CRONOS
NESTA EDIÇÃO
EDIÇÃO 01 | ANO 01 | Nº 01
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contextualizando|
a ditadura militar
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Cronos Apresenta
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artigo de opinião|
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MEMORIAL|
Heitor Garcia
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panorama|
marcha da família
E
SELMA RAMOS GOMES
14entrevista|
maria mazzarelLo rodrigues
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CULTURA|
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CRONOS INDICA|
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entrevista|
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ENTREVISTA|
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semana h&m|
RESISTIR É PRECISO
45 humor em tempos de ditadura - Henfil
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cultura|
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Aloísio da cunha peixoto
ROBINSON AYRES PIMENTA
A MODA NA DITADURA MILITAR
MÚSICA
LIVROS
CRÔNICA|
ROBINSON ALVES
CRONOS
CARTA DO EDITOR
CRONOS Editora
Sabrina Gomes
Redação
Bruna Ferreira Raquel Basílio Fernanda Nogueira
Revisão
Rafael Ferreira
Diagramação
Alessandra Álvares
Projeto Gráfico
Alessandra Álvares
CRONOS digital Editora do Site Web Designer
Sabrina Gomes Frederico Peixoto
Uma história. Diversos olhares Em primeiro de abril de 1964, o Brasil sofria um golpe de estado no qual os militares tomavam o poder. Isso é um fato, mas será que todas as leituras desse fato são similares? Pessoas diferentes veem-no de formas diferentes, sobre óticas diversas. Dessa forma, a edição especial da Cronos sobre os 50 anos da ditadura militar traz a vocês alguns olhares sobre o Golpe. Desde a visão engajada de um jovem idealista (Robinson Ayres Pimenta), à visão de uma “mocinha de boa família” (Selma Ramos Gomes), que tinha a política como algo alien e aquém de sua realidade. Nesta edição também teremos uma entrevista com a editora participante do movimento negro (Maria Mazarrello) que relata à Revista Cronos sobre sua perspectiva acerca do momento sócio-político da época; e, uma discussão sobre de que forma o golpe interferiu no ensino na capital mineira, Belo Horizonte, é realizada pela voz de um educador atuante durante o período militar (Heitor Garcia). Além dessas abordagens, esta Edição cobre a exposição sobre os 50 anos do Golpe, “Resistir é Preciso” exposta no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET/MG) durante o período de 18 de agosto a 04 de setembro de 2014 e apresenta um panorama entre o “ontem” e o “hoje” das Marchas da Família. A vocês desejamos uma boa leitura. 50 anos do Golpe Militar. Conhecer para não repetir.
contextualizando| a ditadura militar No ano de 1964 é deflagrado no Brasil o Golpe Militar, conhecido também como o Golpe de 64. Terçafeira, 31 de março de 1964, militares tiram do poder o presidente João Goulart, também conhecido como Jango, pois o consideravam como uma “ameaça comunista”, instituindo assim a Ditadura Militar no Brasil que durou 21 anos. O regime militar ao longo dos anos foi se endurecendo e o governo legalizou as práticas de censura e tortura. Dessa forma, os militares agora governantes combateram qualquer ameaça comunista ou manifestações contra o governo. João Goulart entrou no meio político como Ministro do Trabalho durante o segundo governo de Getúlio Vargas. Com claras aproximações com ideologias e políticas de esquerda, fazia com que fosse considerado uma ameaça política. Jango era vice de Jânio Quadros e quando recebeu a notícia de sua renúncia estava em viagem com fins políticos na China comunista. Políticos de direita tentaram de todas as formas impedir a posse de Jango, mas Leonel Brizola, primo de Jango, sustentou o retorno e a posse de João Goulart. Como Presidente da República tentou aplicar uma política de esquerda, sendo combatido por direitistas e criticado como uma ameaça comunista. A decisão de dar um golpe político por
parte de militares não foi repentino, mas a consequência de uma série de fatos políticos que foram acumulados após o governo de Getúlio Vargas. A gota d’água para o golpe foi o discurso realizado por Leonel Brizola e João Goulart na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no dia 13 de março, no qual declararam as reformas de base, lideradas pela reforma agrária. Seis dias depois oposicionistas se organizaram e promoveram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, de cunho religioso; o movimento tinha como objetivo envolver o povo no combate ao comunismo. A religião, o povo e o interesse norte-americano formaram a sustentação que permitiria o golpe militar. Com todos esses acontecimentos, no dia 28 de março de 1964, o golpe começou a tomar forma prática, quando os generais Olímpio Mourão Filho e Odílio Denys, juntos com o Governador do Estado Magalhães Pinto, se reuniram em Juiz de Fora, em Minas Gerais. A reunião tinha como objetivo estabelecer uma data para início da mobilização militar para a tomada do poder, a qual ficou decidida para 4 de abril de 1964. Porém, Olímpio Mourão Filho não iria esperar até abril para iniciar o golpe: no dia 31 de março tomou uma atitude impulsiva partindo com suas tropas em direção ao Rio de Janeiro, por volta das
5 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964
Na imagem acima estão os presidentes do Brasil durante a Ditadura Militar.
três horas da manhã. Castello Branco tentou ainda segurar o levante, pois segundo ele o movimento era ainda prematuro, porém era tarde demais. Após a deflagração do golpe, Jango viajou no dia 1º de abril em busca de segurança para Brasília e, em seguida para Porto Alegre, onde Leonel Brizola tentava organizar a resistência com apoio de oficiais legalistas. Mesmo com a insistência de Brizola, Jango desistiu de um confronto militar com os golpistas e se exilou no Uruguai, retornando ao Brasil no ano de 1976 para o seu sepultamento. Com Jango ainda no país, o Presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou vaga a Presidência da República. O Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli assumiu inteiramente a Presidência, no entanto, o poder real se encontrava nas mãos de militares. Logo nos primeiros dias após o golpe, ocorreu uma violenta repressão atingindo os setores políticos mais mobilizados à esquerda, por exemplo o
CGT, a União Nacional dos Estudantes (UNE), entre outros. Milhares de pessoas foram presas de maneira irregular e torturadas, ação muito comum durante a ditadura, especialmente no Nordeste. Além disso, milhares de pessoas também foram atingidas em seus direitos: parlamentares tiveram seus mandatos cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos suspensos e funcionários públicos civis e militares foram demitidos ou aposentados. João Goulart, Jânio Quadros, Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes estavam entre os cassados. No entanto, setores importantes da sociedade brasileira, como grande parte do empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais, da Igreja Católica, vários governadores e amplos setores de classe média, saudaram o golpe, pois acreditavam que esta era a única forma de colocar um fim na ameaça de esquerdização do governo e de controlar a crise econômica. 6
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O governo norte-americano também recebeu o golpe com alívio, satisfeito ao ver que o Brasil não seguia o mesmo caminho de Cuba, onde a guerrilha de Fidel Castro conseguiu tomar o poder. Os Estados Unidos acompanhou de perto a conspiração e o desenrolar dos acontecimentos, por meio de seu embaixador no Brasil, Lincoln Gordon, junto com o militar, Vernon Walters, que decidiram dar apoio logístico aos militares golpistas, caso estes enfrentassem uma longa resistência por parte das forças leias de Jango. Os militares que assumiram o poder em 1964 acreditavam que o regime democrático que vigorava no país tinha se mostrado incapaz de deter a “ameaça comunista”. O golpe, por sua vez, deu início à implementação de um regime político marcado pelo “autoritarismo”, privilegiando a autoridade do Estado em relação às liberdades individuais e o Poder Executivo em detrimento dos poderes Legislativo e Judiciário. O general Emílio Garrastazu Médici foi o terceiro presidente eleito indiretamente desde o golpe de 64; pertencia à chamada “linha dura” das Forças Armadas. Assumindo a presidência no auge do chamado “Milagre Econômico” o seu governo foi o mais rígido, ficando conhecido como “os anos de chumbo”.
O último governo militar foi o de Figueiredo, eleito no ano de 1978 e começou a acelerar o processo de redemocratização. O general Figueiredo decretou a Lei da Anistia, que concedia o direito de retorno ao Brasil para os políticos e demais brasileiros exilados. O seu governo pegou um Brasil que apresentava diversos problemas, incluindo a alta inflação e a recessão. Enquanto o governo tenta solucionar esses problemas a oposição começa a ganhar terreno com o surgimento de novos partidos e o fortalecimento dos sindicados. No ano de 1984, políticos da oposição, artistas e milhões de brasileiros participaram do movimento das Diretas Já. O movimento tinha como objetivo a aprovação da Emenda Dante de Oliveira, que garantia eleições diretas para presidente no mesmo ano. Porém, a Câmara dos Deputados não aprovou a emenda, para decepção do povo. No dia 15 de janeiro de 1985, o deputado Tancredo Neves é eleito como o novo Presidente da República pelo Colégio Eleitoral; Tancredo Neves fazia parte da Aliança Democrática. Assim chegava ao fim o regime militar e no ano de 1988 é aprovada uma nova Constituição para o Brasil. A Constituição de 1988 apagou os rastros da Ditadura Militar e estabeleceu princípios democráticos no país.
