GAVETA Da
press
Ano I - Número 1 - Maio de 2015 - Distribuição Gratuita
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Editorial da GAVETA
rezados leitores, é com muita satisfação que apresentamos o Jornal Da Gaveta Press. Uma ideia que vem desde a infância. Sempre sonhei em ter minha própria publicação com certa periodicidade e, no ano passado, decidimos (eu e minha irmã Amanda Vargas) colocar em prática e tornar esta publicação realidade. Desde criança desenho e escrevo. Cultivei pilhas e pilhas de papéis dentro das gavetas, caixas, armários, pastas, envelopes, CDs, DVDs... ou seja, todos os tipos de suporte onde se podem colocar trabalhos, desde os primeiros rabiscos de um desenho, ideias para crônicas, contos, roteiros de filmes ou um poema finalizado. Na orelha do meu primeiro livro (que escrevi aos 8 anos de idade, “Minha Primeira Vida” publicado em 1988, já com 10 anos.) meu pai, Luiz Nicanor escreveu: “(...) Desde nenê que foi visto pelos pais como um dos maiores gastadores de papel em branco que já se viu, e também de lápis e canetas. Passava a maior parte do tempo a rabiscar desenhos e manusear livros. (...)” Após o lançamento do meu primeiro livro, venho participando de diversas coletâneas desde livros, revistas e jornais, publicando poesias, contos, crônicas, tiras, cartuns, charges, ilustrações editoriais e histórias em quadrinhos. Em 1996 comecei a fazer meu primeiro fanzine. Publiquei muita coisa, mas não é nem um terço do que produzi. A maioria encontra-se ainda dentro de caixas, armários e gavetas.
O nome veio daí. Quantos artistas, produzem e não publicam? Este é mais um espaço para que isso aconteça. O Jornal Da Gaveta Press, quer divulgar escritores, cronistas, contistas, poetas, cartunistas, fotógrafos, cineastas, atores e pintores. Colocar a arte nas ruas e dentro de seus lares. É um jornal que se torna colecionável. Gostaríamos muito de agradecer nossos primeiros anunciantes que confiaram no nosso trabalho, sem ainda ter o jornal nas mãos, e aos escritores desta edição que prontamente nos enviaram seus textos após o convite. A todos os leitores, uma boa leitura. Esperamos que gostem deste número 1 que teve como tema principal o “tirar da gaveta e publicar”.
Editores Amanda Vargas Luiz Gustavo Vargas
Luiz Gustavo Vargas
DA GAVETA PRESS Apresentação:
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Jornal Da Gaveta Press tem como objetivo trazer aos leitores mais um veículo impresso cultural e de entretenimento. Com este nome almejamos incentivar autores a “tirarem suas obras das gavetas” e formar novos amantes da leitura com abordagens culturais, trazendo novidades e aqueles textos “esquecidos por tantos autores”. Inicialmente fizemos convites pes-
EDITOR: Luiz Gustavo Vargas COMERCIAL: Amanda Vargas PROJETO GRÁFICO E ILUSTRAÇÕES: Luiz Gustavo Vargas - (Dr. Insekto) DIRETORES: Amanda Vargas Luiz Gustavo Vargas
soais aos escritores, futuramente queremos apresentar e receber novos materiais dentro dos gêneros: contos, crônicas, poesias, entre outros, selecionando-os conforme a demanda e os espaços disponíveis.
COLABORADORES: Luiz Nicanor, Eduardo Jablonski, Joelson M.
