Penha: entre redes e promessas

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Penha:

entre redes e promessas


Presidente do Iphan Jurema de Sousa Machado Chefe de Gabinete Rony Oliveira Diretor de Articulação e Fomento Luiz Philippe Peres Torelly Diretora de Patrimônio Imaterial Célia Maria Corsino Diretor de Patrimônio Material e Fiscalização Andrey Rosenthal Schlee Diretor de Planejamento e Administração Marcos José Silva Rêgo Superintende do Iphan na Paraíba Claudio Nogueira Chefe da Divisão Técnica do Iphan na Paraíba Christiane Finizola Sarmento Chefe da Divisão Administrativa do Iphan na Paraíba Lindaci Bandeira de Souza Prefeito Municipal de João Pessoa Luciano Cartaxo Diretora da Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes Mariane Góes Curadora-Geral da Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes Lúcia França

Equipe Técnica (Casa do Patrimônio da Paraíba) Planejamento, concepção e montagem da exposição Átila Tolentino Daniella Lira Emanuel Oliveira Braga Igor Alexander Souza Carla Gisele Moraes Maria Olga Enrique Silva Moysés Siqueira Neto Suelen de Andrade Silva Pesquisa histórica Maria Olga Enrique Silva Suelen de Andrade Silva Apoio Daniel Vieira Barbosa Antônio Simplício da Costa Fotografias Projeto gráfico e diagramação Daniella Lira

Agradecimentos: Ailton José Francisco, Ana Carla, Antônia Francisca da Silva (Dona Tonha), Artur Maia, Associação de Moradores do Bairro da Penha, Associação de Pescadores do Bairro da Penha, Célia Maria Gondim Maia (Célia Gondim), Colônia de Pescadores André Vidal de Negreiros, Coronel Valter Luiz, Edgar Rocha, Ênio Sergio de Carvalho, Escola Municipal Antônio Santos Coelho, Euclides Vitorino dos Santos (Bruno), Francisco de Assis Castro (Coronel Castro), Francisco de Assis das Neves, Francisco Lindolfo, Francisco Soares da Rocha, Graça Lira, Iago Albuquerque, Ilson Moraes, João Juvêncio Miguel (Nilson), Joelson Marinho, John Eraly (Fumacinha), José Francisco da Silva (Seu Dedé), José Izildo dos Passos Filhos, José Maria Bezerra (Zeca), José Paulino de Lima e Filho (Zeca), Josefa da Costa (Zefinha), Marcella de Oliveira Muccillo, Maria das Neves Cavalcanti Moreira (Nenê Cavalcanti), Maria José Costa de Brito (Zeinha), Padre Antônio Luciano de Freitas, Padre Luiz Antônio de Oliveira, Paola Bonfim, Policia Militar da Paraíba, Professora Bernadete Feliciano, Raisse Herculano, Roberval Ferreira Borba, Rose Mary Catão (Rose Catão), Rosenildo da Costa (Nen), Selma Brito Sanches (Selma Sanches), Serafina Joaquim da Silva, Seu Vicente, Terço dos Homens do Santuário da Penha, Teresinha Maria Freire, Thiago Bezerra Galvão.


Penha:

entre redes e promessas

2014



Fé, devoção, mar, beleza, pesca, suor, ritmo, pessoas. Essas e tantas outras palavras poderiam ser relacionadas ao bairro da Penha, na cidade de João Pessoa, e suas manifestações culturais. De importância fundamental para a Paraíba, o bairro se tornou referência no Estado por conta do Santuário e da romaria de Nossa Senhora da Penha, que motivou o tombamento, em nível estadual, do templo e do seu núcleo central. Para além da devoção a Nossa Senhora da Penha, o bairro é carregado de outras referências culturais importantes, como a bela procissão de São Pedro Pescador, cujo trajeto segue por terra e por mar; a natureza peculiar do local, engrandecida pela paisagem praieira integrada às falésias e à mata atlântica; o universo da pesca artesanal, que agrega vários saberes e práticas, como o ofício do pescador, a construção dos apetrechos de pesca, a venda do peixe e sua influência nas relações sociais e econômicas locais; e o próprio ritmo de vida dos moradores da Penha e daqueles que vêm visitá-la, seja para a missa e eventos ligados ao Santuário ou para se deliciar com suas águas mornas ou se satisfazer com a culinária preparada com os pescados do seu mar. Promovida pela Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional na Paraíba – Iphan/PB, por meio da Casa do Patrimônio da Paraíba, a exposição “Penha: entre redes e promessas” busca mostrar esse olhar ampliado sobre o bairro da Penha e suas referências culturais. A riqueza local demonstrada é síntese de um extenso trabalho de pesquisa documental e registro audiovisual desenvolvido pelo Iphan/PB entre 2012 e 2014. A pesquisa foi pautada em fontes documentais, como jornais e livros, e em fontes orais, por meio de entrevistas com moradores da região e outras pessoas que, de certo modo, têm forte relação com o bairro. A exposição é complementada com o olhar sobre o bairro a partir da perspectiva de artistas pessoenses e trabalhos de alunos da Escola Municipal Antonio Santos Coelho Neto, localizada no bairro, que produziram obras em diferentes estilos e técnicas, mostrando aspectos e detalhes do seu cotidiano e de seu patrimônio. Com o apoio da Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes, trazemos ao público esses olhares, mostrando a Penha como um lugar de devoção e emoção, mas também de pesca, redes e encantamento.

Foto: Moysés Siqueira Neto

Equipe da Casa do Patrimônio da Paraíba Superintendência do Iphan na Paraíba



No passado conhecido por Aratu, um tipo específico de caranguejo, o bairro da Penha é um recanto de beleza natural singular. No bairro se percebe a junção do sagrado e do profano, sendo o primeiro representado pela devoção a Nossa Senhora da Penha e o segundo, pela cultura expressa no cotidiano e nas práticas de seu povo. Esse bairro encantava Santos Tigre, pseudônimo de Antônio dos Santos Coelho Neto, escritor nascido na Praia da Penha em 1899, onde viveu com seu avô paterno, o comendador Antônio dos Santos Coelho. Em sua meninice, Santos Tigre relata, na obra Calmarias e tempestades: memórias praieiras (1979):

Foto: Moysés Siqueira Neto.

“Desobrigado das minhas tarefas de estudante, corri à minha Praia. Vida de ampla liberdade. Cabeça ao sol. Pele tostada. A sola dos pés encouraçada pela areia quente. A saúde jorrando a cara da moça. (...) Eu também gostava de espiar as leves embarcações encalharem na areia. Identificava uma a uma, ao apontarem no horizonte.”


Fotos: Acervo Iphaep, テ》ila Tolentino, Daniella Lira, Moysテゥs Siqueira Neto, Maria Olga Enrique, Suelen de Andrade Silva.




Construído em 1763 pelo português Silvio Siqueira, em agradecimento à graça alcançada numa tormenta em alto-mar, o Santuário de Nossa Senhora da Penha foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep) em 1980, juntamente com parte do casario, cemitério, posto de saúde, escola e um oitizeiro remanescente da Mata Atlântica. O Santuário é um grande referencial para os moradores do bairro:

Foto: Moysés Siqueira Neto.

“A minha história com o Santuário da Penha acontece de maneira bem diferenciada. Eu, quando criança, minha mãe fez uma promessa a Nossa Senhora da Penha, promessa para eu voltar a andar. Eu, com quatro anos de idade, os primeiros passos, voltei a andar. Então, a partir daí começou toda minha história com o Santuário da Penha.” (Roberval Ferreira Borba)


Fotos: Acervo Iphaep, Igor Alexander Souza, MoysĂŠs Siqueira Neto.