7 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964
aRTIGO DE OPINIÃO| HEITOR GARCIA
Um olhar sobre a ditadura Após conversar com uma aluna sobre um trabalho que ela e todos os alunos do terceiro período do Curso de Letras Tecnologias de Edição irão fazer sobre os 50 anos do Golpe de 1964, fiquei pensando sobre diversas coisas. Ainda não fiz um “dossiê” de documentos de que disponho. Alguns “alfarrábios” estão em caixas e é preciso um certo trabalho para separar. Entretanto, devido ao explosivo conteúdo político, seria conveniente ampliar o tema talvez para “ditaduras”. Direcionar o foco para a ditadura militar no Brasil seria equivalente a utilizar uma “câmera ninja” que está descrevendo um fato com uma pequena abertura de foco que escolhe só o que quer mostrar. Nesse caso, um metro quadrado vira uma multidão! Além disso, é possível fazer uma “listinha” de ditaduras: Mussolini na Itália, Hitler na Alemanha, Salazar em Portugal, Franco na Espanha, Stalin na União Soviética, Mao Tsé Tung na China, Tito na Iugoslávia, Castro em Cuba, Pinochet no Chile, Stalin na União Soviética (e, seria longa a lista dos que estavam sob o domínio da Rússia na Polônia, Hungria, Alemanha comunista, Ucrânia, Letônia, Estônia, Alemanha Oriental etc. Não faço essa comparação para minimizar os
problemas, mas para dar uma perspectiva mais ampla. Lembro-me perfeitamente das palavras de Carlos Lacerda na Rádio Liberdade: - Comandante Aragão, seu miserável, incestuoso! Apareça na minha frente que eu te mato com meu revólver! Carlos Lacerda era Governador da Guanabara, estado que, na época, era só a cidade do Rio de Janeiro, que tinha sido Distrito Federal até 1960 quando a capital foi transferida para Brasília. O Palácio do Catete estava cercado pela tropa de Fuzileiros Navais, com aquele comandante que estava a favor do Presidente João Goulart. Nesta hora chega uma coluna de tanques de guerra. Desesperado Carlos Lacerda grita: -Vão me matar! Os tanques param em frente ao palácio e giram os canhões, tomando posição para defendê-lo. Os fuzileiros recuam... A história da ditadura teve vários episódios que nem sempre foram registrados. Por exemplo, minha irmã respondeu ao IPM (Inquério Policial Militar) em Juiz de Fora. Meu irmão e a esposa dele foram denunciados, mas foram liberados. O irmão da “Telinha” (colega e amiga de minha irmã) foi morto por uma “equipe” do Delegado Fleury, de São Paulo. Trouxeram o 8
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corpo dele todo mutilado e jogaram-no em frente a casa deles na Pampulha para provocar a saída dos familiares. Queriam saber do destino do dinheiro dos cofres do ex-governador. Conseguiram um contato e a Polícia Militar mineira cercou os “policiais” paulistas que foram obrigados a recuar. Isto, evidentemente também não está registrado em nenhuma documentação acessível, mas existe até hoje e nenhum governo, seja de “direita” ou de “esquerda” quis revogar a famosa “Lei Fleury”. Esta diz que enquanto o criminoso não for condenado em última instância responderá ao processo em liberdade! Ela foi criada exatamente para permitir que o “Delegado Fleury” com uma lista de crimes enorme, continuasse livre até morrer. Uma das “utilizações” recentes desta lei foi no processo do mensalão! Seria interessante, por exemplo, fazer alguns paralelos entre a situação internacional da época e de agora. Curioso é que alguns que hoje se dizem “democratas” estavam em posições bem diferentes naquela época e continuam “pregando pela mesma cartilha”. Se abrirmos os jornais de hoje, segundafeira, encontraremos um ataque ao Congresso Nacional sob a forma de “absurdos custos” de mantê-lo. Curioso também é que há alguns anos quem “fechou o congresso foi a Ditadura”, mas “Sininho” a “musa” dos Black Bloc tem
como “ativista” a linha da “ação direta” que é anarquista. Estes elementos foram presos com coquetéis molotov que, evidentemente, não servem para “tomar uma cervejinha” no final da tarde. Sua “profissão de fé” é a “destruição de qualquer governo”: “hay gobierno, soy contra”. A meta final do comunismo (ou melhor, um ideal anarquista) seria o término de todo governo! Mas para isto deveria haver um estágio de ditadura do proletariado que tomaria o poder e o entregaria aos “sovietes de povo” (proletariado) e soldados (marinheiros). Bom também de lembrarmos é que durante a Copa de 2014 um certo governo de um país tupiniquim quis criar através de um decreto uma nova “instância” de poder no Brasil exigindo que todo órgão público teria que ouvir um “conselho popular” para todas decisões. Enfim, há muita literatura a respeito do antes, durante e depois escrita pelos dois lados. Como professor da UFMG de 1971 em diante, sempre tinha em cada sala de aula um elemento das “forças de segurança” para reportar qualquer coisa que fosse dita. Várias vezes, mesmo no Campus da Pampulha, estivemos na situação - professores, funcionários e alunosde sermos impedidos de entrar nos prédios guardados por soldados com metralhadoras embaladas... Volto a dizer: - há muitas histórias para contar!
9 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964
Panorama|
Marcha da Família 2014
Marcha da família acontece em São Paulo com intuito de mostrar que ainda existe a instituição da família tradicional no Brasil. Manifestantes se reuniram em São os poderes Executivo, Legislativo e Paulo na tarde de sábado 22 de março, Judiciário, promover valores morais e na Praça da República, para realizar uma então convocar novas eleições apenas nova versão da “Marcha da Família com para fichas limpas”. Deus pela Liberdade”. O grupo queria relembrar a marcha anticomunista e de apoio ao golpe militar realizada há 50 anos em 19 de março de 1964. Convocada pelo Facebook, o evento tinha 2,1 mil confirmações na rede social. A nova Marcha, segundo organizadores , reuniu cerca de 3 mil participantes e cumpriu o objetivo de “lembrar que existe família conservadora no Brasil”. Os manifestantes se concentraram Apoiadores da nova “Marcha na Praça da República e seguiram até a da Família”, usaram frases como: “O Praça da Sé, repetindo o mesmo trajeto Executivo, o Legislativo e o Judiciário da marcha original. A nova versão já quebraram. A Constituição já caiu “Marcha da Família” foi realizada poucos de podre.”, “Ninguém pediu o exército dias antes dos 50 anos do golpe militar, em 64. Na época teve uma intervenção a serem completados no dia 1º de abril. lícita. A revolução foi gloriosa” “Fora Os organizadores do evento pedem PT”, ou mesmo “não queremos eleição, intervenção militar para retirar do queremos intervenção”. poder os “políticos corruptos, moralizar 10 23 de agosto de 2014
| marcha da família
Marcha da Família 1964
Uma luta pela família cristã contra o fantasma comunista Movimento surgido em março de 1964 e se que consistiu numa série de manifestações ou “marchas”, organizadas principalmente por setores do clero e por entidades femininas em resposta ao comício realizado no Rio de Janeiro em 13 de março de 1964. Neste comício, o presidente João Goulart anunciou seu programa de reformas de base. Na marcha congregaram-se segmentos da classe média, temerosos do “perigo comunista” e favoráveis à deposição do Presidente da República. A primeira dessas manifestações ocorreu em São Paulo, a 19 de março, no dia de São José, Padroeiro da Família. O principal articulador da marcha foi o deputado Antônio Sílvio da Cunha Bueno, apoiado pelo governador Ademar de Barros, que se representou no trabalho de convocação pela figura de sua mulher, Leonor de Barros. A marcha foi preparada com o auxílio da Campanha da Mulher pela Democracia (Camde), da União Cívica Feminina, da Fraterna Amizade Urbana
e Rural, entre outras entidades. A marcha paulista recebeu também o apoio da Federação e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo. Esta contou com a participação de cerca de trezentas mil pessoas, entre as quais Auro de Moura Andrade, presidente do Senado, e Carlos Lacerda, governador do estado da Guanabara. Durante o trajeto, que saiu da Praça da República e terminou na Praça da Sé com a celebração da missa “pela salvação da democracia”, foi distribuído o Manifesto ao povo do Brasil, convocando a população a reagir contra Goulart. A iniciativa da Marcha da Família repetiu-se em outras capitais, mas somente após a derrubada de Goulart pelos militares em 31 de março, o que as tornou conhecidas como “marchas da vitória”. A marcha do Rio de Janeiro, articulada pela Camde, levou às ruas cerca de um milhão de pessoas no dia 2 de abril de 1964.
11 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964
cronos apresenta
Uma história, vários olhares A história é uma sinfonia de ecos sonoros e silenciosos. É um poema em que os versos são acontecimentos. Charles Angoff A história não é o passado, mas um mapa deste desenhado de um ponto de vista especifico para ser útil ao viajante moderno. Henry Glassie Pensar no golpe militar de 64 logo nos remete a pensar em momentos conflituosos, em repressão e como o país sangrava e sofria. Será que realmente era assim para todos, será que o quadro que povoa o imaginário dos dias de hoje reflete a época como um todo? Certamente que não. E nessas entrevistas buscamos captar os retratos que vão além do retrato padrão. 1º de abril de 64 vai além do fato do golpe, este é um mosaico formado por várias versões da mesma história. Poderíamos nos perguntar qual é a certa e onde está a verdade, mas a idade da inocência e ingenuidade já passou e graças a isso podemos entender que um fato vai além de dados, que como uma colcha de retalhos é formada por vários fragmentos de memórias e algumas dessas memórias se encaixam nesse intrincado padrão da colcha que forma 1º de abril de 64. Nesta edição reuniremos vários desses retalhos, desde os mais politizados à visão do cidadão comum. Buscamos nessas entrevistas e relatos mostrar uma história viva formada por perspectivas diversas, que nem sempre são complementares e que muitas vezes são, inclusive, contraditórias. Nosso intuito nessa parte da revista, no entanto, não é o compromisso com o verossímil, mas sim construir um memorial vivo dessa época conturbada. Clique aqui para mais um relato da epoca da ditadura. Nesse video Clelia Ferraz conta sobre suas expêriencias na época , formando assim mais um capítulo dessa história contada por memórias.
