UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DANIELLE REGINA DE OLIVEIRA
RELAÇÕES DE CLASSE E DE GÊNERO NO TRABALHO DOCENTE DA EDUCAÇÃO BÁSICA EM SÃO PAULO
GUARULHOS 2013
DANIELLE REGINA DE OLIVEIRA
RELAÇÕES DE CLASSE E DE GÊNERO NO TRABALHO DOCENTE DA EDUCAÇÃO BÁSICA EM SÃO PAULO
Trabalho de conclusão de curso apresentada à Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel/Licenciado em Ciências Sociais Orientação: Prof. Dr. Davisson C. C. de Souza
GUARULHOS 2013
Oliveira, Danielle Regina. Relações de classe e de gênero no trabalho docente da rede básica em São Paulo / Danielle Regina de Oliveira. – 2013. 1 f. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado/Licenciatura/ em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Guarulhos, 2000. Orientação: Prof. Dr. Davisson C. C. de Souza. 1. Trabalho Docente. 2. Relações de Classe. 3. Relações de Gênero. I. Prof. Dr. Davisson C. C. de Souza. II. Título.
DANIELLE REGINA DE OLIVEIRA RELAÇÕES DE CLASSE E DE GÊNERO NO TRABALHO DOCENTE DA EDUCAÇÃO BÁSICA EM SÃO PAULO Trabalho de conclusão de curso apresentada à Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel/Licenciado/ em Ciências Sociais Aprovação: ____/____/________
Prof. Dr. Davisson C. C. de Souza Universidade Federal de São Paulo
Profa. Dra. Marieta Gouvêa de Oliveira Penna Universidade Federal de São Paulo
A Sonia Regina, minha m達e, A David Vicente, meu pai.
AGRADECIMENTOS Primeiramente, quero agradecer a minha mãe e ao meu pai pelo esforço, carinho e cuidado, que me possibilitaram chegar até aqui. Aos professores Henrique Parra e Davisson Souza, pela atenção, pelas discussões teóricas e políticas e sobretudo pelo companheirismo. As minhas companheiras de casa: Luiza, Mariana, Marina e Alice. Sem o amor e dedicação delas não conseguiria aguentar essa reta final da graduação. Aos amigos e amigas dessa longa jornada que foi a graduação. Agradecendo principalmente à Vanessa, companheira de muitos momentos de luta, tormentos, discussões, trânsito e alegrias... A todos participantes do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Educação e Classes Sociais. A todxs camaradas de luta e de celebração da vida. Principalmente a todas mulheres guerreiras que vivas ou mortas estão presentes na minha caminhada.
“Se não posso dançar, não é minha Revolução.” Emma Goldman
“É preciso perder o hábito e deixar de conceber a cultura como saber enciclopédico, no qual o homem é visto apenas sob a forma de um recipiente a encher e entupir de dados empíricos, de fatos brutos e desconexos, que ele depois deverá classificar em seu cérebro como nas colunas de um dicionário, para poder em seguida, em cada ocasião concreta, responder aos vários estímulos do mundo exterior. Essa forma de cultura é realmente prejudicial, sobretudo para o proletariado. Serve apenas para criar marginais [...]. O estudantinho que sabe um pouco de latim e de história, o rábula que conseguiu obter um diploma graças à irresponsabilidade e à desatenção dos professores acreditam ser diferentes, superiores até mesmo ao melhor operário qualificado [...]. Mas isso não é cultura, é pedantismo; não é inteligência, mas intelectualismo – e é com toda razão que se reage contra isso” Gramsci Escritos Políticos (1916-1926)
RESUMO Este trabalho teve como objetivo analisar a profissão docente a partir das relações de gênero e de classe que permeiam o contexto da educação básica em São Paulo atualmente. O debate sobre o trabalho docente se insere na abordagem teórica que problematiza o conceito de classes sociais e o posicionamento de classe dos trabalhadores não-manuais. A polêmica em torno desses trabalhadores é que não estariam inseridos nem na burguesia, nem no proletariado e se afirmariam em outra classe social: a nova classe média. O caso da profissão docente se tornou palco para que essas questões acerca do trabalho não-manual na sociedade burguesa atual virasse objeto de estudo para complexificar essas análises. De outro modo, a docência também é investigada pelos estudos de gênero, uma vez que há forte presença feminina na função docente, como também a correlação de “habilidades femininas” a esta carreira profissional. No Brasil o fenômeno da feminização do magistério ainda é uma realidade, o que será discutido sob a ótica da divisão sexual do trabalho na tentativa de mapear a força de trabalho feminina e a mulher na sociedade de classes. Para tanto, a pesquisa pretende trazer dados de uma amostra pequena sobre o professorado da educação básica em São Paulo e problematiza-los com dados oficiais do período de 2010 à 2012, a fim de mobilizar a investigação empírica aliada a discussão teórica. Palavras-chave: Trabalho Docente. Relações de classe. Relações de gênero.
ABSTRACT The aim of this academic research was to analyze the teaching profession around gender and class relations that permeate the present context of the basic education in S達o Paulo. The debate about teaching profession is in line with the overall approach that questions the concept of social classes and the class position of the non-manual workers. The controversy around these workers is that they are not included in the bourgeoisie and neither in the proletariat but was in other social class: the new middle class. The case of teaching profession was object for these questions around the non-manual work in the bourgeoisie society. Otherwise teaching activities is also investigated for the gender studies, because there is a huge women presence, as well as a correlation of "female skills" in this professional career. In Brazil, the magisterium feminization is a fact that until exists, this will be discuss through sexual division of work for mapping the female labour force and the woman in the classes society. But that, this research intend to bring data for a small sample of the professors from basic education in S達o Paulo and challenge with official datas during the 2010 until 2012, for mobilize an empiric analysis with a theory discussion.. Keywords: Teaching Profession, Classes Relations, Gender Relations.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 9 CAPITULO I: RELAÇÕES DE CLASSE E TRABALHO DOCENTE...........................13 1.1. RELAÇÕES DE CLASSE E LUTA DE CLASSES .........................................................13 1.2. INSERÇÃO DE CLASSE DOS TRABALHADORES NÃO-MANUAIS.......................19 1.3. O TRABALHO DOCENTE..............................................................................................22 CAPITULO II: RELAÇÕES DE GENERO, CLASSE E TRABALHO DOCENTE......27 2.1. RELAÇÕES DE GÊNERO E CLASSE: A MULHER NA SOCIEDADE DE CLASSES..................................................................................................................................27 2.2. FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO E TRABALHO DOCENTE NO BRASIL (20102013).........................................................................................................................................37 CAPITULO
III:
TRABALHO
DOCENTE
E
GÊNERO
NA
EDUCAÇÃO
BÁSICA....................................................................................................................................45 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................61 REFERÊNCIAS......................................................................................................................64
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INTRODUÇÃO A instituição escolar é lugar conhecido para a maioria das pessoas que vivem na sociedade burguesa moderna. É por meio dela que se acessa o conhecimento acumulado pela humanidade. As relações que ali se engendram têm a figura do professor como mediador desse saber e a formação de crianças, jovens e adultos para desempenhar papéis sociais. Além disso, a educação foi uma das bandeiras levantadas na Revolução Francesa como direito social a ser assegurado através do Estado, a retirando da tutela da Igreja. Assim, surgem as escolas públicas, o que não foi empecilho para que surgissem também as escolas privadas. A escola, sendo pública ou privada, é também local de trabalho onde os professores são trabalhadores assalariados. A docência toma novos impulsos e se desenvolve enquanto ocupação profissional no regime capitalista de produção: o processo de trabalho escolar caminhou junto com o surgimento da sociedade burguesa moderna. No debate da Sociologia do Trabalho, particularmente na tradição marxista, há uma polêmica no que se refere à inserção de classe dos trabalhadores não-manuais. Estes trabalhadores, segundo alguns autores, são mais próximos à pequena-burguesia do que ao proletariado. Isso se caracteriza por uma tendência em que o trabalho intelectual, em inúmeros casos, não está diretamente ligado à produção de mercadorias e ao processo de trabalho que é submetido à extração direta da mais-valia; mas estaria relacionado a postos de trabalho de maior prestígio social e autoridade, além de ainda resguardarem a autonomia no processo de trabalho. Desse modo, essa cisão entre trabalho manual e não-manual corresponderia a um dos aspectos primordiais para a inserção de classe dos agentes sociais. No entanto, essa divisão entre o manual e o intelectual nas profissões está cada vez mais tênue, uma vez que o processo de racionalização e controle no processo de trabalho está se tornando um fenômeno generalizado na sociedade burguesa e influenciando as condições de trabalho seja dos trabalhadores manuais seja dos trabalhadores não-manuais. Sendo assim, podemos observar um maior índice de precarização do trabalho em diversas profissões. A partir dessa discussão podemos apontar duas grandes polarizações teóricas: os que defendem a teoria de classes e os que alegam que esta tradição teórica não é suficiente enquanto categoria analítica para a investigação da sociedade atual. O trabalho docente foi objeto desses estudos, sendo envolvido por inúmeras polêmicas, ainda não resolvidas, nem concluídas, mas confrontando esses estudiosos a pensar
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o processo de trabalho na escola, dando fôlego à produção acadêmica da sociologia do trabalho e da educação. O caso do professorado se tornou pauta desse debate por ser um trabalho intelectual, mas que vem adquirindo algumas características que podem ser facilmente aproximadas ao trabalho manual. Por exemplo, a maior racionalização e controle do seu processo de trabalho com a inserção de matrizes curriculares assim como os materiais didáticos. Além disso, do ponto de vista das relações de enfrentamento político, pudemos observar, nos últimos anos, algumas greves do professorado da rede pública estadual, tendo como reinvindicação primordial “melhores condições de trabalho”, tais como: a manutenção de contratos de trabalho, aumento salarial, melhor plano de carreira, etc. Ora, são reinvindicações semelhantes (se não iguais) às pautas oriundas dos denominados trabalhadores manuais. Seria necessário, portanto, discutir a teoria da luta de classes tendo em vista a essas situações específicas de algumas profissões, complefixando ainda mais a teoria marxista. Por outro lado, há os que defendem que o conceito de classes sociais não corresponde mais um elemento de análise coerente com o contexto atual. Desse modo, neste trabalho será apresentado esse debate de maneira que a argumentação central coadune com a defesa da teoria das classes enquanto elemento analítico necessário para refletir a sociedade burguesa atual. Conjuntamente aos estudos da Sociologia do Trabalho, a categoria docente também é objeto de análise nos Estudos de Gênero, sua investigação ainda é recente e por isso ainda pouco presente nos estudos brasileiros sobre educação (Vianna, 2001). Partindo do fato de que o trabalho docente no Brasil, e principalmente na educação básica, é ocupado mais por mulheres do que por homens, estudar as relações de gênero nessa profissão se tornou necessário. Uma vez que o mundo do trabalho é espaço privilegiado de um determinado sexo, no caso o homem, tendo maiores chances de empregabilidade e melhores salários do que as mulheres; já estas o “segundo sexo”, são marginalizadas e submetidas a ocupar outros tipos de atividade que em sua maioria se relacionam à esfera doméstica, ocupando cargos de menor prestígio social que realcem suas habilidades enquanto guardiã do lar e da família. Assim, a questão central a ser investigada é porque o trabalho docente seria reduto do sexo feminino enquanto força de trabalho sendo que isso não é realidade de outras categorias profissionais.
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Nas últimas décadas, profissões desvalorizadas, atreladas aos trabalhos domésticos e à maternidade passam por um processo de maior racionalização do trabalho e são aquelas que têm como força de trabalho as mulheres. Empregos instáveis e com baixa remuneração são ocupações que cada vez mais as mulheres vêm assumindo no mercado de trabalho atual. Dessa forma, é possível afirmar que o fator gênero influencia o acesso a postos de maior ou menor prestígio no mercado de trabalho e a valorização ou não de um determinado emprego. Desse modo, o tema proposto nesta pesquisa será analisado e discutido a partir da tese da proletarização, a qual discute o processo de trabalho e valorização do capital, além do exame das condições que os/as trabalhadores/as estão inseridos na divisão técnica e social do trabalho tendo em vista o debate sobre a estrutura de classes. O estudo também parte da ótica das relações de gênero, que traz a reflexão sobre o sexo enquanto diferenciador social, sobretudo com aspectos ligados à situação da mulher na sociedade de classes. Também será objetivo de análise a força de trabalho feminina tendo como pressuposto os estudos da divisão sexual do trabalho. Assim sendo, a ideia é articular as questões de classe e de gênero que envolvem o trabalho docente. A escolha desse tema surgiu devido a minha experiência em atividades da minha trajetória acadêmica no âmbito de projetos como monitora nas unidades curriculares da Licenciatura realizando um projeto de extensão na escola pública; bolsista do PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência), além das discussões que participei do GEEJA (Grupo de Estudos sobre Educação de Jovens e Adultos), realizando um projeto de extensão junto aos educadores do Movimento de Alfabetização
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MOVA/Guarulhos; e a participação no GEPECSO (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação e Classes Sociais) que possibilitou maior inserção no meu tema de pesquisa. Esse conjunto de situações fez com que me aproximasse da instituição escolar e do trabalho docente como campo teórico de análise. A opção por trabalhar com conceitos da teoria marxista e com os conceitos da teoria feminista-marxista é tanto política como teórica. A produção teórica que esses pensamentos trazem é de que o contexto da sociedade de classes e da dominação masculina devem ser entendidos, para além de suas formas aparentes, e superados enquanto modelo de vida. É necessário ressaltar que o tema aqui pesquisado se encontra em um momento de ampla efervescência teórica, de modo que está em constante discussão com análises cada vez mais complexas, o que torna difícil sistematizar todo o debate que o envolve assim como tomar qualquer conclusão acerca do objeto pesquisado. Desse modo, a pretensão é contribuir
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na sistematização de uma parte desse debate, além de possibilitar de alguma maneira o exercício de uma investigação empírica (com uma pequena amostra e levantamento de dados estatísticos oficiais) deste tema na atualidade. A partir das considerações trazidas pelos estudos, algumas questões são colocadas em debate de forma geral: É possível afirmar a existência de um processo de proletarização na categoria docente? A categoria docente teria seu posicionamento em qual classe social? Mais do que isso, este processo é mais acentuado em mulheres do que em homens? Sendo o trabalho docente predominantemente feminino, é possível afirmar que o gênero opera como elemento diferenciador da força de trabalho nesta categoria? Para tentar desenvolver essas questões, em um primeiro momento foi feito um levantamento bibliográfico na Sociologia do Trabalho que envolvesse as discussões sobre luta de classes e inserção dos agentes sociais nas classes sociais; assim como uma bibliografia específica que discuta a situação da mulher enquanto sexo/gênero e como força de trabalho; e estudos específicos e estatísticos sobre o trabalho docente no Brasil. Além disso, fizeram parte inúmeras observações da sala de aula, e a análise do questionário da pesquisa “Condições de trabalho e relações de classe dos professores da educação básica em Guarulhos-SP”, desenvolvida pelo GEPECSO, sob a coordenação do prof. Davisson C. C. de Souza. Esta pesquisa coletiva tem como principal objetivo fazer um levantamento de dados estatísticos das condições de trabalho e dos posicionamentos políticoideológicos dos professores da rede básica de ensino. Ao todo foram utilizados 19 questionários do pré-teste realizado com professores e professoras da educação básica. O texto está dividido em três capítulos: 1) Relações de Classe e Trabalho Docente, o qual desenvolve a discussão acerca da inserção de classe da categoria docente da rede básica a partir da teoria da luta de classes, além de apresentar a polêmica teórica que envolve a inserção de classe dos trabalhadores não-manuais; 2) Relações de gênero e Trabalho Docente, que debate a educação enquanto gueto feminino profissional além de mobilizar os conceitos da divisão sexual do trabalho e a feminização do magistério trazendo dados estatísticos do Censo Escolar 2012, Censo Domiciliar 2010 e PNAD 2011, além de pesquisas estatísticas específicas sobre a mulher brasileira; e 3) Trabalho Docente e gênero na educação básica, que faz a análise dos dados coletados com 19 professores/as da educação básica.
