ENTREVISTA
Você já ouviu falar em “Ressetorização Dinâmica”? Saiba o que é e como se deu a implementação deste conceito, proposto pelos Primeiros Sargentos Controladores de Tráfego Aéreo Luiz Cláudio Magalhães da Conceição e Dinarte Bichels Júnior Por Daniel Marinho - Fotos: Luiz Eduardo Perez
“A dificuldade é a morada da oportunidade.” A frase po-
Primeiro Sargento BCT Dinarte (CINDACTA II) e Primeiro Sargento BCT Luiz Cláudio (CGNA)
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deria ter saído da boca de Pollyana, do otimismo fantástico de Cândido, ou de alguma subliteratura de autoajuda. Políticos em campanha e oradores ilustres também gostam de frases de efeito. Mas a verdade é que, em meio à ficção assumidamente fantasiosa e o devaneio disfarçado de realidade, que tanto preza em teorizar o que não pratica, há aqueles que de fato põem a mão na massa e fazem dos obstáculos um atalho para a evolução e para o crescimento. É o caso dos Primeiros Sargentos Controladores de Tráfego Aéreo Dinarte Bichels Júnior e Luiz Cláudio Magalhães da Conceição. Lotados em unidades diversas - Dinarte no Segundo Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA II) e Luiz Cláudio no Centro de Gerenciamento da Navegação Aérea (CGNA) – ambos atuam na mesma área: a Região de Informação de Voo (FIR) de Curitiba, que abrange o Sul do País. Afora as rotinas e o fluxo de trabalho inerentes ao cotidiano de um controlador, os sargentos observaram a ocorrência regular de
picos de movimento aéreos no setor dois da FIR Curitiba sempre com características similares nos primeiros horários da manhã. O que poderia dar margem a mais uma efemeridade diluída no dia-a-dia do trabalho, deu origem, muito pelo contrário, àquelas típicas sugestões que de tão práticas, eficazes e de baixo custo de implementação parecem óbvias. Óbvias, porém, só depois de sugeridas. Ouvidos, os dois iniciaram os estudos, as pesquisas e as simulações para verificar a viabilidade da abordagem. Meses de dedicação depois, a denominada “ressetorização dinâmica” está em curso e já é responsável por uma redução de mais de 35% na aplicação de medidas de gerenciamento de fluxo de tráfego aéreo no aeroporto de Porto Alegre. Sem citar o aumento considerável na capacidade dos setores de controle da FIR como um todo. Para conhecer melhor o funcionamento desse novo conceito, e saber como se deu todo o processo de implementação, a Revista Aeroespaço convidou os sargentos Dinarte e Luiz Cláudio para uma entrevista. Acompanhe a seguir.
AEROESPAÇO - Quais as principais dificuldades enfrentadas na então setorização estática do setor dois da FIR Curitiba? SARgEntO DinARtE A grande demanda de voos no setor nos primeiros horários da manhã. No setor dois estão inseridos os principais aeroportos da região sul do País (Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, Joinville e Navegantes) e o fluxo de tráfego nessa região é caracterizado pela intensidade e grande concentração. Somam-se, ainda, a este tráfego, os voos de outros setores, com diferentes destinos, e os internacionais, sobrevoando o território brasileiro com destino aos países localizados ao sul do continente. Para balancear essa demanda, medidas de gerenciamento de fluxo eram aplicadas diariamente aos voos de toda a região. AEROESPAÇO - Como surgiu a ideia da ressetorização dinâmica? SARgEntO Luiz CLáuDiO Durante nosso acompanhamento diário, constatamos que, no mesmo período de saturação do setor dois, o setor de controle adjacente tinha uma queda em seu movimento.