12 23 de agosto de 2014
Memorial| Selma Ramos Gomes Selma Ramos Gomes, 70, pedagoga. Trabalhou na Delegacia de Ensino da Regional do Nordeste mineiro; foi supervisora escolar na Escola Estadual Tristão da Cunha. É atuante em movimentos sociais ligados à Igreja Católica, participou de diversos projetos estaduais que lutam pela melhoria da educação do ciclo básico; dentre estes destaca-se um projeto afetivo sexual que busca esclarecer questões ligadas à temática na região do Vale do Mucuri (MG). Durante o Golpe Militar em 1964 eu estudava em um colégio interno dirigido por freiras italianas (Colégio Santa Marcelina), esta escola atendia à classe alta e a elite social. O dia a dia no internato era voltado a assuntos muito pouco ligados ao que acontecia no mundo politico, mas não ficávamos trancafiadas, muito pelo contrário, o colégio nos levava a passeios em vários lugares diferentes, desde sorveterias como A Camponesa até ao presídio em Neves. Vivíamos com outras preocupações, coisas como as mulheres deveriam se portar na sociedade, mas não como fazer parte dessa sociedade lutando pelos seus direitos e para tornar o mundo melhor para todos. Quando o golpe ocorreu a minha preocupação maior foi com meu namorado (falecido marido Salvador Moreira Gomes) que era meu exato oposto: politizado, líder estudantil e sindical e que teve que ficar escondido por uns tempos para que não fosse preso. Outra preocupação foi quando em uma noite tivemos que receber minha madrinha que era presidente de um partido político da minha cidade natal (Medina) que foi presa pelo DOPS e estava sendo levada para BH. Como a prisão foi repentina ela não pode pegar nem uma roupa, nem dinheiro pra levar. Com muita dificuldade conseguiu que os soldados a deixassem passar em nossa casa em Teófilo Otoni pra pegar uma roupa (ela foi presa de robe). Isso foi muito dramático. De repente uma realidade totalmente diferente de tudo que vivíamos. De um país livre, tranquilo, a um impacto de uma nação aonde as pessoas eram presas e levadas pelo DOPS , e algumas sem nem saber porquê. 13 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964
ENTREVISTA| MARIA MAZZARELLO RODRIGUES MM: De um modo geral, conivente, “Minha luta não covarde e omissa, especialmente no estava focada na que diz respeito à censura, à repressão e à violência contra os que se opunham questão política, ao regime instalado pelo golpe militar. meus objetivos eram Apenas uma minoria, composta principalmente por intelectuais, artistas outros, precisos: a e estudantes fizeram ouvir sua voz e questão racial.” pagaram um alto preço por isso, até Em entrevista, fundadora da Mazza Edições, Maria Mazzarello Rodrigues, fala sobre os 50 anos da Ditadura Militar, abordando as tensões sociais, pré e pós, do golpe de 1964. Raquel Basílio: Como era o clima pré golpe? Era realmente sentida uma paranóia nacional de medo comunista circundando? Maria Mazzarello: A paranóia era somente da extrema direita, ávida para permanecer indefinidamente no poder. Movimentos estudantis (UNE) e religiosos, como a AP, por exemplo, ou mesmo a POLOP (essa, de linha radical) tinham posições definitivamente opostas à direita, que defendia a política externa dos Estados Unidos.
mesmo com suas vidas.
RB: Como você percebe o comportamento da sociedade brasileira desde o fim do regime até os dias de hoje? MM: A mudança foi relativamente pouca. Infelizmente, com a queda do regime militar, muitos daqueles que lutaram contra o regime e conseguiram chegar ao poder, se acomodaram, se locupletaram, tomaram gosto pela coisa e os ideais defendidos anteriormente foram esquecidos, caíram por terra.
RB: Existe uma comparação entre o clima de instabilidade sentido hoje e o de 64? MM: Não, é muito diferente. O clima instável de 1964 devia-se mais a fatores políticos. O governo de João Goulart deixava a extrema direita RB: Como você percebia o apavorada, com medo de que o país se tornasse comunista, que fosse tomado comportamento da sociedade A brasileira durante os 21 anos do literalmente pelos comunistas. presença da Cuba e a proximidade de regime militar? 14 23 de agosto de 2014
QUEM É? Maria Mazzarello Rodrigues 73 anos
Origem
econômica. Os acordos espúrios do PT com partidos políticos antes mal vistos, mancharam a imagem do Lula e hoje atropelam a administração da Presidenta Dilma. Ainda assim, eu diria que a insatisfação é maior entre as classes médias e alguns intelectuais, do que do povão. Este, na medida em que pode comer seu frango e beber sua cerveja nos fins de semana, além das malfadadas cestas básicas e bolsas família (necessárias em determinados casos, é importante que se diga), votará, com certeza, na continuidade do PT no poder.
Ponte Nova (MG)
RB: Após o seu mestrado na França FORMAÇÃO você voltou ao Brasil para publicar Graduada em Jornalismo, pela obras literárias. Como foi esse Universidade Federal de Minas processo naquele momento em que o Gerais (UFMG), e mestre em país atravessava o regime da ditadura Editoração pela Université Parismilitar e o povo sofria repressão de Nord – Paris XIII. várias formas, dentre elas a censura? MM: Acontece que fui para a França no Carreira Maria Mazarello é responsável momento em que o país se preparava pela criação da Mazza Edições, para a abertura política. Nossa Editora editora dedicada ao crescente VEGA, que passou dez anos em luta mercado étnico-cultural. Com insana contra o regime militar, estava um trabalho de resistência, há num momento difícil. A maioria dos mais de 30 anos a editora beloseus sócios havia sido presa pela ditadura, horizontina valoriza a produção sofreram nos porões do DOPS e em Juiz intelectual do negro brasileiro. de Fora, e nesse momento preferiam Jango com Fidel Castro ainda deixava a repassar o comando da Editora para direita sobre brasas. Digamos que hoje, a turma jovem que estava iniciando a instabilidade é política, mas também as atividades do PT em Minas Gerais 15 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964
(leia-se Fernando Pimentel, Patrus Ananias, Luiz Dulcci, Aluísio Marques, entre outros) e ingressando na política. Quando voltei da Europa o regime já estava brando, a censura mínima e, além do mais, eu voltei para batalhar em outra área, para combater na luta contra o preconceito, contra o racismo, especialmente no que se referia à negritude.
questão racial. Na realidade, o projeto só mudou de formato, e a partir da Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, a Mazza Edições deslanchou.
RB: Durante o período da ditadura havia uma repressão racista? MM: Ostensivamente, não. Mas eu diria que não precisava, pois os negros neste país já chegaram aqui sofrendo repressão. Nesse particular, continuam sofrendo até hoje, independente da situação política do país, seja qual for o Partido que estiver ilustração produzida por Cláudio Martins, em 1972, para a Editora Vega no poder. Apesar de sermos grandes responsáveis pelo RB: Desde o começo da história desenvolvimento do país em quase da Mazza Edições você apostou no todos os setores, de constituirmos novo. Durante as edições dos livros mais de 50% da população (que não relacionados ao seu projeto “Essa admite esse fato), onde está a nossa história eu não conhecia”, o qual representatividade? Em qual setor, a não propunha publicações que dessem ser nos guetos, nas favelas e engrossando visibilidade aos inúmeros heróis as estatísticas negativas do país? negros que contribuíram para a Esse, um dos principais motivos que formação da sociedade brasileira, não me deixam parar, que me levam a continuar trabalhando nessa área, alguma obra foi censurada? MM: Absolutamente não. Como eu editando textos que contribuam para disse acima, minha luta não estava elevar a autoestima de nossa tão sofrida focada na questão política, meus juventude. objetivos eram outros, precisos: a 16 23 de agosto de 2014
ENTREVISTA| Aloísio da Cunha Peixoto
“Eu achei ótimo o golpe, apoiei e estava de acordo.”
presidente já não sabia mais o que fazer. Assim os militares se organizaram, se comunicaram e criaram um golpe, amplo e irrestrito, com apoio da sociedade civil.
Em entrevista Aloísio Cunha Peixoto, expectador da ditadura militar, discute o período ditatorial de forma polêmica expressando sua opinião políticosocial sobre o Regime.
SG: O que o golpe inferiu na sua vida diretamente? AC: Não inferiu em nada. Eu achei ótimo o golpe, apoiei e estava de acordo. Se tivessem implantado um regime comunista, não sei do que seria do Brasil hoje. Eu era estudante, não me envolvia com a política e não me envolvia com movimentos sociais, portanto tinha uma vida normal. Mesmo quando o regime tornou-se uma rígida ditadura com o AI-5, ficaram em problemas aqueles que eram contra o regime devido a censura à imprensa e etc. Eu recebia o jornal pronto em casa, então não percebi.
Sabrina Gomes: Sr. Aloisio, como era a vida do Sr. no período pré-golpe? Aloisio da Cunha: Era normal. Eu era um rapaz de 20 e poucos anos na época e estava bem. Sentia constrangimento com o movimento da esquerda de querer implantar no Brasil um regime SG: O Sr. sentiu algum medo durante comunista. O povo não queria um esse período ? regime comunista no Brasil. AC: Não. Os militares modificaram a economia reestruturando tudo, SG: Como o senhor via a situação mudaram o sistema monetário, que é política e social antes do golpe? Em o que persiste até hoje. Mas a esquerda que sentido o povo não queria o criou o movimento armado no comunismo? AC: O pessoal que queria implantar Araguaia, um movimento organizado esse novo regime (comunista) utilizava que assaltava bancos para obter fundos. de estratégias que desmoralizavam Assaltos a bancos hoje são heranças movimentos esquerdistas, o país. Para isso, faziam rebeliões desses nas Forças Armadas levando a um os quais hoje estão no poder. Em verdadeiro regime de caos, e o próprio momento algum tive medo. Senti-me 17 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964
protegido, pois o país continuou nos rumos que vinha, não houve mudança radical, o que houve foi um uso de força contra aqueles que queriam acabar com o regime militar. SG: O senhor sentiu algum clima mais tenso na época? Alguma intimidação? AC: Nessa época eu morava em Belo Horizonte, Minas Gerais, e nada me fazia sentir medo. Não via nada de anormal. Eu sabia que tinha invasões a casas, perseguições, prisões de subversivos, mas eu não vi nada demais. Porém, eu tinha uma prima ativista que sempre fazia reuniões, e ela frequentava QUEM É? nossa casa periodicamente. Numa certa Aloísio Cunha Peixoto noite eu fui à hora dançante no clube 73 anos Círculo Militar, já era tarde quando cheguei à minha casa e por volta de Origem 02h da madrugada estava no banheiro Guaranilândia (MG) fazendo as necessidades básicas (risos) FORMAÇÃO quando bateram à minha porta. Era a Graduado em Odontologia pela polícia ameaçando que se eu não abrisse UFMG a porta eles iriam arrombar. Quando Carreira abri eles perguntaram por ela. Eu disse Concluiu o Curso de formação de que poderiam entrar, falei que poderiam Oficiais (CPOR) em 1963, depois acordar minhas irmãs e que ela (minha se formou em odontologia atuando prima) não estava. Eles entraram, pouco tempo na área na cidade de reviraram a minha casa e foram embora. Almenara(MG). Posteriormente Mesmo com tudo isso não me sentia passou no concurso para fiscal da intimidado. Eles só estavam fazendo o que Receita Estadual de Minas Gerais, tinha de ser feito. Quando o regime foi atualmente é aposentado. implantado, essas pessoas (comunistas) 18 23 de agosto de 2014
viviam escondidas. Não saíam à luz do dia. A política já acompanhava esse movimento e sabia quem era cada um. Um dia eu estava em casa, no bairro Cachoeirinha, e essa minha prima me chamou ao telefone dizendo que estava em um bar na Rua Tamóios, que estava sendo vigiada e achava que ia ser presa. Eu fiz uma loucura. Saí da Cachoeirinha para encontrar com ela. Peguei-a e levei para minha casa, onde ficou escondida por três dias. Foi uma loucura, pois coloquei minha família em risco, já que minhas irmãs também moravam comigo. Depois o irmão dela levou-a para Almenara e a deixou escondida na fazenda. Ainda assim ela foi presa, mas hoje ela é professora de história na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), tem livro publicado... SG: O Sr. acha que hoje tem um clima similar que tinha na época, ou seja, se o Brasil corre o risco de passar por um novo regime militar? AC: Não. Hoje no Brasil não há mais espaço para aquelas pessoas que tomaram o poder implantar um novo regime. Não justifica, pois vivemos em plena “democracia”.
