Ele, 2012.

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC Daniel Avila Cardoso

Ele

São Paulo 2012


DANIEL AVILA CARDOSO

ELE

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac – Campus Santo Amaro, como

exigência

parcial

para

obtenção do grau de Bacharel em Fotografia.

Orientador: Prof. João Pregnolato

São Paulo 2012


C268e Cardoso, Daniel Avila Ele / Daniel Avila Cardoso – São Paulo, 2012. 60 f. : il. Orientador: Prof. João da Silva Pregnolato Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Fotografia) – Centro Universitário Senac, São Paulo, 2012. 1. Retrato 2. Fotografia 3. Richard Avedon 4. In the American West 5. Alcoolismo I. Pregnolato, João da Silva (Orient.) II. Título

CDD 770


Aluno: Daniel Avila Cardoso

Título: Ele

Trabalho

de

apresentado

conclusão ao

Centro

de

curso

Universitário

Senac – Campus Santo Amaro, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Fotografia. Orientador: Prof. João Pregnolato

A banca examinadora dos Trabalhos de Conclusão em sessão pública realizada em __/__/____, considerou o (a) candidato (a):

1) Examinador(a)

2) Examinador(a)

3) Presidente


AGRADECIMENTOS

Agradeço à todos que de alguma maneira contribuíram para tornar este projeto possível, ao meu orientador Prof. João Pregnolato por enxergar minhas ideias com clareza e à minha família pela paciência e amor.


"Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo. Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; eu não tinha este coração que nem se mostra. Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: Em que espelho ficou perdida a minha face?" Cecília Meireles


RESUMO

Fez-se um estudo sobre o fotógrafo Richard Avedon, passando pelos seus trabalhos de moda, retratos editoriais e pessoais até seu maior projeto In the American West, através de livros, documentários e depoimentos de pessoas próximas, podendo assim, compreender o papel que a fotografia pode exercer como ferramenta para expressão dos sentimentos e percepções do fotógrafo, e a busca à compreensão das pessoas e do mundo. Através dessa pesquisa foi possível a execução do meu próprio ensaio, onde o objetivo principal era o reencontro com a imagem que tinha do meu Pai, Daniel Cardoso Junior, antes do alcoolismo tomar conta. Para isso foi preciso entrar em contato com memórias boas e ruins que já estavam guardadas. A câmera fotográfica passou a ser o escudo e a fotografia a ferramenta para entender as pessoas e tudo que as rodeiam.

Palavras-chave: retrato, fotografia, Richad Avedon, In the American West, alcoolismo


ABSTRACT

There was a study about the photographer Richard Avedon, through his work of fashion, editorial and personal portraits to his greatest project In the American West, through books, documentaries and testimonials from close people, making it possible to understand the roll that photography exercise as a tool for the photographer to express his feelings and perceptions, and the search for understanding people and the world. Through this research it made possible to execute my own project, where the main goal was to recover the image that I had of my father, Daniel Cardoso Junior, before alcoholism took over. For that it was needed to get in touch with good and bad memories that were already stored. The photografic camera became a shield and photography a tool to understand people and everything that surround them.

Keywords: portrait, photography, Richard Avedon, In the American West, alcoholism


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

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1. Richard Avedon 1.1. Da moda 1.2. Do retrato

10 10 14

2. Richard Avedon: In the American West

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3. Ele 3.1. Ele por Maria de Lourdes dos Santos Cardoso 3.2. Ele por Daniel Cardoso 3.3. Ele por Ele

28 29 36 44

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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BIBLIOGRAFIA

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INTRODUÇÃO

Nas páginas que aqui seguem pretende-se fazer um estudo sobre o trabalho do fotógrafo de moda e retrato: Richard Avedon. Buscando assim, entender as suas motivações para produção de seus retratos e a maneira que encontrou para se expressar através dessas pessoas. A partir dessa pesquisa pretendo trazer esses conceitos e técnicas para a minha realidade e produzir meu próprio ensaio, com o objetivo de buscar o entendimento sobre as pessoas a minha volta e principalmente vivenciar novas conversas e experiências.


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1. Richard Avedon Richard Avedon foi um fotógrafo revolucionário nos segmentos de moda e retrato. Tornou-se referência pela maneira como se relacionava com os modelos e extraia expressões dos mesmos. “Avedon se destacou por colocar o fotógrafo no papel do diretor de modelos. Tornou-se assim o responsável por extrair ao máximo o potencial expressivo de seus fotografados no ato da criação.” (BORSATTO, 2005). Durante sua carreia fotografou para as mais reconhecidas revistas de moda como Haper’s Bazaar e Vogue e retratou grandes celebridades e artistas como Charles Chaplin, Marilyn Monroe, Andy Warhol, entre outros. “Sempre teve uma separação entre moda e o que eu chamo meu trabalho mais profundo. Moda é onde eu faço a minha vida. Eu não estou desrespeitando; é um prazer fazer a vida dessa maneira... E tem meu prazer mais profundo de fazer meus retratos. Não é importante o que eu me considero, mas eu me considero um fotógrafo de retrato.” Richard Avedon, Newsday 1974.

1.1. Da moda “Moda é uma das mais ricas expressões do desejo humano, ambições, necessidades, insegurança, segurança. O que nós vestimos é um indício de como nos vemos.” Richard Avedon

Desde a adolescência Avedon sempre esteve em contato com a moda folheando as páginas da Harper’s Bazaar na loja de roupas femininas do seu pai. Inspirado pelo fotojornalista e fotógrafo de moda Martin Munkácsi, Avedon fotografava moda nas ruas, boates, e outras locações não usuais (à esquerda foto de Richard Avedon e a direita de Martin Munkácsi). “A sua formação humanística (tinha cultivado grandes paixões pela poesia e pelo teatro) leva-o a corrigir as situações típicas propostas por Munkacsi, substituindo o clima exuberante e esportivo destas por uma dimensão claramente mais teatral e fílmica." (MARRA, 2008, p. 148).


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Homage to Martin Munkácsi, Richard Avedon, 1957. e Martin Munkácsi, 1934.

Depois de diversas tentativas Avedon consegue mostrar seu portfólio para o diretor de arte da Haper’s Bazaar, Alexey Brodovitch. E em 1946, após o termino da Segunda Guerra Mundial, Avedon vai às ruas de Paris fotografar para Harper’s Bazaar e Vogue com suas modelos em movimentos e muitas vezes em cenas aparentemente do cotidiano, ajudando a reconstruir a glamorosa imagem de Paris antes da guerra. Além de dirigir os movimentos de suas modelos, Avedon também dirigia as cenas, criando uma narrativa para a fotografia de moda, transformando cenários e situações fictícias em cenas de caráter verossímil. Cada imagem trazia uma história. “(...) Avedon adotou a ideia da mini-história com várias imagens, inaugurando assim uma fórmula de conto da moda (...)” (MARRA, 2008, p. 149). O exemplo mais famoso é a sequência com Suzy Parker e Mike Nichols brigando em uma fuga do restaurante Chez Maxime entre lágrimas e beijos no final.


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Suzy Parker and Mike Nichols, Richard Avedon, 1962.

A ideia da fotografia de mulheres bonitinhas e bem vestidas deixa de existir. Avedon passou a dirigir suas modelos e dar vida a elas, extraindo assim o máximo de emoção, muitas vezes até em movimentos. Segundo Dorian Leigh, considerada uma das primeiras grandes modelos, Avedon “(..) mudou todo o modo de sentir e ver da fotografia de moda. Antes dele, toda modelo posava. Ela se transformava em estátua. Dick, como eu disse, participava. Ele estava na foto. E a maneira como ele se movia com a sua Rolleiflex, era como se estivesse dançando com você, e você reagiria, com certeza.”


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Richard Avedon with Twiggy, Paris Studio, April 1967.

A direção de Avedon funcionava como ‘ação e reação’. Avedon provocava nas modelos o que ele queria que elas expressassem. Ele estava no controle e elas eram um espelho. Se elas estavam pulando, gritando, bravas, alegres, delicadas, intensas ou sutis na foto, Avedon também estava atrás da câmera. O mesmo acontece em seus retratos, apenas que, da explosão tudo passa a ser estático.


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1.2. Do retrato “O retrato fotográfico é a imagem de alguém que sabe que está sendo fotografado. Uma ‘sessão’ é uma troca de emoções. A imagem emerge quando essas emoções se encontram.” Richard Avedon, Newsweek, October 16, 1978.

Desde o começo, Avedon fotografava retratos para publicação editorial em revistas como Haper’s Bazaar, Theatre Arts e Life. Ele registrava poses, atitudes, estilos de cabelo e roupa como elementos da personalidade da imagem. Por alguns anos seus retratos ainda apresentavam explosão, sem saber o que a face iria expressar. Poderia ser ironia, alegria, tristeza ou loucura, mas deveria haver contradição. Avedon procurava contradição e complexidade. Expressões contraditórias, mas que ao mesmo tempo estavam conectadas. Avedon comenta sobre o retrato de Charles Chaplin: “É um desses momentos na vida, quando a luz está perfeita, a situação está lá e um presente é dado para o fotógrafo. Todos vocês fotógrafos devem saber sobre isso. Deixando espaço para o inesperado.” Richard Avedon. Lecture in Cologne, 1994.

Charles Chaplin leaving America, New York, Semptember 13, 1952.


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Após esse período de explosão tudo passou a ser estático. O silêncio passou a fazer parte da sua direção. Avedon apresentava a face como uma paisagem e com total nitidez. Avedon passou a procurar pessoas de seu interesse para que pudesse se expressar através delas. Com a iluminação mais sutil possível e um fundo liso, Avedon não tinha elementos para se apoiar, deixando assim somente a sua interação com seu retratado e a intimidade que poderia alcançar. O maior exemplo disso pode ser o retrato de Marylin Monroe. Avedon a fotografa fora de seu personagem, como poucos a viram. Segundo Helen Whitney “Ele mudou a maneira como pensamos sobre as celebridades, mostrando não apenas o seu brilho, mas também os seus temores.”

Marilyn Monroe, Actor, New York, May 6, 1957.


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Ao mesmo tempo seus retratos eram invasivos e predatórios. Avedon buscava verdades que estavam escondidas ou que seus retratados gostariam de esconder. Avedon chegava a enganar seus retratados, não pelo simples fato de enganar e sim para alcançar a expressão que desejava para apresentar aquela pessoa da maneira que ele enxergava. Durante a sessão de fotos com o Duque e a Duquesa de Windsor, Avedon percebe que tudo que eles estavam dispostos a expressar era felicidade e magnificência, mas não era o que Avedon procurava. Ele sabia que o casal adorava cachorros, então, no meio da sessão Avedon diz “Se eu parecer um pouco hesitado ou perturbado, é porque meu taxi atropelou um cachorro.”.

The Duke and Duchess of Windsor, New York, April 16, 1957.