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Capítulo 1: Relações de Classe e o Trabalho Docente
1.1. Relações de classes e Luta de Classes A teoria do valor-trabalho de Marx está intimamente ligada à análise da exploração do trabalho na sociedade de classes. Nesse sentido, é possível afirmar que as relações sociais de produção se traduzem em relações de classe forjadas pelo modo de produção capitalista, constituindo na sociedade burguesa moderna a disputa entre a classe burguesa (dominante) e a classe trabalhadora (dominada). No entanto, essa disputa pode ser considerada inicialmente em um empreendimento da classe burguesa contra a classe trabalhadora. Assim, o que acontece, em última instância, é a tentativa da burguesia, através das relações sociais de produção, produzir capital e influenciar todas as esferas da vida para concretizar a acumulação de capital. O debate sobre a problemática das classes sociais na sociedade contemporânea é alvo de inúmeras críticas e polêmicas acerca da teoria marxista. Isso ocorre primeiramente por teóricos que advogam o fim das classes sociais e, consequentemente julgam que a análise de classes é insuficiente diante das modificações ocorridas na sociedade, mais especificamente nas mudanças da estrutura sócio profissional. Essa abordagem concebe seus estudos pautando-se na ideia de sociedade pós-industrial e de novos movimentos sociais, tendo Daniel Bell e Claus Offe, respectivamente em cada conceito, como autores importantes dessa corrente teórica. Segundo essa matriz teórica, a sociedade pós-industrial é a formação social que substitui a sociedade industrial de classes, sua argumentação se baseia na mudança da estrutura sócio ocupacional: o trabalho fabril estaria diminuindo enquanto que o trabalho em serviços seria majoritário, aumentando cada vez mais. Com isso a sociedade não mais se basearia na produção de mercadorias na indústria, mas na produção de informação e circulação de produtos, tendo mais trabalhadores em escritórios do que nas fábricas. Sendo assim, eles afirmam a extinção do proletariado enquanto sujeito histórico e sua troca por esses trabalhadores não-manuais, novo sujeito histórico. Essa ideia também assume que a contradição entre capital e trabalho não é coerente, o conflito social fundamental teria como cerne a disputa pela informação e pela técnica, ambas oriundas da produção científica, a qual seria o alvo do conflito entres esses novos trabalhadores.
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A concepção da sociedade pós-industrial tem como ideia geral o fim da luta de classes além de endossar a teoria sociológica dos novos movimentos sociais, a qual tem como princípio a defesa de que os conflitos e os atores sociais não mais partem de uma demanda para enfrentar as mazelas das condições de trabalho, mas, antes de tudo, reclamar aspectos étnicos, identitários, culturais, ambientais, sem ter em vista a contradição entre o capital e o trabalho. Com isso, surgem os novos sujeitos históricos que ao não serem da classe operária e nem da burguesia forjam uma nova classe: a classe média. Esses “novos” agentes sociais não teriam como projeto histórico o fim da contradição entre trabalho e capital, mas reclamariam aspectos culturais, simbólicos, etc. Dentro dessa perspectiva, estes autores querem romper com a problemática teórica marxista das classes sociais, e com noção de trabalho e de luta de classes. A proposição de que estaríamos na era da sociedade pós-industrial adverte o surgimento de uma “nova classe” e a diluição das classes fundamentais (classe trabalhadora e classe burguesa) outrora forjadas por Marx, como se houvesse passado o aburguesamento no mundo. Pois, com o deslocamento dos postos de trabalho no sentido da fábrica para o setor de serviços, surgiria uma nova organização política, e desse modo, para autores como Offe, a classe operária teria diminuído, enquanto que os novos trabalhadores (em sua maioria no setor de serviços), assalariados nãomanuais, se aproximariam ideologicamente mais da burguesia do que com o operariado, assalariados manuais. Contudo, uma leitura atenta da obra marxista encontra no “Capítulo VI inédito de O Capital” a menção sobre a capacidade do modo de produção capitalista em criar modalidades ocupacionais diversificadas para seu desenvolvimento, cito: “A formação constante de novos tipos de trabalho, esta variação incessante – que corresponde à diversidade dos valores de uso e, portanto, é também um desenvolvimento real do valor de troca – e daí a crescente divisão do trabalho no conjunto da sociedade só são possíveis com o modo de produção capitalista.” (MARX, 1964, pp. 104)
De acordo com esta citação, a afirmativa do aumento do ramo de serviços não invalida a teoria do valor-trabalho de Marx, além de ser um dos elementos que a compõe. Portanto, a primeira ressalva a se fazer é que, mesmo com outras categorias sócio ocupacionais sendo majoritárias, como as do setor de serviços, isso não significa que a sociedade não seja mais capitalista, ou que não se baseia na produção de mercadorias, pelo contrário, o autor já tinha apontado em sua investigação que novos tipos de trabalho iriam compor o quadro de empregos.
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Ainda em oposição aos teóricos que alegam o fim das classes sociais, Daniel Bensaid sistematiza sua crítica em relação a esses autores que, segundo ele, entendem de maneira errada a teoria marxista, cometendo confusões epistemológicas sobre a análise de classes. Neste caso, tratarei do pensamento desse autor para apresentar a importância da teoria de classes e sua estrutura analítica a fim de responder ao debate que defende “o fim das classes sociais”. É preciso mencionar, antes de tudo, que a teoria de Marx é lançada, sobremaneira, na investigação das relações sociais, portanto, a primeira coisa a se afirmar é que classe social é um conceito relacional, não podendo ser uma definição estática que tem aquele ou outro elemento ideal, mas é um nó que constantemente está em movimento e se constrói a partir do contexto em que é pesquisado. Isso não corresponde negar que as classes sociais não tenham uma estrutura conceitual da qual se possa partir, pelo contrário, as relações de classe se constituem a partir das relações de produção construídas ao longo da história através da luta de classes. Desse modo, a primeira crítica formulada por Bensaid corresponde a questionar a maneira que esses pensadores realocam os princípios da tradição sociológica positivista para analisar a teoria da luta de classes. Pois, a teoria marxista quando invadida com críticas originárias da sociologia clássica, se utiliza de métodos positivistas e não do materialismo histórico-dialético, o qual é estruturante no pensamento marxista. Com essa consideração, para se entender o que configura uma determinada classe social também necessita se desvencilhar de concepções da sociologia clássica. Assim, classe não é um jogo estático de definições e classificações, mas sim uma totalidade relacional e não uma simples soma de indivíduos em algum grupo social. Não há classe senão na relação conflitual com outras classes: o proletariado só o é em relação à burguesia. Neste primeiro momento, podemos ver a confusão dos adeptos da sociedade pósindustrial, que definem as classes a partir de elementos isolados. Por exemplo, tentam definir a classe segundo a renda, ou atreladas a alguns aspectos políticos/ideológicos e até mesmo ao status social das categorias sócio profissionais. Isso só viraria uma assertiva se a posição na estrutura social de cada sujeito fosse igual na estratificação social, o que não é o caso. De outro modo, é preciso não confundir classe social com representação político-ideológica ou utilizar somente este aspecto a fim de concluir esta definição.
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Na verdade, esse debate é uma das grandes polêmicas atuais sobre as classes sociais e a inserção de classe de alguns tipos de profissões contemporâneas, as quais, no geral, são profissões do setor de serviços, que comumente lidam com o trabalho não-manual (intelectual), mas que de alguma maneira tem seu processo de trabalho com alguns aspectos semelhantes aos dos trabalhadores manuais, como por exemplo o trabalho docente na educação básica, objeto desse estudo. Todavia, é importante ressaltar que a investigação classista não pode ser limitada à análise das categorias sócio profissionais, pois classe não é profissão. E muitos estudiosos negligenciam essa condição da estrutura de classes, tentando investigar as classes sociais de acordo com as condições e o tipo de trabalho que inúmeras profissões assumem atualmente. Como dito anteriormente, as classes sociais não são estáticas, imóveis, repositórios deste ou daquele elemento, nem a soma de indivíduos em um determinado grupo social, ou profissional, mas um conjunto de elementos que se emaranham concretamente na história a partir do conflito (ou não) com o capital. As classes sociais sofreram mudanças com o desenvolvimento do modo de produção capitalista no decorrer deste século. É bem verdade que a sociedade burguesa dividida em classes possui a capacidade de se adaptar e se desenvolver durante seus períodos de crise econômica tendo como saída a reestruturação produtiva de tempos em tempos. Acerca disso, Gramsci nos deixou seu legado marxista de modo que pudéssemos compreender as novas formas que o sistema capitalista consegue se desenvolver a fim de se perpetuar, de maneira que outras crises não eclodam e não enfraqueçam a estrutura de classes. As reestruturações produtivas como a taylorista, fordista e atualmente a toyotista, são necessárias para promover a rearticulação do processo de produção, forjando diferentes tipos de organização para aprimoramento da valorização do capital e para promover a desarticulação política da classe trabalhadora. Isso só seria possível na medida em que, por coerção e consenso, a potência de luta política da classe trabalhadora estivesse amenizada por meio dessa reorganização do processo de produção. O fordismo claramente trouxe mudanças nas relações de produção fazendo com que o trabalhador seguisse o ritmo da máquina se alinhando perfeitamente com o sistema taylorista. Isso significa em uma precisão na exploração da força de trabalho resultando em mais lucro empresarial e no açoitamento nas organizações de trabalhadores. Isso fica claro quando o sistema fordista consegue aliar o controle do processo de trabalho junto com o envolvimento do trabalhador em “benefícios” que visam o grau de sua produtividade, como por exemplo, os
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altos salários – one five dolar day. Assim sendo, a classe dominante omitia a subjugação que a classe operária se encontrava por meio desses benefícios: os patrões operavam através do consentimento de seus subalternos, incorporando-os na lógica empresarial. Os “benefícios” que Ford colocava a disposição em sua indústria tinha um papel elementar na constituição da personalidade do trabalhador e suas formas de luta coletiva: aumentava entre os operários o grau de competividade e individualismo e, por isso, implicava de modo nocivo na organização combativa da classe trabalhadora. Pois, para a classe trabalhadora alcançar “melhores salários” bastava cumprir seu papel enquanto trabalhador eficiente e produtivo e isso dependia de cada qual em seu lugar frente à linha de produção. O sindicato deveria se tornar apenas um grupo de produção, repartição e de negociação (Tude,1992). Conjuntamente, há a emergência de um quadro novo de empregados, os técnicos e gestionários, a gerência científica, possuindo uma situação “intermediária”: não é nem o operário e nem o dono da empresa, porém se situam com autoridade e poder, regulamentando o controle dentro da fábrica. Eles são fundamentais para amenizar a presença rigorosa e centralizadora do “único patrão”, a sensação que este grupo de empregados passa é de um processo de descentralização e possibilidade de ascensão por meio de méritos que podem ser alcançados por todos ali que “vestem a camisa da empresa”. Essa divisão técnica do trabalho, entre direção, supervisão e execução é expressão das relações políticas entre a classe trabalhadora e classe capitalista. O que Gramsci demonstra de maneira virtuosa é que para além de uma transformação de cunho econômico-material há, sobretudo, uma mudança de caráter moral-intelectual que vai se disseminando de maneira rasteira na classe trabalhadora, enquanto esta permanece “iludida” pela Era Fordista. A ideia central é apontar que todo modo de produção é modo de vida, modo de produzir a vida e, sendo assim, uma reorganização no processo de trabalho/nas relações de produção implica novas formas de se viver, de existir enquanto produtor e enquanto consumidor. Em outras palavras, a recomposição no processo de produção dos meios de sobrevivência social só se sustenta junto com uma nova ética coletiva de entendimento do mundo. Portanto, se faz necessário o surgimento de um novo tipo de trabalhador(a). Contudo, pode surgir a ideia de que com as reestruturações produtivas, a burguesia conseguiria de alguma maneira aniquilar a luta de classes e consequentemente teria o fim das
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classes sociais. Para não se cair nessa fatalidade, a estrutura de classes precisa ser apresentada de modo que esse discurso seja corrigido. Primeiramente, como só há classes porque há luta de classes fica evidente que as relações de classe são dialéticas, portanto, contraditórias e combinadas, e se ainda há a burguesia ainda existe o proletariado. E se a sociedade ainda é capitalista, ou seja, a sociedade é baseada na produção de mercadorias, a divisão social do trabalho entre os que possuem os meios de produção e os que não possuem ainda persiste polarizando os agentes sociais na base das relações de produção. Todavia, seria equivocado traçar a classe trabalhadora apenas tendo como característica a composição dos trabalhadores assalariados. Mas não seria engano para definição daquele que compõe a classe trabalhadora tivesse como ponto de partida a seguinte condição: é aquele que nada possui além da sua força de trabalho para vender em troca da sua subsistência (Braverman, 1980). De todo modo, o fenômeno do trabalho assalariado se estendeu para todas as profissões no modo de produção capitalista, mas é certo que para o capitalista o recebimento do salário não é a sua condição para subsistir. Partindo dessa qualidade estática, temos como pressuposto que a sociedade baseada na produção de mercadorias transforma o trabalho também em mercadoria. Ou seja, também é alvo da acumulação capitalista. Em outras palavras, a mercadoria, como forma fundamental do modo de produção capitalista, enseja uma nova forma dos seres humanos se relacionarem: os agentes sociais pertencem, em ultimo caso, a duas classes sociais, a relação social criada pelo capitalismo é que através das relações de produção este se torne trabalhador/proletário e aquele se torne capitalista. Não podemos deixar de fazer referência que apesar das classes sociais estarem, em ultima instância, fundamentalmente polarizadas entre a burguesia e a classe trabalhadora, há frações de classes que envolvem as duas classes fundamentais. Sobre esta afirmação, cito Henri Lefebvre: “(...) as classes polarizadas, em luta e conflito, não deixam de constituir uma unidade. Esta unidade recebe uma denominação geral (a ‘sociedade’), uma denominação particular (a nação) ou uma denominação singular (a divisão dos trabalhos complementares nas unidades de produção). Os conflitos permitem-nos acentuar a unidade; reciprocamente, desde que acentuamos a unidade, devemos elucidar sua essência conflitiva. A constelação de classes e frações de classe, isto é, a estrutura da sociedade, muda com a conjuntura. Marx, em Revolução e Contra-Revolução na Alemanha, enumera oito classes: senhores feudais, burguesia, pequena burguesia, campesinato grande e médio, pequenos camponeses, servos, operários agrícolas, operários industriais. No entanto, A Luta de Classes na França enumera sete classes: burguesia financeira, burguesia industrial, burguesia mercantil, pequena burguesia, camponeses, proletariado, e baixo proletariado. Isto quer dizer que por volta de uma mesma data (1848), a estrutura social de duas sociedades desigualmente desenvolvidas e situadas no caminho do
19 capitalismo, difere notavelmente. A análise estrutural deve dar margem ao conjuntural, o qual se insere no histórico” (LEFEBVRE, 1968, pp. 87)
Em suma, as classes sociais representam uma relação social de exploração, esta desempenhada pela apropriação do esforço de trabalho alheio que resulta em benefícios econômicos do grupo que o explora. Essa apropriação do trabalho alheio requer controle e direção na organização social da produção (Santos, 2008). Desse modo, a divisão social do trabalho está intimamente ligada a divisão técnica do trabalho de tal forma que a cisão entre o trabalho manual e intelectual realça a exploração de uma classe sobre a outra.