- R E L ICÁ RIO -
Foto de Aloísio em sua formatura
Foto dos aprendizes do CPOR
Foto do Aloísio realizando o juramento em sua formatura em Odontologia
Por Sabrina Gomes 19 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964
“Reformas de base em momento algum colocaram em questão o problema da propriedade, então falar que no Brasil havia uma ameaça à propriedade era um desacerto, uma mentira, um factoide.” Em entrevista, Robinson Ayres Pimenta, organizador e estruturador do PSOL Vale do aço, fala sobre sua vida de militância.
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ENTREVISTA| RoBINSON AYRES PIMENTA Sabrina Gomes: Quais são as suas lembranças do dia do Golpe? Robinson Pimenta: Eu me lembro nitidamente onde é que eu estava quando foi feito o golpe. Eu tinha cerca de 19 anos e estava acabando de entrar, por mais incrível que pareça, na vida militar. Eu tinha acabado de passar num concurso e no dia do golpe eu estava dentro da escola preparatória de cadetes do ar em Barbacena, chegando como aluno da escola preparatória. 19 anos de idade, nascido em Governador Valadares, de uma orige pobre, com poucas informações. Na verdade eu só tinha um caminho pra poder estudar: ou vida religiosa (que eu também tentei trilhar em determinado momento, seminarista) ou a vida militar. A massa de informação que eu tinha no período sobre a situação política do Brasil e o quadro internacional era muito precária; era um nível pequeno de informação. O que eu senti quando cheguei dentro da escola militar foi que na véspera, sem que a gente tivesse tido qualquer tipo de informação a respeito do que estava acontecendo, ficamos isolados. Nós éramos em torno de 240 alunos, cadetes; nós fomos isolados do mundo e todas as formas de comunicação foram tiradas (rádio, jornal) e nós passavamos praticamente esses dias imediatamente ao golpe acantonados num pátio lá na escola preparatória. Não sei se por grau
de desinformação tamanha, minha turma fez uma espécie de manifestação por causa de comida; nós fizemos uma greve de fome; o restaurante servia a comida, ficava um pão num prato e a gente deixava lá. Só que essa manifestação aconteceram no quadro do golpe e a visão que a escola teve a respeito disso foi de ver essas atitudes nossas como comportamento subversivo, de contestação. Alguns colegas nossos foram inclusive expulsos nos primeiros dias. Eu só lembro do nome de um, porque ele estava acabando de chegar, o nome dele era Rene, era da zona norte, mas foram uns 3 expulsos como comunistas. Então eu estava dentro da escola preparatória começando minha vida militar, que durou em torno de uns 3 anos. Então eu me encontrava dentro desse quadro. SG: Você lembra como era o clima pré golpe, essa paranoia anti comunista existia ? A população em geral estava com tanto medo assim? RP: Certamente, isso eu lembro. Apesar de ter pouca informação, eu era um menino que morava numa favela em Carapinas e tinha certa sensibilidade da situação social que eu vivia, tinha minhas interrogações. Interrogações essas que as respostas de uma certa maneira começaram a vir de alguns contatos que eu tinha com menino chamado Ivanor,
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depois ele foi pra União Soviética, estudar na universidade de São Patrício, que era da juventude do partido comunista. Então eu com 12,13,14 anos de idade dentro da militância de movimento estudantil secundarista eu tinha um certo contato com o partido comunista, através da sua juventude, desse militante jovem chamado Ivanor. A minha cidade em especial foi muito marcada por esse momento pré-golpe, uma região extremamente violenta, de colonização retardatária, muito marcada pela luta pela terra. Então a visão que se tinha lá era que comunista comia criança e a cidade tinha marca muito discriminatória com relação a essas pessoas que tinham esse tipo de ideologia meio extravagante. Essa situação pré golpe se manifesta no golpe imediatamente pós golpe inclusive no assassinato de muitos que tinham ligação com o partido comunista, perseguição, prisões e tal. Então o clima era, especialmente em Valadares, extremamente violento, sobretudo provocado pelos proprietários de terra. Então o pós-golpe lá foi extremamente violento. E contam que inclusive pessoas usaram o clima até pra resolver pendências pessoais, e a própria sociedade dava a chancela, justificava essa atitude de violência. Isso dentro de Valadares; no quadro nacional era uma situação extremamente conturbada. O
momento do golpe era uma situação pós-revolução cubana com uma grande influência na América Latina posterior ao golpe, sobretudo quando a esquerda brasileira repensando sua trajetória fez através das armas a crítica da interpretação que o partido comunista fazia da sociedade brasileira.
Achavam que nós vivíamos aqui uma situação em que o país reivindicava não uma revolução de caráter socialista, mas uma revolução de caráter democrático a construção de um capitalismo mais repartidor dos seus próprios resultados, sendo assim a luta deveria ser conduzida não por uma vanguarda ligada aos trabalhadores mas seria por uma tal de burguesia nacional que depois se constatou que não existia no Brasil. Essa interpretação, questionada posteriormente ao golpe, marcou demais a influência na alternativa que a esquerda brasileira de uma certa
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maneira foi compelida à adotar depois da década de 60, começando por 67, 68 sobretudo. A revolução cubana foi uma marca muito forte e nós estávamos em plena situação de guerra fria. Esse é um elemento, revolução cubana, 59, guerra fria, e as propostas de transformação do capitalismo brasileiro marcadas pelo elenco de reformas de base que foram a marca do governo João Goulart. Reformas de base em momento algum colocaram em questão o problema da propriedade, então falar que no Brasil havia uma ameaça à propriedade era um desacerto, uma mentira, um factóide. O golpe foi dado contra o comunismo, contra a corrupção e contra uma ascensão violenta que se identificava na época da inflação brasileira que chegou a 90% em 1963 se minha memória não falha. O governo do Sarney aqui chegou a mais de 20% ao ano. Então o golpe além de tudo foi uma grande mentira. Primeiro não havia nenhuma ameaça marcada pelas reformas de base de uma revolução comunista iminente. Segundo os propósitos deles de acabar com a corrupção e controlar a inflação pelo menos imediatamente depois foram condutas absolutamente mentirosas. Havia uma certa corrupção marcada pela perspectiva de algumas dessas reformas; a luta no campo a atitude mudou com um certo ímpeto com a organização das ligas camponesas;
a questão militar foi agravada com uma série de manifestações sobretudo pela manifestação dos marinheiros liderada pelo cabo Anselmo, que se descobriu depois que era agente infiltrado sendo assim um clima criado até de maneira intencional, através dos meios de comunicação, que colocava um Brasil à beira do que eles chamavam de abismo. Até que depois a gente falou que pra tirar o Brasil do abismo deu-se na verdade foi um passo à frente.
SG: As pessoas mais simples que tinham esse medo do comunismo receberam o golpe de “braços mais abertos” para não virar uma nova Cuba ou isso é um mito também? RP: Criou-se uma situação dessa natureza. As manifestações que foram feitas naquele período mostram isso; manifestações pela defesa da família, da propriedade, pelas madames lá do
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Rio de Janeiro mobilizaram multidões. militar das agulhas negras); sai da Houve um movimento e apoio em aeronáutica e fui pro exercito. Me diversos segmentos; a igreja apoiou de descobri míope, não podia ser piloto de maneira bastante clara o golpe através avião, eu peguei então ao invés de fazero principalmente das suas lideranças, da curso de infantaria de guerra dentro sua cúpula. Então havia um clima na deuma escola de aeronáutica acabei me verdade foi produzido esse clima, pra transferindo para Aman. poder justificar o golpe. SG: Como foi o pós enquanto você era cadete. RP: Dentro da escola essa questão “golpe militar é num determinado momento ela não brincadeira né? Foi um penetrava. Num primeiro momento isso marcou muito a minha turma; a golpe civil e militar. minha turma é uma das poucas que Forças armadas fizeram 50 anos depois ainda se encontra de o golpe em função 5 em 5 anos, a gente tem uma página da internet , nós nos mantivemos com dos interesses de um um espírito de corpo até depois de sair segmento dominante da justamente pelos primeiros momentos que convivemos; por ter sido um sociedade que patrocinou, processo duro. Depois disso a questão da financiou inclusive situação política no país ela começou a nos momentos mais retomar algum contato dentro da escola em 1965 foi quando dentro da escola dramáticos, mórbidos da mantive contato com publicações da ditadura militar.” ação popular que era uma organização criada e liderada por uma série de pessoas inclusive Betinho e que veio Lá na Aman nos quadros de avisos de daquelas organizações anteriores da parede nos corredores das companhias, igreja JEC, JOC (juventude operária em 1967 começaram a aparecer católica), então em 65 começaram a panfletos das organizações de esquerda aparecer dentro da escola preparatória revolucionaria, falando de luta armada, de cadetes publicações da ap. Em torno então o clima meio de vigilância de 66 ou 67 eu sai da escola preparatória acabou pegando a gente dentro da de cadetese fui para a Aman (academia 24 23 de agosto de 2014
academia em Resende. E em 67 alguns cadetes de turmas mais antigas foram expulsos porque a escola descobriu que tinham célula comunista que se reunia periodicamente num bosque que tinha dentro da academia, que era um lugar muito grande. Então, pra mim isso foi a maior evidencia de que a instituição militar tem um papel institucional, não é estratosferica, pessoas que tão la dentro elas convivem, elas vão visitar a família, elas veem como suas famílias estão vivendo, os problemas da sociedade civil, dessa maneira, através da individualidade e experiência de cada um eles atravessam o portão das academias militares. Se isso não fosse dessa maneira acho que a gente podia desistir de fazer qualquer transformação, as instituições seriam um bloco. Nem as militares nem as religiosas, nenhuma delas são blocos. São instituições que manifestam dentro delas as contradições que a gente enfrenta dentro da sociedade. SG: E não Havia alguma repressão em relação às reuniões? RP: Elas eram clandestinas; não havia nenhuma repressão mas a instituição era vigilante. Então quando havia qualquer tipo de escape de alguns indivíduos que confrontavam, a instituição agia. Nesse momento em 67 já havia passado aquele primeiro momento do golpe onde foi feita uma operação limpeza nas
entidades sindicais, partidos e tal. Estava em andamento já na antevéspera do milagre todo um processo de mudança da economia brasileira liderada por um cidadão chamado Roberto Campos, que preparou as condições através de um processo grande de centralização e descentralização de capital. Se você pegar as estatísticas da economia brasileira no período de 64 a 67 vai ver o número vigoroso de falências. Ali em 68 já na cozinha do milagre houve um processo de centralização e descentralização de capital muito grande no sistema bancário. Se você pegar estatísticas de bancos que existiam até 67 você vai ver que eles foram reduzidos. Você não tem hoje um banco da lavoura, um banco do progresso, o banco bandeirantes, e houve recentemente outra leva de centralização. As iniciativas feitas de 64 a 67 incluem o que se pode chamar de primeira fase do pós-golpe, que era sua institucionalização. Então num primeiro momento foi uma institucionalização do golpe civil/militar. Eu falei golpe militar é brincadeira né? Foi um golpe civil e militar. Forças armadas fizeram o golpe em função dos interesses de uma segmento dominante da sociedade que patrocinou, financiou inclusive nos momentos mais dramáticos, mórbidos da ditadura militar.
