vida Nos caminhos onde bate, bem mais forte o coração

Gonzaguinha Caminhos do Coração

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“essa praça podia ser um cartão postal do assentamento, para pararem de chamar a gente de vagabundos” – Seu Zé, morador do assentamento Milton Santos

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agradecimentos À minha família, em especial Beatriz, Gustavo, Julia, Priscila, Andreia e Flo, que me nutre e transforma dia a dia. Pelo carinho com que apoiam e possibilitam meus caminhos.

por compartilharmos esse projeto, suas histórias, ideias e aprendizados. Que esse trabalho possa contribuir na jornada de uma extensão universitária mais próxima daquilo que acreditamos.

Às agricultoras e agricultores que habitam assentamentos de reforma agrária, nutrindo esse país continental com trajetórias de luta, alimentos saudáveis e saberes construtivos. Agradeço a Eunice, Ariele, Osmar, Irene, David, Janete, Joca, Valdir, Luciano e Tainara, pela acolhida e pelas trocas que tanto me ensinam.

Ao Éder e Beto, por nos ensinarem a materializar algumas ideias no canteiro experimental.

Às professoras e professores da FAU Mackenzie, especialmente Felipe Contier, Guilherme Motta, Lizete Rubano, Antonio Fabiano, Sásquia Obata, Luiz Eduardo Dias, Eliene Coelho, Lucas Fehr, Luciano Margotto, Joan Villà, Ricardo Martos, Paulo Emilio e Angélica Alvim. Pela generosidade em compartilhar seus saberes e por encorajarem vôos com os pés no chão durante a graduação. Aos meus orientadores Felipe Contier e Guilherme Motta, também pela parceria e suporte em conduzir este trabalho durante uma pandemia mundial. Ao Tomaz Lotufo, por inspirar tantas dessas linhas e por aceitar o convite para a banca. Aos amigos do Mosaico e aos professores orientadores, Antonio e Lizete,

Às amigas e amigos de infância, e em especial aos que fiz na faculdade, Juliana, Larissa, Isabella, Christian, Victoria, Vinicius, Mariana, Julia, Lúcia, Felipe, Helena e Fabiana. Por alimentar em mim o desejo de outros mundos e pelas contradições que tentamos digerir nos almoços no Planetas. A Julia Peres e Lúcia Lotufo, também por me ajudarem a traduzir este trabalho em formas e cores, como se pode ver na diagramação destas páginas. Ao Matheus, pela ponte entre os moradores do assentamento Milton Santos e o Mosaico, e aos colegas da Peabiru, Maria, Victor, Andrei, Rodolfo, Rafael, Ladislau, Giovanna e Driely, por tantas outras pontes este ano. A vocês que compõem essas páginas e aos que ainda virão, dedico minha técnica e minha escrita.

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Imagens 00: Foto de Cristina Kesselring Imagens 00_01: Foto de Augusto Oyama



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índice

0.Apresentação

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1.Terras no Brasil Lembrar para não esquecer Reforma Agrária Popular

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2.Assentamento Milton Santos Contextualização Um pouco sobre Janete

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3.Projeto de arquitetura em apoio a Reforma Agrária Popular Objetivos Diretrizes gerais Diretrizes específicas Referências teórico-projetuais/ experiências construídas

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4.Considerações finais

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5.Bibliografia

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apresentação Este Trabalho Final de Graduação nasceu a partir de dois desejos: o primeiro, de fazer um trabalho acadêmico que pudesse também ser construído, e o segundo, de contribuir com o projeto coletivo dos agricultores do assentamento Milton Santos e estudantes do grupo de extensão do Escritório Modelo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie - EMAU Mosaico, do qual sou colaboradora. O projeto, iniciado pelo Mosaico e desenvolvido neste trabalho, é constituído por uma praça e um armazém de usos comunitários, voltado para a venda de alimentos agroecológicos produzidos no local: “um cartão postal do assentamento, para pararem de chamar a gente de vagabundos”, nas palavras de um dos moradores, cuja maioria dos nomes serão abreviados para os fins deste trabalho. Além de desenvolver um espaço que busque fortalecer a relação direta entre quem produz o alimento e quem consome, ampliando a geração de trabalho e escoamento da produção na região, a concepção de projeto participativo e autogestionário visa auxiliar os agricultores em sua capacitação para construção de sistemas de geração de energia elétrica, tratamento de água e espaços de baixo impacto ambiental, frente também ao desmonte das políticas públicas destinadas ao habitat rural. Tendo em vista o crescente projeto nacional de titularização de terras públicas, bem como as possíveis alterações no uso do solo previstas pelo Plano Diretor (2018) de Americana, o projeto pretende também contribuir

com o fortalecimento do cooperativismo existente na comunidade, buscando ampliar as ferramentas de afirmação de seus direitos, permanência e autonomia frente aos rumos do território. Atrelando técnica, prática e movimento social, este trabalho visa dar apoio ao projeto de Reforma Agrária Popular, encabeçado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fortalecendo a qualidade de vida dos moradores do campo e da cidade. Ao longo da graduação, me envolvi em práticas e discussões que buscavam ampliar o olhar crítico sobre o ofício da arquitetura e urbanismo, dentre elas a disciplina “Arquitetura no Brasil II”, ministrada na época por Felipe Contier e Roseli D’Elboux. Lá, em 2017, foi plantada a semente do que viria a ser posteriormente a iniciação científica, apoiada pelo CNPq, intitulada “Modos de morar e construir indígena: diálogo entre ensaios acadêmicos e trabalhos guarani mbya na Terra Indígena Jaraguá (SP)”. Ao mesmo tempo, o grupo de estudo “Arquitetura e trabalho livre”, escrito por Sérgio Ferro, me fez buscar outras aproximações entre o pensar e o fazer em arquitetura e construção. Próxima então da Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo, pude participar de alguns dos mutirões de construção de uma opy (casa de reza), onde conheci um estudante que na época integrava o grupo de extensão TERRA (Territórios Rurais e Reforma Agrária) da Esalq USP. Através desse grupo, ele trabalhava com o apoio a gestão da produção de alimentos da cooperativa do assentamento Milton Santos, em Americana. Em 2018 nós, enquanto

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EMAU Mosaico, fomos convidados a contribuir com a cooperativa através de um projeto de praça e loja coletiva no assentamento. Após 1 ano, tive a oportunidade de viajar para o Chile e participar do Taller de Agosto, também chamado de Taller de Obra, da Escola de Arquitetura de Talca, cidade de 200 mil habitantes entre a cordilheira e o Pacífico. Com o suporte da Escola, projetamos e construímos uma praça pública através de ruínas existentes na cidade. Ao voltar de lá, cresceu o entusiasmo em contribuir com a possível construção do projeto iniciado pelos moradores com apoio do Mosaico. Em 2020, o grupo teve que suspender suas atividades devido a Covid-19 e, enquanto isso, demos continuidade ao projeto através deste Trabalho Final de Graduação, partindo das diretrizes gerais de implantação estabelecidas e desenvolvendo sua construtibilidade. Ao longo desse ano, como desdobramento do projeto iniciado na extensão, tive a oportunidade de estagiar na equipe de formação do curso ATHIS Rural, promovido pela Peabiru Trabalhos Comunitários e Ambientais (Peabiru TCA) em parceria com o MST e o grupo Pitá, com apoio do CAU/ SP. Através desse curso, pudemos viajar e conhecer alguns assentamentos de reforma agrária e outros territórios rurais pelo estado de São Paulo, o que nos possibilitou uma maior aproximação com a diversidade de sujeitos e saberes presentes nesses lugares. Com isso, foi possível também uma ampliação no referencial de possibilidades de trabalho em parceria com moradores de áreas rurais, fonte também de inspiração dessa pesquisa.

As diversas crises deflagradas e agravadas pelo surto da Covid-19 parecem evidenciar a importância de assentamentos de reforma agrária, terras indígenas e quilombolas também enquanto territórios que ampliam a saúde coletiva através da produção de alimentos saudáveis, preservação e recuperação da Natureza. Modos de vida em movimento que podem inspirar transformações e fortalecer as possibilidades de manutenção de nossa espécie na Terra. Vamos lá!

“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. (...) O fim da viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite (...). É preciso voltar aos passos que foram dados, (...) para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.” (José Saramago, em Viagem a Portugal, 1997)




16 Imagens 1 e 2 - “Conversa com Sérgio Ferro: canteiro e ensino como experimento”, com a presença de Ermínia Maricato. Evento organizado por estudantes e professores da FAU Mackenzie - 2018 Fotos de Felipe Contier Imagem 3 - Indígenas Guarani Mbya e moradores da Terra Indígena Jaraguá na construção da opy, na aldeia Yvy Porã - 2018 Foto da autora Imagem 4 - Indígenas Guarani Mbya e estudantes na vivência de extensão universitária para construção da opy, na aldeia Yvy Porã - 2018 Foto da autora Imagem 5 - Em Talca, no Chile, fazendo a fôrma do piso da praça - 2019 Foto de Victor Letelier, da Escola de Arquitetura de Talca Imagem 6 - Praça finalizada, construída a partir de ruínas na cidade de Talca, Chile - 2019 Foto de Victor Letelier, da Escola de Arquitetura de Talca Imagem 7 - Agricultores, moradores do assentamento Milton Santos, e estudantes do EMAU MosaicoMackenzie e grupo TERRA-USP em discussão do projeto da praça e armazém no assentamento - 2019 Foto de Matheus Grolla, da Esalq-USP Imagem 8 - Éder, auxiliar do canteiro experimental da FAU Mackenzie, e o protótipo 1:2 de estudo da estrutura em madeira para o armazém no Milton Santos, desenvolvida pelo EMAU Mosaico - 2019 Foto da autora

Imagem 9 - Éder, Beatriz e Cristina, estudando protótipo de estrutura em bambu para o armazém no Milton Santos - 2019 Foto de Pedro, do EMAU Mosaico Imagem 10 - Pedro e Elisa, do EMAU Mosaico, fazendo maquete de estudo da praça e armazém 2019 Foto da autora Imagem 11 - Escola de Jovens e Adultos (EJA) em reforma no assentamento Milton Santos - 2019 Foto da autora Imagem 12 - Agricultores, moradores do assentamento Milton Santos, estudantes do EMAU Mosaico- Mackenzie, grupo TERRA-USP e grupo Caetés-USP em discussão do projeto da praça e armazém - 2019 Foto da autora Imagem 13- Agricultores, moradores do assentamento Milton Santos, localizando o assentamento sobre imagem aérea do Google Maps - 2019 Foto da autora Imagem 14 - Estudantes do EMAU Mosaico e grupo TERRA em plantio de árvores no terreno do projeto da praça e armazém - 2019 Foto de Fernando Banzi, da Goma Oficina Imagem 15 - Estudantes do EMAU Mosaico e grupo TERRA em plantio de árvores no terreno do projeto da praça e armazém. O evento fez parte da programação da Semana Viver Metrópole da FAU Mackenzie - 2019 Foto de Fernando Banzi, da Goma Oficina Imagem 16 - Eunice, agricultora da cooperativa