Em seus retratos podemos encontrar seus trabalhos mais pessoais. Avedon fotografou da internação de sua irmã em um hospício até a morte de seu pai. A câmera fotográfica servia como proteção, permitindo que Avedon enfrentasse seus medos e expressasse suas inquietações. Avedon afirma:


17 “Eu acho que faço fotografias de coisas que eu temo. Coisas com as quais eu não consigo lidar sem uma câmera. A morte de meu pai. Loucura. Quando eu era jovem, mulheres. Eu não as entendia. A câmera me dava um certo controle sobre a situação, porque um bom trabalho estava sendo feito. E ao fotografar aquilo que eu temia ou o que estava interessado, eu explorava e aprendia, e derrubava o fantasma." Richard Avedon

Jacob Israel Avedon, Sarasota, Florida, May 15, 1971. “Tem sido muito importante para mim por toda a vida, não me livrar das coisas que a maioria das pessoas jogariam no lixo. Eu tenho que estar em contato com a minha fragilidade, com o homem em mim, a mulher em mim, a criança em mim, o avô em mim. Todas essas coisas devem ser mantidas vivas.” Richard Avedon


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2. Richard Avedon: In the American West In the American West (ITAW) teve inicio em Outubro de 1978 quando Avedon recebeu o convite de Mitch Wilder, fotógrafo e diretor do Amon Carter Museum, Fort Worth, Texas. Nunca antes um museu teria financiado um artista para produzir um trabalho que seria entregue seis anos depois. Nem mesmo Avedon sabia o que iria encontrar. Richard Avedon tinha 55 anos ao inicio do ITAW e até então teria passado sua vida fotografando celebridades, pessoas do mundo da moda e do teatro, artistas e pessoas de poder. Avedon passou os meses após o convite dando forma ao que se tornaria sua maior série de retratos. Em Março de 1979 Avedon propõe um teste e sai do American East, onde passou toda sua vida, e vai para o American West em Sweetwater, Texas. Desde o começo Avedon procurou por pessoas da classe trabalhadora, mineradores, garçonetes, trabalhadores do campo, etc. Pessoas que normalmente seriam deixadas de lado, pessoas esquecidas.

Boyd Fortin, Sweetwater, Texas, March 10, 1979.


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O inesperado se torna concreto. O retrato de Boyd Fortin foi o marco inicial da jornada que seria traçada pelos próximos seis verões. Em meio ao evento anual, Rattlesnake Roundup, que acontecia em Sweetwater, Texas, Avedon procurou em meio à multidão pessoas para serem fotografadas. E lá estava Boyd Fortin, a imagem que Avedon procurava, e ele procurava faces que representavam seu sentimento pela condição humana. Ele procurava a combinação entre força e vulnerabilidade. “Ele tem 13 anos, na transição entre a infância e a vida adulta. Seu rosto é ao mesmo tempo masculino e feminino, infantil e adulto. Seu cabelo é fino e dourado, e ao mesmo tempo, rebelde. Há algo angelical nele, da maneira como os anjos são representados em trabalhos de arte, até você ver o seu peito e torso machados de sangue. O encontro costrastante entre o angelical e o demoníaco (..).” Helle Crenzien

A dualidade descrita por Helle Crenzien traça uma linha em comum entre todos os retratos de ITAW. Segundo Larry McMurtry a fotografia e a pintura Western teriam passado por uma longa tradição de imagens de paisagens sem pessoas. Ao colocar seus retratados em frente a um fundo branco, Avedon elimina qualquer interferência do ambiente externo, trazendo para a superfície as formas, gestos e expressões dos retratados. Avedon passa a enxergar o homem de forma crua, deixando apenas os sentimentos que este pode expressar pelo olhar, pelos trejeitos, pela postura corporal. Sem ruas, plantas, desertos e ferramentas para guiar nossa interpretação. O homem fica nu em frente à câmera, não tem símbolos para se apoiar. Segundo Maria Inez Turazzi em Poses e Trejeitos através dos cenários “A ilusão do retrato fotográfico era também uma espécie de passaporte que podia transportar o individuo para um mundo exterior ao seu.”. Em contra ponto, Avedon transporta o seu assunto para um mundo exterior pela falta de cenário. E novamente, deixando apenas a face humana como paisagem. Avedon afirma: “(...) O fundo branco isola o retratado, e permite que você explore a geografia da face, os inexplorados continentes na face humana.” Richard Avedon, Denver Post, October 1985.


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Para explorar ao máximo a feição humana, Avedon fotografou durante todo o ITAW com uma câmera de grande formato. Essas câmeras produzem negativos de 8x10 polegadas, 36 vezes maiores que os negativos 35mm, permitindo a captação da cena com o máximo de detalhe e nitidez possível. Toda essa nitidez passa a fazer parte da comunicação da imagem. Ela nos revela tudo que está na superfície, ela nos mostra tudo o que quer ser descoberto. Segundo Avedon: “Na fotografia de retrato, você não pode arrancar a superfície para ver a natureza real da pessoa. A superfície é tudo que você tem. Você trabalha com o que está ali – o que está esperando para ser descoberto.” Richard Avedon

Como exemplo, podemos analisar o retrato de James Kimberlin. Avedon nos entrega a superfície e nela podemos ver a sujeira acumulada na sua camisa e jaqueta. Podemos ver sua pele aparentemente jovem, porém desgastada pelo sol. Podemos ver a falta de sujeira próxima aos botões da camisa, como quem não lava a mesma há dias e já abotoou e desabotoou os botões diversas vezes. A partir desses elementos fazemos nossas interpretações e descobrimos quem é Kimberlin, um homem que só possui a roupa do corpo, seu cabelo e pele sugerem a falta de banho por dias, um homem que não tem casa. A dualidade de Boyd está presente também. Por um lado Kimberlin nos transmite força, por ser diferente e por não compartilharmos do mesmo mundo que ele. Por outro lado, seus braços caídos e cabeça levemente inclinada nos sugerem vulnerabilidade.


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James Kimberlin, Drifter, State Road 18, Hobbs, New Mexico, October 7, 1980.

Essa é uma das interpretações possíveis. Ao utilizar os conceitos apresentados até aqui, Avedon abre um leque de interpretações que só cabe ao leitor fechar. O que podemos afirmar é que Avedon posicionava sua câmera com intenção. E sua intenção não era captar a “essência” de seus retratados ou enxerga-los como gostariam. Em Sobre a Fotografia, Susan Sontag afirma: “Fotografar pessoas é violá-las, ao vê-las como elas nunca se veem, ao ter delas um conhecimento que elas nunca podem ter; transforma as pessoas em objetos que podem ser simbolicamente possuídos.”


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Em Abril de 1980, Avedon, acompanhado de Laura Wilson, sua produtora executiva, e seus dois assistentes, viajam para New Mexico para fotografar os pacientes do State Mental Hospital. As 11h45min os pacientes começaram a entrar na cafeteria onde Avedon havia posicionado o fundo branco: “Rochelle Justin, uma mulher alta, magra, nos seus trinta anos, usando um conjunto de calças e blazer azuis, e uma blusa branca, entrou na lanchonete. Ela deu três passos, parou, e então deu mais três passos e parou novamente, cada vez contando de um a dez.” Laura Wilson, 2002.

Avedon pergunta se poderia fazer um retrato dela e ela aceita. Após a sessão, Laura Wilson tirou diversas Polaroids de Rochelle para presentea-la. “Ela olhou cuidadosamente para cada cópia Polaroid, e segurando uma que mostrava apenas a sua face, distorcida e embaçada pelo foco automático da câmera disse: “Esta é a melhor. É como eu me sinto.” (WILSON, Laura). Avedon a viola e a vê como ela nunca teria se visto.

Laura Wilson, 1980.

Rochelle Justin, Richard Avedon, 1980.

Avedon era capaz de criar intimidade com seus retratados. Ao fotografar com uma câmera de grande formato, Avedon deveria fazer o enquadramento e todos os ajustes necessários para depois inserir o chassi com a chapa de negativo preto e branco. Assim, teria que sair de trás da câmera e encarar o seu assunto diretamente. “Não havia nada entre eles” (WILSON, Laura). Avedon deixava de ser um estranho escondido, apontando uma câmera para seu


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retratado e passava a ficar do lado da câmera permitindo o contato olho a olho. Outro fator importante é que, consciente ou não, Avedon se colocava da mesma maneira que seus retratados enquanto conversavam, segundo Pierre Weil em O Corpo Fala, “(...) Isto sem dúvida é sinal de simpatia entre ambas. E tem mais, quem primeiro modificar a posição (logo a seguir imitada pela outra) é o líder momentâneo da conversa.”.

Laura Wilson, 1980.

Na foto à direita podemos ver que outros trabalhadores ficaram em volta de Avedon para assistir a sessão de fotos. Segundo relatos de Laura Wilson, como já era esperado, aconteceram algumas piadas e brincadeiras entre eles. Mas em poucos

minutos os

espectadores percebiam a

seriedade

da

situação.

Rapidamente a intensidade de Avedon comandava o que está acontecendo ao redor, sem que nada precisasse ser dito. Assim, Avedon conseguia a concentração necessária de seus retratados. “Seu senso de urgência elevava a tensão de uma sessão de retrato... Me parecia que ele poderia perder alguma coisa.” (WILSON, Laura). Através dessa tensão Avedon poderia sentir a mínima mudança de expressão e humor de seus retratados, podendo assim direciona-los. A fotografia passou a ser uma colaboração. Na foto à esquerda podemos ver Avedon conversando com Bill Curry momentos antes de começar a fotografar. Avedon faria o que fosse preciso para alcançar o desejado. Depois de começada a sessão, Avedon interrompe o processo para tirar a jaqueta de Bill Curry e colocar sua camiseta para dentro da calça, deixando assim a forma do seu corpo ser vista.


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Laura Wilson, 1980. e Bill Curry, Richard Avedon, 1980.

Um ótimo exemplo para entendermos como Avedon construía suas imagens é o retrato de Ronald Fisher. Depois de se encantar com a ideia de fotografar alguém coberto por abelhas, Avedon coloca um anúncio à procura de um voluntário no jornal regional de apicultores. Avedon já tinha uma imagem na cabeça e chegou a desenhar um esboço do que pretendia fazer. Ele só precisava da pessoa certa. Diversas fotos chegaram pelo correio, e finalmente chega uma Polaroid de um homem com um rosto extraordinário com um recado em anexo: “Eu, provavelmente, não pareço ser a pessoa certa para o que você deseja, mas eu gostaria de fazer o trabalho.” (FISCHER, Ronald). “Quando Dick viu, pela primeira vez a foto de Ronald Fischer, ele percebeu imediatamente, as possibilidades desse retrato. “Ele foi um presente,” disse Dick. “Eu não sei como colocar, mas ele tinha uma qualidade excepcional, tal como em um sonho” (WILSON, Laura).

Laura Wilson, 1981.