1.2. A inserção de classe dos trabalhadores não-manuais Para alguns pensadores da tradição marxista, o assalariamento era encarado como fonte primeira para se inserir os agentes sociais na classe trabalhadora e no proletariado. Percorrendo a teoria de classes, muitos autores marxistas se depararam com a necessidade de ir além dessa afirmação. Ao lado disso, inúmeras teorias contrárias ao marxismo questionaram essa característica do trabalhador assalariado trazendo à tona as questões político e ideológicas que envolvem os assalariados não-manuais. Nesse sentido, o aumento do setor de serviços e dos trabalhadores não-manuais, na condição de assalariados, resultou para o debate das relações de classe algumas direções sobre a inserção de classe desses assalariados: estariam próximos ou da burguesia ou do proletariado ou seriam uma nova classe (Trópia, 2007). Essas leituras tentam de alguma maneira questionar o alinhamento dos aspectos sócio econômicos e aspectos político e ideológicos desses agentes sociais. Os estudiosos que priorizam a discussão dos trabalhadores não-manuais se baseiam , sobretudo, na teoria weberiana das classes sociais. Desse modo, o discurso predominante sobre os assalariados não-manuais diante dessa ótica, é sua inserção na chamada nova classe média. Ou seja, as duas classes fundamentais (burguesia e proletariado) não suportaria a complexidade trazida pelo mundo moderno e nesse processo surgiria uma nova composição de classe social. Tendo autores como Mills e Lockwood, a tese central defendida por eles é que pela situação de trabalho e a busca de status social colocariam os assalariados nãomanuais em uma nova classe social: a classe média. A situação do trabalho explora tanto a situação de classe (rendimento) quanto a situação de status (prestígio) desses assalariados que são denominados de colarinho branco. Partindo dessa concepção teórica, a leitura sobre o posicionamento de classe é a seguinte: os colarinhos brancos se aproximariam dos operários
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no que se refere à propriedade, ou seja, ambos são não-proprietários, mas se distanciariam pela situação de trabalho e status, pois diferentemente do operariado, os assalariados nãomanuais travariam uma luta pela mudança ou permanência em determinada situação de status, carregando isso como aspecto ideológico (Trópia, 2007). Com outra proposta teórica, autores marxistas como Harry Braverman entram nesse debate. Ao analisar o trabalho produtivo e improdutivo, este autor aponta que a divisão entre o trabalho manual e intelectual se torna tênue, uma vez que os assalariados não-manuais tem seu processo de trabalho subjugado a aspectos degradantes que já estavam presentes no trabalho manual: perda da autonomia, rotinização e trabalho simples. Nesse sentido, Braverman amplia o que seria o proletariado apontando que trabalho manual e intelectual estão cada vez mais semelhantes no que diz respeito às péssimas condições de trabalho e a perda da autonomia no processo de trabalho. Antes de aprofundar a discussão de Braverman, seria necessário apresentar os conceitos de trabalho produtivo e improdutivo desenvolvidos por Marx. Essa clivagem faz com que possamos diferenciar o trabalhador que produz mais-valia daquele que simplesmente o conserva. No “Capítulo VI inédito do Capital”, Marx aponta o exemplo do professor (trabalho imaterial/intelectual), que pode desempenhar tanto o trabalho produtivo como o improdutivo, sendo que a diferença está para quem ele vende sua força de trabalho: se é para a empresa capitalista (escola particular) ou para o Estado (escola pública), no primeiro caso corresponderia ao trabalho produtivo e no segundo ao trabalho improdutivo. Dessa forma, o que Marx quer esclarecer é que não importa para a produção capitalista se o trabalho é material ou imaterial, mas é relevante observar se o processo de trabalho implica a produção de mais-valia. Assim, podemos afirmar que todo trabalhador produtivo é assalariado, mas nem todo assalariado é produtivo. A diferença primordial é quando o capital “troca” seu trabalho por renda, o dinheiro neste caso funciona como meio de circulação e não como capital investido, o que torna esta compra da força de trabalho apenas como um serviço. De outro modo, podemos dar outro exemplo: o operário também compra serviços, o que representa gasto de dinheiro e não transformação do dinheiro em capital. Portanto, a produção capitalista envolve tanto o processo de trabalho assim como o processo de valorização do capital. Não é suficiente apenas caracterizar o trabalho como manual ou material para que este seja produtor da mais-valia, mas sim se o processo de
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trabalho está submetido ou não a uma empresa capitalista. Em outras palavras, é trabalho produtivo quando a compra da força de trabalho alheia resulta na produção de mais-valia, e é trabalho improdutivo quando a compra da força de trabalho alheia se encontra na esfera da circulação e consumo, quando é trocada apenas pelo seu valor-de-uso (utilidade) e não pelo seu valor-de-troca (criação de valor) (Cavalcante, 2009).
Nesse sentido, o conteúdo do
trabalho não é fator principal no processo de proletarização dos agentes sociais. Tendo como base a argumentação de Braverman, a divisão entre o trabalho manual e não-manual culminou na parcelarização do processo do trabalho entre a concepção e a execução, tornando-se evidente quando nasce a gerência científica nas grandes indústrias. Os postos de trabalho “não-manual”, no contexto da consolidação da sociedade de classes, se configuraram através dos cargos administrativos das grandes empresas, representando, muitas vezes, em funções de autoridade e controle dos demais empregados, como a direção e supervisão do processo de trabalho. É dessa forma que há o aumento de ocupações no setor de serviços, a partir da organização administrativa e política da empresa capitalista. Portanto, essa cisão estabelecida entre trabalho manual e não-manual colabora para que haja uma hierarquia na estrutura ocupacional além de desempenhar graus diferentes de autoridade entre os trabalhadores. Impulsiona a fragmentação entre os que vendem sua força de trabalho e colabora para que funcionários estejam mais relacionados ao patronato e se reconheçam com mais status social do que aqueles que ocupam postos do trabalho manual. Outro autor de destaque nesse debate é Nicolas Poulantzas o qual tenta empreender um escopo conceitual que complexifique a análise de classes de um ponto de vista estrutural. Para desmistificar a crítica de que a teoria de classes é meramente economicista, este autor trama em sua teoria a discussão sobre os aspectos políticos e ideológicos que compõe os assalariados não-manuais. Diferente dos autores da tradição weberiana, Poulantzas denomina esses assalariados como sendo um desdobramento da pequena burguesia tradicional, inserindo-os na nova pequena burguesia. Seria uma classe intermediária que ao mesmo tempo se distancia e se aproxima das duas classes fundamentais, sendo que sua inserção de classe dependeria da conjuntura, ou seja, da luta de classes. Para Poulantzas, as relações políticas e ideológicas são decisivas para determinar o pertencimento de classe. Em poucas palavras, as relações políticas podem ser verificadas na divisão técnica do trabalho, na qual há a separação entre execução, supervisão e direção do
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trabalho; e as ideológicas podem ser atreladas à separação entre o trabalho manual e nãomanual. Nesse sentido, o trabalho de direção e de supervisão são expressões da relação política entre classe operária e classe capitalista, o grau de autoridade e dominação que cada agente possui no processo de trabalho reproduz de algum modo as relações de produção. A separação entre trabalho manual e não-manual é fundamental para a reprodução das relações de produção, essa divisão está relacionada ao monopólio do saber, sendo portanto um dos elementos importantes para se pensar os trabalhadores não-manuais. A apropriação capitalista dos conhecimentos científicos produz “aqueles que não sabem” na relação de subordinação “daqueles que sabem”, assim verifica-se os seguintes desdobramentos: monopólio do saber, hierarquia entre os salários, falsa mobilidade social entre a classe trabalhadora. A tese de Poulantzas passou por algumas críticas, uma das quais é pelo fato de colocar a questão da ideologia e da política sendo fundamental apesar das injunções econômicas. De todo modo, o que o autor marxista evidenciou é que os assalariados não-manuais possuem em sua constituição de classe, novos determinantes que precisam ser estudadas e dialogadas com a teoria das classes de maneira não simplista e dogmática. E, sobretudo, apontar que a estrutura de classes também depende das relações politicas e ideológicas. Inserindo-se nesse debate, um autor marxista brasileiro, Décio Saes, não concorda com o raciocínio de Poulantzas em posicionar esses assalariados na chamada nova pequena burguesia. Para ele, os assalariados não-manuais estão localizados na chamada classe média. Essa afirmação se baseia no aspecto ideológico da meritocracia, a qual é compartilhada entre esses agentes apesar da sua condição de assalariados e das condições de trabalho em que estão submetidos. A meritocracia para esse conjunto de trabalhadores seria necessário para afirmar seu posicionamento de classe e os diferenciar da classe trabalhadora.
1.3. O Trabalho Docente Trazendo o debate para o trabalho docente, vamos examinar as relações de trabalho em que o professorado se encontra e dialogar com os estudos sobre este tema a partir da realidade brasileira. Primeiramente, se faz necessário saber para “quem” o professorado vende sua força de trabalho, já que são assalariados. De acordo com o Censo Escolar de 2012, a educação básica tem seus estabelecimentos predominantemente na esfera pública (17.924 unidades), sendo que
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as escolas particulares compõem 35% (9.873 unidades) dos estabelecimentos de ensino. Esse primeiro aspecto permite afirmar que os docentes, enquanto assalariados não-manuais, encontram-se, sobretudo, como empregados pelo Estado e não a uma empresa capitalista, ou seja, de acordo com a estrutura de classes, o trabalho docente majoritariamente se apresenta em um processo de trabalho improdutivo, não-material e imaterial. Contudo, é relevante que na mesma ocupação, o assalariado possui duas condições de processo de trabalho distintas, uma atrelada ao trabalho produtivo e outra ao trabalho improdutivo. Representa que o professorado não é uma ocupação com condições homogêneas, apesar de seu trabalho ser não-manual. Outro aspecto importante é que a categoria docente nos últimos anos realizou algumas greves tendo como pauta: melhores condições salariais, redução da jornada de trabalho de acordo com o piso salarial, fim da categoria temporária que divide o professorado, redução do numero de alunos por sala, etc.1. Assim sendo, de acordo com suas reivindicações, os docentes estão divididos em duas categorias: os efetivos e os temporários (eventuais e ocupantes de função ativa – OFA). Essa separação implica em condições de trabalho diferenciadas, o que culminou em um ato somente da categoria “O” para equidade de direitos trabalhistas dos efetivos em 2013. É de se destacar que ao todo são 10.390.553 de matrículas no Estado de São Paulo (Censo Escolar 2012), representando a forte expansão do ensino básico nas últimas décadas. Consequentemente, a política educacional do governo paulista fora criar a categoria de temporários para suprir imediatamente a “falta” de professores nas salas de aula. Na bibliografia levantada, a indicação é de que o professorado pertence às classes médias, outros tendem a inclui-los no proletariado e alguns também os inserem em uma posição de classe ambivalente (entre a burguesia e o proletariado) (Apple, 1988, 1987; Hypólito, 1997; Saes, 1984, 2005; Lawn e Ozga, Enguita, Hypólito, 1991). No entanto, o debate acima apresentado sobre a inserção de classe dos assalariados não-manuais precisa ser minimamente contextualizado a partir do marco histórico que estamos vivendo na sociedade de classes. Como bem postulado por Gramsci, o modo de
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Informações referentes aos informativos lançados pela APEOESP no ano de 2013, em que foi realizada uma greve estadual.
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produção capitalista tem a necessidade de passar pelas reestruturações produtivas. Neste momento, de acordo com Dalila Oliveira, podemos afirmar que vivemos no neoliberalismo e a educação passa por uma reestruturação educativa. De forma geral, o neoliberalismo tem como característica a flexibilização das relações de trabalho, tais como aumento do trabalho temporário, instabilidade, parcialidade e terceirização do trabalho, aumento do desemprego, intensificação da jornada e ritmo do trabalho. Dessa maneira, percebemos que o “novo professor” tem de responder as demandas neoliberais, principalmente encabeçadas pelo financiamento do Banco Mundial para América Latina. O controle do processo de trabalho é um dos fatores fundamentais para se pensar o processo de proletarização e a condição de ser ou não pertencente à classe trabalhadora. Nesse sentido, o trabalho na escola vem passando por mudanças que aumenta cada vez mais a racionalização do processo de trabalho do professor. Alguns exemplos podem ser dados como a implementação de materiais didáticos governamentais, avaliações externas dos órgãos oficiais, aumento de supervisão a partir da direção e coordenação da escola (Cação, 2007). Os quais devem ser examinados rigorosamente no processo de trabalho na escola como um fenômeno ainda recente e pouco explorado. Acerca disso, o autor Michael Apple se insere nessa discussão problematizando a investigação sobre métodos e conteúdos na prática educativa do professorado, ele parte da concepção que o ensino é processo de trabalho, mas que tem suas especificidades por ocorrer na escola, e diante do contexto atual, em termos bravermanianos, o trabalho na escola vem passando pelos arranjos capitalistas da degradação do trabalho. Essa condição está impulsionando que o planejamento e a determinação do currículo escolar seja do controle de funcionários administrativos retirando essa prerrogativa das mãos do professorado, o que pode de algum modo corresponder também a sua mudança na prática pedagógica. Há uma gama de legislação de âmbito nacional elaborando testes, avaliações e materiais didáticos a fim de monitorar o processo de trabalho nas escolas. Este autor ainda problematiza que o trabalho docente pelo fato de ser um trabalho de mulheres, está mais suscetível aos processos de desqualificação e desvalorização profissional, sendo esta situação generalizada em outros tipos de ocupações que tem como principal força de trabalho a mulher.
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De outro modo, Apple problematiza a questão da autonomia do trabalho docente em sala de aula, ele parte de alguns exemplos empíricos de casos de docentes nas escolas públicas nos Estados Unidos, os quais, mesmo tendo um direito limitado sobre a escolha dos conteúdos e métodos, insistem em resistir frente a essa imposição. Ou seja, há uma disputa no seio escolar, o que não possibilita que as reformas educacionais do ponto de vista do controle do processo de trabalho não são implementadas facilmente e sem resistência dos trabalhadores que são atingidos. Esse cenário escolar está sendo alvo de inúmeras críticas principalmente para aqueles que enfrentam o cotidiano escolar. Muitos docentes, não satisfeitos com as condições em que seu trabalho está sendo submetido, se organizam através de coletivos políticos ligados ou não ao Sindicato oficial dos professores. Decorrente disso, greves, paralisações, protestos são organizados de modo que evidencie seu descontentamento com as condições de trabalho nas escolas. No entanto, a categoria docente da educação básica é plural em vários sentidos: os docentes podem pertencer a escolas privadas ou públicas, podem ser efetivos ou temporários, podem exercer cargos administrativos ou não, ocupam diferentes níveis de ensino (os quais tem diferenças salariais), podem pertencer à rede municipal, estadual e/ou federal. Ou seja, há uma gama de elementos para combinar as diversas condições de trabalho que o professorado se encontra. Essa pluralidade de situações trabalhistas também incide sobre sua organização política, a qual também não é única e pode se esboçar de maneira contraditória em relação a determinados contextos. De maneira geral, o docente é um assalariado não-manual que ao vender sua força de trabalho consegue manter, mesmo que imprecisamente, seu grau de autonomia diante do seu processo de trabalho (aula). Por outro lado, o planejamento das aulas e as avaliações dos conteúdos passam pelo processo de racionalização, seja através da empresa capitalista ou pelo Estado (Prova Brasil, Provinha Brasil, Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo – SARESP, Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB), além das condições de trabalho que limita o tempo da preparação e da avaliação, colaborando ainda mais com o agravamento do controle técnico sobre o seu trabalho. A inserção de classe do trabalho docente atualmente é algo complexo de se determinar, ainda mais tendo em vista a sua diversidade na ocupação. Todas essas questões precisariam de fato de uma investigação empírica que fosse para além de suposições distantes da realidade histórica que a educação brasileira vem passando. Mapear aspectos tanto econômicos assim
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como político e ideológicos tende a ser necessário para que consigamos de fato construir um debate teórico que abarque a complexidade da dinâmica das classes sociais na sociedade burguesa atual.
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Capítulo 2: Relações de Gênero e Trabalho Docente
2.1. Relações de gênero e de classe: a mulher na sociedade de classes Tendo em vista não somente a discussão das relações de classe, este trabalho busca também problematizar que a força de trabalho é sexuada (Castro, Lavinas, 1992). Isto significa trazer como prerrogativa o debate da divisão sexual do trabalho e localizar a compra e venda de trabalho também a partir das relações de gênero. Desse modo, a pretensão é fazer um diálogo entre divisão social e sexual do trabalho, de maneira que possamos complexificar a análise das relações sociais na sociedade burguesa moderna. Para iniciar a discussão será necessário mapear brevemente o pensamento de Marx e Engels acerca das relações entre homens e mulheres tendo em vista a crítica de teóricas feministas-marxistas, para que se consiga, a partir disso, o diálogo entre os conceitos de classes sociais e de gênero. Engels tornou visível a desigualdade nas relações entre homens e mulheres na sociedade de classes a partir da forte ausência da força de trabalho feminina no espaço da produção. Um de seus argumentos é feito a partir da ideia da herança da propriedade privada e da família patriarcal. Sua contribuição para a teoria de classes foi significativa ao revelar a mulher enquanto sujeito marginalizado do processo de produção capitalista e, portanto, mais suscetível à pobreza e a pauperização. No entanto, ao analisar a mulher partindo da concepção classista, na qual o poder é referenciado ao conceito de classes sociais, a primeira correspondência que o autor marxista fez foi afirmar que a primeira divisão do trabalho se dá entre os sexos, sem especificar as relações de gênero que aí estão atribuídas (Saffioti, 1976). Embora o estudo de Engels tenha contribuído de forma rica para discutir a mulher na sociedade de classes, há algumas críticas em seu trabalho que brevemente devem ser comentadas. A primeira crítica é sobre a utilização do conceito de patriarcado para justificar a opressão do homem sobre a mulher. O uso desse conceito implica enquadrar a relação entre homens e mulheres negligenciando a ideia de conflito ou mudança dessa relação entre os sexos. A partir disso, surge uma visão fatalista, na qual o gênero não poderia ter a oportunidade de transformação diante de distintas conjunturas. Isso determina que a dominação masculina ocorra, única e exclusivamente, através do sistema patriarcal, logo, não se admite que as relações entre homens e mulheres possam se desenrolar a partir de outras formas.