17 Cooperflora e liderança no assentamento Milton Santos, em sua casa depois do almoço - 2019 Foto da autora Imagem 17 - Irene, agricultora da cooperativa Cooperflora, em sua casa depois do almoço - 2019 Foto de Fernando Banzi, da Goma Oficina Imagem 18 - Abacates produzidos pela cooperativa Cooperflora - 2019 Foto da autora Imagem 19 - Antonio, professor orientador do Mosaico, desenhando estudo de projeto da praça e armazém 2019 Foto da autora Imagem 20 - Eliene, professora de topografia na FAU Mackenzie, auxiliando estudantes do EMAU Mosaico no levantamento do terreno do projeto da praça no assentamento - 2019 Foto da autora

Foto da autora Imagem 24 - Moradores do bairro dos Pilões, em Cubatão, integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e equipe da Peabiru TCA, localizando onde ocorrem enchentes e deslizamentos de terra na região - 2020 Foto da autora Imagem 25 - Altamir, Taís e Daniel, moradores do assentamento Nova Esperança, em São José dos Campos; Joca, do setor de produção do MST; Augusto e Renan, do grupo Pitá; Victor, Rodolfo e Cristina, da Peabiru TCA - 2019 Foto da Peabiru TCA Imagem 26 - Joice, moradora do assentamento Dandara, em Agudos, e do setor de educação do MST, São Paulo; Rodolfo, Victor e Ladislau, da Peabiru TCA, em discussão sobre a produção de alimentos no assentamento - 2020 Foto de Augusto Oyama, do grupo Pitá

Imagem 21 - Estudantes do EMAU Mosaico e grupo TERRA após oficina de mobiliário e plantio de árvores no assentamento. O evento fez parte da programação da Semana Viver Metrópole da FAU Mackenzie - 2019 Foto de Fernando Banzi, da Goma Oficina Imagem 22 - Eunice mostrando o Sistema Agroflorestal (SAF), ao lado do terreno do projeto da praça no assentamento - 2019 Foto da autora

Imagem 27 - Valdir, morador do assentamento Nova Esperança, em frente a parede de taipa de pilão de galpão construído em seu lote - 2020 Foto da autora

Imagem 23 - Tainara, Tamyse e demais moradores do pré-assentamento Egídio Brunetto I, em São José dos Campos, com a equipe da Peabiru TCA. Discussão sobre histórico da ocupação e demandas existentes 2019

Imagem 29 - Janete, moradora do assentamento Milton Santos, e Rodolfo, da Peabiru TCA; na bolsa, escrito “Eu consumo produtos da reforma agrária” - 2020 Foto de Augusto Oyama, do grupo Pitá

Imagem 28 - Luciano, morador do assentamento Nova Esperança, em sua plantação agroecológica - 2020 Foto da autora


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lembrar para não esquecer

A história da luta pela terra e sua desigual concentração no Brasil tem raízes profundas que remontam a chegada dos portugueses na América1. A partir da instituição das sesmarias, os donatários das respectivas capitanias hereditárias passaram a distribuir terras para a nobreza portuguesa que se interessasse em ocupar o novo território, expulsando, desta forma, os indígenas de suas terras nativas. Do açúcar até o café, o viés econômico se orientava pela monocultura com mão de obra escrava indígena e, predominantemente, africana. Em 1850, com a perspectiva do fim da escravidão no horizonte e a vinda dos imigrantes, foi criada a Lei de Terras, que estipulava que a posse da terra, ou o acesso a ela, só seria permitida mediante compra e registro no cartório. Assim, seguida de um sistema de invasões sistematizadas pelas sesmarias, a Lei de Terras instituiu um mercado fundiário articulado a um cenário internacional de industrialização na Europa. Concebida como forma de compensar o fim do tráfico de escravos e fomentar um mercado consumidor a partir do trabalho assalariado, a Lei estipulava que somente quem tivesse dinheiro poderia comprar terras o que, por consequência, permitiu tornar o trabalho em terra alheia, de grandes proprietários, o

principal meio de sobrevivência da maior parte da população (MARTINS, 2000). Convém enfatizar, portanto, as diferentes relações com a terra numa perspectiva histórica, mas principalmente cultural: a terra enquanto bem mercantilizável, e enquanto bem comum não mercantilizável, dentro de um sistema de respeito a vida de seres humanos e não humanos, defendida por populações indígenas, rurais e quilombolas ainda atualmente.

“Terra não se vende, terra não se troca, não faz comércio com terra não terra é pra viver é pra trabalhar, plantar e colher (...) e quem comprar terra se arrependerá porque terra o povo pensa que é pra


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comercializar é os oio grande mas terra é pra viver terra é pra se viver bem nela” 2 (Dona Maria Glória de Jesus, da aldeia Serra do Padeiro, Terra Indígena Tupinambá de Olivença) As inúmeras lutas camponesas, desde Canudos e Contestado, evidenciam a centralidade da terra para a subsistência e autonomia. Das Ligas Camponesas reprimidas pelo regime militar de 1964, até a criação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) nos anos 1970 e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em 1984, o espírito de luta contra a desterritorialização, grilagem e outras injustiças seculares se mantém vivo até os dias de hoje. O MST, um dos maiores movimentos sociais do Introdução inspirada no texto “Uma história de resistência: a luta pela terra no Milton Santos” de Klaus Ramalho Von Behr, publicado em 2017 no blog Sementeia. O autor faz uma breve introdução sobre a luta pela terra e as lógicas que orientam as ações

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do Estado brasileiro desde sua origem. Fala presente no documentário “O Retorno da Terra” (2014), dirigido por Daniela Alarcon

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mundo e em constante construção, norteia suas ações atuais pautadas na Agroecologia e no cumprimento da Constituição de 1988, que afirma que toda propriedade deve cumprir sua função social. Segundo o artigo 184 da Constituição, “compete à União desapropriar por interesse social para fins de reforma agrária o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social mediante indenização de títulos da dívida agrária.” Por função social da propriedade, entende-se: “I – o aproveitamento correto da terra e do melhor jeito; II – uso de todos os recursos da natureza sem destruir o meio ambiente; III - que patrão e empregado cumpram as leis que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (Constituição Federal, artigo 184, 1988). De 520 anos, faz apenas 32 que as autoridades governamentais reconheceram pela primeira vez o dever de fazer reforma agrária a partir da política de assentamentos rurais – uma reforma agrária imbricada no direito à propriedade privada dos meios de produção e reprodução da vida, como descrito na Constituição no capítulo dos direitos fundamentais das pessoas (artigo quinto, inciso vinte e dois e vinte e três) -, através de aparatos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), em processo de desmonte pelos atuais governos vigentes.


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O economista, escritor e membro da coordenação nacional do MST, João Pedro Stédile, aponta para uma definição sobre a política de assentamentos rurais em seu livro “Experiências históricas de reforma agrária no mundo – vol.I” (2020): “São aqueles programas de governo que procuram distribuir terras a famílias de camponeses, utilizando-se da desapropriação ou compra da terra dos fazendeiros. São, porém, limitados na abrangência e não afetam a estrutura da propriedade da terra. São políticas parciais, que atendem aos camponeses, mas não são massivas, e por isso funcionam mais para resolver problemas sociais localizados ou atender populações mobilizadas que pressionam politicamente o governo. O governo dos Estados Unidos, principalmente, tem estimulado essa política em muitos países, mediante ações e recursos do Banco Mundial, que ajudam a financiar a compra de terra dos fazendeiros. Os programas do Banco Mundial ficaram conhecidos como crédito fundiário, Banco da Terra etc. e foram aplicados nos países de maior tensão na disputa pela terra, como Brasil, Filipinas, África do Sul, Guatemala, Colômbia e Indonésia.” (STÉDILE, p.26)

No mesmo livro, Miguel Carter apresenta um quadro comparativo das reformas agrárias na América Latina, situando o Brasil na 17ª posição. Segundo o autor, “o ‘Índice da reforma agrária’ mede a extensão e a intensidade do processo de redistribuição fundiária. Isso é feito somandose as porcentagens de terras cultiváveis distribuídas e camponeses

Quadro 1 - As reformas Agrárias na América Latina: índice comparativo Fonte: Experiências históricas de reforma agrária no mundo (vol.I), pg. 35, 2020

beneficiados e dividindo o resultado pelo número de anos da reforma.” Logo, a 17ª posição em que se encontra o Brasil mostra o baixo índice de redistribuição fundiária, apesar de esforços realizados por governos mais progressistas acerca do tema. Como mostra o filme “Chão” (2019), dirigido por Camila Freitas, apenas 1% das propriedades rurais do Brasil concentra 45% das terras agricultáveis, sendo a maior parte delas ocupada pelo agronegócio, e muitas se mantêm improdutivas.


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“Apesar de ser responsável por mais de 30% da produção de alimentos no país, a agricultura familiar ocupa uma pequena parte do território. Desde sua criação em 1984, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), um dos maiores movimentos populares da América Latina, já contribuiu para o assentamento de mais de 350 mil famílias. Eleito presidente em 2018, o militar reformado Jair Bolsonaro prometeu em campanha facilitar o acesso a armamento pesado para que todo latifundiário possa combater os semterra. Com o apoio das bancadas do “boi” e da “bala” no Congresso Nacional, Bolsonaro prometeu acabar com todo ativismo e tipificar como terrorismo os protestos por terra e moradia. Dentre as primeiras medidas de seu governo, transferiu o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para o Ministério da Agricultura, liderado por ruralistas, e publicou um decreto facilitando a aquisição de armas. Desde 1995, a Comissão Pastoral da Terra contabilizou quase 2 mil vítimas em conflitos agrários.” (Filme “Chão”, 2019)

Segundo dados recentes da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Brasil possui 1/7 da reserva mundial de água potável em forma líquida, e a cada 100 litros de água tratada produzidos no Brasil, 72 vão para o agronegócio. Enquanto isso, metade da população brasileira não tem acesso a rede de esgoto e 20% não tem acesso a água, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Regional referentes a 2018. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre 2005 e 2014, mais de 300

Quadro 2 – Número de famílias em conflitos pela água 2005-2014 Fonte: Informe da Comissão Pastoral da Terra (CPT), publicado no Portal EcoDebate, 2015

mil famílias estiveram envolvidas em conflitos por água no campo. Mais recentemente, em junho de 2020, o Senado brasileiro aprovou o PL 4162, proposto pelo senador e dono de franquia da Coca-Cola no Brasil, Tasso Jereissati, alterando o marco legal do saneamento básico e incentivando a privatização do serviço no país. Também neste ano de 2020, em entrevista virtual realizada pelo espaço Marieta, Ermínia Maricato, arquiteta e urbanista, comenta que o êxodo rural no século XX foi uma das maiores diásporas humanas que o Brasil já experienciou. De acordo com dados do IBGE (2015), 85% da população


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brasileira vive hoje em área urbana, grande parte em condições de marginalização. Segundo pesquisa divulgada pelo Conselho de Arquitetos e Urbanistas do Brasil (CAU/BR), também 85% da população constrói sem arquitetos.