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de Oliveira, Luiz Gustavo Vargas - “Doutor Insekto”, Jo Reis, Jeison Placinsch, Maurício Collar e Felipe Essy. Da GAVETA Press: CNPJ: 20.986.372/0001-46 Inscr. Municipal nº 43592 e-mail: dagavetapress@gmail.com Telefone: (51) 8585-4301
Crônicas da GAVETA
DO DESTINO DA MAIORIA DOS TEXTOS: A GAVETA Luiz Nicanor
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bservando e mesmo lendo a biografia dos escritores, encontram-se duas situações diferentes e, de certo modo, cada uma delas, com a sequência evolutiva, em muitos pontos parecidas. Existem aqueles autores que alcançam a consagração mais cedo, apresentando melhor facilidade no encontro de editoras, tendo suas obras até traduzidas. No entanto, um número extensamente maior às vezes deixa a vida sem o prazer de pegar em pelo menos uma de suas obras impressas, muitos ficando totalmente esquecidos, como se jamais perambulassem por nosso planeta. Alguns atingem o reconhecimento póstumo, jamais imaginando, ou apenas sonhando, que um dia serão citados, estudados e usados como referências. No meu caso, utilizando praticamente todo o tempo disponível ao meu trabalho médi-
co, esperava a aposentadoria para dedicarme com mais afinco ao prazer da literatura. Mas, deparei-me com uma situação imprevista: na realidade, não é fácil de uma hora para outra alguém desfazer-se das funções que exerceu por quase quarenta anos,
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máxime ainda quando se trata de uma profissão onde o escopo é ajudar ao próximo de algum modo, como é o caso, principalmente, da medicina previdenciária. Mesmo assim, desde a infância, sempre procurei, mesmo nas horas mais imprevisíveis,
escrever alguma coisa e o destino de todo esta criação, salvo alguns casos, foram fatalmente as gavetas e as caixas de papelão. Mantenho até hoje um número significativo de trabalhos em manuscrito, outro tanto apenas datilografados, sem tempo nem de corrigi-los, quanto mais passar para o computador. As exceções acima citadas foram os textos publicados em jornais e três livros editados em gráficas, diretos do original, sem tempo para um mínimo de revisão. Cheguei ao ponto de proferir uma verdadeira blasfêmia literária quando um amigo me comentou que todo texto deve ficar algum tempo esquecido e depois revisado. Eu declarei que mal tinha tempo para publicar alguns, quanto mais revisar. Atualmente, no confronto das publicações com os originais e com um mínimo de revisão, já se torna gritante o erro de não se fazer, pelo menos, uma limpeza em palavras repetidas, frases às vezes incompletas, ambíguas, e, o que é pior, com descuido principalmente da estilística. Meu primeiro texto publicado foi uma novela escrita numa tarde e no dia seguinte apresentada na aula da quarta série ginasial. Era um tema de casa. Todo aluno deveria escrever alguma redação, história, um pensamento, um poema... Eu optei por uma novela em dez capítulos, O Fantasma do Rio, o único texto escolhido para publicação no jornal A Voz da Escola do Colégio Santa Teresinha. O meu primeiro soneto publicado e mais alguns poemas, se não me engano dois, foram também neste mesmo jornal. Este fato ocorreu em 1960. Depois, quanto a periódico, voltei a escrever em 1973 em O Comercial, sendo que os textos eram datilografados diretamente na redação. Publiquei textos na Folha Patrulhense, muitas vezes também com este descabido
expediente de datilografar o texto diretamente na empresa e na hora do fechamento da edição. Atualmente faço parte do grupo a escrever na coluna do Grêmio Literário Patrulhense. Apesar destes percalços, sempre procurei participar de antologias, periódicos, blogs, atualmente livros coletivos. Em nossa terra, sou um dos invictos da série Poesia na Praça, em 2014 lançamos o volume 25. De obras coletivas já estamos no segundo volume do Prosa na Varanda. Sem nenhuma intenção de validar a quantidade em detrimento da qualidade, devo dizer que, no meu caso, isto é apenas uma pálida visão da ponta do iceberg. O grande volume dos meus textos permanece em
estado de crisálida, em outras palavras, inexistentes, no limbo, pois um escrito só é válido quando na mão de algum leitor. Por incrível que pareça, a impressão que tenho é cada vez aumentar a dificuldade neste trabalho, apesar de eu tentar de todas as maneiras por um fim nesta deturpação em minha vida. Não basta apenas acordar um manuscrito jazendo no esquecimento e alimentando traças e cupins. O primeiro passo é verificar se existe justificativa de mexer com o mesmo, se já não caducou e ficou fora dos cânones atuais, se apresenta algo a enternecer algum
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leitor. Em seguimento a parte mecânica, ou seja, os ajustes do texto, a correção ortográfica, as palavras repetidas, as frases claudicantes no expressar de alguma ideia. E, então, a parte mais importante de todas: a publicação. Óbvio que não podemos sair por aí com textos copiados ou xerocados distribuindo nas casas dos amigos, largando em redações de jornais ou em editoras. O caminho mais certo é a procura de obras coletivas, antologias, concursos, edições individuais. Tudo atrelado a um fator de modo nenhum possível de ser descartado: o tempo. Porém, como todos sabemos, não é possível abandonar de todo os afazeres profissionais, sociais, familiares, mesmo em prejuízo deste prazer único que é a criação literária. Quanto aos textos copiados e xerocados, a exceção é os zines, não esquecendo a famosa geração mimeógrafo dos anos 70, que tanto enriqueceram nossa cultura. Contudo, sempre alguém aparece com o intuito de ajudar a este imenso contingente de profissionais da palavra, e, no momento, surge mais uma opção, o jornal literário Da Gaveta, o qual veio com a incumbência de acolher a todos e lançar os textos de acordo com a ordem de chegada. Um adendo pertinente: Em 13 de agosto de 2014, já com este comentário pronto, participei do lançamento da quarta edição da Feira do Livro de Santo Antônio, cujo patrono é o reconhecido escritor e ativista cultural Odilon Ramos e o homenageado o nosso poeta, autor de mais de cinquenta obras, Luiz Coronel. Ele citou uma frase a um grupo pequeno e repetiu a mesma em sua oratória: Não devemos engravidar gavetas! Portanto, tiremos as obras da gaveta e passemos para Da Gaveta.
