Hans Wendlinger
Este trabalho se trata de um exercício experimental aplicado na disciplina de História do Design da Universidade Federal de Pernambuco, no primeiro semestre de 2015, ministrada pela prof. Dra. Oriana Duarte, com monitoria da aluna Hannah Sá. A proposta é desenvolver uma narrativa ficcional ambientada na escola Bauhaus na primeira metade do século XX e tem como objetivo uma outra possibilidade de apreensao do saber histórico. Os conteúdos aqui apresentados nao devem ser considerados estritamente como fatos históricos e nao devem ser usados como documentos históricos. Por Caroline Stadtler e Emanuela Cordeiro
Weimar, 10 de outubro de 1923. Esboços do meu primeiro livro com uma incrível experiência na Bauhaus Título preliminar: ??? Uma breve introdução Na minha vida sempre tive uma única certeza: ser artista. Estudar na Bauhaus tornou-se meu ideal assim que soube do seu revolucionário método de ensino. Me inscrevi na escola e fui aceito pelo seu diretor, Walter Gropius. Meu nome é Hans Wendlinger. Meu pai era um uhrmacher, mestre relojoeiro muito conhecido na região que vivia, porém, embora possuísse talento incomum com as engrenagens e mecanismos, nunca fabricou relógios, não podia arcar com os preços de custo, apenas os consertava. Quis entrar na Bauhaus para aprimorar o ramo em que meu pai sempre trabalhou e, quem sabe, transformar a pequena oficina da família em algo
mais industrial e serial. Após cursar o Vorkurs Bauhaus (o chamado curso preliminar), decidi ingressar na oficina de metal. Lá se inicia a história que vou contar em si. A história que me foi emprestada. Uma história que não é minha. Os corredores e oficinas da Bauhaus respiram arte na prática. Não dá pra descrever tamanha felicidade em fazer parte dessa escola. Vivemos momentos difíceis na Alemanha e no mundo, mas quando estou aqui surgem forças para lutar por uma nação melhor. É um sonho realizado estar aqui. Mas como descobri, não existe o mesmo tipo de experiência para todo mundo. Lembro da ansiedade que tive no primeiro dia da oficina de metal, onde conheci Johannes Itten, o responsável pelo ensino naquele ramo escolhido. Itten é um entusiasta, um apaixonado pela arte, prega algo bem diferente do que eu tinha decidido para minha vida naquela época. Pois veja, havia – e ainda há – uma cisão muito grande entre os pensamentos de Walter Gropius, diretor da escola, e o próprio Itten. Enquanto Gropius almeja um modo de ensino
e criação aliado com as necessidades industriais e a realidade além-Bauhaus, Itten defende a liberdade do artista e o desprendimento para com o modo de vida exterior à escola. Os alunos, naturalmente, acabam se dividindo de acordo com suas ideologias. Eu neste período estava inclinado fortemente a seguir a ótica de Gropius, já que era aquele alinhamento ao industrial o que eu buscava para o próprio negócio rudimentar do meu pai. Primeiras Impressões Lembro-me bem daquele dia, minha primeira aula após terminar o vorkurs, eu estava ansioso. Todos os alunos já estavam na sala, mas o mestre ainda não havia chegado. Aproveitei o momento para lançar o olhar por todo o ambiente. Observei os espaços, os materiais disponíveis, as máquinas, e logo depois os outros alunos. Todos eu já via pelos corredores da Bauhaus, com exceção de um. O tal colega novo. Estranhei, já que todos os alunos deveriam participar do curso preliminar antes de entrarem nas oficinas, mas talvez ele fosse uma exceção. Minha curiosidade
se aguçou. Percebi que ele estava meio introspectivo, mantendo a cabeça e olhares baixos. Talvez por ser novato e não conhecer ninguém. Logo me veio a ideia de sentar ao seu lado para fazer amizade, perguntar se ele precisa de algo, talvez apresentar a escola a ele. Aproveitei que o professor estava atrasado e pus minha ideia em prática. Sentei ao seu lado e me apresentei. – Olá! Bom dia! Meu nome é Hans Wendlinger. E o seu? Ele me respondeu todo desconcertado e com uma voz sussurrante: – Bom dia! Meu nome é.. Frid-Friedrich Klein – Falou, gaguejante como se estivesse em dúvida do próprio nome. A voz mudava de tom, como se ele tivesse acabado de chegar à puberdade. Achei engraçada a reação que teve. Friedrich era um rapaz pequeno para a média, franzino e com os ombros estreitos, o cabelo cortado num estilo confuso, de olhos esverdeados, arregalados e desconfiados.
