Desveja, reveja, transveja: Uma linha compartilhada

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Desveja, reveja, transveja:

uma linha compartilhada





Desveja, reveja, transveja:

uma linha compartilhada

Daniela Gontijo SĂŁo Paulo, 2019.



“A expressão reta não sonha. Não use o traço acostumado. A força de um artista vem das suas derrotas. Só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro. Arte não tem pensa: O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo.” Manoel de Barros



AGRADECIMENTOS Lizete, por ser tamanha inspiração e me fazer acreditar que uma cidade mais humana é possível. Angelo e Lucas, por me ensinarem a projetar aquilo que acredito. Paula, por ser, resistir e compartilhar. Por ser tanto para mim. Valéria e Ricardo, por todo apoio e amor incondicional. Igor, por todo amor e companheirismo. Amigas e amigos, por toda parceria, muito desse trabalho também é de vocês. Família mineira e paulistana, pela base e carinho. Sp Urbanismo, por me dar a oportunidade de trabalhar com o que acredito, uma cidade realmente melhor para as pessoas.


Início

SUMÁRIO 13 43 Virada Varginha

Inventividades

PARADA 2: O que o trem causa

Economia

Mobilidade

Espaço Público

Linha Férrea de Varginha

PARADA 1: O trem chega na cidade

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Referências bibliográficas

Considerações finais

Projeto

Partido

Questões mobilizadoras

PARADA 3: O trem gera resíduos

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Início


Espaço Público. Espaço de encontro. Esse era o ponto principal para início de trabalho. Vivenciar as dinâmicas de uma cidade complexa como São Paulo, que apesar de todos os problemas e caos nos mostra algumas possibilidades, como a tentativa cada vez mais forte e criativa de apropriação do espaço público e também, de tentar entendê-lás através da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, fez surgir a questão sobre como se desenvolvem as dinâmicas nesses espaços em outras cidades. A mim, interessava Varginha, minha cidade natal, de onde saí há quase dez anos. Ter um novo olhar para o até então conhecido, com um pouco mais de distanciamento, me fez refletir sobre a necessidade de estudar outras questões em conjunto, como a mobilidade e a economia, que estão diretamente ligados ao espaço público e suas relações.

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A linha férrea que cruza a cidade de norte a sul, acabou por ser o eixo estruturador do


projeto, com a proposta de ser um percurso ressignificado para o uso do transporte coletivo e não motorizado. A vivência e reflexão sobre projetos em São Paulo com possibilidades e alternativas a um consumo mais justo e consciente, ligados a economia solidária, agregou na decisão dos programas das arquiteturas ao longo do projeto urbano que, somados, resultaram na linha compartilhada, que prioriza os pedestres e ciclistas, apoia o produtor local e incentiva o encontro. O trabalho desenvolvido propõe que se desveja, reveja e transveja questões já ditas como a mobilidade, a economia e o uso do espaço público da cidade, ou seja, que se veja novamente com um olhar além, reconsiderando pontos já automatizados, e assim, uma nova apropriação da linha férrea existente, porém, sem a pretensão de ser um caminho único, mas compartilhado por toda população, abrindo uma multiplicidade de possibilidades e novos caminhos e fundindo-se com as marcas e rastros já existentes.

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Linha FĂŠrrea de Varginha, 2018. Fonte: autora

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Linha FĂŠrrea de Varginha, 2018. Fonte: autora

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Linha FĂŠrrea de Varginha, 2018. Fonte: autora

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PARADA 1:

O trem chega na cidade


Diagrama de distâncias entre outras cidades e Varginha. Fonte: autora

A cidade de Varginha, localizada na região do Sul de Minas Gerais, está praticamente equidistante das três principais capitais do Brasil: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Tem sua origem nos “pousos” ou “pousadas” em meados do século XVIII, que eram locais de descanso para as travessias dos bandeirantes.

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Entre 1860 e 1880, o vilarejo que crescia, possuía cerca de trezentas edificações e, nesse período, foram construídas as primeiras obras destinadas aos serviços públicos, como o prédio para a Escola e Cadeia, sendo elevada à categoria de cidade em 7 de outubro de 1882. Em 1892, chegava à Varginha a primeira linha de ferro. A Estrada de Ferro


Muzambinho ou Minas-Rio não deveria passar pela cidade, seu traçado foi idealizado tendo como perspectiva um custo baixo de construção e, em vista do acidentado relevo da região, o trajeto deveria seguir o leito do Rio Verde (ao sul da cidade), o que evitaria obras maiores de engenharia. A prefeitura e os cidadãos, majoritariamente fazendeiros e cafeicultores (a produção cafeeira era a principal economia da região), consideravam os benefícios que a passagem da linha férrea traria para a cidade, e já há algum tempo negociavam com a diretoria da Companhia para modificar o traçado, o que possibilitaria sua passagem por Varginha. O acordo foi feito em 1890, iniciando o prolongamento da Linha férrea Minas-Rio, finalizada em 1892.

Inauguração da estrada de ferro – 1892. Fonte: Museu Municipal de Varginha

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O ramal interligava a malha ferroviária do Sul de Minas e seguia até o ramal de Tuyuti onde encontrava a Rede Ferroviária Mogiana, o que trouxe grande impulso à cidade, estimulado pelo transporte de passageiros e cargas, voltado para a exportação do café. A linha férrea, representava um alavancar da economia, a inovação e, no seu perímetro, estavam a maioria dos comércios, galpões, bancos e residências.