Crônicas da GAVETA
COMO INICIEI NA LITERATURA Eduardo Jablonski*
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sta é uma verdadeira novidade para mim: até hoje, depois de 25 anos dedicados à literatura, nunca escrevi sobre como iniciei na área que amo. Quando eu tinha 13 anos, comecei a escrever uma novela (graças a Deus deletada) sobre a minha carreira de jogador de futebol. Embora tenha jogado no Grêmio, Internacional, São José, Cruzeiro, Aimoré e Novo Hamburgo, devo ter sido o pior jogador de todos os tempos. Sempre fui reserva, joguei apenas duas vezes, entrando nos últimos 5 minutos, e fiz um gol. Aos 15, participei de um concurso informal para escrever o hino do Colégio Alcides Cunha, de Porto Alegre, e ganhei, mas a professora que me convidou pôs o nome dela no lugar do meu. Durante anos, fiquei amargurado por isso, mas hoje agradeço, porque a letra era péssima. Ainda com 15 anos, envolvi-me com duas bandas de rock – Cadeira Elétrica e Metrópole. Fui o primeiro vocalista das duas, e, quando eu
saí de cada uma, elas se tornaram profissionais. Produzi em torno de 200 letras de música, todas horríveis. Afinal, eu tinha 15 anos. Infelizmente, continuo sabendo algumas decor. Escrevi um livro de poemas e comecei a mandar para vários concursos. Ganhei 16, mas só depois me dei conta de que eram falcatrua, pois bastava pagar, que todos recebiam os certificados de menção honrosa. Assim pus todos no lixo. Como eu tinha uma facilidade enorme para escrever, produzia tudo muito rápido, um artigo em questão de cinco minutos, fiz vestibular para a faculdade de Jornalismo na PUCRS e na UFRGS e fui aprovado somente na privada, motivo pelo qual minha mãe me pôs para a rua. Fui viver num apartamento abandonado durante quatro meses e emagreci uns 10 quilos, porque não tinha o que comer. Consegui emprego no Jornal Radar, de Canoas, e logo pedi para o dono o espaço para escrever uma coluna de crítica literária. Eu havia me apaixonado por Otto Maria Carpeaux e desejava ser igual. Eu não entendia nada de crítica, mas comecei a ler dois livros por semana, um de ensaios teóricos sobre literatura e outro de clássicos. Aprendi bastante, mas devo ter feito
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a pior crítica literária de todos os tempos no período de 1990 a 1994. De vergonha, joguei tudo fora. Fui contratado para ser editor no Jornal Exclusivo, que pertence ao Grupo Sinos (proprietário, entre outros, do jornal NH). Atuei seis anos como editor de Cadernos Especiais do Exclusivo e um ano como editor de contracapa do Jornal NH. Durante esse tempo, entrevistava escritores e fazia artigos de crítica literária. Além disso, viajei o Brasil todo, sempre entrevistando empresários e, nas horas vagas, escritores. Conheci Manoel de Barros em Campo Grande, Haroldo de Campos em São Paulo, Wilson Martins em Curitiba, Nélida Piñon e Antônio Carlos Villaça no Rio de Janeiro, entre outros. Dentro das redações do Jornal Exclusivo, como eu produzia muito rápido, e havia uma competição oficial entre os jornalistas para ver quem escrevia mais, passei a escrever um livro de crônicas (Vestígios de Flores Matam) e ficava em primeiro lugar todos os meses na competição entre os redatores. Um amigo me conseguiu o patrocínio da Indústria de Calçados Paulina Modas, e eu me vinculei ao jornal La Stampa, de Canoas, no qual também passei a assinar uma coluna de crítica literária por anos. A Editora La
Stampa lançou o livro com o dinheiro da indústria. Esse livro me rendeu sete prêmios literários sérios, ou seja, eu não precisei pagar pelos certificados. E ainda fiquei entre os dois finalistas do Açorianos de 1997. Perdi para Caio Fernando Abreu. Também mereci muito espaço na imprensa. Muita gente escreveu matérias sobre mim nos jornais do Grupo Sinos, no Jornal do Comércio, na Zero Hora e no Correio do Povo. Em 1997, paguei para publicar um livro de poemas
(Homem é menos que homem) inspirado em Mario Quintana, mas a repercussão não foi boa. Em 2002, publiquei um livro chamado Estudando Jornalismo em Inglês como um caderno universitário pela Editora da Unijuí, visto que eu dava aula naquela universidade desde 2000. Em 2006, paguei para publicar a monografia final do meu curso de pós-graduação em Ética no Unilasalle. O título era Ética Empresarial Baseada na Filosofia. Até hoje é o meu livro mais apreciado. Segui escrevendo artigos para jornais. Publiquei no Jornal do Comércio, no Correio de Gravataí, na Zero Hora e no Correio do Povo. Em 2010, o poeta Luiz de Miranda me convidou para escrever um livro sobre a obra dele.