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Outra crítica feita ao autor foi por referendar a opressão de um sexo pelo outro a partir da propriedade privada e da herança. Em outras palavras, o patriarcado era decorrente da posse da terra. Nesse caso, seu limite teórico foi classificar o machismo somente como experiência familiar dos proprietários, não resolvendo a problemática quando nos referimos a família da classe trabalhadora, não-proprietária. Sendo assim, a discussão da propriedade privada como gênese da opressão machista não adquire total coerência se formos pensar na condição das mulheres em geral. Contudo, podemos afirmar que Engels ao discutir a origem da família e da propriedade privada, no contexto do modo de produção capitalista, problematiza elementos importantes para pensar de como a ideologia da classe dominante tem a opressão da mulher como parcela da estrutura da divisão social do trabalho. No que se refere à Marx, sua produção intelectual sobre a situação da mulher na sociedade de classes foi menor, sua menção a este tema foi a de que o sexo feminino era marginalizado do processo de produção e que esta estaria localizada no exército industrial de reserva, sendo uma mão-de-obra barata para o capitalista colaborando de maneira mais satisfatória para a acumulação capitalista do que o homem. Nesse sentido, a tradição marxista não sistematizou em sua teoria a exploração de um sexo pelo outro como elemento estrutural na discussão da sociedade de classes. Partindo disso, para além de um esboço teórico linear e hierarquizante, a ideia é afirmar que as relações de classe estão nas relações de gênero assim como as relações de gênero estão nas relações de classe. Por esses motivos, assume-se nesta pesquisa a concepção das relações sociais enquanto categoria analítica de gênero, a postura assumida é de que analisar a condição da mulher é buscar a história das relações de gênero em determinados contextos (Hypólito, 1997): “O conceito de relações sociais de gênero renova o repisado debate entre classe e sexo. Nas relações entre as classes, os indivíduos se apresentam uns aos outros e se veem nesta relação mediados por suas práticas de vida mais imediatas, e nestas jogam as referencias culturais e ideológicas relativas a sua própria categorização, no caso o ser homem ou ser mulher, que se relacionam na/além da produção de bens e serviços, adentrando a re-produção cotidiana da existência.” (CASTRO, LAVINAS,1992, pp. 242).
A concepção de gênero encontra seu caminho a partir do estudo de Gayle Rubin, a qual construiu o conceito do sistema sexo/gênero inaugurando o gênero enquanto relações sociais. Neste sistema, o sexo já estabelecido biologicamente ganha status de gênero já estabelecido socialmente, conferindo o status de matéria-prima a sexualidade que modificada pela
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atividade humana resulta no gênero: fêmea e macho podem ou ser mulher ou ser homem, mesmo nascendo com o sexo macho, este porventura pode ser mulher. A genitália é percebida, vivida e modelada socialmente. Diante disso, o argumento de Rubin sobre o gênero é de que a partir do embate mantido nas relações sociais entre homens e mulheres há o cenário de mudanças e configurações sobre a sexualidade. Rebatendo a ideia de Engels sobre o patriarcado, a fim de criticar e complexificar a teoria marxista, a autora Gayle Rubin chamou a atenção disso fazendo um paralelo com a crítica marxista sobre a sociedade capitalista: “(...) Toda sociedade contém algum sistema de ‘economia política’. Tal sistema pode ser igualitário ou socialista. Ele pode ser estratificado em classes, e neste caso, a classe oprimida pode consistir em servos, camponeses ou escravos. A classe oprimida pode ser constituída também de trabalhadores assalariados e, neste caso, o sistema em questão poderá ser denominado propriamente de ‘capitalista’. O poder do termo reside na implicação de que, de fato, existem alternativas ao capitalismo. De maneira similar, qualquer sociedade dispõe de mecanismos sistemáticos para lidar com o sexo, o gênero, os bebês. Tal sistema pode ser sexualmente igualitário, pelo menos em teoria, ou pode ser ‘estratificado de acordo com o gênero’, como parece acontecer com a maioria dos sistemas conhecidos.” (RUBIN, 2003)
Ou seja, as relações entre homens e mulheres podem ser modificadas ao longo da história através da disputa das relações de poder que estão implicadas na concepção de sexo e gênero. Pois, assim como há um sistema de economia política, há também um sistema de sexo/gênero. Portanto, deixando o esquema teórico patriarcal2 de lado, e resgatando a teoria das relações de gênero enquanto articulação com as relações de classe, a força de trabalho feminina será debatida enquanto classe e gênero no processo de produção capitalista. Para tanto, se faz necessário mapear mais precisamente o conceito de gênero que vamos ter como fonte teórica para fazer a articulação com as relações de classe. Partindo do escopo teórico de Rubin, o conceito de gênero ganha um consenso entre as teorias feministas, a de que sexo é diferente de gênero. Tendo isso em vista, sexo e gênero são interdependentes:
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O sentido da lógica patriarcal é a de que se esgote as relações entre homens e mulheres apenas de acordo com o sistema patriarcal. Nesse sentido, patriarcado é uma das possibilidades das relações de gênero, é um período histórico marcado entre homens e mulheres e não a relação única que se estabeleceu entre os sexos por toda a humanidade.
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o gênero é corporificado socialmente, constrói identidades masculinas e femininas através do sexo (Saffioti, 2006). Outro elemento decisório para refletir o gênero é o sistema de parentesco que envolve determinada sociedade. O casamento monogâmico, por exemplo, é o caso mais recorrente na sociedade burguesa moderna, sendo um dos princípios que organiza o sistema de parentesco ocidental. A condição para que ele se realize é que as pessoas divididas entre “homens” e “mulheres” se unem a fim de iniciar uma família. A constituição de uma família implica na relação tanto afetiva quanto de sexualidade que homens e mulheres mantêm entre si. Tendo isso em vista, e se pautando ainda em Rubin, podemos acrescentar que o gênero “não é apenas uma identificação com um sexo; ele também supõe que o desejo sexual seja direcionado ao outro sexo. A divisão sexual do trabalho está implicada nos dois aspectos do gênero – ele os cria homem e mulher, e os cria heterossexual.” (pp. 12, 2003). Portanto, a dimensão da sexualidade também é um elemento importante para a definição de masculinidades e feminilidades. Ainda assim, é bom reiterar de que a opressão da mulher não tem sua origem na família, sendo a sexualidade resultante dos embates que permeiam as relações de gênero, o que impregna todas as esferas da vida social, e, portanto, a família heterossexual pode ser entendida como fruto dessas situações. Tendendo ser o lugar privilegiado do poderio masculino para garantir a opressão/exploração da mulher (Saffioti, 1992). Decorrente dessa noção, em alguns debates feministas, há a tendência de se priorizar a dicotomia entre sexo e gênero a fim de apontar que gênero é do âmbito cultural (a família sendo seu grande lócus) acobertando a noção de sexo. Essa concepção, teoricamente desemboca, de acordo com Saffioti, em um essencialismo social/cultural que negligencia a questão materialista/biológica da qual as identidades de masculinidades e feminilidades são produzidas. Dessa maneira, argumenta-se neste trabalho que não há uma sobreposição entre sexo e gênero, mas sua condição dialética considerando-os como uma unidade. Além disso, defende-se a noção de historicidade correlacionada ao conceito de gênero, pois as relações sociais que permeiam o sexo e o gênero são também conjunturais. Dessa forma, masculino e feminino, como categorias de gênero, podem ter esquemas diferentes e ter distintas manifestações se estudarmos diferentes tipos de sociedade, sejam elas capitalistas ou não.
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Fica claro então que gênero é entendido aqui diante das relações sociais que envolvem homens e mulheres a partir de um determinado contexto histórico, além disso, o conceito engloba a realidade corporal dos sujeitos, além da sexualidade experenciada através dos sistemas de parentescos. Dessa maneira, natureza e cultura se encontram na formulação das relações de gênero e se (re)constituindo através da história da humanidade. Com efeito, o modo de produção capitalista tende a subsumir clivagens que tiveram sua gênese em modos de produção pré-capitalistas, como foi o caso da discriminação social através do sexo e da etnia. Fatores de ordem natural atuavam em outros tipos de sociedade como elemento diferenciador das pessoas de modo que estabelecesse hierarquia entre os grupos sociais. No capitalismo isso pode ser concebido como uma forma de ocultar a estrutura de classes vigente através dessas características físicas que compõem algumas categorias sociais. Em outras palavras, as desvantagens no modo de produção capitalista, do ponto de vista das classes sociais, reforçam e criam novas formas de manutenção da discriminação segundo fatores naturais e/ou corporificados, que terminam por ocultar as desigualdades oriundas das relações de classe. Essas marcas sociais, raça e gênero, são reafirmadas a partir da lógica do capital, seu funcionamento opera marcando o corpo de cada trabalhador e trabalhadora enquanto força de trabalho3. Para entender a posição da mulher na sociedade capitalista, temos que voltar um pouco na história para brevemente apresentar a relação entre mulher e trabalho produtivo na fase anterior do modo de produção capitalista. Sendo assim, nas sociedades pré-capitalistas, a organização econômica primordial era através do grupo familiar, por isso mulheres e crianças tinham papel econômico fundamental compondo o trabalho produtivo, porém essa condição não corresponde afirmar que havia relações igualitárias de gênero. A ideia aqui é demonstrar que nas sociedades anteriores ao sistema capitalista, não havia necessidade de excluir a mulher do processo produtivo, sendo isso uma característica intrínseca a sociedade burguesa. A propósito disso, a marginalização da mulher do processo produtivo capitalista seria reforçada pela afirmação de que produção se resume ao trabalho e reprodução à família.
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Como foi dito na Introdução, há a limitação nesta monografia por não conseguir tratar da questão racial, tema substancial para também se referir a problemática do trabalho docente, assim como na discussão mais geral sobre trabalho no modo de produção capitalista.
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Assim, podemos assinalar que no modo de produção capitalista há uma cisão acentuada entre a produção e a reprodução como espaços de determinado sexo. Essa separação tem como pano de fundo estabelecer que o processo produtivo, espaço do trabalho, fosse do âmbito masculino; enquanto que a reprodução, atividade não produtiva, espaço da família, é do âmbito feminino. Enquanto o homem é o principal agente social requisitado para participar da esfera da produção – a qual se caracteriza pela criação dos meios de existência e o recrutamento das pessoas enquanto força de trabalho no processo de produção de bens e serviços. A esfera da reprodução da vida é confiada à mulher – a qual permite a manutenção dos indivíduos enquanto força de trabalho mediante as tarefas domésticas (limpeza, cozinhar, vestimentas), cuidado das crianças, dos idosos, etc. Nesse sentido, o capitalismo evoca a noção de que, produção e reprodução, são polos opositores, o que seria contraditório afirmar, uma vez que nas sociedades pré-capitalistas haveria a interdependência dessas instâncias ou outra forma de combiná-las, sendo esse distanciamento acentuado entre ambos uma necessidade para manutenção da lógica capitalista e dominação masculina. Aqui se argumenta que reprodução é o âmbito das relações ainda não totalmente mercantilizadas, mas marcadas pela lógica patriarcal, na qual o homem, pai e esposo, tem o domínio sobre a mulher (esposa e mãe) e sobre os filhos/as. É o espaço onde as relações familiares, ou relações pessoais, acabam por colocar todas as atividades dentro do lar como responsabilidade principalmente da mulher/mãe/esposa. Apesar dessa separação aparente que o modo de produção capitalista advoga, Picchio, citada por Teixeira, desenvolve um paralelo esclarecedor sobre as atividades desenvolvidas dentro e fora do lar: “Para a autora, o trabalho doméstico não é simplesmente a combinação de tarefas necessárias para a reprodução cotidiana do núcleo familiar e para a satisfação das necessidades físicas e psicológicas de seus membros. O verdadeiro papel do trabalho doméstico é reconstruir uma relação entre produção e reprodução que tenha sentido para as pessoas. Espera-se que, graças ao trabalho das mulheres, a relação alienada que estrutura o sistema de produção e o sistema social se inverta para o seio da família ou, ao menos, que esta absorva os seus conflitos. O trabalho doméstico tem como objetivo o bem-estar das pessoas, enquanto a produção de mercadorias objetiva a acumulação de benefícios. O processo de acumulação utiliza a energia humana como mercadoria, e a tarefa do trabalho doméstico é reproduzir essas energias como parte integrante das pessoas, tarefa que, sem dúvida, deve desenvolver-se dentro dos limites de sua reprodução como mercadoria.” (TEIXEIRA, 2012, pp. 48-49)
Ou seja, o espaço da produção, das relações de trabalho, limita a mulher no mercado de trabalho para a realização de determinados tipos de tarefas, gerando a diferenciação entre homens e mulheres nas categorias sócio profissionais. Logo, há a sexualização da divisão social do trabalho estabelecendo classificações como “habilidades femininas” e “habilidades
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masculinas”, em que homens e mulheres acabam por ocupar empregos distintos. Para essa situação há o conceito de segregação profissional que opera sob influência de estereótipos e discriminação estatística dos empregadores (Teixeira, 2012). A grande questão levantada é que essas ocupações do trabalho feminino dialogam, sobretudo, com a dimensão da vida doméstica e o ciclo familiar em que a mulher está inserida, ou seja, a esfera do privado. Isso quer dizer que o processo de trabalho é subordinado também pela dominação sexual, além da sua posição de classe. No caso da força de trabalho feminina, as habilidades antes somente servidas à família, servem também no local que se trabalha (Castro, Lavinas, 1992). Já para a força de trabalho masculina, mesmo havendo também a influência da família, pois este tem de ser o único provedor da casa, a situação é distinta, uma vez que suas habilidades não se limitam na esfera domiciliar, pode este realizar qualquer tipo de trabalho, até trabalhos femininos, afinal, são considerados inferiores e mais fáceis de realizarem. É possível afirmar que a vida familiar é um elemento que distingue a inserção da mulher no mercado de trabalho na sociedade de classes, uma vez que é relegado ao seu sexo assumir o papel reprodutor como sendo primordial em sua existência, e, portanto, o trabalho doméstico vem em primeiro lugar do que o trabalho fora de casa. Ao colocar a vida em família como algo somente da alçada das mulheres, a vida pública se torna somente referência masculina. Portanto, a mulher, antes de tudo, é reprodutora da espécie e pela sua maternidade fica confinada ao lar. Tendo isso como premissa, os estudos clássicos da economia, como os de Adam Smith, não problematizavam os guetos profissionais femininos e os baixos salários que as mulheres eram submetidas, de modo que era justificado pelo fato de o emprego feminino ser algo complementar e circunstancial ao do homem. Decorrente dessa exclusão do mercado de trabalho, a mulher era forçada a ficar na pobreza, ou a se prostituir ou recorrer ao matrimônio. Isso se revela a partir do momento que o salário das mulheres solteiras era calculado com a perspectiva de que era somente para sua própria sobrevivência, diferente disso, o salário do homem, seja ele solteiro ou casado, era calculado tendo em vista o sustento da mulher e de um número adequado de filhos (Teixeira, 2012). No entanto, segundo Teixeira, quando se trata das mulheres da classe dominante podemos ver uma nítida diferença com as da classe popular: as primeiras eram vexadas se procurassem trabalho em troca de dinheiro, as limitando em trabalhos não remunerados (como
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os da casa) e a caridade; já as mulheres pobres tinham e deveriam trabalhar uma vez que pela má remuneração e baixo prestígio não atingiriam algum poder econômico e político. O trabalho para a maioria dos pensadores da Economia Clássica do século XIX é sinônimo de emprego, o que desconsidera as atividades domésticas como trabalho, isso consequentemente atinge a mulher, personagem principal das tarefas de casa. Estes estudos também priorizam a produção somente no âmbito fora de casa e tem como meta investigar a criação de riqueza, produtividade, trabalho assalariado, divisão do trabalho, negligenciando o trabalho dentro de casa e assim, marginalizando o trabalho doméstico naturalizando a dupla jornada feminina de trabalho. Nas sociedades pré-capitalistas existia a organização segundo a renda familiar e não individual, com isso o trabalho da mulher/esposa/mãe era importante ao passo que incrementava essa renda, havia as conciliações entre as tarefas da casa e o trabalho produtivo feminino. No capitalismo, há a generalização e o advento do trabalho assalariado que prioriza a renda individual e não mais familiar. A questão salarial é muito importante ser analisada e discutida nos estudos das relações de gênero. Conjuntamente a isso, foi instaurado o “salário-família” pago aos homens para incentivá-los a compor a produção capitalista. Desse modo, este salário registrava a renda familiar diante de uma única força de trabalho e reforçando a ideia da mulher dona de casa. Além disso, o cálculo desse salário tem em vista a criação de uma quantidade fixa de filhos para sobreviver, o que acabaria por compor o projeto da redução da taxa de natalidade para os pobres. Há um trecho em que Marx discute essa relação entre a proletarização e o salário mínimo para a sobrevivência da família trabalhadora: “Mas em lugar do homem expulso pela máquina, a fábrica pode talvez ocupar três crianças e uma mulher! Ora, não deveria ser o salario do homem suficiente para as três crianças e a mulher? Não deveria o mínimo de salario ser bastante para preservar e aumentar a espécie? Que prova então essa maneira de se exprimir tão agradável ao burguês? Nada mais que isto: vidas operárias são consumidas quatro vezes mais que anteriormente para fazer viver uma só família operaria.” (MARX, 1972,
pp.81) Isso corresponde demonstrar também que no debate marxista clássico a ideia de salário-família não foi problematizada, naturalizando o papel da mulher sempre na esfera da reprodução da vida. Essa noção é endossada pelos estudos da Nova Economia Doméstica e “segundo esta abordagem, é o chefe de família que redistribui a renda familiar e toma decisões sobre consumo para todos os membros da família.” (Teixeira, 2012, pp. 38)
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Dessa forma, mesmo o trabalho assalariado sendo uma realidade para homens e mulheres, ocasionando para ambos condições precárias de trabalho e a proletarização como fenômeno generalizado, para a mulher, ocupar um posto de trabalho é motivo de libertação e emancipação feminina frente ao homem trabalhador e a seu papel familiar. Decorre disso, que mesmo no processo de alienação o trabalho feminino incide sob algum aspecto, como motivo de liberdade para as mulheres. A concepção da segregação profissional articula atividades domésticas com as ocupações profissionais, de fato, o trabalho feminino tem recorrência em empregos na área de limpeza, na área da educação, na área de cuidados de pessoas, etc. Até em situações em que os cargos não dialogam com a produção doméstica, a mulher quando assume o mesmo posto que um homem, padece com salários menores, sendo o salário mais baixo relegado a ela4. Com base nisso, a submissão da mulher casada se potencializa, uma vez que seu marido pode ganhar um melhor salário trazendo o sustento para dentro de casa. Paralelamente, os postos de trabalho em que a mulher está inserida se diz respeito, na maioria dos casos, ao setor terciário. Isso não ameniza o nível de precarização no trabalho em que se submete a mão-de-obra feminina, pois mesmo a maioria das ocupações estarem ligadas mais a um trabalho não-manual do que manual, são empregos que se encontram o menor nível de remuneração por atividade exercida (Saffioti, 1976). Essa situação em que a força de trabalho da mulher é inserida, sobretudo, no setor terciário e a postos temporários é baseada no fato da maternidade ser carga exclusiva das mulheres. A licença maternidade sendo desproporcional a licença paternidade demonstra que a legislação trabalhista brasileira consolida a visão da responsabilização única e exclusivamente da alçada da mulher sobre os cuidados dos bebês. O tempo longe do emprego faz com que os empregadores tenham como ponto de vista que o trabalho feminino é mais oneroso que o trabalho masculino, uma vez que não lhes é assegurado o mesmo tempo para exercício da paternidade (não se distanciam do emprego para poder ser pai). Nas palavras de Saffioti, “A evolução do trabalho feminino tem sido encarada como decorrência da secularização das atitudes, da mudança de estrutura da família etc. Em outras palavras, a possibilidade de a mulher atuar
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A luta pela igualdade salarial foi, sobretudo, o inicio do debate sobre as mulheres no trabalho. Foi no final do século XIX que aconteceu a Primeira Guerra Mundial e que o recrutamento da força de trabalho feminina foi acionado de modo que preenchesse os cargos deixados pelos homens que foram à guerra.