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SG: Durante esse período, você chegou a ser preso, continuou a ser militar? RP: Não, não. Na verdade quando eu fui pra lá eu não tinha essa vocação, fui muito mais para estudar. O seminário quando eu fui pensava em ser padre,.Na vida militar meu projeto fundamental era estudar. Quando eu fui para a academia eu já não pensava em fazer carreira. Eu simplesmente sabia que se eu saísse da academia militar de aeronáutica e viesse aqui para Belo Horizonte eu teria que trabalhar pra poder estudar. Eu não teria outras condições. Como eu tinha terminado o meu ensino médio, eu usei o ano que passei na academia militar foi para me preparar para fazer um vestibular. , estudava noites adentro. Meados de 67 eu saio da academia e venho para Belo Horizonte. E ao vir para Belo Horizonte eu tive que trabalhar, esperar o fim do ano para fazer o vestibular e na preparação para o vestibular fui fazer um cursinho de matemática, um curso pré-vestibular que existia aqui de um professor muito querido que chamavase Márcio de Oliveira . Ele dava aula no colégio estadual, está na história. E quando eu estava fazendo esse curso de matemática, eu acredito que deveria ser novembro ou dezembro de 1967, uma noite, eu estudava à noite, a sala foi aberta para a fala de um cidadão chamado Marcelo Piano Castelo, ele
estava fazendo junto com a gente uma campanha a campanha dos excedentes, na época o vestibular não era unificado, ele não excluía, ele classificava, você tinha gente que passava, mas além do número de vagas, então um grande movimento em 66 e 67 que colocou os estudantes na rua foi o movimento dos excedentes. Então essa campanha dos excedentes ela fez inclusive que eu mudasse minha opção profissional. Eu não fiz opção por carreira, eu fiz opção por militância; então fui fazer economia porque a faculdade de economia era uma faculdade dentro da Universidade Federal de Minas Gerais um papel mais proeminente na militância de esquerda, um grande volume de movimentações, de quadro de atividade política. Então fiz muita mais uma opção de ir para uma escola que me favorecesse uma militância mais ativa. Quando eu vim para cá para estudar, algumas pessoas não conseguiram entender como que eu abandonei uma instituição que te dá roupa, naquele momento, um determinado prestígio social, que te garante a tranquilidade para vir para cá para trabalhar e ganhar salário mínimo, tomar uma refeição por dia, estudar dentro de ônibus e fazer cursinho à noite. Uma curiosidade é que mantive contato com partido comunista o que me deu uma certa sensibilidade, talvez mais do que
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QUEM É? Robinson Ayres Pimenta 69 anos
Origem Governador Valadares (MG)
FORMAÇÃO Economista graduado pela FACEUFMG
Carreira Foi Coordenador de Planejamento de BH, Secretário de Planejamento e Secretário de Educação de Ipatinga-MG, Secretário de Planejamento e Secretário de Educação de Timóteo -MG, Secretário de Políticas Urbanas
uma consciência e essa minha formação atravessou dentro das instituições fechadas que eu estudei, seminário, vida militar, e elas vem refletir numa opção de vida porque hoje basicamente eu tenho praticamente 50 anos de militância política cotidiana sem um dia de descanso, talvez sucesso não, mas descanso a gente nesses 50 anos não teve . Essa minha trajetória ela vem desaguar nesse período com minha opção. Então um detalhe meu companheiro de república que descobri depois que militava na organização que eu vim a militar depois e que ele fazia ações armadas em banco, ele era o motorista dessas ações armadas e eu morava com ele e eu não sabia. Um dia conversando ele me perguntou se eu queria fazer um curso de formação política, eu falei com ele que tinha o maior interesse e ele me colocou em contato com um menino que teve grande influência em minha vida, chama Herbert José Eustáquio, conhecido como Herbert Daniel,. Ele era estudante de medicina, tinha 19 anos de idade, era um geniozinho, fazia medicina, fazia crítica de música clássica, e ele estava dando um curso de formação pra gente na faculdade de ciências médicas. Então quando fiz essa escolha já estava em contato com a organização que não tinha nem nome ainda, que ela era resultado do racha da política operária em 1967 e saímos de lá
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como cisão da Poloc, depois ficou com nome de Libertação Nacional, depois se fundiu com PPR e virou Vanguarda Armada Revolucionária. Quando eu fui para a universidade eu já era o que a gente chamava na época área próxima de uma organização revolucionária. Então eu já entrei na universidade já militando, minha primeira atividade acadêmica foi ajudar a parar a escola de economia no dia 28 de março de 1968, o dia 28 de março de 1968 foi o dia dos incidentes do calabouço no Rio de Janeiro e do assassinato Hécio Luis. Então ao invés de entrar , no primeiro dia de aula nosso, eu saí dali pra uma assembléia geral muito participada no CAAB. Assim começou minha trajetória de militância, eu tive uma visão pequena pra minha sorte em 1969, dia 9 de março de 1969 minha casa foi invadida aqui na rua Mucuri, meu irmão morava comigo, não sabia de nada, prenderam ele também. A casa foi invadida, eu fiquei 30, trinta e poucos dias preso, por sorte, porque a razão da minha prisão foi um documento que saiu de dentro da minha casa e caiu com a queda de um aparelho, de um aparelho da colina do bairro São Geraldo. Era um documento manuscrito de um colega meu que era cadete da polícia militar e que eles prenderam o cadete, prenderam meu irmão, ocuparam minha casa e me
prenderam. Como eles não conseguiram fazer uma ligação mais direta a respeito do documento, das minhas relações, eu fiquei confinado em Belo Horizonte; eles me soltaram mas me proibiram de sair daqui de Belo Horizonte. Depois fui para São Paulo para ajudar a fundar fui diretor do jornal muito tempo, durante 18 anos, eu fui pra lá pra ajudar a fundar o jornal O Tempo em 1977. Em São Paulo tive também diversas prisões de curto prazo. A sorte é que naquele momento as coisas já estavam mudando. Movimento estudantil que foi tirado das ruas, a partir de 69, ele retorna em 77 com outras características, organizações totalmente diferentes. São Paulo por exemplo era a principal liderança dos movimentos que acontecia em 77 era um agrupamento que levava o nome de LIBILU e alguns que militaram nela tão aí até hoje, participando da prefeitura de Belo Horizonte e tal. Então 1977, 78, 79 o quadro já estava mudando e nesse momento eu tive algumas prisões em São Paulo. Uma delas que me lembro mais nitidamente foi na greve dos metalúrgicos de 1979, que eu participei diretamente do comando da LAPA como apoio, eu não era metalúrgico, na verdade a gente ia como jornalista mais como militante do próprio movimento. Eu tive essas diversas prisões. Mas o que mais foi marcante na minha vida foi a expulsão da universidade em maio de
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69, eles aplicaram decreto-lei 407 eu fiquei afastado da universidade durante uns 3 anos. Eu lembro essas datas aqui porque entre outras coisas foi quase como um presente de aniversário, faço aniversário em maio, em torno do meu aniversário eles me expulsaram então em 1969 eu fui afastado da universidade. Um lado mais folclórico da situação é porque junto comigo foram outros companheiros, um o tio dele era presidente do Santos, e o seu Zezinho, que era presidente do Santos, procurou o Pelé e pediu ir conversar com Jarbas Passsarinho. Ele estava preocupado com o sobrinho, Marcelo Borges, que era meu amigo, pra ver se eles não faziam a revisão dessa punição. Pele foi lá, conversou com Jarbas Passarinho, Jarbas Passsarinho pegou o prontuário do pessoal e disse não tem problema nenhum não mas esse cidadão aqui, ó, esse não tem jeito não. sEntão por causa disso o Pele mandou falar com seu Zezinho que não tinha jeito.
