Autarquia Educacional de Afogados da Ingazeira

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AUTARQUIA EDUCACIONAL DE AFOGADOS DA INGAZEIRA–AEDAI FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE AFOGADOS DA INGAZEIRA – FAFOPAI CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU” EM LITERATURAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

AS RELAÇÕES ENTRE RETÓRICA, TEOLOGIA E POLÍTICA NO SERMÃO DA SEXAGÉSIMA DO PADRE ANTONIO VIEIRA

MIGUEL ANTONIO D’ AMORIM JUNIOR

AFOGADOS DA INGAZEIRA – PE 2006


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MIGUEL ANTONIO D’ AMORIM JUNIOR

AS RELAÇÕES ENTRE RETÓRICA, TEOLOGIA E POLÍTICA NO SERMÃO DA SEXAGÉSIMA DO PADRE ANTONIO VIEIRA

Monografia apresentada ao curso de espacialização em Literaturas de Língua Portuguesa da Faculdade de Formação de Professores de Afogados da Ingazeira como requisito para a conclusão do curso, sob a orientação da Profª. Ms. Maria José Acioly Paz de Moura.

AFOGADOS DA INGAZEIRA – PE 2006


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MIGUEL ANTONIO D´AMORIM JUNIOR

AS RELAÇÕES ENTRE RETÓRICA, TEOLOGIA E POLÍTICA NO SERMÃO DA SEXAGÉSIMA DO PADRE ANTONIO VIEIRA.

Monografia aprovada como requisito do curso de especialização em Literaturas de Língua Portuguesa pela Faculdade de Professores de Afogados da Ingazeira.

APROVADO EM___/___/___

______________________________________________ Orientadora: Profª. Mes. Maria José Acioly Paz de Moura

AFOGADOS DA INGAZEIRA-PE 2006


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A todos os que veneram a Retórica. A todos os que se consagram a Teologia. A todos os devotos da Política. Que a exemplo de Cristo: O Verbo: Retórica; Feito carne: Teologia; Carne em ação salvífica: Política; Sejam semeadores do Evangelho.


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“Religionis zelus, sacrarum litterarum scientia, vitae et morum honestas, aliaque laudabilia probitatis et virtutum merita, super quibus apud nos fide digno commendaris testimonio.� (Papa Clemente X, Breve de 17 de abril de 1675).


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A Deus. A meus pais: Miguel Antonio d’Amorim e Carlinda Ana da Silva. A meus irmãos: Márcio, Maurício e Murilo. A Ms.e amiga Maria José Acioly Paz de Moura, em especial


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RESUMO

O Sermão da Sexagésima do padre Antonio Vieira pregado na Capela Real de Lisboa em 1655 disserta sobre sua própria composição, examinando três aspectos: graça, pregador e ouvinte, a fim de conhecer o motivo da falta de eficácia da pregação. Diagnostica a carência no pregador e examina, nele, cinco circunstâncias: pessoa, estilo, ciência, matéria, voz. Apesar de encontrar em cada uma das circunstâncias graves problemas, conclui que o principal problema está no falso testemunho do pregador que utiliza a palavra de Deus e distorce o sentido original. Ao abordar, no Sermão da Sexagésima, a re-escritura do texto bíblico “Parábola do Semeador” no contexto histórico luso-brasileiro, barroco-tridentino do século XVII, numa linguagem a favor da verdade afirmada na arte de pregar, padre Vieira emprega um discurso teológico, com base no Concílio de Trento, numa clássica e refinada retórica de estilo barroco com um fim político monárquico, cujo ideal refere-se à expansão do catolicismo no Novo Mundo e à hegemonia portuguesa como V Império e Estado cristão universal. Considerando a estética literária que o padre Antonio Vieira utilizou, o nível interpretativo exegético e o posicionamento político do pregador no contexto histórico do século XVII, esse estudo analisa as relações entre retórica, teologia e política no Sermão da Sexagésima do padre Antonio Vieira, e ratifica essa trina aliança, por meio de pesquisa bibliográfica, cujo resultado reafirma que este sermão é um daqueles que melhor revela a personalidade do pregador luso-brasileiro, porque nele está e essência que fez do jesuíta uma das maiores personalidades religiosas, literárias e políticas do século XVII.

Palavras- chave: Sermão da Sexagésima; padre Antonio Vieira; luso-brasileiro; Barroco-tridentino; retórica; teologia; política; Catolicismo.


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ABSTRACT

The sermon of the Sixtieth of the priest Antonio Vieira preached in the chapel kingly in Lisboa in 1655 debates about its proper composition examining 3 aspects: godsend, preacher, and listener to this end: to know the lack of effectiveness of the sermon, diagnosing the lach in the preacher. He examines its 5 circunstances: person, style, science, matter, voice. In spite of come to in every its problems weighties no the main, he concludes that this it is in the demonstration false of the preacher that utilizes the God`s word and he forges the original meaning. To the to broach in the Sermon of the Sixtieth the re- writing of the text biblical “Story of the Sowerâ€? in the process of time historical Portuguese and Brazilian, baroque and catholic of the century XVII in a speech in favor of the truth affirmed in the skill of to preach, Vieira utilizes a speech theological with base in the assemble of Trento, in a classic and pure rhetoric of style baroque with a goal politician monarchical imperial whose ideal to refers to noise abroad of the catholic Church in the new World and the imperialism Portuguese as 5° empire and State Christian world- wide. Considering the aesthetics literary the Vieira used, the level of interpretation biblical and the position political of the preacher in the process of time historical of the century XVII, this study analyses the relations among Rhetoric, Theology, Politics in the Sermon of Sixtieth of the priest Antony Vieira and it ratifies this alliance treble by way of research bibliographies whose result confirms that this sermon is to that one that most reveal the personality of the Portuguese and Brazilian preacher, because it is essence that made of Vieira one of more personalities religious, literary and politics of the century XVII. Key words: Sermon of the Sixtieth, priest Antonio Vieira, Portuguese and brasiliam, baroque and catholic, rhetoric, theology, politic.


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................9 1 A RETÓRICA E O SERMÃO: TIPOLOGIA, GÊNEROS E ESTRUTURA.....................................................................................................13 1.1Da retórica ao sermão..................................................................................13 1.2 Tipologia e gêneros da retórica e do sermão..............................................16 1.3 Estrutura do sermão....................................................................................18 1.4 O sermão cristão..........................................................................................19 2 O SERMÃO DA SEXAGÉSIMA: FUNDAMENTAÇÃO E ESTRUTURA.....................................................................................................21 2.1 fundamentação............................................................................................21 2.2 Estrutura.....................................................................................................23 3 O SERMÃO DA SEXAGÉSIMA: ANÁLISE...........................................................................................................25 3.1Tema.............................................................................................................25 3.2 Sequência Evangélica.................................................................................25 3.3 Dedicatória...................................................................................................30 3.4 Introito..........................................................................................................31 4 AS CINCO CIRCUNSTÂNCIAS DO PREGADOR NO SERMÃO DA SEXAGÉSIMA...................................................................................................35 4.1 A pessoa que é............................................................................................35 4.2 O estilo.........................................................................................................38 4.3 A matéria que trata......................................................................................42 4.4 A ciência que tem........................................................................................44 4.5 A voz com que fala......................................................................................45 4.6 Peroração....................................................................................................48 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................50 BILIOGRAFIA....................................................................................................52


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INTRODUÇÃO

Em 06 de fevereiro de 1608 nasce na cidade de Lisboa, capital portuguesa, Antonio Vieira, filho de Cristovão Vieira Ravasco e de Maria d’Azevedo, fidalgos de nobre linhagem, sendo batizado aos 15 do mesmo mês, na Sé metropolitana. Por fins de 1615, ele, com sete anos, parte na companhia de sua família para o Brasil com destino a Salvador-Bahia, capital brasileira, onde desembarca aos 20 de janeiro de 1616. No colégio da Companhia de Jesus da Bahia, ingressa no noviciado aos 05 de maio de 1623. O seu brilho, de precoce orador e latinista, despertou a atenção dos supervisores que o encarregaram de, aos 17 anos, escrever para Roma, em Latim, a Carta Ânua e, aos 18 anos, de lecionar retórica aos noviços do Colégio de Olinda em Pernambuco. É ordenado presbítero no dia 10 de dezembro de 1634, três dias depois preside a primeira celebração eucarística, in persona Christi. Logo alcança renome de pregador eloquente e culto devido ao êxito da pregação do seu famoso “Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda”, pregado no princípio de 1640. No dia 1º de janeiro de 1642 o padre Antonio Vieira prega, pela primeira vez, em Lisboa, na Capela Real. No Brasil, prega do púlpito, pela primeira vez, na Igreja da Conceição na Bahia. O que faz do padre Antonio Vieira a maior expressão luso-brasileira do século XVII são as atividades que exerceu como religioso, como político, como retórico e orador cujos registros históricos assinalam. Padre Antonio Vieira, o religioso, foi nomeado pelo el-rei D.João IV, pregador da Câmara Real e mestre do príncipe herdeiro, D.Theodósio. Após divergências com a coroa, aos 22 de novembro de 1652 embarca para o Maranhão – Brasil, mas só desembarca em princípios de 1653 devido à suspensão da viagem em Cabo Verde. No Maranhão, o missionário, na posição de Superior do Colégio dos Jesuítas, luta pela causa da liberdade dos índios contra a ira dos colonos, a má vontade do capitão geral e, também, da maioria do povo que não lhe perdoa a inoportuna defesa do nativo. Nesse momento, o Apóstolo do Brasil, como o chama


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João Lúcio de Azevedo, é intitulado de Pajé-Acú (Papai Grande), pelos índios das capitanias do Grão-Pará e Maranhão. Em junho de 1654, vai a Portugal em busca de alcançar do governo da Metrópole as medidas indispensáveis para garantir a liberdade dos índios. Expõe ao rei o motivo a que fora; conquista a adesão de Sua Majestade, conseguindo que se organize uma junta especial de missões e, que se tome, enfim, as medidas que ele desejava com relação aos índios, regressando para o Maranhão em 1655. Advogado

dos cristãos-novos (judeus

conversos por

medo

das

perseguições), suscita o ódio da inquisição que o mantém preso por dois anos e lhe cassa o uso da palavra em todo Portugal, contudo, em 12 de junho de 1668 foi-lhe restituída à liberdade. Padre Antonio Vieira, o político, desempenha funções especiais designadas pelo Palácio Real. Homem de confiança do rei D. João IV, exerce a máxima influência na política de seu tempo. Eram seus sermões, muitas vezes, verdadeiros discursos políticos com que procurava fazer triunfarem, na opinião, as medidas que se pretendia adotar. Deliberado pelo rei, exerce a diplomacia e é enviado particular da corte portuguesa, sem caráter oficial, à França e à Holanda, em março de 1646. A serviço da corte, como diplomata, participou de importantes assuntos em Paris em 1647 com o cardeal Mazarino; em Haya com os Estados; em Amsterdam; onde trata das relações entre Espanha, Holanda e Portugal em detrimento aos interesses políticos na Europa e na América. Em 1650 parte para uma nova missão diplomática de alta importância, tratava-se de por termo à guerra entre Portugal e a Espanha, por meio do casamento do príncipe D. Teodoro com a filha de Felipe IV, mas ao mesmo tempo era incumbido, de uma missão contraditória, porque o encarregaram de fomentar a revolução de Nápoles, que rebentara por esse tempo, e que poderia ser uma útil diversão para o governo de Portugal. Resultou dessa dupla missão, o insucesso. Apesar de alguns insucessos diplomáticos, mediante a coroa portuguesa, pode-se afirmar que à luz da história e da crítica, o padre Vieira apareceu como o protótipo do patriotismo imaculado, cuja prova é o seu manifesto sebastianista. Padre Antonio Vieira, o retórico e orador, valendo-se do púlpito, coloca seus sermões a serviço das causas políticas que abraça e defende com fundamento teológico e por meio de uma retórica, cujo sentido e causa não são o código