36 como qualquer outro socius no setor da produção de bens e serviços, e consequentemente a possibilidade de ela explorar convenientemente a principal via de sua integração na sociedade de classes tem sido pensada em termos de se alterarem suas condições de vida enquanto ser sexuado e reprodutor e como pessoal que tradicionalmente se incumbe da socialização dos imaturos. Evidentemente, as funções que a mulher desempenha na família (sexualidade, reprodução e socialização dos filhos) se vincula quer à sua condição de trabalhadora, quer à sua condição de inativa. Em qualquer dos casos, aquelas funções operam no sentido da discriminação social a partir do sexo, expulsando as mulheres da estrutura de classes ou permitindo-lhes uma ‘integração periférica’. Afirmar, contudo, que a defasagem entre a estrutura da família e a estrutura econômica, estando esta num estágio superior de desenvolvimento, impede a integração da mulher no sistema produtivo de bens e serviços contraria os fatos” (SAFFIOTI, 1976, pp. 52-53).
Após este trecho, a autora dá o exemplo da Suécia onde há políticas públicas voltadas para maternidade e liberdade sexual da mulher e, mesmo existindo essas garantias, não correspondeu em maior índice de ocupação nos postos de trabalho com mão-de-obra feminina. Nesse sentido, o que a autora quer chamar a atenção é que as estruturas de classes e de gênero estão em constante articulação, e que em última instancia, o objetivo primordial do capital sendo a acumulação privada de riquezas, manipula a discriminação de gênero segundo essa lógica: “Nos inícios do capitalismo, a mulher da pequena burguesia encontrava-se diante de alternativas pouco promissoras: ou resignar-se à perda de função econômica, permanecendo no lar, ou aceitar as poucas oportunidades que se lhe abriam no mercado de trabalho – ser mal remuneradas, implicam em desprestigio de classe. A veneração pela riqueza criada pela sociedade capitalista, no entanto, interferiria no processo de busca de prestigio. De tal modo essa interferência se fez notar que, não obstante a ideia de que o prestigio de um homem pudesse ser, pelo menos em parte, medido pela capacidade ociosa de sua esposa, as mulheres dos estratos sociais médios (primeiramente as solteiras e depois também casadas) lançaram-se, em massa, na corrente de assalariamento. A ideia de que a missão da mulher é o casamento e a procriação conduziu não propriamente a uma qualificação da força de trabalho feminina, mas a uma especialização que destina as mulheres das camadas intermediarias da sociedade às ocupações subalternas, mal remuneradas e sem perspectivas de promoção. As famílias proletárias, por sua vez, e na medida de suas possibilidades, adotam, num simulacro de prestigio, a ideologia da classe dominante: a mulher deve ser exclusivamente dona-decasa, guardiã do lar. E as próprias mulheres, em sua imensa maioria, têm de si próprias uma imagem cujo componente básico é um destino social profundamente determinado pelo sexo. Não só o empregador justifica os baixos salários em termos do sexo feminino (‘o salário não é muito alto, mas é o suficiente para uma mulher’); é a própria mulher que, insegura num mundo em que em que ela conta como uma variável a ser manipulada segundo as convivências da situação, no qual não lhe cabe nenhum poder de decisão, no qual, enfim, ela joga com a desvantagem de ser mulher, situa seus alvos em planos poucos ambiciosos. O medo inconsciente do fracasso reduz suas aspirações e diminui seu ímpeto de realizar. Por isso a mulher busca integrar-se na estrutura de classes através das vias de menor resistência, em capôs julgados próprios às características de seu sexo, em ocupações que, por serem pouco promissoras, mal remuneradas e conferirem pequeno grau de prestigio, são julgadas inadequadas ao homem.” (SAFFIOTI, 1976, pp. 56-57)
Ou seja, o sexo enquanto marca social anterior ao capital, é por ele utilizado de modo que seu funcionamento se aprimore cada vez mais, colocando a mulher sempre em referência à força de trabalho do chefe de família e como força de trabalho marginalizada às expensas de mais lucro.
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Partindo dessa concepção mais geral entre classe e gênero, a proposta é discutir de maneira mais específica a força de trabalho feminina no Brasil e brevemente apresentar como na formação econômico-social-cultural brasileira a força de trabalho feminina foi sendo constituída.
2.2. Feminização do Magistério e Trabalho Docente no Brasil (2010-2013) Parafraseando Saffioti, o capitalismo opera internacionalmente explorando e submetendo algumas nações por outras, sendo assim, alguns países são marginalizados e tem em sua realidade algumas marcas sociais mais acentuadas do que em outros. Dialogando isso com o fator sexo, percebemos que enquanto em algumas nações a desigualdade entre homens e mulheres é atenuada, em outras, a problemática que envolve a mulher na sociedade de classes e sua opressão é pouco solucionada. A colonização brasileira conjuntamente com uma economia escravocrata constituiu uma abertura para se estabelecer de maneira enraizada a lógica patriarcal em todas as instâncias sociais. As mulheres, divididas em casas grandes e senzalas, assumiam seu papel diante da escravidão: a mulher negra escrava era submetida à mulher branca sinhá, e estas dominadas pelo patriarca, senhor dos escravos. Mais do que isso, “A mulher branca da casa-grande desempenhava, via de regra, importante papel no comando e supervisão das atividades que se desenvolviam no lar. É preciso não esquecer que aquelas atividades não diziam respeito meramente aos serviços, que, hoje, são designados domésticos. A senhora não dirigia apenas o trabalho da escravaria na cozinha, mas também na fiação, na tecelagem, na costura; supervisionava a confecção de rendas e o bordado, a feitura da comida dos escravos, os serviços do pomar e do jardim, o cuidado das crianças e dos animais domésticos, providenciava tudo para o brilho das atividades comemorativas, que reunião toda a parentela.” (SAFFIOTI, 1976, pp. 170-171)
Contudo, mesmo as mulheres brancas tendo um prestígio social em relação aos negros, eram desprivilegiadas do ponto de vista da participação política na colônia brasileira. No que se refere ao poder político no Brasil daquela época, a posse de terra, a propriedade de um dado território era sinônimo de direitos políticos. Acontece que para a mulher herdar a terra do marido falecido, não poderia se casar novamente, perdendo o direito de possuir o território, ou seja, uma vez viúva e com a posse da terra, teria de se dedicar exclusivamente a ser mãe dos filhos do falecido. Isso de alguma maneira marcou profundamente o imaginário das mulheres em referência ao poder patriarcal e a condição de vida dela estar inteiramente ligada a posse de seu marido.
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Tendo isso em vista, a formação da família patriarcal brasileira desenvolveu em um ritmo bastante forte a submissão da mulher à dominação do patriarca da casa-grande, seja ela branca ou negra. Contudo, a mulher negra ao ser mais hostilizada pelo seu papel enquanto escrava e submetida à dona de casa branca, esposa do patriarca, tem em seu corpo as marcas da classe, do gênero e da raça de forma mais acentuada na sociedade brasileira. Com a vinda da urbanização e industrialização, a mulher ganha novo cenário para vivenciar outros espaços e desempenhar outras funções econômicas. É quando também consegue adentrar a instituição escolar, e diante disso, novas configurações tanto no âmbito familiar como do ponto de vista da liberação da mulher são alargados e conquistados. Em suma, a questão da mulher no Brasil não pode deixar de lado seu passado escravocrata em que as mulheres se separavam de acordo com a sua cor: a mulher branca tinha privilégios econômicos e sociais em relação à mulher negra. Em outro momento, negras e brancas, eram submetidas, de maneiras distintas e desiguais, as ordens do senhor dos escravos, patriarca da casa-grande. Diante dessas relações entre raça, gênero e classe, podemos discutir a relação entre trabalho, gênero e educação no Brasil e a configuração do trabalho docente. Para analisar o trabalho docente no Brasil, se faz necessário discutir a feminização do magistério como fenômeno generalizado nas nações ocidentais e, através disso, discutir como tal fenômeno se integrou na realidade brasileira. Além disso, o exame histórico desse fenômeno contribui para tentar entender porque o trabalho docente no Brasil é majoritariamente ocupado pelas mulheres. De outro modo, as relações de classe e de gênero contribuem para pensar a condição de trabalho docente a partir de estatísticas de pesquisas brasileira, a fim de gerar um panorama recente em que este trabalho se encontra. Sendo assim, a proposta é apresentar e problematizar dados trazidos por órgãos de pesquisas oficiais do Brasil, como os coletados pelo Censo Domiciliar de 2010 e Pesquisa Nacional Anual Domiciliar – PNAD 2011, ambas realizadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) e o Censo Escolar da Educação Básica de 2012 realizado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Além disso, o objetivo é trazer para a discussão os dados que tratem especificadamente da mulher brasileira, a opção foi a pesquisa “A mulher brasileira nos espaços públicos e privados” realizada pela
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Fundação Perseu Abramo de 20105. A ideia é explorar essa relação entre educação, gênero e trabalho e trazer alguns elementos para a discussão sobre o trabalho docente e as relações de classe e de gênero que possam ser discutidos na atualidade. Antes de se debruçar nas estatísticas, a pretensão é apresentar a discussão do fenômeno da feminização do magistério, de uma maneira mais geral, e depois especificar o caso brasileiro. A hipótese geral desenvolvida pela feminização do magistério é a de que a educação foi se constituindo como um gueto feminino profissional. O ensino teve seu início contando com a participação exclusiva de homens, tanto alunos como docentes, sendo o exercício docente privilégio de alguns religiosos e de alguns tutores contratados por uma elite. Nesse estágio ainda não se tinha a ideia de “educação para todos” sendo isto trazido pela Revolução Francesa e o Estado assumindo a educação como sua responsabilidade. A partir do final século XIX na Europa, a educação foi tutelada pelo Estado e ampliada para toda a população surgindo a escola pública, gratuita e para todos nos grandes centros urbanos. Sendo assim, o efetivo de docentes teve que ser maximizado uma vez que a demanda de estudantes teve um aumento considerável. Mas como a educação era restrita para pessoas ou ligadas a Igreja ou a alguns da elite, o recrutamento dos docentes se deu entre os leigos, com pouca formação, mas que de alguma maneira conseguia cumprir o papel na formação inicial dos sujeitos. Dessa forma, homens e mulheres foram recrutados para assumirem a profissão docente, sendo que ao longo do tempo foram as mulheres que assumiram majoritariamente essa profissão. No Brasil, isso se deu através de uma regra em que alunos e professores tinham de ter o mesmo sexo. A docência era distinta para homens e mulheres, em termos de currículo e salário: o ensino para mulheres mobilizavam questões relacionados aos bons costumes, bordados, etc., enquanto que o ensino dos homens era pautado principalmente na geometria, com isso a justificativa para os baixos salários para as professoras era de que o ensino masculino era mais complexo do que o feminino. Com isso, fica claro que a instrução para a mulher não tinha como objetivo uma formação intelectual, mas estava estritamente condicionado ao controle disciplinar de sua conduta (Rabelo e Martins, 2007).
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Nesta pesquisa, tive a oportunidade de realizar o treinamento para a aplicação dos questionários e trabalhar enquanto pesquisadora de campo no Estado de São Paulo.