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Fizemos o seguinte acordo: ele arranjaria a editora, e eu escreveria. O poeta conseguiu um contrato com a EdiPUCRS, e eu escrevi Luiz de Miranda – o Senhor da Palavra, uma mistura de biografia e crítica de literatura. O poeta José Eduardo Degrazia comprou o livro na sessão de autógrafos e mandou um e-mail no dia seguinte. Queria um livro sobre ele também. Propus o mesmo acordo: fiz o livro e ele publicou pelo Clube Literário de Gravataí em 2013. O nome foi Degrazia pinta palavras, mas, desta vez, eu analisei um por um dos livros do autor e fiz uma longa entrevista sobre processo criativo com ele, texto que foi incluído no final da obra. Em 2013, eu ofereci o mesmo projeto ao dono da editora Clube Literário de Gravataí, Borges Netto, autor na época de 17 títulos. Ele aceitou, eu li todo o seu material e fiz um livro nos mesmos moldes do anterior. Foi publicado pela editora dele com o título Natureza da Palavra em Borges Netto. Ao mesmo tempo, eu seguia produzindo prefácios e artigos sobre Luiz de Miranda para publicá-los nos livros dele, que eram impressos por editoras comerciais duas vezes ao ano. Então, como eu já tinha quase outro livro pronto, indaguei se ele não gostaria de fazer mais um. Luiz de Miranda, então, conseguiu contrato com a editora Pradense, de Porto Alegre, e Palavra Revelação em Luiz de Miranda foi autografado na Livraria Cultura, no Bourbon Country, em Porto Alegre, no dia 7 de outubro, e na Feira do Livro no dia 4 de novembro de 2014. O que gosto de fazer mesmo é crítica literária, mas tenho uma novela que eu reescrevi umas 100 vezes de 1996 a 2013 e cujo nome é Inferno de Dziecko. Trata-se da minha biografia literária. Esse livro foi publicado como e-book em 2013, mas isso eu não incluo no meu currículo. Espero conseguir uma editora comercial para publicá-la em breve. Se não der, vou pagar para publicar. *Autor de mais de 800 artigos de crítica literária para jornais, oito livros (quatro deles de crítica, dois por editoras comerciais), vencedor de nove prêmios, um dos quais o 2º lugar no Açorianos de crônica em 1997, Eduardo Jablonski é mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS, tem especializações em Inglês (Unilasalle), Ética (Unilasalle) e Gestão Financeira (Faculdades QI), além de licenciatura em Letras (Unilasalle), com habilitação em Inglês, Português e Literaturas.
Crônicas da GAVETA
LUZ DE VELA
borracha no campinho ao lado da bodega do S. Pedro Luiz, no Barro Vermelho, onde eu morava. Era um campinho Joelson M. de Oliveira pequeno, ao lado da faixa, de um lado cerca de arame, e do outro, maricas. Jogávamos descalços, com sol ou chuva. esolvi, dia desses, garimpar as gavetas da minha Quando chegava em casa com a roupa embarrada, era memória. Lembrei-me dos idos anos cinquenta, briga na certa. ainda no inicio, quando comecei a trilhar os pri- Não faltavam, também, as descidas de carros de lommeiros passos dos caminhos escolares. bas, as caçadas de passarinhos. Como travessura, Não passava de um moleque, como qualquer amarrávamos latas velhas nos rabos dos cavalos outro da minha idade: Estudava um turno e fazia soltos pelos becos e largávamos estrada afora só para ver a travessuras no outro. barulheira e a disparada. Programa, quase diário era jogar futebol, com bola de Com os contatos na escola, comecei a me interessar pela leitura. Logo surgiram os gibis e a paixão por Zorro, Roy Rogers, Tarzan e tantos outros. Quando, já estudando nas freiras, na Vila, conheci o jogo de botões. Ganhei um jogo plástico, muito ruim. Jogava numa área de minha casa, com piso de mosaico, todo desparelho. Tinha, também, a bolinha de gude. Mas, em todos os jogos que dependia de pontaria eu era péssimo, pois enxergava muito pouco, embora naquela época, na santa ignorância, não sabia que tinha sério problema de visão. Lembro-me do uniforme caqui e da ida de bicicleta para as freiras. Em uma certa época fiquei almoçando no colégio para estudar à tarde. A comida era muito ruim. Naquela época não existia luz no Barro Vermelho. Eu gostava de ler e tinha que fazer à noite, pois durante o dia não parava nunca. Ia me deitar e lia à luz de vela. Por varias vezes, em razão da minha dificuldade visual, me aproximava muito da vela e pegava fogo no meu cabelo. Tinha que apagar imediatamente, mas ficavam os sinais bem salientes. Todavia, aquelas marcas no cabelo nunca me incomodaram, pois o prazer da leitura era bem maior e, hoje, muitos anos depois, posso afirmar que as marcas que ficaram são as que me fazem amar a literatura, de ler muito e tentar escrever alguma coisa. Ambas me dão uma enorme satisfação.