Quadro 3 – Taxa de urbanização brasileira Fonte: IBGE

A partir deste breve histórico, entende-se que é preciso jogar luz para a indissociabilidade e necessária superação da concentração de terras no campo e na cidade. Além disso, vê-se como desejável uma aproximação de profissionais de arquitetura interessados em contribuir com a luta pelo acesso e permanência na terra, pela produção de alimentos saudáveis e respeito à biodiversidade. “ – O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.” (Ítalo Calvino, em Cidades Invisíveis, 1972)

Quadro 4 – Porcentagem da população que vive em área urbana, por região (2015) Fonte: IBGE, 2015


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reforma agrária popular

“As epidemias são também o resultado de uma relação extrativista das grandes cidades com as florestas. Elas surgem nas franjas das florestas ameaçadas, nos interstícios da fricção interespécie e de lá são rapidamente transportadas para o mundo inteiro através de caminhões, barcos e aviões. E não é somente a caça cujo stress causa pandemias, outros animais também sofrem e causam doenças. Estes são prisioneiros de outra área intersticial

Movimento no enfrentamento da fome também durante a pandemia da Covid-19. Segundo ela, o desmonte das políticas públicas da reforma agrária, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), dificulta o acesso de alimentos saudáveis para a maior parte das famílias do país, aprofundando a ameaça da fome.

entre a floresta e a cidade, a área rural do grande agronegócio alimentício, notória para o surgimento de novas gripes virulentas que podem virar pandemias.”(Els Lagrou, em “Nisun: A vingança do povo morcego e o que ele pode nos ensinar sobre o novo coronavírus”, 2020)

Em relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Alimentação e a Agricultura de 2019, o grave retrocesso vivido atualmente no Brasil fica ainda mais evidente: a desnutrição, que em muitos lugares havia sido erradicada e em outros estava em contínua diminuição, voltou a crescer. Em entrevista ao canal Brasil de Fato (2020), Kelli Mafort, doutora em Ciências Sociais na Faculdade de Ciências e Letras/UNESP-Araraquara e membra da coordenação nacional do MST, relata a questão do acesso à alimentação no Brasil e as contribuições do

“Não há falta de alimento, nem agora na pandemia temos problemas de desabastecimento. O que vivemos é uma especulação sobre o preço dos alimentos no qual eles são considerados mercadorias e as pessoas mais pobres, que são a grande maioria do nosso país, não têm acesso (...). Precisamos denunciar isso e fazer com que


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reforma agrária no brasil

os alimentos cheguem até as pessoas. Por isso é importante fortalecer a agricultura familiar e camponesa, a reforma agrária, a produção nas comunidades tradicionais e quilombolas. E fortalecer o projeto de campo.’” (MAFORT, 2020) Em “O papel da Reforma Agrária Popular no Brasil” (2016), Solange Engelmann, doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e membra da coordenação nacional do MST, afirma que a Reforma Agrária Popular norteia a construção de um novo modelo agrícola para o campo brasileiro, indo além de um processo de democratização da terra, pauta central do Movimento em sua criação nos anos 1980, e propondo também um sistema de produção de alimentos saudáveis e respeito à biodiversidade baseado em uma matriz agroecológica, em contraposição ao agronegócio. Em “Agroecologia no Brasil, Alternativas: Valorizando as dimensões da ciência, das práticas, dos movimentos sociais e das inovações institucionais” (2018), as autoras Cláudia Schmitt, Denis Monteiro, Flávia Londres e Maria Emília Pacheco afirmam que a Agroecologia configura-se, atualmente, como

ciência, prática e movimento social, e sua construção encontra-se vinculada a um amplo projeto de transformação das formas de produção, processamento, distribuição e consumo presentes no atual sistema agroalimentar. “Seus princípios e práticas possuem uma longa trajetória de enraizamento nos modos de vida dos camponeses, povos indígenas e comunidades tradicionais nas mais diferentes partes do mundo. Suas bases seguem os princípios de justiça social, sustentabilidade ambiental e soberania alimentar, assumindo compromisso político com a democratização do direito à terra, à água, aos recursos naturais e às próprias estruturas de produção do conhecimento.”(SCHIMITT; MONTEIRO; LONDRES; PACHECO, 2018)

Mesmo reconhecendo os avanços ocorridos nos últimos anos, as autoras afirmam que a incorporação de um enfoque agroecológico às políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar enfrentou uma série de obstáculos, principalmente pelo fortalecimento do agronegócio pelo governo, e em alguns contextos pela própria vinculação de determinadas categorias de produtores familiares às cadeias produtivas com domínio do agronegócio. No entanto, segundo as autoras, o movimento agroecológico tem conseguido manter a sua dinamicidade, tanto em suas ações mais cotidianas como através de processos coletivos de mobilização. “A agroecologia mostra cada dia mais sua vitalidade como abordagem capaz de impulsionar a construção de uma sociedade socialmente justa e ambientalmente sustentável”, afirmam.


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reforma agrágria no brasil

Quadro 5 – Diálogos e convergências: dimensões que interagem com a agroecologia Fonte: Fundação Heinrich Böll Stiftung, 2018

muita terra. Ainda é necessário pensar uma reforma agrária, mas em bases completamente diferentes de como foi na década de 1980. Uma reforma agrária que não pode ser [só] distributivista. Que enfrente a questão do latifúndio, da distribuição das terras, mas para produzir alimento saudável e preservar o meio ambiente.” (MAFORT, 2019)

Em “Não se faz agroecologia em vaso de apartamento” (2019), publicada pelo portal do MST, Kelli Mafort afirma que a Agroecologia depende de uma base territorial, isto é, não pode ser feita “em vaso de apartamento” porque está vinculada às pautas de conservação ambiental e ampliação do acesso à terra no país. “(...) nós não estamos pensando em alimentar a classe média, que pode

Em entrevista intitulada “Desafio para Reforma Agrária é democratizar Estado e mudar política” (2014), publicada pelo portal do MST, João Pedro Stédile afirma que, uma vez conquistada a terra, o Movimento não deseja que os agricultores assentados imitem o modelo dos fazendeiros, de arrendar terra, “colocar peão pra trabalhar”. Segundo ele, o MST defende que se desenvolvam técnicas de produção no sentido da transição agroecológica, que incorpore a mão-de-obra camponesa e com capacidade para produzir sem agrotóxicos. No documentário “Raiz Forte” (2000), de Aline Sasahara e Maria Luisa Mendonça, Solange, agricultora do assentamento Santa Maria em 2000, Paraná, reconhece que “não é muito fácil né, porque a gente tem uma educação, foi criado e toda a sociedade hoje no Brasil é dessa forma, que é cada um buscar o meu, cada um tem um objetivo que é o meu, né...”.

comprar alimentos orgânicos. Quem tem direito a alimentação saudável é o povo brasileiro como um todo. Alimento diverso, não essa comida ultraprocessada, essa comida intoxicante que nós temos hoje. Então, como tem esse grande desafio de alimentar o povo brasileiro, a gente precisa de

“Assentamento é uma fração de território derivado de luta, em constante movimento e construção.” (Diogo, membro do MST, em fala no Curso ATHIS Rural)


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Formado em 2005, o território palco deste encontro, reconhecido pelo Estado brasileiro como assentamento rural de reforma agrária Milton Santos, está localizado em São Paulo, na região metropolitana de Campinas, município de Americana, próximo a Limeira, Cosmópolis e Paulínia. Situado nas franjas da rodovia Anhanguera, em área de grande valorização fundiária, a região em que se localiza o Milton Santos é chamada de “Pós-represa”, definida pelo zoneamento do município de Americana como Área de Preservação Ambiental (APAMA). O assentamento é caracterizado pelo Governo Federal como um Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), que prevê o manejo sustentável da terra e a preservação de reservas de matas primárias. De acordo com De Souza Esquerdo e Bergamasco (2015), além do PDS, são também identificadas outras duas modalidades de projetos de assentamentos pelo país: a. Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE): destinado a exploração de áreas dotadas de riquezas extrativistas, por meio de atividades economicamente viáveis, socialmente justas e ecologicamente sustentáveis. As possibilidades mais comuns são o extrativismo de cipós e

sementes, a agricultura, a pecuária e a pesca. O regime de concessão do assentamento é coletivo. b. O Projeto de Assentamento Agroflorestal (PAF): voltado para a Região Amazônica, essa modalidade de assentamento é implantada em área de floresta e destina-se aos agricultores que já tenham tido algum tipo de experiência com o extrativismo. O regime de concessão é coletivo.” (DE SOUZA ESQUERDO; BERGAMASCO, 2015) A partir de um trabalho de base do MST de Campinas e Limeira, o assentamento Milton Santos inicia sua história em 2005 reunindo por volta de 100 famílias sem terra para lutarem por seus direitos. Baseado nos relatos de lideranças do assentamento, Klaus Ramalho Von Behr descreve o processo de demarcação do assentamento no texto “Uma história de resistência: a luta pela terra no Milton Santos”, publicado em 2017 no blog Sementeia, o qual transcrevo e complemento aqui: “Após um chamado do sindicato dos metalúrgicos de Limeira, a primeira ocupação ocorreu no mês de novembro e, por estarem próximo ao dia da Consciência Negra, decidiram por homenagear o geógrafo brasileiro Milton


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Santos para intitular o nome da ocupação. Esta se deu no dia 12 de novembro de 2005 sobre a Granja Malaquazzi (Malavazi), em Limeira, alegando que era uma granja falida, pendentes dos encargos trabalhistas, estando penhorada no poder da justiça. Contudo, em 7 de dezembro, diante de uma liminar de reintegração de posse, os integrantes do movimento desocuparam a fazenda e no mesmo dia realizaram uma nova ocupação, agora na fazenda Santa Júlia, reivindicando sua improdutividade e descumprindo as funções sociais da propriedade. Mais uma vez uma liminar de reintegração de posse foi concedida. Os acampados não desocuparam o terreno, pois aguardavam uma decisão do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) se posicionar em relação a uma outra área para realizar o assentamento das famílias. No dia 23 de dezembro de 2005, depois de mais de um mês e meio acampados debaixo de chuva e ameaças de despejo, o INCRA organizou a retirada das famílias da fazenda Santa Júlia, acompanhadas pela Polícia Militar Rodoviária, até uma nova área definitiva em Americana.” (VON BEHR, 2017, com grifo autoral de correção)