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Com o forte processo de industrialização e com a abolição dos escravos houve a necessidade de se recrutar as mulheres brasileiras para o mercado de trabalho. Paralelo a isso o desejo da elite brasileira no processo de modernização pressionou a expansão do ensino primário. As mulheres da classe privilegiada só tinham a condição de permanecer estudando se ingressassem na Escola Normal do Magistério, o que contribuiu para a formação de um alto número de mulheres professoras. Contudo, de acordo com Rabelo e Martins, houve um objetivo político para propiciar a participação feminina na docência: havia a necessidade de aumentar a expansão do ensino com baixos custos, a mulher professora representava a força de trabalho ideal pelos baixos salários. Além do mais, a ideologia patriarcal endossava a proposta vocacional da docência para a mulher, figura da mãe e mão-de-obra barata, ser professora era a profissão perfeita para o sexo feminino. Era vocação das mulheres educar as crianças, afinal, munidas das habilidades da maternidade conseguiam atrelar a prática pedagógica com os afetos. Nesse sentido, o quadro de docentes mulheres no Brasil é majoritário, principalmente nos anos iniciais dos níveis de ensino. Os resultados do Censo Escolar 2012 demonstram ainda que o fenômeno da feminização do magistério perdura na realidade brasileira. Podemos ver isso de acordo com a Tabela 1 que mostra os números segundo sexo da educação básica pelos níveis de ensino:
TABELA 1: Dados do Censo Escolar 2012 por razão sexo por função docente em cada nível de ensino da educação básica no Estado de São Paulo Educação Básica
Ensino Infantil
Fundamental
Fundamental
(Anos iniciais)
(Anos Finais)
Ensino Médio
Ensino Profissional
Feminino
354.928 (82%)
111.458 (98%)
132.983 (92%)
106.472 (72%)
72.394 (64%)
10.399 (45%)
Masculino
79.817 (18%)
2.725 (2%)
12.856 (8%)
42.050 (28%)
41.988 (36%)
13.015 (55%)
434.745
114.183
145.839
148.522
114.382
23.414
TOTAL (100%)
A leitura desses dados nos permite afirmar que no Estado de São Paulo perdura a feminização do magistério. Há aproximadamente 82% de docentes do sexo feminino enquanto que há 18% de docentes homens. Observa-se que o aumento de participação dos professores vai aumentando gradualmente conforme o nível de ensino vai subindo e no Ensino Profissional há uma mudança no quadro: há mais homens do que mulheres, atingido a
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diferença de 10%. Isso demonstra que a feminização do magistério não pode ser analisada somente em termos quantitativos, mas também em termos ideológicos/culturais, já que apesar de numericamente haver mais homens do que mulheres, percebemos que os homens adentram a educação básica quando o nível de ensino corresponde a estudantes com a faixa etária maior, podendo significar que não assumem o ensino infantil e os anos iniciais do ensino fundamental por relacionarem esses níveis de ensino à docência feminina. Obviamente temos a questão salarial que também acompanha gradualmente os graus de ensino, no caso da rede estadual, sendo o Ensino Profissional com melhor remuneração dentre todos os cargos e único que tem mais homens do que mulheres lecionando. Nesse sentido, podemos destacar que o magistério paulista ainda segue com a predominância feminina, dessa forma, para complexificar a análise vamos apresentar os dados do Censo Domiciliar de 2010 conjuntamente com os dados desenvolvidos pelo PNAD de 2011. Os dados gerais demonstrados pelo PNAD 2011 atestam que a população brasileira é composta por 51% de mulheres e menos que a metade de homens. Distribuídos segundo grupo etário, percebemos que as mulheres de 0 a 29 anos totalizam 46,7% da população sendo os homens nessa mesma idade totalizando 50,5%, já na idade de 30 anos ou mais, há mais mulheres do que homens, sendo que estes últimos pertencem ao grupo etário mais jovem. Referente ao mercado de trabalho se observou que 59% é o índice de mulheres desocupadas, já as mulheres ocupadas, sem renda ou somente recebendo benefícios, temos o índice de 10% ao passo que para os homens é de 5,8%. No que diz respeito ao rendimento de trabalho por sexo, os homens recebem mais que as mulheres, respectivamente no valor de R$ 1.417 e R$ 997,00. Partindo desses dados, a análise realizada pelo PNAD 2011 concluiu que a força de trabalho feminina tem maiores dificuldades de se inserir em alguma atividade ocupacional do que os homens. Dessa maneira, o quadro geral na população brasileira demonstra que as relações de gênero são desiguais tanto no quesito da diferença salarial. Mesmo havendo mais mulheres do que homens no grupo de idade da população ativa, estes últimos conseguem se inserir no mercado de trabalho com melhores rendas e ocupações do que as mulheres. Com base agora nos dados do Censo Domiciliar 2010, as mulheres têm o nível de instrução educacional maior do que o dos homens e, conseguiram assumir mais cargos no mercado de trabalho em relação ao ano 2000, mas ainda assim, a população economicamente
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ativa tem maior número de homens do que de mulheres, e isso se manteve em 2011 de acordo com os dados demonstrados acima pelo Pnad. Estes dados de 2010 demonstraram que as mulheres (10 anos ou mais) conseguiram um aumento de 8,5% no nível de ocupação em relação ao ano de 2000, totalizando 43,9% de ocupação feminina, já os homens tiveram o crescimento de apenas 2,2% mas ainda sim em um percentual acima do das mulheres: 63,3%. Ou seja, mesmo com o crescimento das mulheres ocupando o mercado de trabalho, ainda há uma desigualdade de aproximadamente 20%. A tendência geral é a de que houve o aumento gradual de mulheres assalariadas no Brasil, mas ainda em grau desigual se comparado ao grupo masculino. Outro dado relevante é referente a escolaridade segundo sexo, há mais mulheres com o nível superior completo (12,5%) do que homens (9,9%) isso também se reflete no percentual de ocupação para este nível de escolaridade: as mulheres tendo 19,2% ao passo que os homens tem 11,5%. Os dados referente a permanência na escola em idade regular, demonstra que na faixa etária jovem, as mulheres conseguem permanecer mais do que os homens, enquanto que anteriormente isso não se confirmava. Esse dado pode representar que com base nas relações de gênero, os homens são recrutados mais cedo do que as mulheres para assumir postos de trabalho, enquanto que a mulher é incentivada a seguir seus estudos para que possa, no período após as aulas, preencher seu tempo para continuar as tarefas domésticas e/ou cuidado de crianças (como por exemplo, irmãos mais novos, sobrinhos, gravidez precoce). Nesse sentido, a entrada de homens mais jovens e com pouca escolaridade no mercado de trabalho pode estar relacionado ao papel que a mulher representa diante da maternidade, estado civil e das tarefas domésticas. No caso da juventude a questão da gravidez precoce é fator fundamental para pensar a não permanência dos pais na escola regular. Contudo, não podemos negligenciar que a inserção da mulher no mercado de trabalho vem aumentando ao longo dos anos, elemento positivo para situação da força de trabalho feminina demonstrando uma mudança do ponto de vista das relações de gênero e mercado de trabalho. Apesar disso, o índice de mulheres desempregadas e em subempregos não é animador, uma vez que ainda são as mulheres que compõe a maioria desses casos com um alto percentual. Segundo o Censo Domiciliar 2010, o tipo de ocupação que cada contingente feminino ocupa em relação ao masculino, sendo o maior percentual de mulheres encontrado nos
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seguintes grupos: Trabalhadores de apoio administrativo (63,5%), Profissionais das ciências e intelectuais (59,5%), e Trabalhadores dos serviços, vendedores dos comércios e mercados (54,4). Sendo que na classificação por sessão de atividades, a predominância feminina, ainda em relação ao grupo masculino, foi em primeiro lugar nos Serviços Domésticos constituindo 92,7% e em seguida na Educação com 75,8% e finalmente na Saúde humana e serviços sociais com 74,2%. Discutindo esses dados e relacionando com os do Pnad, a situação da mulher enquanto trabalhadora pode ter alcançando uma maior inserção em alguns postos de trabalho, mesmo assim, as ocupações designadas ao contingente feminino são guetos femininos profissionais relacionados aos aspectos da reprodução da vida, ou seja, a mulher brasileira trabalhadora ainda se insere sobremaneira em cargos que tipicamente necessitam das “habilidades femininas” correlacionadas a esfera domiciliar. Somente com base nesses dados oficiais não conseguimos de maneira mais precisa correlacionar aspectos do ciclo familiar da mulher com o trabalho. Alguns dados referentes de “como” e o “por que” a mulher se coloca no mercado de trabalho e como se dá essa relação com o universo familiar foi explorada pela pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo em 2010. Esta pesquisa foi de âmbito nacional sendo uma amostra “2.502 entrevistas pessoais e domiciliares, estratificadas em cotas de idade e peso geográfico por natureza e porte do município”. Tendo em vista que a maioria da população desempregada são mulheres. A pesquisa explorou a variável “Preferência: trabalho x família”, na qual 55% dos casos afirmaram que “optariam por ter uma profissão, trabalhar fora e dedicar-se menos às atividades domésticas e à família” enquanto que 38% “prefeririam dedicar-se mais às atividades domésticas e à família, deixando a profissão e o trabalho fora de casa em segundo plano”. Ainda em relação ao trabalho feminino, a variável “Razão de não trabalhar” teve como principal resposta “o casamento para nunca terem trabalhado (31%), com 23% alegando que o marido não permitia, preferia que ficasse em casa. Outras 24% afirmam que nunca trabalharam por causa dos filhos, tendo preferido dedicar-se a eles (20%). Há 20% que dizem que nunca tiveram necessidade de trabalhar”. De outra forma, as mulheres que trabalhavam e não trabalham mais, se agrupam na variável “Razões de parar de trabalhar” 27% dos casos, “o fez por causa dos filhos, para cuidar e se dedicar a eles (22%); outras (19%) pararam de trabalhar por causa do casamento; 16% pararam por já terem dedicado muito tempo ao trabalho e agora
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terem idade ou já terem aposentado e 14% parou por motivos de saúde, enquanto 13% optaram por dedicar-se ao trabalho doméstico”. Sobre a economia doméstica, a análise da pesquisa teve também como um dos aspectos o “Responsável pelo sustento”, nos lares brasileiros há a participação da mulher na renda familiar de 76%, sendo que 32% dos casos é a mulher a principal provedora enquanto que 44% participam com outros provedores da família. No que se refere ao Trabalho Doméstico, “a maioria das mulheres (87%) concorda que deveria haver uma divisão do trabalho doméstico mais igualitária entre homens e mulheres.” No entanto, quando a mulher é mãe de filhos pequenos, há a afirmação de que o homem trabalhe fora e a mulher fique em casa, tendo concordância de 69% total e parcial de 16%. Com relação ao tempo gasto nos trabalhos domésticos, os dados foram sistematizados na Tabela 2 abaixo: TABELA 2: Tempo pessoal semanal dedicado ao trabalho domiciliar da mulher e do parceiro: trabalho doméstico
cuidado com os filhos
cuidado de pessoas idosas/doentes
TOTAL
Mulher
24hs
14hs
2hs
40hs
Parceiro
2h30
3hs
30min
6hs
Somando a esta tabela, a principal responsável pelas tarefas domésticas é a mulher, com 96% dos casos, sendo que a outra pessoa que participa dessas tarefas também é mulher em 46% das entrevistas. É nítido, portanto, que ainda a mulher é a que tem a jornada majoritária dos trabalhos domésticos. E a dupla jornada de trabalho em que a força de trabalho feminina está submetida.
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Capítulo 3: Trabalho docente e gênero na educação básica Esta pesquisa sobre relações de classe e de gênero no trabalho docente na educação básica em São Paulo, contou com um questionário realizado com 19 docentes da rede básica do Estado de São Paulo. O mesmo foi aplicado no período do pré-teste da pesquisa “Condições de Trabalho e Relações de Classe dos Docentes da Rede Básica de Ensino” a qual é fruto do trabalho coletivo que vem sendo realizado desde 2012 pelo GEPECSO – Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Educação e Classes Sociais, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp – Guarulhos), sob a coordenação do Prof. Davisson C. C. de Souza. O objetivo da pesquisa, ainda em andamento, é realizar uma amostra representativa do corpo docente do Estado de São Paulo para problematizar a posição e relações de classe que o professorado está inserido, além disso através dessa investigação gerar indicadores sobre as condições de vida e de trabalho, atuação politica e aspectos ideológicos. Desse modo, essa investigação
pretende
discutir
sobre
as
teses
da
precarização,
desqualificação,
desprofissionalização e proletarização, além de se inserir no debate sobre a problemática das classes sociais. Os dados aqui trabalhados são, portanto, uma amostra pequena de uma pesquisa que ainda está em andamento, mas que já nos fornece algumas pistas para discutir elementos referentes a gênero e trabalho na docência. Contudo, deve-se ressaltar que este questionário abarca aspectos políticos e ideológicos sobre o professorado, sendo elementos importantes para análise das relações de classe, como já foi exposto no capítulo 1. Entretanto, neste trabalho demos preferência por analisar os dados que pudessem relacionar as questões mais atreladas às condições de trabalho (formas de contrato, intensificação do trabalho, salário, controle do processo de trabalho, diferenças nas redes de ensino, diferenças salariais nos níveis de ensino) a partir de um recorte de gênero. Além disso, é importante destacar que a análise desses dados não tem pretensão estatística uma vez que o caráter dessa pesquisa é somente um exercício investigativo de um trabalho de conclusão de curso, além de ser uma amostra pequena. A proposta não é formular generalizações uma vez que há um numero baixo de respondentes frente ao quadro de docentes da educação básica. Conjuntamente a isso, há muitos casos (tendo como parâmetro o número total das entrevistas) de mulheres que trabalham na rede municipal de ensino, gerando dados viciados do ponto de vista da pluralidade da carreira docente da rede básica. Assim como há também, no grupo dos homens, uma quantidade alta destes no grupo etário mais jovem e que são estudantes, novamente viciando a amostra por um perfil específico. De todo
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modo, a coleta dessas entrevistas possibilitou mapear esses perfis da carreira docente segundo o recorte de gênero assim como permitiu dados comparativos das redes de ensino estadual e municipal. Traçando o perfil geral dos entrevistados e entrevistadas temos um grupo de 19 pessoas sendo que dez são homens e nove são mulheres; 15 pessoas se autodeclararam brancas, uma preta e três pardas (de acordo com a classificação do IBGE). Podemos dividi-los em três grupos etários, sendo o primeiro grupo com menos de 30 anos, com 14 pessoas; o grupo com mais de 30 e menos que 40 anos, totalizando 4 pessoas e 1 pessoa com mais de 40 anos. Os que concluíram a graduação somam um total de 11 e os que estão em andamento são 8. Referente à formação universitária, nove estão cursando ou tem formação na universidade pública e 10 estão ou tem formação na universidade privada. No que diz respeito à situação conjugal 11 são solteiros, 2 estão em uma união estável e 6 são casados. Por fim, no que se refere à renda exercendo atividade como docente, temos 3 faixas: i) os que ganham menos que R$ 1.000,00 tendo sete docentes; ii) os que ganham mais que R$ 1.000,00 e menos que R$ 2.000,00 totalizando o mesmo número de professores (7), e iii) os que ganham mais que R$ 2.000,00, com 5 pessoas. A maioria dos respondentes é da área de humanas e distribuídos na rede de ensino da seguinte forma: 4 dão aula na rede municipal, 14 dão aula na rede estadual e 1 dá aula na rede privada. Sendo que 4 professores/as dão aula em mais que uma escola. No decorrer do texto esses dados vão ficar mais claros tendo em vista as tabelas elaboradas e a discussão pretendida. Desse modo, a pesquisa conseguiu perceber ao longo da análise e de acordo com a bibliografia comentada, que a combinação das variáveis: 1) sexo, 2) idade, 3) estado civil e 4) número de filhos são as primeiras que devem ser avaliadas. Isso se justifica uma vez que para a mulher o ciclo familiar é um dispositivo que caracteriza a sua trajetória profissional, portanto ela ser casada ou não e viver ou não a maternidade são aspectos influenciáveis para sua inserção em determinadas profissões, principalmente na profissão docente, por ter uma jornada de trabalho compatível com a jornada doméstica. Abaixo, seguem 3 tabelas com a razão segundo sexo e cruzadas referente ao grupo etário (tabela 1), estado civil (tabela 2) e número de filhos (tabela 3).