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linguístico ou o gosto literário em si. Apesar da estilização desses recursos, a manifestação divina previa a sua mobilização eficaz na história, na vida, no conhecimento e na linguagem humana. A maior parte de sua obra foi escrita no Brasil e está relacionada com as inúmeras atividades que desempenhou como religioso e como conselheiro de D. João IV, ou como mediador e representante de Portugal em relações econômicas, políticas e religiosas com outros países. Seus ideais foram postos em prática por meio da catequese ministrada sob os artífices de uma magistral oratória. Pregou a índios, brancos e negros; a brasileiros, africanos, italianos; a dominados e dominadores, na defesa do índio, do escravo, em favor de Portugal. “O imperador da Língua Portuguesa” retorna ao Brasil em 1681 e entregase a faina de redigir e polir seus sermões e outras obras. Escreveu: Sermões (15 volumes, 1679-1690, 1710-1718); História do Futuro (1718); Esperanças de Portugal (1856-1857); Clavis Prophetarum (inédita); De Regno Cristi in terris consumato, e quinhentas cartas. O padre Antonio Vieira morreu às vésperas dos noventa anos, na Bahia, no dia 18 de julho de 1697, após ter vivido intensamente oitenta e nove anos, cinco meses e doze dias. Dentre os sermões, é de leitura obrigatória, exorta Alfredo Bosi, o Sermão da Sexagésima, pregado na Capela Real de Lisboa, em março de 1655. Esse sermão abre a série de quinze volumes que enfeixam as peças oratórias do padre Antonio Vieira, e serve-lhe de prólogo, ao mesmo tempo em que encerra uma teoria da arte de pregar, inspirada em moldes conceptistas. Preocupa-se em compendiar num livro o transunto de sua extensa e movimentada carreira de pregador devido à “corrupção com que andam estampados debaixo do meu nome, e traduzidos em diferentes línguas muitos Sermões” 1. Com o intuito de esclarecer os leitores a respeito dessas cópias defeituosas e depravadas em seu nome, adverte:

Se chegar a receber a última forma do livro que tenho ideado como título de Pregador e ouvinte cristão, nele verás as regras, não se da arte, se do gênio, que guiaram por este novo caminho. Entretanto, se quiseres saber as causas porque me apartei do mais seguido e 1

VIEIRA, Antonio. Sermões, vol. I, Porto: Lello e Irmão1945, 1945


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ordinário, no sermão do Semen est verbum Dei, as acharás: o qual por isso se põe em primeiro lugar, como prólogo dos demais.2

O Sermão da Sexagésima, além da abordagem sobre uma teoria da arte de pregar, é o que melhor revela a personalidade do grande pregador, pois nele está a essência que fez do jesuíta uma das melhores personalidades política, religiosa e literária do século XVII. Nesse sermão, aflora a unidade semântica da Retórica, da Teologia e da Política numa linguagem a favor da verdade, afirmada na arte de pregar. Apesar de, no prólogo dos sermões, o padre Antonio vieira ao leitor expressar: “se tirardes deles algum proveito espiritual (que é o que só pretendo)”; esta monografia trata da estética literária que o padre Vieira utilizou, do nível exegético interpretativo e do posicionamento político do pregador no contexto histórico do século XVII. Considerando esses aspectos, analisa as relações entre Retórica, Teologia e Política no Sermão da Sexagésima do padre Antonio Vieira. O estudo compreende a interpretação da Parábola do Semeador, à luz da Igreja Católica nos séculos XVI e XVII; a delimitação dos gêneros de retórica e oratória; a demarcação da retórica vieiriana; a análise da Retórica, Teologia e Política nas partes que compõem a estrutura do sermão; e a conclusão de que não é possível estudar um dos aspectos sem que haja prejuízo no teor do sermão, visto que a relação referida faz-se necessária para que haja plena convicção interpretativa, analítica ou comentário crítico a qualquer juízo de valor que se pretenda obter do Sermão da Sexagésima.

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Idem ibidem


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1 A RETÓRICA3 E O SERMÃO4: TIPOLOGIA, GÊNEROS E ESTRUTURA

1.1 Da Retórica ao Sermão

Indubitavelmente, dentre todas as formas de discursos: forense, político, exibicional e religioso, escritos ou proferidos nos séculos XVI e XVII, o sermão católico predominou em absoluto. Esse gênero foi, durante esse período, o filho mais fiel da retórica grega, herdou dela uma irrecusável herança, foi à Grécia do século V a.C buscá-la e utilizou-a para alicerçar a construção do seu patrimônio discursivo. A intencionalidade do sermão, no período seiscentista e setecentista, bem como sua aceitabilidade tornam-se mais compreensíveis quando se volta à Grécia do século V a.C e se encontra a retórica: a arte da persuasão; cujo ápice integrava o discurso político em primeiro plano, e, em segundo, o discurso forense. Os gregos tinham a persuasão como uma poderosa deusa a quem nada se devia negar, dentre eles, os Sofistas5 foram os mais fiéis adoradores dessa divindade. Dominar a arte de falar persuasivamente. Eis o objetivo da retórica, ensinada pelos Sofistas, aos jovens, com a finalidade de formá-los homens

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Atribui-se a invenção da retórica aos sicilianos da primeira metade do século V a. C, nesse contexto tinha sentido especifico, ser bom orador assim como homem de ação. Ela era a ambição dos gregos nesses tempos homéricos; com ela aprendia-se a introdução do apelo à probabilidade em vez dos fatos, o estabelecimento de regras para sua aplicação, e sua incorporação em manuais escritos. Para ela o que importava não era qual tinha sido o caso, mas o que parece, aquilo de os homens pudessem ser persuadidos. 4 A palavra sermão advém do substantivo latino sermo, onis, significa, em sentido próprio, conversa, conversação; em sentido especial, maneira de falar, língua, idioma; em sentido figurado, assunto de conversa, diálogo, discussão. 5 A palavra sofista provem de sofisticado, daí se explica o porquê do nome Sofista dado aos educadores profissionais do século V a.C na Grécia, que resumiam o ensino à arte da retórica. Na ausência de universidades e colégios, a lacuna foi preenchida por eles que, orgulhosamente, anunciavam suas habilidades de ensinar aos jovens. Como a marca distintiva dos Sofistas era a retórica, todos eles se interessavam profundamente por ela, sobretudo, em seus ramos forense e político como praticantes, e como professores sistemáticos que cobravam para ensiná-la, ou como escritores de manuais de retórica.


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preparados para cuidar adequadamente de seus negócios pessoais; administrar melhor sua casa e família, bem como, os negócios de Estado; e se tornarem um poder real, na polis, quer como orador, quer como homem de ação. Nesse sentido, a arte do bem falar era, para o jovem ambicioso, uma prioridade inquestionável porque por ela chegaria à plenitude do poder. Para dominar o discurso era imprescindível ao retor estas quinze exigências: memória, habilidade, inspiração, criatividade, entusiasmo,

determinação,

observação,

teatralização,

síntese,

ritmo,

voz,

vocabulário, expressão corporal, naturalidade, conhecimento. Poderes à parte, a retórica grega correspondia à devida execução da justiça e a luz que guiava os homens pela vereda do conhecimento e da verdade. É unânime entre os Sofistas que a persuasão vale mais que a força ou como disse Aristóteles (384-322 a.C) que o uso do discurso racional destaca-se mais no ser humano do que o uso de seus braços; defendiam que a retórica era a arte da democracia a qual se deveria chegar, seja pela forma política ou forense, sem o alvorecer da tirania. O sermão católico colocou em prática o sentido original dos recursos da retórica grega para persuadir os ouvintes pela arte de falar em público cuja consistência situava-se numa codificação de técnicas oratórias que comportavam os problemas ligados à perícia na manipulação das palavras, e os problemas relacionados a aspectos extra-verbais do desempenho do orador. O sermão, também herdou da retórica grega o aspecto tático: a sistematização das partes do método de discurso coincidentes com os seus períodos de construção e execução, a saber: O método de discurso caracterizava-se por duas partes, uma não estritamente linguística (inventio, dispositio, menmoria) bem como a execução do discurso (pronuntiatio) e outra verbal ( elocutio). A invenção, (em grego eresis, em latim, inventio) consistia a etapa em que o orador iria procurar o que dizer; após o achado, o orador trabalhava na disposição (em grego, taxis, em latim, dispositio) isto é, ordenava o que se tinha a dizer. Colocado o discurso em certa ordem, o orador preocupava-se com a fase do discurso que compreendia: a elocução (em grego; lexis, em latim, elocutio) parte em que o ornamentava com figuras de linguagem; a pronunciação (em grego, hypocrisis; em latim, pronuntiatio) era o momento em que o orador cuidava de


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proferir o discurso atento à dicção e à gesticulação adequadas; por fim, a memória (em grego mneme, em latim memória) correspondia à parte em que o orador se fiava em memorizar o discurso, isto é, confiá-lo à memória. Destarte, vale ressaltar que todas essas técnicas eram utilizadas pelos oradores e escritores gregos, em seus ofícios, para atestar que a predominância da retórica era o fator pragmático. A essência instrumental solidificou a retórica e a fez participar, contundentemente, dos diversos processos históricos de educação formal. É sabido que ela se originou como matéria de ensino e que seus cultores na antiguidade grega, os Sofistas, foram os doutores na arte do bem falar e escrever. Na Idade Média, com o apogeu da Escolástica, sistema educacional criado pela Igreja, a retórica compunha uma das disciplinas da grade curricular do chamado Septenuim, conjunto de sete disciplinas divididas em duas partes: Trivium, composta por gramática, dialética e retórica; e Quadrivium, integrado por música, aritmética, geometria e astronomia. No século XVI, a retórica teve um inquestionável destaque no sistema educacional, estabelecido pelos jesuítas, o chamado Ratio Studiorum, foi uma disciplina de cunho prático e pedagógico, sobretudo, de interesse para os mestres e discípulos. Tanto a fortuna técnica como a tática da retórica grega foram, maximamente, usufruídas e estudadas pelos jesuítas na Ratio Studiorum. Foram cristianizadas, canalizadas e direcionadas para o sermão católico, daí se explica o porquê do sucesso e suma importância literária, teológica, política e social que tiveram, em Portugal e no Brasil nos séculos XVI e XVII. Literariamente, foi o sermão, o ápice da escrita e, quando proferido com o brilho, convicção, entusiasmo de um magnânimo pregador, seduzia, atraia e superava outros espetáculos do tempo como as representações teatrais, os jogos esportivos e as solenidades da corte. Constituía, o sermão, um espetáculo à parte cuja função comparava-se ao teatro grego, como uma atração aberta ao público e sua apoteótica encenação, prodigalidade e pompa da dramaturgia de Shakespeare. O sermão restabelecia, política e socialmente, o relacionamento do povo português, que estava retraído e triste, diante do momento histórico que vivia, sem muito ensejo de exercer a sociabilidade. Instruía o povo, abordando e discutindo problemas de ordem política e moral e, outros, que porventura surgissem. Instigava


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as inteligências, solucionava questões, corroborava ou corrigia opiniões, excitava emoções e apresentava assuntos às conversações. Teologicamente, ocupou tempo e espaço de maior propagador para a ascendência religiosa, tanto para as pessoas de almas mais sensíveis aos ensinamentos das requintadas lições orais proclamadas do púlpito, como também, na época da imprensa mais acessível, para as pessoas semianalfabetas que liam, mesmo com dificuldade, para as analfabetas; encontrava, o sermão, numerosa multidão de boa vontade. Em suma, é possível afirmar que o sermão católico é a retórica grega batizada, visto que a Igreja Católica deu alma cristã ao corpo pagão da retórica grega.