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Contos da GAVETA
O RETRATO Luiz Gustavo Vargas (19 de julho, 2014)
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fotógrafo tira mais uma foto da modelo no estúdio, pede que ela mude de pose, ajeita a câmera, tira outra. - Ótimo, ficaram perfeitas estas últimas. - Acabou? - Pergunta a modelo. - Sim, por hoje é só. A Modelo pega seu casaco, bolsa e sai para se trocar. A namorada do fotógrafo se aproxima. - Pensou no que te disse sobre a revista? - Pensei, mas não conheço nenhum autor de livros
que queira abrir sua casa, tirar fotos... Conheço uns, não famosos, ou com certa importância... -E aquele que te falei? Não sei como, não lembro, mas ouvi muito falar dele. Sei mais ou menos onde ele morava... - Morava? - Às vezes tenho flashes em sonhos, como se o conhecesse pessoalmente, como se ele me mostrasse a sua última obra... Tem que ser ele, imortalizá-lo para o mundo. Isso não sai da minha cabeça... O carro anda devagar descendo a rua, chega perto da praça, jovens jogam futebol e fazem exercícios. Estacionam próximo e de longe os dois avistam a casa.
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-Acho que é ali – Mara fala para Felipe. - Incrível. Só este lugar me renderia ótimas fotos. – Felipe sai do carro e pega o material fotográfico. – Vou tirar umas fotos da casa, deve estar abandonada há muito tempo. Felipe observa com admiração e fotografa os detalhes. Mara bate na porta, e fica esperando. - Acho que não tem ninguém. - Ninguém deve morar aí há anos – Felipe volta a fotografar. Mara vira e vai bater novamente e a porta se abre. -Boa tarde... - Ai, que susto... - Em que posso lhe ajudar? – Pergunta o dono da casa. - Estamos procurando pela residência do escritor Vargas, tive informações que ele morou aqui há muito tempo! - Sim, morou, na verdade, mora. - Mora? - Suas lembranças ainda moram! Está tudo como ele deixou. Principalmente a biblioteca, onde passava horas de seus dias escrevendo, desenhando... Ele era muito ativo na imprensa naquela época... - Engraçado, parece que conheço este lugar... Felipe olha para a namorada e volta a fotografar toda aquela bagunça. Livros amontoados pelo chão, jornais, teias de aranha, etc. Registra todos os detalhes. - Isso é incrível, gostaria de ver mais coisas. Existe materiais originais dele que não foram publicados? - Muitos! - responde o dono da casa – olhem aqui, e mostra sobre a mesa, diversas folhas, estes foram seus últimos trabalhos. Estão tudo pela metade, ele desenhava um pouco em uma folha, esperava o nanquim secar e começava a desenhar em outra, mas não houve tempo de terminá-los. Bom, mesmo se terminasse estes, sobraria novos ainda sobre esta mesa da mesma forma, ele não parava nunca, fora a literatura... - Que lindo. - Mara pega uma ilustração enquanto o homem abre um armário pequeno. - Olhem isso, são diversos originais de seus l i v ro s, muitos podem se perder. O teto tem furos, gambás, ratos, chuva, telhas quebradas, não tenho como fazer a manutenção e...