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Depois de três sessões, usando o total de cento e vinte e uma chapas de filme, Avedon apresenta duas imagens e comenta: “Nessa foto (da esquerda), ele sente a picada das abelhas. Ele sente a dor. Ele aceita o sofrimento como um mártir cristão. Mas na outra (da direita), ele se contém à maneira budista. Ele fica indiferente às picadas. Esse é o poder da foto para mim. Ela fala mais diretamente ao meu entendimento de como suportar, de como prevalecer.” Richard Avedon

Ronald Fisher, Beekeper, Davis, California, May 8, 1981.

A partir das imagens apresentadas até aqui podemos perceber mais dois fatores importantes que estão presentes em todos os retratos de ITAW: o preto e branco e a iluminação. Para Avedon a fotografia colorida sobrecarregava o assunto, diminuindo qualquer tipo de emoção. A fotografia preto e branco então pode ser mais uma tentativa de simplificar ao máximo suas imagens e colocar o retratado em primeiro plano, evitando qualquer tipo de distração na leitura da imagem.


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Sobre a iluminação, Avedon descobriu a beleza em fotografar na sombra. Toda luz projeta uma sombra, para entendermos melhor o que Avedon estava fazendo vamos analisar as sombras, a natureza do ataque, esta que só pode ser dura ou suave. Segundo Edgar Moura em 50 Anos, Luz, Câmera e Ação, “A sombra dura, bem desenhada, é o resultado da luz de um refletor de luz direta, dura.”. Nos retratos de ITAW a ausência de sombras visíveis está sempre presente, por mais contraditório que isso possa parecer. Sombras sem definição, luz difusa. “Já um refletor de luz indireta, difusa, não faz sombra nenhuma, ou quase nenhuma.” (MOURA, Edgar). Para alcançar esse resultado, Avendon protegia seus retratos da luz do sol, luz direta, atrás de muros, isopores ou simplesmente com as nuvens de um dia nublado. A fonte de luz deixava de ser o sol, direta e dura, e passava a ser todo ambiente que estava rebatendo a luz como um imenso isopor, indireta e difusa. Nosso olho sempre procura o ponto mais iluminado de uma imagem, através da luz e sombra podemos guiar o olhar do leitor. Ao usar uma luz extremamente difusa e de baixo contraste, Avedon deixa o olho do leitor livre para caminhar por toda a imagem e enxergar cada detalhe que esta superfície pode expressar.

Laura Wilson, 1979.


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Após essa profunda análise sobre a trajetória de Avedon, seu processo de criação e as imagens do In The American West, ainda não podemos afirmar com certeza o passava pela sua cabeça e o que o motivava fazer esses retratos. O que podemos afirmar é que Avedon tinha uma intenção e precisava expressar o seu sentimento sobre a condição humana. Através desses retratos Avedon encontra o caminho para alcançar essa expressão e talvez resolver suas inquietações.


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3. Ele Para o ensaio que aqui segue, tenho como base os conceitos e técnicas que foram analisados anteriormente. A partir destes pretendo utilizar o retrato fotográfico como ferramenta para buscar um entendimento. Com este pretexto e protegido pelo ato de retratar, espero vivenciar experiências e conversas que nunca antes. O personagem principal desse ensaio é meu Pai, Daniel Cardoso Junior. Há dez anos sofre de alcoolismo. Há dez anos, a vida de todos na família foi virada de cabeça para baixo. Na época, tinha doze anos. Sabia o que estava acontecendo, mas pouco conseguia entender. Tinha medo. Medo de perder meu Pai. E perdi por algum tempo. Passei a não mais o reconhecer. Ele era aquele tipo de Pai que todos seus amigos gostam. Ele era aquele que estava sempre de bom humor. Aquele que estava sempre pronto para falar besteiras e terminar todas as frases com “.com.br”. Aquele que estava disposto a dar milhares de voltas na rotatória ao sair da padaria só para me fazer rir. Ele era aquele que tocava piano nas nostálgicas tardes de Domingo. Aquele que chamava o frentista do posto de “jovem”, não entendia o porquê. Aquele que imitava o som de um saxofone com a boca e inventava jingles para a Maria, senhora que trabalhava em casa na época. Ele era isso e muito mais. Aos poucos esse Ele foi se perdendo, com ele parte de mim também. O álcool tomou conta. Os dias ensolarados passaram a ser frios e cinzentos. Aos poucos o afastamento aumentou. Ficava semanas sem saber o que estava acontecendo. “Onde ele está? O que está fazendo? Porque não veio me buscar para ir pra escola? Será que está bebendo? Espero que ele esteja bem.”. E foi assim por alguns anos. Tive que me contentar com a ideia da sua presença. Minha primeira nota vermelha, meu primeiro beijo, meu primeiro skate com rodinha de gel, meu primeiro final de semana longe de casa, minha primeira banda, meu primeiro brinco, minha formatura, minha primeira tatuagem, minhas decepções, minhas alegrias, meu primeiro amor. Aos poucos essa ideia foi se perdendo. Negação, raiva, depressão, aceitação. Tornei-me independente. Independente por proteção. O vazio tomou conta e ficou.


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Este ensaio tem como único objetivo preencher esse vazio. Uma tentativa de reencontro e reconexão. Espero que Ele ainda esteja lá...

3.1. Ele por Maria de Lourdes dos Santos Cardoso

“Onze meses. Depois de onze meses ele nasceu. E só teve ele, né? Só um. Ah, foi motivo de muita alegria claro porque a gente queria muito um filho, né? E já tivemo logo no começo também, não esperamos muito. Foi menino, né? Como a gente gostaria que fosse, mas não tinha poblema se fosse menina também. Mas gostamo, né? Ai ficou com o mesmo nome do pai, eu que escolhi. É isso. Não. Pra mim não mudou, porque eu já era mesmo assim, de não trabalhava fora, né, cuidava da casa. Depois cuidava da casa e cuidava dele. Pra mim não mudou nada, assim de... Serviço, de alguma coisa. Era cuidar só, cuidar da casa e cuidar dele.


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Muda, né? A gente já fica pensando quando será que vai começar a, é, conhecer a gente. Daí conhece logo. Quando será que ele já começa a falar, quando vai andar, quando, depois quando vai pra escola. Foi pra escola com seis anos, não foi tão novo, né? Também não usava muito escolinhas, assim, pra criança muito pequena. Com seis anos já foi no Pré, do Pré já loguinho já foi pra Primeiro. Foi muito bem na escola. Todo, todo curso que fez foi muito bem. E a gente sempre pensando, né, sempre pensando coisa dele, né? Mais é pra, era mais em torno dele. Quando vai pra escola, quando vai tirar diploma, quando vai aprender uma outra coisa, quando vai aprender uma música, que ele aprendeu música, aprendeu inglês. É, aprendeu datilografia. Naquele tempo não era internet, era datilografia, então aprendeu datilografia. Tudo que dava pra fazer fazia. Preenchia o tempo dele com tudo que era estudo, que era coisa pra... Pra crescer, né? E passeava também, né? A gente saia muito também em torno de passeios pra ele, né? Pra... Pra é... Lugar que ele gostava, que ele ia, assim, um parque, um divertimento, uma diversão assim. Sempre pensando, a gente, a gente depois que tem um filho pensa sempre mais no filho, né? Não pensava muito, assim, em nós, em nós, em nós. Pensava mais no filho. Ah, começou logo, viu? Não sei muito bem certinho, mas acho que uns... Acho que uns nove, oito... Oito ou nove anos. Não lembro muito bem. Começou estudando vio... Piano, ele que escolheu. Depois estudou violão. E piano estudou conservatório, e violão estudou, assim, particular. E, depois ele tocava também outro instrumento, né, de sopro, mas esse ele não aprendeu, ele aprendeu sozinho, porque daí quer aprender um, aprende outro, né? De criança? Ah, era bem educadinho, viu? (Pensado). Ah, daí também já, ia também sempre na igreja. Tinha, é... A gente dava boa educação e ele atendia, ele era bem educado assim. Era, era meio assim brincalhão de gostar de brincadeira tudo, mas sempre umas brincadeira que não prejudicava, né, ninguém, nem os amigos mesmo de criança. Obedecia bem também. Ah, adolescência sabe que, eu não achei muito não. Não sei por que o pai também participava muito, né? Ficava mais assim. Mas acho que não teve muita, não assim poblema não. (Pensando). Já começou com namorinho, mas namoro assim meio, não também muito sério, né? Namorinho meio de longe. Um menino


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que também ia na igreja, né? Então não ficava muito assim, saindo. Mas não, não foi muito trabalhoso não. Não, não ia. Não ia e também voltava logo pra casa. Não ficava também assim, muito tempo na rua tarde, nada. Então, o tempo mais de sair de coisa, foi quando ele começou a faculdade, né? Que mudou, que ficou fora. Daí já era passeio que ficava mais até tarde, que as vezes ele falava, ele mesmo contava pro pai. Mas quando era criança mesmo assim novo não ficava não. Como que foi? Quando foi pra faculdade? Esse pra mim já foi bem difícil, né? Porque ele mudou fora, ficou longe assim, eu tinha, eu pensava muito, né? Mas tinha que estudar, tinha que ir, então... Foi bastante... Assim, bastante pensativo, né? E ele vinha também sempre, né? Quase que toda semana, né? Porque daí ficou em república. Mas era, mas dava bastante pensamento pra gente, né? Mas... Mas também nunca teve problema, né? De precisar resolver, qualquer coisa, pra escola muito menos, né? É, ele escolheu é... Ele fez três facul... Fez exame em três faculdade, né? Então ele escolheu, acho que, me parece que em duas ele escolheu... Ai, agora não sei o nome. É que nem se fosse assim um tipo de computação, como que falava? Não sei. E isso, e uma ele escolheu Odontologia. Acho que ele passou nas três parece. E como uma era paga, era, que ele passou em Campinas, que era perto tudo, talvez pudesse pra morar aqui mesmo, mas no fim não dava porque fica muito de vai e vem, ai fica, fica muito cansativo. Ai ele passou nessa de Araraquara em Odontologia, ele escolheu. E daí diz que ele gostou. Ai não mudou, nem nada. Mas ele não era muito, assim, de falar em Odontologia, não sei como que assim de repente ele fez essa. Ah, eu acho que não. Isso daí foi no tempo de, de música, né? Esse é... Assim, né, por causa de tocar a noite. Que daí todos bebem né? E daí começa, é fo... Mas na faculdade não, nem fumar na faculdade ele não fumava, nada. Eu não posso dizer assim, certinho.. Mas pelo menos boa parte da faculdade não foi não. Nem cigarro, nem bebida. Talvez meio no finalzinho, né, o cigarro até já apareceu. Mas a bebida não.