Primeira estação da cidade de Varginha. Fonte: Museu Municipal de Varginha

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“Quando criança, uma grande diversão minha e de minhas irmãs, era ir no girador do trem, ver o trem mudar de direção.” Noêmia Alvarenga, depoimento de 2019

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Mapa Rede Sul mineira 1910. Fonte: Museu Municipal de Varginha

Nova estação da cidade de Varginha 1934. Fonte: Museu Municipal de Varginha

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No início da década de 1930, começou a construção de outra sede para a Estação, já que a antiga não comportava mais os serviços e, em 1934, foi inaugurada a nova e atual Estação Varginha, com projeto dos engenheiros Armindo Paione e Brás Paione, fazendo referência à estação de Mayrink, no estado de São Paulo, projetada por Victor Dubugras.


O trecho Varginha à Jureia foi desativado na década de 60, devido à construção do Lago da Usina de Furnas, inviabilizando essa parte da linha. Na década de 70, aconteceram as últimas viagens para transporte de pessoas e, no começo dos anos 2000, a linha foi totalmente desativada, estando hoje abandonada e até encoberta por asfalto em alguns trechos, refletindo a política de desativação desse sistema macro de mobilidade, fundamental a um país de dimensões continentais como o nosso. Como a linha, seu entorno também foi abandonado, os edifícios mudaram de uso e as centralidade mudaram de local.

Última viagem de passageiros da Linha de Varginha em 1975 - Fonte: Museu Municipal de Varginha

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Trecho da Linha FĂŠrrea asfaltada, 2018 - Fonte: autora

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A antiga estação ferroviária, restaurada em 2015, hoje é Patrimônio Histórico, tombado pela cidade, onde atualmente funciona a Fundação Cultural de Varginha e também, na parte externa, acontecem eventos culturais.

Estação Ferroviária, 2018. Fonte: Museu Municipal de Varginha

Estação Ferroviária em dia de evento, 2018. Fonte: autora

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Espaço Público “Os espaços livres públicos são em sua maioria classificados como “espaços de uso comum do povo”, o que determina sua qualificação como livre. Podem pertencer ao sistema viário do município como as ruas, avenidas, alamedas e bulevares, ou ao sistema de áreas verdes, como as praças e os parques. Em qualquer uma das funções, os espaços livres são bens imóveis pertencentes a diferentes esferas de governo, como federal, estadual ou municipal. Isto determina sua qualificação enquanto espaço público.” (Guia de boas práticas para os espaços públicos da cidade de São Paulo, 2016, p. 15.)

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O cotidiano da cidade e das pessoas passa, indiscutivelmente, pelo espaço público. Nos espaços públicos das cidades brasileiras, há uma evidente transformação acontecendo a partir de novas formas de uso e necessidades e hoje se encontram em um processo de reativação, incentivados por novas formas de lazer ou por processos de ocupação voltados à democratização das atividades urbanas, como por exemplo, nas manifestações populares. Ressignificação de usos que remetem à necessidade de formas mais dinâmicas no seu desenho e na sua gestão. De acordo com Milton Santos (1996), o espaço está sempre em movimento, como conjunto indissociável de um sistema de ações e de um sistema de objetos, de fixos e fluxos, de verticalidades e horizontalidades. Sob essa perspectiva, abrem-se possibilidades para a proposição de outras formas de espaço e convívio na esfera pública geral, além dos tradicionais espaços livres públicos.

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Existem espaços que foram criados para serem públicos e que por algum motivo ou erro de projeto, não são usados como tal, e, por outro lado, alguns espaços privados tem o uso público, são apropriados pelas pessoas, ainda que pela falta do espaço adequado. O conceito de pracialidade, desenvolvido por QUEIROGA, 2001, em sua tese de

Ato pela educação, Av. Paulista, 2019. Fonte: Mídia Ninja

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doutorado, mostra que espaços, antes caracterizados como praças públicas, não mais se estabelecem com exclusividade como espaços da vida pública. Um exemplo pode ser apontado a partir das manifestações que acontecem em grandes avenidas (Av. Paulista, em São Paulo) ou em praias, lugares simbólicos que agregam pela localização e pelo que representam.

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Observa-se, portanto, que a praça enquanto tipo de espaço público voltado à vida pública dá-se em função não somente de suas características físicas, como também do contexto urbano, que pode, ou não, potencializar seu uso público. (QUEIROGA, 2001, p. 60).

Apesar de surgirem novas formas de espaço e convívio na esfera pública geral, a gradativa desvalorização dessa mesma esfera por meio da crescente valorização do privado, contribui para a criação de espaços urbanos fragmentados e de acesso controlado. Essa valorização está diretamente associada aos processos estruturais e ideológicos da sociedade moderna, substituindo cidadãos por consumidores, onde o poder econômico controla desde os gastos públicos às ideologias pelos meios de comunicação.

Desde o início do século XX, o território de uma grande cidade tornou-se objeto de um planejamento referido à lógica do desenvolvimento econômico. Isso implica que a vida urbana, para realizar-se plenamente, precisa desafiar, sucessivamente e cotidianamente, a predominância de uma lógica que é a da mercadoria. (VELLOSO, 2018, p.104)

Carnaval de rua, Olinda, 2017. Fonte: Prefeitura de Olinda

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Infraestrutura verde Outra questão a ser abordada é a de que a cidade moderna (e, essencialmente, as cidades brasileiras) foi construída desprezando sua base biofísica e os processos naturais de suas paisagens. Apoiada na alteração radical do sistema hídrico, no desmatamento descontrolado e priorização do artificial, a cidade se coloca como uma representação espacial do pensamento econômico, segundo o qual os recursos naturais são infinitos. E muitas das intervenções que mais fortemente alteram a paisagem e causam impactos sociais e ambientais avassaladores são justificadas como indispensáveis para o funcionamento das cidades. Torna-se evidente, por todas as consequências vividas hoje, entre elas a poluição do sistema de águas superficiais, erosão, deslizamentos, contaminação do solo, perda de biodiversidade e solo fértil, aumento considerável da temperatura e desconforto nas cidades, que é insustentável continuar planejando, projetando e gerindo as cidades da forma independente de seu suporte biofísico e de 27


