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Primeiro dia de aula

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Argila

Argila

Carolina Coutinho

Esse é o meu primeiro dia de aula no sétimo ano. E o meu primeiro dia de aula em uma nova escola. Caminho pelos corredores até chegar em um pátio aberto. Vou até um canto onde estavam quadros com listas e mais listas de nomes. Fico procurando por “Catarina Azevedo Ventura” — meu nome, no caso — nas listas do sétimo ano. Vejo o meu nome na lista do 7º D. Aproveito para ler o restante dos nomes. Tem muitas Anas, Marias e Silvas, e obviamente deveria ter uma “Amanda” no topo da lista. Um nome me faz estremecer. “Paola Andrade da Costa”. A junção dos nomes das três principais pessoas que tentaram destruir a minha vida na minha antiga escola. Paola Rossi, a menina que me chamava de “débil mental”; Lucas Andrade, o cara que batia em mim e Angelina da Costa, a garota que me enganava e me humilhava todos os dias. — Oi! Levo um susto. Recuo ao ver uma menina muito parecida com Letícia, a representante de classe que dizia que meu sofrimento era só frescura. Pelo menos, a parte que a máscara não cobria era parecida. A garota riu e se virou para a lista. Ela passou os olhos e disse: — Paola Andrade da Costa… sou eu! Então a minha turma

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é D.

Não consigo impedir as minhas lágrimas, mas fujo correndo para que a garota não perceba. Vou até um banco e sento,

colocando a mochila do meu lado esquerdo e tentando parar de chorar. Alguém toca no meu ombro e eu recuo. — Calma, eu sou Viviane, a coordenadora do Ensino Fundamental II. Olho para o vestido florido da moça. Ela se agacha e diz: — Olha nos meus olhos. Odeio quando me pedem pra fazer isso. Olho para o nariz

dela.

— Quem é você? — Catarina… do sétimo ano…— respondo, me encolhendo no banco. A mulher loira e jovem aproxima a mão de mim, mas eu digo antes que possa me alcançar: — Não gosto de toques. — Ok… — a mulher se senta na minha direita, e eu arredo para o lado oposto ao que ela se sentou — …por acaso você é Catarina Azevedo Ventura? Assinto. — Tem quantos anos? — Onze… mas vou fazer doze em dois dias. — respondo, ajeitando a blusa de frio no meu corpo. — Faz aniversário dia três? Legal…— Viviane comenta. Meu choro, que estava se acalmando, voltou. Viviane pediu, olhando para mim: — Toma um pouquinho de água… Pego a garrafinha presa no canto da minha mochila, tiro a máscara e bebo alguns goles de água. Enquanto bebo, Viviane pergunta: — Vai fazer uma festinha de aniversário? Fecho a boca da garrafa e recoloco a máscara. Logo depois, respondo: — Meus pais querem fazer, mas eu estou com medo. Viviane assente. Em seguida, ela questiona:

to? — Você foi diagnosticada recentemente com autismo, cer-

— S-sim…— respondo, hesitante. Não estou acostumada a me identificar como autista. — Fiquei sabendo do seu caso. — Viviane comenta. — Saiu no jornal. — Não me lembre disso…— peço. Eu sofri bullying na minha antiga escola e os professores me odiavam. Assim que as aulas voltaram a ser presenciais, todos passaram a fazer brincadeiras sem graça com meu jeito e minha personalidade. No final do ano, pediram uma avaliação psicológica pra mim. Minha mãe me acompanhou em diversos psicólogos e psiquiatras até eu receber o diagnóstico de autismo. Foi só o povo da minha sala descobrir meu autismo que eles passaram a me odiar mais e mais. Os professores me humilhavam em sala de aula e, quando reclamei com minha mãe que reclamou com a coordenação, eles me expulsaram da escola. Meu pai entrou com um processo contra o colégio e ganhou. A escola teve que pagar uma multa, mas eu disse que não queria voltar para lá. Até que a escola atual ofereceu uma bolsa de 10% não no sexto ano, mas no sétimo. Minhas notas até aquele momento foram o suficiente para passar de ano. Durante todo o processo, eu disse que não queria dar entrevista e que queria aparecer o mínimo possível nas câmeras. Hoje, um jornal gravou minha ida até aqui para mostrar o “desfecho” do meu caso. — Não gostou de ter virado notícia? — Viviane pergunta. — Óbvio que não. — respondo. Fico olhando meus pés irem para frente e para trás enquanto Viviane questionava: — Por que você estava chorando? — Eu vi uma pessoa da minha sala que parecia com alguém que fazia bullying comigo. — respondo. — E ela tem o mesmo nome de outra pessoa que também me zoava.

Viviane suspirou e disse: — Só porque é o mesmo nome não significa que a pessoa vai ser ruim com você. — ela se aproximou de mim. — Se eu falar que você tem autismo pra sala, você vai ficar melhor? Assinto. Viviane olhou para o relógio de pulso que usava, depois olhou para mim, pegou na minha mão e pediu: — Venha comigo. A aula já vai começar. — Ok…— falo baixinho. Pego a minha mochila, coloco nas costas e sigo Viviane até a minha sala. Andamos por diversos corredores até uma sala com diversos alunos e um professor que havia acabado de chegar. Viviane faz um gesto para eu esperar e entra na sala. Olho para a sala e vejo Viviane falando: — Oi, sétimo ano! — OI, TIA VIVI! Levo as mãos aos meus ouvidos por um tempo. Odeio barulhos altos. Enquanto isso, Viviane sorri e diz: — Não sei se vocês ou algum outro parente assiste jornal. Mas, de qualquer forma, sabem do caso da menina autista que foi expulsa da escola por ser quem é? — Sim! — vejo que quem falou isso foi a tal Paola. — Fiquei com dó dela, e eu nem sei o que é “autismo”… Pensei que talvez ESSA Paola não seja tão ruim. Viviane continua: — Autismo é uma condição psicológica que faz com que a pessoa tenha certas… características diferentes. Os autistas podem ser muito dedicados no que gostam, mas terem dificuldades em socializar. Parei de olhar para Paola e virei meus olhos para Viviane, que continuou: — Essa menina se chama Catarina, e ela vai ser colega de vocês. Espero que cuidem bem dela.

mão.

— Pode deixar! — disse Paola, fazendo um “joia” com a Viviane olha pra mim e pede para eu entrar. Eu faço o que ela pediu e olho para a turma, aliviada de que tem mais meninas que meninos. O professor disse: — Pode se sentar. Qualquer coisa, pode contar comigo, ok? — Ok. — digo, me sentando em uma cadeira da frente. Agora estou de frente para o professor e Viviane, que diz, se retirando: — Cuidem bem dela, viu? — SIM! — todos dizem. Tapo os ouvidos por dois segundos devido ao barulho. O professor sorri para mim e depois olha para a turma, dizendo: — Meu nome é Marcos, sou professor de história. Pela primeira vez, me senti acolhida por uma escola.

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