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É. Ele pelo menos falava que ele era muito feliz, né? Eu sempre até depois de um certo tempo perguntava tudo, mas.. Mas a gente percebia que se gostavam mesmo né? Acho que ele foi feliz, ele escolheu, escolheu bem. Escolheu da mesma área dele que ele também queria porque ele gostava, gostava de pessoas que fossem assim muito diferentes dele, né? Então eu achei que até... Deu certo, foi bom. Por até que durou, né? Ah, daí foi bom, né? Foi a alegria dele. Foi assim muito bom, eu achei. Já tinha passado um tempo também né de casamento sem filho. Não veio assim tão logo, eu achei que bom. E percebi que ele gostou e ficou alegre, bem alegre mesmo. Eu não sei, pelo menos sei o que ele falava, acho que ele bebia e daí gostava, né? Começou gostar, gostar, gostar muito e... E acho que foi aumentando, né, a dose, a... Assim o... Como que tem a mais fraca e a mais forte, né? Que nem no começo acho que era cerveja, coisa mais leve. Depois começa a gostar de coisa mais forte, então... Com o negócio de festa, negócio de bailes, né? Daí que era bailes, né, que ia bastante, fica até de manhã e tudo, né? Tá sempre ali com a bebida do lado. Por causa de beber? Não, eu acho que não. E uma vez ele falou pro pai dele que ele, ele bebia porque achava que era gostoso, que ele gostava da bebida. É pessoa que gosta mesmo, né? Pelo menos o que ele falou. Ah, foi horrível, né? Nossa, muito... Esse foi muito triste mesmo. Até a gente achava, conversando, né, entre nos dois achava que “Será que a gente fez errado? Será que nos não criamos certo? Será que, acho que foi por causa do trabalho, trabalho...” Essa, essa coisa de tocar, né? No fim ensina música, ai quer tocar num lugar e ai... Se perde, né, com a bebida. Mas ele também não exagerava tanto, tanto no começo, né, é que depois vai aumentando, aumentando, aumentando... Depois diz que se torna uma doença, mas não sei né, se é doença mesmo ou não. Sabe que bebida rola em todo lugar né? Toda festa que tem, tem. Então vai, quando é na festa, aproveita e toma mais ainda. Daí sei lá, é porque gosta mesmo, né?


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Ah, eu acho que a que ajudou mesmo bastante foi a última, né? Que ele parou mesmo. Porque as outras ele foi, mas não tinha parado. Voltou e... Teve uma que ele voltou num dia, no outro dia ele tomou bastante mesmo. Agora a última ele nunca mais tomou. E... É uma muito boa, né? Religiosa, né, tinha religião, tudo. Acho que essa foi a melhor. A igreja? Nossa, ajuda muito, demais. A igreja que segura tudo. Tanto pra nós quanto pra ele, até agora. As vezes qualquer coisa, e ele vai e ele tem fé, ele fala... Que ele gosta, que ele acredita, ele fala, as vezes eu falo “Ah, tem isso? Tem porque Deus ajuda.”. Ele fala “Eu sei disso. Eu sei mesmo que é por Deus que eu faço, por Deus que eu tenho, por isso tudo.”. Assim ele tem bem fé. Ah, não sei, né? Eu acho que ele tem, eu não sei, tem vez que eu acho que ele tá mais alegre, tem vez que é mais triste, meio depressivo, né, tem... Mas ele não reclama, né, de nada. E saúde tem bastante também. Mas eu, sendo mãe assim as vezes eu acho, né, que ele é meio... Não passeia, né, não sai assim, não fica... Mas no serviço ele gosta, ele vai bem, ele faz tudo, mas não sei, acho que é devido as vezes a idade, a coisa assim, parece que não se entrosa muito com as pessoas, né, não tem, não conseguiu acho que ainda criar um ambiente de amizade que, que faça. E talvez também por causa assim da bebida, tudo lugar que vai tem a bebida, tem a bebida, e as vezes não sei se ele não goste de ir, não queira ir por isso, né? Fica com medo de ver, de achar falta, de ter vontade de tomar. Mas ele não é assim muito de, assim de passear, de... Até que no começo ele ficava mais, né, mas assim mesmo não ficava saindo muito não. Ah, eu não sei muito bem, viu? Três anos... Acho que é uns quatro anos já.Eu não sei muito bem certinho o tempo, viu? Eu tenho os papéis marcado tudo, quando saiu, mas eu não sei muito bem quanto tempo... O ano que ele saiu. Não lembro muito bem o ano. Ah, lembro muito. Bastante, porque quando ele era criança ele era muito bom. Ele mudou muito, né? Inclusive ele era muito quieto, né? Então, a gente falava, brincava, que nem levava ele muito em brinquedo, em coisa assim pra ir brincar, fazer amizade, porque as vezes ele via os outros brincar e ele ficava olhando, quietinho tudo. Daí ele mudou bastante. E... Depois ficou assim estabanadão, brincalhão, coisa... E depois eu achei também, que depois que ele


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parou com a bebida ele parece que deu também, ele ficou meio quieto, mas agora também é, as vezes é meio azedo, né, de manhã. De noite ele tá assim bonzinho. Ele muda, né, ele muda assim a personalidade. Ele... Tem vez que ele tá meio azedo, meio quieto, meio respondão. É eu falo né “Pode parar de responder.”. Daí ele pega e para, mas as vezes fica. E a noite assim a gente pode falar, as vezes alguma coisa, alguma coisa que fez errado que ele não responde, parece que ele fica mais calmo. Não sei se é porque ele tem que levantar cedo, acorda e tem preguiça de levantar. (Pensando). Mas ele, ele, da infância dele foi muito assim, muito bom, muito bom. As vezes eu falo até pro Daniel quando vejo criança muito bom, falo “Nossa, mas será que não vai mudar igual nosso filho?”. Porque ele era muito quietinho, muito bom, muito bom na escola, muito bom aluno, muito... Parece mentira até de falar né, e depois muda, né? Que nem na, mesmo na faculdade ele foi muito bem, né? Só que ele não tirou em primeiro lugar o diploma, porque tinha um melhor ainda do que ele, né, ele foi segundo lugar, um que chamava Danilo. Que era inclusive amigo dele, e era até parceiro de, de laboratório. De consultório, laboratório, tudo, né? Mas ele tava quase assim com aquele, era muito bom mesmo, assim pra de escola. Mas, mas depois voltou, agora é relaxado, é assim, é diferente, mudou muito. Acho que é relaxo mesmo, né? Não tenho ideia não. Porque eu falo, deixo em ordem, falo mas não...”


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Maria de Lourdes dos Santos Cardoso, 2012.


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3.2. Ele por Daniel Cardoso

“Ele nasceu quando nos ficamo... (Pensando). Ele nasceu em Março, e nos ficamos... Casamo em Abril, né? (Pensando). Um ano quase, né? Um ano depois que nos casamo que ele nasceu. Nos casamo em Abril e ele nasceu em Março do outro ano. Nos casamo em Abril de sessenta e quatro. Ele nasceu em Março de sessenta e cinco. Quase um ano. Ah, foi muito bom, foi uma coisa muito feliz de ter, sentir a presença, assim de... Ah, antes do nascimento ainda tem as, os pré, os pré-visita ao médico, né? Pra vê como que tá, pra vê se tá tudo bem, aquela coisa. Foi feito tudo isso daí direitinho, né? E no dia que ela... Uma noite já foi, teve uma noite que um pouco antes dele nasce deu um rebate falso, assim, né? Acho que já ia nasce, pápápá. Daí tinha um vizinho nosso que viajava de madrugada, tinha um caminhão e vinha. Ele deixou nós até o hospital, deixou lá, mas ela ficou o dia inteiro lá. Ficou aquela madrugada, o dia inteiro e não resolveu nada. Ai viemo pra casa. Quando chegamo em casa de novo que tava de noite daí deu problema, ai vamo de novo. Daí nasceu mesmo, de verdade. Daí foi cesariana tudo, mas correu bem tudo e


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na hora que nasceu, é... É, vamos dizer, é (pensando), é uma coisa muito feliz, né? Quando vê o filho nasce (voz tremula). Não, não mudou muito, né? Porque a gente vive normalmente, não tem problema nenhum, eu ia trabalhar. Como naquele tempo não muito esse negócio de mulher trabalhar muito fora, ela cuidava da casa, cuidava dele e eu ia trabalhar normalmente, sem problema. E não via a hora de voltar pra casa pra ter o contato com ele, né? Ah, os amigos nos sempre fomos fiscal dele. Quando percebia alguma coisa errada com os amigos dele a gente já procurava afastar, qualquer coisa. Mas na escola ele tinha boas amizades também e tinha as famílias que a gente... Cidade do interior, pequena, tem essa vantagem, né? O filho da gente tem amizade com pessoas que a gente conhece também. Então a gente conhecendo a família, conhecendo a criança, a gente tem os cuidados que tem que ter mas a gente sempre, sempre toma essas precauções e cuida bem do filho, né? E... Sempre, sempre olhando por ele, né? A gente não descuidava nada não. Alguma vez ele bancava que, querer bancar ou seguir aquele cara que tava errado e a gente falava “Não, pera. Isso ai está errado. Não é assim não. Porque ele falta, porque ele tem nota baixa, se você quer nota alta você tem que ter nota alta, não tem nada que ficar querendo entra no time dele.”. Né? Essas coisas também. Porque fulano a mãe comprou uma bicreta pra ele, eu não tenho que comprar uma bicreta pra ele. Eu achava que o dia que tivesse que comprar uma bicreta pra ele eu compraria e pronto, né? Teve uma época ai que ele já tinha bicicleta, os colega dele tinham bicicleta, daí teve um amigo dele, um colega dele que quis, a mãe comprou uma mobilete pra ele, eu falei “Não, negativo. Mobilete não vou comprar pra você.”. Daí ele aceitava. “Mobilete não vou comprar porque é perigoso e pronto.”. (Risos). Eu sou meio, tipo assim, militar mesmo, né? Devido eu trabalhar, fiquei tanto tempo no exército trabalhando e onde eu trabalho até agora, eu tenho essa coisa de falar, eu tenho que falar “Não, não. Sim, sim.”. Nada de ficar com meio termo. “Não vou comprar e cabo. Pronto.”. Um dia ele chegou bem contente aqui, não sei que ele arrumou um par de patins ai e veio tudo contente com o patins e começou a querer andar. Falei “Pode levar esse patins embora, não quero saber dessa porcaria aqui. Vai quebrar a perna ai à toa.”. Pronto. (Risos). Ele aceitava, né?