seus processos naturais. Em geral, as redes de infraestrutura desconsideram as particularidades biofísicas locais e tendem a generalizar uma mesma solução técnica para diferentes cenários, buscando a “eficiência”. Uma alternativa a essas questões é a Infraestrutura verde. A infraestrutura verde fornece a organização espacial para a conservação e para o desenvolvimento, reconhecendo a necessidade de oferecer lugares para a população viver, trabalhar, fazer compras e desfrutar a natureza (recriada ou artificializada). A infraestrutura verde ajuda as comunidades a identificar e priorizar as oportunidades de conservação e a planejar o desenvolvimento de forma a otimizar o uso do solo para atender as necessidades das pessoas e dos ciclos naturais. (PELLEGRINO, 2017). As intervenções de infraestrutura verde são mais voltadas ao plantio e, ao contrário do que acontece com a infraestrutura convencional, seu desempenho tende a aumentar com o passar do tempo. 28


Mobilidade A lei conhecida como Lei Feijó, foi decretada no Brasil em 1835 e autorizava a criação de companhias que pretendessem construir estradas de ferro visando a ligação da Capital do Império a Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. Porém, os primeiros quilômetros de linha férrea no Brasil só foram inaugurados em 1854, com o objetivo de servir à agricultura de exportação, principalmente às culturas de cana e café (LANNA,2005). A construção dessas linhas deu-se, majoritariamente, com capital inglês. A Inglaterra já vivia intensamente o processo da Revolução Industrial e tinha participação em empresas ferroviárias em todo mundo, atuando direta ou indiretamente, seja no financiamento total ou na venda de materiais necessários para a viabilidade da construção. Além do financiamento, no Brasil, a mãode-obra qualificada envolvida na construção das linhas também era de origem inglesa. Com isso, aos ingleses eram garantidos privilégios e monopólios, criando abertura para uma imensa exploração. A dimensão política foi fundamental na história da construção ferroviária no Brasil, exposta em interesses gerais e particulares 29


que definiram ou modificaram leis e traçados, os incentivos e as incorporações, fazendo do poder público, um parceiro indispensável à existência das ferrovias, mesmo quando construídas e operadas por capitais privados, nacionais ou estrangeiros (LANNA,2005). As estradas de ferro pareciam estar várias gerações à frente do resto da economia, e na verdade “estradas de ferro” tornou-se uma espécie de sinônimo de ultramodernidade na década de 1840, como “atômico” seria depois da II Guerra Mundial. (HOBSBAWM, 2009, p.13) A construção das ferrovias em Minas Gerais, em grande medida, deu-se pela ação das elites regionais que exigiram meio de transporte que dinamizasse a chegada ao mercado das mercadorias produzidas em sua área de atuação. Como no caso de Varginha, onde o traçado da linha férrea original não percorria o núcleo urbano, o então prefeito da época (1890), Matheus Tavares, cafeicultor e fazendeiro, fez um acordo com a construtora para modificar o traçado e assim beneficiar a cidade, dentro de uma 30


perspectiva de valoração da contribuição das estradas de ferro no desenvolvimento das cidades sul-mineiras que, depois de receberem estações, desenvolveram-se e foram emancipadas.

Trem em Varginha. Fonte: Museu Municipal de Varginha

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Em “O espaço intra-urbano no Brasil”, Villaça, 2001, discute a relação entre as vias regionais de transporte e o crescimento físico das cidades, apontando um estreito vínculo entre eles. Seguindo seu raciocínio, as ferrovias provocam crescimento descontínuo e fortemente nucleado, em que o núcleo ou pólo se desenvolve junto às estações.


Já as rodovias, especialmente as expressas, provocam um crescimento mais rarefeito e descontínuo e menos nucleado que as ferrovias. Isso se deve às diferenças de acessibilidades oferecidas pelos dois tipos de estruturas de mobilidade. Na ferrovia, a acessibilidade só se concretiza nas estações; na rodovia, pode se dar em qualquer ponto. As ferrovias brasileiras foram construídas para atender uma demanda regional de transportes de cargas e não para serem um transporte urbano de passageiros. Apesar de no Rio de Janeiro já haver serviço ferroviário em meados do século XIX, a mobilidade interna à cidade, de passageiros, não foi o principal motivo de sua construção. De acordo com Villaça, as atuais estações suburbanas surgiram ou para atender as cidades que já existiam antes da ferrovia (mesmo que dela afastadas), em função de paradas cargueiras ou industriais, ou então para atender à expansão urbana junto à ferrovia, em locais onde ainda não havia parada. 32


Estes são os pontos em comum: 01. A metrópole é interiorana; isso significa que dispõe de área para expansão em todas as direções: 360 graus 02. No início de sua expansão, o espaço urbano se depara com uma barreira que o divide no meio: um vale por onde corre um pequeno rio, cujo transbordamento frequentemente inunda as terras adjacentes, e uma ferrovia que se aloja junto ao rio. Evidentemente, o centro fica em um desses dois lados. O conjunto vale-ferrovia funciona então como uma barreira que define – tendo como referência o centro da cidade – o “lado de lá” (oposto ao centro) e o “lado de cá” (o lado onde está o centro). A barreira divide o espaço urbano em duas partes que têm custos e tempos de deslocamento ao centro diferenciados. Define-se, então, um lado do espaço urbano mais vantajoso que o outro, a acessibilidade ao centro. 03. Em virtude dessa vantagem, o lado em que está o centro tende, inicialmente, a abrigar maior parcela do crescimento urbano que o “lado de lá”.