Entretanto, ao chegarem no local, a terra estava sendo ocupada pela Usina Estér para o plantio de cana-de-açúcar. O INCRA, pressionado pelos moradores e integrantes do Movimento, entrou então com um processo de reintegração de posse com o argumento de que se tratava de uma terra pública confiscada do Grupo Abdalla em 1976 devido a dívidas com o fisco, incorporada ao INSS e entregue ao INCRA para fins de reforma

agrária. Continua: “Em julho de 2012, com quase 7 anos devidamente assentados pelo INCRA/ SP e desenvolvendo projetos com instituições públicas (como Universidades e a Embrapa) e produzindo mais de 300 toneladas de alimento para a região metropolitana de Campinas, o assentamento Milton Santos recebeu a notícia de ameaça de despejo. Em uma reunião no assentamento entre o INCRA e outros dois assentamentos da região no dia 2 de outubro, as autoridades públicas garantiram aos assentados suas permanências e que em última instância a preservação da terra estaria garantida com o decreto de desapropriação por interesse social assinada pela presidenta Dilma Rousseff. Reuniões acontecerem com o gabinete da presidência, mas nada além de promessas vagas. No dia 28 de novembro, informados que a Justiça Federal teria autorizado a reintegração de posse, o assentamento decide agir para pressionar as autoridades. No dia 9 de dezembro, escrevem uma carta aberta convocando à luta e no dia seguinte ocupam com mais de 120 assentados a Secretaria da Presidência na Avenida Paulista. Depois de uma reunião com representantes do gabinete sem oferecer garantias, os assentados se juntam a uma passeata no centro de São Paulo organizada pelo MST e seguiram, depois de 3 dias ocupados, de volta ao assentamento. Ainda não se sabe ao certo se o INCRA foi informado da reintegração de posse, mas sabe-se que a suspensão da liminar enviada pelo INCRA tinha sido negada. Com as más notícias e o aflito de logo serem despejados, no qual até as crianças e jovens eram alvos


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de chacota e preconceito nas escolas da cidade, organizam junto com o

desapropriação de uma área já oficialmente assentada e que a partir dessa

assentamento Elizabeth Teixeira uma paralisação da rodovia Anhanguera no dia

experiência se abrisse precedentes de despejos para outros assentamentos em

20 de dezembro, com aproximadamente 150 pessoas, para dar visibilidade ao

situações semelhantes. Nesse meio tempo de ocupação no INCRA, um grupo

movimento e pressionar pelo decreto de desapropriação social. Depois de dois

de quatro pessoas se sensibilizaram pela causa e se amarraram em frente ao

dias, acontece uma reunião no assentamento com o senador Eduardo Suplicy,

prédio da presidência e começaram uma greve de fome. No dia seguinte, 23

o deputado federal Paulo Teixeira e o superintendente do INCRA/SP Wellington

de janeiro, a 2 dias para acabar o prazo estipulados pela justiça para o início

Diniz no qual tentam oferecer soluções. O tempo passava e com ele aumentava

da reintegração de posse, os assentados resolveram, em situação limite, dar

a ansiedade e a angústia da indefinição sobre suas terras. No dia 9 de janeiro,

o último passo de pressão que foi a ocupação também do Instituto Lula, a fim

o INCRA foi oficialmente notificado da decisão judicial, o que significa que eles

de que o ex-presidente pudesse fazer com que a Dilma assinasse o aguardado

teriam 15 dias para desalojar os assentados para um outro local. Não era de

decreto de desapropriação por interesse social. Foi dessa maneira que

interesse nem do INCRA nem dos assentados de se mudarem, já eram mais

conseguiram abrir um canal de comunicação direta com o presidente nacional

de 6 anos assentados no local onde criavam raízes afetivas que possibilitavam

do INCRA que teria entrado em contato com o poder judiciário e garantido

uma estabilidade em pensar no futuro depois de tanta luta no passado. Na

que não haveria o despejo do assentamento. No dia 25, depois de dois dias

semana seguinte, no dia 15 de janeiro, decidem radicalizar a luta e ocupar com

ocupando o Instituto Lula e 10 dias ocupando o INCRA/SP, os assentados

cerca de 100 assentados o prédio do INCRA em São Paulo decididos em voltar

resolveram voltar para Americana preparados para a última trincheira: a

apenas com o decreto devidamente assinado. Nesse mesmo dia, o prefeito de

defesa no Milton Santos. Foi no dia 29 de janeiro de 2013 que o assentamento

Americana vai até o assentamento oferecer soluções para problemas que não

recebeu a notícia de que uma juíza do TRF proferiu uma decisão cautelar

cabem à prefeitura resolver. Uma nova possibilidade que se abre é uma liminar

afirmando que haveria indícios de que a terra em disputa seria de propriedade

de embargo acionada pelo INSS. No dia 22, já há uma semana ocupados no

do INSS e não da família Abdalla e, portanto, suspenderia o despejo contra o

INCRA e sem resolver o problema, um grupo de assentados vai até São José

Milton Santos até averiguação da posse.” (VON BEHR, 2017)

dos Campos participar da passeata em memória ao massacre do Pinheirinho e denunciar a injustiça que ocorre em Americana. Uma das preocupações centrais que rondava a questão do Milton Santos era a possibilidade de

Em 2020, o assentamento Milton Santos, território homologado pelo INCRA, completa 8 anos de luta com um processo jurídico em aberto.


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Atualmente, o assentamento Milton Santos é composto por sessenta e nove famílias com origens diversas, sendo uma parte com passado recente em periferias urbanas das cidades de Limeira, Cosmópolis e Campinas. No documentário “Ideias e Ações para um Novo Tempo” (2020), realizado pelo Sesc SP, Maria Rodrigues dos Santos, agricultora e agrônoma, à época moradora do assentamento Bela Vista, em Araraquara-SP, relata:

Produzido pela equipe do projeto ATHIS Rural 2020/ CAU SP, formado pela Peabiru TCA, MST e Pitá, o mapa abaixo localiza os assentamentos rurais visitados pelo estado de São Paulo, dentre os quais o Milton Santos e Elizabeth Teixeira. Junto às famílias moradoras, a equipe realizou um trabalho de aproximação e sistematização das principais questões referentes a luta pela terra, ao acesso a água e energia, saneamento, equipamentos coletivos, infraestruturas de produção e moradia.

“O assentado, vamos dizer assim, quando vai à luta pela terra, ele já saiu da terra, seus antepassados eram da terra. Então um avô ou um pai teve essa vida na terra. Hoje o assentado voltar pra terra significa ele começar a reconstruir essa vida digna primeiro pra família, e depois pra sociedade do entorno." (Maria Rodrigues dos Santos, moradora do assentamento Bela Vista)

No Milton Santos, totalizam cerca de 300 pessoas, entre assentados e parentes agregados, numa terra de 104 hectares. Localmente, está entre monoculturas de cana de açúcar, usinas, uma pedreira, bairros, fazendas privadas e terras públicas. Regional e politicamente, é também próximo aos assentamentos Elizabeth Teixeira, situado em Limeira, e ao acampamento Marielle Vive, em Valinhos. Segundo lideranças, os habitantes do Milton Santos possuem a Concessão Real de Uso da área de seus lotes, o que significa que os assentados não são donos da terra: têm o direito de uso, mas não podem comercializá-la.

Imagem 34: Ocupação do INCRA em 2013 Fonte: Autor desconhecido, publicado no blog “Sementeia” Imagem 35: Postagem sobre luta pela água no Milton Santos Fonte: Página “Assentamento Milton Santos” no Facebook Imagem 36: Postagem sobre sarau no Milton Santos Fonte: Página “Assentamento Milton Santos” no Facebook Imagem 37: Postagem sobre manifestação

na avenida Paulista contra o despejo no Milton Santos em 2015 Fonte: Página “Assentamento Milton Santos” no Facebook


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Mapa 1: Localização dos assentamentos rurais visitados Mapa 2: Localização do assentamento Milton Santos Fonte: Peabiru TCA para o curso ATHIS Rural

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No mapa seguinte, fornecido pela Prefeitura de Americana, vê-se as escrituras das propriedades no território da Área de Preservação Ambiental do Município de Americana (APAMA) em 2010. Tem-se:

6 - Gleba de propriedade de Leôncio Ferraz Júnior- matrícula 3346; 7 - Fazenda Salto Grande – matrícula 6535, Jaguari – matrícula 7962, Fazenda Saltinho – transcrição 21-64, Remanescente da Fazenda Santa Lúcia – transcrição 25.274, Fazenda Jacutinga – transcrição 1261 e parte do Sitio Boa Vista de

1- A Represa do Salto Grande, a Usina Hidrelétrica de Salto Grande (1911 e 1949) de

propriedade do Sr. Abdalla;

propriedade da CPFL;

8 - Loteamento Recanto das Águas (a ser regularizado);

2- O Museu Histórico Conselheiro Carrão (Casarão da Fazenda Salto Grande), o

9 - Loteamento Por do Sol (a ser regularizado);

Aterro Sanitário em processo de recuperação, a Usina de Asfalto “Basalto”, a área

10 - Loteamento Jequitibás (a ser regularizado);

desapropriada para implantação de novo aterro sanitário e o sítio Jacutinga com área

11- Granja COAV;

36,3 ha de propriedade da Prefeitura Municipal de Americana;

12 - Granja Jangada;

Sobre o Museu Histórico Conselheiro Carrão “Sobrado Velho”, sabe-se que é um “conjunto de casas coloniais e rurais remanescente da Fazenda Salto Grande, onde residiam imigrantes italianos que trabalhavam na fazenda no cultivo de café no século XIX. A colônia está distante seis quilômetros da casa sede. Atualmente, é propriedade da família Abdalla e está em processo de tombamento pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Cultural de Americana (Condepham).” Fonte: Portal da Prefeitura de Americana. 3 - Glebas (010) de propriedade da família Ming; 4 - Glebas da família Senra – matrícula 71.530; 5 - Gleba de propriedade de Dilma Tabarik – matrícula 3506;

13 - Assentamento Milton Santos – matrícula 9988; 14 - Pequenos sítios localizados na região da divisa entre Cosmópolis e Paulínia 15 – Área da Fazenda Pública do Estado de São Paulo.


