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O Salto Equipado

Primeiro-Tenente

Mais um dia de Mec, agora na região Centro-Oeste do Brasil, a pouco mais de 500 metros da fronteira com a Bolívia, em Corumbá - Mato Grosso do Sul, no hangar ao lado da área de embarque e desembarque do Aeroporto Internacional da cidade. Logo pela manhã, chegavam os alunos, instrutores e a equipe de dobragem de paraquedas do Curso Expedito de Salto Livre, os alunos assim que adentravam o hangar já guarneciam seu material individual (capacete, óculos, altímetro, macacão e bute) e a lona que era estendida em cima do gramado do lado de fora do hangar, a fim de estabelecer, primeiramente, uma superfície limpa para a equipagem dos paraquedas e também uma área de espera para o embarque na aeronave; os instrutores, responsáveis pelos briefings, diário de segurança e da atividade a ser realizada no dia, relembravam algumas dicas de apresentação para o vento ao sair da aeronave, de posicionamento do corpo em queda livre, dos procedimentos na hora do comandamento e também para a navegação e o pouso com o paraquedas; já a equipe de dobragem organizava a distribuição dos paraquedas e se preparava para as inúmeras dobragens que iria realizar ao longo do dia.

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Nessa manhã, estávamos chegando às últimas avaliações práticas do curso antes de saltarmos efetivamente com o fuzil e a mochila de combate, objetivo mor do curso. Com essa finalidade de habilitar o militar de operações especiais a infiltrarse através de salto livre por meio de uma aeronave, em pleno movimento, armado e equipado, o curso se dividiu basicamente em três fases: a primeira, teórica, realizada no Batalhão Tonelero com instrutores MEC e COMANF, finalizada com dois saltos, um static line (uma fita que faz a abertura automática do paraquedas ao ser esticada pela queda do saltador) e outro de ambientação, ambos em São Pedro D’aldeia; a segunda, realizada no Túnel de Vento na Brigada de Operações Especiais do Exército Brasileiro em Goiânia - GO e; a terceira, na qual nos encontrávamos, com saltos de aeronave militar na área de jurisdição do 6º Distrito Naval. Sendo assim, passadas as avaliações de queda estabilizada, falso comandamento, no qual o militar apenas simula o movimento de comandamento do paraquedas, e a avaliação de curvas referenciadas (uma curva para direita e outra para esquerda sem perder o referencial), chegávamos, então, na última avaliação antes do salto armado e equipado, a avaliação na qual teríamos que realizar um back looping (uma cambalhota para trás), cuja finalidade era avaliar se o saltador livre conseguia recuperar sua estabilidade e em seguida realizar uma sequência de movimento ordenada pelo instrutor, geralmente curvas ou track (deslocamento).

Naquele dia, o salto já não era mais de cinco, sete ou nove mil pés. Dessa vez, chegaríamos aos 12.000 mil pés – na verdade, muito melhor, mais tempo de queda livre. Como de costume, chegamos ao hangar, pegamos o material individual e estendemos a lona do lado de fora. Assim que os instrutores definiram as equipes de cada avião, verifiquei que eu era o quarto saltador do primeiro avião a decolar. Logo em seguida, recebi a ordem de guarnecer paraquedas. Já equipado, apresentei-me para a inspeção do instrutor. Inspecionado, fomos para a área de espera em frente ao hangar. Nesse momento, o meu instrutor acompanhante se aproxima e pergunta se já sei o que tenho que fazer, ao receber a resposta afirmativa, ele estabelece o comando de voz:

“Hey! Ho!” com o qual sairemos da aeronave em movimento.

