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Devaneios

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Argila

Argila

Victor Sadi

“Nosso pai… Você nos fez a sua semelhança, mas não dividiu conosco a sua força.”

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Olá, amigo. Olá, amig… Essa forma de te nomear é estranha, pois um amigo demonstraria benevolência e compaixão com o próximo. Recordo-me que, no templo, o falso profeta falava que todos éramos irmãos. Todo dia santo ele abria as escrituras sagradas e nos apresentava um novo discípulo que falava que, perante a Deus, seríamos iguais. Essa igualdade acabava após o fim do seu show para aquele gigantesco público. Aquela plateia poderia espancar e calar a voz de qualquer pessoa que se opusesse ao seu Deus. Tenho frequentado aquele templo regularmente, pois a fome me acompanha e aos domingos me fornecem o de-comer. Então, calo-me e escuto com atenção. Isso é uma baboseira sem tamanho, como o falso profeta diz: “eles são apenas ovelhas guiadas por um pastor”. Esse pastor é movido pela sede de poder e vai corromper as ovelhas em nome da religião. Eu conheço a palavra sagrada e ele não abraça os ensinamentos divinos, só usa do seu pedestal para espalhar preceitos que jogam irmão contra irmão. Loucura. A humanidade tem sede de liderança como um bebê anseia pelo leite materno. Certamente é por isso que são presas tão fáceis de tiranos e ditadores. Por que não percebem que a fé mais verdadeira de alguém é a fé em si mesmo? O que lhe causou desespero a ponto de buscar alguém que lhes mostre o caminho?

Já chega. Alimentei-me e vou embora para o meu lar. Esse profeta está espalhando preceitos contra minha pessoa. Ao longo da história, meus irmãos de sangue foram perseguidos e mortos pela nossa cor de pele. Hoje, não posso expressar meus sentimentos em público que já sinto os olhares de nojo cair sobre mim. Sorte quando são apenas olhares. Porque esses fanáticos justificam qualquer coisa em nome de sua fé. Que tipo de religião prega ódio e violência? Enquanto caminho estou vigilante aos olhares que me circundam, o movimento ligeiro dos meus semelhantes ao guardar algum objeto com o receio que eu venha a furtar. Sabe, são esses pequenos detalhes que me fazem pensar em alguns versículos bíblicos. Recordo deste trecho do evangelho de Mateus: “E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Se Deus, um dia, saísse do seu trono e viesse em pessoa a terra eu o processaria. Pense comigo, se esse filho da put-. Desculpa. Se Ele realmente criou esse mundo tão diverso, deveria responder pela omissão perante as injustiças contra os fracos e oprimidos. Nossos irmãos de pele escura estão morrendo de fome na rua e, Deus, infelizmente, somos muitos. Quantas vezes fui acordar um semelhante e seu corpo estava gélido? Reflita junto à minha pessoa: se somos semelhantes à figura divina, por que somos tão cheio de falhas? Quantas vezes eu já presenciei um semelhante ser morto de forma brutal nas ruas, seja ele homem ou mulher, no fim, isso não importa, pois estão atacando contra nossa existência. Pessoas estão morrendo em Seu nome há vários anos e Ele não intervém. Como Ele quer que eu ame meu semelhante como a mim mesmo, se Ele quer me ver morto? Morrer com tais pensamentos incrustados em meu ser seria um desperdício. Pego meu velho, desgastado e sujo diário. Coloco meus devaneios no papel e jogo o diário sobre a ponte. Palavras ao vento e outros ouvirão os meus devaneios ordinários.

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