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Mapa 3: Escrituras da Área de Preservação Ambiental do Município de Americana (APAMA) em 2010 Fonte: Prefeitura de Americana


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No Milton Santos, está presente a Cooperflora, cooperativa de agricultoras e agricultores, a maioria acima de 40 anos, moradores do assentamento próximos ao MST, cujos princípios são o fortalecimento da Agroecologia e da cooperação. Lá, produzem em sua maioria hortaliças e legumes com certificação orgânica em lotes médios de 1 hectare (10mil m²), com destino a subsistência das famílias, ao sindicato dos petroleiros de Campinas e a comercialização direta através de cestas e grupos de consumo nas cidades vizinhas. Há alguns anos, a cooperativa conquistou um trator coletivo financiado pela prefeitura de Americana, mas até hoje sem conseguir utilizá-lo por falta de insumos que viabilizem seu funcionamento. Em meados de 2017, o assentamento se tornou um dos mais produtivos do interior de São Paulo, atingindo mais de 12mil famílias quinzenalmente com alimentos saudáveis na região da grande Campinas, gerando renda e fortalecendo a autoestima das famílias produtoras. Na época, o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Milton Santos foi escolhido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) como Unidade de Referência em produção agroecológica.

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Imagens 38, 38_01 e 39: Produção de moradores no assentamento Milton Santos e Elizabeth Teixeira, respectivamente. Fonte: Curso ATHIS Rural


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Em relato presente no documentário Raiz Forte (2000), de Aline Sasahara e Maria Luísa Mendonça, Seu Levino, agricultor e morador à época do acampamento Tamarana, no Paraná, exemplifica a diversidade das relações com a terra nos diferentes assentamentos do país:

Existem assentamentos que a terra é individual, cada um tem o seu lote, mas existem alguns maquinários que trabalham coletivamente, compra um trator, britadeira juntos. Existe outros assentamentos que apenas tem alguns núcleos, e esses núcleos fazem algum trabalho coletivo, um entrega leite, ou tem uma máquina em conjunto. Como pode ser no assentamento que tem uma cooperativa, que toda a terra é coletiva, todos os meios de produção são coletivos, como pode ser de outras formas. (Seu Levino, do acampamento Tamarana)

Imagem 40 e 40_01: Agricultores do assentamento milton santos em ação de solidariedade durante a pandemia de Covid 19 Fonte: Página da Cooperflora no Instagram


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Durante a pandemia da Covid -19, a Cooperflora colaborou com as ações de solidariedade do Movimento e doou parte da produção de alimentos às famílias moradoras de periferias urbanas próximas ao assentamento. Em 2019, a cooperativa também participou do Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis” do MST, plantando mudas nos terrenos coletivos do assentamento Milton Santos. A proposta do Plano é que, até 2030, famílias acampadas e assentadas Sem Terra e a sociedade em geral plantem 100 milhões de árvores em todos os estados do país, como “forma de denunciar a crise estrutural do capital na sua dimensão ambiental, que é acelerada pelo governo Bolsonaro”, afirmou Bárbara Loureiro, do Setor de Produção do MST. Além dos lotes individuais de produção familiar, o assentamento conta com três terrenos coletivos: em um deles, estão localizados o centro comunitário, construído em mutirão pelos moradores com recurso de R$ 20mil fornecido pelo INCRA, e a Escola de Jovens e Adultos (EJA), em reforma pelos moradores e pela prefeitura de Americana; em outro, está localizado o terreno deste projeto. No assentamento, há também as áreas de proteção ambiental e reflorestamento, chamada de “Coração da Terra”, demarcadas pelos moradores com apoio de professores e alunos da Universidade de São Paulo durante o processo de instalação das famílias. Estas áreas abrangem nascentes de água e o córrego do rio Jaguari, cuja nascente se dá no Estado Imagem 41: Postagem sobre ações de solidariedade do MST durante a Covid 19 Fonte: Portal online do MST


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Mapa 4: Imagem aérea do assentamento Milton Santos, com a divisão dos lotes e o terreno de projeto em vermelho; do lado esquerdo, o bairro Monte Verde; ao redor, monocultura de cana-de-açúcar produzido pela autora a partir de mapa fornecido pelos moradores e de sobreposição de imagem satélite do Google Maps. 0

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Mapa 5: Imagem aérea do assentamento Milton Santos, em alta resolução Fonte: Peabiru TCA para o curso ATHIS Rural


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de Minas Gerais e sua foz junto ao Tietê, em Barra Bonita. Segundo uma das lideranças, o desmonte progressivo de políticas públicas voltadas a reforma agrária está visível também no Milton Santos: a insuficiência das duas rodas d’água, um reservatório desativado e cinco poços artesianos, instalados pelo INCRA e voltados para a produção, mas em inatividade devido à dificuldade dos moradores no pagamento da conta de energia elétrica. Dessa forma, os moradores passam por dificuldades de acesso à água para produção e consumo próprio das famílias. Ainda segundo lideranças, a maioria dos moradores não obteve acesso ao Programa Federal de Eletrificação Rural “Luz para todos”, utilizando-se assim de sistemas de energia elétrica e tratamento de água e esgoto particulares. “Assim como tantos outros assentamentos rurais do Brasil, as famílias que ali residem vivenciam condições particulares de vida e reprodução social, referentes ao acesso à habitação, saneamento, eletricidade e demais benfeitorias que possam vir a ser construídas dentro do assentamento.” (FERREIRA, 2014).

Em postagem divulgada em 2015 na página “Assentamento Milton Santos” do Facebook, a comunidade afirma: “As famílias construíram suas moradias, educaram seus filhos nas escolas dos municípios, investiram na produção e na melhoria de infraestrutura ao acessar

créditos como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e participam de cursos ambientais elaborados pelos municípios. Os assentados estão totalmente inseridos na cultura da população da região.”

Imagem 42_00: Vista para a entrada do assentamento, bar e terreno do projeto Imagem 42_01: Escola (EJA) em reforma e centro comunitário “barracão” Imagem 42_02: Parquinho ao lado do centro comunitário Imagem 42: Reservatório desativado instalado pelo INCRA Imagem 43: Roda d’água instalada pelo INCRA Imagem 44: Mina d’água no “Coração da Terra” Imagem 45: Poço artesiano em terreno coletivo do assentamento Imagem 46: Tiririca e a caixa d’água que utiliza para irrigar sua produção Imagens 47 e 48: Aerolevantamentos do assentamento Milton Santos e Elizabeth Teixeira; respectivamente. Fonte: grupo Pitá


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um pouco sobre Janete

Através do contexto do curso ATHIS Rural, Janete, 54, atual presidente da cooperativa Cooperflora, pôde nos contar um pouco sobre sua trajetória de vida e cotidiano no assentamento Milton Santos. Transcrevo e complemento aqui o relato publicado no “Caderno síntese do curso de formação em ATHIS Rural: diagnóstico, núcleos de base e agendas coletivas”, com a intenção de contribuir com o aprofundamento de compreensões sobre o território e as pessoas que lá vivem. Para além de pessoas como Janete, que moram e produzem alimentos no assentamento, há quem mora e compõe renda com outros serviços na cidade. Mães, pais, filhos, estudantes, avôs, agricultores/as, militantes, advogados/as, aposentados/as, pedreiros, diaristas. Em 300 habitantes, há diferentes trajetórias, histórias e cotidianos de luta em se viver e produzir alimentos em um território de reforma agrária.

sem água encanada e sem energia elétrica, torna-se agente comunitária de saúde. Onze anos depois, Janete participaria de sua primeira Assembleia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cujo encontro, segundo ela, mudaria sua vida. “Nessa Assembleia, houve um momento inicial de formação, onde eu ouvi falar porque uns são ricos e outros pobres, e também ouvi sobre a história do Brasil, sobre o tempo da Ditadura Militar que eu aprendi de forma incorreta na escola... Aquilo abriu meus olhos, pois eu já era inconformada com a miséria em que vivia”, afirma. (...) No início do acampamento, ocupação onde é hoje o atual assentamento Milton Santos, Janete e seu filho moraram em um barraco de lona e mudaram-se para outro lote onde vive em sua casa atual. A casa em que mora foi construída em 2010, com recurso financeiro a fundo perdido repassado

“Nascida em São José do Rio Preto (SP), Janete foi para Limeira aos 21

pelo INCRA e verba própria. Janete nos contou que discutiu o projeto da casa

anos de idade. Mãe solo de uma filha, sem emprego, com o Ensino Médio

com uma moradora assentada, e, pagando um morador para construir, a casa

incompleto, muda-se para um barraco na região periférica de Limeira,

ficou pronta em um mês. Os R$15mil da política pública não foram suficientes

integrando o Movimento Sem Casa. Ela, que era moradora de um bairro

para construí-la. Com esse recurso, ela afirma que “a casa ficaria menor, sem


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um pouco sobre janete

laje, reboque nas paredes e acabamento no banheiro”. Complementou com dinheiro próprio e terminou a casa. Janete nos conta que boa parte de sua família já morou lá: o filho, as filhas, dois netos e sua mãe. Atualmente, junto com ela, moram Mauro e uma amiga que estava passando por uma situação de violência doméstica. Sua amiga mora em uma casa ao lado da sua, no mesmo lote. Conta também que seus pais, já idosos, voltarão a morar com ela em breve. Disse que pretende construir uma casa para eles. Feita de tijolo cerâmico e blocos de concreto, Janete afirma que sua casa está precisando de uma reforma: “melhorar as telhas, fazer uma cozinha no fundo... uma cozinhona. Manteria as duas cozinhas. Sonhando em fazer mais um banheiro e colocar um piso na varanda da frente. Ela podia ser melhor, maior um pouco...os cômodos são pequenos. Queria ter mais espaço. Com um terreno desse tamanho podia ter uma casa maior.” Logo em seguida, afirma: “Mas minha casa é muito boa...recebe todo mundo! Netos, filhos...(...)”.

Janete foi aluna do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), em 2007, quando cursou a faculdade de Direito. Foi no preparatório para o vestibular em que conheceu Mauro, seu atual companheiro, também beneficiário à época do PRONERA. Atualmente, Janete é presidente da Cooperativa de Agricultura Familiar de Americana, Cosmópolis, Limeira e Piracicaba, chamada Cooperflora. A cooperativa organiza 26 famílias do assentamento, realizando sua produção

através da venda direta, com cestas de alimentos orgânicos. Além de se dedicarem ao trabalho com agricultura, Janete exerce também a profissão de advogada, tendo trabalhado por mais de cinco anos no Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Araras. Mauro, por sua vez, leciona sociologia, história e filosofia no Ensino Médio. Tendo em vista a secura causada pela plantação monocultora de soja e cana, Janete comenta que trabalhou na recuperação do solo em seu lote através de roçadas. Hoje, o casal cultiva banana, limão, manga, acerola, carambola, jaca, seriguela, uvaia, abacate e baru. Consideram a sua produção agroecológica, uma vez que não utilizam nenhum tipo de veneno ou fertilizante, apenas esterco de galinha e compostagem para adubação. Sem um viveiro dentro do assentamento, o casal, assim como a maioria dos membros da cooperativa, compra as mudas e sementes nas proximidades do local. Segundo Janete, existem algumas questões no ciclo produtivo dentro do assentamento, relacionadas a dificuldade de acesso a água, ao estoque e escoamento da produção, que, apesar de ter sido facilitado pela organização e venda de cestas pela cooperativa, ainda é um tema importante a ser considerado. Ela comenta que os membros da cooperativa desejam comprar um caminhão ou van para poder buscar e escoar a produção em lugares mais distantes.