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Ah, já. Já começou a estudar música com, bem logo. Com uns sete, oito anos já começou a ir no conservatório, né? Eu quis que ele aprendesse. Eu queria que ele aprendesse... Na época que queria que ele aprendesse violão, mas eu fui no conservatório e não tinha professor de violão. Daí a professora, amiga, minha amiga, amiga da família também, falou “Ah, mas porque não põe no piano depois quando tiver uma vaga a gente arruma pra tocar violão?”. Meio sacrificado, né? Porque não era tão barato a aula, né? Mas a gente pegava e cuidava disso e pusemo ele pra estudar piano. A professora falou o piano é o mestre, é o, o piano é o instrumento que, vamos dizer, ele é o mestre de todos os outros instrumentos, né? O piano é diferente. Então depois pra aprender os outros instrumentos pra ele é mais fácil. Ai daí começou, estudou um tempão. Um tempo estudou aqui em Itu, depois outro tempo foi estudar um pouco em Tatuí, em um conservatório lá. E assim foi estudando a música dele. Daí tem um amigo meu que também era militar aposen... Tava aposentado já e ele dava aula de violão. Daí ele começou a dar aula de violão pra ele também. Daí ele começou a aprender violão, por música, tudo. E assim foi também. Ah, ia! Não, não nunca tive problema não. Inclusive ele fazia mais do que devia. Tinha dia que ele ia no conservatório lá e ficava, sabia arguma música de ouvido, ele começava a querer tirar a música. A professor até nem gostava que tava passando na frente das coisa, né? Mas sempre gostou de música, isso é problema. Nunca foi problema pra mim. Nem na escola pra estudar, nem escola, nem vestibular, nem faculdade, coisa nenhuma. Nunca deu problema. Faculdade muito menos, ele gostava então... Não via a hora que chegasse a hora de estudar, né? Na época não tinha piano em casa também ele, ele ia mais cedo pro conservatório pra ficar estudando lá. A hora que não tinha aula nenhuma, né? Adolescência boa também. Bem normal, não teve problema nenhum. Teve uns namorico dele meio bobo ai, mas a gente já, conforme já resolvia também o pobrema. Nos sempre fomo fiscal dele. Eu a mãe. A mãe na parte de ficar em casa cuidando e eu na parte de, eu falava “O que você não conseguir resolver você fala comigo que a gente resolve.”. Então tem essas coisas assim, né? De família mesmo.


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Ele começou a sair bem... Sei lá, nem lembro direito mais, né? Mas ele saiu... Naquele tempo não podia sair muito com idade muito pequena ainda não. Tinha ser bem maduro pra ficar saindo sozinho, né? Acho que uns quinze, dezesseis anos ele saiu arguma vez. Mas também não era muito de sair também assim. Ele gosta mais de sair de dia, passear, mas de noite, essas coisas não ficava fazendo. Ele estudou aqui até ir pra faculdade. Ele só foi embora daqui de casa depois que foi pra faculdade. Dezoito anos mais ou menos já, ai já foi, já estudou em faculdade. Daí já, já se formou, já foi trabalhar fora daqui, já casou. Daí formou família. E assim foi. Na época ele passou em três faculdades. Acho que era duas... Acho que era uma de matemática, uma não lembro o que que era viu?! (Pensando). Acho que era uma de matemática e duas de odontologia. Mas odontologia ele passou na PUC, e na PUC era paga, né? Ai ele escolheu a que não era paga, claro, né? Em Araraquara, que é do governo. Ai estudou lá, mas foi bem também lá no estudo, não teve problema nenhum. Ah, mudou assim na maneira de ver as coisas, de viver, né? Ele mudou um pouco. Depois da faculdade não, acho que mais depois de casado. Depois da faculdade ele frequentava ainda, vinha em casa todo final de semana, né? Normalmente. Ele mudou mais foi depois do casamento. Casamento mudou e... Depois do casamento eu já não sube mais muita coisa sobre ele, né? Daí já, quando sube já tava separando. Mas a gente só tinha relacionamento assim de fim de semana, não dá pra saber o que se passa na vida da família, né? Alguma coisinha só que a gente sabia mas... Como a gente achava que era normal então tudo bem. Tá normal a vida, tudo bem. A gente já não se incomoda muito mais com o filho tá... Cê se incomoda de uma maneira, mas não de outra. Uma vez com família você tem que deixar por conta dele. Ele que tá... Ele que é o chefe da família, ele que tem que fazer as coisa certo, né? Já não interessa mais nada pra gente, dessas coisas. Agora, depois que separou voltou pra cá de novo, agora tá ai. Acho. O contato foi lá. Porque aqui, aqui, nem na família, nem aqui em casa, nunca teve esse exemplo de bebida. Sempre teve... Sempre fomos


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coerentes com essas coisas. Não tinha... Inclusive eu mesmo não sou nada de beber quase. Tem nada. A da bebida foi com ele mesmo. Ele que resolveu. Ai na faculdade que aprendeu e continuou e daí complicou as coisa. Chegou ao passo de ter que se internar, não teve... Fazer o que, né? Não sei, viu? Falar a verdade, eu não sei. Não sei porque essas coisa... Deve ser arguma frustração de alguma coisa que ele queria e não conseguiu, né? Outra no, uma vez eu perguntei “Por que você bebe?”. “Ah, porque é gostoso, ué.”. Gostoso então acabou o assunto. É gostoso, ué. Quando fala assim, é gostoso uma coisa, vai falar o que? Né? Se tá gostoso pra você problema seu. Agora, só que daí complica as coisas. Na faculdade. Não sei se ele conheceu outras garotas lá, mas ele conheceu sua mãe lá. Que afirmou mais foi sua mãe mesmo, né? Que casou. Ah, ele ficou feliz de casar, né? Sei lá, agora... Ah, tanto é que ele ficou quinze anos casado, né? Não foi... Separou, mas não foi separado de pouco tempo, né? Agora não sei se houve muita tolerância também da Martha pra ele pra durar tanto. Pode ser que não, né? Pode ser que ela, quando ela tem muita tolerância o negócio vai rolando e o tempo passa, né? Agora no... Se... Se depois resolve a coisa assim é porque já ficou grave demais, né? Antes de casar ele não bebia, quase. Ele tomava, bebia normal pra uma pessoa. Foi depois do casamento mesmo que começou a beber. Acho que a principal frustação dele é, ele queria continuar o negócio de música, de ser um profissional de música e não... Apesar que gosta de ser dentista também. Gostava também. Nunca falou assim “Eu vou parar de ser dentista pra ser músico”. Ele nunca falou isso ai. Ele gosta da profissão dele também. Mas acho que ele queria, né, ter um certo profissionalismo na parte de música, que não conseguiu, né? Não conseguiu porque não procurou muito também, né? Sabe aquela coisa “Quero conseguir, mas quero que venha na minha porta.”? Não dá também, né? Ele não foi muito de procurar também. Ah, a internação dele foi normal, né? Ele é tranquilo, não deu nem bola. Em tempo a gente ia visitar ele, não tinha problema nenhum. Praticamente internação foi só uma, né? Foi só uma. Foi só lá no Padre Aroldo. Cas outra ele ficou dois


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dia, três dia e foi embora. Não ficou... Dois lugar que ele foi. Um lugar que foi, que tava doente, em Diadema. E outro lugar, foi lá, ficou dois, três dia e saiu. Praticamente não ficou internado. Ficou internado em um lugar só, que ficou sete meses, né? No Padre Aroldo, daí, daí ficou internado mesmo. Mas fora a isso não. Ajudou que ele parou de beber bebida alcoólica. Não sei, só sei que parou, não bebe mais. Nem, nem pensa nisso acho, sei lá. E sei lá... Desde o ano que saiu, nunca mais. Bebida alcoólica não tomou nunca mais. Não lembro quanto tempo faz, dois mil e... (Pensando). Dois mil e quanto? Dois mil e quatro? Ah, não lembro. A mãe dele acho que sabe melhor, não sei. Não, a igreja ele nunca abandonou também. Da igreja não. Sempre foi assim, sempre de missa, não sei que, de gostar de tocar, de cantar na missa, de ir na missa também. Sempre. Isso também graças a mãe dele principalmente, que incentiva ele nesse ponto. Mas ele gosta, você percebe que ele gosta. Ele não quer ficar sem isso ai também. Então você percebe. Não, agora não, por que... Não é por causa da igreja também que ele não bebe mais. Ele parou de beber mesmo, lá mesmo tinha as coisas lá. Ele não quis mais mesmo. Piano não. Piano ele parou quase. Piano... Ele gosta de tocar violão mesmo. Eu acho que é porque, por causa da facilidade que há entre um piano e um violão. Um violão você carrega em qualquer lugar, né? Piano não carrega. Daí o que acontece, vai largando, e outra que ele não tem negócio de solo, ele gosta mais de acompanhar a pessoa cantando mesmo. Na missa a gente canta, ele toca, e assim... E quando ele tenta, tá também, alguma música que ele gosta ele fica, escuto ele tocando ai no quarto, tocando alguma música que ele gosta. Mas no piano ele não pega mais não, faz tempo já. Ele enrola e não pega. Ele tocava bem piano também, mas não gosta. Se gostasse ficava, né? O piano está ai, né? Não. Não. Personalidade é a mesma de sempre. Calmo, tranquilo. Não é agressivo, não é violento. Muito pelo contrário, aceita bem as coisas que a gente fala pra ele. Tem nada disso ai não. Ah, enxergo bem mais criança agora até. Pior que... A falta de cuidado com as coisas dele. A falta de cuidado com o negócio de arrumar a mesa, arrumar a


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cama, com a roupa dele. Com isso ai ele é meio relaxado. É que nem criança mesmo. Acho que é porque tem o pai e mãe que tá do lado dele sempre, né? Arrumando e cuidando. Ele não é muito sério nessas coisas, assim, de... Meio forgado, não sei. (Risos). É forgado demais, né? Não é forgado. Ah, tá ai, ué? Trabalha, não esquenta a cabeça. Vai todo dia, sai cedo. Vai trabalhar, volta de noite. Não recrama do serviço, ele não recrama do serviço, tá sempre pronto. Agora ele tá reclamando que tá meio fraco o serviço, isso sim. Agora tá caindo, caiu um pouco o serviço dele lá. Mas tá bom. Vai levando. Dando pra sustentar ele, tá bão demai. Não preciso de nada dele também dessas coisa. Nem eu, nem a mãe. Os dois aposentado, eu trabalho ainda. Então não tem problema.”


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Daniel Cardoso, 2012.