1.2 Tipologia e Gêneros da Retórica e do Sermão

Considerando que o sermão é fruto da retórica convertida ao cristianismo, cabe salientar que há no histórico da Retórica dois tipos de oratória 6: a pagã e a cristã, ambas subdivididas por gêneros que tanto na cultura da antiga Grécia quanto na Tradição cristã, foram sumamente utilizados para expressar o Auditus Fidei e o Intelectus Fidei pelo verbo. Há três tipos de retórica que foram utilizados pelos gregos do século V a.C, em absoluto: a retórica política, a retórica jurídica e a retórica exibicional que mantinham uma coerência temporal em suas formas discursivas. A retórica política: sua oratória estimulava alguém a fazer ou não fazer algo, tinha como objetivo estabelecer o que seria conveniente ou convencional em um determinado curso de ação. O orador político ao aconselhar alguém a respeito das coisas que deveriam ser feitas ou não, referia-se ao futuro.

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Oratória vem do latim ‘orator, oris (boca), parte técnica do sermão; tanto os romanos quanto os cristãos a utilizaram, aqueles no discurso profano; estes no discurso sacro cujo nome batizaram de homilética.


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A retórica jurídica: sua oratória ou acusava ou defendia alguém, sua finalidade era estabelecer a justiça ou a injustiça sobre determinada ação. O orador jurídico, ou atacava ou defendia o outro, ou se defendia do outro usando argumentos referentes às causas e fatos ocorridos. As partes em julgamento remetiam-se ao passado. A retórica exibicional: sua oratória elogiava ou censurava alguém, sua meta para quem elogiava ou agredia era provar o mérito da honra ou a desonra da pessoa em questão.

O

orador

exibicional,

quando

elogiava

ou

humilhava

alguém,

fundamentava-se em afirmações dos estados de coisas existentes no momento, referia-se, propriamente ao presente. Os respectivos oradores desses três tipos de retórica utilizavam os seguintes gêneros retóricos para fortalecer seu discurso: Diálogos Socráticos: nasce da comunicação entre as pessoas, pois para colocar, a nu, a natureza dialógica do pensamento, era necessária a eliminação de toda a distância entre os interlocutores. Sátira Manipéia: compõe-se de escândalos e tem predileção pelos problemas políticos de seu tempo, daí sua necessidade de polêmica aberta ou secreta com escolas, tendências, correntes religiosas ou filosóficas. Suas alusões a homens ilustres contemporâneos, vivos ou recentemente falecidos. Diatribe: é um gênero retórico dialógico, em que o orador se dirige a um interlocutor ausente, o que o conduz a dialogização do próprio processo do discurso e do pensamento. A tipologia do Sermão refere-se a dois aspectos: O sobrenatural, metafísico e o natural, físico, relacionados a três temas: Deus, O Homem, e O Mundo. Os sermões referentes ao sobrenatural discursam sobre os assuntos relacionados ao tema de Deus: a alma, o céu, o purgatório e o inferno. Os sermões referentes ao natural discursam sobre assuntos relacionados ao homem e ao mundo: leis, doutrina, sacramentos, oração e ação. Os oradores sacros, sobretudo os padres da Igreja Católica, utilizaram os seguintes gêneros para compor a arte do bem falar e do bem escrever sacros no decorrer da história:


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Solilóquio: desenvolveu-se na órbita da manipéia, com a qual se fundiu e intercalou, muito usado pelos romanos e pelos cristãos, haja vista santo Agostinho. Panegírico: tende a ressaltar as virtudes de um santo e inculcar nos fiéis a sua imitação. Comentário bíblico exegético: estilo muito especializado e quase científico de explicar a palavra de Deus aos fiéis mais instruídos e desejosos de penetrar na exegese dos textos bíblicos. Homilia: significa trato ou conversa familiar. É a interpretação familiar da Sagrada Escritura, feita com um fim prático e moral. É parte integrante da liturgia da palavra. É a arte de pregar sermão. Há na homilia duas funções litúrgicas importantes: a de ser aplicação da mensagem ao hoje e aqui de nossas vidas; a de ser ponte entre a Liturgia da Palavra à Eucaristia e demais sacramentos. Sermão quaresmal ou missional: costuma tomar uma verdade da fé ou uma parábola bíblica para desenvolvê-la e, sobretudo para tirar suas consequências morais diante de um público geralmente heterogêneo desejoso de ser sacudido pelo “missionário”. Feito a partir do púlpito em forma mais solene; composto segundo as regras da retórica: prólogo, argumento peroração. Esse último gênero predominou nos séculos XV e XVI e atingiu seu apogeu ao longo do século XVII.

1.3 Estruturas do Sermão

Uma vez esclarecido o que é o sermão e a sua função, é fundamental explicar a estrutura dos Sermões que, segundo o plano tradicional da retórica, apresenta-se desta forma 7: Tema: evocação de uma citação, passagem bíblica que sustente a intenção do discurso. Visa despertar o interesse do leitor. Introito: exposição do plano geral do sermão, antecipando os elementos que serão desenvolvidos. 7

RODRIGUES, Medina et. al. Literatura Portuguesa. 2. ed.Ática.São Paulo.1997.


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Invocação:

pedido

de

inspiração,

geralmente

feito

à

Nossa

Senhora.

Argumentação: corpo do texto desenvolvido conforme o plano previamente conhecido. Sustenta-a com exemplos extraídos da Bíblia, de encíclicas papais e dos doutores da Igreja. Peroração: conclusão, momento de afirmação das verdades morais pregadas. Conforme Thereza Domingues (2001), a estrutura dos sermões do padre Antônio Vieira apresenta o escopo consagrado pela retórica: compõem-se de um prólogo, do argumento e da peroração. O prólogo é dividido em tema – enunciação e justificação da escolha da sequência evangélica sobre a qual se vai fundamentar o sermão; introito - em que o pregador expõe o plano do sermão, a ideia ou ideias fundamentais que pretende desenvolver; termina por uma invocação em que pede auxílio e inspiração sobrenatural para levar a termo sua tarefa (nos sermões de Vieira, a invocação é quase sempre feita à Virgem Maria). O argumento ou corpo do sermão é a parte em que o orador vai desenvolvendo, desdobrando e esclarecendo o plano proposto no introito, utilizando-se para isso de exemplos bíblicos, experiências pessoais, ensinamentos dos doutores da Igreja, da vida dos santos ou dos filósofos e escritores pagãos. Na peroração, finalmente, o pregador sintetiza o sermão e exorta os fiéis a colocarem em prática os ensinamentos expostos. Esquematicamente, é esta a composição do sermão vieiriano: Prólogo(tema);

sequência

evangélica;

introito;

plano

do

sermão;

invocação;

dedicatória; argumento-(corpo do sermão); peroração-(resumo, exortação).

1.4 O Sermão Cristão

Segundo a Sagrada Escritura, Jesus Cristo proferiu seu primeiro sermão no início de sua vida pública, o relato do Evangelho de São Lucas constitui, conforme o evangelista, o programa de toda atividade de Jesus:

Jesus voltou para a Galiléia, com a força do Espírito, e sua fama espalhou-se por toda a redondeza. Ele ensinava nas sinagogas, e todos o elogiavam. Jesus foi a cidade de Nazaré, onde se havia criado. Conforme seu costume, no sábado


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entrou na sinagoga, e levantou-se para fazer a leitura. Deramlhe o livro do profeta Isaias. Abrindo o livro, Jesus encontrou a passagem onde está escrito: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos; e para proclamar um ano de graça do Senhor.” Em seguida Jesus fechou o livro, o entregou na mão do ajudante, e sentaram-se todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Então Jesus começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu essa passagem da Escritura, que vocês acabam de ouvir” 8

Nota-se claramente a base do primeiro sermão de Jesus: no dia, sábado; no lugar: sinagoga; ao fazer a leitura em público; na escuta e, sobretudo, no comentário após a leitura. Contudo é necessário observar os verbos de ação que tornam o pregador em um missionário; e faz do sermão, missional. O relato diz que Jesus foi à cidade de Nazaré, que entrou na sinagoga, que se levantou para fazer a leitura, que encontrou a passagem, e nela, é enfatizada a missão: anunciar a boa notícia, proclamar libertação, recuperar as vistas, libertar os oprimidos, e proclamar um ano de graça. Após as ações ele prega. Desse modo o Magistério da Igreja Católica ensina que o profeta Isaias (61,1-2) anunciara que o Messias iria realizar a missão libertadora dos pobres e oprimidos. Jesus aplica a passagem a si mesmo, assumindo-a no hoje concreto em que se encontra. No ano da graça eram perdoadas todas as dívidas e se redistribuíam fraternalmente todas as terras e propriedades: Jesus encaminha a humanidade para uma situação de reconciliação e partilha que tornam possíveis a igualdade, a fraternidade e a comunhão. Seguindo essa prática missionária de proclamação e libertação assumidas e ensinadas por Jesus, os jesuítas que vieram para o Brasil nos séculos XVI, XVII e XVIII especificamente o padre Antonio Vieira, tinham em seu programa a expansão e homogeneidade do cristianismo. Contudo, para alcançarem seus objetivos, os missionários dispunham de suas armas: o sermão e o púlpito.

8

Lc, 4:14-21.


21

2 O SERMÃO DA SEXAGÉSIMA: FUNDAMENTAÇÃO E ESTRUTURA

2.1 Fundamentação

O “Sermão da Sexagésima” ou da Palavra de Deus, do padre Antônio Vieira, foi pregado na Capela Real, de Lisboa, Portugal, em março de 1665; às vésperas da Quaresma 9. Trata-se de um sermão quaresmal cujo tema é fundamentado em um dogma de fé ou numa parábola bíblica, e tem como finalidade persuadir os fiéis a saírem de uma situação de pecado para um estado de graça. Sua composição é feita de forma escrita seguindo as regras da retórica consagrada e solenemente proclamada do púlpito, seguindo as regras da oratória clássica 10. Thereza Domingues (2001), em sua obra O Múltiplo Vieira, explica que o ciclo litúrgico do século em que viveu o jesuíta luso-brasileiro compreendia: os tempos da setuagésima (três domingos); da Quaresma (quatro domingos), da paixão (dois domingos); da Páscoa (oito domingos) e tempo de Pentecostes (vinte e três a vinte e oito domingos). O Sermão da Sexagésima foi fundamentado na Liturgia da Palavra, em estrito, na “Sequentia Evangelii secundum Lucam. Luc 8. da “Ad Missam” da ‘Dominica in Sexagésima’; cujo texto relata a Parábola do Semeador. Consoantes informações, precisamente, pode-se afirmar que o Sermão da Sexagésima foi pregado no segundo domingo da septuagésima, isto é, sessenta dias antes da Páscoa, dois domingos antes da Quaresma daquele ano de 1655, eis a origem do título “Sexagésima”. O padre Antônio Vieira não deixa dúvidas ao referir

9

O Catecismo da Igreja Católica define Quaresma desta forma: “Os tempos e os dias de penitência ao longo do ano litúrgico (o tempo da Quaresma, cada sexta-feira da quaresma em memória da morte do Senhor) são momentos fortes da prática penitencial da Igreja. Esses tempos são particularmente apropriados aos exercícios espirituais, às liturgias penitenciais, às peregrinações em sinal de penitência, às privações voluntárias como o jejum e a esmola, a partilha fraterna (obras de caridade e missionária). (Catecismo da Igreja Católica, 1993, n°1438, p.343). 10 Há uma sutil diferença entre a retórica consagrada e a oratória clássica, esta refere-se aos romanos que escreviam o discurso para depois proferir; aquela referia-se aos gregos que proferiam o discurso para depois escrever.