- E os originais? Você fez cópias? Mandou para alguém? Alguma editora interessada, ou a biblioteca pública? Imagina se isso se perder? – Mara o indaga empolgadíssima. - Não, infelizmente não tive como enviar para nenhum lugar. As únicas cópias são estas, ninguém tem conhecimento delas, até agora, apenas vocês, se poderem... - Fazer cópias? – Mara olha as pastas amareladas e brilha os olhos. – Ficaria muito feliz, pode confiar na gente! - Espero mesmo poder confiar e confiarei em vocês! Acho que tudo se perdeu neste tempo e não tenho as mínimas condições de salvar mais isso, nem manutenção da casa, nada... - Imagino. – diz Felipe com uma cara de desconfiado, fotografando os originais dentro do armário. Os dois guardam parte do material do escritor em uma mala, enquanto escutam o dono da casa. - E estes são os últimos, são livros de diversos assuntos, crônicas, poesias experimentais, ilustrações, quadrinhos, contos... Tem de tudo! A maioria nunca foi publicado antes, ficaram onde ele deixou... Vocês são os primeiros a verem. Façam cópias, pelo menos para salvarem. Não sei até quando manteria isso, seria uma pena se tudo se perdesse com o tempo... - Uma perda inestimável! – Responde Felipe. - Para mim, e para vocês! Por que até então ninguém sabe da existência destes materiais, ninguém jamais procurou por nada dele, desde o dia de sua... - Pronto! Tudo na mala, quando pudermos te enviaremos de volta e mais uma revista. Eu e Felipe vamos fazer uma grande reportagem sobre o Vargas e... - Vamos Mara, precisamos ir. -Esperem, antes de irem, peguem estes álbuns, são fotografias velhas da família e deve ter alguma foto dele por aí. - Perfeito! Será ótimo para colocar algumas fotos na matéria junto com as do Felipe. Pena que não temos mais tempo de vê-las agora, tu até poderia falar mais sobre elas. - Tudo bem, qualquer dúvida podem me procurar, mas sei que vão fazer um bom proveito delas. Na porta, Mara e Felipe se despedem. Felipe olha mais uma vez para a casa meio espantado... Entram no carro. – Simpático ele não? – Felipe ainda assustado responde: S-I-M-M... - E estranho. – completa Mara.
-Eu também, sempre escutei alguém falando sobre ele. Talvez meu pai, na infância. Não me lembro. - O álbum... - Claro! - Traz aqui, vamos vê-lo... Os dois começam a olhar as fotos antigas enquanto bebem. Mara se levanta, serve mais vinho. - Acabou. - Eu pego mais na cozinha – Felipe deixa o álbum aberto sobre o sofá. Mara toma mais um gole, caminha até o sofá, senta e pega o álbum aberto assustando-se com a foto que vê e grita. – Felipeeee! Vem ver isso! Felipeee! – Mara se levanta, vai até a cozinha. Ele não está lá. - Felipe, onde você está? - Passa pelo banheiro, a porta esta aberta e a luz apagada. Ela acende a luz, olha pra todos os cantos, e a janela está fechada... - Felipeeee! Que brincadeira é essa? Droga, onde tu se enfiou? Olha os outros lugares da casa, a porta dos fundos está chaveada e com a chave no trinco. - Os livros! – Corre para sala, estão todos no mesmo lugar! Mara abre a porta da frente e grita novamente em desespero. - Felipeeeeeeeeeeee, onde você está? Sobre o sofá está a foto do escritor Vargas, o mesmo homem da casa velha que os esperava e que lhes mostrou e deixou todos aqueles livros. Pela manhã, Felipe está em seu estúdio fotografando outra modelo. - Isso, está linda, mais um sorriso para terminar. – Dá o último click. – Valeu, ficou ótima! - Obrigado! – A modelo sai. Um homem se aproxima e cumprimenta Felipe. - Oi, desculpa o atraso. - Não, imagina, está bem no horário, desculpa te fazer esperar. Vamos fazer o teu retrato. Pode sentar naquela cadeira. Felipe começa a posicionar a câmera – Esta vai ficar ótima, imagino que vai usá-la em algum de seus livros. - Exatamente! - Responde o escritor. Felipe dá mais um click e a imagem do escritor é imortalizada em uma foto. A mesma do álbum que estava nas mãos de Mara. O retrato de Vargas.
Em casa, à noite, com a lareira acesa, Felipe abre uma garrafa de vinho e leva uma taça até Mara que está encantada com o material que tem em mãos. Mara fecha o notebook após ler os e-mails com um grande sorriso no rosto; - Vamos comemorar, a ideia foi aprovada pela redação, a editora vai nos mandar um cheque ainda esta semana... - É incrível, maravilhoso! Olha estes textos, estes contos, li um agora, é magnífico, imagina quantas coisas têm aqui, isso é um achado indescritível... Isso pode virar uma mina de ouro, sem contar a qualidade dos inéditos de Vargas. - Queria imaginar como ele era. - Como assim? - Sua fisionomia. Não consigo imaginá-lo...