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3.3. Ele por Ele

“Lembrança mais antiga é... Sou eu na outra casa que a gente morava. Tenho lembrança da casa que era bem pequena assim. Tinha uma sala, banheiro, um quarto e eu dormia no berço. E tinha o Vovô e a Vovó, né? Meu Pai e minha Mãe. Dormiam na cama de casal e eu no berço, tudo apertadão assim no quarto pequeno. Mas não era ruim, era um quarto pequeno mas era suficiente. Eu lembro que.. Eu lembro bem dos aniversários, né? Dos aniversários eu lembro mais por fotografia do que propriamente pela memória. Lembro que tinha uma edícula no fundo onde meu Pai fazia revelação fotográfica. E.. Então era pequeno assim, mas dava pra ficar ali um pouco. Tinha uns brinquedos básicos assim inicialmente de bola, né? Carrinho pequeno assim. Um inicio assim do que eu lembro é... era suficiente assim, era contente ali. Acho que eu lembro que era pequeno porque depois eu fui pra um lugar maior. Mas era suficiente o lugar... gostoso. Na rua tinha alguns amigos vizinhos. Tinha uma família que sempre tava comigo. É... E alguns amigos que ficavam na calçada, assim, brincando. Então esse início eu só lembro de flashes. Eu não lembro muito de movimentos. Eu lembro mais de imagens paradas. Os aniversários que a Vovó fazia para mim... Eu não lembro na verdade, eu lembro das fotografias. Mas não


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das pessoas em volta batendo palma, parabéns, nada. Mas eu consigo associar isso a outras coisas que eu lembro realmente. São mais imagens paradas, mas eu acredito que sejam da memória mesmo. Assim, essas que eu disse, né? Essas que eu disse eu lembro. Eu estudava no Cesário Motta. Fazia jardim da infância. Uma escola ali na Rua Paula Souza. Uma das escolas de Itu, assim, tradicionais em termos de tempo, de antiga, de qualidade e tal. Fazia jardim da infância e eu lembro bem disso daí. E isso era com cinco anos. Cinco anos e meio na verdade. Eu lembro bem, assim, do início da alfabetização. Lembro da cartilha, assim, lembro de ter que escrever. E comecei ler nessa idade. Ser alfabetizado nessa idade. Lembro... Ah, lembro de uma coisa legal que era, a Vovó me ensinou a ler hora assim. E eu sabia bem, assim, as horas. Ai tinha amigos da escola, né? Amigos da escola... As brincadeiras eram mais lá na escola só, não tinha contato depois. Brincadeira, assim, lá no recreio. Na escola, assim, no pátio da escola. Aquela brincadeira também bem comum assim de corre-corre, né? Oito anos. Oito anos eu comecei a fazer... Deu oito anos e meio também. Sempre assim no fim do ano comecei. O conservatório era ali no meio do caminho entre a escola e aqui em casa. Na mesma rua da escola. Ai tinha lá uma ou duas aulas por semana. Estudava lá piano. Sempre gostei. Não gostava muito de estudar o que mandavam só. Gostava de mexer com outras... Mexer assim, né? Ou criar músicas ou alguma coisa. Ou então tentar tocar músicas, assim, fora do que era do repertório, do currículo. Ah... No começo era bem tranquilo. Não tinha a exigência... Não era muito grande em relação ao programa que se fazia. Tranquilo. Mas eu gostava mesmo era de mexer assim, né? Tocar música que não era pra estudar. Mas dava pra estudar também. Ah... Um cara obediente. Relativamente determinado alçando um objetivo que era exigido com uma certa facilidade. E... pensando assim, pensando pouco assim em relação ao futuro, pensando pouco. Vivendo assim bem ao presente mesmo. Assim, bem sonhador, mas não trabalhando muito pra que aquilo acontecesse, era meio natural. Assim, eu tive um esforço grande pra ir conseguindo o que era necessário. Tipo estudar, passar de ano, tirar nota boa, ter


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amigos, assistir as coisas da televisão que eu gostava, ler alguma coisa que eu gostava. E estar sempre, assim, com quem realmente era legal pra mim. Que é meus pais, o resto da família e os amigos. Mudei com seis anos. Lembro bem dessa mudança também. Mas ai já não são lembranças antigas, são lembranças bem claras. Não são, assim, como se fossem sonhos. É lembrança bem nítida eu diria. Deu estragando essa parede, lembro bem. Eu tinha uma faquinha de madeira que eu tinha ganho do Tio Wilson e eu cismei um dia de... Se bem que agora, pera ai, eu estou confundindo. Essa parede é... É, fiz uns buracos ai. Não sei se foi com uma chave de fenda ou se foi com a faquinha de madeira. A faquinha de madeira eu destruí um antulho, umas folhas que tinham lá na casa da Vovó lá em Sorocaba. Eu ia muito pra Sorocaba. Ia lá no zoológico e uma vez eu destruí lá dois vasos, assim, de planta com essa faca. Achei que era super-herói, assim. Não, assim, não era uma coisa agressiva. Mas era o fato de querer lutar contra assim... E aqui eu estraguei essa parece, fiz uns buracos. Tem a marca ai. E a casa era nova antes e eu fiz uns buracos, assim, não sei por quê. Ah... Perdi esses instrumentos ai, que era de brincar e eu acabei usando pra estragar ai. Ai fiquei sem eles, guardaram. Não sei nem onde está hoje, nem sei se jogaram fora. É... Eu tive só uma interrupção que vim fazer um ano aqui, negócio de vaga. Aqui perto. E... Depois continuei estudando lá até 8ª série depois eu fiz... Daí quando eu fui pro colegial eu fui pra outro, que lá não tinha colegial, 3º grau. E depois faculdade. Ah... Era legal, bem legal. As amizades dai passaram a ser mais da escola. Como eu estudava longe daqui, eu tinha mais amizades lá, perto da escola, ao redor da escola do que aqui do bairro. Mas matinha as amizades daqui. Mas lá tinha mais a vê por causa de estudar. Ia sempre estudar na casa de amigo assim. As vezes demorava pra voltar pra casa almoçar porque ficava conversando, tipo parada em praça assim. Era bem isso. É... Sai com uns quatorzes anos. Saia de noite, voltava logo, voltava cedo. Ia em cinema, eu ficava em frente de locais, assim, de points, sem gastar. Ficava lá. Tinha a Senzala que era a doceria lá da praça, era legal ficar lá. Ficava lá direto. De noite assim. Combinava que ia no


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cinema e ia no cinema. Depois voltava e ficava lá. E daí fazia algumas viagens, assim, de fim de ano ir pra praia. Ai era com a família. Pra mim sempre foi importante o papel da música. Pra mim mesmo, né? As vezes atrapalhava um pouco. Porque eu queria fazer outras e tinha que fazer aquilo. Por que era um compromisso meu comigo mesmo de fazer e... Ah, já que eu tava fazendo tinha que fazer. Mas muita coisa dentro do que eu tinha que estudar, é o que eu falava... Desde de pequeno eu tentava fazer alguma coisa paralela. Pra mim tinha muito assim... A música era necessária, eu gostava muito mas não seguia muito o que era pra fazer. Ficava sempre sobrevoando ao redor daquele programa certo, sempre ficava meio que usando aquilo pra fazer outra coisa, em relação a própria música. Estudando aquele negócio, não era tão legal assim pra mim aquele programa mas era importante porque eu conseguia a partir dali ter técnica pra fazer outras coisas. Tocar... Naquele momento eu não visualizava alguma coisa pra estudar realmente o que eu tocaria. Que era tocar Pop,

né?

Eu

tava

sempre

fazendo,

tocando.

Daí

comecei

a

tocar

profissionalmente em baile. Eu enxergava como uma coisa totalmente intrínseca a mim. Percebi que eu não ficar sem tocar, nunca. Seja de qualquer maneira fosse, né? Tocar em casa, tocar profissionalmente... não ia ficar sem tocar. Mas eu queria sempre estar no meio do publico. Tocar com jeito ouvindo. Era melhor do que tocar em casa sozinho. Mas ai, eu não colocava como profissão. Não sei... Achava que... Por influência dos pais, assim, em relação a fazer algo melhor no conceito deles. Que era meu conceito também, mas era um conceito que eu adquiri. Hoje em dia eu sei que tanto faz a profissão. Mas em relação a eles eu tinha um... Eu seguia uma doutrina que a gente tinha familiar. Então tinha o objetivo da faculdade. Tinha o objetivo de fazer um curso superior. E... Poderia ser música. Mas ai me parecia não tão legal, profissionalmente. Parecia ser mais... Não sei por que, mas era isso. Parecia ser mais difícil, mais... Como ser jogador de futebol, por exemplo. Foi uma escolha meio relacionada a uma certa liberdade. Por odontologia ser uma profissão liberal, por ser uma profissão artística, por ser uma profissão que você trabalha o improviso muitas vezes. Como você vê coisas acontecendo gradativamente. Como você vê assim a evolução das coisas. Você vê bem o que


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você fez e o que você causou e o que você tem de resultado. Uma profissão livre pra você... Não só livre, assim, de não ter muito chefe. Mas como se a biologia... Uma coisa também livre da natureza. Você trabalha com biologia, não é você que faz tudo. Você faz, você põe a mão e espera florescer. Assim como a música. Música também, né? Você precisa jogar alguma coisa sua, mas não é só aquilo que traz o resultado. No meu modo de ver, né? Você deixa acontecer e você coloca uma pincela sua no meio da natureza. Como a música faz com as pessoas quando você toca. Você toca e deixa acontecer. Tem gente que vai embora quando você está tocando e tem gente que se aproxima. Na odontologia a mesma coisa. Você faz aquilo, ai vem e a coisa acontece em seguida. Eu vejo dessa forma. Por isso ter que tomar cuidado. Tem que ser sutil, suave, quando se mexe com essas coisas. Tem que ter uma certa sensibilidade, né? Tanto pra você colocar a mão, quanto pra você olhar depois o que aconteceu. Ah... Foi legal. Foi assustador no começo. Por causa de deixar a família e de saber o que ia encontrar. Coisa básica, assim, das pessoas. Quer dizer, devo ter alguma coisa de normal. Tipo assim, medo de sair, mas também muita expectativa, né? E medo de saber o que ia acontecer lá. Quando eu fui pra Araraquara pra fazer faculdade eu tinha muito medo, assim, dos outros. Medo dos outros, assim. Parecia que eu não poderia acreditar em todos como eu acreditava aqui. Sabe aquela coisa, aqui eu saia e atravessa a rua sem olhar, daí eu já encontrava uma pessoa lá que eu conversava. E lá não. Lá eu tinha parar... Quando eu saia, tinha parar... Olhar para os dois lados, tá... Tá certo? É isso mesmo? Vamos atravessar a rua? Vamos. E ia todo mundo lá, vamos ver. Vamos falar isso e isso. Não vamos falar o que estou pensando, falar o que eu acho que posso falar. Mais ou menos isso. Depois isso passa, né? Lógico. Sem dúvida que teve mudança de personalidade. É, não vou dizer assim que... Teve uma mudança, mas eu não consigo descobrir muito bem assim. Eu precisava pensar um pouco pra saber exatamente o que mudou, mas... É, uma coisa que mudou bastante é que eu comecei a ver mais, bem mais, o que eu queria que acontecesse pra frente. Coisa que antes, lembra que eu te falei assim... É... Assim... Eu tinha os objetivos, mas eu alcançava os objetivos com naturalidade. Daí quando eu comecei a fazer isso, eu comecei a ter objetivos, mas eu percebi que eu tinha que me entregar mais pra conseguir alcançar. Os