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isso no fim do primeiro tópico do texto em estudo “servirá como de prólogo aos sermões que vos hei de pregar, e aos mais que ouvirdes esta Quaresma”. Em 1665, Vieira, fora a Lisboa – Portugal, pregar a Quaresma, pois como informa Thereza Domingues:

Era costume que um pregador falasse durante a Quaresma inteira – compreende-se aí – a grosso modo, os domingos que iam da Setuagésima até o domingo da Páscoa. Acrescentando-se a esse número os sermões da quinta e sexta-feira santa, teremos o total de doze sermões que seriam os chamados “sermões quaresmais”11.

Para composição de um sermão quaresmal, o pregador opta falar sobre um dogma de fé ou uma parábola bíblica. O ‘Sermão da Sexagésima’ fundamentase na “Parábola do Semeador” em que Jesus reflete a relação entre a Palavra de Deus e o homem. O padre Antonio Vieira aprofunda nessa parábola a temática no contexto luso-brasileiro da segunda metade do século XVII. É interessante observar os motivos que o levaram a dissertar a respeito desta sequencia evangélica: “Semem est verbum Dei. Lc 8,11. Para esse fim é relevante atentar para o seguinte. A Igreja Católica por meio do seu Catecismo define:

A parábola bíblica tem um conceito específico para a Igreja Católica: Jesus convida a entrar no Reino através de parábolas, traço típico do seu ensinamento. Por elas, convida ao festim do Reino, mas exige também uma opção radical: para adquirir o Reino é preciso dar tudo; as palavras não bastam, são precisos atos. As parábolas são como espelhos para o homem: este acolhe a Palavra como um solo duro ou como uma terra boa?[...]. Jesus e a presença do Reino neste mundo estão secretamente no núcleo das parábolas. É preciso entrar no Reino, isto é, tornar-se discípulo de Cristo para “conhecer os mistérios do Reino dos Céus” (Mt 13,11). Para os que ficam de “fora” (Mc 4,11), tudo permanece enigmático.12

11

DOMINGUES, Thereza Conceição Apparecida da. O múltiplo vieira: estudos dos sermões indigenistas. São Paulo: Annablume.2001, p.41 12 Cf. catecismo da Igreja Católica, n.546.


23

Eis nesse cânone da doutrina da Igreja Católica, as razões que o pregador alicerçou seu sermão: (1) O convite para entrar no Reino = aspecto teológico, soteriológico. (2) Os atos = aspecto político missionário. (3) As palavras = aspecto retórico, persuasão. Ora, A Parábola do Semeador é a que ofereceu ao padre inaciano os elementos que solidificaram, naquela situação histórica, política e religiosa, os argumentos que ele objetivara empreender: o semeador (pregador); saiu semear (missão); semente (Palavra de Deus) no sermão.

2.2 Estrutura

Categoricamente o esquema adotado na estrutura no Sermão da Sexagésima é este: 1° Prólogo: Tema: Semem est verbum Dei. Lc,8.(A Semente é a Palavra de Deus). Sequência Evangélica: A Parábola do Semeador. Dedicatória: Para os pregadores. Introito: Examina três concursos essenciais (Graça, Pregador e Ouvinte), para saber qual deles pode ser causa da falta de eficácia dos sermões contemporâneos na reforma dos cristãos. 2°-Argumento: admitida que a falta de eficácia das pregações apenas podia ser do

pregador, o padre Vieira examina as cinco circunstâncias correspondentes ao orador: pessoa, estilo, ciência, matéria e voz. Corpo: No “Sermão da Sexagésima” nesta parte o padre Antonio Vieira expôs o método que adotava em seus sermões: Definir a matéria; reparti-la; confirmá-la com a Escritura; confirmá-la com a razão; amplificá-la dando exemplos e respondendo às objeções aos argumentos contrários; tirar uma conclusão e persuadir, exortar. 3º Peroração: Resumo: Encaminhada a análise rumo a peroração o resumo do “Sermão da Sexagésima concentra o ápice do ideal desse sermão e reafirma as verdades morais pregadas.


24

Exortação: O padre Vieira convoca os demais pregadores para assumir a ação missionária proposta por ele em nome da Companhia de Jesus porque somente com o fazer é que se conseguiria reverter a situação em que se encontrava a Palavra de Deus pregada à luz das especulações de ordem metafísica. Salientada a estrutura do sermão, faz-se necessário identificar e analisar, no ‘Sermão da Sexagésima’, além do esquema que Vieira utilizou os aspectos retóricos, a ideia política e o fundamento teológico; reconhecendo e estabelecendo essa relação, retórica-teológica-política, indissociável, nessa oratória sacra do século XVII.


25

3 O SERMÃO DA SEXAGÉSIMA: ANÁLISE

3.1 Tema

O padre Antonio Vieira aplica o tema, “A Semente é a Palavra de Deus”, à situação política; explora os recursos retóricos para reafirmar sua posição diante da sociedade, do Estado e da Igreja, segue uma visão Católica cuja teologia seria o início e o fim das decisões tomadas por essas instituições para, assim, obter uma relação entre retórica- teologia-política. Reflete a eficácia da Palavra Sagrada para o bem da humanidade, por meio de uma linguagem plasmada de metáforas e analogias entre fatos contemporâneos e passagens da Sagrada Escritura, do Antigo e do Novo Testamento, que inseridas no sermão produziram um grande efeito. Antonio Alcir Pécora na organização dos sermões do padre Antonio Vieira, diz:

O sermão volta-se para sua própria composição e examina três “concursos” essenciais que há nele (graça, pregador, ouvinte), para saber qual pode ser causa da falta de eficácia dos sermões contemporâneos na reforma dos cristãos. Admitida que a falta apenas pode ser do pregador, examina as cinco “circunstâncias” (pessoa, estilo, ciência, matéria e voz.) e admite em todas as existências de faltas graves, embora nenhuma delas possa ser tomada como causa principal do fracasso do sermão. Este se deve, sobretudo, ao “falso testemunho” do pregador que, embora utilizando a Palavra de Deus, não as toma em seu sentido original, mas distorce-as segundo seus interesses e o propósito de agradar ao auditório, em vez de desenganá-lo e reformar os seus costumes como é sua obrigação13.

3.2 Sequência Evangélica

13

Cf. Introdução dos sermões do padre Antonio Vieira por Alcir Pécora, vol I, p.19 da edição da Hedra, 2000.


26

É escolhida para fundamentar o sermão, a Parábola do Semeador, a que o padre Vieira justifica questionando: pregação e pregador; passos e paço; sementeira e semeador; não frutificar e frutificar a palavra divina; cujo objetivo é descobrir a causa principal do fracasso do sermão. Metodicamente ele expõe esses questionamentos evidenciando: a ação missionária: ”Não só faz menção do semear, mas faz também caso do sair”.14 O comodismo de alguns pregadores: “Os de cá achar-vos-ei com mais Paço; os de lá com mais passos”; as razões que o levaram voltar a Portugal:

que devia fazer o semeador Evangélico, vendo tão mal logrados seus trabalhos? Deixaria a lavoura? Desistiria da sementeira? Ficar-se-ia ocioso no porque tinha lá ido? Parece que não. Mas se tornasse muito depressa à casa a buscar campo, só instrumentos com que alimpar a terra das pedras e dos espinhos, seria isto desistir?15

A personalidade das criaturas a serem evangelizadas, nota-se neste fragmento que os mesmos desafios que os ‘Apóstolos’ enfrentaram, os pregadores evangélicos enfrentariam no Novo Mundo:

Porque como os Apóstolos iam pregar a todas as nações do mundo, muitas bárbaras e incultas haviam de achar os homens degenerados em todas as espécies de criaturas: haviam de achar homens homens haviam de achar homens brutos, haviam de achar homens troncos, haviam de achar homens pedras16.

As dificuldades, as tribulações, os sofrimentos, os padecimentos que se armaram contra os missionários jesuítas particularmente no Maranhão, Brasil, os quais Vieira denomina de Grande desgraça relacionando-a a dos primeiros cristãos:

14

Para a análise e estudo deste trabalho, todas as citações do “Sermão da Sexagésima” pregado em 1655, vol.I, foram extraídos de: VIEIRA, Antonio. Sermões: Padre Antonio vieira. Org. e introd. Alcir Pécora. São Paulo: Hedra,2002. 15 Idem, ibidem, p.31. 16 Idem, ibidem, p. 30.


27

E quando os Pregadores Evangélicos vão pregar a toda criatura, que se armem contra eles todas as criaturas? Grande desgraça! Mas ainda do nosso semeador do nosso Evangelho não foi a maior. A maior é a que se tem experimentado na seara aonde eu fui, e para onde venho. Se bem advertirdes, houve aqui trigo mirrado, trigo afogado, trigo comido, trigo pisado17.

Com uma patente hermenêutica exemplifica:

Tudo isto padeceram os semeadores evangélicos da Missão do Maranhão de doze anos a esta parte. Houve Missionários afogados, porque uns se afogaram na boca do grande Rio Amazonas: houve Missionários comidos, porque a outros comeram os bárbaros na ilha dos Aruãs: houve Missionários mirrados, porque tais tornaram os da jornada dos Tocantins, mirrados da fome e da doença, onde tal houve, que andando vinte e dois dias perdido nas brenhas, matou somente a sede com o orvalho que lambia das folhas18.

O padre Antonio Vieira enfatiza dentre “A Grande Desgraça!” que o problema mais difícil de ser solucionado é a perseguição política colonial contra as ações de catequese: “E que sobre mirrados, sobre afogados, sobre comidos, ainda se vejam pisados e perseguidos dos homens”. Contudo apresenta o motivo que entusiasma os missionários a persistirem na missão:

Não me queixo; nem o digo, Senhor, pelos semeadores; só pela seara o digo, só pela seara o sinto. Para os semeadores, isto são glórias: mirrados sim, mas por amor de vós mirrados: afogados sim, mas por amor de vós afogados: comidos sim, mas por amor de vós comidos: pisados e perseguidos sim, mas por amor de vós perseguidos e pisados19.

A exemplo do semeador evangélico, ratifica sua perseverança:

17

Idem, ibidem, p.30. Idem, ibidem, p.31. 19 Idem, ibidem. 18


28

Ir e voltar como um raio, não é tornar, é ir por diante. Assim o fez o semeador do nosso Evangelho. Não o desanimou, nem a primeira, nem a segunda, nem a terceira perda; continuou por diante no semear, e foi com tanta felicidade, que nesta quarta e última parte do trigo se restauraram com vantagem as perdas dos demais: nasceu, cresceu, espigou, amadureceu, colheu-se, mediu-se, achou-se que por um grão multiplicara cento. Oh que grandes esperanças me dá esta sementeira! Oh que grande exemplo me dá este pregador, porque depois de perder a primeira, a segunda e a terceira parte do trigo, aproveitou a última e colheu dela muito fruto20.