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04. As camadas de mais alta renda tendem a se concentrar no lado mais vantajoso, embora a recíproca não seja verdadeira, ou seja, no lado onde se localiza o centro há também camadas de baixa renda.


05. No lado oposto ao centro, num ponto estratégico, para o qual converge o sistema viário do “lado de lá”, surge o primeiro grande subcentro de comércio e serviços. Esse subcentro é popular, por atender à população de baixa renda localizada alémbarreira, que não tem acesso econômico ao centro principal, já que este pertence às camadas médias e altas. Estruturas espaciais de São Paulo e Belo Horizonte segundo modelo Hoyt. Fonte: Espaço Intra-urbano no Brasil, Villaça, p.115.

Estrutura espacial de Varginha segundo modelo Hoyt. Fonte: autora.

Legenda

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Varginha A cidade de Varginha tem como característica urbana, um relevo acidentado, bairros desconectados, baixa qualidade de calçadas e espaços públicos e poucas opções de transporte coletivo, o que, em conjunto, gera uma mobilidade urbana ineficiente para os usuários. A cidade possui uma linha férrea, de 1892, que corta a cidade de norte a sul e por motivos técnico-construtivos, foi feita seguindo um fundo de vale, com uma leve inclinação, em um território praticamente plano se comparado ao restante da cidade. Quando construída, a linha férrea era sinônimo de modernização e avanço, como em todo o Brasil e no mundo, possibilitando relações e negociações com o resto do país, dinâmica importantíssima para o sistema vigente, agroexportador, em que o produto agrícola (o café, em Varginha) devia chegar ao porto do litoral de Santos.

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Em 1950, o Brasil já era um país onde o transporte de cargas por ferrovia foi substituído quase que totalmente por rodovias. O impulso veio com o Decretolei, 1945, que criava o Fundo Rodoviário Nacional, com dotação de recursos para as rodovias a partir da taxação sobre


combustíveis líquidos. Nesse período, o Brasil já tinha 968 quilômetros de estradas pavimentadas, o dobro de cinco anos antes. A década de 50 marca ainda a inauguração da Petrobrás, em 1954, produzindo asfalto em quantidade, e da indústria automobilística brasileira, em 1957. A partir desses eventos, efetivamente, o transporte rodoviário se tornou o modal mais utilizado no país. Devido a esse processo, as ferrovias perderam valor e muitas delas foram abandonadas, tornando-se cicatrizes nas cidades. O projeto proposto, reconhecendo as características positivas do transporte por trilhos, tem como objetivo resgatar esse modal, ressignificando-o e reinterpretando-o com as tecnologias atuais (VLT), atuando, com esse recurso, na mobilidade local da cidade. O número de veículos em Varginha aumentou em 100% de 2004 a 2014 (dados do PDE VGA, 2018), e como consequência, vive-se o aumento de congestionamentos e ineficiência urbana, condição que reproduz as mazelas das metrópoles em cidades de médio porte. O VLT alia conforto, rapidez (em média andará 15km/h, com intervalos de 2 minutos entre cada estação e 24 minutos para o percurso total), acessibilidade e diminuição do fluxo rodoviário e, consequentemente, diminuição do trânsito e poluição da cidade.

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Economia Solidária De acordo com SINGER (2004), “a economia solidária foi inventada por operários, nos primórdios do capitalismo industrial, como resposta à pobreza e ao desemprego resultantes da difusão desregulamentada das máquinasferramenta e do motor a vapor, no início do século XIX”. (SINGER, 2004, p. 83) Brasil – Desigualdades medidas pelos índices de Gini da renda total, pela proporção de domicílios em situação de pobreza, pela proporção da renda nacional recebida pelos 40% mais pobres e pelo 1% mais rico – 1976-2015 Fonte: Oxfam

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No Brasil contemporâneo, apenas seis pessoas possuem riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões de brasileiros mais pobres. E os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os demais 95%. (OXFAM, 2017)


A Economia Solidária ressurge hoje como resgate da luta histórica dos(as) trabalhadores(as), como defesa contra a exploração do trabalho humano e como alternativa ao modo capitalista de organizar as relações sociais dos seres humanos entre si e destes com a natureza. (Carta de Princípios do FBES – Fórum Brasileiro de Economia Solidária, 2003) Mudar essa realidade requer novas escolhas políticas, reiteradas ao longo do tempo, e sustentadas por uma sociedade com igual acesso à democracia. A Economia Solidária, tem como propósito, prática de relações onde o lucro não é o único objetivo e coloca o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, criando-se a relação do cooperar entre si em vez do competir. Envolve uma preocupação com o de onde vem os produtos que utilizamos e as condições em que o produtor vive e trabalha. Pode-se dizer que na Economia Solidária, há um desenvolvimento e um crescimento no âmbito local, valorizando a relação do ser humano com o meio ambiente e com a comunidade da qual faz parte. As associações de outro tipo (comunitárias, artesanais, familiares etc) passaram a 38


ser tratadas como “resquícios atrasados” (SINGER,2004) pelo sistema capitalista, que transforma tudo e todos em mercadoria. O Brasil é um dos países pioneiros em relação à Economia Solidária e, em Junho de 2003, na III Plenária Nacional da Economia Solidária, após debates em 18 estados brasileiros, foi aprovada a Carta de Princípios, que pretende ser a identidade do Fórum Brasileiro da Economia. Com todas as dificuldades e empecilhos, colocados na maioria das vezes pelo sistema econômico hegemônico, a economia solidária continua a crescer e são significativos os resultados e os benefícios que gera, possibilitando uma interface mais solidária e cooperativa entre as pessoas. O desenvolvimento é um fenômeno resultante das relações humanas. São as pessoas que, dependendo do sonho, do desejo, da vontade, da adesão, das decisões e das suas próprias escolhas, contribuem para o desenvolvimento. (SILVA: 2008, p.13) 39


O apanhador de desperdícios Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo. Manoel de Barros

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PARADA 2:

O que o trem causa


Inventividades “O que consumimos enquanto figuras sociais, é o que comemos, de todas as formas, que não só pela boca.” Fabiolla Duarte (Colher de Pau Festival) 1

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1 Festival que acontece em São Paulo/SP, com uma proposta de consumo consciente.