ele foi dramático, no caso da gente que militava não houve nenhum momento em que a situação não tenha sido de uma certa maneira dramática Mas, eu vou chamar a atenção mais ali pro período no início da década de 70. Tem
um dos banidos dos 15 do sequestro do embaixador americano, que era aquele mais velho, tem aquela fotografia dos 15, a direita de quem vê, ele chamava Holando Frate, ele é tio da minha mulher. Holando Frate foi do partido comunista, foi fundador da ALN junto com Mariguela ele estava preso na época do sequestro do Burke Elbrick e provavelmente se ele não tivesse sido resgatado ele teria morrido. Ao sair daqui ele mandou um recado pra mim e pra SG: Qual foi o momento mais minha companheira que era militante dramático do regime militar? desde os 15 anos também; ele mandou RP: Pessoalmente eu acho que todo a gente tomar cuidado porque a partir 29 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964
daquele momento não se estava mais fazendo prisioneiros, estava prendendo e matando. Inclusive tinha uma casa que tinha essa destinação, era chamada a casa da morte, em Petrópolis e só foi descoberta porque um das vítimas de lá Inês Etienne eles acharam que tinha morrido ela não morreu, foi por isso que se tomou conhecimento daquela casa da morte. Esse momento aqui está enquadrado no que se convencionou chamar de anos de chumbo, um período extremamente violento onde as prisões elas tinham um objetivo de espremer a pessoa, arrancar dela todas as informações depois disso executar essas pessoas. Muitos morreram por aí, Wilson, Ana Rosa, Zé Arantes, Gilda Lacerda, Zé Carlos Mota Machado, Zoares de Brito a lista é infindável dos que foram executados nesse período. Se for pra falar um drama, o período mais duro, foi 70, até 73, quando posso dizer que eles já tinham dizimado a gente, as organizações revolucionárias já tinham sido basicamente dizimadas. Em 73 tem um caso dos mais bravos que tem o do assassinato de mais de 20 militantes num encontro em Pernambuco, se não me falha a memória, onde morreu a mulher desse agente duplo que era o cabo Anselmo, grávida. me lembro disso porque parece que foi o grande massacre que eles fizeram. O da Lapa veio antes, o de 73 é muito lembrado por causa
disso, o cidadão, cabo Anselmo, que é o cara que entrega o encontro, sabendo que a mulher dele, que me parece que era de nacionalidade cubana, estava nesse encontro, sabia que ela ia morrer, estava grávida, então a cena é terrível, ela aborta o filho, expostos lá. Então eu acho que toda a situação vivida nesse período era dramática. Eu sempre falei pro pessoal que eu tinha uma idéia que não viveria mais do que 30 anos, hoje eu estou com 69, mas a idéia que a gente tinha era não uma preparação, mas a gente tinha pelo menos uma consciência dela é que o risco de morte era iminente. Eu fui clandestino no RJ em 69 quando eu tive que sair daqui, a situação estava complicada, numa situação dificílima para o quadro das organizações e coincidiu meu período de clandestinidade com a dizimação de uma guerrilha feita pelo MR8 antigo em Angra dos Reis e coincidiu com o sequestro do embaixador, eu dentro do RJ com nome trocado você imagina se te pegam sem nome sem nada não vai aparecer ninguém para reclamar seu cadáver. Tem uma noite que eu estava no Passeio público vendo um filme chamado Dr. Jivago, eu saio do cinema, atravesso a rua pra tomar um ônibus quando meninos vendedores de jornal, era um pouco antes de 1 da manhã estavam noticiando a decretação da pena de morte. Então num quadro em
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que suas organizações tão fragilizadas, um cerco está sendo montado, o clima individual de cada um era de grande apreensão, se isso não é drama acho que não sei o que é drama não.
politica e colocar também na ordem do dia a Campanha da Fraternidade que está promovendo esse ano o Plebiscito, por uma constituinte exclusiva para promover a reforma politica. Na verdade, Acredito que hoje o pais precisa de uma constituinte livre democrática e soberana. Sem a constituinte não podemos mudar o que precisamos neste pais. sem a constituinte não há reforma politica. E não podemos contar com esse congresso filhote do General Geyse, até hoje.
SG: Diante do quadro politico nacional da atualidade , o que você vê como alternativa viável hoje? RP: Qual é a alternativa, que você perguntou? Eu acho que é perseverar na construção de um campo à esquerda e na construção de um projeto popular nesse país, fora disso eu acho que não tem muita salvação não. Não tem alternativa e infelizmente essa hegemonia que está ai, ela ainda vai durar um tempinho. Então temos que perseverar no campo de construção de alternativa alternativas e não fazer o que todo mundo convida a gente a fazer a cada eleição. é triste ter que recorrer a algo que nós lutamos tanto na formação do PT, o famoso voto útil e o hoje o caso não é nem mais o voto útil, é votar no menos pior. E o menos pior não nasce do bom, mas gera ,sim, o horrível e o horripilante. E eu fujo disso. Continuo acreditando que vale a pena continuar batalhando, que é fundamental haver uma mudança Para ouvir o restante da entrevistar com radical nesse pais, continuo acreditando Robinson Ayres Pimenta clique aqui. que essa mudança vem das ruas não da politica institucional. É importante colocar na ordem do dia a reforma 31 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964
Semana História e Memória|RESISTIR É PRECISO Semana História e Memória: 50 anos do Golpe Civil-Militar de 1964 e a resistência popular. Por Raquel Basílio
Exposição “Resistir é preciso”
Nos dias 18 a 22 de agosto ,o CEFET/MG, promoveu a “Semana História e Memória: os 50 anos do golpe civil-militar de 1964 e a resistência popular” aproveitando a deixa da exposição “Resistir é Preciso”que se encontra no Campus I desta instituição até o dia 04 de setembro. Alunos, professores, servidores e comunidade relembraram esse período com uma programação ( vide abaixo) bem variada onde puderam acompanhar a cronologia dos fatos ocorridos durante os 21 anos da ditadura Essa exposição se constitui de painéis com “linhas do tempo”. A
exposição ocupou o hall de entrada e o hall do restaurante, e foram o carrochefe da semana. A Fundação Vladimir Herzog, de São Paulo, responsável e produtora desses painéis concedeu esse material integrante da exposição original que foi apresentada no Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte. Essa parceria da Fundação Vladimir Herzog - SP com o CEFET - MG certamente acrescentou um pouco mais conhecimento para todas as pessoas que puderam participar da exposição. Além da exposição “Resistir é Preciso” o público pode contar com o cine-debate, no qual foram exibidos filmes e documentários comentados por professores do CEFET-MG, . Palestras também aconteceram e estas foram base para reflexão e aprofundamento acerca desses anos de ditadura. Depois dessa semana repleta, o trabalho dos organizadores valeu a pena, pois o público pôde refletir mais acerca dessa triste passagem da nossa historia
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Programação
Para mais detalhes sobre esses eventos acesse a revista Cronos na Internet
Palestras : Dia 18/08- Palestra :O trabalho da Comissão da Verdade e a memória da resistência. Convidados: Prof. Marcio BasílioDiretor do CEFET MG – Prof. James William Goodwin Junior Diretoria de Educação Profissional e Tecnológica Deputado Federal Nilmário Miranda Presidente da Comissão Nacional da Verdade; Ex-Ministro de Direitos Humanos Sr. Ivo Herzog Presidente da Fundação Vladimir Herzog
Convidados: Prof. Marcos Cardoso – Filósofo e mestre em História; ativista político do Movimento Negro e pesquisador da cultura negra no Brasil. Profa. Silvani Valentim - Doutora em Educação, Professora do CEFET MG, Coordenadora da CEGRID Coordenação Geral de Relações Étnicoraciais, Inclusão e Diversidade Profa. Marina Nascimento NevesProfessora de História do CEFET- MG (mais sobre esse evento na reportagem a seguir)
Dia 21/08 Palestra: Poeasia, Arte e resistência Convidados Profa. Angela Vieira Campos Coordenação de Letras e suas Tecnologias- CEFET-MG Profa. Renata Moreira - Coordenação de Letras e suas Tecnologias- CEFETDia 19/08- As ditaduras militares na MG América Latina. Prof. Gabriel Amato. FAFICH- UFMG Convidados: Prof. Luan Aiuá Vasconcelos FernandesMestrando – FAFICH- UFMG Dia 22/08-FESTIVAL COVER Uma Prof Warley Alves Gomes –CEFET-MG noite em 67: a música de resistência e protesto contra a ditadura à moda Dia 20/08- Lançamento do Livro: dos antigos festivais CUTUBAS: Clube de negros, território de bambas- Profa. Margareth Cordeiro Franklim- CEFET-MG Debate: A Resistência Negra ontem e hoje 33 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964
Filmes em Cartaz na Semana História e Memória
Sinopse: O sequestro do embaixador americano no Brasil, em 1969 e a libertação de 15 presos políticos, em um avião da FAB Hércules 56.
Batismo de sangue ( ficção)– Brasil, O ano em que meus pais saíram de 2007, 110 min, Direção: Helvécio férias(Ficção) – Brasil, 2006. 100 min – Ratton Cao Hamburguer Data: 20/08/2014 Data: 18/08/2014 Sinopse: Baseado na história real dos Sinopse: 1970. Mauro, um garoto mineiro freis dominicanos que transformaram o de 12 anos, pensa que os pais saíram de convento em uma trincheira de resistência férias. Mas eles foram obrigados a fugir da à ditadura militar. perseguição política. Zuzu Angel (ficção) – Brasil, 2006, 100 min, Direção Sérgio Resende Vlado (documentário) - Brasil, 2005, 85 Data: 21/08/2014 e 22/08/2014 min – Direção: João Batista de Andrade Sinopse:, a história de Zuzu Angel (Patrícia Data: 19/08/2014 Pillar), uma estilista de modas famosa que Sinopse: Conheça a vida de Vladimir inicia uma batalha para localizar o filho Herzog, sua luta e martírio no contexto da guerrilheiro, preso pela ditadura. luta contra a ditadura. A história Oficial (ficção)– Argentina , O dia que durou 21 anos (documentário) 1985, 112 min, Direção Luiz Puenzo – Brasil, 2013, 77 min, Direção Camilo Data: 22/08 Tavares. Sinopse: Nos anos 80, Alicia começa a Data: 19/08/2014 tomar conhecimento da cruel realidade Sinopse: Conheça a vida de Vladimir do regime militar argentino, passando a Herzog, sua luta e martírio no contexto da questionar todas as suas certezas e o que considerava como verdade. luta contra a ditadura. Hércules (documéntario) - Brasil, 2006, 94 min, Direção Silvio Darim Data: 20/08/2014
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Lançamento do livro:
Em seu livro, Margareth relata a história desse espaço recreativo, “CUTUBAS: Clube de Negros, fundado, frequentado e mantido por Território de Bambas” negros desde o ano de 1925. O livro Por Raquel Basílio é repleto de memórias e histórias dos negros de Leopoldina/MG após abolição da escravatura
Margarethe Franklin com seu livro.