O padre Antonio Vieira aliando a sequência evangélica à finalidade de sua matéria à vontade de Deus:

Será bem que o mundo morra à fome? Será bem que os últimos dias se passem em flores? Não será bem, nem Deus quer que seja, nem há de ser. Eis aqui porque eu dizia ao princípio, que vindes enganados com o pregador. Mas para que possais ir desenganados com o Sermão, tratarei nele uma matéria de grande peso e importância21.

Com a explicitação dessa matéria o religioso conclui a exposição da sequência evangélica aludindo incisivamente ao tema basilar do sermão.

Nunca a Igreja de Deus houve tantas pregações, nem tantos Pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a Palavra de Deus, como é tão pouco o fruto? [...]. Assim como Deus não é hoje menos Onipotente, assim a sua palavra não é hoje menos poderosa do que dantes era. Pois se a Palavra de Deus é tão poderosa, se a Palavra de Deus tem hoje tantos Pregadores, por que não vemos hoje nenhum fruto da Palavra de Deus? Esta tão grande e tão importante dúvida será a matéria do Sermão22.

Nota-se, nitidamente, nessa sequência evangélica, a postura de um homem que além de padre missionário é também político e extraordinário exegeta. 20

Idem, ibidem, p.32. Idem, ibidem, p.32. 22 Idem, ibidem, p.33. 21


29

No início do Sermão da Sexagésima, o padre Antonio Vieira destaca sua preocupação com a evangelização, sobretudo, na Colônia brasileira de onde viera da missão. Ora, essa evangelização não consistia somente ao proselitismo religioso dos nativos, mas também na denuncia das injustiças sociais e atitudes desumanas praticadas pelos colonizadores sobre os cativos e no manifesto de abolição em pró destes.

No

entanto,

para

colocar

em

prática

esses ideais,

os

padres,

especificamente os jesuítas, teriam que superar todos os problemas, discriminados acima, para consolidar a hegemonia católica no Novo Mundo. Nesse contexto o padre Antonio Vieira se sobressai dentre os missionários jesuítas pela destemida ação missionária no Norte e Nordeste do Brasil; pela liderança política que conquistara junto ao Império Português e pela magistral genialidade retórica e oratória que o consagraria a maior expressão intelectual da prosa sacro-literária do período Barroco luso-brasileiro. Nesse sermão, encontra-se veementemente a presença de um padre que sai, diz e age. Sai da corte, adentra-se nas selvas para batizar e evangelizar os silvícolas, encontra resistência, não por parte destes, mas por parte dos colonos, é perseguido, não desiste, sai da colônia e vai à Metrópole em busca de apoio imperial para continuar sua missão. É curioso perguntar de que maneira conseguiria essa aliança. Não é difícil responder, pois, se tratando do padre Vieira, isso seria feito por meio de seu excepcional poder de persuasão manifestado no sermão - de sublime retórica carregada de ideais políticos e verdades de fé - proferido do púlpito, principal meio de atração e comunicação social, onde se meditavam os assuntos essenciais para o desenvolvimento humano em vista da ascese cristã. Sobre a importância do púlpito no século XVII, Nelson Werneck Sodré salienta:

Há que mencionar, entretanto, um aspecto importante, na discriminação do quadro colonial, ligada a exclusividade religiosa no trato dos problemas intelectuais. Tal aspecto é o que nos mostra o púlpito como o único meio generalizado de difusão do pensamento, órgão exclusivo utilizado na tarefa de divulgar idéias. Do alto do púlpito é que se fazia natural e possível alguém dirigir-se a muitos, e os atos religiosos, que eram os que conseguiam reunir povo,


30

adquiriam por isso uma significação singular. Não espanta tornar, ao lado de veículo destinado a transmitir a palavra religiosa, uma espécie de tribuna em que muitos assuntos eram tratados, inclusive os assuntos políticos, isto é, aqueles que interessavam à comunidade e à sociedade. Está claro que a linguagem dos pregadores só era acessível aos elementos dotados de entendimento mínimo, os proprietários e gente na sua imediata dependência, os funcionários de categoria. Não havia, a rigor, povo, coisa pública, interesse público. A ordem privada dominava, sem contrastes, e os elementos religiosos giravam em torno desse incontrastável poder, de tal sorte que lhes teria sido impossível representar dissidência, e muito menos oposição. A única forma de mobilizar a parca e estreita opinião colonial, entretanto, e por motivo das grandes festas coletivas, que eram as festas religiosas, estava no púlpito, onde os elementos dotados de dimensão intelectual exerciam sua atividade, utilizavam seus recursos, alcançavam os pequenos e baixos voos que a época lhes permitia23.

O padre Vieira, conscientemente, enxerta conteúdos políticos prioritários e polêmicos associados às verdades de fé contidas na Sagrada Escritura, no Magistério e na Tradição da Igreja, brilhantemente, funde-os numa escrita de estilo espetacular publicada em um sermão racionalmente construído e transpirado e magnificamente inspirado.

3.3 Dedicatória.

Diferente de outros sermões, em que o padre Vieira quase sempre invoca a Virgem Maria, nesse ele opta por não invocar, mas a dedicá-lo: “Quero começar pregando-me a mim. A mim será, e também a vós: a mim para aprender a pregar; a vós para que aprendais a ouvir”. Tratando-se do teor, do lugar e da circunstância em que esse sermão foi pregado pode-se deduzir, a quem e para qual classe de pessoas ele se propôs atingir (nobres da sociedade lisboeta, membros da família real, religiosos de outras congregações, sacerdotes, em suma, os homens cultos e letrados, em sua maioria). É notável o modo como dedica o sermão, coloca-se simultaneamente como sujeito e objeto do discurso, dessa maneira incitando no ouvinte uma maior 23

SODRÉ, 1976, p.60.


31

atenção e credibilidade, uma vez que o orador não é um mero transmissor e decodificador das palavras e sim o ouvinte mais interessado em escutar para “aprender a pregar” àqueles que ainda não aprenderam a ouvir e cuja função é ensiná-los.

3.4 Introito

Verificam-se no introito que para poder fundamentar o tema que escolheu, o padre Vieira utiliza um método em que exclui qualquer possibilidade de pensamento que possa desviar o ouvinte da ideia a que se propôs. Dessa forma, indaga

levantando

suposições

que

poderiam

contradizer

seu

tema;

enfaticamente responde e categoricamente prova com ilustrações do mundo sensível e com a Palavra de Deus, topicalizando somente o ponto sobre o qual vai pertinentemente abordar no argumento do sermão.

Fazer pouco fruto à Palavra de Deus no mundo pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou por parte do ouvinte, ou por parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um Sermão há de haver três concursos: Há de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver a si mesmo são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma senão entrar um homem dentro em si, e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, é necessária luz, e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho que é a doutrina; Deus concorre com a luz que é a graça; o homem concorre com os olhos que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador, e do ouvinte; por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus? Primeiramente por parte de Deus não falta, nem pode faltar. Esta proposição é de Fé, defendida no Concílio Tridentino, e o nosso Evangelho a temos [...]. Este ponto é tão claro que não há para que não nos determos mais a prova. Sendo, pois certo que a palavra divina não deixa de frutificar por parte de Deus; segue-se que é ou por falta do pregador, ou por falta dos ouvintes. Por qual será? Os


32

pregadores deitam a culpa aos ouvintes, mas não é assim. Se fora por parte dos ouvintes, não fizera a palavra de Deus muito grande fruto, mas não fazer nenhum fruto, e nenhum efeito, não é por parte dos ouvintes. Provo24.

Citando o Concílio de Trento (1545) que define e afirma a autoridade do texto bíblico, o jesuíta descarta quaisquer teses que venham contradizer-lhe. Ora esse concílio, dentre outros aspectos doutrinais discutidos, gerara polêmica ao querer se afirmar a justificação: que bastaria ao homem ter fé para ser justificado, no entanto a maioria dos participantes inspirados pelo jesuíta Lainez não concordara com essa tese por ser luterana demais, pois defendiam que a fé desacompanhada da esperança e da caridade não justificava nem fazia do homem membro de Cristo. Finalmente desta ideia foi elaborado um decreto que votado na sessão VI do Concílio foi aprovado, o qual definiu a justificação como:

Uma transformação profunda graças à qual o homem, enriquecido pelo dom de Deus e por aceitação voluntária da graça e dos dons, torna-se justo, amigo de Deus, herdeiro da vida eterna. Ele é justificado não por imputação extrínseca dos méritos do Cristo, mas por justiça que lhe é própria e que o Espírito Santo difunde nos corações, segundo o seu beneplácito e segundo a sua disposição e colaboração de cada um. Essa justificativa permanece nele com princípio permanente, e implica a presença de três virtudes sobrenaturais da fé, esperança e caridade, a fé sozinha não pode justificar o homem nem fazer dele membro vivo do Cristo25.

Imbuído

nesse

pensamento

o

padre

Antonio

Vieira

ressalta

incontestavelmente o poder da providência divina sobre o homem e as demais criaturas. Por conseguinte ele distingue o homem entre aqueles que ouvem e aqueles que pregam, absolve os ouvintes e condena veementemente os pregadores. Nesse juízo as provas que apresenta a favor dos primeiros e contra os últimos dão início ao corpo do sermão. Em defesa do ouvinte, o missionário coloca em relevo a classe dos ouvintes e os define entre bons e maus. Ora, o que gera uma incerteza é especificar 24 25

“Sermão da Sexagésima”, vol. I p.33. Cf. História dos Concílios Ecumênicos. São Paulo; Paulus, 1995, p.341.


33

o que se entende por mau ouvinte. Essa dúvida abre um leque de questões: Seriam os maus ouvintes aqueles que escutam e não entendem? Como por exemplo, os índios do Brasil que por falta de letramento e inculturação europeia ainda que ouvissem não tinham como colocar o evangelho em prática por falta de entendimento. Seriam aqueles que escutavam, entendiam e não agiam conforme o Evangelho? Como por exemplo, os nobres da corte, os juristas, os clérigos e demais letrados. Pois para ele a palavra somente causa efeito num ato isolado de uma ação permanente. Mesmo sem discriminar o mau ouvinte, ele o redime da culpa utilizando o elemento primordial que alicerça o seu argumento - A Sagrada Escritura – e com eficácia discorre:

A Palavra de Deus é tão fecunda, que nos bons faz muito fruto, e é tão eficaz que nos maus, ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos espinhos, lançada nas pedras, não frutificou, mas nasceu até nas pedras... E se a Palavra de Deus até dos espinhos e das pedras triunfa; se a Palavra de Deus até nas pedras, até nos espinhos nasce; não triunfar dos alvedrios hoje a palavra de Deus; nem nascer nos corações, não é por culpa, nem por indisposição dos ouvintes26.

Ora, o padre Antonio Vieira neste sermão ao especular o prejuízo da Palavra Divina e o fracasso dos sermões apresenta cinco circunstâncias impressas no pregador: a Pessoa; a Ciência, a Matéria, o Estilo, a Voz sobre as quais se pode delimitar o problema. Contudo, após analisar cada circunstância dedicando a cada uma um tópico, examina e encontra em todas elas falhas gravíssimas, mas que não teriam como comprometer todo o sermão a ponto de o destruir. Convencido disso ele acusa, julga e prova que a causa do fracasso do sermão deve-se ao falso testemunho dos pregadores. Ao considerar essa busca incessante para encontrar a conclusão a que chegou, o jesuíta minuciosamente investiga as circunstâncias acima citadas utilizando como elementos de investigação a forma da retórica clássica imbuída de 26

“Sermão da Sexagésima” vol. I, p.34.