O tema do TFG em questão vem de uma vontade de encontrar e vivenciar novas formas de consumo que não se deem apenas pela boca. Novas formas de viver e conviver, de partilhar a vida, e assim achar outras formas de trocas que perpassem o afeto, o cuidado e a solidariedade, e não a competição e a rivalidade a que estamos bastante acostumados. Um dos caminhos possíveis para estes achados seria entender o distanciamento entre quem produz e quem consome. Saber quem faz, como faz, de onde vem os produtos e também as dificuldades e problemas que existem nestes percursos, pode nos munir de compreensões que melhorem nossas escolhas, em solidariedade com os novos laços que criamos. Passamos a nos perguntar se o que consumimos foi feito por uma produção justa ou em péssimas condições de

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trabalho; se a pessoa que produziu a roupa que usamos teve um local de trabalho digno para fazê-lo; se a comida que comemos tem uma relação de respeito com a natureza; e mesmo se as energias que vão sendo colocadas nos processos desses produtos são sustentáveis. Buscar compreender a cadeia de produção dos itens que consumimos é um ato político, à medida que nos tornamos responsáveis por aquilo que perpetuamos e contribuímos para existir. Essas inquietações fizeram-me encontrar outras pessoas com as mesmas perguntas. E um tanto delas com algumas respostas. Autores como Paul Singer (2006) e Boaventura de Souza Santos (2005) também ajudaram-me a vislumbrar algumas saídas.

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Como o tema central que rege este trabalho é o espaço público, foi preciso tomar algumas decisões. Foi preciso escolher se os programas de cada um dos espaços do percurso da linha de trem continuariam ou não sendo o que são, ou se buscaríamos, pelo projeto, novos estímulos e novas situações. E a escolha foi investir em novas possibilidades, mesmo que incipientes ou ainda em caráter experimental.


Dessa forma, selecionamos alguns projetos que apresentam novas possibilidades de organização, convivência e sistemas de trocas, em que se buscam modelos mais justos ou sustentáveis. Ressaltamos porém, que muitos desses projetos ainda possuem caráter experimental. E dessa forma, nem sempre são inclusivos ou conseguem abranger a grande pluralidade da sociedade. Feiras de produtos orgânicos ou produções limpas ainda são caras, pois desmascaram injustiças sociais bastante enraizadas em nosso modo de viver. A agricultura de pequeno porte, familiar e sem agrotóxicos, não usufrui das vantagens de uma economia extensiva, com escala produtiva que reduz custos, além, de muitas vezes contar com uma mão de obra rural mal paga. Os químicos empregados nas produções de grande porte garantem uma produtividade irreal para os parâmetros da agroecologia. Estas questões nos fazem pensar que não nos damos conta, no nosso dia a dia, do real preço e valor das coisas, caso elas fossem produzidas nos parâmetros que idealizamos. Seria preciso recomeçar. Seria preciso reinventar nosso padrão de consumo para mudar também nossa maneira de produzir. (SANTOS,2005).

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Feira/Casa Jardim Secreto A Feira Jardim Secreto, surgiu da iniciativa de mulheres que tinham a vontade de promover a troca e transformação entre pessoas e suas ideias, construindo juntas, colaborando. Essa feira, que tradicionalmente acontece na Praça Dom Orione, bairro Bixiga em São Paulo, é de pequenos produtores e para consumidores que dão valor e podem pagar o que é feito de forma justa e consciente. Com o intuito de dar continuidade ao projeto da feira, foi proposta a Casa Jardim Secreto, espaço dotado de loja com produtos de - pelo menos - 80 pequenos produtores; um café, do Nano, onde os grãos especiais também são cultivados por pequenos produtores e a Sala Casulo, espaço para aulas de todos os tipos, ensaios, debates, clube do livro, festival de curtas, onde há uma programação mensal de atividades culturais ligadas ao consumo consciente. Essas são formas de tornar a casa rentável, sustentável, ao mesmo tempo que incentiva, divulga e valoriza o trabalho de cada colaborador. Neste tipo de projeto é muito importante o trabalho educativo que é preciso fazer. Explicar as propostas e suas consequências, principalmente, nos preços e nos impactos na vida dos produtores. Segundo a missão da Casa Jardim Secreto, “tomar uma iniciativa em direção à mudança de hábito, por menor que seja, é sim significante, alguma coisa vai mudar. 47


Feira jardim secreto, 2017. Fonte: divulgação feira jardim secreto

Feira jardim secreto, 2017. Fonte: divulgação feira jardim secreto

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Figura 16: Instituto Feira Livre Fonte: Uol

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Instituto Feira Livre É uma associação que promove o acesso a produtos orgânicos de maneira transparente e sustentável, sem agrotóxicos e sem especulação, no centro da cidade de São Paulo. A feira, que também é uma mercearia e um café, tem a proposta de estabelecer relações comerciais justas com todos os atores da cadeia produtiva, conectando quem produz a quem consome. A diferença de uma feira ou supermercado tradicional é que as grandes redes chegam a lucrar até 400% sobre produtos orgânicos, explorando produtores e consumidores ao máximo. Em oposição, o Instituto Feira Livre opta por um formato em que tudo o que estará disponível para compra terá o mesmo preço de venda do produtor, ou seja, o que se paga ao produtor é o custo exposto nas etiquetas dos produtos. As despesas, como aluguel, fretes, salários, impostos e taxas, serão abertas e expostas, para que todos saibam os custos envolvidos e, mensalmente, se define um percentual de contribuição sugerido para arcar com os custos operacionais. Esse percentual é calculado pelo quociente das despesas e pela previsão de vendas, dependendo-se dessa contribuição para quitar os custos operacionais de cada compra. Comercializar produtos do campo e propor a economia solidária é a forma do Instituto Feira Livre colocar em prática seus ideais de liberdade e democracia.