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Foto/Capa: Guilherme Vargas
Resenhas da GAVETA
BIOGRAFIA LITERÁRIA DE LUIZ NICANOR
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a quarta Feira do Livro de Santo Antônio da Patrulha, o professor Eduardo Jablonski decidiu, entre os seus vários projetos de obras de análises técnicas, escrever uma biografia sobre os textos de Luiz Nicanor. Aposentado, continua a sua atividade médica e, ainda com a ajuda dos familiares, não conseguiu realizar um plano que continua em andamento: o de lançar algumas de suas obras antes dos 70 anos. (Agora com 71). Mesmo isso não ocorrendo, através de entrevistas com o biografado, apenas três livros individuais, as antologias Poesia na Praça, Prosa na Varanda e o livro ora a ser lançado Plural de Signos, o professor Jablonski conseguiu material para a montagem deste livro, onde o leitor, observando a argúcia da análise, tem a oportunidade aguçada em apreciar textos.
PLURAL DE SIGNOS
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ais um projeto realizado por Maurício Collar. A ideia foi escrever um livro de poesias com autores convidados. Participam do mesmo Luiz Nicanor, Elaine Lauck, Gladis Deves e o próprio Maurício. A revisão e suporte técnico foram do professor Eduardo Jablonski, além de um poema em homenagem ao sogro, o Sr. Elísio Lauck. O prefácio é do conhecido poeta e participante assíduo da nossa Moenda da Canção, várias vezes premiado com suas letras, Jaime Vaz Brasil. Este livro teve o cuidado de apresentar poemas o mais aproximado possível com os conceitos universais que norteiam este gênero de arte, ou seja, deixar claro ao leitor a diferença de um texto em prosa de um poético. Está a avalizar o conteúdo da obra a análise técnica do professor Jablonski.
Os livros “BIOGRAFIA LITERÁRIA DE LUIZ NICANOR e PLURAL DE SIGNOS” serão lançados no sábado, dia 06/06/2015. Local: Biblioteca Pública Municipal de Santo Antônio da Patrulha Horário: 20 horas.
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Poesias da GAVETA
BOVERY
DA GAVETA
Jo Reis
Maurício Collar*
Cruzo bares imundos pela noite escarlate Entre bêbados moribundos, refúgio Na sua desesperança, a terra sempre abriga Suas dores, seus gemidos, suas serenatas
O papel é um aproximar distante. O adormecer da caneta sobre as mãos. O móvel não sustenta tantos sonhos. O puxador tem saudades das digitais. O gosto do medo nos olhos da solidão. Desconhecidos são realidades sem luz. O livro são páginas em branco de dúvidas. O inesperado é uma imagem a ser lida. O anonimato pode ser uma jóia escondida. O estrelato é um esperar sem holofotes nos varais poéticos do novo amanhecer.
E eu que, sem medo, navego pelas águas Negras de fel e loucura Abrigo-me e regozijo-me Com as almas feridas e desalmadas E as mesmas almas que sofrem o desespero Cantam a desonra e a dor As bocas desmembradas, gritam No teu chão Bovery, teu esmero
*Presidente do Grêmio Literário Patrulhense
Eu sigo para as luzes Que não abrigam melhor que tu Pois a sede, a cobiça vazia obriga Nos impulsiona ao covil de abutres Mas eu volto pra ti, Bovery Que não entende, mas conforta A perda, o sonho, o desgosto A loucura que chora e ri Mais que uma madame promíscua Mais que um berço de insana hospitalidade Envolve-me no teu manto Ó impura, cruel dor, que não cura Mas sacia minha sede de insanidade
MANTRA Jeison Placinsch
preciso preciso aprender preciso aprender a preciso aprender a esperar preciso aprender a esperar menos preciso aprender a esperar menos das preciso aprender a esperar menos das pessoas preciso aprender a esperar menos das preciso aprender a esperar menos preciso aprender a esperar preciso aprender a preciso aprender preciso
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Crônicas da GAVETA
TIRE A LITERATURA DA GAVETA Jo Reis
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á disseram alguns que escrever é uma necessidade, não um talento, muito menos um dom. Eu vejo as expressões “talento” e “dom” como designações místicas, pois a forma de se atingir a qualidade suprema no desenvolvimento de uma
atividade, acontece apenas por meio da sua dedicação em tempo integral, treino, ensaio, trabalho. Sim, todos temos potencial para escrever, mas nem todos fazemos porque nem todos lemos o suficiente, e para escrever, tende-se ler muito mesmo. Receitas de bolo, um sonho, uma história, uma declaração. Se lemos, escrevemos. Todos nós temos loucuras e anseios que perambulam pelas nossas mentes em momentos e lugares variados, e os que escrevem, se vêem obrigados a descarregar isso no papel. O fato de se ler outras obras, poemas, prosa e mesmo obras jornalísticas, nos dá apenas o molde, o ritmo e a lógica agradável de espalhar as palavras sobre o fundo branco, independentemente se há um sentido e compreensão nítidas no texto, ou se