O registro mais antigo da Procissão de Nossa Senhora da Penha, na Paraíba, data de 1896, em reportagem no Jornal A União. Atualmente, é a maior manifestação religiosa no Estado, reunindo aproximadamente 400 mil pessoas. A procissão acontece todos os anos no último final de semana de novembro e extrapola os limites do bairro. A Romaria tem início no bairro da Penha por volta das 16h, com a saída de uma carreata que acompanha a imagem de Nossa Senhora, seguindo até a Igreja de Nossa Senhora de Lourdes, localizada no Centro da cidade, onde permanece até às 10h da noite. Os fiéis acompanham o retorno da imagem por um trajeto de 14km, que chega ao santuário da Penha por volta das 4h da madrugada, onde acontece a missa campal. No percurso, chamam a atenção os fiéis de todas as idades, muitos carregando ex-votos por graças alcançadas ou pagando promessas para que seus pedidos sejam atendidos. “A procissão da Penha para visto do que era está muito boa, muito boa mesmo, muito, muito, muito boa mesmo... Naquela época era um andorzinho, e gente pegada no andor, pessoal tudo de pés, de lá para cá. Aquele bocado de gente de madrugada chegava e era uma bagunça... Hoje tá muito lindo, muito bonito, bonito mesmo, muito organizada...” (D. Terezinha Maria Freire) Foto: Moysés Siqueira Neto.


Fotos: Artur Maia, Daniella Lira, Emanuel Braga, MoysĂŠs Siqueira Neto.




O termo ex-votos é utilizado para denominar o ato de pagar uma promessa ou o agradecimento a uma graça alcançada. Como símbolo, é confeccionado um objeto que represente o pedido feito ou a promessa realizada. Na casa dos milagres anexa ao Santuário da Penha, deparamo-nos com múltiplos objetos representando a devoção a Nossa Senhora da Penha. O devoto vê no artefato o símbolo do sagrado, a transfiguração de sua fé e a materialização da graça alcançada, estabelecendo uma ligação com a sua devoção.

Foto: Edgar Rocha.

“Quando termina a romaria, essa parte aqui, essa grade ali, aqui fica repleto de ex-votos. Casinhas, bata, (...), essas coisas que fazem, de gesso, de madeira, deixam aí. Por isso que ta aí, cheio. É tanto que a nossa casa de milagres é muito pequena, a gente esta sempre renovando. Não tem como botar todos os anos, tudo. (...) Uma cadeira de rodas, uma muleta, essas coisas, não faz sentido ficar aqui o resto da vida, vai servir a outra pessoa”. (Roberval Ferreira Borba)


Fotos: Edgar Rocha, Emanuel Braga, Igor Alexander Souza, MoysĂŠs Siqueira Neto.




O bairro da Penha é compreendido por uma extensa faixa de terra localizada no litoral sul do município de João Pessoa/PB. Por essa condição favorável, o início de sua ocupação foi por pescadores, os quais, até os dias atuais, lá residem e vivem do ofício da pesca artesanal. Por meio da fala dos pescadores, notamos que a prática da pesca ainda continua sendo importante na comunidade. O universo da pesca artesanal representa um patrimônio cultural do bairro, a partir da perspectiva desse ofício e dos saberes da natureza marítima, dos ciclos da pesca, da migração dos peixes, da influência lunar e da produção de barcos, caiçaras e apetrechos de pesca.

Foto: Daniella Lira.

“Pescaria, a nossa vida era a pescaria”. (D. Terezinha Maria Freire)


Fotos: テ》ila Tolentino, Daniella Lira, Moysテゥs Siqueira Neto, Maria Olga Enrique Silva.




Lugar privilegiado e propício à pesca, o bairro da Penha conta com diversas peixarias, atraindo pessoas de todos os lugares do município, que se reúnem, principalmente aos domingos, para comprar o peixe fresco e se confraternizar com parentes e amigos. A meninada se diverte com os variados tipos de peixes que atraem a atenção, enquanto os pais escolhem minuciosamente o almoço da família. “Aqui, saltam camorins, curimatãs, traíras. Ali, cardumes de saúnas e carás. Acolá, curimãs e cascudos. De mistura com a lama, pululam camarões, arraias-miúdas, aimorés, siris e marinheiros. Mulheres e velhos, manejando jarerés e tarrafas, apanham peixes quase no rolo do mar. No cupiá da casa-grande meu avô ouve o ronco do maceió.” (Santos Tigre, em Calmarias e tempestades: memórias praieiras, 1979) Foto: Daniella Lira.