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Horta das Corujas A Horta das Corujas é uma horta comunitária experimental, criada em julho de 2011, localizada em praça pública no meio da cidade de São Paulo. A proposta foi a de criar um espaço de convívio social e de educação ambiental. Nela os voluntários cultivam, aprendem a cultivar e ensinam a cultivar e podem usufruir de todos os alimentos produzidos no local. Aprende-se também a usar o espaço público, respeitando as regras locais e os outros usuários. Essa horta faz parte do projeto Movimento dos Hortelões Urbanos, que atualmente ajuda pessoas a começar a cultivar alimentos em casa; cria oportunidades para trocas de experiências sobre plantio doméstico; facilita a criação de hortas comunitárias e realiza eventos de trocas de sementes e mudas.

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Horta das Corujas Fonte: divulgação horta das corujas


Horta das Corujas Fonte: hortelões urbanos

Existem várias possibilidades de participar dos trabalhos da Horta das Corujas: por meio dos mutirões que acontecem quase todos os fins de semana ou visitando a horta durante a semana, para regar, tirar ervas daninhas; pela participação nas reuniões e ajuda nas discussões; por meio de contribuições de insumos, como adubo orgânico, contribuições financeiras ou também por contribuições técnicas. Percebe-se, nessa experiência, o valor dado à participação, à construção conjunta e às diversas formas de contribuições, sejam elas financeiras ou não. Neste tipo de projeto também ficam evidentes a valorização de saberes tradicionais, de idosos, que vão se perdendo e dando lugar a formas produtivas mecanicistas. Assim, pessoas tidas como inadequadas, passam a contribuir, tendo um lugar no processo. A diversidade de pessoas e saberes é um dos pilares para a vida sustentável.

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Produtores COOPFAM Fonte: divulgação COOPFAM

Coopfam A COOPFAM constitui a Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo, cidade de Minas Gerais, que acredita e se baseia no comércio justo e na agricultura familiar, sustentável, orgânica e solidária. A COOPFAM aposta que o trabalho conjunto, possibilita uma vida em comunidade mais farta e com menos sofrimento. Um dos slogans da organização é: “Somos uma cooperativa de pessoas.” A cooperativa nasce da tomada de consciência de alguns produtores sobre a possibilidade de fazer as coisas diferentes e, assim, ter uma vida melhor. Ela cresce na partilha dessa consciência transformadora, baseando-se na importância da família e no princípio de que “para ser bom para um tem que ser bom para todos”. Princípio que se estende por toda a cadeia, de ponta a ponta, até o consumidor final. Seus principais produtos são:

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01. o Café Familiar, especial, produto exclusivo de agricultura familiar, primeiro produto a conquistar o selo Fairtrade em 1998. Com qualidade realmente superior, hoje ele é exportado e apreciado por 12 países em todo o mundo.


02. O Café Feminino, que é resultado do encontro e da luta de mulheres que acreditaram em seu potencial. Estas mulheres criaram o MOBI – Mulheres Organizadas Buscando Independência, que começaram a plantar seu próprio café, e usam a palha e a borra para criar arte e artesanato. 03. O Café Microlote, que é um café único, com o toque pessoal de cada produtor, carregando histórias feitas pelas mãos de produtores que geração após geração vêm trabalhando para melhorar a qualidade de sua produção. No que tange ao MOBI, Mulheres Organizadas Buscando Independência, ressaltamos que as mulheres que ali trabalham possuem como norte o equilíbrio da relação com a natureza, além da segurança alimentar e nutricional das cooperadas. Para isso, as mulheres buscam resgatar saberes locais, familiares e de suas ancestrais para o resgate do plantio e cultivo orgânico e agroecológico, fazendo valer o sentido da agricultura familiar, e, consequentemente, a importância da mulher para o ciclo produtivo e para o desenvolvimento rural sustentável.

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Feira Nacional da Reforma Agrária Na edição de 2019 em São Paulo, mais de 800 agricultoras(es) estavam convocados para representarem os 23 estados e o Distrito Federal, dando acesso aos paulistanos a toneladas de alimentos saudáveis a preços populares. Infelizmente, por decreto estadual a feira foi vetada, sem muitas explicações, de ser montada no Parque da Água Branca em maio de 2019 e está programada para acontecer em agosto de 2019, ainda sem local definido. Os alimentos que são levados à feira são produzidos nos assentamentos da Reforma Agrária, que são espaços para famílias de agricultores viverem, para que trabalhem e produzam, dando uma função social à terra e garantindo um futuro melhor à população. A vida no assentamento garante às famílias direitos sociais que não são garantidos a todo o povo brasileiro, como casa, escola, saúde e alimentação.

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Apesar disso, muitas vezes por falta de conhecimento da história e da luta do movimento, existe grande preconceito em relação ao grupo, e os agricultores encontram dificuldades para a comercialização de seus produtos. Dessa forma, a feira constitui oportunidade de estreitar o diálogo entre a população do campo e da cidade, mostrando a importância da Reforma Agrária na produção de alimentos saudáveis no Brasil. A Feira Nacional da Reforma Agrária também possui importante papel educativo e inclusivo em relação ao consumo de alimentos agroecológicos no Brasil. A despeito dos valores mais altos destes tipos de produtos, a Feira ensina métodos fáceis e baratos de combate às pragas e manutenção de hortas, ensina a produção de adubos orgânicos e receitas alimentares de baixo custo para toda a população.