não há sentido algum. Pois bem, no entanto, a lacuna que divide o fato de pensar e escrever em si, para uma possível publicação, ou mesmo a simples leitura deste por outra pessoa que não o autor, é bastante considerável. Quem escreve se expõe, diz mentiras e verdades, anseios e bobagens, faz rir, surpreende, choca, instiga, chora suas mágoas. Quem escreve diz o que não teria coragem de ”dizer” de fato por via oral. Cria um mundo, se esconde nele, é o senhor dele, se reinventa, se manipula, se descobre ainda muitas vezes. Por isso nem sempre o
destino final de uma obra literária é a sua publicação, pois tamanha pode ser revelação que ele, egoísta, não deseja que ninguém mais a conheça. O medo também impede a apresentação, a vergonha. Porém aí é onde mora a arte da coisa, pois em meio a todas essas possibilidades, a toda essa liberdade de estilo, de proposta, de podermos ser quem quisermos, dizer qualquer absurdo e nos expormos ao ridículo, há de se ter coragem para fazê-lo, para imprimi-lo e mostrálo ao público, e quando na verdade, raras são às vezes em que o leitor compreende a real intenção do escritor, criando então uma rede de interpretações distintas sobre a mesma obra, protegendo enfim o dito escritor, pois a sua obra cria uma vida própria
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e paralela à dele, quando lida e conhecida por outras pessoas. Particularmente, a internet possibilitou a quebra deste tabu de expor textos e obras literárias em geral, pois se tem na facilidade de um blog, e hoje principalmente nas redes sociais, a possibilidade de grande exibição de pensamentos íntimos, de textos e ideias, aproximando pessoas dos mais distantes lugares do mundo, tornando fácil e possivelmente rica a conexão e a troca de ideias, mas também sendo banalizada e futilizada, devido à mesma assombrosa facilidade de comunicação. Por isso e por mais, acredito que, tirar da gaveta de fato, é publicálos, os seus textos, à moda antiga, no papel, com investimento financeiro ou não, com “figuras” ou não, mas com capricho e esmero, com a sua cara e essência, e distribuí-los às pessoas, mesmo para aquelas que não entenderiam (pois quem entenderia mesmo?), para os amigos, família, colegas de trabalho. Para o mundo. O livro nunca deixará de existir, a arte da literatura merece nada menos que uma folha de papel em branco, pronta para ser preenchida e em seguida lida por olhos alheios. É aí que a coisa mora. Por isso leia, mas leia muito! E então escreva, e tire sua literatura Da Gaveta.
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Crônicas da GAVETA
A ESTANTE Felipe Essy
S
e você visitasse minha casa, seria logo recebido por uma enorme estante de madeira. Nela habitam várias histórias que não ocupam apenas os livros: Um cinzeiro. Um disco. Uma caixinha de grampos. Pedaços de hábitos e gostos espalhados pelas prateleiras, deixados por quem esteve por ali. As minhas memórias já começavam a ocupar seu próprio lugar entre os livros, mas eu sentia que faltava alguma coisa. Assim como meus pais e avós, eu fui decorando a estante com pequenos objetos
que guardavam uma história, no entanto uma grande parte de mim não estava ali. Uma parte que não podia ser colocada nas prateleiras, pois jamais existiu fora do meu pensamento. Eram histórias que brotavam nos rostos da fila de espera, no mundo em movimento na janela do ônibus ou num devaneio em meio ao tédio, mas que eu assistia sem poder dividir com ninguém, nem guardá-las fora de mim. De repente notei uma ideia a me espiar na estante: os livros. A princípio pareceu simples, mas folhas e folhas de histórias inacabadas empilhavamse no meu quarto sem nunca encontrarem outro leitor. A frustração começou a me distrair e pouco a pouco fui deixando a caneta de lado para me ocupar de outras coi-
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sas, mas aquele mundo que abandonei logo voltou a se mover dentro de mim outra vez, pulsando nos meus dedos, mas me aborrecia continuar a enclausurar meus pensamentos nas gavetas. Aconteceu que certo dia encontrei alguns amigos meus que também escreviam e um deles comentou seu desejo de publicar um livro. Todos nós queríamos, mas ainda achávamos um passo muito largo para dar sozinho, alguém então sugeriu o óbvio: “Por que não publicamos juntos?” De repente nenhuma ideia pareceu mais natural e tratamos de produzir a bendita obra. Tivemos a alegria de alguns elogios e incentivo de críticas sinceras, mas nada superou a sensação de me ver ali entre os livros da estante.
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