A ideia inicial era propor uma nova setorização estática, estabelecendo, desta forma, um novo limite entre os setores. Porém, estudos demonstraram que a nova setorização não seria viável durante todo dia de trabalho, já que causaria saturação em outros setores. Então, pensamos: por que não aplicar uma setorização pontual nos diversos períodos de aumento da demanda? Após uma série de leituras sobre o assunto, desenvolvemos uma borda dinâmica entre os setores de controle, visando mitigar a carga de trabalho entre as regiões nos horários que a saturação acontecia. Na realidade, a borda dinâmica possibilita colocar em prática um conceito amplamente utilizado pelos controladores de tráfego aéreo em períodos de grande demanda de tráfego, onde aeronaves, ainda dentro dos limites laterais de seu setor, são transferidas, mediante coordenação, ao setor subsequente, visando balancear o número de tráfegos controlados de um setor. AEROESPAÇO - Como funciona essa técnica? SARgEntO DinARtE A ressetorização dinâmica consiste em criar um setor de controle virtual,
que existe somente na base de dados do sistema, ou seja, precisamos dizer ao Sistema de Tratamento de Visualização de Dados (STVD) que um setor foi criado sem alterar a configuração do espaço aéreo. É importante ressaltar que o software utilizado no Brasil suporta tal procedimento. AEROESPAÇO - Já havia sido implementada em algum outro país? SARgEntO Luiz CLáuDiO Há experiências de ressetorização dinâmica nos Estados Unidos, mas no Brasil, apesar de alguns trabalhos publicados, é a primeira vez que foi implementada. AEROESPAÇO - Como foi o processo para pô-la em prática? SARgEntO Luiz CLáuDiO Fizemos um estudo completo dos prováveis impactos na FIR Curitiba, para ter certeza de que a ressetorização dinâmica seria viável. Esse estudo levou em consideração, não somente a demanda de tráfegos dos setores envolvidos, mas sim todos os setores, nas 24 horas do dia. A infraestrutura também foi objeto de análise. Será que a cobertura de AerOeSPAÇO 15
frequências VHF dos setores adjacentes seria suficiente para cobrir toda a extensão da borda dinâmica a ser praticada? A rede de comunicações telefônicas seria suficiente para atender as duas regiões, independentemente da setorização escolhida? Assim, simulações também foram realizadas para dar subsídio à proposta. Depois de realizarmos o levantamento de dados e a análise final do processo de implantação, partimos para o convencimento das autoridades, dos controladores de tráfego aéreo e, por fim, à aplicação da ideia no cotidiano do Centro de Controle de Área de Curitiba (ACC-CW). AEROESPAÇO - Quais as vantagens da ressetorização dinâmica? SARgEntO DinARtE A ressetorização dinâmica proporciona uma série de vantagens operacionais ao órgão de controle. (O graduado citou os seguintes exemplos): dispensa a criação de um novo setor de controle para solucionar um problema pontual; baixo custo para implementação; redução significativa das medidas restritivas à demanda;
redução no tempo de treinamento para o efetivo, pois a alteração no padrão operacional do órgão de controle é mínima; aumento pontual da capacidade do espaço aéreo; possibilidade de utilização de rotas alternativas ou rerroteamento, através do setor dinâmico, dando vazão ao tráfego aéreo sem causar aumento de demanda no setor estático e, em alguns casos, a utilização da rota original do plano de voo; aproveitamento dos períodos de baixa densidade de tráfego do setor adjacente para transferir o controle efetivo dos voos;
economia de combustível e redução na emissão de CO2; término de esperas desnecessárias feitas pelas aeronaves voando nos setores adjacentes e subsequentes. AEROESPAÇO - Em suas opiniões, como o controle de tráfego aéreo nas demais regiões poderia se beneficiar com essa técnica? SARgEntO Luiz CLáuDiO A ressetorização dinâmica pode ser aplicada entre setores adjacentes ou subsequentes de qualquer região de informação de voo do País e pode ser utilizada em várias situações. Exemplos:
com a alteração dos limites entre os setores, os voos passaram a cruzar e livrar o setor dois mais rapidamente, causando uma diminuição do número total de tráfegos controlados no setor e, consequentemente, da carga de trabalho do controlador de tráfego aéreo;
quando um desbalanceamento entre a demanda e a capacidade ocorrer de forma pontual;
controle efetivo dos planos de voo dos tráfegos dentro dos limites laterais da borda dinâmica de setor possibilitando a alteração dos níveis de voo ou rota. Antes não era possível devido ao tráfego encontrar-se fora dos limites laterais do setor sobrevoado;
quando, devido a características da área, ocorrer frequentemente desvios significativos de rota em virtude de formações meteorológicas;
durante operações militares, com vistas à melhor utilização do espaço aéreo e minimização dos impactos na circulação aérea geral;
quando ocorrer inoperância de frequências e/ou radares. AEROESPAÇO - Como vocês se sentem ao verem, enfim, a proposta tornada realidade como uma experiência de sucesso?
Setor 02 da FIR Curitiba. No detalhe, o setor dinâmico
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SARgEntOS DinARtE E Luiz CLáuDiO Realizados profissionalmente por termos contribuído com o Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro e motivados para colaborar com novos projetos dentro do Sistema.