Feira MST, 2017 Fonte: divulgação feira

Neste quesito, a Feira além de grande fornecedora de produtos saudáveis e socioambientalmente sustentáveis, também participa de um processo educativo que coloca a possibilidade do comércio justo existir.

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Virada Varginha Durante três dias de agosto de 2018, os cidadãos de Varginha foram convidados a usar a cidade. Usar a cidade como um espaço democrático. Um festival, organizado por ‘cidadãos comuns’, pessoas com vontade de fazer algo melhor, reuniu música, arte, brincadeiras, informação, ufologia, corridas, exposições. A relação com o espaço e com o outro. O lugar é o quadro de uma referência pragmática do mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, por meio da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade. (SANTOS,1996,p.322)

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Já na terceira edição do evento, a linha férrea da cidade, hoje desativada, foi o eixo principal desse ano. Apesar de ser um importante eixo de mobilidade da cidade por cortá-la de norte a sul e interligar bairros periféricos e o centro da cidade, e ainda de uma forma praticamente plana, ela está abandonada. Apresenta apenas algumas pequenas manifestações de carinho da população, que cultiva jardins nas suas bordas, por exemplo. Entretanto, em geral, a área que ladeia toda a linha, acaba por gerar insegurança e desconforto ao caminhar, essencialmente por seu caráter de abandono (falta de iluminação, fundos de edificações etc) Independente do tipo de programação ocorrida ou número de pessoas participantes, o que fica de um evento como esse é o despertar do olhar para o mesmo espaço porém agora novo e, com esse despertar, vem a vontade de fazer parte, resultando em apropriação e identificação.


Virada Varginha, 2018 Fonte: autora

“A cultura popular tem raízes na terra onde se vive, simboliza o homem e o seu entorno, encarna a vontade de enfrentar o futuro sem romper com o lugar, e de ali obter a continuidade, por meio da mudança.” (SANTOS, 1996, p.327)

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PARADA 3:

O trem gera resĂ­duos


A escolha do local de projeto se deu por questões afetivas da autora com o local, por ser sua cidade natal e assim, ter conhecimento e vivência do cotidiano da cidade. 61

diagrama localização do projeto Fonte: autora Figura 24: linha férrea Varginha Fonte: autora


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Corte N-S nas proximidades da linha férrea

Corte N-S pela linha férrea

diagrama/cortes Fonte: autora mapa Varginha com linha férrea Fonte: autora

Ao analisar os diagramas acima, que mostram o perfil do terreno em um corte pela linha férrea e outro paralelo ao percurso da linha, entendemos que o projeto aconteceria nesse espaço da cidade. Por questões técnicas e mecânicas, uma linha férrea, geralmente acompanha uma curva de nível para manter uma inclinação baixa. Com isso, a cidade possui uma grande estrutura já pronta de norte a sul, questão promissora para a mobilidade da cidade. 63


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Mapa 1: relevo

De início, foram feitas pesquisas sobre a cidade, história, mapas e materiais técnicos, para entender suas relações e necessidades. O mapa 1 nos mostra o relevo acidentado da cidade, complementado pelo mapa 2, com os rios e suas várzeas. O mapa 3, nos mostra as linhas de transporte público de Varginha - linhas de ônibus - em amarelo. Podemos ver que a linha férrea está totalmente inserida no contexto de mobilidade da cidade, compondo um sistema. 65


Mapa 2: ĂĄreas verdes e rios

Mapa 3: transporte pĂşblico

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Cartografias Fonte: autora

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Pesquisa feita na Virada Varginha 2018 Fonte: AC7 arquitetura

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Após a pesquisa das informações técnicas, começamos a entender as relações de vida que aconteciam no espaço, através de caminhadas, conversas, fotos e cartografias, e através delas, conseguimos perceber as diversas paisagens presentes no percurso da linha e também necessidades, como a falta de espaços para permanecer e a dificuldade do caminhar, na maioria das vezes devido ao abandono (lixo, em grande parte). Durante a Virada Varginha, item do capítulo anterior, a AC7 Arquitetura Colaborativa desenvolveu uma pesquisa com questionamentos que buscaram conhecer o perfil dos usuários e também a relação da população com a linha férrea, se já frequentavam o espaço e para qual finalidade. O resultado apontou que grande parte já utiliza alguns dos trechos da via, principalmente na região central. A maioria dos usuários mencionou morar nas proximidades, o que também justifica sua passagem pelo local. Por fim, foi questionado o que o público desejaria que fosse feito com a linha férrea. Nesse ponto, uma grande parte opinou que gostaria que o trem voltasse a circular. Outros defenderam o uso como um circuito histórico e cultural. Parte dos entrevistados disseram ainda que os quilômetros ao longo da linha poderia ser usado como via de deslocamento não motorizado, como por exemplo, bicicleta, patins e skate. 70


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partido

Adotamos a linha férrea como eixo estruturador do projeto. Foi proposto utilizar o traçado praticamente plano na cidade como facilitador para o andar a pé, de bicicleta, e também, o retorno de transporte sobre os trilhos, porém agora, apenas para uso municipal. As paradas do VLT, serão espaços de experiências, de faróis do saber, geradores de redes de encontros e de trocas, e também comerciais. Há aqui preocupação com o fortalecimento e resgate dos pequenos produtores, invisibilizados pelo estímulo à monocultura de grande porte e ao comércio exportador, característico da cidade. Destaca-se que, em 6km de perímetro urbano, Varginha é composta de múltiplas paisagens urbanas. Dessa forma, subdividimos o projeto em três partes: BAIRRO, CENTRO E CAMPO, para que, em cada uma delas, conforme suas características específicas, possam ser desenvolvidos programas de ocupação, encontro e troca. Resgata-se aqui o conceito de Economia Solidária que, em cada ponto, aparece como incentivo às sociabilidades e à economia local, no sentido de que a população: DESVEJA, REVEJA e TRANSVEJA. Conversa feita com as placas da linha férrea, PARE, OLHE e ESCUTE. Como linguagem da materialidade, escolhemos a madeira, as ripas de madeira, que conversam com o ritmo dos dormentes da linha férrea e como fechamento, placas de policarbonato,que além de suas vantagens técnicas, por ser um material translúcido, possibilita que os projetos se tornem pontos de iluminação na cidade, no período noturno. 72



proteção e priorização de pedestres e ciclistas, apoio ao produtor local, o feito a mão e o movimento independente!

incentivo ao encontro.