No lançamento de seu Livro CUTUBAS: Clube de Negros, Território de Bambas – Memória e Patrimônio Afrodescendente de Leopoldina/MG, a pesquisadora e professora do CEFETMG, Margareth Cordeiro Franklin, mediou um debate entre os convidados Américo da Silva (à esq.) e Valdir de Paula (à dir.), que são moradores da cidade de Leopoldina e frequentadores do CUTUBAS.
Durante o debate discorreram histórias do clube e da cidade.
Na sequência, foi realizado um debate mediado por Paula Elise Ferreira Soares, entre o Prof. Marcos Cardoso – Filósofo e mestre em História; ativista político do Movimento Negro e pesquisador da cultura negra no Brasil, e a professora Silvani Valentim - Doutora em Educação, professora do CEFET- MG (foto acima). Cardoso abordou o tema da resistência negra em suas diversas faces, citando como características dessa resistência, a música, a capoeira, o suicídio, o aborto e a formação dos quilombos. A professora Silvani Valentim - discursou, principalmente, sobre a extensão e o desenvolvimento comunitário no âmbito das relações étnico-raciais, da inclusão e das diversidades.
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Cultura| a moda na ditadura militar
Muito além do que vou vestir
A moda como expressão da revolução cultural dos anos 60
Por Bruna Ferreira
A década de 1950 chegou ao fim com uma geração de jovens, os filhos do chamado “baby boom”, que viviam no auge da prosperidade financeira, em um clima de euforia consumista gerada nos anos do pós-guerra nos EUA. A década que estava começando prometia grandes mudanças no comportamento, iniciada com o sucesso do rock and roll e o rebolado frenético de Elvis Presley, era o seu maior símbolo. O jovem vestido com blusão de couro, topete e jeans, em motos ou lambretas, apresentava uma rebeldia ingênua sintonizada com os ídolos do cinema como James Dean. As moças, por sua vez, antes bem comportadas começaram a abandonar as saias rodadas de Dior e atacavam de calças cigarette, num anúncio de liberdade. A década de 1960 viveu uma explosão de juventude em todos os sentidos. Esse foi o momento dos jovens, que influenciados pelas ideias de liberdade da chamada geração beat, começavam a se opor à sociedade de consumo vigente. Esse mesmo movimento que na década de 1950 ficava recluso em bares nos EUA, agora ganhava as ruas na década de 1960 e influenciava
as mudanças de comportamento jovem, como a contracultura e o pacifismo do final da década. E é nesse mesmo cenário que a moda passa por transformações radicais. Era o fim da moda única. A moda passou a ter várias propostas e a forma de se vestir se tornava cada vez mais ligada ao comportamento. Para acompanharem as mudanças no mercado consumidor as empresas também passaram por grandes transformações, criando produtos específicos para os jovens, que, pela primeira vez na história, tinham a sua própria moda, não sendo mais derivada dos mais velhos. A moda nesse momento era não seguir a moda, o que representava um sinal de liberdade, que era o maior desejo da juventude na época. A grande atração da moda dos anos 60 foi, sem dúvida, a minissaia. A sua criação pertence à inglesa Mary Quant e com o francês André Courrèges. Porém, para a inglesa a criação da minissaia não pertence a ela nem a Courrèges, mas sim a rua, que foi quem a inventou. Tal fato, apenas deixa evidente a grande influência da moda de rua nos trabalhos de estilistas famosos.
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A moda unissex também ganhou força com os jeans e as camisas sem gola. As mulheres, pela primeira vez na história ousavam a se vestir com roupas tradicionalmente masculinas. E, assim, a alta costura ia perdendo cada vez mais seu terreno.
Vestido produzido por Zuzu Angel, em 1971, para o seu desfile-protesto.
No inicio da década de 1960, a moda masculina também foi muito influenciada pelas roupas usadas pelos integrantes da banda Liverpool,
especialmente os paletós sem colarinho e o cabelo de franjão. Em Londres, no mesmo momento surgiam os mods de paletó cintado, gravatas largas e botinas. A silhueta mais ajustada ao corpo e a gola role tornaram-se um clássico do guarda-roupa masculino. No Brasil, a Jovem Guarda fazia sucesso na televisão e ditava a moda, Wanderléa de minissaia e Roberto Carlos de roupas coloridas, botinha sem meia e cabelo na testa. O grupo “Os Mutantes”, que era formado por Rita Lee e os irmãos Arnaldo e Sérgio Batista, seguiam o caminho da contracultura e afastavam-se da ostentação do vestuário da jovem guarda, em busca de uma viagem psicodélica. Assim, a moda que antes era reservada às classes operárias e camponesas, como os jeans americanos, se tornou o básico da moda de rua. Nesse momento de grandes mudanças a mineira Zuleika de Souza Netto (1921-1976), mais conhecida como Zuzu Angel, já era uma estilista conceituada internacionalmente antes mesmo do Golpe Militar de 1964 ser deflagrado no Brasil. A estilista trouxe para o país o termo fashion designer, fazendo moda genuinamente brasileira ganhou destaque em matérias publicadas no New York Times e Le Monde. As peças de Zuzu Angel trabalhavam a identidade brasileira, de um jeito alegre e moderno para a época.
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No entanto, com toda a fama a mineira não se considerava como uma estilista e, sim como uma costureira. Seus vestidos elaborados, traziam estampas inspiradas nos tecidos floridos de chita que as mulheres simples usavam, bordados nordestinos e modelagens leves que combinavam com o clima tropical do país. A estilista se casou com o norteamericano Norman Angel Jones, com quem teve três filhos Stuart Edgar Angel Jones, Ana Cristina Angel Jones e Hildegard Angel. Em 1947 foi morar com sua família no Rio e, mais tarde, adotou o sobrenome Angel (anjo) como sua logomarca. A estilista ganhou ainda mais destaque quando começou a utilizar a moda para chamar a atenção das pessoas sobre os horrores que aconteciam nos porões da Ditadura Militar, após o assassinato de seu filho Stuart. Stuart Edgar Angel Jones era estudante de economia quando caiu na clandestinidade e integrou o Movimento Revolucionário 8 de Outubro. Foi torturado e assassinado aos 26 anos, em maio de 1971, pelos órgãos de repressão na base aérea do galeão e o seu corpo teria sido jogado ao mar. Tal fato representou um divisor de águas na vida de Zuzu Angel. E, em meio a sua dor de mãe, a estilista viu na moda um meio para denunciar os horrores da ditadura.
Na busca de poder ter o direito de enterrar o filho, a estilista escreveu cartas para políticos e figuras públicas de diversos países. Quando Henry Kissinger veio ao Brasil, Zuzu Angel furou o bloqueio da segurança e entregou um dossiê ao secretário de Estado norteamericano. Porém, a confirmação da morte de Stuart veio com detalhes somente no ano de 1974, na carta enviada da prisão pelo jornalista Alex Polari e, que foi transportada dentro da vagina da ex-guerrilheira Lúcia Murat. Após o episódio Zuzu Angel intensificou as suas denúncias mesmo sabendo dos riscos. No ano de 1975, como se pressentindo que algo de ruim iria lhe acontecer, deixou com algumas pessoas, incluindo Chico Buarque, cartas em que dizia que, se aparecesse morta, seria obra dos mesmos assassinos de seu filho. No dia 14 de abril de 1976, Zuzu Angel morreu em um acidente de carro, no Rio de Janeiro, em circunstâncias bastante duvidosas. O Karmann Ghia azul que dirigia derrapou na saída do túnel Dois Irmãos, que depois o acidente recebeu o seu nome, bateu na mureta de proteção e caiu em uma ribanceira. Vinte e dois anos depois, a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos declarou, que foi o regime militar o responsável por sua morte, mas nada nunca foi claramente esclarecido.
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Protesto em forma de desfile
Zuzu Angel usou o seu jeito de fazer moda para protestar contra a morte de seu filho Stuart e os horrores da ditadura militar Por Bruna Ferreira No ano de 1971, Zuzu Angel realizou o “primeiro e único” desfileprotesto que se tem notícia, realizado no consulado brasileiro em Nova York. Após o Ato Institucional nº5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968, estava terminantemente proibido falar mal do país no exterior, estando fadado a responder processo, ser preso e torturado. Zuzu Angel realizou um desfile comovente , no qual suas modelos subiram na passarela usando fitas pretas de luxo na manga, gola, pala e cintura dos vestido. A estilista colocou no lugar dos bordados agradáveis e costumeiros presente nas roupas, andorinhas pretas, pássaros presos em gaiolas, anjos infantis, sol quadrado, canhões atirando e até soldados, que “recebiam ordens tirânicas”. No momento de receber os agradecimentos do público, Zuzu Angel subiu na passarela usando um vestido preto, como era de costume após a morte de seu filho, ornado com um cinto que trazia 100 cruzes de prata que estavam penduradas, representando e homenageando a vida de seu filho e
dos jovens mortos durante o regime. Dessa maneira, a estilista denunciou o desaparecimento de seu filho para a mídia internacional. Hildegard e Ana Cristina Angel fundaram o instituto Zuzu Angel para preservar a memória da mãe e do irmão Stuart. A família nunca pode velar o corpo de Stuart. Visite nosso site para conhecer mais Zuzu Angel.
39 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964
Cultura| MÚSICA As músicas que marcaram época. 50 anos do Golpe Militar.