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objetivos seria, bem assim, ter um local para trabalhar, né? Mas assim, preocupado em ter esse lugar pra trabalhar. Um lugar assim legal pra trabalhar. Coisa que antes não. Eu estava, vamos supor, eu estava na escola então eu não tinha que preocupar muito que ia ter prova. Se eu ia passar de ano. Eu agia naturalmente e já passava de ano. Daí eu percebi que pra trabalhar não é bem assim. Você tem que ter um objetivo e tem que se entregar um pouco mais. Correr atrás, como se fala. Ai você vai ter. E isso é uma insegurança muito grande durante a faculdade. Principalmente na odontologia porque você não pode fazer nada antes. O que você faz antes nem pode fazer. Até poderia fazer em consultórios, atender. Mas não é permitido. Qualidade você tem pra fazer até, no terceiro ano tranquilamente. Mas ai você sabe que vai sair dali, quando você pegar o diploma, acabou. Você tem que ir e vê se o que gosta “doce”. Ai pra variar... Ah! Ai pra variar. Ai pra ficar um pouco mais complicado eu fui pra São Paulo que é um mais difícil em termos de... Não até em termos de achar um lugar pra trabalhar, mas em termos de... Ah, do que se... Do que é mais difícil de conseguir tudo lá, né? Em relação à distância, já começa por ai. Distância, tempo, pessoas mais fechadas. A gente tem que fechar um pouco também. Se não a gente não pode, né? È isso. Daí o objetivo ficou maior assim. E ai, ai já comecei a ter objetivo de família, assim, também. Ai conheci Mamãe. Lá na faculdade normal, assim, conheci como amiga do... Não saia. Não, daí tipo assim, eu e ela a gente considerava sai, né? Mas não era sair, né? Era sair comer um lanche pra voltar e estudar. As vezes não tinha nada pra estudar... Porque a gente não queria. Porque na verdade sempre tem. Mas como nunca fui de estudar antes, né? Então sempre tinha folgas, assim. Mas dava pra estudar dois, três dias antes. Não precisava estudar, que nem algumas pessoas que estudavam todo dia, né? Daí... Daí começamos a ter objetivo rapidamente, assim, eu e ela. Objetivos rápidos assim de... Ah, sabe de... De já pensar vamos trabalhar nisso, trabalhar aquilo. Já era um obje... E assim, quando a gente começou já rapidamente a gente já percebeu que ia ficar junto. Né? Não precisamos ficar namorando assim, né? Tanãnã. Pra daí vê se vai casar, se não vai. Já ficou meio combinado. Assim, né? Sem falar nada. Espiritualmente. Eu acho, né? Que ela sabia que isso ia acontecer, eu sabia... Então não precisava ficar muito preocupado. Como isso, né? Tipo... É!


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“Resolvemos ficar noivo, resolvemos casar.”. Sabe aquelas pessoas que contam as coisas como se tivesse tomado à decisão naquela semana? “Essa semana nos decidimos que nos vamos casar.”. Não! A gente decidiu no começo já. Só que não falou nada. Não falou assim “Ô, vamos casar, hein?”. Né? “Ô, quer namorar comigo? Vamos casar. Mas eu quero casar. Com você.”. Não foi assim. Tá e pronto. É isso. Dois anos depois. Tava. A decisão de mudar pra São Paulo foi ajudada pelo fato que ela estar em São Paulo, né? E como eu sempre quis ir pra São Paulo. Sempre gostei de São Paulo. Então ficou assim, bem tranquilo pra decidir. Chegamos a falar “Ah, vamos montar uma coisa, um consultório, né? Em Itu ou em São Paulo? Vamos pra lá. Vamos ficar lá que já tem ocê ai. E eu gosto de vir pra cá.”. Apesar de não ser fácil, né? Que no caso não é São Paulo, é São Bernardo. Mas é Grande São Paulo, né? Ah, isso não... Isso não influenciava porque eu já tava fora. Nada preocupante. O que eu já fazia pra vir aqui, já ficou mais fácil ainda de vir. Pra ver a Vovó. Foi uma festa bonita. Não. (Risos). É... Não, o casamento foi legal. Foi legal, sempre foi legal. (Pensando). É... Foi... Não da pra falar muito sobre casamento, assim, agora. Não sei por quê. Não consigo... Assim... Depois que o casamento acabou eu falei muito pouco sobre o casamento, né? É uma coisa que ficou, assim, pra mim, meio sem acesso, assim. (Pensando). Eu não acesso muito, assim, o casamento na minha memória. Parece que eu deixo ele guardado assim. E... Como se fosse um álbum, assim, que eu tenho, se eu quiser eu olho... Mas eu quase não olho. (Pensando). Acho que é porque foi muito bom e eu tenho medo de mexer. (Pensando). E acabou. Você nasceu também depois de dois anos do casamento. O casamento foi em Outubro e você nasceu em Novembro de dois anos depois. Ai ficou assim, um... Não tivemos assim um grande esforço, assim saca? Já tudo meio funcionando bem assim. Não foi aquela... É... Não foi muito aquela coisa assim “Í, tá grávida.”. Sabe? “Vamos correr.”. Não. Tá bem assim já. Tava indo bem assim.


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Tava... Foi... Parece que também foi meio... Engraçado. Isso também aconteceu. A gente sabia que ela tava grávida mesmo sem fazer nada assim. Antes. Tem pouco tempo pra perceber isso sem ter certeza, né? Tem pouco tempo pra você achar que está grávida e realmente tá grávida. Sabe? É coisa de uma semana. As vezes quinze dias você já resolve isso. Eu falo “Acho que você tá grávida.”. Daí “É. Eu também que estou.”. “Ué, mas porque?”. “Não, não sei por quê.”. Porque deve ter alguma coisa espiritual que passa para os pais facilmente, né? Assim, emite uma luz. E uma energia. Que você sabe. Não que você vai sempre acertar isso, né? As vezes você pode ter assim uma luz que é a verdade, né? Você acha, né? Mas ali no caso foi assim. A gente sabia. Normal. Também foi natural. Não teve nada de tipo “Vamos ver, nãnã...”. Não foi nada assim. “A é, então é. Isso ai.”. Ó cara. Assim, é uma coisa legal pra caramba. Não tem muito. Não muda muito não, cara. Já é uma coisa assim... As coisas já estão andando. Pra mim foi assim, entendeu? Então não mudou muito. É, consegue se encaixar as atitudes que você tem, já estavam em sentido bom, assim. Então só acrescenta, assim. Ah, tornasse... A sua vida fica maior parece. Seu dia fica maior. Seu dinheiro fica maior. O seu... Ah, não... A sua dedicação a você fica maior também. Tudo ficar maior. E tudo cabe nas 24 horas. Tudo cabe no mês. Tudo cabe... Parece que no bolso também aumenta, assim, as coisas que você precisa. Parece que aumenta sozinho. É interessante. É bem interessante. É... Parece que não vai dar, no começo. Depois quando você vê, você fala “Tá dando. E tá dando...”. Não sei, cara. Parece que minha vida, assim, sempre... Puta, graças a Deus, cara. Sempre teve... Sempre teve ,assim, o que eu faço e o retorna assim, entendeu? Em termos de amor também. Sempre a mesma coisa. (Pensando). Eu acho que é assim mesmo que eu gosto que seja. Eu não... Parece que assim, eu não... Vamos pensar em termos de dinheiro, vai. Dá impressão que eu não gosto muito de ficar assim, sabe? Juntar 10 mil pra gastar os 10 mil. Parece que eu gosto de ir fazendo e as coisas vão acontecendo. Dá impressão que assim que sempre foi. Eu achava que eu pensava demais no futuro. Mas conforme vai passando o tempo que não. Eu penso muito mais no presente. E parece que é a melhor forma. Pelo menos pra mim. (Risos). Fica um pouco mais complicado às vezes. A gente erra bastante. Mas, parece que se ficar também pensando no futuro, daí


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você deixa pra trás as coisas e depois tem que começar a viver o passado. Não vive o presente. Eu sempre... Eu sempre não... Eu tinha muita coisa, assim, de ficar pensando pra frente, assim, a partir do momento, que né, de trabalhar, de pensar. Mas quando passa daí você percebe que eu não fui assim. Daí eu fiquei contente de não ter sido assim. Porque eu percebi que se eu tivesse sendo assim, eu ia tá... Eu ia tá lembrando como passado as coisas. Mas eu lembro das coisas como presente. É interessantíssimo isso. As vezes é meio complicado de explicar. Sabe “Não, eu pensei bastante no futuro (pra aquilo dar certo.)”. Só que quando você chega naquele futuro você percebe que não deu certo nada que você pensou. Então quer dizer que você não pensou no futuro. Porque se você pensou e não deu certo. É porque você não pensou, concorda? Ué, verdade. Ou então você pensou, mas não foi aquilo. Então você não pensou. Como é que você pensou no seu futuro, se o seu futuro não é aquilo que você pensou? Então não pensou. Então o futuro aconteceu independente de você ter pensado. Ai você feliz, porque isso significa que eu não fiquei pensando no futuro. Eu tava pensando no presente. E é assim que eu vivo hoje. E fico feliz por isso, cara. Porque eu não pensei no futuro. Parece que aquelas propagandas “Pense no futuro. Faça um seguro blá blá blá.”. Seguro? Seguro é quando você quebra o braço, perna, fica doente ou morre. Eu vou fazer seguro? (Pensando). Vale a pena? Se eu tiver um problema eu vou receber. Mas eu não quero ter problema. Pra não ter problema como você faz? Não sei. Se alguém soubesse como faz pra não ter problema, não precisa nem estar conversando sobre problema. Como faz pra navegar no Polo Sul? Ah, eu não vou navegar no Polo Sul, pô. Como faz pra não ter problema? Não sei também. Se você não sabe as coisas porque vou pensar nelas? Fica pensando nelas? Ninguém sabe a resposta. Então é isso, cara. Então assim, problemas vai ter e acabou. Quais são? Não sei. Então não pensa neles. Né? Atender as pessoas amanhã... Vou atender. Quem que você vai atender? Pelo o que está escrito aqui essas pessoas, só que não são. Que as faltam e vão outras. Então amanhã eu vejo. Basicamente. Nunca se você for radical nisso, nada dá certo também, né? Então tudo bem, eu vou atender as pessoas. Í, mas eu não tenho consultório? Pera ai, né? Não exagera, né? Í, eu vou atender as pessoas, mas não tenho a coisinha lá, a anestesia. (Pensando). Calma lá. Agora... Ai meu Deus, puta, quem vai lá tal, í, aquele negócio vai ser difícil de mexer. Vai ser difícil hoje? Não. Só vai ser difícil hoje se você ficar