Comecei então um diálogo com ele, perguntando se ele era novo na escola, se estava gostando do ambiente, essas coisas de primeiro contato. Ele respondeu que sim para ambos os questionamentos, porém não estava muito entusiasmado com a conversa, desviava o olhar e se encolhia. Não o senti muito à vontade, então fiquei calado e esperei o início da oficina. Itten chegou na sala, apresentou-se e nos apresentou a oficina. Logo depois começamos a realizar o trabalho pedido por ele. O trabalho era em dupla e a minha foi Friedrich, que aceitou meu convite com um olhar desconfiado. Tínhamos uma peça grande de metal disponível para que criássemos algo a partir dela. Começamos a executar o projeto e percebi que ele era cuidadoso em excesso, bem detalhista, perfeccionista e tinha bastante dificuldade em pegar coisas pesadas, muito provavelmente por causa de sua estatura. Achei estranho, porém não comentei nada. Dia após dia, na oficina, ele tinha esse mesmo comportamento e a mesma dificuldade em trabalhar com materiais pesados, mas compensava
com afinco e um talento natural com o metal. Finalmente, em um dia, perguntei-lhe se tinha algum problema de saúde, tal qual raquitismo, mas ele negou. Passei a observá-lo ainda mais atentamente, desde então. Fizemos algum progresso na amizade e passei a chama-lo de Fred, embora contássemos com minha extroversão para aquela relação de convívio funcionar, já que ele permanecia quieto e calado, deixando escapar um sorriso de vez em quando, mas como se policiasse a si mesmo para aquilo não acontecer com frequência demais. O Banho A Bauhaus é uma escola fantástica. Temos liberdade para fazer o que queremos. Recitais, músicas, festas, e também os famosos banhos noturnos. Tomávamos banho nus à meia-noite e isso chocava toda a sociedade de Weimar. Mas era ótimo, nós nos divertíamos bastante. Quebrávamos regras a todo tempo. E o banho era um tipo de ritual dentro da Bauhaus. Assim que finalmente terminamos nosso trabalho na oficina de metal, fomos liberados e eu
falei a Friedrich que todos os alunos iriam se reunir à noite para se divertir. Ele concordou em participar da reunião. À noite, começaram a chegar todos os outros alunos. Havia música e bebida. Todos começaram a tirar suas roupas e, nesse instante, notei que Fred ficou constrangido com a situação. Expliquei a ele que havia o costume de tomarmos banho nus e que todos assim faziam. Logo comecei a tirar minha roupa e o chamei para participar do banho. Friedrich se recusou. Eu achei estranho e quis saber o motivo da recusa, já que aquele era um ritual na Bauhaus e todos faziam questão de participar. Ele disse que estava resfriado e que precisava ir embora. Saiu correndo sem falar mais nada. A Festa Marcamos uma festa e nela estariam todos os estudantes da Bauhaus, homens e mulheres. Avisei a Friedrich e ele me disse que iria, passado o trauma da outra vez. Falei para ele que havia uma moça bastante interessante me chamando a atenção e que ela estaria na festa.
Ele demonstrou-se incomodado senão indiferente. O perguntei se estava interessado em alguém e ele disse que não.. Falei que a festa seria uma ótima oportunidade de ele conhecer os outros alunos e de quem sabe ele conhecer uma garota interessante. Porém ele me respondeu de pronto que achava muito difícil isso acontecer. Fiquei pensando acerca dessa sua fala e de todas as outras atitudes apresentadas por ele, mas achei melhor não comentar nada. Mais tarde naquele dia, a festa estava cheia. Muita música, muita arte pra todos os lados, muitas conversas e pessoas interessantes e, como de costume, muita bebida. Eu estava bem ansioso pelo encontro com a menina mencionada, queria conhece-la melhor, mas ainda assim tratei de apresentar Fred ao pessoal e, principalmente às moças da Bauhaus. Fred não se mostrou empolgado em flertar com menina alguma, pelo contrário, preferiu ficar longe das mesmas, elas olharam-no de uma maneira estranha, não consegui compreender. Perguntei se ele não as achava interessantes ou se já era comprometido. Ele
disse que não tinha ninguém, mas não estava com vontade de se relacionar naquele momento, nem ao menos na festa. Perguntei-lhe se estava acontecendo algo e se ele não queria conversar. Disse-lhe que há um tempo já vinha observando o seu comportamento e havia estranhado algumas atitudes e comportamento dele. – Se você quiser, se algo estiver acontecendo ou incomodando-te, pode conversar comigo, fique à vontade para isso, afinal nós somos amigos. – Eu disse. – Sinceramente tem algo acontecendo. – Ele disse. – Tem algo acontecendo desde que eu entrei na Bauhaus. É uma coisa bem séria e que eu preciso que seja mantido em sigilo até eu conseguir me formar, ou até as coisas mudarem. Pedi para que confiasse em mim e me contasse o que o afligia. E, finalmente, ele começou a revelar seu mistério. – Eu não sou quem você pensa que sou. Eu tive que mentir sobre mim ao entrar na Bauhaus. Eu menti sobre minha identidade, sobre meu