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6,5m 3,0m

1,2m 1,2m

calรงada canteiro ciclovia

VLT

1,2m 1,2m 3,0m ciclovia canteiro calรงada arquibancadas

bancos

espreguiรงadeiras

bicicletรกrio

piso molhado

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O projeto urbano é composto por um VLT, calçadão e ciclovia. Propomos um alargamento do calçadão, onde haverá mobiliário e canteiros intercalados. O escolha do mobiliálirio dependerá do local que estará contextualizado. Foram sugeridos algumas opções como: pequenas arquibancadas, bancos, espreguiçadeiras, bicicletários e trechos com pisos molhados para refrescar ou brincar. Os canteiros servem, também, como infraestrutura verde. Além de contribuírem na drenagem da chuva, também criam um corredor vivo, para a manutenção e multiplicação da flora e fauna. As 12 paradas do VLT serão estruturadas em madeira e a vedação com placas de policarbornato, mesma linguagem das arquiteturas.

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desveja


GALPÕES DE CAFÉ

RESIDÊNCIAS


Café Ao norte da cidade, no trecho definido como bairro, a escolha foi a de ali implementar um café. O entorno tem características residenciais e a marcante presença de grandes galpões, associações e cooperativas de café. Na área escolhida, que já é um espaço de encontro, há um pequeno trailer improvisado, que vende salgadinhos e bebidas, utilizado pelos funcionários da região em horário de descanso. A proposta de projeto é a de implantar um café, com lazer e descanso, propício para trocas informais ou profissionais, com a mesma dinâmica já existente. O edifício é conectado com o projeto urbano através de escadas e rampas, que articulam os diferentes níveis, sendo esse percurso um local de permanência também. O espaço, mesmo em horário de funcionamento do café, será totalmente público e aberto. A proposta é a de que nesse café sejam vendidos produtos feitos por pequenos produtores, onde a cadeia de produção seja justa e consciente. 82


Corte AA

Diagrama fechamento cafĂŠ

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balcĂŁo permanĂŞncia banheiro planta

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reveja


RESIDÊNCIAS

ESTAÇÃO DE TREM

CENTRO


Espaço de feiras No trecho nomeado como centro, em área hoje utilizada como estacionamento e com características bastante comerciais, propõe-se um espaço cultural onde aconteçam atividades ligadas à informação do consumo consciente, equipado para acontecerem feiras de diversos assuntos ligados à venda de produtos de pequenos produtores. Em todos os pavimentos, há uma estrutrura de banheiros e lavatórios para apoio aos feirantes e visitantes. Também há um café e um espaço com microondas para o aquecimento de marmitas. O espaço também contempla salas para aulas diversas, para ensaios, debates, conversas que promovam trocas e interações de pessoas e ideias Ou simplesmente vira uma praça pública em dias em que não houver feiras.

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Corte AA

Diagrama fluxos e permanĂŞncias

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Corte CC

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Corte BB

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A proposta de projeto é que em todas as experiências, o espaço público seja um meio de trocas e também de encontros. Encontro entre vidas, experiências, histórias, dificuldades e novas descobertas que somam ao repertório e que ali chegam. 95


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transveja



Horta No sul da cidade, no que denominamos Campo, que apesar de não estar na zona rural da cidade, contém grandes terrenos ainda não loteados, ruas de terra e pouca estrutura urbana, deseja-se criar um espaço para pequena horta de uso coletivo, não com o sentido de grande escala pois a cidade não tem o problema de grandes metrópoles de estar longe da produção de alimentos mas pela questão do coletivo, da responsabilidade de cuidar de algo que sai da esfera individual e é do uso de todos, incentivando a mudança na forma de se pensar a produção e distribuição de alimentos no contexto urbano. 100


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Maquete Física




Consideraçþes finais


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As experiências apresentadas nos ajudam a vislumbrar outras formas possíveis de ocupação do espaço público em Varginha e assim, foram fundamentais para as decisões aplicadas no projeto proposto. Tanto o projeto urbano quanto as arquiteturas tem como proposta, criar ambientes de constante interação entre as pessoas. Foi proposto um percurso de articulação e de permanência, desenvolvido como propulsor de acontecimentos imprevistos, usos e situações além daquilo colocado e sugerido pelo programa inicial. Um aspecto que ressaltamos é o fator cuidado e afeto que perpassam estas possibilidades produtivas e projetuais que, de alguma forma, confrontam as lógicas econômicas do mundo contemporâneo. A proposta de projeto é que em todas as experiências, o espaço público seja um meio de trocas e também de encontros. Encontro entre vidas, experiências, histórias, dificuldades e novas descobertas que somam ao repertório e que ali chegam. Assim, foi preciso sim fazer uma escolha que passou por como ocupar o espaços e quais tipos de relações seriam fomentadas ali. Para tanto é preciso pensar o espaço para pessoas em comunhão com o ambiente que habitam. É necessário pensar o espaço como algo público e político, que contribui para o comum e para a manutenção da diversidade. 106



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