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um pouco sobre janete

Alegre, Janete nos conta que está começando a criar galinhas e em breve pretende vender ovos para o Armazém do Campo, armazém do MST, em São Paulo. “As galinhas passeiam pelo assentamento, mas retornam para casa todos os dias no fim da tarde”, afirma, sorrindo. Ela nos conta que teve acesso a políticas públicas de incentivo à produção, como o crédito do INCRA, do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que no atual governo sofreu suspensão de novas contatações, e o Fomento Mulher. Além disso, comenta que teve contato com o Instituto BioSistêmico (IBS), empresa terceirizada do governo federal que prestava serviços de assistência técnica e extensão rural aos moradores assentados. Segundo Janete, os técnicos da empresa faziam apenas a parte mais burocrática de coleta de documentos, diferente de alguns cursos voltados à produção oferecidos dentro do assentamento, em parceria com o INCRA e através de convênios do MST com universidades. Já era final de tarde, estávamos nos despedindo quando Janete abriu um sorriso e disse: “Ah, as galinhas! Não disse que elas voltavam...”

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Imagens 49 a 52: Janete em sua residĂŞncia com a equipe da Peabiru TCA Fotos pela Peabiru TCA


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03. projeto de arquitetura em apoio a Reforma Agrรกria Popular


projeto de arquitetura em apoio a reforma agrária popular

objetivos

Segundo Janete, uma possível atuação de arquitetos parceiros se dá na frente de apoio ao planejamento do assentamento e no projeto de áreas coletivas. Retomando o que foi mencionado na Apresentação, além de desenvolver um espaço que busque fortalecer a relação direta entre quem produz o alimento e quem consome, ampliando a geração de trabalho na região, a concepção de projeto participativo e autogestionário deste trabalho visa auxiliar os agricultores em sua capacitação para construção de sistemas de geração de energia elétrica, tratamento de água e espaços de baixo impacto ambiental, frente também ao desmonte das políticas públicas destinadas ao habitat rural. Tendo em vista o crescente projeto nacional de titularização de terras públicas, bem como as possíveis alterações no uso do solo previstas pelo Plano Diretor (2018) de Americana, o projeto pretende também contribuir com o fortalecimento dos laços de cooperação entre a comunidade, buscando ampliar as ferramentas de afirmação de seus direitos, permanência e autonomia frente aos rumos do território. Atrelando técnica, prática e movimento social, este trabalho visa dar apoio ao projeto de Reforma Agrária Popular, encabeçado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fortalecendo a qualidade de vida dos moradores do campo e da cidade.

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projeto de arquitetura em apoio a reforma agrária popular

diretrizes gerais

“A gente não quer que façam para a gente, queremos que façam com a gente.” Eunice, liderança no assentamento Milton Santos

Cosmópolis usina açucareira Estér grandes propriedades privadas/ públicas

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grandes propriedades privadas/ públicas

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Tem-se como diretrizes gerais do projeto: (1) o fortalecimento da autonomia dos moradores, (2) o uso de materiais disponíveis localmente e o desejável baixo impacto ambiental e (3) o apoio a produção de alimentos saudáveis e de materiais renováveis para construção.

Limeira

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grandes propriedades privadas/ públicas

Americana

(1) Fortalecimento da autonomia

O novo Plano Diretor da cidade prevê a instalação de comércio, serviços e indústrias na maior parte da região do Pós-Represa – na cartografia abaixo, indicados pelas áreas em roxo -, incluindo a área em que hoje está situado o assentamento Milton Santos, o que evidencia as disputas por terra no local.

contexto regional

Paulínia 0 100

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projeto de arquitetura em apoio a reforma agrária popular -

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diretrizes gerais

Limeira Cosmópolis usina açucareira Estér grandes propriedades privadas/ públicas

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grandes propriedades privadas/ públicas

Mapas produzidos pela autora a partir da sobreposição de foto aérea do Google Maps e do Plano Diretor de Americana, disponível no portal da Prefeitura de Americana

grandes propriedades privadas/ públicas

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contexto regional

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1.1 Sobre o projeto nacional de titularização de terras Em reportagem publicada pela Agência Pública, intitulada “Mais terras públicas para o mercado, menos áreas coletivas”, Juliana Malerba, assessora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), e Girolamo Treccani, professor da Universidade Federal do Pará (UFPa) e especialista em direito agrário, sustentam que a prioridade da atual política pautada pela lei 13.465, sancionada em 2017, é de produzir mais proprietários e menos assentados a fim de liberar mais terras ao mercado. “Autores de uma pesquisa sobre o avanço da titulação em assentamentos ambientalmente diferenciados (nos quais estão inseridas as reservas extrativistas, florestas e áreas de uso coletivo por comunidades tradicionais), eles calculam, com informações levantadas por uma entidade de apoio a pequenos agricultores, a Grain, que um novo mercado de terras pode disponibilizar até 40 milhões de hectares só de terras em assentamentos da reforma agrária através da titulação de proprietários individuais. Segundo eles, esse objetivo está evidente pela política fundiária em curso: o aumento expressivo com a concessão de milhares de títulos de propriedades, enquanto, por outro lado, nenhuma família de agricultores familiares obteve acesso à terra.

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diretrizes gerais

(...) ‘A questão de fundo é a desagregação das terras coletivas para, individualizando as propriedades, liberá-las ao mercado em benefício do agronegócio e da mineração. Além da reconcentração, haverá êxodo, risco à segurança alimentar e aumento dos conflitos. Essas terras são inalienáveis’, diz Juliana. No ano passado, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 65 trabalhadores rurais foram assassinados, metade deles em massacres como os de Coloniza (MT), Pau d’Arco (PA), Lençóis (BA) e Vilhena (RO). Segundo Juliana Malerba, a retirada das associações como mediadoras poderá aumentar os conflitos entre os próprios moradores, sem contar as expulsões e despejos, práticas recorrentes na região, com ou sem ordem judicial. “A tendência é que os conflitos se agravem; haverá mais briga no campo”, alerta o sindicalista Ladilson Amaral, também entrevistado pela reportagem.


projeto de arquitetura em apoio a reforma agrária popular -

diretrizes gerais

Infográfico 1: Contratos individuais assinados em Projeots Especiais Fonte: Agência Pública Infográfico 2: Contratos assinados entre julho de 2006 e julho de 2018 Fonte: Agência Pública

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projeto de arquitetura em apoio a reforma agrária popular -

diretrizes gerais

Kelli Mafort (2019), membra da coordenação nacional do MST, afirma que as famílias assentadas têm o direito de receberem do Estado o título de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) da terra, mantendo sua qualidade enquanto bem comum. “Hoje, um assentado de reforma agrária, uma assentada, tem direito a um contrato de concessão de uso. Que é provisório, tem três, cinco anos de existência, para criar condições para uma titulação definitiva. Essa titulação definitiva, historicamente, pode ser um título de domínio, que faz da pessoa proprietária, titular – inclusive pode negociar e até chegar a vender a terra –, ou pode ser um CDRU, que é um título também definitivo, mas é de um direito real de uso, no qual a União continua tendo responsabilidade naquele assentamento. Nós defendemos o título definitivo. As famílias assentadas têm direito a serem tituladas. Mas defendemos que esse título seja um CDRU, porque a União deve ter responsabilidade sobre o assentamento e porque essa terra nunca pode se tornar uma mercadoria, ela nunca deve ser vendida. O [que o] governo Bolsonaro quer fazer, com o apoio dessa Lei 13.465, é privatizar os assentamentos. Nós somos contrários à venda de terras e estamos lutando contra isso.” (MAFORT, 2019)

Nesse contexto, este projeto também vem sendo desenvolvido desde 2018 através de processos participativos abertos à comunidade,

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envolvendo principalmente os agricultores vinculados à cooperativa Cooperflora nas tomadas de decisão durante as etapas de projeto e nas articulações necessárias para sua viabilização e gestão. Busca-se também uma maior autonomia no processo de fabricação das peças utilizadas durante a construção do projeto, contando com o apoio de estruturas já existentes próximas ao terreno, como a serralheria, o centro comunitário e casa de moradores envolvidos no projeto – na implantação abaixo, as áreas em vermelho. Além de fortalecer a autonomia e a geração de trabalhos locais, a participação dos moradores é não apenas almejada, mas também necessária, uma vez que a aplicação de técnicas de baixo impacto ambiental só possui valor se estiver atrelada às realidades e aspirações locais, pensadas de forma sistêmica.


projeto de arquitetura em apoio a reforma agrária popular -

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diretrizes gerais

bairro Monte Verde EJA em reforma centro comunitário

serralheria casa referência

assentamento Milton Santos

produção monocultora de cana-de-açúcar

contexto local Cartografia produzida pela autora

es

tra

da

Us in

aE

sté

r

1:750


projeto de arquitetura em apoio a reforma agrária popular -

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diretrizes gerais

(2) Uso de materiais disponíveis localmente e o desejável baixo impacto ambiental

O projeto vem sendo pensado levando em conta os materiais disponíveis no local, tais como terra arenosa do terreno, madeira aparelhada em dimensões comerciais, peças metálicas provenientes da serralheria vizinha e pedra e cimento da pedreira próxima ao assentamento. A incidência de matérias-primas locais ou de regiões circunvizinhas favorece o desejável desenvolvimento de trabalho na região, ao mesmo tempo que reduz gastos com transporte ao terreno do projeto. Almeja-se também projetar e construir causando o mínimo impacto ambiental, considerando desde a produção dos materiais utilizados até sua aplicação na obra, adequando as necessidades programáticas ao clima e as estratégias bioclimáticas condizentes a ele, tais como: ventilação natural para renovação do ar, resfriamento psicofísico e resfriamento convectivo; inércia térmica para aquecimento, isto é, uso de materiais no piso, paredes e cobertura com tendência de absorver calor no verão e armazenar calor no inverno; sombreamento através do plantio de árvores e estruturas adequadas para redução dos ganhos solares, principalmente na face oeste do galpão4. Considerando a ciclicidade da Natureza e a desejável transição energética do país, atreladas à dificuldade da comunidade em acessar

programas públicos voltados a saneamento e eletricidade, o projeto conta com a elaboração de sistemas renováveis de tratamento de água, esgoto e captação solar, como jardins filtrantes, bacia de evapotranspiração e placas fotovoltaicas.