sexo. Eu sou uma menina. Meu nome é Frida Hinrichsen. Fiquei estupefato com essa revelação. Eu mal conseguia raciocinar, porém, começou a passar um filme pela minha cabeça com todas as situações vivenciadas por nós até aquele momento. Todas as coisas que eu via com estranheza, mas que preferia não comentar, afinal, na Bauhaus somos livres para fazermos o que quisermos. Era assim que eu pensava. Continuei sem conseguir digerir aquela informação por alguns minutos, mas perguntei-lhe o motivo de ela ter feito isso, minha curiosidade falando mais alto que o choque. Ela disse: – Minha família é abastada e possui negócios na metalurgia. Além do meu dever, é meu desejo continuar o que meus bisavós começaram, aprimorando a empresa da família e juntando minhas duas paixões: o metal e a arte. Meu plano sempre foi participar da oficina de metais aqui na Bauhaus, essa foi a razão principal pela qual entrei. Contudo, eu já tinha conhecimento de que o nosso diretor Walter Gropius, apesar de aceitar
o ingresso de meninas na escola, direciona as mulheres para as oficinas de tecelagem, já que julga o ingresso de mulheres nas demais áreas como um perigo ao objetivo principal da Bauhaus, pensando ele que as mulheres trazem uma tendência deveras decorativa às oficinas e produtos. Fiz o curso preliminar na esperança de que meu talento fosse notado e uma exceção fosse aberta. Não foi o que aconteceu. Foi então que tive a ideia de me passar por rapaz. Tive que criar um personagem durante todo o tempo que eu passasse aqui na Bauhaus, até me formar. Tive que comprar documentos falsos e torcer para que não fosse descoberta pelo Sr. Gropius. Decidi que iria fazer as oficinas que eu quisesse, inclusive as que ele acha ser de domínio masculino e provar que nós mulheres temos as mesmas condições de executar trabalhos que ele julgava ser para os homens. Sei que é algo a longo prazo, mas as moças que me conheceram durante a Vorkurs acharam nobre minha iniciativa e decidiram me apoiar, com esperança de que num futuro essa situação possa ser revertida. O mesmo fez Itten, o único dos mestres que sabe da minha condição e que
decidiu me ajudar após observar meu destaque. Após escutar os motivos que levaram-na a tomar aquela atitude, comecei a compreendê-la melhor. Porém, uma questão mais profunda me veio à cabeça. Por quê a Bauhaus, uma escola bem à frente do seu tempo, com pessoas do mesmo jeito, diferencia o trabalho feminino do masculino? Por que Gropius, mestre que eu praticamente idolatrava por suas ideias, cria barreiras e empecilhos para a educação de mulheres enquanto se esforça para os homens receberem a devida capacitação? Me veio à cabeça uma outra coisa bem mais séria: o que Frida passou até agora e o que ela ainda irá passar, tendo que se esconder atrás do que ela não era pra conseguir ter a formação que queria dentro da Bauhaus. Pensei se isso não lhe traria consequências graves. Fiquei então com esse pensamento por vários outros dias. O quão difícil é ser mulher e querer fazer o que deseja. Até na Bauhaus. A história de Frida continuou com o desenvolvimento de
Fotografias referenciais para meu livro
Bauhaus Weimar
Frida (Friedrich) Hinrichsen Peรงa feita por mim e Frida
Artigos de referência para a reconstruçao do contexto histórico feminino na Bauhaus - Artigo sobre a condiçao feminina na Bauhaus: http:// vida-estilo.estadao.com.br/noticias/casa-e-decoracao,asmulheres-da-bauhaus,342833 - História de Gunta Stolzl utilizada para melhor compreender a condiçao feminina na instituiçao: https:// diekarambolage.wordpress.com/2010/11/02/frauenpowermulheres-da-bauhaus-gunta-stolzl-13/ - Artigo geral sobre a Bauhaus: http://www.bauhaus.com. br/site/html/st_escbauhaus.php - Artigo sobre as oficinas da Bauhaus: http:// bauhaushistoria.blogspot.com.br/p/os-ateliers.html - Paper fundamental para a reconstruçao do contexto feminino feita no trabalho: https://mduart.files.wordpress. com/2014/02/o-ensino-na-bauhaus-e-uma-observac3a7c3a3osobre-a-oficina-tc3aaxtil.pdf - Artigo sobre as oficinas oferecidas na Bauhaus: http:// www.tipografos.net/bauhaus/oficinas-bauhaus.html - Artigo sobre o curso preliminar: http:// historiaeteoriadodesign.blogspot.com.br/2009/04/vorkus-eraprincipal-estrutura-do.html -Artigo sobre a escola Bauhaus: http://www.mackenzie.br/ fileadmin/Graduacao/FAU/Publicacoes/PDF_IIIForum_a/MACK_ III_FORUM_ANA_GABRIELA.pdf - Versao online do livro Pedagogia da Bauhaus: http:// pt.scribd.com/doc/140755914/Pedagogia-Da-Bauhaus#scribd