Com o ronco dos motores da aeronave c-105 amazonas, da Força Aérea Brasileira, já bem à nossa frente, recebemos a autorização para o embarque e, então partimos para a rampa do avião. Dentro dele, o Mestre de Salto Livre, ou MSL, ordena a colocação do cinto de segurança. Rampa fechada, a aeronave parte para a pista principal e levanta voo, olho para o meu altímetro e observo que ele está variando de acordo com a subida do avião, observo o altímetro do instrutor ao lado e constato que ambos estão exibindo a mesma altitude. Subida sem turbulências, a soltura do cinto é autorizada. Uns conversam, outros ficam calados, alguns olham para fora, tentando achar as referências no solo e outros fecham os olhos, os comportamentos são bem diferentes, mas a concentração e o foco são nítidos no semblante de todos. Ao comando do aluno mais antigo, todos bradam: “Salto! Livre!”. Logo em seguida a rampa se abre, já estamos próximos da altitude desejada, o MSL ordena levantar. Imediatamente meu instrutor acompanhante realiza mais uma inspeção em minha equipagem e aguarda ao lado, olho para o meu altímetro e vejo-o, pela primeira vez, chegar aos 12.000 pés; lá na rampa, já visualizo o MSL fazendo suas últimas correções, o avião agora já está na final. Meu instrutor liga a câmera, vira para mim e brada: “Fortuna!”. Instantaneamente eu respondo: “Audaces Sequitur!”. Em segundos, luz verde no convoo, o MSL dá o Já, a primeira dupla sai, poucos segundos depois a próxima, em seguida a terceira, meu instrutor vira de costas para a rampa e no comando dele, mergulho em sua direção, utilizando-o como referência.

Ao alcançá-lo, inicio as manobras. Primeiro o back looping, recuperada a estabilidade, verifico o altímetro e inicio as curvas, inicialmente para a direita, olho novamente o altímetro e faço outra para a esquerda. Já estou a quase 6.000 pés, a altura para comandamento dos alunos é de 5.000 pés (neste ponto do salto, minha velocidade é próxima de 200km/h, e percorro 1000pés a cada 5 segundos), levandose em conta o tempo gasto durante o procedimento de comandamento, ao visualizar 5.500 pés no altímetro, iniciei a sinalização e em seguida, simultaneamente compensei com o braço esquerdo à frente do meu rosto e comandei o paraquedas com o direito. Ao realizar o check visual, não vi o velame retangular que deveria estar sobre minha cabeça, imediatamente desferi cotoveladas enérgicas sobre o container, a fim de liberar a bolsa com o velame. Quando a bolsa saiu, no entanto, ela se enrolou na fita que guiava o piloto (espécie de pequeno paraquedas que tem como função puxar a bolsa com o velame de dentro do container), ou seja, a bolsa não abriu. Olhei para o altímetro, marcava 3.000 pés, não hesitei, a altura limite para executar o procedimento de emergência, 2.500 pés, já se aproximava. Olhei para o desconector do paraquedas principal e empunhei, olhei para o punho do reserva e empunhei, selei (executar a posição de estabilidade máxima em queda livre forçando a cintura para baixo), desconectei o principal e comandei o reserva. Ao realizar o check visual, lá estava o velame retangular, agora de cor branca, cor dos paraquedas reserva, células infladas, linhas estendidas e desembaraçadas e slider baixo, minha vida estava garantida.

Passando para o check do horizonte, constatei que não havia nenhum paraquedista ao meu redor, em seguida identifiquei o alvo e o cone de navegação; quando iniciei o check funcional confirmei a sensação que estava sentindo, isto é, ao realizar a primeira curva de 90º para o centro do cone de navegação, percebi que o paraquedas se deslocava mais rápido que o principal, fazendo a curva para o lado oposto, a mesma sensação; normal, visto que a área vélica do reserva era menor do que a do principal, após o flair de 5 segundos, iniciava-se então a navegação, momento de muita atenção também, pois, de acordo com pesquisas realizadas, o maior índice de acidentes de paraquedismo é depois que o velame se abre, isto é, entre a navegação e o pouso. Não bastasse esta estatística, dessa vez eu estava com um paraquedas menor, ou seja, mais rápido. Olhei para a biruta e identifiquei a direção do vento, como de costume na região, pela parte da manhã, o vento estava fraco. Passei na lateral do alvo aos 600 pés de altitude, pela minha esquerda, o vento ainda era de cauda e estava bem rápido agora, a menos de 300 pés de altitude, já estava atrás do alvo, na final para o pouso, em planeio total, agora com o vento de nariz, o chão se aproximava, a quase 2 metros do chão fiz o flair, três ou quatro passadas a frente e, estava de pé, em solo firme novamente, além de agradecer por ter conseguido contornar a emergência na abertura do paraquedas pude comprovar, mais uma vez, a mística do Mergulhador de combate, bradada na saída da aeronave: “Fortuna Audaces Sequitur” – “a sorte acompanha os audazes”.

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