47 TABELA 1 : Idade (Anos) até 30
30 até 40
+ de 40
Feminino
5 (55,5%)
3 (33,3%)
1 (11,1%)
9
Masculino
9 (90%)
1 (10%)
0
10
14 (73,6%)
4 (21%)
1 (5,4%)
19
TOTAL
TOTAL (100%)
De acordo com a variável dos grupos etários, percebemos que dentre os entrevistados há um número maior de pessoas jovens e que há mais homens do que mulheres nessa condição. Pelo fato do contingente masculino ser mais jovem do que o feminino pode ter contribuído para que exista mais mulheres casadas do que homens: TABELA 2: Estado Civil Solteiro(a)
Casado(a)
União Estável
TOTAL (100%)
Feminino
3 (33,3%)
4 (44,4%)
2 (22,2%)
9
Masculino
8 (80%)
2 (20%)
-
10
11 (57,9%)
6 (31,5%)
2 (10,6%)
19
TOTAL
A hipótese levantada acima de que a idade pode interferir no estado civil das pessoas pode ser verdadeira. Percebemos que das 11 pessoas solteiras, 8 são homens, já as mulheres, mais da metade está em situação conjugal. Abaixo, segue a tabela 3 segundo número de filhos de cada entrevistado: TABELA 3: Número de Filhos nenhum
1
2
3
TOTAL (100%)
Feminino
5 (55,5%)
-
4 (44,4%)
-
9
Masculino
8 (80%)
1 (10%)
-
1 (10%)
10
13 (68,4%)
1 (5,3%)
4 (21%)
1 (5,3%)
19
TOTAL
Os dados demonstram que há mais professoras mães do que professores pais. E há mais mulheres em situação conjugal do que homens. De acordo com os estudos sobre gênero e trabalho docente, a profissão docente é recanto para esposas e mães, uma vez que a jornada de trabalho dessa profissão é flexível colaborando para que a mulher consiga viabilizar as
48
atividades ligadas ao lar, como as tarefas domésticas de limpeza e de cuidados de outras pessoas. Dentre outros aspectos, ser docente é legitimado para mulheres casadas e mães, uma vez que, segundo o imaginário coletivo patriarcal, essa profissão mobiliza “habilidades femininas” relacionadas principalmente à maternidade: a mulher desempenha o papel enquanto educadora dos imaturos e segue isso por vocação (Hypólito, 1997). Assim, a hipótese levantada é que há uma tendência no corpo docente na inserção de mulheres casadas/mães, o que ainda não pode ser afirmado6. Todavia, tendo em vista a jornada flexível em que o exercício docente proporciona, a mulher “dona de casa” pode ao mesmo tempo cumprir seu papel enquanto esposa com as tarefas domésticas e com o cuidado dos filhos além de auxiliar financeiramente na economia doméstica. Ou seja, o trabalho docente é uma opção profissional que contribui para a manutenção do ciclo familiar em que a mulher se insere. Além disso, essas mulheres com nível de ensino superior encontram na escola maior facilidade de conseguir emprego, uma vez que, como já apontado no capítulo anterior, há uma limitação segundo sexo para que a mulher consiga integrar outros quadros profissionais mesmo tendo maior formação do que os homens. Outra informação do questionário está relacionada ao tipo de escola em que trabalham e em quantas escolas lecionam. Nessas entrevistas houve alguns casos em que o professorado dá aulas em mais de uma escola, lecionando ou não em redes de ensino distintas. Na tabela 4, há ao todo 24 casos em que um mesmo docente pode ter vínculos com mais de uma rede: TABELA 4: Tipos de Escolas Estadual
Municipal
Particular
TOTAL (100%)
Feminino
7 (58,3%)
5 (41,7%)
0
12
Masculino
9 (75%)
0
3 (25%)
12
16 (66,6%)
5 (20,8%)
3 (12,6%)
24
TOTAL
6
Para esta hipótese ser validada seria necessário mapear o índice de nupcialidade e de fecundidade em uma amostra mais abrangente do corpo docente e comparar com os dados da população geral, estes índices sobre as professoras não puderam ser verificados e encontrados até o final do desenvolvimento deste trabalho.
49
Embora houvesse casos no ensino privado e na rede municipal, a predominância dos docentes se deu em escolas públicas da rede estadual com um percentual de aproximadamente 66,6%. Há somente 4 casos em que 3 professoras e 1 professor lecionam em uma segunda escola e apenas 1 caso em que um professor tem vínculos com três escolas diferentes. Partindo disso e relacionando com o recorte segundo o sexo, percebemos que enquanto as mulheres se distribuem de maneira semelhante nas redes estadual e municipal, no caso dos homens é o contrário, pois há a total ausência deles na rede municipal enquanto ocupam majoritariamente a rede estadual totalizando 75% dos casos do grupo masculino. Quando nos referimos a rede privada de ensino o recorte segundo sexo fica ainda mais perceptível, surgiram apenas três casos de docentes homens e nenhuma mulher. De acordo com o que foi evidenciado no capítulo 2, essa divisão sexuada do professorado, segundo a rede de ensino em que lecionam, aparece de forma clara diante dessa pequena amostra. Sabemos que o ensino infantil e fundamental é predominantemente oferecido pela rede municipal, e o ensino médio pela rede estadual. Tendo em vista os dados do Censo Escolar 2012 sabemos que há o maior número de mulheres professoras no ensino infantil e ensino fundamental, ao passo que a quantidade de homens é bem menor. Para além de uma questão quantitativa, a repetição desses casos demonstra que quando o nível de ensino se trata da formação inicial das crianças, as mulheres assumem a docência. Isso não acontece por acaso, sendo correlacionado à lógica patriarcal, a qual designa o papel de reprodutora à mulher. Ou seja, o sexo feminino teria mais aptidões em lidar com as crianças por portarem naturalmente o dom maternal enquanto que o sexo masculino não conseguiria assumir o papel de educador, pois é despossuído de tais habilidades. Realmente, os homens não assumem estes níveis de ensino, mas também é fato que a justificativa para isso é ainda carregada pela discriminação sexual da docência no ensino para crianças e relacionar a maternidade a essa função docente. Além disso, a questão salarial atrelada a essas categorias são bem significativas, uma vez que quanto maior o nível de ensino em que se leciona, maior é a remuneração (Vianna, 2001; Novaes, 2010). Podemos exemplificar essa situação através do magistério na rede estadual, no qual os Professores da Educação Básica se dividem nos ciclos I e II (PEB I e os PEB II), sendo que os PEB II, que trata das séries finais do ensino fundamental e do ensino
50
médio, podem receber mais que os PEB I, que trata das séries iniciais do ensino fundamental. Todavia, se tratando da rede municipal de São Paulo, que assume a maior parte do ensino fundamental, o salário é maior do que na rede estadual7. Portanto, comparando com os dados do Censo Escolar 2012, percebemos que entre os entrevistados a tendência é a mesma, na qual mulheres assumem os anos iniciais da educação básica enquanto os homens têm sua trajetória docente para os anos finais do ensino. Mesmo na rede municipal de ensino em que a relação salarial é mais vantajosa, há uma forte ausência por parte dos professores homens, de tal modo que a tendência em ocupar os níveis de ensino maior não é somente uma escolha por renda, mas também enquanto status social e papéis mediados a partir das relações de gênero. Ainda em referência aos tipos de escolas, se observa vínculos de contrato diferenciados em que o professor e a professora estão submetidos. Há um leque de opções: efetivo, carteira assinada, temporário (substituto/eventual), que se distribuem de maneira distinta nas redes de ensino. Por exemplo, na escola estadual há a possibilidade de ser efetivo ou temporário (substituto ou eventual) tendo um alto índice de professores temporários, já na rede do munícipio percebemos que a possibilidade para cargos temporários é pequena enquanto que priorizam os vínculos contratuais efetivos e, no caso da instituição privada, o vínculo é empregatício via carteira assinada, tendo tanto efetivos como temporários. Cada tipo de vínculo pode implicar garantias e condições de trabalho diferentes para cada docente. No caso dos vínculos de contrato temporário, podemos classificá-los como precários, pois, mesmo desenvolvendo o mesmo trabalho que o professor efetivo, não tem as mesmas garantias dos direitos trabalhistas, de tal modo que a estabilidade no emprego não é assegurada, deixando o docente a mercê do quadro de atribuições de aula e da volta do professor que está substituindo, consequentemente o seu salário que tem por base em quantas aulas consegue atribuir, oscila conforme o quadro escolar. Ou seja, o vínculo temporário funciona de modo que possa recrutar mão-de-obra barata, semiqualificada (no caso dos estudantes ainda em formação e ministrando aulas) e sem maiores empecilhos para demitir ou
7
Contudo, essa diferença salarial também é decorrente de disputa política. Sabemos que desde quando o Secretário Municipal de Educação teve em seu posto o Prof. Paulo Freire com o governo de Luiza Erundina podemos perceber mudanças drásticas referentes a melhores condições de trabalho para a docência. E no caso da rede estadual, passamos há pelo menos 20 anos de sucateamento com políticas oriundas dos governos do PMDB e PSDB.
51
admitir empregados. Além do mais, os temporários se dividem em dois segmentos, os OFA’s (Ocupantes de função atividade) e os eventuais, este último tendo condições mais precárias que o primeiro, nem sequer possuindo vínculo empregatício com a rede de ensino. Na realidade do Estado de São Paulo, observa-se que essa prática de vínculo de contrato temporário se encontra na rede estadual ao passo que na rede municipal encontramos mais garantias de um contrato que vai de encontro com a estabilidade do docente e na rede privada encontramos o regime via CLT o qual assegura também direitos trabalhistas previstos em lei. Dessa maneira, a tabela 5 abaixo se refere aos dados com o tipo de contrato segundo o sexo: TABELA 5: Tipos de Contrato Efetivo
Temporário
CLT
TOTAL (100%)
Feminino
6 (50%)
5 (41,6%)
1 (8,4%)
12
Masculino
2 (16,6%)
7 (66,8%)
2 (16,6%)
12
TOTAL
8 (33,3%)
12 (50%)
3 (16,6%)
24
Neste cruzamento, entre os vínculos de contrato e sexo, há o destaque da predominância feminina nas formas de contrato efetivo (50%) e predominância masculina nas formas de contrato temporário (66,8%). No entanto, o caso dos contratos efetivos estarem mais ligados às mulheres do que aos homens, segundo esta amostra, se torna possível devido estas professoras estarem predominantemente na rede municipal, onde há mais possibilidades de contratos efetivos em relação a rede estadual. Ainda sobre isto, há a condição de que o ensino infantil e fundamental é da alçada do munícipio e, além disso, são níveis de ensino atrelados ao universo feminino, o que pode ser um fator que contribui para que as mulheres alcancem essa maior estabilidade do que os homens na educação básica através da docência por determinados níveis de ensino. Abaixo a apresentação da Tabela 6 cruzando os tipos de contrato com o nível de ensino:
52
TABELA 6: Tipos de Contrato segundo Nível de Ensino Efetivo
Temporário
CLT
TOTAL (100%)
Ciclo I
1 (100%)
-
-
1
Ciclo II
3 (42,8%)
4 (57,2%)
-
7
Ciclo I e II
2 (100%)
-
-
2
Médio
1 (11,2%)
5 (55,5%)
3 (33,3%)
9
1 (25%)
2 (50%)
1(25%)
4
-
1 (100%)
-
1
8 (33,3%)
12 (50%)
4 (16,7%)
24
Médio e Ciclo II Médio e EJA TOTAL
Podemos observar que a predominância de vínculos temporários se dá a partir do Ciclo II e se acentua no Ensino Médio. No total de 12 casos de vínculo temporário, nenhum é do Ciclo I, sendo o restante abrangendo o Ciclo II e o Ensino Médio. Os vínculos efetivos se dão, sobretudo, nos Ciclos I e II, sendo que diante do total de 8 casos, apenas 2 são do Ensino Médio. Consequentemente, fica perceptível que há um recorte bem acentuado diante das políticas sobre a carreira docente na rede estadual e na rede municipal, o que não será tema aprofundado nesta pesquisa. Contudo, este fato contribui para a inserção dos docentes em cada rede, podendo ser atrativo tanto ter um vínculo flexível de trabalho quanto assegurar a estabilidade nessa profissão. Conjuntamente a isso, a especificação por nível de ensino em cada rede também se torna um aspecto fundamental para a escolha docente. Sendo assim, a trajetória docente pode significar tanto um desejo profissional ou simplesmente uma maneira de não ficar desempregado por algum tempo. No caso específico de graduandos, o qual é o perfil predominante dessa amostra, ser professor da rede pública é uma possibilidade de emprego sem uma jornada de trabalho que possa interferir na jornada de estudos, permitindo horários flexíveis e não enrijecendo a escolha da profissão em um período ainda de formação acadêmica. Segundo o recorte de gênero com os tipos de contrato, podemos perceber que o tipo de contrato majoritário para os homens se dá por vínculos temporários e precários, enquanto que para as mulheres o vínculo é efetivo, mais estável, com melhores garantias trabalhistas. O alto índice de vínculos temporários no contingente masculino pode significar que a carreira
53
docente para este grupo é mais instável do que para as mulheres, já que para o grupo feminino a docência poderia representar um emprego com perspectivas de maior estabilidade, salário e plano de carreira do que em outras ocupações. Apesar da divisão sexual do trabalho restringindo o acesso ao mercado de trabalho para determinados tipos de ocupação segundo sexo de cada sujeito, sendo as mulheres o grupo mais atingido por essa questão, todas entrevistadas antes de serem professoras exerciam algum tipo de atividade remunerada e não se limitavam somente às atividades da esfera doméstica. Diante desse fato podemos explorar a ideia de que o modelo tradicional de família vem ao longo dos tempos sendo modificado através das relações de gênero, e o homem vem perdendo seu referencial enquanto único provedor da casa, entrando em cena a mulher como segunda fonte de renda como também os casos em que a mulher é a primeira fonte de renda, do mesmo modo também pode se afirmar que as mulheres estão conseguindo assumir mais postos de trabalho do que em tempos anteriores. Nesse sentido, dentre as profissões que foram respondidas, em relação a sua atividade ocupacional anterior a docência, no grupo das mulheres apareceram as seguintes ocupações: artesã, balconista, estagiária de ciências sociais, funcionária pública administrativa, operária, professora de artesanato, recenseadora do IBGE, recepcionista e vendedora. E por outro lado, no caso dos homens, todos (com exceção de um) exerciam também alguma profissão, sendo elas: técnico de informática, atendente de call center, dois auxiliares administrativos, bolsista de pesquisa, dois consultores financeiros, um inspetor de qualidade, e um oficineiro. No geral, conseguimos observar que os/as entrevistados e entrevistadas ocupam mutuamente, em sua maioria, profissões no ramo de serviços, embora haja essa semelhança no setor em que trabalhavam, não se pode dizer o mesmo com relação aos tipos de emprego. Por exemplo, as atividades em que as mulheres atuavam estão fortemente relacionadas com profissões que atendem o público e que não requerem alto nível de ensino (com exceção o estágio). Ao passo que nas atividades dos homens, podemos observar profissões ligadas a área de exatas, a qual tradicionalmente é ocupada por homens, e que não lidam diretamente com o público (exceto o atendente de call center e oficineiro) e que a priori, desenvolve mais aspectos de um trabalho não-manual do que os empregos femininos aqui descritos. Dessa forma, os dados sugerem que no caso desses entrevistados pode se observar o dispositivo sexual enquanto meio de acesso a algumas ocupações no mercado de trabalho. Além disso, as profissões descritas mobilizam áreas do conhecimento que também são sexuadas, no caso dos homens, há a
54
predominância das atividades estarem relacionadas à área de exatas, o que historicamente é perpetuado do ponto de vista das relações de gênero. Decorrente disso, perguntamos aos entrevistados a seguinte questão: “Como você avalia sua condição material de vida atual comparando-a com a que você tinha antes de trabalhar como professor(a)?”. A resposta foi diferente com relação ao grupo masculino e feminino, sendo neste último a assertiva de que a condição “melhorou”, e no grupo masculino a resposta majoritária foi a de que a condição material “ficou na mesma”. Segue abaixo a elaboração da tabela 6 com base nessas informações:
TABELA 7: Condição de vida material anterior em comparação com a condição material proporcionada pela função docente Melhorou
Continuou a mesma
Feminino
6 (66,6%)
2 (22,2%)
1 (11,1%)
-
9
Masculino
3 (30%)
5 (50%)
1 (10%)
1 (10%)
10
2 (10,5%)
1 (5,4%)
19
TOTAL
9 (47,3%)
7 (36,8%)
Piorou
Não Informou
TOTAL (100%)
Na realidade, a maior ascensão entre as mulheres do que nos homens pode ser evidente devido ao maior número de mulheres nesta pesquisa estarem ligadas a rede municipal de ensino, a qual tem melhores condições salariais do que as condições atribuídas aos docentes temporários da rede estadual, o que é a situação predominante no grupo dos homens nesta amostra. Por outro lado, essa condição pode indicar que o magistério representa melhores chances de ingresso no mercado de trabalho para as mulheres. Além disso, pode significar que o trabalho docente para o grupo masculino representa um trabalho mais precário do que para o grupo feminino. De toda maneira, mesmo tendo isso em vista, a recusa dos homens ao ingressar na rede municipal e por eles serem da categoria dos temporários, não diminui substancialmente no caso da carreira docente significar melhores condições materiais na vida da mulher do que para o homem. Outro elemento importante na trajetória docente é a origem familiar dos professores. Esse dado também pode compor a composição de classe do professorado, uma vez que pode representar sua mobilidade social ou não. Vejamos abaixo de acordo com as tabelas 7 e 8,
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primeiro as profissões dos pais e mães além da escolaridade dos familiares (pai e mãe) partindo da razão de sexo: TABELA 8: Profissões dos Familiares segundo razão de sexo Pai Feminino
Mãe Alimentício; Policial;
Aposentada dona de casa;
Marceneiro; Operador de
Dona de Casa (2);
Máquinas; Representante de
Bancária; Faxineira;
Vendas; Vendedor; Sargento
Diarista; Gestora de
Militar; Camelô.
qualidade; Professora; Enfermeira.