“Se as tecnologias não são neutras, se existem alternativas tecnológicas, e é possível eleger, entre elas, se os atores sociais podem participar desses processos, e se as tecnologias constituem a base material de um sistema de afirmações e sanções que determina a viabilidade de certos modelos socioeconômicos, de certos regimes políticos, assim como a inviabilidade de outros, parece óbvio que é imprescindível incorporar a tecnologia como um aspecto fundamental de nossos sistemas de convivência democrática. Resulta tão


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diretrizes gerais

ingênuo pensar que semelhante nível de decisões possa ficar exclusivamente em mãos de ‘peritos’, assim como conceber que a participação não informada pode melhorar as decisões. Parece insustentável afirmar que a tecnologia não é um tema central de nossas democracias.” (THOMAS, 2009) Em sua tese de doutorado “Utilização de macrófitas aquáticas na produção de adobe: um estudo de caso no Reservatório de Salto Grande (Americana-SP)”, Obede Borges Faria (2002) argumenta a favor da ampliação das condições do uso de adobe e madeira de reflorestamento para construção civil, tendo como base a análise abaixo feita sobre o consumo energético na produção dos componentes. Os termos usados estão baseados nas diretrizes indicadas pelo portal de apoio a projetos Projeteee – Projetando Edificações Energeticamente Eficientes. 4

Tabela 1: Consumo de energia para a produção de 1m³ de componentes construtivos. Tabela 2: Consumo de energia para a produção de diversos materiais de

construção. Tabela 3: Consumo de energia para a produção de 1kg de diversos materiais de construção Fonte das tabelas: Utilização de macrófitas aquáticas na produção de adobe: um estudo de caso no reservatório de Salto Grande (Americana - SP), p. 08, de Obede Borges Faria

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projeto de arquitetura em apoio a reforma agrária popular -

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diretrizes gerais

Segundo Rosana Folz (2012, apud. FERREIRA, 2014, p.134) o emprego de tecnologias construtivas com terra apresenta bons resultados, tais como: o baixo custo de capital, a pequena escala, o processo participativo de construção, a simplicidade e o respeito à dimensão ambiental, entre outras. Tais resultados aproximam-se dos critérios elencados por Rodrigues e Barbieri (2008, apud. FERREIRA, 2014, p.134) quanto ao quadro produtivo de tecnologias sociais, sendo eles: o atendimento às demandas sociais concretas vividas e identificadas pela população; ser democrático e desenvolvido a partir de estratégias especialmente dirigidas à mobilização e à participação da população; fomentar a apropriação e o aprendizado por parte da população e de outros atores envolvidos; permitir o planejamento, a aplicação e a sistematização das ações de forma organizada; incentivar a produção de novos conhecimentos a partir da prática; visar à sustentabilidade econômica, social e ambiental, além de gerar aprendizagens que servem como referências para novas aprendizagens. Ainda nesse sentido, o arquiteto Tomaz Lotufo afirma, durante entrevista ao vivo para o portal Sustentarqui (2020), que arquitetura é potencialmente um espaço de fluxo de energia. Segundo ele, por uma perspectiva material, um dos setores que mais causam impacto ambiental é o da construção civil, e, por uma perspectiva do trabalho, esse setor também é um dos que mais mobilizam energia humana.

Além disso, o uso das edificações também envolve diversos processos energéticos, desde as trocas interpessoais até a energia envolvida nos processos de tratamento de água, por exemplo. Segundo ele, como também defendido por este trabalho, o papel da arquitetura é auxiliar na organização destes fluxos energéticos para que a vida seja fortalecida. “A arquitetura trabalha em cima de um espaço que mobiliza muita energia. Ela pode ser dissipada, se transformando em poluição, ou ela pode ser organizada, se transformando no que é o contrário da poluição, que é a vida. Como arquitetas e arquitetos, nosso papel é organizar, estruturar o espaço para aumentar a vitalidade do território, para potencializar a vida. O que a gente desenha são relações vitais; antes, através do processo de concepção de projeto; durante, no momento da obra e ao longo da ocupação; e depois, no seu destino. Arquitetura é vida.” (LOTUFO, 2020) (3) Apoio a produção de alimentos saudáveis e de materiais renováveis para construção

Como já mencionado, este projeto tem como diretriz também ampliar as formas de comercialização dos produtos da comunidade, aproximando agricultores de consumidores finais, buscando fortalecer a produção agroecológica e a democratização do acesso a alimentos saudáveis. O projeto busca também estimular o debate acerca da produção de alimentos saudáveis articulada à produção de materiais para


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diretrizes gerais

construção, como madeira nativa, bambu, fibras vegetais e utilização de terra crua. Tendo como referência experiências históricas e atuais de povos indígenas, além dos Sistemas Agroflorestais (SAF) existentes no assentamento Milton Santos, pretende-se com este projeto ampliar a discussão acerca das possibilidades de implantação de manejos integrados entre alimentos e materiais construtivos, buscando ampliar a biodiversidade do solo e a autonomia da comunidade. “Muitos são os anéis que seus aniversários desenharam em seu tronco.Estas árvores, estes gigantes cheios de anos, levam séculos cravados no fundo da terra, e não podem fugir. Indefesos diante das serras elétricas, rangem e caem. Em cada derrubada o mundo vem abaixo; e a passarada fica sem casa. Morrem assassinados os velhos estorvos. Em seu lugar, crescem os jovens rentáveis. Os bosques nativos abrem espaço para os bosques artificiais. A ordem, a ordem militar, ordem industrial, triunfa sobre o caos natural. Parecem soldados em fila os pinheiros e os eucaliptos de exportação, que marcham rumo ao mercado internacional.Fast food, fast wood: os bosques artificiais crescem num instante e vendem-se num piscar de olhos. Fontes de divisas, esses criadouros de madeira ressecam a terra e arruínam os solos. Neles, os pássaros não cantam. As pessoas os chamam de bosques do silêncio.” (Eduardo Galeano, em Mudos, 2006)

No artigo “Agroecologia e manejo do solo”, na revista Agriculturas: experiências em agroecologia, vol. 5, nº3 - Manejo sadio, Ana Maria

Primavesi afirma que atualmente existem três formas principais de se manejar o solo agrícola: o manejo convencional (ou químico), o orgânico por substituição de insumos e o agroecológico. “A Ecologia se refere ao sistema natural de cada local, envolvendo o solo, o clima, os seres vivos, bem como as inter-relações entre esses três componentes. Trabalhar ecologicamente significa manejar os recursos naturais respeitando a teia da vida. Sempre que os manejos agrícolas são realizados conforme as características locais do ambiente, alterando-as o mínimo possível, o potencial natural dos solos é aproveitado. Por essa razão, a Agroecologia depende muito da sabedoria de cada agricultor desenvolvida a partir de suas experiências e observações locais. (...) Em vez de receber receitas técnicas prontas, passa a observar, pensar e experimentar. Com o tempo ele começa a produzir melhor que a agricultura convencional e ganha autoconfiança. E é assim que ele se dá conta de que é produtor de alimentos junto com a natureza que Deus criou, que respeita as leis eternas e que acredita em si mesmo.” (PRIMAVESI, 2008)


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projeto de arquitetura em apoio a reforma agrária popular

diretrizes específicas de projeto

As diretrizes específicas deste projeto foram concebidas a partir da realidade do assentamento Milton Santos e seus habitantes. Têm-se, portanto, as seguintes considerações acerca das realidades locais: * local com baixa umidade do ar, com dificuldade de acesso público à água, saneamento e eletricidade; * grupo de construtores composto, em geral, por homens agricultores acima de 40 anos com experiência com construção de tesouras de madeira, estrutura e vedação de bloco de concreto e tijolo cerâmico, usados no centro comunitário e habitações no assentamento; * possível expansão do número de famílias aderidas a venda de alimentos no galpão e expansão dos sistemas adotados no projeto para outros terrenos no assentamento.

Inspiradas também pelas experiências com pré-fabricação na escola rural transitória em Abadiânia (GO), projeto de João Filgueiras Lima (Lelé), as diretrizes deste projeto são: * controle do conforto ambiental;

* resistência e durabilidade; * baixo custo de execução e manutenção; * menor incidência de produtos provenientes dos grandes centros industriais do país, com o conseguinte e desejável aumento do emprego de matéria-prima e mão-de-obra locais ou de regiões circunvizinhas no próprio estado; * utilização, em maior escala, de sistemas que permitam a execução por mão-de-obra não qualificada, o que facilita a indispensável participação comunitária * rapidez de execução; * adaptabilidade e extensibilidade dos espaços internos, visto o caráter também multiuso do galpão; * peso e dimensão reduzida dos elementos pré-fabricados, o que viabiliza o transporte para distâncias consideráveis e a custos acessíveis;

A apresentação dos estudos de estruturas busca atender a desejável e


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diretrizes específicas de projeto

necessária discussão com os moradores acerca do projeto. Na estrutura final escolhida para este trabalho acadêmico, têm-se: * módulo construtivo de 5,50m x 7,20m de pilares duplos intertravados, tesouras e treliças de eucalipto tratado/ autoclavado com peças de 0,06m x 0,16m; 0,06 x 0,12 e caibros de 0,06m x 0,06m; * fechamentos transversais do galpão e banheiros em bloco de terra comprimida (BTC), com painéis pivotantes de 0,80m x 2,10m em madeira * telha cerâmica portuguesa (i=30%) * piso em solo cimento * fundação em sapata corrida, com elevação nos pilares para proteção contra umidade

Tais elementos resultam da busca pelo ajuste de fatores de ordem econômica relacionados ao aproveitamento da topografia natural do terreno e de materiais acessíveis e leves no mercado, levando em consideração as melhores condições de transporte e montagem manuais, atrelados aos fatores de ordem funcional, sobretudo no que diz respeito ao dimensionamento dos ambientes internos para os programas desejados.