Fotos: テ》ila Tolentino, Daniella Lira, Moysテゥs Siqueira Neto, Maria Olga Enrique Silva.




Inserida nas tradições do lugar, a procissão de São Pedro Pescador é realizada todos os anos no mês de junho, em homenagem ao santo padroeiro dos pescadores. Seu trajeto é feito percorrendo parte do bairro da Penha e outra parte pelo mar. Reúne pescadores de outras colônias, inclusive alguns que não exercem mais o ofício no mar. Carregada de significação, atrai pessoas de todas as partes de João Pessoa, fortalecendo a cultura e a identidade do lugar. “ Tu, te abeiraste da praia. Não buscaste nem sábios nem ricos, somente queres que eu te siga! ... Lá na praia, eu larguei o meu barco, junto a Ti buscarei outro mar.” (Trecho do hino “A barca” cantado na Procissão de São Pedro Pescador) Foto: Daniella Lira.


Fotos: テ》ila Tolentino, Daniella Lira, Marcella de Oliveira Muccillo, Moysテゥs Siqueira Neto.



Fotos: テ》ila Tolentino, Moysテゥs Siqueira Neto, Maria Olga Enrique, Suelen de Andrade Silva.



Fotos: テ》ila Tolentino, Daniella Lira, Marcella de Oliveira Muccillo, Suelen de Andrade Silva.



O bairro da Penha é um lugar de encanto e encantamento. Nele se vislumbram belezas naturais e problemas sociais. De pessoas fortes, alegres, de sabores, saberes, suor e sal. Um lugar onde o sagrado e profano convivem, com seus conflitos e sintonias. Esse pulsar da Penha, com suas paisagens e gentes, tem sido objeto de atenção de artistas locais e também dos professores e alunos da Escola Municipal Antonio Coelho Neto, que tomaram o bairro como referência para suas artes e trabalhos. Com diferentes técnicas e estilos, esses artistas e alunos apresentam o seu olhar sobre a Penha, lugar de moradia para alguns e de contemplação para outros, mas que em ambos os casos demonstram a sua ligação e pertencimento com o local.

Selma Sanches

Raisse Herculano


Celia Gondim

Joalisson Samuel, Marcielle Silva e Jonathan Brito


De cima para baixo: Selma Sanches Graรงa Lira Rose Catรฃo


Ilson Moraes

NenĂŞ Cavalcanti


Márcio Minervino, Verônica Rocha, Wellington Bernardo da Silva

George Rodrigues, Kleber Silva e Deuslânio Rodrigues


Ó Senhora da Penha, abrandai as dores, de todos os dias, de nós pecadores. Santa Maria, rogai por nós Santa Mãe de Deus, que recorremos a vós Santa virgem das virgens, rogai por nós Mãe de Jesus Cristo, que recorremos a vós Mãe da divina graça, rogai por nós Ó Mãe puríssima, que recorremos a vós Santa Mãe castíssima, rogai por nós [...] Mãe intacta, rogai por nós Nossa mãe amável, que recorremos a vós Mãe admirável, rogai por nós Mãe do bom conselho, que recorremos a vós Mãe do Criador, rogai por nós Mãe do Salvador, que recorremos a vós Virgem Venerável, rogai por nós [...] Virgem Poderosa, rogai por nós Virgem Benigna, que recorremos a vós Virgem Fiel, rogai por nós Espelho de Justiça, que recorremos a vós Motivo desta alegria, rogai por nós Arca da Aliança, que recorremos a vós Porta do Céu, rogai por nós Estrela da Manhã, no céu tu és nossa voz Nossa voz, ó mãe, no céu tu és nossa voz [...] (Ladainha de Nossa Senhora da Penha)


Estação Cabo Branco - Ciência, Cultura & Artes


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