Por Fernanda Nogueira
O golpe militar de 1964 instaurou Chico Buarque foi grande no Brasil uma rigorosa censura, aplicada destaque em compor músicas nesse por meio dos Atos Intitucionais (AL’s) período. A música Cálice (1973) faz criados para aumentar a repressão do referência à Oração de Jesus Cristo Estado sobre a população ou qualquer dirigida a Deus no Jardim Getsmâne: manifestação que fosse contrária ao “Pai, afasta de mim esse cálice”, governo imposto no país. Obviamente, explorando o duplo sentido da palavra ‘cálice’ e ‘cala-se’ para criticar o regime com a música não foi diferente. Letras complexas, cheias de da época. Podemos destacar também metáforas e significados ocultos muitas “Apesar de você” (1970), lançada em vezes passaram despercebidos pela pleno governo do General Médici. A censura e se tornaram verdadeiros letra faz uma clara alusão a este ditador. hinos e gritos de liberdade de cidadãos Entretanto, Chico para driblar a oprimidos e sem voz ativa. Vale ressaltar censura, afirmou que a música contava que nem todas as músicas tinham a história de uma briga de casal, cuja o intuito de criticar diretamente a esposa era muito autoritária. O disco ditadura, e sim manifestar com forte teor foi gravado, mas assim que os oficiais político e social, o momento histórico do exército perceberam a real intenção do artista, a música foi proibida de tocar pelo qual o Brasil passava. Caminhando (Para não dizer nas rádios: Quando chegar o momento que falei de flores) é uma música de / Esse meu sofrimento / Vou cobrar com Geraldo Vandré, lançado em 1968. Por juros. Juro! / Todo esse amor reprimido / meio dela, Vandré chamava o público Esse grito contido / Esse samba no escuro. à revolta contra o regime ditatorial Jorge Maravilha (1974) composta pelo fazendo provocações ao exército: Há pseudônimo de Julinho de Adelaide, soldados armados / Amados ou não / é uma música de Chico Buarque que Quase todos perdidos / De armas na mão fazia alusão à família do general Geisel, / Nos quartéis lhes ensinam / Uma antiga que odiava o artista. Os versos “você não lição: De morrer pela pátria / E viver sem gosta de mim, mas sua filha gosta” parecia demonstrarem uma relação conflituosa razão. 40 23 de agosto de 2014
Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso – Os três “rebeldes” que marcaram a Ditadura Militar com suas composições
entre sogro, genro e filha, enquanto na verdade, era uma ironia pelo fato da filha do general manifestar interesse pelo trabalho do compositor. Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, lançada em 1967, criticava o abuso do poder e da violência, as más condições do contexto educacional e cultural estabelecido pelos militares que pretendiam formar brasileiros alienados. Em cada verso, revelações da pressão ao cidadão em todas as esferas sociais: O sol se reparte em crimes/Espaçonaves, guerrilhas/Em cardinales bonitas/Eu vou… É proibido proibir (1968), também composta por Caetano Veloso, era uma manifestação das grandes mudanças culturais que estavam ocorrendo na década de 1960: Me dê um beijo meu amor / Eles estão nos esperando / Os automóveis ardem em chamas / Derrubar as prateleiras / As estantes, as estátuas / As vidraças, louças / Livros, sim…
Na voz de Elis Regina, em 1979, podemos destacar a composição de Aldir Blanc e João Bosco, com a música o “Bêbado e a equilibrista” que representava o pedido da população pela anistia ampla, geral e irrestrita, um movimento consolidado no final da década de 70. A letra fala sobre o choro de Marias e Clarisses, fazendo referência às esposas do operário Manuel Fiel Filho e do jornalista Vladmir Herzog, assassinados sob tortura pelo exército. Para quem curte o tema, o livro de Manu Pinheiro, “Cale-se: MPB e Ditadura Militar” trata das canções compostas nos anos mais repressivos desse governo, e reforça a ideia de que a música serviu como uma importante ferramenta de comunicação, carregando mensagens com as palavras e frases que formam suas letras. Em uma época em que a censura restringia o acesso da população brasileira à informação, a música, no livro representado pela MPB, tornou-se um porta-voz.
41 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964
CRONOS INDICA| LIVROS Com o intuito de lembrar os 50 anos do golpe militar, a Revista Cronos selecionou 12 dessas obras que possam servir como porta de entrada para o tema, de maneira que faça o leitor compreender diferentes aspectos, situações e eventos referentes não só ao Golpe de 1964, mas também à realidade histórica que ele instaurou no país. Por Fernanda Nogueira
#1
#2
#3
Brasil: Nunca Mais (Paulo Arns) Editora Vozes
Visões do Golpe (Celso Castro, Gláucio Ary Dillon, Soares, Maria Celina de Araújo) Editora Ediouro
#4
1968: O ano que não terminou (Zuenir Ventura) Editora Objetiva
O que é isso companheiro? (Fernando Gabeira) Editora Companhia das Letras
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#5
#7
#6
#8
Herança de um sonho As memórias de um comunista (Marco Antônio Tavares Coelho) Editora Record
Brasil : De Getúlio a Castelo. (Thomas Skidmore) Editora Companhia das Letras
Combate nas trevas (Jacob Gorender) Editora Perseu Abramo
1964 : A conquista do Estado (Rene Armand Dreifuss) Editora Vozes
43 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964
#9 Carlos Lacerda: A vida de um #11
Apesar de vocês ( James Green ) Editora Companhia das Letras
lutador (Jonw W. F. Dulles) Editora Nova Fronteira
#10
O ato e o fato – Crônicas Políticas ( Carlos Heitor Cony) Editora Objetiva
#12
Almanaque 1964 (Ana Maria Bahiana) Editora Companhia das Letras
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HUMOR EM TEMPOS DE DITADURA| Henfil Henrique de Souza Filho, mais conhecido como Henfil (Ribeirão das Neves, 5 de fevereiro de 1944 — Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1988), foi um cartunista, quadrinista, jornalista e escritor brasileiro. Mesmo em tempos de censura e opressão, o humor ainda se fazia presente em suas produções. Henfil tinha como marca registrada o desenho humorístico, crítico e satírico, com personagens tipicamente brasileiros.
45 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964
CRÔNICA| RoBINSON Alves Dois mil e quatorze marca, entre outras reflexões, os 50 anos do golpe civilmilitar de 1964. Foi um acontecimento capital para a História do Brasil. Foi um tempo que mesclou dureza política, com um crescimento econômico do qual muitos são saudosos, mas que se mostrou frágil com o passar dos anos e ainda deixou como herança um período de intensa recessão na economia brasileira após 1985. Mas e o que propiciou esse momento? Quem, de fato, “deu o golpe”? É importante reconstruirmos os governos que antecederam 1964 para compreender esse período. O fim do Estado Novo em 1945 pôs fim à ditadura varguista. Com a queda de Vargas, a política econômica brasileira de cunho nacionalista abriu espaço para a intensa entrada de capital externo no Brasil. O alinhamento político do Brasil com o bloco capitalista internacional na Guerra Fria refletiu também na economia: uma maciça entrada de produtos industrializados estrangeiros invadiu o Brasil. O chiclete misturou-se com a banana, como dizia a canção da época, e a incipiente indústria brasileira se viu com tantos concorrentes estrangeiros que não conseguiu crescer. A volta de Vargas ao governo em 1951 despertou séria desconfiança dos setores conservadores que viam com bons olhos a entrada do capital externo como elemento propulsor da economia brasileira. E Vargas não conseguiu repetir seu nacional-desenvolvimentismo e deixou o poder. Juscelino Kubitschek governou o Brasil entre 1956 e 1960 e deu continuidade à política de abertura econômica do Brasil. As fábricas de automóveis entraram no Brasil como uma avalanche e o país consolidava seu aspecto urbano. E a eleição de Jânio Quadros, o primeiro presidente eleito pela UDN – União Democrática Nacional, partido que fazia oposição a Vargas e que defendia a entrada de capital externo no Brasil – parecia a cereja no bolo dos setores industriais que desejavam uma construção do progresso brasileiro a partir do capital estrangeiro. Mas essa cereja não foi doce. A aproximação de Jânio com a esquerda e com o bloco socialista despertou a fúria da alta cúpula da UDN e dos setores conservadores. Como resultado, diante de uma intensa pressão, Jânio renunciou à presidência após somente sete meses de governo. Se com Jânio o caos já era certo, sem ele as coisas iam ainda pior: o vice-presidente que deveria assumir a presidência era João Goulart, o Jango, cunhado de Vargas e defensor não só da diminuição da interferência externa no Brasil, mas também apoiador das causas camponesa e operária. Jango era visto como símbolo do radicalismo social, político e econômico. A construção 46 23 de agosto de 2014
de uma imagem negativa do comunismo fora do Brasil chegava aqui e foi muito rápida a associação entre Jango e o comunismo. Foi o que os setores conservadores precisavam para deter o avanço da política janguista: a opinião pública e a família brasileira, representada pela classe média estavam convencidas de que com Jango no governo não seria possível crescer. E o pior: com Jango no governo o Brasil fatalmente se tornaria comunista e os bens, tão duramente conquistados pela classe média, teriam que ser repartidos entre a massa sem nome e sem rosto de brasileiros famintos. Unidos com a bandeira de deposição de Jango, o empresariado, a UDN, os militares, os anticomunistas e a família brasileira se movimentaram contra Jango. Em março de 1964, aconteceu a Marcha com Deus pela Família Brasileira, movimento que ganhou as ruas e que tornava a figura de Jango incompatível com os valores da tradicional família. Assim, a imagem já arranhada de Jango se desgastava ainda mais. Destaco como cruciais na construção de tal imagem associada ao presidente João Goulart, a ação de dois órgãos independentes: o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais). Órgãos financiados pelos Estados Unidos, o IBAD e o IPES atuaram junto à opinião pública reforçando a imagem negativa de Jango. O interesse claro era de afastar do poder um presidente que tentava proteger o mercado brasileiro, impedindo a entrada de produtos estrangeiros no Brasil, o que era extremamente nocivo à economia dos Estados Unidos, principal parceiro comercial brasileiro desde os tempos do presidente Dutra. Assim, com o apoio da população “esclarecida” do Brasil, os Estados Unidos, aliados à UDN e aos militares conduziram o golpe. Os militares chegariam ao poder. Mas comprometidos com uma ampla política de entrada de produtos estrangeiros no Brasil, juntamente com suas fábricas. Esse foi o alicerce do milagre econômico vivido pelo Brasil até 1973, marcado por uma política de grande oferta de empregos, que atraiu massas de migrantes do Norte e Nordeste para o Centro-Sul do Brasil, mas com sua base carcomida por inúmeros casos de corrupção cometidos pelo Estado que, autoritário, criticava, combatia e perseguia qualquer tipo de oposição. Foi o pleno poder dos militares no Brasil. Apoiados e apoiadores da política pró-Estados Unidos no nosso país. É para não esquecer. Robinson Alves, agosto-2014 47 Edição Especial Cronos 50 anos do golpe de 1964