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caixa d’água INCRA desativada

cana-de-açúcar

estrada

vagas

canaleta e jardim filtrante

BET

galpão

SAF-escola

moradia

64

C

corte A 00

00

AA

AA

B AA

AA

implantação

A

1:200


CISTERNA

CISTERNA

65

MÓDULO SECO FEIRA/ FESTA

JARDINS FILTRANTES

MÓDULO SECO FEIRA/ FESTA

ÁRVORES EXISTENTES

SISTEMA AGROFLORESTAL

LIMITE DO TERRENO

MÓDULO MOLHADO COZINHA

COMPOSTEIRA

BACIA DE EVAPOTRANSPIRAÇÃO

planta térrea

1:50


66

5 4.85m

3.76m

4 6

2.10m

2

1

3

0.54m

0.00m

1

o cinturão de vegetação auxilia na contenção da incidência solar, ventos e poeira

corte B

2

a viga calha permite a captação da água chuva e, com inclinação interna de 3%, o transporte até as cisternas

3

as treliças e painéis pivotantes de bambu permitem a ventilação cruzada de ar pela estrutura

4

as treliças configuram um shaft para exaustão de ar quente

5

os painéis solares permitem a geração de energia elétrica e maior autonomia a longo prazo

6

o grande beiral auxilia na contenção da incidência solar, principalmente na face oeste do galpão

1:20


67

3

4.85m

2.10m

1.08m

1

feira/ cursos

2

feira/ cursos

cozinha

sanitários

0.00m

4.85m

2.10m

1.08m

festa

1 o desnível interno acompanha o desnível natural do terreno, auxiliando no menor trabalho de terraplenagem

corte C

2

festa

2 a modulação da estrutura auxilia na flexibilidade dos programas

cozinha

sanitários

0.00m

3 a caixa d’água auxilia na maior visibilidade da estrutura a uma longa distância da estrada

1:20


68 2

2

2

1

1

1

1 uso no galpão da energia gerada 2 possibilidade de transmissão do excedente de energia gerada a outros espaços comuns/ moradias no assentamento e entorno

Consumo médio módulo seco (sem geladeira) = 90kWh/ mês 1 placa de 200Wp = 30kWh/ mês 4 placas de 200Wp = 120kWh/ mês Consumo médio módulo molhado (com geladeira e freezer) = 180kWh/ mês Economia pode chegar a R$7.000,00/ ano

energia elétrica

Condições do projeto

Condições ideais 23o norte Eficiência 100%

30o leste/ oeste Eficiência 80%


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1

2 DET 01 - mão de amigo com cavilha e cola de madeira 1:10

3

4

10

5

6

DET 02 - tesoura solta do pilar para economia no caibramento 1:10

9 7

8

1 telha cerâmica portuguesa i = 30%

5 painéis pré-fab de madeira ou bambu 2,10m x 0,80m/ 1,00m x 0,04m

9 paredes de bloco de terra comprimida (BTC) 2,10m x 2,07m x 0,10m

2 treliças de eucalipto autoclavado peças 0,06m x 0,12m

6 contrapiso de solo cimento área módulo = 74,50m2

10 tesouras de eucalipto autoclavado peças 0,06m x 0,16m

3 painel solar 0,68m x 1,47m x 0,004m 200Wp

7 fundação de sapata corrida

4 viga calha de eucalipto tratado/ autoclavado

8 pilares duplos intertravados de eucalipto tratado/ autoclavado

especificação e detalhes

DET 03 - elevação na fundação de sapata corrida para proteção do pilar contra umidade 1:10


70

1

8

2

3 4 7

6

1 água vindo de poço artesiano existente

6 drenagem da água pela vegetação

2 abastecimento da caixa d’água

7 reuso da água para irrigação

3 bacia de evapotranspiração (BET)/ fossa verde

8 cisternas

4 jardins filtrantes 5 calha de contenção

água e esgoto

Bacia de evapotranspiração (BET) Tratamento de água negra 24h fermentando 700l água/ dia (15 pessoas) 1 bananeira = 30l/ dia +- 6 a 8m3 Necessário 5 touceiras de bananeira/taioba

5

Jardins filtrantes Tratamento de água cinza 200l no pico 1o tanque = 1000l 2o tanque = 1000l pedras e raízes = 2/3 do espaço i mínima = 3% i projeto = 4% Fonte: Saneamento Rural UNICAMP



72

elevação/ perspectiva norte


73

elevação/ perspectiva oeste


74

elevação/ perspectiva leste


75

elevação/ perspectiva sul


projeto de arquitetura em apoio a reforma agrária popular

referências teórico-projetuais/ experiências construídas

Imagem 53: Escolas rurais transitórias Fonte: LATORRACA, 200, p.146 Imagem 54: Escolas rurais transitórias Fonte: LATORRACA, 200, p.147 Imagem 55: Desenho de Lelé da escola pré-fabricada de Abadiânia; experiência inicial em madeira Fonte: Portal Vitruvius

Escolas rurais - João Filgueiras Lima (Lelé)

Aspecto de interesse: pré fabricação e construção participativa Avanços e limitações: agilidade na obra; uso de painéis leves de material não renovável de argamassa armada

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projeto de arquitetura em apoio a reforma agrária popular -

referências teórico-projetuais/ experiências construídas

Cajueiro Seco - Acácio Gil Borsoi

Aspecto de interesse: terra crua para vedação, pré-fabricação e construção participativa Avanços e limitações: agilidade na obra; uso de painéis leves de material renovável de terra crua, com dificuldade de aplicação em sistema pivotante

Imagem 56: Fonte: Reconstruindo Cajueiro Seco, de Diego Beja Inglez de Souza Imagem 57: Fonte: Reconstruindo Cajueiro Seco, de Diego Beja Inglez de Souza

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projeto de arquitetura em apoio a reforma agrária popular -

referências teórico-projetuais/ experiências construídas

Casa Suindara – Grupo Habis IAU/ USP

Aspecto de interesse: uso de materiais locais e extensão universitária Avanços e limitações: processo de construção participativa com a família moradora; trabalho aos finais de semana

Imagem 58: Fonte: Casa Suindara: Canteiro-Escola em um assentamento rural de reforma agrária, de Anaïs Guéguen Perrin e Thiago Lopes Ferreira Imagem 59: Fonte: Casa Suindara: Canteiro-Escola em um assentamento rural de reforma agrária, de Anaïs Guéguen Perrin e Thiago Lopes Ferreira Imagem 60:

Fonte: Casa Suindara: Canteiro-Escola em um assentamento rural de reforma agrária, de Anaïs Guéguen Perrin e Thiago Lopes Ferreira Imagem 61 Fonte: Casa Suindara: Canteiro-Escola em um assentamento rural de reforma agrária, de Anaïs Guéguen Perrin e Thiago Lopes Ferreira

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projeto de arquitetura em apoio a reforma agrária popular -

referências teórico-projetuais/ experiências construídas

Comuna da Terra Dom Tomás Balduíno - Usina CTAH

Aspecto de interesse: pré-fabricação, construção participativa e extensão universitária Avanços e limitações: projeto de unidade familiares; processos vinculados a universidade

Imagem 62 Fonte: Usina CTAH Imagem 63 Fonte: Usina CTAH Imagem 64 Fonte: Usina CTAH

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projeto de arquitetura em apoio a reforma agrária popular -

Saneamento Rural – FEC/ UNICAMP

Aspecto de interesse: tecnologias renováveis para tratamento de efluentes Avanços e limitações: tratamento local e renovável, reduzindo necessidade de grandes obras de infraestrutura; necessário monitoramento do nível de água e eventuais limpezas

referências teórico-projetuais/ experiências construídas

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projeto de arquitetura em apoio a reforma agrária popular -

referências teórico-projetuais/ experiências construídas

Imagem 65 Fonte: Antonio Scarpinetti | Divulgação Imagem 66 Fonte: Antonio Scarpinetti | Divulgação Imagem 67 Fonte: Tratamento de Esgoto na Zona Rural: fossa verde e círculo de bananeiras, de Isabel Figueiredo Imagem 68 Fonte: Tratamento de Esgoto na Zona Rural: fossa verde e círculo de bananeiras, de Isabel Figueiredo

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arquitetura e agroecologia -

projeto de praça e armazém no assentamento Milton Santos em apoio à Reforma Agrária Popular

considerações finais Em entrevista realizada em junho de 2020 para o portal Sustentarqui, o arquiteto Tomaz Lotufo ressalta que, para se aproximar da vida, é importante que se olhe a arquitetura também enquanto processo. “Quando olhamos a arquitetura como objeto, ela se afasta da vida, porque os valores de qualidade que atribuímos são valores apenas formalistas (...) Com materiais que muitas vezes são desnecessários, começamos a nos apegar ao objeto e não ao processo que acontece dentro dele.” (LOTUFO, 2020)

Em discurso realizado em 2015 no “III Colóquio Habitat e Cidadania – Habitação no campo, nas águas e nas florestas”, organizado pela FAU/UNB e o grupo de pesquisa Habis do IAU/USP em Brasília, o líder indígena Ailton Krenak evidencia também a desejável ampliação de compreensões sobre as dimensões do habitat, e não apenas da construção de abrigos. “Essa casa comum que nós compartilhamos no Brasil está rachada de cima embaixo. Talvez seja um engano muito grande acharmos que o Estado seja o endereço para todas as nossas demandas. Isso pode ser uma infantilização das pessoas, traduzir tudo em política pública; achar que política pública vai dar conta da nossa vida. Se nós continuarmos sendo infantilizados por essa ideia, nós vamos acabar entendendo que basta um abrigo, e não um habitat. Nós não podemos reduzir a nossa compreensão de habitat a um abrigo. Porque, senão, não faz muita diferença sair debaixo de uma lona para ir

debaixo de um telhado de amianto ou de concreto, porque você não escolheu o lugar onde você quer ficar, mas alguém escolheu por você.” (KRENAK, 2015)

Este trabalho busca contribuir com o debate sobre a necessária ampliação do acesso à terra e à alimentação saudável no país. Ao atrelar a produção de alimentos de forma socialmente justa a preservação e regeneração ambiental, como defendem os moradores do Milton Santos e demais parceiros da Agroecologia, este trabalho pretende jogar luz para possibilidades de aproximação de estudantes e profissionais da arquitetura em apoio aos sujeitos à frente dessas pautas. Acredita-se que, através de trocas e fricções geradas pelo convívio de diferentes pessoas em torno de desejos comuns, pode-se ampliar também as condições de criatividade e apropriação técnica dos projetos elaborados em conjunto.

“Para as forças antissistêmicas, é impossível o desenho de uma única estratégia planetária e são inúteis as tentativas de estabelecer táticas universais. Embora existam inspirações comuns e objetivos gerais compartilhados, as diferentes velocidades que a transição ao pós-capitalismo registra, e as notáveis diferenças entre os sujeitos antissistêmicos, atentam contra as generalizações.” (Raúl Zibechi, em Las izquierdas y el fin del capitalismo, 2012)

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“Deixemos o pessimismo para tempos melhores. Muita gente pequena, fazendo coisas pequenas, em lugares pequenos, pode mudar o mundo� Eduardo Galeano, 2015

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Imagem 69 Autor desconhecido Imagem 70 Foto de Cristina Kesselring


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projeto de praça e armazém no assentamento Milton Santos em apoio à Reforma Agrária Popular

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arquitetura e agroecologia -

projeto de praça e armazém no assentamento Milton Santos em apoio à Reforma Agrária Popular

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Este livro é o trabalho final de graduação Arquitetura e Agroecologia: Projeto de praça e armazém no assentamento Milton Santos em apoio à Reforma Agrária Popular, apresentado na faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, São Paulo, dezembro, 2020. autora: Cristina de Castro Kesselring projeto gráfico: Lúcia Lotufo e Julia Peres tipografia: fakt e krungthep



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