34

recursos estilísticos barroco; os fatos históricos do século XVII concentrando o aspecto político; e passagens da Bíblia além da parábola a que se dispôs discorrer. Tendo em vista essas características convém pesquisar em cada tópico das referidas circunstâncias a relação retórica, teológica, política para que fique claro que essa tríade que contém, a razão, o homem e a fé, neste sermão, estão unificadas e não podem ser analisadas separadamente caso contrário seu comentário, análise e interpretação ficariam incompletos visto que se omitiriam ou a mensagem retórica ou a teológica ou a política que contém esse texto. De fato, nessas proposições o pregador em estudo não se intimida perante seus interlocutores em expor seu argumento com estilo linguístico discursivo impregnado do divino; pois para ele complementa Pécora: “a verdade divina previa a sua mobilização eficaz na história, na vida, no conhecimento e na linguagem do homem”

27

27

.

Ver a esse respeito a introdução de Teatro do Sacramento, 1994, p.41. de Antonio Alcir Pécora.


35

4 AS CINCO CIRCUNSTÂNCIAS DO PREGADOR

4.1 A pessoa que é

No tópico IV o jesuíta luso brasileiro enfatiza a “pessoa que é” o pregador e por meio de uma exposição discursiva analítica indaga, compara, responde e define sobre essa circunstância, no entanto para chegar a tal definição utiliza elementos históricos, bíblicos e linguísticos que se faz mister examiná-los cuidadosamente:

Será porventura e não fazer fruto hoje a palavra de Deus, pela circunstância da pessoa? Será por que antigamente os Pregadores eram santos, eram Varões Apóstolos exemplares e hoje os Pregadores são eu e outros como eu? Boa razão é esta. A definição do Pregador é a vida e o exemplo. Por isso Cristo no Evangelho não o comparou ao semeador, senão ao que semeia [...] O semeador e o Pregador é nome; o que semeia e o que prega é ação; e as ações são as que dão o ser ao Pregador. Ter o nome de Pregador, ou ser, pregador de nome não importa nada; as ações, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o mundo. O melhor conceito que o Pregador leva ao púlpito, qual cuidais que é? É o conceito que de sua vida têm os ouvintes. Antigamente convertia-se o mundo, hoje porque se não converte ninguém? Por que hoje pregam-se palavras e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras [...] Por isso Cristo comparou o pregador ao semeador. O pregar, que é falar, faz-se com a boca; o pregar, que é semear, faz com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras [...]28. Vissem os ouvintes em nós o que nos ouve a nós, e o abalo e o efeito do Sermão seriam muito outros [...]. Sabem Padres Pregadores, por que fazem pouco abalo os nossos sermões? Porque não pregamos aos olhos, pregamos só aos ouvidos (...) Se quando os ouvintes percebem os nossos conceitos, têm diante dos olhos as nossas manchas, como hão de conceber virtudes? Se a minha vida é apologia contra a minha doutrina, se as minhas palavras vão já refutadas nas minhas obras, se uma coisa é o semeador, e outro o que semeia, como se há de fazer fruto? 29

28 29

“Sermão da Sexagésima” vol. I, p. 36 Idem, ibidem, p.38-39.


36

Nessa premissa o padre Antonio Vieira concentra sua argumentação no aspecto missionário ressaltando a importância do comportamento, e das ações na vida do pregador. Ora, essa insistência concernente às ações missionárias nada mais é que uma cobrança de atitude política aos nobres e religiosos que gozavam regalias e isenções em plena fase de re-erguimento do império português duramente ameaçado pela Holanda e pela Espanha. Conforme Thereza Domingues (2001), esse sermão foi uma provocação àqueles que não davam exemplos de vida apostólica, sobretudo, aos dominicanos que se preocupavam mais em dedicar-se a questões referentes ao tribunal do Santo Ofício como inquisidores e a perseguir os cristãos que por ventura andassem fora dos trilhos da Doutrina, do que em assumir o projeto missionário proselitista, em especial, no Novo Mundo. Percebe-se que o padre Vieira ao tratar sobre o caráter do pregador vai beber na fonte aristotélica para fundamentar seu argumento. No livro, Retórica, Aristóteles (384-322 a.C) define três meios de persuasão oferecidos pela oralidade e o primeiro deles “depende do caráter pessoal do orador” que “alcança a persuasão, quando ele nos leva a crer no discurso proferido”, isso porque escreve Aristóteles: “Acreditamos mais nos homens de bem por serem mais preparados e íntegros do que os outros, seu caráter pode ser quase chamado de o mais eficiente meio de persuasão que ele possui30”. Contudo, é oportuno questionar com que autoridade Vieira podia contundentemente criticar esse tipo de pregador? O que se pode veementemente responder; com testemunho de um padre missionário como foi Antonio Vieira que apesar de ser jesuíta pregador, conselheiro pessoal do rei de Portugal D. João IV, orador oficial do salão literário da Rainha Cristina da Suécia, diplomata do rei lusitano, pregador do Papa, visitador geral do Brasil, preceptor de príncipes e confessor de rainhas, contudo não deixou de assumir a defesa dos novos cristãos e as missões no Maranhão e no Pará com tanto zelo, devoção e entusiasmo missionário a ponto de doar sua cama aos doentes ou o rendimento da publicação de seus sermões à dotação das missões, chegando até mesmo renunciar os

30

ARISTÓTELES. Retórica; trad. Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007.


37

oferecimentos das rainhas Cristina, ex da Suécia e atual dos salões romanos, e Catarina, da Inglaterra e do próprio geral para sucedê-lo como confessor do papa. Eis, portanto, uma síntese biográfica que revela o caráter desse exímio orador cujo testemunho cristão lhe concerne argumentos para cobrar, de seus irmãos no sacerdócio ordenado, testemunho de vida cristã e zelo apostólico que se propuseram assumir em seus ministérios. A preocupação do jesuíta português difere aos pregadores ociosos em entrar em comunhão com a Igreja militante, cuja missão é anunciar Deus na história e sinalizá-lo como Providência tendo em vista o fim soteriológico da humanidade. Nessa

ótica,

o

ser

humano

ao

aderir

o

anúncio

de

Deus

consequentemente concorrerá para que os fatos históricos sejam “o lugar específico da presença que Deus lhe comunica porque os homens realmente são e agem – e permanecem ser em ação – que a história vivida por ele pode indicar a realidade divina. Nesse sentido, a ação é “a medida da imitação, com maior ou menor proporcionalidade, do Ser divino ”31. Contudo, para que esse anúncio torne-se verdadeiramente ação cristã na humanidade com finalidade salvífica; faz-se necessária a responsabilidade apostólica e autêntico testemunho à Sagrada Escritura; isso porque, segundo Pecora, entre os intérpretes autorizados da história da cristandade “destacam-se os mais comprometidos com a conversão dos homens, entre os quais, em primeiro lugar, estão os pregadores, cuja exegese descobre e atualiza os sinais da oração divina original”32. Imbuído nesse pensamento o padre Antonio Vieira cobra dos pregadores a imitação de Cristo uma vez que este, enquanto homem público, realizou a profecia anunciada por Isaias cujo oráculo dizia que o Messias viria a este mundo para “anunciar a Boa Nova aos pobres, para proclamar a libertação aos presos e aos cegos recuperar a vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor”. Com efeito, para realizar essa profecia, Jesus foi de encontro aos interesses políticos-econômicos e religiosos dos dominantes (fariseus, doutores da

31 32

VIEIRA Antonio. Sermões. Padre Antonio Vieira. Org. e introd. Alcir Pécora. São Paulo: Hedra, 2000. Ibidem, idem, p.13.


38

lei, sacerdotes, em suma o Sinédrio) a fim de implantar uma nova proposta política de prioridade aos pobres, aos marginalizados e aos pagãos discriminados pelo sistema vigente. Para isso utilizou palavras e ações que incomodaram os seus adversários, porque pregando e agindo, convencia. Por ser o pregador, persona in Christ, deve confluir para que a exegese não apenas trate de espiritualizar as perícopes da Sagrada Escritura, mas também de traduzi-las em atos. A esse respeito Antonio Alcir Pécora disserta:

No caso de Cristo, cuja pessoa efetua ontologicamente o encontro do divino e do humano, as suas ações devem então ser tomadas pelo pregador, não como índices de uma verdade metafísica, mas de uma ação exemplar capaz de enfrentar as mais contundentes questões históricas. Isto quer dizer que os atos de Cristo, adequadamente interpretados, revelam-se úteis para a formulação de uma política cristã na historia, sobretudo através dos organismos hierárquicos da Igreja e do Estado33.

A propósito, a essência da política de Cristo é primordialmente a teologia refletida na humanidade por meio da Palavra e da ação, visto que:

O Verbo encarnado glorificou a Deus com suas palavras e obras. Os “sinais” de Jesus compreendem suas palavras que dão determinação às suas obras e mostra que elas são as obras de Deus. Os “sinais” de Jesus são a comunicação de Deus aos homens, e, consequentemente, verdade e vida; são realidades perenes. A glória de Jesus é algo que foi visto pelos homens e nele encontram a glória de Deus34.

4.2 O Estilo

Referente a esse tópico o padre inaciano retorqui a respeito do estilo utilizado pelos pregadores. Em conformidade com Pécora a celebrada repreensão 33

Idem, ibidem, p.14. HARRINGTON, Wilfrid John. Chave para entender a Bíblia: a revelação; a promessa; a revelação. Trad. Josué Xavier, Alexandre Macintyre. São Paulo. Paulus,8 ed. 2006. 34


39

do Padre Antonio Vieira, no Sermão da Sexagésima, de 1665, ao uso do estilo culto pelos pregadores dominicanos do Paço não significa que o padre Vieira estivesse contra a ornamentação discursiva e as figuras de linguagem, visto que são recursos típicos da oratória, tampouco pretende negar a arte do sermão, ou o sermão com arte ao propor sua admirável fórmula do sermão como uma arte sem arte, porque ele como um orador técnico considerava eficaz o emprego desses ornatos linguísticos.

Será porventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos? Um estilo tão impensado, um estilo tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo tão encontrado a toda a arte e a toda a natureza? Boa razão é também esta. O estilo há de ser muito fácil e muito natural. Por isso Cristo comparou o pregar ao semear: Exijt, qui seminat, seminare. Compara Cristo o pregar ao semear porque semear é uma arte que tem mais de natureza que de arte [...]. É uma arte sem arte; caia onde cair [...]. Assim há de ser o pregar. Hão de cair as coisas e hão de nascer; tão naturais que vão caindo, tão próprias que venham nascendo. Que diferente é o estilo violento e tirânico que hoje se usa? Ver vir os tristes passos da Escrituras, como quem vem ao martírio; uns vêm acarretados; outros vêm arrastados; outros vêm estirados; outros vêm torcidos; outros vêm despedaçados; só atados não vêm! Há tal tirania? Então no meio disto, que bom levantado está aquilo! Não está a coisa no levantar, está no cair: Cecidit. Notai uma alegoria própria da nossa língua. O trigo do semeador, ainda que caiu quatro vezes, só três nasceu; para o Sermão vir nascendo, há de ter três modos de cair: há de cair com queda, há de cair com cadência, há de cair com caso. A queda é para as palavras, o caso para a disposição. A queda é para as coisas, porque hão de vir bem traduzidas e em seu lugar; hão de ter queda. A cadência é para as palavras, por que não hão de ser escabrosas, nem dissonantes, hão de ter cadência. O caso é para a disposição, porque há de ser tão natural e tão desafetada que pareça caso e não estudo: Cecidit, cecidit, cecidit.Já que falo contra os estilos modernos, quero alegar por mim o estilo do mais antigo pregador que houve no mundo. E qual foi ele? O mais antigo pregador que houve no mundo foi o céu 35.

