A Fรกbula do Gato e da Sereia
Pegou o sapato e botou a culpa no gato. Foi em um dia trivial, nada de anormal. A dona, uma senhora já de idade, estava sentada no sofá, tricotando e acariciando: um cachecol e um gato. Felino este conhecido por Manhoso. Tão vaidoso, o bichano era mimado pela sua dona, uma senhora muito alegre. — Cuco! Fazia o relógio de parede, sempre que as duas setas (a alta e a baixa) apontavam para o teto. Manhoso sabia que a dona teria que ir. Espreguiçou-se e ouviu-a dizer: Agora, lembre-se: nada de comê-los, está entendido?
— Cuco! A dona, apressada, saiu de madrugada. Manhoso, aproveitando o momento, decidiu se aproximar pela primeira vez daquele estranho objeto no centro da mesinha. Era transparente, mas não como um espelho. Tinha água, mas não era chuveiro. Dentro dele, pequenos peixes laranja nadavam com deleitamento. Manhoso ficou receoso. Não entendia como que aquelas criaturas, tão diminutas, pareciam flutuar no ar...
E, de repente, com a imagem dos peixes nadando pra lá e pra cá, bateu uma fome que ele não pôde controlar. Logo, suas patinhas tocavam
a
água,
prontas
para
agarrar
os
peixinhos
agora
amedrontados. Foi quando ouviu uma voz. A voz era graciosa, suave. Como o som do sopro da brisa quando passa pelos galhos de uma árvore.
E a linda dona da voz, esta sim, era Bela como... Como algo que Manhoso nem sequer podia conceber. Uma princesa das águas, aprisionada no misterioso objeto ao qual chamavam de “aquário”.
O gato ficou extasiado. Um sentimento lhe aflorava, algo que um humano tolo chamaria de paixão. Seus olhos, azuis como o mar, faiscaram. — Qual é o teu nome, ó bela sereia? — murmurou. — O que é nome? — perguntou curiosa. — Nome é como te chamam. Não tens? Pois de agora em diante serás conhecida como Tessala, a bela! E assim foi. Naquela tarde, a dona saiu para executar seus afazeres, como de costume. O gato Manhoso novamente se aproximou dos peixes e falou: — Ó bela sereia Tessala, por que andas tão triste? — Estou cansada dessa escuridão. Desejaria ter um pouco de luz... Ao que ele respondeu:
— Não se preocupe, irei fazer-te sorrir de novo. Andou graciosamente até a janela e, com suas poderosas garras, arranhou o pano até rasgá-lo em mil pedaços. Naquela noite, ao chegar à casa, a dona viu as cortinas da sala em trapos e farrapos. Pegou um sapato e botou a culpa no gato. O dia seguinte chegou e a dona saiu para fazer compras. Manhoso se aproximou novamente do aquário e falou: — Ó bela sereia Tessala, porque andas tão triste? — Estou infeliz com esta paisagem. Desejaria ter algobonito para olhar...
Ele, então, foi até o jardim e, entre várias, escolheu uma flor amarela da cor das estrelas e a colocou ao lado do aquário. Chegando em casa, a dona achou pegadas de terra por todo lado e, no jardim, suas flores estavam fora da cova, já sem vida. Pegou o sapato e botou a culpa no gato. Todo esfolado e mancando, no outro dia o gato foi para perto do aquário quando sua dona havia saído. — Ó bela sereia Tessala, por que ainda estás tão triste? — Estou com vontade de ver o mar. Tu podes me levar até lá? E, com dor no coração, exclamou: — Não, esse desejo eu não posso realizar.