Masculino
Administrador Técnico;
Aposentada Manicure;
Aposentado Funcionário
Professora (2); Atendente;
Público; Cabista; Pedreiro;
Auxiliar Enfermagem;
Secretário Contador;
Cabelereira; Dona de Casa;
Vendedor; Aposentado
Psicopedagoga; Servidor
Engenheiro Elétrico;
Público.
Eletricista; Metalúrgico. TOTAL
17*
18**
* Grupo Feminino teve uma entrevistada que não informou a profissão do pai, e no Grupo Masculino houve um entrevistado que também não respondeu. ** Grupo Masculino teve um entrevistado que não respondeu a profissão do pai.
Tendo em vista as profissões, percebemos que tanto o grupo masculino como o feminino, partilham de uma origem familiar popular, não constando profissões que sejam componentes de ocupações com alto prestígio social ou que representam uma condição de vida com aspectos exclusivamente elitista. Essa situação ocupacional pode dialogar de algum modo com o nível de escolaridade dos familiares, vejamos esse dado na tabela abaixo:
56 TABELA 9: Nível de Escolaridade do pai e mãe segundo razão sexo Feminino
Masculino
TOTAL (100%)
Analfabeto
1 (100%)
-
1
1ª à 4ª série Fundamental
5 (83,3%)
1 (16,6%)
6
5ª à 8ª série Fundamental
-
3 (100%)
3
Ensino Médio Incompleto
1 (50%)
1 (50%)
2
Ensino Médio Completo
5 (35,7%)
9 (64,3%)
14
Ensino Superior Incompleto
2 (100%)
-
2
Ensino Superior Completo
3 (42,8%)
4 (57,2%)
7
Especialização
-
2 (100%)
2
Não Informado
1 (100%)
-
1
18
20
38
TOTAL
De acordo com a tabela acima, presenciamos uma forte presença dos pais e mães dos entrevistados compondo a educação básica, sendo sua maioria formada até o Ensino Médio completo. Há casos dos familiares serem ingressantes do Ensino Superior, mas não é majoritário. Esses dados atrelados às profissões, demonstra a tendência que quem exerce a docência são pessoas vindas de classes populares, tendo o trabalho docente como porta de entrada para ascensão social (Penna, 2011). Além disso, segundo o recorte de gênero, percebemos que há uma tendência de que a escolaridade dos familiares do contingente feminino seja mais baixo se comparada com o masculino, podendo indicar que o trabalho docente representa ascensão social para as mulheres, o que se relaciona com a perspectiva desse grupo de que sua condição de vida material melhorou depois de assumir a docência. Para poder avaliar de maneira mais precisa sobre a condição material da vida do/a professor/a mobilizamos a informação de renda segundo a remuneração do exercício docente. Na tabela abaixo, o cruzamento entre renda no exercício docente e sexo:
57 TABELA 10: Renda do professorado segundo sexo até R$ 1.000,00
R$ 1.000,00 até R$ 2.000,00
mais de R$ 2.000,00
Feminino
2 (22,2%)
3 (33,3%)
4 (44,4%)
9
Masculino
5 (50%)
4 (40%)
1 (10%)
10
7 (36,8%)
7 (36,8%)
5 (26,4%)
19
TOTAL
TOTAL (100%)
Na tabela 9 é possível perceber a implicância do tipo de vínculo de contrato permite perfis de várias rendas. As mulheres estão no grupo da renda mais elevada, isto pode estar relacionado ao tipo de vínculo contratual, o qual é majoritariamente “efetivo” no caso feminino. De outra maneira, isso pode demonstrar que as mulheres mantém vínculos há mais tempo do que os homens com a rede de ensino por ser uma profissão mais precisa do que no grupo masculino. De acordo com a situação de cada docente o seu salário tem uma quantia diferente, isto é acentuado pelo recrutamento do quadro docente temporário, na rede estadual, em relação ao afastamento de professores/as efetivos/as. A inserção da força de trabalho nessa atividade pode amparar grupos sociais diferenciados, uma vez que a remuneração segundo essa categoria profissional oscila e o salário se baseia na quantidade de horas/aula que ou estão a disposição na atribuição de aulas ou tendo como referência a motivação do docente. Isto pode ser afirmado somente no caso do professor temporário, o qual estabelece sua jornada de trabalho de acordo com sua demanda de renda ou da demanda das vagas ociosas na rede de ensino. O fenômeno do vínculo temporário na carreira docente precisa ser examinado com mais cuidado, sendo decerto um fator que contribuiu significativamente para a discussão das péssimas condições de trabalho na rede de ensino da educação básica. Não podemos deixar de mencionar que isso ocorre devido ao processo de acumulação capitalista flexível que incrementa novos tipos de contratos e tarefas acionando a precariedade de diversas profissões. A rotatividade de mão-de-obra na escola é um fato que perdura nas escolas públicas paulistas durante muito tempo, sendo a lei 500/74 que regulariza o docente temporário existente há pelo menos 30 anos (Novaes, 2009). Mesmo apontando essas condições de trabalho segundo o vínculo de contrato, ao questionarmos os docentes se gostariam de mudar de profissão, o índice dos que responderam
58
“não” foi um número significativo, principalmente no caso dos temporários. Vejamos esses dados na tabela abaixo: TABELA 11: Desejo de mudança profissional por tipo de vínculo
Efetivos Temporários
Sim
Não
4 (57,1%)
3 (42,9%)
7
4 (40%)
6 (60%)
10
-
2 (100%)
2
8 (42,1%)
11 (57,9%)
19
CLT TOTAL
TOTAL (100%)
Ou seja, em termos percentuais os dados mostram que 57% não gostariam de mudar de profissão ao passo que 42% tem o desejo de estar em outra profissão. Distribuídos nos tipos de vínculo observa-se que mais da metade do grupo dos temporários não querem migrar para outro tipo de ocupação, enquanto que nos efetivos quase a metade deseja a mudança profissional. Vejamos o dado sobre desejo de mudança profissional segundo recorte de gênero: TABELA 12: Desejo de mudança profissional segundo sexo Sim
Não
Feminino
6 (66,6%)
3 (33,3%)
9
Masculino
2 (20%)
8 (80%)
10
8
11
19
TOTAL
TOTAL (100%)
Observa que o grupo feminino tem a maioria desejando a mudança de profissão, porém, qualificando o dado segundo qual tipo de profissão estes docentes gostariam de ocupar, temos que três mulheres gostariam de assumir cargos da direção e/ou coordenação da escola, o que significa ainda permanecer em uma profissão na área da educação, mas tendo em vista melhores condições salariais, assim como a possibilidade do exercício da autoridade no ambiente de trabalho. No caso dos homens, a maioria pretende permanecer na profissão, ainda que represente vínculos de contrato precários para este grupo.
59
As apresentações da amostra, até este momento, demonstraram que há ainda uma discriminação sexual com relação a assumir aulas segundo o nível de ensino, sendo os anos iniciais do ensino fundamental e ensino infantil opção das professoras, além disso, sendo a divisão desses níveis por rede de ensino, pudemos perceber que há mais homens na rede estadual, e que por este fato pode ter maior número de mulheres na rede municipal. De todo modo, há desigualdade no trabalho docente com referencia ao sexo de quem ministra as aulas. Mais do que isso, outro fator fundamental para a discussão de trabalho e gênero é sobre a realização das atividades domésticas, tendo em vista quem realiza, quanto tempo se dedica a essas atividades, se contrata ou não serviço de empregada doméstica, etc. Isso foi levado em conta na entrevista com o professorado, e no geral, o resultado foi de que todas as mulheres realizam as atividades domésticas e no grupo masculino, exceto dois entrevistados, todos realizam as tarefas domésticas. Segue abaixo a tabela evidenciando estes casos: TABELA 13: Realiza Atividade Doméstica? Sim
Não
TOTAL (100%)
Feminino
9 (100%)
0
9
Masculino
8 (80%)
2 (20%)
10
17 (89,5%)
2 (10,5%)
19
TOTAL
Mesmo que apenas seja dois casos que não realizam a atividade doméstica, há de se destacar que são dois casos masculinos e a responsabilidade do desempenho dessas tarefas são assumidas em um caso pela mãe do respondente e em outro por uma empregada doméstica contratada. Este índice sobre contratação do serviço de empregada doméstica vale ser ressaltado, afinal se torna emblemático uma vez que nenhuma mulher contrata este tipo de serviço o que não é o mesmo caso para os homens, totalizando dois casos: TABELA 14: Empregada Doméstica realiza tarefas domésticas Sim Feminino Masculino TOTAL
Não
TOTAL (100%)
-
9 (100%)
9
2 (20%)
8 (80%)
10
2 (10,5%)
17 (89,5%)
19
60
Ainda com relação a essa variável, o tempo de dedicação também é elemento que deve ser analisado. Perguntamos aos entrevistados e entrevistadas quanto tempo é gasto em horas semanais na realização das tarefas domésticas. De acordo com a tabela 11 podemos observar estas informações: TABELA 15: Tempo (horas semanais) gasto nas atividades domésticas nenhum Feminino
-
1a2h
2 a 5h
mais que 5h
TOTAL (100%)
1 (11,1%)
4 (44,4%)
4 (44,4%)
9
Masculino
1 (10%)
3 (30%)
6 (60%)
-
10
TOTAL
1 (5,4%)
4 (21%)
10 (52,6%)
4 (21%)
19
Na maioria dos casos masculinos o tempo de horas semanais dedicadas aos cuidados da casa foi entre 2 à 5 horas, o que corresponde a uma dedicação considerável. No entanto, ainda são as mulheres que se dedicam mais a jornada doméstica do que os homens, e no caso das entrevistadas dessa amostra, tem de lidar com essas tarefas paralelamente a sua jornada de trabalho na escola.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS O debate sobre a inserção de classe do trabalho docente e sua relação com a divisão sexual do trabalho é uma abordagem teórica que ainda carece de estudos de ampla investigação empírica que possibilite um debate mais complexo frente às mudanças sofridas na sociedade de classes. Os estudos de gênero aliados ao debate da teoria da luta de classes também se mostrou uma área recentemente explorada e dificilmente consolidada em pesquisas contemporâneas. De uma maneira geral, baseando-se nos estudos sobre a história da educação brasileira, percebemos que o professorado sempre sofreu no que diz respeito a péssimas condições de trabalho, sobretudo, na questão dos baixos salários atrelados a essa ocupação. Desde a origem da instituição escolar pública no Brasil, há um processo de precarização da carreira docente, desde sua formação profissional com as Escolas Normais até agora com as Licenciaturas por áreas (Marcílio, 2005). O processo histórico da educação básica paulista aponta que a carreira docente é alvo de políticas educacionais que não valorizam a profissão. No entanto, a desvalorização da profissão docente, não pode ser entendida de maneira generalizada, uma vez que há diferenças substanciais na carreira diante das redes municipal, estadual, federal e privada. Tendo em vista os dados oficiais como os levantados pela nossa amostra, a diferença entre as redes de ensino é significativa no que diz respeito principalmente pelo recorte de gênero. O grupo feminino se mostrou em predominância na rede municipal, uma vez que é de sua responsabilidade ofertar os níveis escolares do ensino infantil e fundamental, o que corresponde para a função docente, segundo os estudos de gênero, mobilizar habilidades femininas atreladas a questão da maternidade e reprodução. Isso fica evidente ao analisar as tabelas do Censo Escolar de 2012 que apresenta o grupo masculino nos anos iniciais do ensino com baixos percentuais e vai aumentando gradualmente quando nível de ensino também atinge maior grau de escolaridade. Além disso, as redes estadual, municipal e privada apresentaram diferenças quanto ao vinculo de contrato estabelecido com o professorado, esses tipos de contrato separados principalmente entre “efetivos” e “temporários” se relaciona com os níveis de ensino, que por sua vez tem como aspecto diferenciador o gênero. A forte presença de mulheres com o vínculo efetivo, sobretudo na rede municipal, demonstra dois aspectos: primeiro a correlação entre “habilidades femininas” e níveis de ensino; segundo que a profissão docente pode
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representar uma ocupação mais estável e mais atrativa para a mulher, o que não conseguiria em outras profissões. De outro modo, o grupo dos homens teve alto índice nos vínculos de contrato temporário e nos níveis de ensino finais, além disso este grupo era marcado com forte presença do grupo etário mais jovem. Assim, podemos colocar como um pressuposto a ser melhor investigado que a docência representa para o grupo de homens jovens reduto de trabalho precarizada e instável. De toda forma, analisar o trabalho docente tendo em vista as relações de classe se torna tarefa complexa, uma vez que tal profissão não é homogênea, o que desencadeia uma série de situações e condições que não podem ser classificadas segundo uma classe social especifica. O que podemos pressupor que classe social não é profissão. E que o trabalho docente é permeado por inúmeros contextos que devem ser analisados criteriosamente, não generalizando o corpo docente como uma única classe, sem antes esboçar uma investigação empírica que se relacione com a teoria discutida. Portanto, a tendência em inserir o professorado nas chamadas classes médias pode ser feita diante da tentativa de homogeneizar a profissão docente e não investigar de maneira que coadune a teoria de classes com a observação empírica específica que o trabalho docente vem passando de acordo com os critérios que circundam cada rede escolar. Além disso, o conceito classe média está atrelado a teoria weberiana, o que precisaria de uma renovação na abordagem teórica, uma vez que parte de conceitos não partilhados inteiramente pela tradição marxista. Por outro lado, a teoria marxista não se coloca como uma teoria conclusiva ou dogmática, partindo da concepção do materialismo histórico-dialético, é possível que a formulação de novas classes sociais seja também possível para além do que Marx conseguiu examinar em sua época. Assim como a composição de novas frações de classes. Nesse sentido, o desenvolvimento teórico que Poulantzas sugere em inserir os trabalhadores nãomanuais na nova pequena burguesia se mostrou rico para o exame da estrutura de classes no contexto atual, assim como para discutir a inserção de classe dos docentes. As relações de gênero foram percebidas de maneira significativa ao relacionar a desigualdade entre homens e mulheres ainda presentes na sociedade burguesa. A divisão sexual do trabalho evidencia que na sociedade de classes ainda o sexo é diferenciador social que marca a força de trabalho. Diante disso, foi possível perceber que a docência é reduto do contingente feminino por estar atrelado ao papel de reprodução que a mulher desempenha sendo mãe. Além disso, ser esposa e mãe se apresentou ser um elemento que também
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distingue a mulher enquanto trabalhadora e a insere em guetos profissionais como o trabalho docente. Assim, ser mulher na sociedade de classes brasileira representa ter menos chances de ingressar em qualquer tipo de trabalho além de apresentar oportunidades de emprego em que priorizem “habilidades femininas” oriundas de uma concepção biologizante encarando a mulher apenas como reprodutora. Apenas apontar ou a classe ou o gênero como sendo elemento de desigualdade entre os agentes sociais se torna insuficiente, uma vez que essas duas relações são articuladas e se potencializam diante do modo de produção capitalista. É nítido perceber que a divisão técnica, social e sexual do trabalho estão em articulação para a fragmentação ainda mais acentuada dos agentes sociais em determinadas classes.
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