Todavia o que ele ataca são os estilos modernos, cujos recursos são empregados inadequadamente o que fere o decoro particular admitido pela oratória sacra; e o faz utilizando o ângulo da arte retórica e da ciência teológica. Essa falta de decoro é precisamente a ruptura da relação essencial entre o ornato e a sua base natural, entre os conceitos engenhosos e os sinais divinos no mundo, entre as figuras da técnica discursiva e as do sistema finalista e providencial. 35

“Sermão da Sexagésima”vol. I, p.39.


40

Ora, isso demonstra que a repreensão do padre Vieira não consistia em recusar o ornato dialético ou o conceito engenhoso como procedimentos artísticos inadequados em si, mas em conciliar a arte retórica e a pregação apostólica; desta forma a aplicação decorosa da arte de pregar cuida, exemplarmente, para que nada no sermão fira a dignidade de que se reveste a pessoa do orador eclesiástico, cujo valor público interfere na eficácia do sermão. A advertência patente nesse tópico do Sermão da Sexagésima é especificamente remetida aos dominicanos, Antônio Alcir Pécora salienta:

Os dominicanos do Paço, duramente repreendidos por ele, não são culpados de usar tropos ornamentais, onde há propriedade técnica e não cabe culpa: são culpados de romper o vínculo fundamental entre a dialética dos ornatos e os signos factuais do divino. Nessa perspectiva são pregadores que já não buscam descrever a substância oculta nesses sinais, a orientação transcendente que os dispõe e justifica, contentando-se em tratá-los como matéria verbal autônoma, cujo mistério se dissolve na aplicação exclusiva de regras “cultas” em uso. Ou seja, é intolerável a separação entre a retórica e o projeto teológico salvífico suposto nas analogias. Perdido o decoro e automatizada a forma fora de sua razão, o aplauso do auditório equivale a uma condenação, pois celebra um “falso testemunho” da palavra de Deus36.

O que diz Pécora reforça o sentimento de Vieira que defende nesse sermão, em especial, a retórica não como efeito cujo sentido e causa seria o código linguístico ou o gosto literário, mas a manifestação da vontade divina entre os homens, isto é, para o jesuíta, a base articulatória de sentido e eficácia dos sermões é dada por sua impregnação do divino, por sua sacramentalidade. Segundo o pensamento vieiriano um sermão que fracassa não é apenas uma questão de engano retórico, mas um erro teológico e de fé. Ao explicitar a comparação feita por Cristo entre semear e o pregar o padre Vieira enfoca os elementos-chave que o sermão deve ter, quanto ao estilo, para plena persuasão: ser fácil, natural, ter queda, cadência e caso. Isso patenteia o espírito barroco do jesuíta tão oportuno e presente nesse sermão de estilo, cujo propósito é questionar, ademais aspectos, o estilo do sermão. 36

VIEIRA, Antonio. Sermões.Org. e intrd. Alcir Pécora. São Paulo: Hedra,2000, p.19.


41

Adrede o estilo que o padre Vieira cultivou é, essencialmente,o Barroco, cuja teorização literária estriba-se consideravelmente na poética e retórica de Aristóteles.

A Renascença, fruto maduro da cultura urbana em alguns centros italianos desde o princípio do século XV, foi assumindo configurações especiais à medida que penetrava em nações ainda marcadas por uma poderosa presença do espírito medieval. No caso português e espanhol, os descobrimentos marítimos levaram ao ápice uma concepção triunfalista e messiânica da Coroa e da nobreza (rural e mercantil), concepção mais próxima de certos ideais césaro-papistas da alta Idade Média que da doutrina do príncipe burguês de Maquiavel. E durante todo o século XVI vincaram a cultura ibérica fortes traços arcaizantes, que a Contra Reforma, a Companhia de Jesus e o malogro de Alcancer-Quibir viriam carregar ainda mais37.

Impregnado desse espírito de conquista, reafirmação da fé católica e diplomacia é que o padre Antonio Vieira no Sermão da Sexagésima corrobora e instiga a assembléia a assumir o seu erro. Quanto ao estilo, Bosi dar a conhecer que “o barroco-jesuítico não tem nítidas fronteiras espaciais, mas ideológicas” por se tratar de um período histórico onde predomina o alçar da Contra Reforma e da expansão além mar. A queda, a cadência e a disposição das palavras a que se refere o pregador, estão empregadas no sermão conforme esse estilo e espírito e condiz com o que Afrânio Coutinho relata:

A brevidade ou concisão aliada à obscuridade; a maneira picante, espasmódica, abrupta, desconexa, aguda, sentenciosa, antitética, metafórica; “style coupé” [...] E, portanto, o “genus humile”, o “senecan amble”, o tipo de estilo hoje conhecido como barroco, empregado para exprimir não um pensamento, mas um espírito pensado, um espírito no ato de pensar, à medida que pensa 38.

37

Bosi, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira.41 ed.São Paulo: Cultrix, 2003, p.29. Afrânio Coutinho apud AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel.teoria da Literatura. 2. Ed. Coimbra: Almedina, 1969. 38


42

Todo esse recurso estilístico que o Barroco proporciona, o padre Vieira emprega com sutilíssimo requinte a Aristóteles. Há no Sermão da Sexagésima as três espécies de meio de persuasão fornecidos pelo discurso oral: o caráter pessoal do orador, a inserção da audiência em determinado estado psicológico e a prova ou da prova aparente fornecida pelos termos do próprio discurso. Esta terceira espécie ocorre, escreve Aristóteles, quando: “a persuasão é afetada pelo próprio discurso quando provamos uma verdade ou verdade aparente por meio de argumentos persuasivos apropriados para o caso em questão”. O resultado desse argumento faz-se perceptível no texto vieiriano e de maneira particular quando menciona o céu como primeiro pregador e compara as estrelas com as palavras, “os sermões às composições, a ordem, a harmonia e o curso delas” o estilo de pregar do céu, com o estilo que Cristo ensinou na terra. Fazemnas com tamanha alegoria e prova mais que aparente que se torna irrefutável, por isso questiona: “É possível que somos portugueses, e havemos de ouvir um pregador em português, e não havemos de entender o que diz?”

4.3 A matéria que trata

Ao definir a matéria, o autor do Sermão da Sexagésima, orienta para que se divida, prove, declare, comente, multiplique, responda, satisfaça, impugne, refute, colha, aperte, conclua, persuada e acabe. Todos esses verbos exigidos pela retórica têm em comum a persuasão sua função principal. A persuasão é tão importante para a retórica que se poderia afirmar que é a alma dessa arte, sem ela a retórica seria um corpo sem vida. Para os Sofistas, os mais especializados retóricos da história da humanidade, a persuasão era uma deusa poderosa; Ésquilo a chamou de “a feiticeira à qual nada se nega”, para Isócrates era seu costume oferecer-lhe um sacrifício anual; Górgias menciona discurso e persuasão como as duas forças irresistíveis; Protágoras defendia a tese de que para se tornar um homem de poder real na cidade, quer como orador, quer como homem de ação seria prioritária a necessidade de dominar a arte de falar persuasivamente.


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Para Górgias, além do que dissera acima, a arte da fala sagaz é tudo que um jovem ambicioso precisa aprender. Era a arte do Senhor, pois o homem com o dom da persuasão tinha sob seu domínio todos os outros peritos.

Será pela matéria ou matérias que tornam os pregadores? [...] O sermão há de ter um só assunto e uma só matéria. Por isso Cristo disse que o lavrador do Evangelho não semeara muitos gêneros de sementes, senão uma só [...]. Semeou uma só semente, e não muitas matérias [...] O sermão há de ser duma só cor, há de ter um só objeto, um só assunto, uma só matéria. Há de tomar o pregador uma só matéria,há de defini-la para que se conheça, há de dividi-la para que se distinga, há de prová-la com a Escritura, há de comentála com o exemplo, há de multiplicá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar, há de responder às dúvidas, há de satisfazer às dificuldades, há de impugnar e refutar com toda a força da eloquência os argumentos contrários e depois disto há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar, e o que não é isto, é falar de mais alto. Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses hão de nascer todo da mesma matéria, e continuar e acabar nela. [...] uma coisa é expor e outra pregar, uma ensinar e outra persuadir. E desta última é que eu falo39.

Nesse tópico Vieira exprime sua preocupação quanto à coerência que deve ter o pregador ao referir-se a determinado tema. Ele não admite que se faça do sermão um misto de assuntos sem que se deixe claro qual o predominante e qual o fim que se pretende obter por meio da exposição. Para o eminente jesuíta a persuasão é eficaz quando há nexo, congruência, coesão e coerência na matéria que trata, do contrário, há assuntos sem assunto, isto é, a heterogeneidade da matéria contradiz a essência do sermão: sua homogeneidade, e como consequência não há convencimento. Segundo Aristóteles a persuasão retórica é efetiva não só pela demonstração, mas também pelo argumento ético. Essa afirmação corrobora com o que o padre Vieira expôs. Em síntese, o sermão só produzirá frutos se atingir os fins retóricos que tem como meio a persuasão.

39

“Sermão da Sexagésima” vol. I, p. 41-42.


44

Aristóteles ratifica que a tarefa da retórica é tratar de tais matérias com as quais deliberamos, sem artes ou sistemas para nos guiar nas audiências de pessoas que não podem compreender de imediato um argumento complicado ou acompanhar uma longa cadeia de raciocínio40.

4.4 A ciência que tem

A intelectualidade é desde sempre um fator indispensável, sobretudo, no estado de vida de um pregador. É válido salientar que o que fez de Salomão o rei mais poderoso de seu tempo, no Oriente, foi a sabedoria, por ele preferida, quando interrogado por Deus sobre o que queria receber como oferta divina. Sobre esse aspecto o padre Antonio Vieira discorre:

Será porventura, a falta de ciência que há em muitos pregadores? Muitos pregadores há que vivem do que não colheram, e semeiam o que não trabalharam. [...] O pregador há de pregar o seu e não o alheio [...] porque o alheio e o furtado não é bom para semear, ainda que furto seja de ciência. [...] Eis aqui por que muitos pregadores não fazem fruto, porque pregam o alheio e não o seu. [...] O pregar não é recitar. As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pegadas a memória, e os homens não se convencem pela memória, senão pelo entendimento. [...] o que há de dizer o pregador, não lhe há de sair só da boca; há-lhe de sair pela boca, mas da cabeça. O que sai só da boca, pára nos ouvidos; o que nasce do juízo penetra e convence o entendimento. [...] Enfim pregar o alheio é pregar o alheio, e com o alheio nunca se fez coisa boa41.

Desse modo, a rigor, pregar exige pensar e pensar exige raciocínio lógico um dos princípios da arte retórica, que não pertence a uma ciência definida, conforme Aristóteles, mas que, em estrito senso, se refere aos meios de persuasão. Esses meios são atributos da lógica cujo método é expor um tema e provar determinado aspecto por meio de uma premissa maior (universal), premissa menor (particular) e conclusão (prova), partindo do geral para o particular, de forma metódica e sem erro, a exemplificar: (1) Premissa Maior (Universal), todo homem é

40 41

ARISTÓTELES, Retórica. trad. Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel,2007. “ Sermão da Sexagésima” vol. I, p. 43-44.