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pensando nisso. Se não deixa pra ser difícil amanhã. Cada dia já tem seus próprios problemas. Você precisa criar mais. Tá? Então... Vou pensar no futuro. Puta, cara! Você não consegue pensar no futuro. (Risada). Não consegue. Isso é bobeira, cara. Você esperava que eu tava respondendo essas coisas? Mas você pensou que você ia fazer isso? Então, só. Mas e as respostas? Í, o que será que meu Pai meu responder? Se você tá fazendo essa pergunta então você não tá pensando no futuro. Se você tivesse pensando no futuro, você não precisava fazer as perguntas, já sabia o que era. É isso, cara. Falei muito sobre isso, mas é porque eu mesmo as vezes não entendo muito o que eu penso. Foda. Bebida? Onde apareceu? Bebida apareceu quando começa a sair pra bagunça, né? Pra brincar, se divertir. Foi na faculdade. Porque eu não sou muito bom controlador das coisas. Justamente por isso que eu falei pra você. É... Se agora tá bom assim, amanhã eu não sei se vai tá bom. Mas, então, essas coisas tem preço. Né? Essa falta de controle, essa falta de pensar na frente... Você percebeu que eu respondi sobre futuro vendo as coisas pelo meu lado. Mas o cara que pensa no futuro um pouquinho mais, ele não toma quatro copo, ele toma um. Porque ele sabe que amanhã ele vai tá com, meio estragado. Ai eu não pensava e tomava quatro, seis, oito. Então ai, não pensava. Daí isso se chama, inconsequência. Né? Então eu sou um pouco inconsequente, por causa disso. Aliás, com tudo, assim, né? Mas a gente aprende que tem coisas que você pode ser inconsequente e não é tão ruim, né? Outras são muito... Porque você, assim... Se tá bom, você fica ali. Mas, é assim, não precisa tá bom tanto assim, tanto tempo. Já ficou bom, pô. Já não tá bom de ter sido bom? Porque tem que ser bom tanto tempo? Vamos, vamos se... Né? Está sendo bom esse tempo. Agora se muda. Vai pra outro coisa que também é boa. Mas não, tem que ficar naquele que é bom pra não voltar mais pro que não é tão bom. Que a gente fala assim, não, mas a Segunda-feira é ruim! Pra mim não é ruim mais. Antes era ruim. Porque que era ruim? Falava-se, né? Como que é ruim, cara? Você tem uma casa, você acorda toma café, sai trabalhar de carro, vai, chega lá, tem gente que vai precisar de você, você vai fazer o bem. Onde que a Segunda-feira é ruim, cara? Cadê? Ruim é você tá no hospital e não saber que é Segunda-feira. Pra você tá deitado em uma cama e não sabe se é Segunda, se é Quarta, se é Domingo. Isso é ruim. Mas pra esse cara não é ruim. Porque esse


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cara podia tá na calçada, sem um médico. Ele não, ele acorda, ele tá na cama do hospital com lençol limpinho, tudo limpinho, quatro enfermeira indo lá toda hora dando remédio pra ele, trazendo comidinha. Então não é ruim pra ele também. Ruim é o cara que tá na calçada. Mas será que é ruim? Não. Ele acorda na calçada, ele, ele tem carência financeira? Tem. Mas deram blusa pra ele, ele não morreu de frio. Ele, ele acorda levanta faz as trocha dele e sai andando, pega, pega hoje, Domingo ele passa pega alguma legal pra ele comer, sei lá se ele consegue, oferece um trabalho pra ele, ele faz, recebe e come. Anda. Vê a luz. Sente o frio. Escuta as pessoas falando. Ruim? Ruim é o que? Ruim é o cara que acorda, quando ele abre o olho, seja onde for que ele tiver, ele não enxerga. Ele sabe que é dia por causa daquilo que ele adquiriu pela falta da visão. E assim, e assim você vai... Então o pior de tudo é não enxergar? Não. O pior de tudo é achar que tá ruim, cara. Isso que é o pior. Só tá ruim, porque você acha que tá ruim. Não. Não, não. Bebida, assim, nesses termos, é quase que inexplicável. Porque você fica é... Você, é... Se você acha que tá ruim e bebe, é porque você inventou que tá ruim e bebe. Se você acha que tá bom e bebe, é você inventou que tá bom e bebe. Se você acha que tá triste porque acontece tal coisa e bebe, é porque você inventou que você tá triste. É tudo uma mentira sua mesmo. E a primeira pessoa pra quem você mente, é você. Sempre. Isso, estou dizendo em pessoas, assim, que estão conscientes, né? Porque você mente pros outros, você acha que está mentindo pros outros. Mas a primeira pessoa que acredita é você. As vezes tá todo mundo rindo da sua mentira, e você acreditando nela. As vezes tá todo mundo dando risada da coisa que você disse, da brincadeirinha que você fez, porque não querem deixar você, assim, em má situação na roda, mas na verdade só você achou graça daquilo que você falou. Porque quando você fala alguma coisa engraçada, normalmente, você acha graça primeiro. Tudo isso estou falando de mim, né? Mas, assim, quando você tá no meio da bebida você não percebe isso. Você acha que é o cara que alegra a festa. Que eram compreensivas até certo ponto. Agradeço muito a isso. Mas se não eu tinha... Se não tudo teria sido pior. Mas não posso reclamar de nenhuma pessoa, nenhuma. E posso, assim, agradecer mais a algumas. Agradeço mais a algumas que... Mas reclamar, não posso reclamar de nenhuma. Não da família


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só, mas como das outras também. Porque a gente, a gente que faz isso... Fazia isso. É... Ah, não sei, cara. Fica, assim, vivo e continua porque as pessoas querem, cara. Porque na verdade as pessoas poderiam decisões muito piores em relação a gente. Com todo direito, à princípio. Tipo assim, leva esse cara ai e prende ele na corrente e fica lá. Não em todas as atitudes, né? Estou dizendo em algumas. Ou então, tipo assim, tchau! (Barulho de tiro). Pufh! Você falou demais. (Barulho de bomba). Perr! Sabe? Então eu tenho que agradecer a todos. Até eu resolver ficar bom, não serviu pra nada. Pra assim, ser bem radical, né? Ai na que, na que eu resolvi ficar bom foi espetacular, fantástico. Fiquei. Você teve presente lá. Eu era uma pessoa que poderia ficar lá pro resto da vida. É religião. Através de Deus e através da... É, ter... Se não existir, na minha opinião, se não existir isso não faz... Não, não se faz, assim, recuperação em nenhum tipo de problema. (Pensando). A parte espiritual em recuperações ela é essencial, cara. Não tem nenhum cara por pior que seja, ou por mais mal que seja que na hora de se recuperar não volta para a espiritualidade. Porque é na espiritualidade que se encontra o bem puro. E é do bem puro que você retira algumas gotas pra você. Consegue viver de novo, normal. Se não encontrar isso não... Não volta. Não volta. Se você não conseguir pegar uma parte da bondade, assim, passar por você e jogar pra outra pessoa... Não tem jeito. Seja o que for. Qualquer tipo de problema. Enxergo... (Pensando). Eu enxergo, assim, totalmente do presente. O presente que vale pra mim. Eu agradeço todo dia. (Pensando). E ando devagar. Pronto. Não. Não tenho arrependimento. Não tenho arrependimento, não tem, não tem como me arrepender das coisas. Tem como chegar e falar que eu errei. Não gosto de falar em arrependimento. Gosto de falar em erros. E outra, hein... Errei para tal coisa. Não gosto de falar que errei tudo. Errei porque fiz isso e causei isso. Mas eu tenho certeza que naquele mesmo momento eu fiz uma outra coisa melhor que aquela que serviu pra alguma coisa melhor que aquela que eu estou falando que errei. Então... Quando se erra, não se erra só. Tem alguma outra coisa que você tá fazendo, junto, que, que você, é, causa alguma coisa boa. Então, é por isso que o ser humano não é condenado a morrer, assim, né? É por


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isso que o ser humano é perdoado. Porque quando ele erra, naquele mesmo tempo ele também acertou alguma coisa. E quando ele, e quando ele se, e quando ele percebe que errou, ai que você sabe que dali vai nascer uma flor. Quando ele viu que errou, dali nasceu uma flor. E quando ele viu que errou de novo, tá nascendo outra. Porque ai vai ter outra atitude, e essa atitude vai ser melhor que aquela que ele percebeu que errou. Entendeu? Valeu.”


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Daniel Cardoso Junior, 2012.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da pesquisa desenvolvida sobre o fotógrafo Richard Avedon e seus trabalhos foi possível entender como a fotografia pode exercer um papel além ser uma simples imagem e pode gerar diversas reflexões antes, durante e depois do ato de fotografar. Nessa pesquisa encontrei sustentação para desenvolver meu próprio projeto e coragem para enfrentar situações que não saberia lidar sem a câmera fotográfica. A câmera passou a ser o escudo e a fotografia a ferramenta para entender as pessoas e tudo que as rodeiam. A fotografia passou a ser uma desculpa. Desculpa para chegar perto, para perguntar, para falar, para pensar e me expressar. Sobre o ensaio que aqui segue e a tentativa de reencontro e reconexão com meu Pai, Daniel Cardoso Junior, todo o processo fez-se valer. O processo em muitos momentos foi longo e doloroso. Para resolver tais inquietações precisei entrar contato com memórias que estavam guardadas, como diria meu Pai, como um álbum de fotografia que muitas vezes preferimos não mexer. Ao final de cada sessão de fotos me sentia mais próximo do meu objetivo. Nos olhos cheios de lágrimas dos meus Avós e na voz que falhava em meio a emoções pude enxergar o amor. Nas palavras do meu Pai pude me enxergar. Nelas encontro a maneira que penso e sou. A admiração aumentou e vai continuar aumentando. As fotos que aqui seguem são a simples consequência deste processo. Fiquei com a leveza. E agora sei... Ele ainda está lá. Ele ainda está em mim.


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BIBLIOGRAFIA

AVEDON, Richard. An Auto-biography: Richard Avedon. London: Random House, 1993. AVEDON, Richard. Evidence: 1944-1994. New York: Random House, 1994. BORSATTO, Eduardo Teixeira. A construção do ideal de beleza na fotografia de moda. 2005. Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade SENAC de Comunicação e Artes, São Paulo, 2005. HOLM, Michael Juul. Richard Avedon: Photographs 1946-2004. Denmark, 2007. MARRA, Claúdio. Nas sombras de um sonho: história e linguagem da fotografia de moda. São Paulo: Ed. SENAC São Paulo, 2008. MOURA, Edgar Peixoto de. 50 anos luz câmera e ação. São Paulo: Ed. SENAC São Paulo, 2010. SONTAG,

Susan; FIGUEIREDO,

Rubens. Sobre

fotografia.

São

Paulo: Companhia das Letras, 2004. TURAZZI, Maria Inez. Poses e trejeitos: a fotografia e as exposições na era do espetáculo (1839/1889). 1992. WEIL, Pierre; TOMPAKOW, Roland. O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação não verbal. 69. Ed. Petrópolis: Vozes, 2012. WHITNEY, Helen. Richard Avedon: Darkness and Light. Wellspring. 2002. WILSON, Laura. Avedon at work: in the American West. New York: University of Texas Press, 2003.


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