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mortal; (2) Premissa Menor (Particular),Sócrates é homem; (3) Conclusão (Prova),logo: Sócrates é mortal. Conforme Aristóteles, os modos de persuasão são as únicas verdades constituintes da arte, tudo o mais é mero acessório, esses modos se dão por entimemas um tipo de silogismo que, às claras, é a demonstração do orador, cujo fim é questionar, sustentar e com signos infalíveis estabelecer os argumentos com provas completas (infalíveis). Para isso necessita o pregador de ciência, raciocínio, conhecimento e engenho porque, enfatiza Aristóteles, que a retórica é a combinação da ciência da lógica com o ramo ético da política, além de ser em parte dialética e em parte raciocínio sofístico. Concernente a essa epistemologia, o missionário jesuíta não só reitera, mas também apresenta toda sua sabedoria neste sermão, enlaçando a arte retórica, o conhecimento político e a ciência teológica persuadindo pelo seu altíssimo grau de capacidade mental criadora, principalmente nessas esferas das ciências humanas. Nessa perspectiva, mesmo que haja necessidade de pregar com o alheio não se pregará o alheio, visto que pregar com e utilizar o próprio conhecimento para dar novo sentido ao conhecimento de outrem é fundamental para levar a crer pelo entendimento.

4.5 A voz com que fala A voz: elemento indispensável para a oralidade. Por meio da voz os gregos e, em especial, Homero compôs um dos, se não, o mais importante poema épico da história da humanidade: A Odisséia. Os livros da Bíblia em sua maioria foram falados, vividos somente, depois escritos. Em toda a Bíblia, Deus fala e age, Deus fala agindo e age falando porque sua Palavra não é apenas um som, mas uma ação concreta. Deus cria pela Palavra “Deus disse (Gen 1,3)” acrescenta-se pela ação. Não obstante, Vieira alerta para o fato de como se fala:

Será finalmente a causa, que tanto há buscamos, a voz com que hoje falam os pregadores? antigamente pregavam bradando, hoje pregam conversando. Antigamente a primeira parte do pregador era a boa voz, e bom peito. E verdadeiramente, como o mundo se governa tanto pelos sentidos, podem às vezes mais os brados que a


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razão. [...] o raio fere a um, o relâmpago a muitos, o trovão a todos. Assim há de ser a voz do pregador: um trovão no céu, que assombre e faça tremer o mundo [...] Não chamará, não bradará, mas falará com uma voz tão moderada que não se possa ouvir fora. E não há dúvida que o praticar familiarmente, e o falar mais ao ouvido que aos ouvidos, não só concilia maior atenção, mas naturalmente e sem força se insinua, entra, penetra e se mete na alma42.

A voz com que fala o orador é de suma importância para o padre inaciano uma vez que, em sua época, a oralidade era o principal meio de formação e informação para a maioria do povo, sobretudo, os silvícolas. A propósito ele prova por meio da Sagrada Escritura que tanto aqueles que pregam bradando como aqueles que pregam sussurrando são capazes de persuadir, pois ambos os modos de falar fazem parte do estilo de cada orador. Portanto, se pode dizer que o mais fundamental, nesse aspecto, é a adequação da voz, do discurso ao nível do ouvinte a quem se prega. Dentre os elementos da oratória clássica é de acordo universal que o orador tenha

perfeitas:

entonação,

pronúncia,

eulalia;

respiração,

postura,

gesticulação correligionárias à voz para isso, é necessário tamanho estudo a ponto de ter a arte do bem falar como devoção e veneração constante a serviço dos outros, em sacrifício pelos outros. O padre Antonio Vieira era tão ciente disso que propaga essa prática neste sermão. Ora, o padre jesuíta, apesar de questionar, refletir, expor sua tese e provar as características referentes às circunstâncias da Pessoa; do Estilo; da Matéria; da Ciência e da Voz não encontra a causa principal: de não fazerem frutos os pregadores com a Palavra de Deus, ainda que nelas encontre causas, e dar cabo ao corpo do sermão atestando e indagando:

Moisés tinha fraca voz; Amós tinha grosseiro estilo; Salomão multiplicava e variava assuntos; Balaão não tinha exemplo de vida; o seu animal não tinha ciência, e contudo todos estes falando, persuadiam e convenciam. Pois se nenhuma dessas razões que discorremos, nem todas elas juntas são a causa principal nem bastante do pouco fruto que hoje faz a Palavra de Deus, qual diremos, finalmente, que é a verdadeira causa?43

42 43

“Sermão da Sexagésima”vol.I, p.45-46 Idem, ibidem, p.46.


47

Ao concluir essas premissas e descartar nelas o que procura, o padre Vieira retoma o tema do sermão e nele demonstra a proposição conclusiva que principia a peroração deste gênero textual sacro.

Sabeis (Cristãos) a causa por que se faz, hoje, tão pouco fruto com tantas pregações? É porque as palavras dos pregadores são palavras, mas não são palavras de Deus [...]. Mas dir-me-eis: Padre, os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não pregam das sagradas Escrituras? Pois como não pregam a Palavra de Deus? Esse é o mal. Pregam palavras de deus, mas não pregam a palavra de Deus [...] As palavras de Deus pregadas no sentido que nós queremos, não são palavras de Deus, antes podem ser palavras do Demônio [...]. De sorte que Cristo defendeu-se do Diabo com a Escritura, e o Diabo tentou a Cristo com a Escritura [...] referir as palavras de Deus em diferente sentido do que foram ditas, é levantar falso testemunho a Deus, é levantar falso testemunho às Escrituras44.

Eis a causa principal: a interpretação aberrante da Palavra de Deus. Pois como afirma Pécora “a falta de eficácia de um sermão seria índice certo da distância infeliz entre ele e a verdade mantida pela comunicação divina. Um sermão que fracassa não é apenas uma questão de engano retórico, mas de erro teológico e de fé45”. A infrutífera safra dos sermões desencadeia, segundo o pensamento vieiriano, na falta de homogeneidade política, e doutrinária do catolicismo cuja consequência prejudica a função primordial da Igreja: anunciar o Evangelho, denunciar as injustiças e salvar almas, em especial. É mister, acentuar, em plena retomada contra-reformista da Igreja Católica que o interesse, particularmente, do padre Antonio Vieira quanto a correta exegese dos sagrados textos confluía para a sustentação da hegemonia do Catolicismo. O estabelecimento de uma Igreja homogênea com objetivo unipolar exigia dos pregadores, além de unidade hierárquica e interpretação congruente da Sagrada Escritura; ação política para a expansão a que aspirava. O fazer político da 44

Idem, ibidem, p.46-49. Pécora, Alcir. Teatro do sacramento: a unidade teológico-retórico-político dos sermões de Antonio Vieira . São Paulo. Universidade de São Paulo; Campinas: universidade de campinas, 1994. 45


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Igreja, não dependia, mas precisava de uma aliança com o Estado porque politicamente o principal projeto terreno da Santa Sé era constituir, conforme Pécora: “pleno poder a um Estado cristão particular, ainda que invariavelmente com finalidade universal46”, que para o padre Vieira a constituição essencial seria a do Estado católico português. Ademais, afirma Antonio Alcir Pécora que o jesuíta firma-se “na ideia de uma monarquia universal cristã sob o duplo comando do papa e do príncipe português capaz de destruir e turco e reduzir o conjunto dos povos à religião verdadeira47.” Em suma a peroração do Sermão da Sexagésima, ainda, que na superfície, trate predominantemente do aspecto teológico; nas entrelinhas desvelase um discurso polidamente político dentro de uma retórica dicotômica cujo norte é a fundamental eficácia da Palavra de Deus. A coerência com o Evangelho, portanto, é a substância suprema na vida do pregador cujo exemplo maior é o próprio Cristo. Delimitada a causa primordial, o padre Vieira finda seu silogismo inconfundivelmente provado e exclama:

Pregar o pregador para ser afamado, isso é mundo; mas infamado, e pregar o que convém, ainda que seja com descrédito de sua fama, isso é ser pregador de Jesus Cristo [...]. De maneira que o frutificar não se ajunta com o gostar, senão como padecer, frutifiquemos nós, e tenham eles paciência. A pregação que frutifica, a pregação que aproveita, não é aquela que dá gosto ao ouvinte, é aquela que lhe dá pena48.

Em suma, é ser verdadeiro, é dizer a verdade independentemente das consequências que possa gerar, pois para o jesuíta fazer da pregação um espetáculo teatral é um desrespeito à própria arte, à inteligência humana e sobremaneira ao Verbo feito carne.

4.6 Peroração

46

Id. 2000, p. 21 Id. 1994, p.52 48 “Sermão da Sexagésima”vol. I. p. 51. 47


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Na peroração do Sermão da Sexagésima o padre Antonio Vieira reutiliza os quatro fins propostos pela retórica aristotélica aos oradores: (1) demonstra aos ouvintes sua própria veracidade e a falsidade de seus oponentes, os dominicanos do Paço; elogia a si mesmo e insiste na censura de seus adversários; apresenta-se como exímio pregador e homem de bem em vista de seus oponentes que são maus pregadores e homens perversos em relação a eles próprios e aos seus ouvintes. (2) intencionada a aceitabilidade dos fatos provados no sermão, aumenta a importância deles. (3) após a esperada compreensão dos fatos, estimula a emoção de seus ouvintes. (4) revigora a memória de seus ouvintes, revisando o que disse e repetindo os pontos frequentes no sermão tornando-os compreensíveis e resumindo os argumentos pelos quais provou o que disse. Após validar seu discurso, o padre Vieira apresenta a exortação a ser praticada pelos pregadores:

Semeadores do Evangelho, eis aqui o que devemos pretender nos nossos sermões, não que os homens saiam contentes de si; não que lhes pareçam bem os nossos conceitos, mas que lhes pareçam mal os seus costumes, as suas vidas, os seus passatempos, as suas ambições, e enfim todos os seus pecados. contanto que se descontentem de si, descontente-se embora de nós49.

Conclui o Sermão da Sexagésima, usando uma linguagem que leva os ouvintes a perceberem o que ele fizera e que devem escutá-lo porque apresentara os fatos que estavam diante deles e, por isso, pede-lhes por seus julgamentos. Há na exortação deste sermão a busca da unidade, entre os pregadores na re-escritura do texto bíblico a favor da afirmação da verdade na arte de pregar cuja função estabelece a comunhão entre os homens e a reconciliação com Deus.

49

Idem, ibidem, p.52.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho, verifica-se a temática da retórica, da teologia e da política no Sermão da Sexagésima do padre Antonio Vieira. A respeito disso, cabe salientar que no primeiro capítulo foram apresentadas as fases mais importantes da história, desde a retórica até o sermão; as diferenças e semelhanças entre suas tipologias, gêneros e estrutura, bem como a determinação do sermão cristão. No capítulo posterior, foram delimitadas a fundamentação e a estrutura que utilizou o padre inaciano para composição desse texto sacro. Segue-se o terceiro capítulo com a análise do tema, sequência evangélica, dedicatória e introito do referido sermão constatando em sua produção os elementos linguísticos, religiosos e políticos. No último capítulo, conforme o precedente, foram analisadas as cinco circunstâncias do pregador apresentadas pelo jesuíta, e a peroração. Convém registrar que realizada a análise do Sermão da Sexagésima do padre Antonio Vieira em suas devidas partes, confere-se a assertiva de que, no todo, as relações entre Retórica, Teologia e Política são imprescindíveis para a compreensão plena de sua hermenêutica, e que constituem, nele, uma indissolúvel unidade semântica. Por fim, espera-se que este trabalho possa contribuir, ainda que minimamente, para os estudos das literaturas de língua portuguesa, principalmente, no que diz respeito ao Sermão da Sexagésima do padre Antonio Vieira.


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